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Copyright by

EDITORA PAULO DE AZEVED® LTDA,

Casa-de Alvenaria — histéria de ama ascensio social


apresentacéo de Audalio Dantas

Vi os pobres sair chorando. As lagrimas dos


pobres comove os poetas. NAo comove os poe-

N° =. 33358 tas de saldo.


~- trecho de “Quarto
Mas comove
de
os
Despejo”,
poetas
de
do lixo.
Caro-
ling Maria de Jesus.

Um dia — era uma tarde de abril de 1958 — fui & favela do Ca-
nindé e quando cheguei lé encontrei uma revolugdo deniro de um
barraca; eram as narrativas de uma negra chamada Carolina Maria
de Jesus, A revoligéo tomou forma de tivro e foi chamada “Quarto
de Despejo” .
Agora, tenho de falar de novas histérias daquela mesma negra
ent cujo barraco encontrei a subversdo manuscrita. Ela saiu do
quarto de despejo ¢ instalou-se num sonho — wma casa de alvenaria.
# nossa vizinha, aqui na sala de visitas, onde continuou a olhar em
térno com o mesmo olhar acostumado. a ver favela, a abservar e a
anotar tude — as grandezas e as misérias de lado de cd.
Casa de Alvenaria é, na forma, o mesmo que o diario eserita na
favela do Canindé; na esséncia, é
coisa bem diferente; &€ um depoi-
mento, também, mas~sdbre outro
mundo — o mundo de alvenaria
que foi sonho e conguista de Carolina, Casa de Alvenaria é depoi-
mento téo importante quanto “Quarto de Despejo”, mesmo sem o
tem dramdtico da miséria favelada. Em certos aspectos, € um livro
mais fascinante, porgue néle hd um pouco de alegria, had o deslum-
bramento da descoberta, hd a felicidade do estémago satisfelto, ha
a perplexidade. diante de pessoas e coisas diferentes e wna amarga.
constatacdo: « miséria ewiste também na alvenaria, em formas as
miais diversas.
A -partir de un acontecimento que talvez tenha sido 6 mais im-
portantée de sua vide — a assinatura do centrato pare publitdgdo de
Um caminhdo partiu da favela, cheio de velhos trastes, Ne primeira
“Quarto de Despejo” — Carolina narra o dia-a-dia de sua nova vida,
rua de alvenaria alguém perguntou:
mas nessa nerrativa og dias assumem uma nova dimensdo; deiwam de
ser sempre iguais, precedidos pela fome. As surprésas, os choques, — Isto é despejo? >
as grandes alegrias ¢ os desencantos, se sucedem neste registro de — Ndo. Ndo é despejo, ew estou saindo do quarto de despsjo —
grande valor humano e de grande valor como contribuicio para es- foi a resposta feliz e risonha da negra Carolina.
tudo socioldgico.
Foi para um quartinho de Osasco, a sua primeira alwenaria, pre-
Os personagens que desfilam nestas pdginas sdo, quase todos, de sente de um senhor muito condoido com a pobre favelada que, entdo,
eonticdo diferente daqueles angustiados que se agitam no mundo j& tinha ganho 240 mil cruzeiros de direitos autorais. No mesmo dia
de tdbua e zinco da favela. Aqui éles sdo vistos, muitas vézes com em que ingressou no mundo de alvenaria, Carolina juntou 4d felicidade
deformacées, por uma criatura que viveu sempre ad margem, uma uma divida:
desintegrada social que Ilutou desesperadamente para entrar na
Agora eu estou na sala de visita. Q lugar que eu ambiclonava
sociedade mais ampla e¢ menos infelig da sala de visitas.
viver. Vamos ver como 6 que vai ser a minha vida aqui na sala de
Como no quarto de despejo, ela continuow a@ escrever 0 seu visita.
diarlo, a fazer retrato. Sé que o retrato da gente de alvenaria tem
Como é a sua vida aqui na sala de visitas ¢ o que ela nos conta
algumas distorgées, € assim como wm painel com pontos de perfeita
agora, neste livro. O deslumbramento diante de coisas novas, a vai-
nitidez e dreas esfumadas, nedulosas, Mas Casa de Alvenaria é€ um
dade.muito natural despertada pelas iniimeras solicitagées — as legi-
retrato, Feito com as contradigées da retratista e, sobratudo, com as
timas, witeis, e as destituidas de qualquer significado, feitas por debi-
contradigées dos retratados. Nem sempre @ revelacdo que Carolina
Idides e safados que viam em Carolina qualquer colsa assim como um
nos faz de certas criaturas é perfeita, mas, no caso, @ response bili-
dicho estranho., Preciso dizer que tudo fiz para evitar €sse envolvl-
dade ndo the cabe. Ela procurou enfocar, com aquéle seu notdvel
mento, mas ndéo consegui. A prépria Carolina, algo inebriada com o
senso de observacgdo, necesséria
mas nitidez, sim~
ndo conseguiu @
sucesso, constituiu obstdculo, Diziam-lhe que eu estava querendo ser
plesmente porque na favela, ponto bem nitido e definido da miséria,
seu “dono”, Bia deixa claro, em muitos registros de seu diario, que
um Orlando Lopes explorador da luz e da dgua ndo passa de Orlando
ecreditou nos conselhos désses amigos de ultima hora. Por exempio,
Lopes explorador da le e da dgua, enquanto aqui fora os homens
quando se queixa por eu ser contrdrio d sua iddia de cantar no rddio:
costuman usar muitas faces...
Eu queria ir para o radio, pra cantar. Fiquei furiosa com a auto~
Mas, entremos na Casa de Aivenaria de Carolina, que é bem
do Canindé, ridade do Audalio, reprovando tudo, anulando os meus progetos. Da
diferente daquele barraco nimero 9 da Rua A, favela impressio de que sou sua escrava.
cémodo. A casa
que tinha sala-quarto-cozinha, nwm sé cdmodo nada
de Carolina, agora, é casa-sobrado, com sala, sdlinha, quarto, quarto,
Contraditéria, essa referéncia a anulag&o de projetos, justamente
cozinha, quintal, jardim. E uma escada que, se ndo me engano, tem aquéles projetos que seriam prejudiciais. Jdé imaginaram o pessoal
dezenove degraust No jardim de Carolina tem wma roseira que bota do rddio usando a figura de Carolina para extbicdes ridiculas nos
muitas rosas, vém as oriancas, cothem as roaas, ela ndo se incomoda, auditérios? Oarolina estava, evidentemente, sendo aconselhada. Mas
porque — pensa — Deus faz nascer mais. A roseira é& flor-felicidade logo vinha o bom-senso, na paiavra de alguém que ndo era um inte-
na casa de alvenaria, assim como o menino nu chorando de berriga resseiro:
vazia era tristeza na barraco da Canindé. Agradeci e despedi e fui tomar o onibus, pensando nas palavras
De alegrias e tristezas é a vida, na favela ou na alvenaria. 4 do senhor Fernando Soares. Ele disse para eu n&o ir cantar no
fome se fol do barraco de Carolina e ela registrou ¢ cheyada da ale» radio...
gria, que também pode habliter em barraco: A gente de aivenaria contribuia, assim, pera as centradicées de
A trleteza estava residindo comigo ha multo tempo. Veio sem retrato que Carolina fazia, com olhos de favelada, da sala de visitas.
convite. Agora a tristeza partiu, porque 2 alegria chegou. Para onde A sua capacidade de observagdo, aliada &@ sua capacidade de conctuir,
da favela.
sera que fol a tristeza? Peve estar alojada num barraco gerviu, porém, para que apanhasse no meio desta nossa feira de vat-
da Rua A, niimero 9. Néo havia ‘dades aspectos bastante significativos, nem sempre observades por.
Era wm barraco especial, cquélé
fowie Ié dentro! / nés, Por exemplo, os compromissos dos que escrevem, quase sempre
tothidos em aua liberdade pelo jégo infernal dos interésses, Aaiut,
assim; com a partida da fome, a nove vida de Carolina
Comeccou em nossa meio, ela comecow a temer, tambén: :
Maria @é Jesus; qué agora é nossa vidinka wqui we sala do visitas.
—— Sabe, Carolina, pege-te para inclulr no teu diario que ha
de escrever o-meu diarto da
N4o estou tranquila com a fdéia preconceito aqui no Sul.
Eles so poderoses © podem
vida atual. Escrever contra os ricos. A resposta fot esta:
destruir-me.
do ponto de vista ada —- Esta bem. tInciuirei tua queixa no mew diario.
Os ricos, ai, ndo séo os prépriamente ditos;
mora em casa de
autora, egressa da favela, rico é todo aquéle que E um apélo significativo, éste do pretinho de Pelotas. Demons-
tiran-
alwenaria. Mas, sem saber, ela terminou dizendo uma verdade, tra, sem necessidade de novos argumentos, o que essa negra vinda

do que acertada. O dinheiro ganho por Caro- representa no inconsciente coletivo: vor de protesto.
do uma conclusdo mais do monturo
alegria de comida fumegando
lina foi garantia de wma vida decente,
nas panelas, mas foi, também, motivo de grandes aborrecimentos.
o inventaram e por éle bri-
Como sempre foi, desde que os homens
Acho que estas consideragées de reporter podem dar apenas uma
matam. Foi o José Carlos, numa alegria de fome base cientifica
gam e por éle se pdlida idéia do sentido déste livro. Um estudo com
sgaciada, quem féz a pergunta: poderd revelar aspectos de grande interésse da revolucde que come-
é preciso ter dinheiro para gou no quarto de despejo e tem prosseguimento na casa de alvenaria.
— WA tantas coisas para comer, mas
o dinheira? . enorme de ensinamentos desde o
comprar. Quem inventou Particularmente, recothi uma soma
dia em que encontrei a revolucdo ld no barraco nimero 9 da Rua A,
Carolina respondeu:
favela do Canindé. Conheci bem conhecido o que é ambicéo, inveja,
— Foi um pove chamado fenicios.
safadeza, vaidade, dio. E conhect também amor, honestidade, des-~
—- Invengdo Idiota, nao, mame? mds qualidades sé reveladas integral-
prendimento, As boas ¢ as
Uma roma-
A tal invencdo deu muita dor de cabeca a Carolina. mente diante das coisas importantes. Aprendi, por exemplo, que
dinheiro. Tudo
rie intermindvel & sua alvenaria, de gente querendo ganhar dinheiro é a coisa mais importante para a maioria dos inte~
por causa de um povo chamado fenicios! grados sociais. H, por isso, apenas wma minoria acredita que se pos-
estranhar as queixas constantes que Caro- sa fazer alguma coisa sem se ganhar dinheiro.
Por isso ndo se deve
contra a sala de visitas. Deve-se considerar a sud condigado
lina faz Carolina jd esté na sua casa de alvenaria, a maioria dos favela-
quando ela, logo depois de bendizer o mo-
de “peize fora Wdgua” dos do Canindé, também. Quanto a mim, continuo rendrter. Apareco
mento em que deixou a favela, diz que preferia voltar para ld. Con- com muita freqiiéncia neste livro, como personagem. Isto néo podia
tradigéo humana, espanta diante de wma realidade que afugenta o
ser evitado, porque de mistura comigo havia personagens importantes.
sonho. Mas o sonhko — e ai sempre
de nés se nado fésse o sonho! —
Apareco como anjfo num pardgrafo, noutroa aparego como deménio,
depois, em outro
volta, com colorido de felicidade. Como acontece logo de acérdo com as mutacgdes espirituais de Carolina. Hd erros de apre-
trecho déste livro em que Carolina descreve a alegria de haver falado ciagdo da autora em ambos os casos. Eu podia ser deménio a certa
as causas da favela no Congresso de Vereadores do Rio Grande
sébre altura, sé porque a aconselhei a néo emprestar dinheiro a determi-
do Sul: nada pessoa ou por manifestar a minha opinido sébre um rapaz que
vivia dizendo: a felicidade virou-me as costas. Agora pegou- vendeu o nome de Carolina para a propaganda de uma marca de
Eu
me nos bracos. sabéo. Quase sempre, ao conhecer a realidade, Carolina voltava a
ela reencontra a realidade. A meia luz de um res: ver-me com outros olhos e eu virava anjo. Estd tudo at, contado
Novamente
-taurante-grdfine de Copacabana, por exremplo: no seu jeito originalissimo de dizer as coisas.

mesa. As mulheres que estavam na minha O tratamento dado a Casa de Alvenaria foi o mesmo que dei «
Alguns iam a minha
falavam em reforma social. ...@u pensava: elas sao ftilantropi- “Quarto de Despejo”. Conservei a linguegem e a ortografia da au-
mesa
Quando avis-
cas nas patavras. Sao falastronas. Papagaios noturnos. tora, sem alterar nada. No trabalho de compilagée houve cortes de
tam-me 6 que recordam que ha favelas no Brasil. grandes trechos, todos sem maior significagdeo. Ficou o essencial, o
o walor déste livro importante, funcionande como wma pelicula cinematogrdfica, O que
Tudo isto 6-de-grande.importancia, demonstra
uma retratista que veio fiz foi algo semelhante a uma montagem de filme. Os originais estdo
que é wm retrato da sala de visitas feite por
gritando em nome dos que ficaram la ¢ dos quardados para possivel confronto.
de quarto de despejo,
li ¢ viven as injusticas aqut de fora, como aquéle
qete ndo estdo Finalmente, wna palavrinha a Carolina, revolucionarla que sain
que circulava meio ressabiade pela praga onde
pretinko de Pelotas doe monturo e veio para o meio da gente de alvenaria: vocé contri-
«a Feira do Livro. Carolina autografave e ouvin a
se realigava butu poderosamente para a gente ver melhor @ desarrumacda do
SU LOe? , °
quarto de. despejo. Agora vocé estd na sala de visitas e€ continua a
contribuir com éste nédvo livro, com o qual vocé pode dar por encer-
reda a sua missdo. Conserve aquela humildade, ow melhor, recupere
aquela humildade que vocé perdeu um pouco — nado por sua culpa
-~ RO deslumbramento das luzes da cidade. Guarde aquelas “poesias”,
aquéles “contos” ¢ aquéles “romances” que vocé escrevet. A vere
dade que vocé gritou é muito forte, mais forte do que vocé imagina,
Carolina, ex-favelada do Canindé, minha irmé lé e minha irmd. aqui. 5 de maio de 1960 Levantei as 5 horas para pre-
parar as roupas dos filhos para irmos na Livraria.
AUDALIO DANTAS Nao vou fazer café porque ndio tenho acucar nem
dinheiro para o pio.. Eu peguei um saco e catei latas,
Sdo Paulo, setembro de 1961.
ferros e vidros e uns metais e fui vendé-los. Nao tenho
tido tempo de ir vender no Senhor Manoel. Ganhei
22 eruzeiros. Comprei 12 de pao. O Senhor Luiz Bar-
bosa, que reside aqui perto da favela, deu-me lenhas.
Eu disse-lhe que hoje eu vou assinar contrato com a
Livraria Francisco Alves para editar o meu livro. Ele
disse-me que jA me viu nos jornais e nag revistas e
deu-me mais lenhas. Quando voltei peguei as lenhas
e pus dentro do saco e voltei as pressas para a favela.
... O José Carlos entrou dizendo que estava. com
fome. Vamos prepararmos para irmos para a cidade.
Vamos ver se o pai da Vera levou-lhe o dinheiro no
Juiz. O Joo voltou da escola alegre por eu ter man-
dado pio para éle. Nés saimos. Passei no empério do
Senhor Eduardo e pedi se éle me vendia uns sandui-
ches para os filhos. Nfo tinha pao. S6 eu notei os
olhares tristes dos meus filhos, porque sou mae. Nés
fomos para a cidade. Passamos pelo Mercado. A Vera
olhava no solo para ver se encontrava algo para co-
mer. Ndo encontrou nada. Comecou a chorar e nao
queria andar. Eu disse-lhe:
——_ Vamos no Juiz ver o dinheiro e eu compro
algo para vocé.
Ela empacou-se. Dei-lhe uns tapas. Eu criticava as
minhas acdes, pensando: coitados! Além de estar com
fome ainda apanham. Hu andei, ela ficou atras. Os
filhos estavam perto da banca de jornais olhando o
Chessman. Quando olbei para tras nado avistei a Vera.

11.
CASA DE ALVENARIA
GAROLINA Maria bE Jescs

Voltei procurando-a e entrei dentre do Mercado gri- — Eu quero ver o nome de minha loja nos
tando: — Vera! Vera! Vera! jornais.
Perguntei a um guarda se nao tinha visto uma _. O senhor ha de ver, se Deus quiser.
Agradeci as pessoas presentes dizendo que estava
menina.
— Nao!
com pressa e saf correndo. Na Praca da Sé estavam
desfilando carros com crian¢as defeituosas angarian-
Mais de cem mil pensamento afluiam-me a mente.
do auxilios..Os meus filhos olhavam as criancas de-
O coracao acelerou-se. Percorri o Mercado por den-
feituosas. Eu disse a um casal que segurava um
tro e ao redor. Encontrei uma mulher da favela e
menino: :
perguntei-lhe se ela havia visto a minha filha.
— O senhor vé'essas criangas? Os pais delas de-
— Nao vi.
vem ser tristes. Ainda tem pais que bate nos seus
—— E. que eu vou na Livraria assinar um contrato
filhos porque quebrou a vidraea do vizinho ou’ sujou-
para éles publicar os meus livros.
se na lama, ou. fala palavroées. E se éles nao falam?
As pessoas que ouvin-me dizer que eu ia assinar
Curvei-me até-o ouvido do menino. e disse-lhe:
contrato na Livraria Francisco Alves pararam para
— Pois é,:meu filho! Vocé vai quebrar vidragas,
olhar-me. Sai as pressas do Mercado, gritando: —
jogar bola, correr e viver a sua vida de crianga
Vera! Vera! Vera!
perfeita.
Os meninos procurava-a. Surgin uma senhora e
Ble sorriu.
perguntou-me se eu estava procurando uma menina. Despedi-me e fui no Juizade. Fui receber o di-
— Estou! A senhora viu-a? nheiro da Vera. O dinheiro estava, reanimei. Recebi,
— Ela estava na minha loja. assinei e disse ao tesoureiro que eu ia assinar con-
Perguteni-lhe o seu nome. trato para editar o meu livro e que amanha eu estou
—~ Antonieta. em todos os jornais. EK que eu sou obrigada a escre-
—— Oh, D. Antonieta, muito obrigada e Deus te ver porque o pai da Vera nao auxilia-me.
dé um noivo bom e bonito! En despedi do tesoureiro.e fui comprar quibes e
Ela sorriu. E respondeu com prazer na voz e no empadinhas ‘para os filhos.. Quando os meninos viu-
olhar: me com o embrulho sorriam.. Dei um quibe e uma
—— Eu j4 tenho o meu noivo, 34 estou casada e empadinha para cada um. Eles comiam e sorriam.
quero muito bem ao meu espéso. Othei o relégio. Hra 16 horas.
Vi um aglomerado de gente e a Vera.no centro. Chegamos a Livraria Francisco Alves. Per-
Ela estava chorando. Quando me viu reanimou a fi- guntei pelo escritor Paulo Dantas™. A senhora que
sionomia. Eu agradeci as senhoras que estavam na estava na caixa telefonou-the. Ele viu-me 14 do alto e
loja e pedi-lhe os nomes. Disse-lhes que era para deu ordem para.eu ir de elevador. A livraria é alegre
incluir no meu didrio, que eu ia na Livraria assi- no aspecto. Ao entrar no elevador percebi que éle é
nar um contrato para publicar os meus livros. Vlas antigo. Ja deve ter uns 60 anos de_us a a impres-
disseram: : séo que a livraria é uma reliquia de: Paulo. Eu
— Nao precisa. aprecio o que é antigo.
Othei o titulo da loja: Tecidos Cantareira. Ouvi
(1) Diretor de edicdes da Livraria Francisco Alves... (Neta de Au-
uma voz masculina : dalio Dantas).

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CASA DE ALVENARIA
Carotina Maria pE Jesus

Surgio o Senhor Del Nero e cumprimentou-me. As 6 horas me despedi. O Senhor Lelio deu-
urgio o Senhor Lelio de Castro Andrade ® e o Se- me’o seu cartéo para eu procura-lo. Citei os livros
nhor Paulo Dantas apresentou-me. Conversamos e eu que tenho em preparo. Hoje eu ganhei:
fui perdendo o acanhamento e tinha a impressao de
estar no céu. A minha cdr preta néo foi .obstaculo 22,00 de ferro velho
para mim. E nem os meus trajes humildes. Foram 10,00 de um fregués da livraria
chegando reporteres, entrevistaram-me e fotografa- 20,00 do reporter da “Ultima Hora”
ram-me e ficaram lendo trechos do diario. Havia 500,00 do pai da Vera
arlos reporteres e fotografos. Eu perguntava: 2.000,00 do Senhor Lelio
— De que jornal é o senhor?
— “Ultima Hora’. 2..552,00
Eu li um trecho do didrio, que eu estava enfra-
quecendo porque passava fome. O reporter da “Ultima Despedi de todos na livraria e fui fotografada na
vitrine. Quando chegamos no ponto do bonde, levei os
mora” deu-me 20 cruzeiros. Quando eu entrava na jantar no restaurante. les gostaram.
filhos para
ivraria e@e estava conversando com a caixa um senhor
(...) Era 8 horas quando entrei no emporio do Se-
deu-me 10 cruzeiros —- tomeu-me por mendiga. A
Caixa disse-me: nhor Eduardo. Paguei-lhe 260 cruzeiros que estava
—— Pega! devendo ha muito tempo, e comprei um queijo de 180
cruzeiros, 1 quilo de acucar e café. Mostrei o contrato
As pessoas que estava na livraria perguntava: :
— Quem
para o Senhor Eduardo ler e disse-lhe:
é ela? : todos os jornais.
__. Amanha eu estou em
— escritora e mora na favela.
Despedi do Senhor Eduardo, que estava com 0s
— Oh! — exclamavam.
: Chegou outros reporteres. Entrevistava-me e fa- olhos fitos no meu rosto como se estivesse vendo-me
ava com o eseritor Paulo Dantas. Hi liam alguns tre- pela primeira vez. O Jodo disse-me:
—.. A senhora estAé gastando muito.
caes do meu diario. As 5 e meia o Audalio chegou
__ A vida de miséria vai acabar — falei sorrindo.
m os da televisio. Apresentou-me e eu assinei o
contrato e filmaram-me. Quando eu cheguei na favela estava.com sono e
cruneie O senhor Lelio de Castro Andrade deu 2 mil alegre. Ergui os olhos e contemplei uma cruz. Pensei:
; elros ao reporter para dar-me. Os filhos ficaram devo rezar. O Joao disse-me:
— Sabe, mamde, eu vou dizer uma coisa para a
acetes. Eu disse ao Joao que amanha vou comprar ‘
ne para fazer bife para éle, porque ja faz tempo
senhora.
— Que é? — perguntei apreensiva, pensando —
que éle esté suplicando-me para fazer. Ele ficou ale- sera uma coisa grave?
8re sorrindo. Percebi que Ge estava pensando num
— Como é bom a gente comer até encher!
prato de arroz com bife acebolado. A ida foi triste, porque estavamos com fome. Mas
As criancas antigas pensavam em Ciranda-Ciran- a volta foi sublime.
dinha. Elas eram alegres. As atuais pensam na - A Vera disse:
comida.
— Viva o Audalio!
(2)
— Viva!
Diretor-Gerente da Editéra. (A. D.)

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Caro~Ina Marra pe JESUS CASA DE ALVENARIA

— Vamos dar um piguwe-pique para o Audalio? Conelui as roupas rapidamente e voltei e comececi
Deram o pique-pique e ficaram gritando. Prepa- a preparar os filhos para irmos. Coloquei os cader-
ramos e deitamos. nos na pasta. Fui avisando as pessoas que tem televi-
s4o para ver-me, que eu ia no programa das 8 horas.
6 de maio Levantei as 4 horas. Fui ler as noti- (...) Iniciaram o programa. Os meus filhos estavam
cias do Chessman. (...) Com a execussio do Chess-
alegres porque estavam no palco. A Vera sorria. Fui
man os Estados Unidos é criticado pelo Universo. entrevistada pelo reporter Heitor Augusto. Falamos
O sol estava oculto pelas nuvens e eu estava com

Peas
da favela. FE. porque a favela 6 0 quarto de despejo de
frio. (...) Fui no emporio do. japonés fazer compras, Sao Paulo. E que em 1948, quando comecaram a de-
comprei 3 quilos de arroz, 1 de feijao, 3 sabdes, fari- molir as casas terreas para construir os edificios, nés
nha, alho e anil. Quando eu cheguei na favela fui os pobres que residiamos nas habitacdes coletivas fo-.
preparar o almdéco para os filhos. As criangas vem mos despejados e ficamos debaixo das pontes. B por
dizer-me que me viu nos jornais. Hoje eu sou a sen-
isso que eu denomino que a favela 6 0 quarto de des-
sacao do bairro. Preparei o alméco: arroz, feijao, bife pejo de uma cidade. Nés os pobres somos os trastes
milanés e salada. O Joao gostou da comida-e gritou: velhos.
—— Viva a Dona Carolina!
Sorri. Ele olhou-me por longo tempo e disse-me: Hra 22 horas quando eu fui deitar. Estava ‘alegre.
— Por estes dias temos comida e a senhora nao
precisa chorar. 8 de maio ... Fui no acougue. Escolhi um pe-
Biles estfo alegres porque comeram. dacgo de carne. Tinha muito nervo. Gracas a Deus
hoje eu estou em condicdes de escother a carne que
7 de maio N&o fui comprar pac. Os filhos co- eu quero. Olhei os ossos que estava no baledo e disse:
meram queijo. O Joao modificou-se. Hsté mais calmo — 0 senhor dizia que eu eserevo e nao ganho
e sempre sorrindo. Quantas vezes en disse-lhe: nem para comer. Gracas a Deus eu vou receber 150
— Joao, vocé é muito bruto! mil eruzeiros por um livro e hei de ter o que comer.
Mas agora que temos o que comer em casa, éle
transformou-se: deixou de ser Joao Bruto para ser Kiscolhi outro pedaco de carne. Paguei 70 eruzei-
Joao Gentil. IE que a fome deixa as pessoas neuroti- ros. Pensei no reporter, o homem que emparelhou-se
eas. (...) Dei alméco aos filhos e fui lavar as rou-
comigo na hora mais critica da minha vida. Agora
pas. (...) Estava lavando quando ouvi a voz da Vera eu falo e sou ouvida. Nao sou mais a negra suja da
dizendo : .. Loe favela. Cheguei no emporio e comprei os tomates, o
— O14 minha mae! querosene ¢ oves e pao. (...) Fui preparar o alméco.
Ela vinha acompanhada de dois senhores. Quan- Fiz molho de tomate para o ravioli e pus muito
do éles aproximaram-se perguntei: queijo. Os meninos comeram e gostaram. E gritaram
— De que jornal sao os senhores? — Viva!
—- Nés somos da televisée-e-eu-vim convidar a
senhora para ir num programa. Tem que esta 14 as 9 de maio ... Chegou dois reporteres. Disse-
8 horas. ‘ram-me ser do “Globo”, mandei éles entrar. Pergun-
— Esta bem. Eu vou. taram se en encontrei dificuldades para encontrar
— lLeve as crian¢as. editor. Ku disse-lhes que cansci de suplicar as editoras
16 17
CAROLINA Manta pE Jesus Casa DE ALVENARIA

do pais e pedi a Editora da Selegdo® nos Estados — Fa senhora que é a Dona Carolina Maria de
Unidos se queria publicar os meus livros em troca de Jesus? ,
casa e comida e enviei uns manuscritos para éles ler. —— Sou. O senhor entra.
Devolveram-me. Ele entrou,
...O Adalberto entregou-me carne e toucinho que tirou o chapéu e cumprimentou-me e
disse-me que leu a reportagem em alem&o. E veio co-
o Ramiro deu-me. O Adalberto pediu-me para fazer
nhecer-me. Deu-me um livro novinho. O Grande Evan-
um bife para éle. Que bom saber que temos o que
gelho de Joéo. Pediu-me para nfo relaxar, para nio
comer. Parece até que a minha vida transformou-se.
envaidecer, para nao ficar orgulhosa e se enriquecer,
Da fome para a fartura. (...) Hu estava ageitando
o barraco quando o Ramiro chegou na janela. Disse-
para nao ser vingativa. E agradar os pobres. Que no
me que me viu nos jornais e deu-me os parabens. Eu mundo sé tem valor as pessoas de espirito humilde.
Para eu agradecer a Deus éste dom que éle deu-me.
‘ agradeci porque éle deu-me toucinho e carne. Fle dis-
(...) QO nome do senhor que deu-me o livro é José
se-me que est& muito triste com a morte do Chessman.
social, am-
Galler. .
Que o Chessman nao conhecen o nucleo
biente sadio. Os intelectuais fizeram de tudo para im-
13 de maio ... Hoje é 0 dia que comemoramos
pedir a sua execussio. Se os Estados Unidos tivesse
a extingao da escravidio. Se a eseravidio nado fésse
perdoado o Chessman, éles angariavam a simpatia do
Globo. Porque o mundo estava voltado para os Esta- extinta, eu era escrava, porque sou preta. (...) Fui
telefonar para o reporter. Hle disse-me para eu en-
dos Unidos.
contra-lo as 11 e meia. Ei convidou-me para ir com ele
10 de maio Em estava carregando agua quando no Teatro da Escola de Medicina, que hoje comemo-
ouvi a voz do visinho, senhor Alexandre:
ra-se a data da abolicdo. Que o espetdculo é represen-
tado pelo Teatro Popular Brasileiro, dirigido pelo
— Dona Carolina, tem. visita!
poeta Solano Trindade. (...). Preparei-me e sai para
Era o Professor Walter José Faé, com seu alu- encontrar-me com o reporter na porta do “Diario da
nos. O Professor Faé disse-me que ha muitas pessoas
que vai ganhar dinheiro por meu intermedio. Fiquei
Noite”. Eu nao sabia que a Escola de Medicina tinha
alegre. Que bom! Poder fazer o bem a milhares de teatro. Quando chegamos, o teatro estava superlota-
pessoas. O sol é unico e distribui o seu calor para do. Um espiquer veio fazer a descrigéo das cenas. O
titulo de peca é “Rapsodia Afro-Brasileira”. O espe-
todos.
taculo é uma confraternizacio do Centro Academico
12 de maio En fui lavar as roupas. A Dona Ade- da Escola de Sociologia e Politica e Centro Academico
laide quer que eu arranje servigo para a sua filha Osvaldo Cruz, pelo 10° aniversério do Teatro Popular
Brasileiro. O poeta Solano Trindade, aparecen no
cantar na televisio. ok
... Eu estava passando roupas quando vi o filho palco para falar sobre o preconceito racial na Africa
da Dona Adelaide surgir com um senhor e dizer-lhe: do Sul, e da condig&o dos pretos nos Estados Unidos.
~~“Hi-disse que tinha uma visita para ser apresentada.
— B aqui.
E bradou:
O senhor perguntou-me:
— Carolina!
(3) <A autora refere-se a “SelegSes do Reader Digest". (A. D.) Galguei o palco e fui aplandida.

18 19
€asa- DE ALVENARIA
> jesus
Caronrxa Mania PF
«. do es etaculo fui apresentada para al- posso infiltrar-me nessas brigas, porque preciso pen-
. Depos - estavam na plateia e pediram au- sar nos livros que pretendo escrever. Os meus filhos
nao
gumas pessoas qria voltar de bonde, o reporter do
mesclou-se entre o povo. A D. Isaltina chorava. Eu
aaa nme. Na rua Aragu aia eu desci fiquei com dé do Alfredo. Ele é inofensivo. Eu
tografos. Eu
bradava:
permitin e cone® ra a favela. Era uma e meia da
carro e voltei Pa pensando na festa comemorativa Joao! José Carlos, Vera! Nés vamos para a
manha. Eu estava avatura. Mas temeos outra pior — televisio!
da Abolieao da on com um preto que é artista e éle ... Quando saimos da Televisio Tupi estava cho-
a fome. Convene a de ser preto. B eu tambem. Fi- vendo. O reporter tomou um carro. Fomos levar um
digse-me que 8° om o preto Jodo Batista Ferreira.
jornalista em sua casa. O carro nao queria andar. Na
quei encantada vtisfeito com o que somos. A favela
Avenida Sao Jofio o motorista pediu colaboracio de
os bar- outro carro para empurra-lo. O reporter pagou o
E bonito estat © encontrel ninguem. A noite
estava calma. N#0 egros. Hi negra é a existe ncia dos earro. Deu 200 cruzeiros aco motorista e disse-lhe que
racdes sio todos * sorta, despertei os filhos. Eles ¢o- podia ficar com o troco. Ele conduzin-me até a favela
favelados. Abt 2 a deitar porque estava com frio. e vinha contando vantagem. Que é rico, que tem mais
meram pastor uel pensando no reporter. de 2 milhées. Que tem casas de aluguel. Quando che-
Nao durm!. gou eu olhei a conta: 140 ernzetros. Disse-lhe:
: Preciso lavar as roupas, porque — O senhor vai devolver-me o troco dos 200 eru-
14 de maio ‘a ‘selevisio. Hoje eu estou alegre. zeiros. :
amanha et von m me “nas Tuas. JA estou habituando —— Ah! Eu nao posso, porque o jornalista deu-me
Todo mundo ol o Dassei no bar do José, na rua Deo- o que ia sobrar dos 200 cruzeiros.
com a nova vida. oe; com éle. Disse-Ihe que nao mais — O senhor deve dar-me.
tenho tempo. Eu fui vista em to- Quando chegamos na favela o motorista ficou
cleciano € ae
apareco porque ( ~) Bu fui deitar um pouco porque horrorizado. O seu olhar percorria de um local ao
dos os jornais. Mas, quem é que dorme em favela! outro. Execlamou:
estava com 8° Tho. Nao sei como 6 que os favelados — Credo, que lugar! Entfo é isso que é favela?
es com tanta miséria ao redor. Vendo oa primeira vez que vejo favela. Eu pensava que
podem ser ace nmi, jJevantei. Abri a janela e fitei favela era um lugar bonito, por causa daquele samba:
que nao pode , esta cér de chumbo, o sol encoberto
oO espace. 0 on avolumou-Sse a0 seu redor. oO pedago Favela, oi, favela
pelas nuvens qu ja a favela estava triste e sombrio. Favela que trago no meu coragad...
de céu que cobri ¢ eu sai com os filhos. Quando eu
(...) As 10 hore ereadinho vi a afluencia do povo. Mas haverd alguem que traz um lugar désse no
estava perto ee certa. Vio Alfredo correndo e um coracao? Enquanto o motorista fitava a favela eu pen-
brig® oF atris déle com uma faca na mao. O sava: com certeza o compositor.do samba tinha..um,
tinct teen xn te =

Pensei:
Errou_o golpe. mulher boa na favela. O motorista disse-me:
baiano corrend® paiano foi esfaqued-lo. casa. O baiano
Alfredo calu © wtow-8C e entrou numa — Olha, eu vou dar o troco para a senhora, por-
O Alfredo leva® a faca na mao. Eu podia tirara que quem reside num lugar désse precisa muito mais
ficou na Tua de baiano com uma pedrada, mas eu nao do que eu.
faca da mae “
esis: etnies

21
20
Garonina Maria DE Jesus CASA DE ALVENARIA

He tirou 120 cruzeiros da carteira. Ao entregar- Poder comprar roupas para mim. Tudo em
me eu disse-lhe: mim est& despertando. Eu estou pensando nuns_brin-
a carteira cos, colares e vestides bonitos e vou visitar um den-
_—_ O senhor errou no tréco. Wle abriu
tista. (...) Nas ruas o povo dava-me os parabens.
novamente e deu-me 60 cruzeiros.
Quando passo perto de um onibus, oucgo:
sete e meia-o jipe da Televisao —~ Olba a mulher que escreve!
16 de maio As
Record chegou. O motorista é preto, senhor Elpidio 18 de maio ... Eu percorria a rua Sio Caetano
Ferreira. Quando cheguei na Record Canal 7 estava olhando as lojas. A dona da loja mostrou-me varias
tranquila. O motorista foi procurar o reporter Souza blusas. Eu n4o queria comprar porque o dinheiro nao
Francisco para dizer-lhe que eu j4 estava presente. dava. Ela insistin tanto e eu resolvi comprar dois
Ble apresentou-me ao ilustre senhor J. Silvestre. palité6s para as criancas. Ela pediu 1.700 cruzeiros.
Explicou-me como era o programa. (...) O senhor J. Eu estava com 1.500 cruzeiros. Ela disse-me que. eu
Silvestre leu uns trechos do didrio. Eu estou anciosa podia trazer os palités e levar os 200 eruzeiros restan-
para ver este livro, porque.eu escrevi no auge do de- tes amanha. O Jo&io e o José Carlos vestiram os pa-
sespero. Tem pessoas que quando estao nervosas xin- lit6s e ficaram alegres. Era a primeira vez que éles
gam ou pensam na morte como solugdo. Hu escrevia vestia palité6. O Jo&o disse:
o meu diario. — Como é bom ser filho de poetisa!
17 de maio Troquei a Vera e o José Carlos e 19 de maio ... Abri.a janela para olhar o espaco.
fomos para a cidade. Passei no emporio do senhor Ja estou habituada a fitar o espaco para ver se vai
Eduardo para pagar-lhe o que devo. Eu disse ao chover. O espéso da Esmeralda passava agitado. Nés
senhor Eduardo que eu ia na cidade. Que ia ganhar as mulheres j4 conhecemos estas agitacdes. Perguntei-
uns livros. Tomamos o onibus. (...) Fiquei alegre
lhe se sua espésa j4 estava com as dores do parto.
quando vi o reporter José Hamilton. Depois chegou — Desde ontem a noite.
o.senhor Gil Passarelli. Voltamos para a Rua Car- —— Chamou a parteira?
neiro Ledo, 267. O gerente da Edigées O Livreiro —~ Ja, mas ela nfo veio.
Lida. estava na porta. Ele disse-me que eu podia es- Percebi que éle mentia e fui ver o que havia. A
colher os livros que agradasse-me. Orientada pelo Esmeralda estava de pé e chorando. O meu olhar cir-
reporter José Hamilton escolhi og livros. (...) Hoje eulou pelo barraco pobremente mobilhado. A unica
é 0 meu grande dia. A tristeza estava residindo co- coisa que eu vi em abundancia eram as criancas des-
migo hé muito tempo. Veio sem convite. Agora a calgas e magricelas. Olhei o fogao, estava apagado. E
tristeza partiu, porque a alegria chegou. Para onde eu pensei: numa casa que tem muitas criancas, a esta
sera que foi a tristeza? Deve estar alojada num bar- hora o feijao j& deve estar cozinhando.. As criangas
fee taco da favela. estavam tristes. Onde n&o ha o que comer nao pode
tga

... Despedi e segui olhando os moveis e as lojas ter alegria. E os pobres s&o os alunos da professora
com seus estoques variados. O sol estava quente. Hoje —— fome. Olhei a Esmeralda que estava de costas para
éle apareceu as 8 horas. Agradego o sol por ter des- mim. Ela orava: a oracio mais esquisita que eu ja
pontado mais cedo para aquecer os operalios. ouvi até hoje. Era assim:

22 - 23
CaRoLina Maria DE JESUS Casa bE ALVENARIA

“Meu Senhor Jesus: eu sou tao pobre, estou sem — Que casa bonita, mamfe. Como é bom morar
recurso. Eu estou com dor de parto e dor no mew co- numa casa grande! Esta casa aqui é palacio?
racao porque nao.tenho nada em casa para os meus Ti quase um palacio — respondi.
filhos comer. Eu nio chamei a parteira porque nao —- A senhora viu, mamade?
tenho dinheiro para pagar. & o Senhor que tem que — Viu o que?
ajudar-me, Senhor Jesus!” —— Este povo aqui nado cheira a pinga. Hles n&o
._ Eu sai do quarto e perguntei ao Chico se éle tinha bebem pinga?
dinheiro. —— Nao.
—~ Nao tenho. O pagamento é dia 24. -— Fles nao fedem, nao é, mamae?
— Quanto o senhor precisa? — les tomam banho todos os dias.
— 200 eruzeiros dé. Quando iniciou o programa eu fui para o palco.
Entrei no barrac&éo e peguei uma cedula de 1.000 (...) Quando o senhor Durval de Souza anunciou-me
cruzeiros e fui trocd-la. Voltei
eo senhor Leporace enalteceu-me, eu entrei no palco.
as pressas e entreguei
500 cruzeiros ao Chico. Zle disse que eu sou a maior revelacao literéria. Ble
entregou-me uma caneta de ouro.
— Vocé paga-me quando puder. Nas ruas o povo dizia:
Fle sorriu. E a Esmeralda, mesmo com a dor do —— Olha a escritora que estava na televisio.
Darto, sorrin. — Ela ganhou uma caneta de ouro.
a fare espéso Chico pedin a@ uma senhora paxa ir — De ouro! — exclamavam os que ouvia — que
eu fal ane comprar uma ingegao. Ela saiu correndo e sorte!
vela olhar se a parteira ja estava chegando na fa- — Por que é que ela ganhou a caneta?
» porque o seu espdso disse que havia telefonado. . Ella é a eseritora da favela:
sands Eu estava preocupada com a Esmeralda, pen- Ouvi uma gargalhada ironica:
ering e@ se ela morrer, quem é que vai olhar aquelas _— Favela nao dé escritor. Da ladrao, tarado e
ancas? Ouvi as criancas falando: vadio. Homem que mora na favela é porque nao
— oO bebé ja chegou! O bebé jé chegou! presta. :
Ouvi o chéro e pensei neste velho proverbio: Eu queria ouvir os restinhos das consideragdes aos
favelados, mas a Vera disse-me:
O homem entra no mundo chorando e sai ge- —. Vamos pra casa que eu estou com frio.
“ie .

mendo” , E puxou a minha saia.

bank” de malo a ‘Tenho de ir na televisio . Tomei 3 de junho ... Estou escrevendo e pretendo con-
erian » troquei-me e fechei 0 barracao e sai com as tinuar escrever. Agora que eu estou encaixada dentro
val de 8 * Quando chegamos perguntei pelo senhor Dur- do meu ideal que é escrever. Tenho impressao que
lomen usa na portaria. 0 porteiro indicou-me...Que estou regressando ao passado, que estou voltando aos
progr onito! Ele disse-me que ia tomar parte no 20 anos, aos 18. Eu fui amante das quadras da vida.
Cringe pare eu escrever uma mensagem para as Fui amante da primavera, do outono, do inverno e do
ot conkg serevi. (...) O senhor Vicente Leporace verio. Agora eu estou de-mal com.o verao. Fiz as
nhecer-me. A Vera estava alegre e disse: pazes com a primavera e ela adornou meu coracéo com
24 25
CAROLINA MARIA DE JESUS’ CASA DE ALVENARIA

fléres perfumadas e construiu um castelo de ouro para O reporter disse que fez o prefacio do livro.
eu residir..Q castelo é 0 coragéo do reporter, este ho- — Deixe eu ler. , _.
mem generoso que esta tirando-me do lédo. Eu era Ble den-me. Li. Esta de acordo com narracées do
revoltada, nfo acreditava em ninguem. Odiava os po-
livro. O prefacio agrada. Mostrei-lhe o drama con-
liticos e os patrées, porque o meu sonho era escrever eluido —- “A Senhora Perdeu o Direito”. O reporter
e o pobre néo pode ter ideal nobre. Depois que co- sain, chegou o reporter Ronaldo. Ficamos conversan-
nheci o reporter tudo transformou-se. Ei eu enalteco o do. En disse-lhe que ia pedir emprego na radio para
reporter por gratidao.
ser dramaturga. O Ronaldo acha que nio. Que eu
17 de junho ... Na rua Sfo Bento parei para devo escrever. Eu queria ir para o radio, pra cantar.
Fiquei furiosa com a autoridade do Audalio, repro-
conversar com um jornaleiro. Mle disse-me que eu es-
vando tudo, anulando os meus progetos. Da impres-
tava na “Ultima Hora” e mostrou-me o jornal. Com-
prei dois jornais e li na primeira pagina: sao de que sou sua escrava. Tem dia que eu adoro o
Audalio, tem dia que eu xingo-o de tudo. Carrasco,
“Carolina vai deixar a favela. Publicara mais ete. (...) Xingava o Audalio. fle nfo me
dominador,
trés livros. Humilde mulher de cér da favela do Ca- da liberdade para nada. Eu posso cantar! Posso in-
nindé, vivendo na miseria com seus trés filhos pe-
cluir-me no radio como dramaturga e éle nao deixa.
quenos, semi-analfabeta, comecou a garatujar em (...) Passei a tarde me preparando para ir na Radio ©
papeis recolhidos no lixo a histéria de seus anos de Gazeta. As cinco e quinze entrei na Gazeta, olhando
sofrimento. Um jornalista descobriu-a e ainda este
aos lados para ver se via o professor Faé. Uns jovens *
ano saira o didrio de Maria de Jesus. Depois virao
conversavam com o porteiro e perguntou-me o que eu
outros livros e diz ela que o seu sonho 6 uma vida ©
desejava. Chegou o diretor do programa, senhor Fer-
decente longe da favela.” nando Soares e nos convidou:
O reporter José Roberto Penna disse que eu sou — Vamos subir.
semi-analfabeta. Quer dizer que tenho a metade da
cultura. (...) No elevador a Vera entrou empurran- ... O locutor disse que eu sou de Sacramento, es-
do os passageiros. Eu disse-lhe: tudei no Colégio Allan Kardee dois anos. Falou a D.
—=+ Pede licenca. Aqui néo é favela! Lilia e recitou poesias. (...) Agradeci e despedi e fui
tomar 0 onibus, pensando nas palavras do senhor Fer-
28 de junho ... Estou pensando. Como seré que nando Soares. Ele disse para eu néo ir cantar no ra-
vai ser o meu livro “Quarto de Despejo”? dio. Para obedecer o Audalic. Comprei pasteis para
os-filhos ¢ tomei 6 bonde.
O reporter surgiu e disse:
— Oh, Carolina Maria de Jesus! Quais sdo as no- 2dejulho ... Fui a Redac&io do “Cruzeiro”. O
vidades? reporter nio estava, sentei para esperalo. Vitava
. — Nao respondi. aquela sala amiga, porque eu jé prendi a gostar do
Ele perguntou se eu nio tenho medo dos favela-_ edificio dos “Didrios”: Fiquei conhecendo o poeta For-
dos, porque escrevi sobre éles. miga e o diretor das revistas. As 11 horas o reporter
—— Nao tenho. E. preciso escrever e dizer 86 a ver- éhegou, cumprimentou-me. e disse-me que amanhi o
dade. - : seuhor Cyro Del Nets vai firar fotografiws para por
26 57
CAROLINA MARIA DE JESUS Casa DE ALVENARIA

no livro. Disse que a segunda edicao do livro vai ser Sai achando graca. Conversei com os empregados
de 10.000 livros e a terceira de 30.000 exemplares. porque devo-lhes obrigagées. Eles favoreceu-me com
Que eu vou ganhar mais de 500 mil cruzeiros. Para eu dinheiro para comprar comida para os meus filhos.
nao ficar orgulhosa. Eu nao estou na idade de ter or-
gulho. Ja conheco todas as reviravoltas da vida. 5 de julho ... Levantei as 2 horas, fiquei lendo.
Ele ouviu-me sem novos comentarios. (...) O Dr. Pensando na minha vida que esta transformando-se.
Elias Raide entrou para fazer o texto. da reportagem — Enfim vou ter uma casinha e um terreno para fin-
do “Mundo Ilustrado”. Os funcionarios sairam. Hoje dar os meus dias. Vou plantar fléres, criar galinhas,
é sabado. Despedi-mne e sai com o reporter Elias Raide e assim vou ter um musico para cantar de madrugada:
para ser entrevistada. o seu ¢6-c6-ro-cé!
Conversei com o senhor Otavio. Disse-Ihe que
vou mudar da favela neste més e que nfo gosto do Tde julho . Vou na Livraria receber o dinheiro
diario. Ku nao sei o que é que éles acham no meu did- do livre. Fiquei “pensando nos pobres, porque eu ja
rio. Escrevo a miseria e a vida infausta dos favelados. estou deslingando dos pobres. Mas no estou alegre,
porque sei que 6 duro passar fome. (...}) Quando che.
4dejulho ... Fomos na cidade. Chegnuei na Li- guei na Livraria fiquei na porta esperando o reporter.
vraria, pedi 1.000 cruzeiros ao senhor Lelio. Ele dis- As pessoas que passava parava para falar-me e per-
se-me que vai dar-me 50.000 cruzeiros no dia 7 deste guntar quando é que vai sair o meu livro.
més. Insisti com élc. O senhor Lelio estava lendo os .Entrei cumprimentando todos, que me olhavam
originais do nosso livro sorrindo. LA no alto estavam o reporter, o senhor Le-
O reporter disse-me para eu nao dizer aos fa- lie e outro reporter. Cumprimentei-os.
velados que vou receber 50.000 eruzeiros. (...) Com- — Onde esto os filhos -— perguntou o reporter.
binamos que eu deve ir na Livraria quinta-feira as 2 — Foram no bar tomar café com do os mogos
horas. (...) Fui ver o senbor Rodolfo. Entrei na ofi- baleao.
cina para conversar com os operarios, que estavam to- O senhor Lelio olhava-me com o seu olhar atraen-
dos alegres. te. Disse para eu chamar os filhos. Obedeci. Encon-
-— Ja recebeu alguma coisa? trei-os galgando a escada. Andamos depressa, voltei
— Vou receber quinta- feira. Vou dar entrada rapidamente e fiquei perto do reporter.
num terreno, se Deus quiser. . O senhor Lelio deu-me o contrato para eu ler.
Eu nao conkeco os empregados pelo nome. Um de- Li que ia receber 40.000 ecruzeiros concernente-.aos-
les disse: meus direitos autorais pelo meu livro “Quarto de Des-,
— Ja esta assinando cheques? pejo”. Fico pensando o que sera “Quarto de Despejo”,
Ainda nao. Breve hei de assinar, se Deus umas coisas que eu escr evia ha tanto tempo para desa-
quiser. fogar as miserias que enlagava-me igual:o cip6 quando
— Quantos anos tem a senhora? enlaca nas Arvores, unindo todas.
— 46. ’ :.. O senhor Lelio indicou-me uma eadeira. Sen-
— Chi... j4 é muito velha! Sendo eu me casava . Os filhos, o reporter eo senhor Lelio fiearam ao
eom. a senhora. meu redor. O fotografo bateu a-chapa quando eu assi-

28 29
EE a

Casa DE ALVENARIA
CaROLINA MARIA DE Jesus

27 de julho ... A Vera brincava com as meninas


nava e quando eu recebia o dinheiro que jé estava pre-
parado. OQ senhor Lelio pediu para o tesoureiro e disse e eu fui deitar-me. Lia um livro de poesias. A Vera
para eu contar. Contava o dinheiro com nervosismo disse:
—— Mamie, olha o reporter!
extremo. (...) O Jo&o ficou emocionado, olhando as
Levantei, abri a janela e vi um fotografo e uma
notas de mil cruzeiros. Queria contar o dinheiro e nao
senhora muito bonita. O reporter nao citou o seu nome.
sabia.
Ela é reporter de Porto Alegre. Dos “Diarios Asso-
... O senhor Lelio disse-me que eu devia retirar ciados”. Ela fotografou-me, entrevistou-me. Disse que
uma parte do dinheiro e guardar a outra para dar de vai enviar-me o jornal que sair a minha reportagem .
entrada numa casinha. Para depositar num baneo. O no Rio Grande do Sul. (...) Eu mostrei og sambas
reporter mencionou wn banco. Despedi do senhor LLe- que estou compondo e queria grava-los. Mas.o repor-
lic e zarpamos pelo elevador. Despedi de D. Adelia e ter disse-me que escritor nfo pode cantar. Que as pro-
fomos para o banco. Chegamos no banco na rua 15 de fissées so divididas —_ cantor é cantor, escritor é es-
Novembro, 63. Galgamos as escadas. Varias pessoas eritor. Eu queria ir para a radio.
olhava-me espantadas. O reporter foi falar com um
senhor, que queria abrir uma conta. Explicou que a 10 de agosto Tomei o bonde, pensando: os
conta pertence-me. Ele olhou-me. EK abriu os olhos de- bondes podiam ter asas. Quando cheguci na Redacdo
masiadamente, demonstrando descontentamento. Deu- o reporter nao estava. O Baiano disse-me para eu
me vontade de dar-lhe uns tapas no rosto: entrar e sentar. Comecei a falar que o reporter podia
Fizemos a ficha e eu assinei. Fomos para a deixar eu ganhar dinheiro no radio.
caixa. Quando o caixa len o meu nome, pronunciou: — O reporter é boas pedras. Vocé deve obede-
—— Carolina Maria de Jesus!
cé-lo.
Disse que éle faz bem em n&o deixar eu_ir para
De tanto ouvir pronunciar 0 meu nome, ja enjoei o radio. Eu sei que os jornalistas defendem outros jor-
dele. Entteguei-lhe o dinheiro. Saimos do banco. nalistas. Peguei um papei e escrevi um bilhete para 0.
reporter. Ele abriu a porta e cumprimentou-me. Es-
16 de julho ... Estava preparando-me para fa- tendeu-me a mao. Abri a minha mao e toquei na mao
zer arroz com lentilha quando a Vera disse: dele sem aperta-la.
— Mamie, olha o Audalio e o Paulo! — E assim os cumprimentos, agora?
Ouvi a voz do reporter e perpassei o olhar pelo Entreguei-ihe o bilhete para éle ler. /
barracio. Saf para o quintal e cumprimentei o repor- — BE assim agora? Bem, vamos entrar e con-
ter e o escritor Paulo Dantas. Mle disse-me que o livro versar.
sai dia 16 de agosto. Que susto que eu levei! Hu sei Acompanhei-lhe. Quando o reporter chegou os
que vou angariar inimigos, porque ningném esta habi- outros jornalistas mudaram a fisionomia. Pensei: che-
tuade-com-este tipo de literatura. Seja o que Deus gou o imperador. Sentei vis-a-vis com o reporter. Ele
quiser. Eu eserevi a realidade porque eu pensava que foi o primeiro a falar. (...) O reporter disse-me que
0 reporter nfo.ia publicar. O reporter fotografou-me eu sou orgulhosa. - :
—— Que orgulho que eu posso ter? Eu procuro sé
e disse-me que estava esperandoo senhor Cyro Del
Nero; que vai fazer-os desenhos do livro. , s o que é humilde para fazer. Fui empregada domestica,
a
31.
30
Castiina Maria pe Jesus
Casa DE ALVENARIA

catava papel, moro na favela. Vocé n&o vai querer — Como vai de vida, Dona Carolina?
mais humildade do que isso. | ~— Vou indo bem.
do que vocé faz. .
— Vocé deve orgulhar-se O reporter desembruthou os livros e deu-me um.
Percebi que éle queria agradar-me — que eu es- Fiquei alegre olhando o livro e disse:
crevo muito bem. No Banco um homem conversou — O que eu sempre invejei nos livros foi o
comigo e perguntou-me quando é que sai 0 meu livro. nome
do autor.
O livro vai sair dia 19,. sexta-feira. ; ; Ei o meu nome na capa do livro.
O reporter convidou-me para irmos na Livraria Carolina Maria de Jesus.
Francisco Alves para eu ver as ilustragdes do livro. Diario de uma favelada.
(...) O senhor Lelio estava sentado na sua escriva- QUARTO DE DESPEJO
ninha. Sorriu quando nos viu. O reporter mostrou-
Fiquei emocionada. O reporter sorria:
me as ilustracdes. O que gostei foi da nota de 1 cru-
— Tudo bem, nao 6, Carolina?
zeiro, eu e os trés filhos. E o pacote de ratos, quando
a mulher foi pedir esmolas. —— Oh! sim. Tudo bem.
E preciso gostar de livros para sentir o que
eu
18 de agosto ... Comecei a preparar o almégo, senti. O professor Faé disse:
arroz, feijio e carne. Eu estava eserevendo enquanto ' — Hoje é dia 13, dia de sorte.
as panelas ferviam, quando chegou um senhor da Li- ... Eu fui na lagéa buscar as roupas, porque que-
vraria e disse-me que o reporter vinha trazer 0 meu ria ler o meu livro. Os filhos abluiu-se e deitaram-s
e.
livro. Fiquei alegre. Fiquei lendo o meu livro “Quarto de Despejo” até
as
— Ja esta pronto? 3 da manhé. Quando terminei a leitura eu disse:
— Ja. — Deus ajude o reporter!
Figquei tio emocionada que n&o dormi.
Fiquei anciosa para vé-lo e pedindo a Deus para
que o reporter chegasse. Queria ver 0 aspecto do 14 de agosto ... Fui lavar roupa, conversei
livro. Mandei o Joao ageitar o quintal. Nao tinha com
D. Nené. Disse-lhe que j4 saiu o meu livro. (...)
cadeira para o homem sentar-se. O caixote que eu Se-
lecionei umas roupas e fui passa-las na D. Nené.
estava reservando para as visitas sentar-se, os filhos O
ferro estava queimado. Mostrei o livro pra ela.
deixaram no quintal e roubaram. Fiquei envergonhada Ela
ficou alegre quando viu o seu nome no meu livro e que
e pedi ao senhor que sentasse na cama. Barraco le
ela me dava comida. Fui passar as roupas no barra-
pobre esté sempre faltando algo. (G..) Eu sal-pro cao da Dora. Ela emprestou-me o ferro eletrico. Mos-
quintal e fui conversar com a visinha . Citei-Ihe que trei-Ihe 9 meu livro. Ela no gosta de ler. Olhou
o meu livro jA estava pronto. Fiquei alegre quando a o
livro sem interesse.
Vera bradou: -.. Fui de bonde para a cidade. Levava o meu
— Olha o Audalio! . livro. Entrava nos bares e mostrava o livro.
Eu ja estava dentro do barracao. Entraram o pro- —— Ja estd a venda?
fessor Valter José Faé e o ilustre escritor Paulo Dan- — Ja, na Livraria Francisco Alves.
tas. Depois dos cumprimentos o reporter perguntou- Cheguei na redacio circnlei pelo saguaio dos “Did-
me se o livro vai sair ou nao. Sorri. . Trios”. Hstava frio, sai para rua e sentei na calgad
a.
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33
Casa de Alvenaria
2
sneha
SNE OCR
CAROLINA Maria DE JESUS Casa DE ALVENARIA

eu estava QUARTO DE DESPEJO —— i i,


Um funcionario do “Diario” veio ver o que
livro e 0 prefac io do cisco Alves eferece ao povo. & Moravia Pron
escrevendo. Mostrei-lhe 0 meu
Ihe que o repor ter tem me favo- Eo Entrei e
noponterh eum i pelo senhor Lelio.
i A veio.
reporter. Eu disse- Mle ndo
e eu gosto muito déle. (...) Conti nuei
recido muito
a vos do repor ter:
eserevendo. Assustei quando ouvi — Ele no veio.
—- Aqui nao é lugar para escrev er. ai Autografei trés livros que o senhor Thomaz pe-
_.. Dirigimos para o Teatro Cultura Artistica, in-mo- (-) Chegaram os pintores. Eu disse-lhes
no tea-
para entrevista na televisio. Quando chegamos O
x . o senhor Cyro Del Nero sabe pintar muito bem.
r dos Praze res.
tro encontramos o compositor Heito Bibi
5 omem que ageitava 0 quadro, o pintor Trenio Maia
reporter apresentou -me. “(.--) Quand o a Dona sse-me que foi éle que pintou e se estava bom ,
maravi-
Ferreira chegou eu fui falar-lhe. Que muther On Esta ofimo! Eu sai bem. :
dade das petalas
lhosa. Atenciosa, culta e tem a suavi ue espetaculo deslumbrante! ! OO povo e os carr
apres entag oes. O senho r Cyro
de rosa. Continuamos as peepee para ver o meu retrato galgando. Eu tinha
as decor agdes para o progr ama. O ce- Parr ossae que era eu que subiai para o céu.
Del Nero fazia mpressao é En dizia
izi
nario representava a favela.
pro-
_.. Lembramos que eu devia levar os filhos no . —_J Espero que os se
sen I ores ve m
Voltei para a favela . Tomei o comprar o meu
grama da televisao.
o chegu ei no ponto final, mostr ei o meu
bonde. Quand — Oh! © a senhora?
e o livro
livro para os conhecidos. O reporter deu-m — Sou . eu. Quando nfo tinh a nada o que
porqu e os filhos pega-o
ontem e a capa j4 esta suja, . ation de singer eu escrevia. Ei o reporter fon 6 livre.
O livro j4 esta com a eor da favela
todos instantes. te- raiou,
( fez as publicidades e apresentou oli ivro
cer na
Avisei os visinhos de alvenaria que ia apare parao editor, que 6 o Dr. Lelio de Castro ‘Andrade.
levisio com Dona Bibi. Ferreira. 8 carros 6 os onibus paravam. Ef
confu-
... Quando chegamos no teatro eu estava Hoje queen
men esta chovendo e os 8 pingos
pi da chuva “albicneam
salpicavam 3o
e 08 menin os fomos para o palco.
sa. Hu, o reporter Con-
inicio u o espet aculo eu estava nervo sa.
Quando de- ... Tomamos
mam o bonde e desci
sci na Avenida
bi que era o sono, i Tira-
fundi o nome da livravia. Perce Apre- dentes e fui avisar ao senhor Rodolfo Sherauffer que
vido eu ter passado a noite lendo o meu livro.
Ela ficou ° men livro J esta impresso e vai ser posto & venda
ciei os comentarios de Dona Bibi Ferreira. no dia 19, sexta-feira, is 5 horas da tarde.
progr ama. Eu vou
com o meu livro na mao até o fim do autografé-lo.- file perguntou-me:
— nee estA precisando de dinheiro?
15 de agosto ... Aqueci agua para tomar banho.
por na —- Nao, senhor. O editor deu-me 40
Vou na Livraria levar um pouco de terra para Zei
de onibus e quand o ros. Mist depositado no Banco. 0-000 exaze-
vitrina. Estava chovendo, fomos
vi o meu retrat o na porta. Estou bri a bélse, e mostrei_as
28. notas de 1.000 cruzei
chegamos na livraria
que esta
desenhada em ponto grande. HE a favela. O para o senhor Rodolfo. Despedi e desci a ‘Avenida
escrito no quadro: iradentes convidando os conhecidos para ir comprar
eu ‘© meu livro. Entrei nos bares amigos onde eu tomava
Esta favelada, Carolina Maria de Jesus, escrev
. café. Fui na casa Rainha para ver se via o senhor
um livro —

34 35
Mania be Jesus CASA DE ALVENARIA
Canotina

Pe nfo estava. Fui 18


deucme debeen:
agosto Telefouei para o reporter,
: é aten-
Jodo Gomes, para convida-lo. éle
rio da esqu ina da Rua Eduardo
avisar 0 dono do empo
a venda na Livraria.
Chaves que o meu livro estava — D.D. Carolina
ccoralanig? Mari
aria de Jesus, , aa senhorara ja tem
ja
O povo dizia que eu
Wile disse-me que vai comprar.
estava bem vestida. Diziam : disse ° Lissethe que ia comprar uns brineos. Ble
— Quem te viu e quem te vé! s8e que eu estava no Diario da Noite”, segunda
rar o meu
Fui avisar a D. Mildrede para ir comp edigao. Fui na loja comprar um adérno. Faz tempo
ue o seu espd so que-
livro. Disse-me que n&éo vai porq D. Mil- que eu nao visito as lojas. Que surpresa para mim!
filho vai. Desp edi da
brou a perna, mas o seu e sen-
Encontrei as belezas de sempre. 86 que os precos
seus filhos, que sfio rauito bonitos
drede e dos bem, nao vamos comentar os precos. Comprei um
o meu livro. Vai
gatos. Fui avisar o Aldo que j4 saiu adorno para a Vera e um brinco para mim. Eu disse
A sua mae recebeu-me
ser posto a venda sexta-feira. a baleconista que nfo podia demorar, por causa dos
va supe rlot ada de visitas. Fui na
alegre. A casa esta autografos. E que eu escrevi o “Quarto de Despejo”
o livro e convi-
cosinha ver a D. Iridé. Mostrei-lhe — Ah! BE a senhora? ,
o Alve s.
dei-a para ir na Livraria Francisc ei a tarde Mostrei-ihe o meu
Despedi e voltei para a fave la. Pass retrato no “Diario da Noite”
alegre.
Ela desejou-me felicidades. Despedi e fui descendo a
escrevendo. Estou
Praga Patriarea. O jornaleiro que vendeu-me o jornal
16 de agosto Amanheceu chovendo. Vendo a disse-me que 0 livro esta muito caro. Nos lugares que
quand o eu catava papel o dia eu paro as pessoas afluem-se para observar-me como
chuva cair relembrei o
Era o meu dia de agrura s. Eu ja conheg se'eu fosse de um mundo estranho. Quando cheguei
que chovia.
amargo da vida. . ascadas de ferro. Os repo
na livraria galguei as esea
o lado
com :acompanhava-me. Porteres
_.. Fiz eaté, os filhos comeram pao. Agora
a os filhos estao enfast iados. Su- ; O Dr. Lelio de Castro Andrade
a fartura de comid tos.
nos recebeu ama-
dispos
pernutridos. Sao mais barulhentos, mais um
velmente. Os reporteres entrevistou-me. Iam chegan-
de que estou despertando de do livros para eu autografa-los. O jornalista é 0 sé
Tenho a impressio
cadeia, fome, enchente,
sonho, sonho que foi assim: -nhor Carlos de Freitas. Ai vai a entrevista: "
brigas. Pergunta — Carolina, o que vocé acha e eomo
s.
Deus foi misericordioso néo enviando doenca se sente com a transformag&o de sua vida?
0 José Carlos para ver
Fui na cidade, levei a Vera e Resposta
re — Eu estou
es ale gre e agradeco a cola-
Vera achou
o quadro da Livraria Francisco Alves. A borag&o dos que auxiliou-me na divulgacso do mea
. Entrei na livrar ia para entreg ar uma
o quadro bonito livre. 1 o meu ideal concretizado.
para por na
estampa do Sagrado Coracio de Jesus, P. — Que vocé acha da campanha eleitoral?.
. A D. Adelia , que é
vitrina que representa a favela me: 3 R. ~ Espero que o govérno eleito colaboré com
lendo o meu jivro e disse-
ceaixa da livraria, estava fim. povo, porque os nossos politicos sé interessa pelo
livro esta otimo. Eu ja estou no
__ O seu povo nas campanhas eleitorais. Depois -divorciam-
Os teus filhos sio endiabrados. se dos humildes.
am rei-
Sorri e olhei os meus filhos que j4 estav :
> ce coe P.’ — Que vocé acha do govérno de Fidel Castro?
nando nos livros.

36
CASA DE ALVENARIA

CAROLINA MARIA DE JESUS


ro Badaré comprei quibe para comer. Quando cheguei
file faz bem defen
Adoro 0 Fidel Castro. na livraria, j4 estava aberta. Entrei, galguei as esca-
R. — independentes.
der Cuba. Os paises tem que ser das e fui antografar. O senhor Nelson Assumpgao tra-
na sua casa. tou-me com gentileza. O telefone tocou e o empregado
um deve mandar governador,
oO que
K se a sennora fésse foi avisar-me que era para mim. Fui atender, era o
F
reporter Gil Passarelli. Perguntou-me até que hora
lavoura, aproveitar eu ia ficar na livraria.
jmpulso na
R Queria dar
6 ’
confor ee
. col ocar
casas com todo — Até as 11.
as terras, construir
balhavam nas lavou Continuei autografando. Os reporteres chegaram
os favelados. les tra omvafar
le fisico. ; e entrevistaram-me. O Audadlio chegou e conversou
aisi confor6 to mora afar
ompiom ae ou a
™ Os empregados interr 0
ee com o senhor Gil Passarelli. Eu continuei autogra-
interior! . Ku autogr
Que alegriiaa int fando até as 12 horas. Chegou uma loira que queria
j s. eram tantas pers ntas
livre Biawa comovida. Fiz no meas rerosta en falar com o escritor Paulo Dantas, que ela é escritora.
guarda-las E mostrava os seus escritos e dizia que os seus manus-
que eu nao consegul fs oe se.
va o livro e fa critos eram atraentes. O escritor Paulo Dantas ouvia
via pessoas que compra par a eu at a lo ge
ro
me ver. Levavam 0 liv Fiquei autogra” nde < para com odio interior. Dava para perceber, mas éle é es-
porteres despediram-se. para autograia Livro Pao
critor e tem que ser educado e tolerante. Ela aludia
orter chegon e pediu-me anal im no
que o seu livro, com uma capa sugestiva podia alean-
. Fomos na televisao car sucesso. Ela pedin-me um livro:
os eriticos. E saimos ese n
Avancini, para apr — En nao posso dar o livro, porque o livro nfo
programa do Walter
é meu. Eu recebo uma porcentagem dos livros.
a

Fu fui falar com 0 jornalista Dorian @ ore


2

livro.
.
. .

i
isc ane O senhor Paulo Dantas deu-lhe um livro e nés
ro we
Freire. Entreguei-tlheo meu liv . tr ou saimos para almocar. O reporter disse-me para eu ir
p ara : o meu
haviai dado uma nota pense ae de carro. Obedeci. Tomei um carro e pedi ao moto-
nal . Des pedi, porque estava
e deu-me o jor oe rista que avoasse. Fomos conversando.
de Oliveira acomp

BARRE
nos filhos. O Eduardo livros que sta aes ... Chegamos na favela. O motorista ficou horro-
a favela Mostrei-lbe os meus os xO oe rizado olhando a favela.

cesar annette
e. Agrada. Ele
tos. Li as poesias dél — O que é isso aqui, D. Carolina?
sua vida. O poeta
trechos amargos de oo. sles @ fui — Eo quarto de despejo de Sao Paulo.
. Oliveira. despediu-se. e! 0 jantar par a éles — Credo! Como é que vocés vivem aqui?
° Ablui os filhos, prepar — Nés os favelados somos os objetos fora de uso.
:
escrever - Vivemos com dificuldades para comer. Temos que
Lan
19 de agosto Era 4 horas e eu J8 estava oyaorto lutar como se estivessemos numa guerra.
o agua, Pore — E vocés aqui sentem frio?
rando 0 almogo-e-carregand to
ografar o meu lV ah — Sentimos todas agruras da vida.
ir na Livraria para aut 1110 08 a °
ho e recomendei os Despedi do motorista, paguei 130 cruzeiros, saf
a Despejo”. Tomei ban e vol tar par
cortar 0 cabelo correndo e entrei no barraco. Ouvi as vozes dos filhos:
nao prigasse, para ir Livr
ivra:aria Fy na /
ia Vv voltar para le va4-los - — Oltha a mamie!
Vv la, ?
fave que eu
Fui de onibus. Na Bua Libe-
tarde. ‘Tomei café e sai.
39
38
DE Jesus
ce 3s CASA DE ALVENARIA
CareLina MARIA

Ablui os filhos &. oe tidio. (...) O, Auddlio despediu-se e pediu-me um


Encontrei agua guente. que- abraco. Quiz mover-me, mas os meus pés estavam
rac o e salmos.
‘Almocei ¢ fechei o bar ato s nov os “ adormecidos.
tia i arro. Hu estava usando sap
orio do sen hor Val ent im: Houve uns incidentes sem importancia. As 9 e
re A atel as horas no emp Ba. quinze fechamos a livraria. O Aldo pagou-me o auto-
_— Trés horas.
es na Be mento a movel até a favela. Parei no ponto do bonde para
Tomamos © onibus. Descem ari ari os
os do “Q) de
‘ comprar pao e peixe para os filhos. O motorista era
4. Eu i
ia i o os com
ouvind c¢ ent
ei na liv rar ia fiqu ei emo c japonés. Ficou horrorizado quando viu a favela.
Soo el o”.a Asssiim que ne entr
Despej
¢
h os 3 J parraa
com a afluenciai e j4A4 fuifuifui recebendo livr — A senhora com a fama que tem mora aqui?
ja estava na Ps
lvraris, Sorri achande gracga do japonés. Deitamos vesti-
meee tar O senbor Lelio
a rigor circulavam pe la dos porque estavamos cansados.
carcons com seus trages
itando as mesas para OS coqueteis. Mas eu estava alegre.
Sari do, 0
Andrade,
olbares. O Dr. .! Lelio de Castro
hivero a dosS oth ene
iu-me num lugar 20 de agosto ... Fiz café e fui ver se eu estava
ae oeetre editor, conduz vos a qua ndo eee
fiquei ner nos jornais. Os jornais que
a a eu autografar. Nao fras es era n ° gas,
havia publicado a repor-
a uns as tagem era as “Folhas” e a “Ultima Hora”. Eu estava
encia Fiquei alegre. Par f1 o8 per
dades . Og meus no retrato ao lado do Ministro e a Vera entre nés
para outros era sé cordiali os par a eu au osra
os livr sorrindo. O povo parava para fitar-me como se. eu
vorria a livraria. Hra tant 8 eee ror”
as pas sar . fésse de outro planeta. Parava para receber os cum-
for cue eu nio vi as hor
: do-me. primentos do meu povo, que admirava a minha cora-
oe para fazer wma rep c orta- a
fal i ba Pes
ar algunsan Tt gem para citar as verdades.
est ava m abi sma do
a me iwraria. Og favelados
1mp
endo ~ me, eu, pret a, tratada como se fosse uma 21 de agosto... Fui encontrar com o reporter.
4
. ; Fomos para a Radio 9 de Julho. Eu ia ser entrevis.
ratriz.
As 16 horas chegou 0 Min istro Dr. Joao patie tada no programa dos Estudantes. Cumprimentei os
homem 0: o! estudantes. Quando fui entrevistada éles pergunta-
R 3. Ministro do Trabalho. Que par a sain,
estava anci oso ram para os ouvintes quem é que escreveu o livro
Que vor! O senhor Ministro a
ra 0
nos emp ur-
i
o.
dic
radi o . A Ver “Quarto de Despejo”. Findo o programa responderam
orque tinh
ies ini a progerama no
do Min ist ro e dizi a: pelo radio que- quem escreveu “Quarto de Despejo”
eva para olhar 0 rosto ; foi Carolina Maria de Jesus. 77 telefonemas. Agra-
ito!
— Que homem bonito! Bo decemos os estudantes e fomos para o ponto do oni-
O Ministro sorriu.i Repreendi i a Vera, para ;
ro. ; bus. Iamos para a casa do Correia Leite, na Estra-
urrar o Senhor Min L
ist
Eu sou Joao Ba da do Vergueiro. Quando chegamos na residencia do
om Que senhor Ministro nada! Correia Leite relembrei os tempos idos. Eu disse ao
* .
Ble oar
.
reporter que ja o conhecia. Mle disse ao reporter que
um autografo para 0 Ministro.
Eserevi j4 conhecia-me da Rua Augusta. Fui bem recebida,
i a
‘st f a de povo. foic
ido _a_a afluenci
ifi uldade devido
ifie
Bati sta Ram os com mai s
com al tratar o Dr. Joéo livr os par a
Continuei aut ogr afa ndo (4) Elemento ligado ao movimento cultural do negro .m So
rentileza Paujo. (A. D)

40 al
CASA DE ALVENARIA

CAROLINA Maria DE JESUS


do vi a figura simpatica do padre Comaru. Com a sua
Eu recebia uma homenagem dos batina preta éle parece Sao Geraldo.
com alegria de todos.
entes uns pre
pretos de Sao Paulo. Estavam pres Quando iniciou o debate o escritor Fernando Goes
iram um almo co com diseuts® foi o primeiro a falar. Disse que a verba de um fave-
do Rio de Janeiro. Serv eli-
. A comida estava lado nao d& para éle viver numa casa condigna. (...)
Eu sentei na cabeceira da mesa onon oe
sonh ando . Cc
ciosa. Dava impressio de estar Falou o vereador Italo Fitipaldi e um médico que disse
O Delegade
reporteres do “Diario da Noite”. dos que a favela 6 o nucleo das enfermidades. O Padre
Disse que havi a de sair lixos e dos mon- Comaru fez umas observacées sobre o meu livro. Que
discurso.
turos quem ia libertar os homens de cor. ninguem da ratos mortos como esmola. 1 que éle nun-
der que
Nao é preciso ser letrado para compreen ca foi favelado e nao conhece as vicicitudes. Eu ja
o custo de vida est& nos oprimind o. pedi esmolas. Nao sei se foi para agradar que o di-
retor do Servico Social disse que a mulher da favela
23 de agosto ... Fui na livraria autografar It precisa ter um padrao de vida com mais conforto. Foi
no elevador. -
vros. Os filhos reinavam, brincando o unico termo claro que éle disse. Eu levantei e dei-
Dr. Lelio , que supor tou os meus Ihe um beijo. O Audalio disse que o meu livro 6 retrato
mirei a tolerancia do
s sio de amar-
filhos sem protestos. EX os meus filho a an- estav
fiel do que vejo e escrevo no meu diario.
horas saimos da livraria. Eu
gar. As 18 Dei gracas a Deus quando o padre Comaru deba-
estava com rocers ,
ciosa para chegar na favela. Mas teu e desereveu o abandono dos poderes publicos, que
tados porane au
devido aos favelados, que estao revol nao reajustam os desafortunados, obrigando-os a es-
volta va pra avela
vou enriquecer. (...) Quando eu tudar e aprender oficios.
ficava apreensiva com receio de um at e neiro
eu estav a com todo o i ere ... O que eu sei dizer é que o meu livro esta pro-
éles podiam pensar que
er. as 1 vocando confuséo. O vereador Italo Fitipaldi disse
que a revista “Visao” disse que vou receb so eu iquel que o meu livro é comparado a “Cabana do Pai Tho-
favelado lendo a “Visio”, poris
nio vi maz’.
. .
nquila.
nas banca s de jorna is Era 23 horas quando terminou a mesa redonda.
m " _ Na rua a Vera parava
e dizia:
28 de agosto ... En estava preparando o café
—— Olha o livro da senhora.
ee quando o senhor Giacomo De Camilles chegou. Veio
Eu autografava os livros e conversava com asa er
a cida de. Eu buscar-me para eu ir na igreja do padre Joao Comaru,
soas. Mas precisava voltar para
televisio. O pa- em Presidente Altino. (.:.) Quando chegamos em
mesa redonda com os intelectuais na
parte na mesa Presidente Altino o povo estava nas ruas com seus
dre Comaru disse-me que vai tomar
na telev isio encon- trages domingueiros. Ia realizar o sorteio das casas
redonda. (...) Quando chegamos Goes ohegen que o padre Comaru constroi para os pobres. O padre
O Fern ando
tramos 0 edil Italo Fitipaldi. r hario Comaru apresentou-me para as pessoas presentes.
rime ntou -me. O senho
por ultimo. N&o eump . O diret or Disse que eu escrevi um livro — a degradacao
de uma
o prob lema dos desaj ustad os
Brasini citava e quan- favela. Convidou-me para saudar o povo. Subi no
Fique i alegr
do Servico Social estava nervoso. paleo e disse que admirava o obra meritoria do padre
e i
eonhecido nas a: S80-
Comaru, construindo casas decentes para os pobres.
& um negro muito popular
(5) “Delegado”
ciacdes de homens de cér. (A D.)
43
42
1|
ii
Cas& DE ALVENARIA
CAROLINA Mania DE JESUS

da favela, o ambiente que arruina Ficaram alegres. Hu disse a D. Alice que vou deixar
YEstava livrando-os
das criangas. ; a favela.. Percebi que ela ficou triste. Eu vou dar-lhe
a moral
os socios que pagam o meu barracio. Fui encaixotar os livros. Estou con-
_.. Iniciaram o sorteio para
constraiy as casi- tente. Até que enfim deixo este recanto maldito. Nao
quinhentos cruzeiros por més para r rane eco vou incluir a saudade na minha bagagem.
nhas. O primeiro cont empl ado foi o senho
o seno r Mae Eu contratei um caminh&o para conduzir os meus
da Silva. (...) A ultima casa foi para uziu -me cacarecos para Osasco.
ista que cond
noel Freire dos Santos. O motor
arranjar uma
disse ao padre Comaru se era possivel 30 de agosto Levantei as 6 horas, preparando as
O padre Coma ru disse que a viajar
casinha para mim. a ome roupas e fazendo trouxas para zarpar da favela. Fiz
era possivel no momento. O senhor
e que nao
um quarto. is: café e fui comprar pio. Pedi ao Chico para atender-
Soeiro Cabral ouviu e disse que tinha me logo, porque eu ia mudar.
Que eu podia ficar uns oes “ é
ponivel na sua casa. sen or
ver.
arranjar coisa melhor. E se eu queria ir auto ©
— Para onde?
levou no seu
Mauricio Ferraz de Camargo nos e para
— Von residir em Osasco.
Antonio mostrou-me o quarto, 0 tanqu
o senhor Estava preparando os trastes quando chegou o
lavar roupa e a luz eletrica. senhor Paulino de Moura, dono da Livraria Boulevard.
— Serve, Carolina? : . Veio convidar-me para eu ir na sua livraria autografar
_— Se serve! Amanha eu mudo para ca. os meus livros. (...) Ble trouxe uns livros para eu
para nao
Figquei alegre. Recomendei aos filhos autografa-los. Hu estava autografando quando chegou
e a sue espo-
yeinar. O senhor Antonio apresentou-m he que
o reporter Gil Passarelli, das “Folhas”, para fotogra-
o alm6¢o. Ble disse. far-me porque eu vou mudar. O senhor Paulino auxi-
sa, que estava preparando
jar co coawee .
eu ia ficar uns dias na sua casa até arran a. Ate
liou-me, retirando as gavetas pela janela, para ser
Enfim eu vou deixar a favel filmada e fotografada. O Gil despediu-se porque a
Fiquei reanimada.
que enfim chegou o meu dia. reportagem ia sair a tarde. Continuei autografando
os livros, quando chegou o senhor Pompilio Tostes que
er
29 de agosto ... Fui na cidade avisar 0 report veio filmar-me. Ble filmou o barracéo por fora. De-
e fui na
que eu ia deixar a favela. Desei do onibus pois foi filmar o interior, mas nao tinha claridade.
olhar as noticias. Assim que o jor- OQ Joo subiu no telhado para tetirar umas telhas,
banca de jornais
naleiro viu-me disse-me: para penetrar claridade.
__ Otha o seu retrato no “Mundo Ilustrado”. .-. Os jornais j4 havia noticiado que eu ia mudar
ia
Comprei uma revista ¢ avisel 0 jornaleiro que para Osasco as 14 horas. Na favela os curiosos ja
feira. Quand o
sair na revista “O Cruzeiro” na terga- estavam presentes @ as criancas rondando o barracdo.
el ¢
cheguei na redagdo o reporter niio estava. Esper N&o vieram auxiliar-me. A D. Alice disse-me que os
eu disse- lhe que éle devia ir comig o meninos haviam mechido nos meus livros. Xinguei-os.
quando éle chegou
que arran-
no Banco descontar um cheque. Avisei-Ihe Respirei aliviada quando o motorista chegou. O senhor
; Milton Bitencourt. Ele ficou receioso quando viu os
jei um quarto em Osasco.
dormi r na favelados aglomerados ao redor do barracio. Pedi
...Hoje é a ultima noite que eu vou
vamos mudar amanh a. que fosse.carregando os cacareces para o caminhdo.
favela. Avisei os filhos que

44 45
CASA DE ALVENARIA
CAROLINA Maria DE JESUS

a saida em frente do emporio do senhor Eduardo. O Joao en-


C jam chegando para filmar a minh ado
u no telh trou dentro do caminhio e disse-me que veio no carro
a een O Joio nao estava. Bile subi ral de Policia do Canal 9. Xinguei-lhe e repreendi-lhe:
caiu e ferin a pern a. Foi para a Cent
que 0s filhos a — Vocé nao devia subir no telhado. Vocé nao
fazer curativo. A D. Alice disse-me
mechendo nos livros. Que confusao! obedece. Vocé devia ter quebrado uma perna para
D. Juana estavam aprender a obedecer.
eu estava contente. Era a
Mesmo com a eonfusdo Dois jornalistas subiram no caminhfo para filmar
de um sonho. Os reporteres fotografa-
coneretizacao a minha chegada na casa de Osasco. Bu queria esperar
o reporter
vam e filmavam. O Audélio chegou com egar 08 o Andalio. Pensei que éle ia noutra diregéo. O moto-
D. Alic e auxi liou -me a carr
José Hamilton. A amos no vista seguia. Eu ia. contemplando a Rua Araguaia, a
Entreguei-lhe o barracao e entr
cacarecos. rua que eu percorria para catar papel. A rua do fri-
0 Joao nao es-
eaminhao. Eu e os dois filhos, porque Meyri surgiu e gorifico que nos dava carne. Passamos na Rua Pedro
va agit ado. A
tava. O motorista esta _ Vicente e seguimos para a Estacao da Luz. O moto-
disse: rista, senhor Milton Bitencourt parou no sen ponto e
__ Vé se ndo esquece dos pobres. disse para os seus colegas que ia aparecer na televi-
ade. Veio sao. Um jornalista desceu para telefonar. Um senhor
Leila surgiu andando com dificuld
A
a part iu com 2
para instigar os favelados. © motorist
que nos olhava perguntou:
ram 4 atira r pedr as. + — Isso é despejo?
maquina acelerada. Comeca ro do cami -
u pedr a atir ou dent — Nao. Nao é despejo, eu estou saindo do quarto
Leila agitou-se, pego ce
com recelo de despejo.
nhao. Eu olhava as pedras e @ diregao que ja esta-
Carl os, Sorri achando graca na coincidencia. En ni&o es-
atingir os olhos da Vera e do José
confusio! Eu nao tava triste. O jornalista que foi telefonar voltou, en-
va ferido com as pedradas. Que
tant as pess oas para presenciar 4 trou no caminhao e zarpamos. Hu estava com sono
sei de onde surgiu
xingavam-me e di- e ia pensando na delicia que ia gozar de poder deitar
minha partida. A Chica e a Nair
; e dormir sem ruidos, sem a voz ebria do Adalberto.
zmiam :
bar! Conversava com os jornalistas, contava as ocorrencias
__. Voeé vai embora para nao apan da favela. Eu olhava os meus filhos sujos e com os
iu disse-lhe: rostos feridos pelas pedradas dos favelados. Era pre-
nunca espancou-
— Estou aqui hé 12 anos & vooé Osasco. O meu
ciso sair da favela.
Hu vou residir em ... Quando chegamos em Osasco eu paguei ao
me. Pode espancar. 2 os ou.
endereco é Rua Antonio Agu 833. O Audélio
ree 8. o
senhor Milton Bitencourt. 2.000 eruzeiros. Foi o di-
meio dos
tros jornalistas estavam no e a . nheiro mais sagrado para mim, porque pagava o seu
D. Alice
temia uma agressio. Despedi s° da dos fave-
trabalho de ter retirado-me da favela. A televisao ja
{ Eunice. O Audalio queria que €U despedisse estava aguardando. Os fotografos fotografou-me per-
que eu reprovel.
{
| lados pegando-lhes nas maos, gesto to dos meus cacarecos que achei no lixo. Eu olhava
no ca- os cacarecos e pensei nos 15 anos que vivi no lixo. Fi-
i\ _.. As visinhas de alvenaria olhavam-me saudade
vou sentir quei triste porque o Audalio nao estava presente.
minhado acenando as m4os. Mas eu
|

|{
Ela dava co-
36 da D. Isaltina. Que purtuguesa Oboa!caminhao Pensei: sera que éle nao queria que eu mudasse da
|f mida e roupas para 0s meus
parou
filhos. favela?...
|
|
i 47
\| 46
TERS
CAROLINA MARIA DE JESUS Casa -DE ALVENARIA

Varias pessoas havia dito que o Audalio trans- Vou preparar as roupas, porqne amanh& eu vou
formou-me em rato para os gatos. Mas o rato corre a Santos autografar livros na Livraria Recanto do
mais do que o gato. E eu corri para Osasco. Os visi- Livro. O senhor Antonio Soeiro Cabral comprou os
nhos do senhor Cabral afluiu-se perguntando: jornais que citava que eu havia mudado da favela com
—— O que aconteceu? pedradas. Gesto que eu jA esperava: confeti de fave-
Espantados com o povareu da imprensa. lado é pedra.
— Ea Carolina que esté mudando para Osasco. Fiquei admirada do Andalio nao aparecer em
—. Aquela que escreve? Ah, j4 sel. . Osasco. Sera que éle queria que eu ficasse na favela?
Chegou o reporter José Hamilton e o senhor Gil
Passarelli. Perguntei pelo Audalio. 1 de setembro Levantei as 5 horas, preparando
—~ Ele nao pode vir. os filhos para irmos a Santos. Estava chovendo. Fo-
Fle nao quiz vir. Pensei: éle é enigmatico e gosta
mos de trem, porque os filhos diziam que queriam an-
de ser bajulado. Mas eu 6 que n&o vou bajula-lo. Os dar de trem.
fotografos fotografou-me ao lado do senhor Antonio — Que tal é andar de trem?
Soeiro Cabral entregando-me a chave. File empres- Naéo responderam.
tou-me uma cama. Cada gesto do senhor Antonio
— Eu nao disse que um dia vocés iam andar de
Soeiro Cabral ia revelando o seu grau cultural, soli- trem?
dariedade de gestos que eu desconhecia no nucleo que :
eu acabava de deixar. Fui recolhendo os cacarecos. Quando chegamos na estacio tomamos um taxi até
Os reporteres partiram. En estava cansada. Ageitei a Livraria Franciseo Alves. O senhor Thomaz Parri-
as camas e dei banho nos filhos, que ficaram admira- lho & que vai levar-me em Santos. Fomos até o ponto
dos da agua sair quente do chuveiro. Sorriam debaixo do onibus. O povo esté perguntando porque é que os
do ehuveiro. Comeram mortadela com p4o e deitaram. favelados atirou-me pedras.
Estavam exaustos. ... Todos os olhares estavam fixos no meu rosto.
Deitamos e dormimos. Que sono gostoso. A luz O senhor Thomaz Parrilho comprou as passagens ec.
eletrica iluminando o quarto. O Joao sorria porque partimos. O onibus ia superlotado. Os filhos ia admi.
agora vai poder ler a vontade. Despertei a noite e rando as ruas de Sao Paulo e alvenarias de luxo. Cada
fiquei pensando na minha vida, que parece uma tra- qual mais bonita que a outra. No Ipiranga @les viram
gedia. A gente nasce e no decorrer da existencia a o Museu e o Monumento e a casa de D. Pedro I. Acha-
vida vai ficando atribulada. ram a casa simples e feia. Fomos cantando no onibus.
Agora eu estou na sala de visita. O lugar que eu Quando chegamos em Santos estava chovendo.
ambicionava viver. Vamos ver como é que vai ser a Tomamos um carro e dirigimos para o Recanto do
minha vida aqui na sala de visita. Livro. O senhor Osvaldo de Oliveira nos recebeu com
ialidades e dirigimos para a Camara Municipal.
31 de agosto Passei o dia em Osasco. Lavei as a pelos vereadores. Fiquei encantada com
roupas que estavam sujas. O senhor Antonio Soeiro o luxo da Camara de Santos. Fui apresentada ao vice-
Cabral pediu comida no restaurante para mim. Quan- prefeito, que recebeu-me com cordialidade. Tomamos
ta amabilidade! Quanta comida! eate,
,

ate 49
CanoLina Marta DE JESUS Casa DE ALVENARIA

reporter do Laife®. O Senhor George Torok deu


_.. Fomos no Recanto do Livro autografar o meu varios gibis para os meus filhos. Eles ficaram conten-
livro. As 5 horas da tarde dirigimos para a Associa tes e dirigia-uns olhares meigos ao
cio Ebano Atletico Clube. Fui bem recebida pelos di- Senhor George
de cor. Torok. Despedimos e voltamos para Osasco.
retores. Todos Volta-
mos de trem.
Saimos do Ebano, fomos para 0 Recanto do Livro.
Com esta vida
Autografei o resto dos livros e saimos para procurar atribulada que eu levo estou can-
sada, mas os meus esfor¢os sio compensados porque
um onibus. Nao encontramos. Alugamos um automo-
vel que nos conduziu até Osasco. A Vera adormeceu o meu livro é o mais vendido.
do automovel. .. Fui ver o reporter, ele disse-me que eu vou rece-
dentro
ber o dinheiro da primeira edicéo dia 5. DA para dizer:
2de setembro Levantei as 7 horas. Trocamos e BH... dia 5!
dirigimos para Sao Paulo de trem. Os filhos que vi-
viam insistindo para andar de trem, nao apreciaram. 4 de setembro Hu n&o vou sair. Conversei com
Pensei: tem pessoas que ambicionam algo e quando o Senhor Antonio Soeiro Cabral sobre a condigaéo de
consegue nao emociona. — vida que eu estou levando. Ble disse-me que acompa-
Quando chegamos em SAo Paulo fui a livraria au- nha-me amanha até a Livraria: Eu estou cansada.
tografar. Que suplicio. Suportar os filhos. Almoga- Passei o dia lavando as roupas. Estou apreciando
mos no restaurante. Autografei varios livros até as Osasco por causa da tranquilidade e o ar puro.
Daa
5 horas da tarde. Despedi e voltamos para Osasco. impresséo que eu sai do inferno e estou no ceu.
Os
FEgsses dias eu tenho andado demais. Que confusdes visinhos olham-me e sorri. As criangas s4o0 em numero
na minha vida. Os retratos nos jornais todos os dias, menor porque n&éo vivem nas ruas.
0 povo felicita-me e pede-me para eu continuar escre-
vendo. Os filhos reclamam. que nao gostam das comi- 5 de setembro Levantei as 6 horas, preparei café
das dos bares. Vou cosinhar para éles. para os filhos comprei p4o, preparei o almogo e diri-
gimos para a cidade. Fistou alegre. Quero organizar
3 de setembro De manha o Senhor Antonio a minha vida. Dirigimos para a Livraria, eu fiquei
Soeiro Cabral conversou comigo. Elle esta horrorizado na portaria aguardando a chegada do Senhor Antonio
porque o Audalio nao retirou-me da favela. ; -Soeiro Cabral. Ao meio dia ele chegou. Apresentei-
— Fi que o Audalio é sosinho para eserever ¢ pe Ihe para os funcionarios da livraria e disse-lhes:
tem tempo para arranjar uma casa para mim. Pre- — E este homem que deu-me um quarto “ém
parei os filhos ¢ fomos para a cidade. Varias pessoas Osasco.
parava e perguntava se eu sou a autora do “Quarto
Galgamos no elevador até o terceiro andar. Apre-
de Despejo”. Elogia o livro. Fico contente porque
sentei-lhe para o Dr. Lelio de Castro Andrade. Ele
ainda nao vi critica desabonadora. Eu passava pelas perguntou ao Dr. Lelio por que é que éle nao retiron-
ruas e o povo ia dizendo: me da favela antes de editar o livro.
— Olha a escritora. ; —_ _
... Dirigimos para a redagao do “O Crnzeiro’
O Andalio disse-me que eu ia ser entrevistada pelo : (6) A autora
aportuguesou. (A.
refere-se
D.)
a revista. norte-americana “Life”, cujo
-
nome

50 51
CASA DE ALVENARIA

Canotins MARIA DE Jesus


. O Dr. . Lelio ; de u-me a conta
mta d do que venho
venh re
Cabral continucu dizen- bendo do meu livro “Quarto de Despejo” primeira
O Senlior Antonio Soeiro e ser
0 dinheiro num Banco
‘df ,
edigao — 10.000 exemplares a 24 cruzeiros:
do que eu devo depositar ™. ®
ro
a dona do meu dinhei 10.000
o Banco I... O Anudalio
Que ele havia escolhido o Dr. 24,00
telefonado para @le que
naio estava. Hu havia Dr. Lel io res olv et pa-
ia. O
Lelio ja estava na livrar Ant oni o 40 000
Auddlio. O Senhor
gay sem a presenca do s de inte rfi- 200 000
tinha pretencde
Soeiro disse-lhe que nio onhecia que eu nao pos
se
oci os. Rec
yir-se nos meus neg apr ova va o des cas o do 240. 000,00
dle nio
viver como estou. Que erm Osasco.
Audalio nao comparecendo ho His o tot: al que recebi . d o meu livro
:
o dinheiro, que eu ten favela deu-
Eu pedi para ele levar elevadas. Hle telefonou
. ntos e um fim ee
aborrecime ons
me
S

somas
medo de andar com nos acompa- Saimo ‘ ie banco até é a redacdo
ami go vir até a livraria para 0 Anite fomos dos Diarios
tado o di-
m

para o seu osi


t

que éle hav ia dep Antonio Soei- -


nhar e ser testemunha O Audalio ro‘ Cabral . Eu eee eae com o Senhor
s que ja trabaibou. ueria
f ouvir é
o que éles dizizi P
reneecti

nheiro. Citou os lugare ral.


hor Antonio Soeiro Cab cisava olhar os filhos que ficavam atraz. mas bre
chegou. Apresentel 0 Sen dep osi tad o no
ro devia ser que Naowenredaca
: Gio encontrel i o r eporter David
avidi St. Cla i
fle disse-ihe que 0 dinhei se opés. :
ane queria fazer uma reportagem comigo para o Laie,
nio
Banco Tt... O Audalio
ruas 0 povo reconhecia- re merrogon me. Ferguntou-me onde nasci. O Se.
Quando eu seguia pelas do Se-
esentada para 0 irmio )
ee none 8 oeiro Cabral fico u na sala para ir
me. No Banco fui apr con tou 0 din heiro. fe ant progatorios do reporter. Mas que reporter! Ea
Cabral. Ele
nhor Antonio Soeiro um taléo pressAo que estava na presen¢ca de um juiz.
iniz
para gastar. Becebi
Fu tirei 20 mil cruzeiros ten dia ga-
porque eu nio pre
de cheque emocionada,
Combinamos q ne eu de vO ir na fa V ela amanha
QO Jofio olhavaheiro e o din
assim.
nhar tanto dinheiro
para éle fotografar -me. Despedi . Sai com oO Senhor
alegria e dizia: Antonio Soei até
sorria. A Vera demonstrava sa- Osasco. ro Cabral. File pagou.o automovel
ro para comprar
— Agora eu tenho dinhei
patos. e um de et 6 de setembro Tomamos o bonde. Quando che-
deu 0 talao comprovante Peat lags encontrei o reporter David St. Clair
O gerente :
cheque: xorg ol he por que é que éle 6 St. Clair, que aste
a
Serie B. No 864.081 nome ¢ cez. Ble disse-me que é inglez. ‘Tomamo
, “Banco I... S.A. —
e dirigimos para a favela. Passamos na
~~ 864.090. os delegacia para pediri ao d :
poderam ser usados pel
Nota: estes cheques s6 ecr uze iro s. nos acompanhar até a evel dois soldados para
Depositei 176.000
proprios correntistas” .
publicacto (8) A(A. autor a i do
apareceram, depois da
D,) refere-se & importancia equivalente a 10%Ya preco
uitas as pessoas que
D.) de capa.
(7) Foram
a “pobre faveiada” -
livro, querendo proteger
do
53
52 se
CASA DE ALVENARIA
CAROLINA MARIA DE JESUS

policiais. Quando chegamos na cidade éle despediu-se dizende


gentil e nos deu des
O delegado foi Hid noe que ia comprar um tecido para fazer um agasalho, por-
que estava usa lo ves pee
Vora estava alegre por Alice a prime? que éle quer um eapote para o inverno. Ele vai nos
a FEstados Unidos no natal. E 14, no natal, tem neve.
Ela foi procurar Don
filhos dor- Ele vai ver a sua mae. Disse que j4 faz quatro anos
oa
o ver ia onde mens
quar
S icera Tor ok fot ografon- que nao vé a sua mae. Bla é muito béa. Ble seguiu na
vaien wi mA fotograto George n ma a r i minha frente e foi distanciando-se e mesclou-se com
a cireulou que eu n
me. Qu an do a not ici pa w eu a turba.
se. O Audalio isse- me
os favelados afluiram- mst ls Fui para o “Cruzeiro” falar com o reporter. Eile
& Leila. Foi ela que
nio dizer nada para .
seila estava escrevendo. As 7 horas dirigimos para a F'a-
dos a ape dre jar -me culdade de Direito. Enecontramos o escritor Paulo
fav ela 7
ir foram ver 4
O Audalio e o St. Cla ee ae av a Dantas. Quando chegamos na Faculdade, os estudan-
nhavam . A Tella ce tes estavam nos esperando. Fizeram alas para eu en-
Os favelados acompa alber roe
) Adalberio
e esp antado. trar. Fui introduzida no saléo de honra. Que beleza!
O Joaquii m olthava-m nte por) def ici enc ia aut r
om o seu andar oct ila para a churrascat
O Senhor Valdir presidente da Academia de Le-
O reporter nos conduziu tras da Faculdade apresentou-me ao publico e disse
am | aa
Caxias. Os pratos for
.
na Avenida Duque de no gua ran hae que eu ia reeeber o diploma de membro honorario da
O Jos é Car los molhava o pao ae Academia da Faculdade de Direito. Que aquele diplo-
dos. 20%
granfina, eu pensava ma estava reservado ao escritor Jean Paul Sartre.
mendo aquela comida sao que quem es - 3
E cheguei a conclu ave . Mas, devido o escritor francez ter muitos compromis-
lados.
sof re,
c ¢ se sof re, o sofrimento é su sos, nao lhe foi possivel comparecer e éles resolveram
de vis ita
isi n&oa
poro1 tar-se 1 mes a. .
i hos p ara com mip
Eu repreendi i os fil . Cin av tav a oferecer-me. E disse:
, porque © vaidosa
A Vora estava alegre nivias see sorria. A wa — A Franga tem Sartre, nés temos a Carolina!
l has
mesas com suas toa sa vida ee Olhando aquela juventude fiquei com dé deles.
alegre por que 0 pa norama tragico da nos r e J Pensei em tédas as calamidades que ha na terra. ©
que pod e alm oga
fle agora sabe
pareceu. custo da vida, é o flagelo da atualidade. O- outro fla-
dos os dias. ralta dos fi- gelo 6a guerra porque dizima a juventude. A guerra
Eu est ava con fus a com 06 modos ‘pe tem que ser abolida da face da terra. O homem ter
°
St. Clair disse-me: que resolver os seus problemas apoiado na paz.
qualquer parte do “~-- Varias autoridades
Ins. OS eriancas sao iguais em estavam presentes e o andi-
tério superlotado. O Audalio fez a apresentacfo. (...)
para deixar 0s filhot
man Eu ia voltar em Osasco ade ©
Os estudantes perguntaram os fatos da favela. Eu ia
ade para if na Faculd respondendo. Disse-lhe que os favelados lutam para
porque ja voltar na cid ou ne
id St. Clair acompar alimen Perguntaram porque é que eu, sendo
| Direito. O reporter Dav cid a ston
estou distante da
(...) Ble achou que eu fou preta, estava recebendo um diploma da Academia?
viu 0 quarti nho qne oe
| cou horrorisado quando
no mesmo au to me v® ; ee s Foi vaiado. Citaram-lhe que éles ali nio admitia
preconceito de cér. Perguntaram em quem vou votar.
residindo. Voltamos r eno
St. Cla ir disse-me que vai eva . — Eu ainda nao decidi.
ter David que eu publicar out ro
Estados Unidos depois

or
o
54
H
Casa DE ALVENANLA

CanOLINnaA Mania DE JESUS


Liguei o radio para ouvir a hora certa, porque
4 festa. i
Para tin i hoje eu vou na livraria do Mestre Jou autografar o
O senhor Valdir encerron
@, nine meu livro. Fui de onibus. Fico horrorizada vendo o
pensando na confuse
Fiquei
uma festa. de 7 rup
Grupo scolar
SCO. ora. ‘ sacrificio dos operarios para tomar conducéio de ma-
i
vida. a tenho d iploma
Eu nado i
< lemi nha, para ir trabalhar. Uns vao de pé, outros vao sen-
i
Direito.
da Facu ldade de
da Academiai eu eterno tados. Quando éles chegam ao trabalho ja est&o exaus-
efensores da lei, o meu mundo
para dles
© e) um raun
seja tos. {...) A vida de um operadrio é dura. Com D
C08, 8 oroq ue° o mundo Vivemos intran- maiusculo.
da atualidade.
Bao de que © nosso Vou a descriminar os .. Quando cheguei o Mestre Jou ja esperava-me.
quilos com
manor os perigos da epoca.
oon os. perit . E disse-me que ev ia para a livraria da Rua Augusta.
perigos: de vida . fe Qnando cheguei na livraria vi uma vitrine com o meu
do custo
1 — a fome, proveniente eos ne livro e uma faixa que anunciava a minha presenca.
custo de vida o pobre
9 _ devido o Autografei até as 22 horas.
condigna. Trem que res!
residir numa habitacdo . a,
favelas. 10 de setembro ... Hoje eu vou autografar na
ie ninguem
peneficia
a guerra. . A ¢guerra
nao livraria da Rua Augusta, a convite da irm& do senhor
3 —ag e celta my noes
0 mundo Giacomo de Camillis. Quando cheguei na livraria era
Dizima os paises, empobrece ay ead
cidades sao bom 8 e meia. Comecei autografar o meu livro. Ao meio-
de “vidas preciosas. As Depois da guerra tute OL
as bombas destroem tudo. dia eu despedia, chegou um jovem e pediu-me para
as nacdes 1
porque eu autografar-lhe o livro. Deu-me o seu nome: Edu-
que ser reconstruide a
guem-se. ardo Suplicy Matarazzo. HE convidou-me para eu ir
estudantes estava emoclo almocar na sua casa. Aceitei o convite. Fle foi tele-
despedi dos
Quando
deu-me Tn pa ; on fonar a sua irma Marina Suplicy Matarazzo, para vir
da. A Dona Brasilia Pagani
a eo ee busear-me de automovel, porque éle estava de lambre-
nucleo culto.
estava contente naquele e& a ta. A dona da livraria ofereceu-me dinheiro, eu nao
culto reina a paz
sera que entre este povo de ee ge Goes oe aceitei. O que eu notei de espetacular foi uma senhora
que as pessoas do lado
nia? SerA super.o g : ast
ae que trabalha na livraria. Ela fala sete idiomas e canta
’ A Faculdad e estava
Tuas uns boletins que d
erversas? e toca piano. Ii do Egito. Disse-me que decende dos
dantes espalharam pelas faraés. Que vivia na opulencia. Descreveu-me seus
libertou os eseravos, pre-
“sta Faculdade, que j4 castelos e os seus criados. EX a sua queda financeira,
cisa libertar os favelados.” que a politica derrotou-a. Que éles eram refugiados-~ -
os @ permaneceram em varios paises e ela aprendeu os
9 de setembro A Vera diz: — Agora nds som idiomas. Chega um inglez, ela fala inglez, chega um
comer até encher a barriga.
ricos porque temos o que °
russo, atende em russo. FE viuva e foi empregar-se
sorrir eu fico contente para viver. Ela é inconformada com a existencia.
E da risada. Vendo-a ra peca pe t
escreveu out Pediu-me para arranjar-lhe um emprego na televisao.
penso em Deus. Fle. ela pega de m
vida. Aqu Ei deu-me o seu cartao.
representa-la no paleo da R que 0 custo de vida
favela e ouvir aquela cangao O automovel chegou. Despedi e dirigi para a
na
compés: mansaio da Avenida Paulista. Eu ia conversando com
fome”.
bra

“Bn estou com 57


a6
CASA DE ALVENARIA
CAROLINA MariA DE JESUS
Fui autografar livros em Mogi das Cruzes (...)
zzo, que ia relatando
‘oven Marina Suplicy Matara tem 11 a O senhor Antonio Soeiro Cabral néo reclama a nossa
as belissimas qualidades de sua mae que p - permanencia na sua casa. Dia 17 de setembro fui com
que © boa para 08
thos. Que é muito sensata e m de eria r 1 filho o reporter em Bauru. Dia 21 de agosto eu mudei para
age
Admira o seu pai, que tem cor pal © um herol. a Rua Antonio Agu, 908 e comprei moveis de quarto,
todo o conf orto . Que o seu cosinha e sala. (...) O quintal estava superlotado de
com
residéncia do senhor
Quando cheguei na belissima lixo. O dono da casa, senhor Victor, ficou admirado
vendo aqueles quadros. de ver eu trabalhar com tanto afan. Recebi a visita
Paulo Suplicy fiquei abismada Home.
ntada a sen ora do jornalista Renato da “Gazeta”. Ele disse-me que
Mas que quadros! Fui aprese e os outr os aes
4 sue nora en nao devo aceitar as imposicées do editor para au-
na Suplicy Matarazzo, vi te 0 s :
ava presen
que foram chegando. (...) Hst pro nun cia ram
tografar livros. Que eu néo sou obrigada a compare-
Quando cer. Ele deixou um bilhete para eu ir procuraé-lo na
Coriolano de Araujo Goes. endida e pergun-
na mesa, fiquel surpre rua Barao de Itapetininga.
seu nome
tei-lbe: A. casa estava em desordem. Procurei uma em-
comissario no Rio de pregada para auxiliar-me. O José Carlos arranjou
__. Ent&o 6 o senhor que foi ; ; uma senhora branca, D. Helena. (...) Quando eu fui
Janeiro?
esta em Sorocaba ela néo tomou conta dos meus filhos. A
Ble confirmou. Falamos de sua luta c éle Vera ficou com uma senhora, paguei-lhe 200 eruzei-
vida para os pobres.
horrorizado com o custo de ros. Fui a Sorocaba com o academico Paulo Breda
A D. Filomena foi
_.. A refeicio estava otima. tos 0 prac. ‘
Fitho. Que homem agradavel! Fomos de carro. Ele
criados. Pre guiava. iu ia olhande as paisagens deslumbrantes e
mostrar-me a casa @ 08 lo Suplicy isse-me
hor Pau
cosinheira é preta e 0 sen sempre ales
esta
as plantagées de wva, nas imediacées de SAo Roque.
dela porque ela Tem varios restaurantes na estrada. Contei 45 igre-
que gosta muito ‘al
é de confian¢a. jas e capelas na beira da estrada. H& que os habitan-
eee ontifi. tes de sitio nao tem distrac&o a n4o ser a religiao. Por
Despedi de D. Filomena, roe
p Quan
com o reporter. O senhor Wduardo SupHey isso é que os habitantes dos sitios sio humildes. Na
Francisco ves. een rodovia os restaurantes anunciam frango assado. O
cou-se a levar-me.na Livraria
©
ava fechada, porque ' je Dr. Breda Filho levou-me num restaurante para eu
do chegamos a livraria est a a sen ho ar e almocar. A dona do restaurante olhava-me. Para dis-
trina par
sabado. Mostrei minha. .vi
fico u hor ror iza da, porque ela ignora sipar a sua duvida eu disse-lhe que ela jé havia visto-
rina, que me na televisic. Ela recordou e disse:
mas dos pobres.
— Carolina Maria de Jesus, a senhora que escre-
17 de setembro Nao tenho tempo para escrever veu um livro!
ites que venho reer en jo
_o.men.didrio devido os conv para autogratar ivros O senhor Faulo Breda Filho ia citando que a
de varias cidades do interior maior regiao vinicola de Sao Paulo era Sao Roque.
o prazer, porque vou
Convite que atendo com todo fle comia o frango desinteressado e eu comia com
Brasil. Eu estou can ia.
nhecer algumas cidades do gula e com avidez. Ele ofereceu-me vinho, recusei
O reporter disse-me q
Nao tenho tempo para ler. porque eu nao quero amizade com bebidas aleoolicas.
a.
este entusiasmo do povo pass
59
58
Casa DE ALVENARIA
CAROLINA MARIA DE Jesus
Abri a bolsa e dei-lhes uma cedula de 1.000 ery.
Quando chegamos era 3 horas. Fui para a livra-
‘zeiros. E. disse-lhes:
ria Gutierrez. Fui recebida com aplausos e fui auto- — i para vocés.
grafar os livros. Dei entrevista na Radio. Fomos no
Centro Académico Rubino de Oliveira, que estava su- Ela pararam bruscamente, olharam a nota de mil
perlotado. Fui aplaudida. O Dr. Paulo Breda Filho cruzeiros. Depois olharam-me. HE sorriam. Pensei:
iu
a assistencia. estava alegre porque Ah, dinheiro... invencio diabolica que escravisa o
apresentou-me
homem e liberta o homem.
nao estava com fome. (...) Depois do debate fui es-
erever no livro de visitas. Hncontrei a assinatura de
D. Pedro II.
Falamos do problema .-. Tenho que voltar a S80 Paulo para ir no Baile
Os debates foi animado.
da Primavera no Salio de Festas Fazano. (...) Fo-
dos favelados. Um senhor ofereceu 10 lotes de terra mos de onibus porque nao tinha antomoveis. Os mo-
para ser distribuido aos favelados. toristas estavam em greve. Quando cheguei no salao
Fui dormir na Escola Monteiro Lobato. 86 para fiquei abismada com o luxo do elevador do Clube
meninos. Uns sao orfaos, outros sao abandonados Fazano. % maior do que o meu ex-barracio. A escada
pelos pais. Fico pensando na acéo infame da mulher é forrada com veludo, as mesas sao adornadas com
que abandona o filho. A Dona Avelina Garcia é a ze- fi6res. A espésa do senhor George Torok estava ale-
ladora do Orfanato. gre. Contei trés senhoras brancas. Todos olhavam a
_.. De manha eu fui ver as crianeas. Admirei a minha mesa. O reporter chegou tarde. O senhor Silva
refeicio matinal para as criancas: leite puro e pao Netto, reporter da “Manchete”, estava alegre e aten-
com manteiga. (...) A Dona Avelina mostrou-me o cioso. Fiquei contente quando o reporter chegou. Ini-
interior do Orfanato. Tem 15 alqueires de terra que claram a coroacio da Rainha. Eu coroei a Rainha, a
ela cultiva. Planta arroz e feijao. Pediu-me para ar- senhorita Ester Brasil. E o senhor Silva Netto coroou
ranjar-lhe um trator. Prometi arranjar.. Fiquei pen- a princesa. A senhora Aparecida de Campos saudou
sando no valor do homem do passado, que contava a Rainha. Itu era o alvo dos olhares por causa do
com os seus proprios bracos. O homem do passado é meu livro. O sono dissipou-se. Fiquei conhecendo o
que se alimentava com o suor do seu rosto. Os atuais diretor do Fidalgo Clube.
tem as maquinas. As colheitas sfo mais faceis. ... Eu estive em Bauru com o reporter. Fui bem
JA que as colheitas ‘siio mais faceis, entio nfo ha recebida pelos vereadores e o ilustre poeta Nidoval
razio para elevar-se os precos dos géneros “alimen- Reis. Que homem amavel. Almocamos no Clube’ de
ticios. Campo. Que clube magnifico! Um fotografo acompa-
nhava-nos. Fomos na Camara Municipal e na Tele-
Fui na lavanderia. Duas mulheres lavavam as visio. (...) Eu estava conturbada por causa da via-
roupas das criancas. Ei ferviam num tacho. Olhei as gem de aviio. Tinha impress&o que estava no espace.
duas mulheres: Davam a impressio de ser dois es-....— Quando fui jantar estava sem fome, mas guardei uns
queletos trabalhando. Cumprimentei-as, elas nao deu-
pedacos de frango para comer se tivesse fome.
me atencio. A Dona Adelina disse-lhes que eu sou
escritora. Elas ouviam, dizendo: a Passei a manha de domingo na residencia do
poeta Nidoval Reis. Sua ilustre espésa preparou um
—- Hum! Hum!’ Hum!

“60
CASA DE ALVENARIA
CAROLINA Maria bE Jesus

Eu encontrei o jornalista Mauricio Loureiro Ga-


alméco para nés. Mas que alméco! (.. ) Ao meio-dia ma. Ele convidou-me para eu ir no seu programa
fomos para o campo de aviacio. O poeta Nidoval nos Edicéo Extra, na Televisao.
acompanhou e nos fotografou ao lado de uma prima-
O “Time” de 26 de setembro publicou uma repor-
vera em flor. Eu olhava as fléres vermelhas, a minha tagem para mim na pagina 20. Quem fez a reporta-
cér predileta. A minha vista percorria aquelas terras. gem foi o reporter David St. Clair. (...) Eu recebi
Que imensidade de terras ha no meu Brasil. Nao é convite para ir na Associacéo Cultural do Negro, no
necessario existir favela neste pais, nem o custo de predio Martinelli, no dia da Mae Preta. Ganhei um
vida tio clevado. jogo de cha. Os componentes do Teatro Experimental
Fomos sentar no alpendre enquanto. aguardava- do Negro cantaram um samba para mim.
mos o avido. Conversei com as pessoas presentes e Eu estou residindo na Rua Antonio Agu, 908. A
recitel uns versos. Fiquei assustada quando ouvi o casa é nos fundos. Dois comodos e cosinha.
ruido do aviio. O meu coragio foi murchando igual Vou reiniciar o meu diario, dia a dia, porque
uma bexiga quando vai expclindo o ar. aquela agitacao esta diminuindo.
Despedi mos do poeta Nidoval Reis e penetramos
no avido. fle oscilava. HE en xingava no pensamento, 16 de outubro Levantei as 5 horas. Acendi o
dizia comigo: eu nfo vou eserever mais! eu vou voltar fogio a gds e fiz o café. Os filhos estéo comendo
para a lavoura! Pensava nas pessoas que morreram pouco. Biles trocaram roupas. Hoje éles véo no cine-
nos avises. O Dom José Gaspar de Afonseca e Silva, ma. A Dona Rosa, uma professora que é dona do
o Dr. Casper Libero, o jornalista Benjamin Soares Salao Grenat, veio visitar-me. Ela escreveu um do-
Cabello e outros. Carole Lombard. O reporter ia en- cumentario de sua aluna e deu-me para eu ler. BE
corajando-me. A volta foi pior porque havia nevoa muito bonito. Esta escrito ha 10 anos.
seca. Que alivio, quando eu li-—“Aperte o cinto”. En- ... Eu fui na feira ver se comprava camisas
fim chegamos em Séo Paulo. . para os filhos. N&o encontrei camisas do meu gosto.
_.. Fui tomar o onibus para ir a Osasco. Os fi- Comprei adorno para a Vera porque vamos no Rio
thos queixou-se que o visinho dos fundos espancou-os amanh&. Comprei jornal para ver a classificacaio do
porque éles pularam o muro. Ii que o visinho é impli- meu livro. Esté no primeiro lugar.
cante. Biles néo atinge o muro do visinho. O homem 17 de outubro ... Chegou um senhor que veio
xingou os meus filhos. Disse-lhes que nés somos va- pedir-me para eu escrever uns versos para éle gravar
gabundos que estamos habituados a comer coisa do
uns discos, que esta desempregado. Que assim como
lixo. eu venci na vida éle também ha de vencer. Ei compo-
Nao preocupei com as confusées. sitor. Dei uns versos para éle cantar. Cantou. Ele
_.. Eu estive em Bauru dia 24 de setembro. Kim nao conhece ritmo. Percebi que éle 6 um tipo que
So José dos Campos, dia 17. Autografei livros, vi- quer servicos leves. Hiles esquece que homem, para
sitei colegios, fui saudada -pela fanfarra. Os mous vencer, tem que enfrentar..qualquer especie de tra-
filhos apreciaram. Visitei um colegio de meninas e balho. .
| recitei. Quem acompanhou-me foi o Dr. Alvaro Gon-
calves. Que pret distinto! 19 de outubro ... Alguns criticos dizem que sou
| pernostica quando escrevo — os filhos abluiram-se —

| 62
t 63
|
|
CASA DE ALVENARIA
Canouina Mania pr Jesus
... Propuz ao David St. Clair para irmos na
Sera que preconceito existe até na literatura? O negro Livraria. Hu ia escrever um artigo. Despedi do re-
nio tem direito de pronunciar o classico? porter e sai com o David St. Clair. As pessoas que
abordava-me eu parava e apresentava o David St.
21 de outubro Levantei de manha e escrevi até Clair e dizia:
o astro-rei despontar. Fiz café e comprei leite para — Ele é 0 reporter do “Time”.
os filhos. Bles abluiram-se. (...) Estava ageitando a
Ele sorria. Apresentei-o na livraria da Praca Ra-
casa quando chegou o preto Roberto. Ele esté desem-
mos. Paramos para comprar a “Tribuna da Impren-
pregado. Dei 1.000 cruzeiros para o preto Roberto,
sa”, mas ji estava esgotada. Chegamos na livraria eu
porque éle queria snicidar-se. Que baixeza! Um ho-
apresentei-o:
mem forte no fisico e fraco nas resolucdes.
—— Este é o reporter do “Time”.
24de outubro ... As 11 horas chegou o Rubens. ... Saimos da livraria. Despedimos e éle dis-
Disse-me que conseguiu 170.000 cruzeiros emprestado se-me:
com o seu tio e quer que eu lhe empreste 180.000 — No Rio vocé vai jantar comigo.
‘crnzeiros, que éle quer comprar um caminhao. O ea-
minhao eusta 350.000 cruzeiros. Eu nunca pedi di- 27 de outubro ... Fomos na Televisio Canal 2
nheiro emprestado para ninguem. Pedia pio para os ver a Dona Suzana Rodrigues que convidou-me para
meus filhos e sobra de comida. tomar parte no seu programa. Sentamos na sala de
.-- En disse que eston juntando dinheiro para espera. Conversei com as ilustres senhoras que esta-
comprar uma casa ou um sitio, porque as coisas val vam presentes. Falamos da transformacio da minha
piorar e eu quero ter terras para plantar. Ele disse- vida. As mulheres dizia:
me que arranjou um emprego num escritorio e precisa -—— Vocé deve adorar o reporter. Que homem
de 3.500 cruzeiros para. dar de fianca. O Joiio disse- bom!
me para eu nao dar-lhe dinheiro. —- Ble faz tude de graca para a senhora?
26 de outubro — Faz. O que ganho num més éle ganha em 6
... O reporter convidou-me para
méses. Tem dia que o reporter diz que o seu orde-
irmos no Banco. O numero do meu deposito em conta
nado € pouco e eu digo: sinto ndo poder dizer-te o
corrente é 36.427. Depositei 150.000 eruzeiros. Con- mesmo. .
versamos com os bancarios. Eles congratularam-se
As mulheres sorriam. A Dona Suzana Rodrigues
comigo. Despedimos dos bancarios e fomos para a re-
dagao. Eu estava conversando com o reporter. Fala- disse-lhes que eu tenho mais dinheiro do que ela. Mos-
mos do pai da Vera. Ele vai dar-me uma caneta. trei-lhe os recibos dos bancos. Ela disse-me para eu
Quero duas. Uma para o reporter. ter cuidado.
—- Agora éle quer dar caneta? — Nao tem perigo.
... Disse-lhe que quando recebo 100.000 cruzeiros,
A porta abriu e o David St. Clair e outro senhor recebo 200 mil de aborrecimentos. Estou angariando
entraram-se. amigos e inimigos, porque no posso satisfazer certos
— Oh! — exclamei contente. FE dei um abraco pedidos impossiveis — Ha os que querem casas, ha
no David St. Clair.
65
64 Casa de Alvenaria 3
Carnouina Maria DE JESUS

Percebo que todos desejam CASA DE ALVENARIA


os que querem caminhoes.
algo, mas eu no posso solucionar. Eu tenho que lutar 30 de outubro Levantei as 5 horas, preparando
pelos meus filhos. hos porque hoje eu vou na festa da “Ultima Hora”
no Alto do Ipiranga. Fui preparando o alméco e tr ;
98 de outubro Levantei as 7 horas porque deitei
Pao, café com leite cando as crian¢as. °
tarde. Preparei a refeicéo matinal.
Hu compro ver— A. Dona Rosa e o Juvenal vai ver a festa. Ey vou
eaveia. Como é bom ter o que comer. com todo © prazer porque é festa do jornal.
duras, ovos e frutas A minha pele esta renovando, O Juvenal
re © primeiro a chegar. Depois chegou a Dona Rosa
estou engordando.
Bt senhor e um menino veio visitar-me. Eu conver.
Pedi ao Jodo para varrer a casa e o quintal. sei com éles no onibus. Hle disse-me que admira o meu
Nao quiz. Ele esta nervoso porque eu disse-lhe que
livro. (...) Quando descemos do onibus levei o Ju-
vou casar com o David St. Clair.
o venal na fivraria para éle ver a minha vitrina com os
__ A senhora casando com o David St. Clair meus cadernos sujos e velhos. : Ele e ¢ gostou
dinheiro dos livros é dele. A lei da direito ao homem
dos direitos dos quadro. ° do_meu
e eu queria e quero ser o herdeiro
a ‘ .. Quando chegamos no Museu nao vimos sinal
livros.
Fiquei horrorizada O meu filho estA ao par do e festa. Perguntei a um guarda onde era a festa.
O guarda respondeu:
Codigo Civil melhor do que eu.
—— No Monumento.
29 de outubro ... O Jodo quando fica zangado Descemos, para o Monumento. Os filhos queriam
comigo procede assim. Se peco para fazer um servigo, ver a casa do D. : Pedro I. : A Ver
era perguntou
diz que néo gosta de mim. Eu pergunto porque é que guarda: ps ne
ale me trata assim. © que eu brinquei com éle que vou -~ Seu guarda, o D. Pedro esté?
easar com o David St. Clair e éle nao quer. E deu-me O guarda sorriu e disse:
ordem para nfo falar em casamento, que sou velha e — le esta viajando.
muito feia. Ela correu na minha direcéo dizendo:
Recebi a visita de uma senhora por nome Arlete. . — Mamie, ; o guarda a disse
di que o D. Pedro esta
Disse-me que é amiga da Dona Rosa —- mas que viajando. ° ot
amiga... Falou que a Dona Rosa é rica, mas é muito Entramos na casa de D. Pedro, os filhos ficaram
segura. (...) A mulher prosseguiu dizendo que foi admirados do primitivismo. A candeia a oleo, as ma-
casa da
e separo u-se do seu espdso. Safa para traba- las de couro, as camas, os arreios, as selas.
Ela é de Objetos
ihar e deixava suas filhas com a empregada. aue representa uma epoca distante. Naquele tempo o
Recife. E foi 1A de avido e gosta de viajar de aviaio. ; rasil era pobre, porque 0 nosso ouro ia para Por-
Eu disse-Ihe que vou no Rio de Janeiro. Vou de oni- jugal. _Hoje o Brasil 6 pobre porque as verbas do
bus. Eu gosto por causa das paisagens. (...) Dei ais nao vai para o Tesouro. Vai para os bolsos dos
gracas a Deus-quando-a mulher despediu-se. maus politicos que duplicam dia a dia igual as estre-
_.. Ew ainda no habituei com este povo da sala las do céu. ,
de visita —uma sala que estou procurando wn lugar 4s
M Saimos da casa de D. Pedro, dirigimos para o
para sentar. Monumento. Vimos a tendinha.da.“Ultima Hora”. Os
-jornalistas comecaram aproximar-se para nos cunipri-

i
66
CasA DE ALVENARIA
CAROLINA Maria pe Jesus

i chegando e fiearam entre ... Vou-cosinhar feijao. Os filhos nio comem


Divisio de Diversoes sem feijao. O feijao para éles 6 0 prato de Gala. A
ee : neque a D. 5 “ . see 0 anaes Vera quando vé comida, canta.
Festedos
Publicas queria impedir os da Viv isa o s
foi falar com o diretor os e 2 de novembro Levantei as 3 horas para escre-
espe ra. Nos que,
Pcblicas deixando o povo a ver e ler um pouco, porque néo tenho tempo durante
tima Hora ee é es ae
mos ali eramos amigos da “Ul £ erce o dia. Porque os meus filhos reinam muito. O José
resos, 0 povo acompanhava-os. ndo estes Carlos fala: -
o e pat roc ina
“Ultima Hora” é querida do pov ami gos . —- Joao, vocé precisa comportar-se melhor para
o mai s
espetaculos ao povo vai angariand o de vida im- néo deixar a mamfe nervosa. Ela tem um coracdo e
por que o cust
gesto da “Ultima Hora”, _ o coragao é o relogio do corpo humano. Esse relogio
ros. .
ede o povo de frequentar teat pode parar um dia. E um relogio que nado tem corda.
da ven do a Don a Lei intervir-se
® Fiquei horroriza ; Passei o dia cuidando das roupas dos. filhos, por-
numa festa inofensiva. gue nés vamos ao Rio de Janeiro no dia 7. Ku nado
e zo paleo ou oie
Quando o espiquer apresentow-m sabia que hoje é feriado, mas 0 meu visinho deu-me
meu son ho é ver o cust o de vida ao @ a honra de vender-me leite, pio e acucar.
par a subjugar este
todos. Temos que lutar unidos ; a
Abri a porta da frente e vi o bom povo de Osasco
flagelo. percorrendo as ruas conduzindo fléres aos seus entes
o depois ane 2 ore amados que deixou este mundo
"Os artistas foram para 0 pale para sempre. Do geito
per mis sa¢. A de Sen que o mundo
tor da Diversées Publicas deu A ut Feothe
vai... dia chegara em que havemos de
tid ao. (.. -) dizer:
ceder por causa da mul Hu
livro. — Viva os mortos!
disse-me que quer filmar o meu
soluciona que refere-se comg' 0&0
tudo
quem quem
reporter.
4de novembre ... De manha reeebi a visita do
: senhor Joao José Fech — economista. Veio propor-
— Vou procura-lo. me se quero ser socia numa fabrica que éle vai abrir.
Ele ciitou aneque esta
are
Sai i e voltei i com o reporter. i uma fabrica de armaeio para guarda-chuva. Eu
, are
os “scripts” e da preferencia &ficou ale
preparando . Hla no tenho dinheiro para investimentos. A unica coisa
deu o seu enderego para 0 reporter
que eu quero é comprar uma casinha. Eu sei nego-
e agradeceu. ciar, Mas nfo quero porque o meu ramo s4o os livros.
ntal | do Ne-
. O conjunto do Teatro Experime O senhor Joao disse-me que é casado com judia.
de Desp ejo” .
gro ‘cantou o samba “Quarto Que a raca judaica é unida e que éles auxiliam-se. Sao
... O Joaao tra tou dos dentes.
unidos porque seguem os preceitos de Moysés, que
de novembro aconselhou-os para ser unidos.
ar no espelho para ver
Quando acaba de comer vai olh
é importante. E a inge-
se o ouro sain. Mle pensa que 6denovembro ...A Dona Rosa veio visitar-me.
ngas.
nuidade. Eu tenho dé das cria Convidei-a para ir comigo a televisio. (.. -) Eu ia
mandar os filhos ao cinema, mas éles estio reinando
ho menagem &
(9) Samba de autoria do compositor B. L6bo, em
muito. Esquentei agua para ablui-los e preparei janta
Carolina. (A. D.)

69
68
CASA DE ALVENARIA

CaROLina Marra DE JESUS — BE que o dinheiro que eu tinha para pagar o


automovel emprestei para um senhor que estAé desem-
O. senhor J oaquim
para éles. ‘Troquei-me e saimos. nos ene
pregado.
desi stiu de
Rosa saiu conosco, mas e lo anes
O preto continuou. Fle foi contando anedotas e
i a) Quan
aludindo que estava com frio. a s p amigas .
os passageiros sorriam. Quando chegamos na cidade
mos na Televisi encontrandolo
is o fui i encot as dirigimos para a livraria. As malas estavam pesadas.
ilis simo . Eu dis seme
O notavel Helio Souto foi gent eile hie,
A livraria estava fechada. Bati. Ndo atenderam. O
ao reporter 0 conte ame ore senhor Assumpgéo ouvin o ruido dos filhos, desceu e
para pedir
EHxpliquet-i
i rda” —- para radioiofoniza-lo.
liza abriu a porta, dizendo que sabia que eu ia ao Rio. Que
no estudio com um
toria. Ble organizou uma favela Alves cantou
o Dr. Lelio de Castro havia deixado 3 passagens.
D. Carm elia
varal de roupas velhas. A ... Tomamos um taxi. Paguei 38 cruzeiros. Na
inici ar o programa. Percebi i q que o empresa Auto-Onibus fui reconhecida por varias pes-
um samba para inicil
Estou contento. i.
meu livre deu muitos derivados- é
soas. Cumprimentei-as e fui escrevendo a poesia
isho estava animada. O senhor Hello edi dos
“Noivas de Maio” para ler na Televisio no Rio.
come ntar ios. Desp
fecen 0 meu livro e fez uns do cheg amos
Quando entramos no onibus surgiu um incidente. fb
Felio Sout o. Quan que o José Carlos queria sentar sozinho e nés tinha-
artistas e do senbor hosa ’
da Dona
em Osasco era 23 horas. Despedi porque am
mos s6 3 poltronas. Eu disse para o motorista:
a minha bagagem, —- Se o senhor
entrei. Fui preparar obrigar-me a descer do onibus eu
nh& eu vou ao Rio. volto para Osasco e nfio aparego no Rio. E os jorna-
listas do Rio estio esperando-me.
7 de novembro Despertamos as 3 horas da ma Por fim decidimos que eu devia dizer ao fiscal
pare ouvir Pe pertel
nha. Mandei o Joao ligar 0 rade que a Vera esté com 5 anos. Abri a bolsa dizendo
Bra 3 horas. Fizj café,é o Joaoao foi trocar-se. que podia comprar uma passagem para a Vera. E re-
os ea Vera . Fech amos a casa ¢ fomos para tirei uma cedula de 1.000 cruzeiros. Os passageiros
o José Carl
o ponto de onibus. foram acomodando-se e o onibus partiu. A Vera
superiotada.
. A condugdo dos operarios estava ados,
queria ir na janela. Xinguei-a, porque eu estava su-
mala. Uns jam gen pernervosa. Nés iamos olhando as ruas que eu per-
Que ‘sacrificio para colocar a ma a es
outros de pé. Reclamavam que a minha corria catando papel. Ja habituei: quando passo por
o espace. Eu disse que ia viajar. uma rua olho se as latas de lixo j4 estao na rua. Quem
obstruindo
a cata algo no lixo nfo est4 roubando.
— Onde vai?
O auto descia a Avenida ‘Tiradentes e eu ia
_ Ao Rio de Jan o. eir
olhando os recantos conhecidos. E olhei com amor e
se?
__ Onde & que vai hospedar- . simpatia a casa do senhor Rodolfo, porque éle auxi-
—. No Hotel Ser rad or.
ogava, sorr iu. O eco liou-me muito. Os meus filhos estavam tristes e eu
O preto jocoso que me interr olha ssem . Ele tambem. Parece que a tristeza contagia. Os filhos ja
outros
de sua gargalhada fez com que - conhecem aquele roteiro, porque ja-fomes-a-S40 José
i
continuo i
u inte rrogar ~me: dos Campos.
l Serradoy nao
—- Quem. vai hospedar-se no Hote Serra ... Quando chegamos ao Rio fui avistando as ca-
no Hotel
viaja de onibus. Quem hospeda-se sas de tabua. Eu tenho pavor das casas de tabua. Pata
viaja sé de cadilac. ;
Os passageiros sorriam. 71

70
Maria DE Jesus
CaroLina
CASA DE ALVENARIA
: i da pobreza, o distin-
© eros estava rn levantando-se ruas..A Dona Luiza surgin perguntando-me se eu
mo ae representa ha no de-
ns. Minha mala vin queria tomar café.
tivo de otter aS bagage ros 20 car reg ador em
ia dado 20 eru zei Ela pediu café. Os filhos ficaram admirados
ais eee h gando en ia olhan-
ae be saando o onibus foi che vi reanimel quando viu as frutas, manteiga. A Vera sorria quan-
jornalistas. Qua ndo
Sao Panlo. Qe via os ram-me.
Eles reconhece
do os nossos olhares cruzavam. Nés agora somos
nce ando-Thes a mao. ricos. :
1 nL
a. Cumprimentei as pessoas presentes. Os
Pai fil A Vera queria Desci no elevador para encher as canetas. Os em-
filma’ ran fotografando-me. pregados do hotel olhavam as canetas e sorriam, co-
ee ois dos cumprimentos
Joma hotel depressa. Dep magnifico! mentando que as canetas eram velhas. Pedi o jornal
Que pre dio
fomos
gar a0
para o Hooe I tel Serrador. para ler. Ku estava em todos. Conversei com os fun-
che
apartamento no a andar. wen
Fomos para 0 108s ta cionarios e subi no elevador para ler. Estava cansada,
A cama nivia e
tamento maravilhoso. belo . A gov ern ant s mas estava contente porque a vida no Rio transforma.
ae will Tudo que é do Rio é H um recanto de fadas. O carioca é agradavel.
za Fiori. Auxi-
ale arent! me bem. & Dona Lui
e dizia que estava con-
Q rdar as roua pas
O hotel parece um palacio encantado. Tem tudo
iejou-mae a gua sa culo, diene. que desejamos. O radio, telefone e as vistas agrada-
de criancas-
tente porque gosta
um poe a cu 0, disse-
veis. A D. Luiza Fiori 6 culta e laboriosa. Troquei
O senhor Homero Homem,grama as televis Oa os filhos e fui girar pela cidade. Os cariocas estavam
me que nés iamos a wn pro comentando o meu programa da televisio. Fui a Ci-
¢ saimos para a ; elevis.
tamos, trocamos a , nelandia olhar os locais onde ia realizar os autogra-
perguntou pelo
chegamos 4 reporter fos. E li os nomes das editoras. Sentamos para ler
respondeu o senhor Homer
__ Ble nado veic — ; a “Ultima Hora”. Achei graca quando li: — “Relogio
Homem. de ponto para os deputados”. As pessoas nos reco-
0 senhor Homero Ho nhecia. Circulamos pelas ruas procurando tinta. As
A reporter combinou com n
ormar o programa, aprese coisas que me faz falta: livros, tinta e papeis. Eneon-
mem e resolveram transf sen A
tando-me barracao com os filhos, o
num trei uma loja de canetas e perguntei se tinha tinta.
amos dos
e o senhor Barbosa Mello. Fal Responderam-me que sim. Perguntei o preco: 12 eru-
atua l livr o.
do eserever € do zeiros. Contei o dinheiro, faltava 5. O jovem disse-me
meus oeane eu preten o. ; somos
que eu podia levar o vidro de tinta e pagd-lo depois.
m trec hos do livr
les citara s
amos por al An ome Fiquei surpresa, porque aquele jovem me via pela pri-
Saimos da Televisao, and A Dona pal za Wiori meira vez. Eu disse-lhe que estava hospedada no
Gaucha.
jantar na Churrascana um car ro ¢ 0 p a Hotel Serrador.
anhava-me. Alugaram tamos. dei
alegria quando —~ Eu confio na senhora. Pode levar a tinta.
8 Hotel Serrador. Que
a! ... O que fascinou-me foi as manciras cultas dos
cama nivia é maci
funcionarios do hotel. Quando olhava-me sorriam. Da
i ate a
8 de novembro Levantei as 4 horas. Fu a impressao que estamos no céu. A D. Lmiza disse-
r nte s do Rio
j mplar as paii sagens des Jumbra pelas
me que eu devia tomar banho. Obedeci. O ilustre es-
pio circul ava m
sa otro. Os carrinbos de critor Homero Homem chegou e telefonou. Pedi para
éle subir.
72,
73
,

CASA DE ALVENARIA

CAROLINA MARIA DE JESUS Nao estou trabalhando. Recordei aquela epoca em que
catava papel até as 11 horas para conseguir dinheiro
Quando o senhor Homero Homem chegou sorriu para comprar 0 que comer.
antes de nos cumprimentar. Disse-me que eu devia
trocar-me para ir autografar na “Revista Leitura”. 9 de novermbro Despertei as 4 horas porque ja
A D. Elza Heloisa estava presente. Ea D. Jurema estou habituada. (...) O telefone tocou. Fui atender,
Finamour. Comecaram os: telefonemas dos cariocas era a D. Elza Heloisa. Disse-me que vinha retirar
saudando-me. O senhor Homero Homem despedin-se. os meus filhos para passear. O meu quarto estava
Os meus filhos estavam abismados. A Vera olhava superlotado de visitas. A D. Eva Vastari, da revista
tudo ao seu redor com assombro. O que impressio- finlandesa, uma loura muito educada, estava presente.
nou-a foi a banheira. Ela dizia: ; G telefone tocou. Fui atender. Era o senhor Ferrio.
— Como é que a agua pode sair quente de dene Eu disse-Ihe para subir.
tro da parede? Mamie, esta casa @ a casa das fadas -., A noite estava tepida, o céu adornado de es-
falam os livros? . trelas. EK as ruas do Rio superlotadas de transeuntes.
a __. Nao 6 a casa das fadas, nfo é casa dos livros. © senhor Ferréo acompanhou-me até a Cinelandia,
# o hotel. ; que estava com as arvores iluminadas. Quando che-
AD. Elza Heloisa saiu com os meus filhos e eu guei na Feira do Livro a multidéo aplandiu-me. Ace-
fui autografar livros na redac&o da “Revista Leitura . nei a mao e dirigi para o palanqne. Iniciei os auto-
Quem acompanhava-me era 0 senhor Barboza ello, grafos com dedicatorias. A praca estava superlotada.
que ofereceu-me um refresco de caju. Gostei, porqne Nao me foi possivel ser mais atenciosa com o povo, por
foi a primeira vez que bebi. Galgamos os degraus. i causa do horario. Hu devia ir na televisio. Que su-
senhor Homero Homem estava sem palito, sentado plicio para deixar a Cinelandia. O povo segurando-
Circulei o olhar pela redagao. Piguei con- me, pedindo para eu autografar livros. Conseguimos
escrevendo.
tente. Vi varios livros nas prateleiras. Sentei para au- tomar um taxi. Eu estava cansada de ficar de pé.
os meus livros. Chegou um mulato. Cumpri- Fomos jantar. No restaurante nés escolhemos o que
tografar
mentou-me sem dizer o seu nome. Perguntou ao se- comer. Eu fiquei horrorizada porque as madames jo-
gavam
nhor Homero Homem se eu estava comprovando ser a metade das comidas fora. E no preco que
a autora do livro. A sua voz era sutil. Mas eu percebi. est& os generos alimenticios!
E que eu estava habituada a aproveitar tudo e por
— Esté — confirmou o senhor Homero Homem
com sua voz calma. . isso nao sei dissipar.
Que luxo no restaurante! Os garcons atenciosos,
Chegou o escritor-Walmir Ayala. Cumprimentou- fitando-me com curiosidade quando ouvia alguem pro-
me e olhou-me minuciosamente. Tinha a impressac
de um juiz. O senhor Homero Ho- nunciar o meu nome.
que estava diante
mem apresentou-me, dizendo: 10 de novembro ... O senhor Homero Homem
— Este éo Walmir Ayala... .
telefonou-me que ia buscar-me para ir autografar Ii-
Agradeci o artigo que éle escreveu para mim no vros. A D. Elza Heloisa prontificou-se a levar-me.
“Jornal do Brasil” no dia 1 de setembro de 1960. Con- Nas ruas do Rio eu notava as mesmas confuses de
tinuei autografando os livros. O senhor Barboza Mello Sao Paulo. O corre-corre. Eu e D. Elza Heloisa an-
perguntava-me todos os instantes se eu estava can-
sada. Respondi que nio porque agora eu nao caso. 15
74
Casa DE ALVENARIA
CAROLINA Maria DE JESUS

foi ao cinema que devia levantar cedo, porque eu havia combinado


davamos depressa. A D. Luiza Fiori
no Carioca éa com a Diva que ela devia ir procurar-me de manh&
com os meus filhos. O que eu admirei
e comunicativo- fee para eu assistir a missa com o bispo D. Helder
solidariedade. Um povo unido Camara.
or Barboza el o esta-
nhor Homero Homem e 0 senh Cum primen-
Leitura” .
vam na redacio da “Revista livr os. 11 de novembro Levantei as 5 horas, preparei-
ar os meus
tei-os e sentei para autograf que simpa-
Homem me e desci no elevador. Encontrei a D. Diva e sua
iu disse ao senhor Homero
va disp osta a compra-lo a presta- irm4, que 6 professora. Ela ia guiando o carro. Con-
tizava com éle e esta fundia as ruas e guiava contra mio.
gio. Ele disse-me:
__. Eu s6 me vendo a vista. ... Quando chegamos na Escola de Enfermagem
scamente sem
O senhor Walmir Ayala saiu bru Ana Nery, o D. Helder estava celebrando a missa.
oza Mell o esta va atencioso. Fiquei horrorizada com o aspecto da capela, que nfo
despedir-se. O senhor Barb
O senhor Homero diss e-me : tinha ninguem. Contei onze pessoas dentro da igreja.
— Sabe, Carolina, eu sou pescador. Eu vou es- OD. Helder diz a missa completa, com tanto prazer
vou comprar um barco que impressiona.
erever um livro igual o teu. E
e vamos fazer um raide pelo mar. ‘Todas as sextas- Quando éle deixou o altar eu fui para a sala de
feiras eu vou pescar. audiencias. A Dona Diva apresentou-me. Ele é miu-
O senhor Barboza Mello perguntou-me se eu es- dinho. Eu disse-Ihe que venho acompanhando as suas
tava cansada. Fi que éle nao conhece a minha vida. obras filantropicas. Ble comecon a falar:
com qualquer coisa. Fui trocar as roupas
Nao canso — Temos que melhorar a situacio do mundo.
cheguei a0
porque eu ia autografar na praca. Quando Quando eu olho o mundo vejo que temos grandes re-
laqu a. file
hotel encontrei o senhor Raimundo Bevi formas sociais a realizar. Nao 6 possivel que um terco
disse que quer casar-se comigo. Achei graga.
da humanidade tenha tudo e dois tercos nao tenha
... Quando cheguel na praca para autografar, a nada. (...) Temos que ser bons para multiplicar os
aguardando-me. Hu autografava e
multidio estava exemplos. Eu quero bem aos ricos e quero bem aos
contava algumas anedotas para os car1ocas. pobres. Porque os ricos devem ser de Deus e os po-
ar-lhe uma
Surgiu um jovem e pediu-me para autograf bres devem ser de Deus.
.
cedula de 5 cruzeiros- Ble comentou uns trechos do meu livro. Despe-
— Nao posso autograf ar na cedul a..
. dimos e voltamos.
_— & que eu nfo posso comprar 0 livro
lhe um livro e eu auto grafei. ... Quando cheguei ao hotel encontrei os repor-
O senhor Ferrao deu- co- teres da revista, para entrevistar-me. Chegou duas
do rece beu. Sorr iu satis feito
O jovem sorriu quan r. senhoras que foi visitar-me. Comecamos a conversar.
alto valo
mo se tivesse recebido um presente de
Jure ma Fin amo ur e 4 Dona Luiza esta- O meu quarto era adornado com belissimas fléres que
A Dona os eariocas enviava-me. Tinha uma mulher obesa que
evis tada na televiséo
vam ao meu lado. Hu ia ser entr falava por cem, demonstrando suas habilidades. Era
car ro. par a Urea .
as 22 horas. Fomos de compositora e escritora. Nao permitia que o reporter
espdso de Dona
... Quando saimos da televisio 0 me entrevistasse. Ble ficou nervoso e fomos concluir
. Deite: pensando
Jurema Finamour levou-me ao hotel
7
76
CaroLina Maria bE JESUS
CASA DE ALVENARIA
noutro local. Fu para o outro quarto.
a entrevista
mulher fala-
fle estava maldizendo que nao tolera
Renascenga. O reporter disse que eu devia estar na
visto u-me @ pro-
dora. Pensei ser indireta... file entre redacéo as 9 horas para tomar 0 avido.
“O Pequ eno Princ ipe”.
meteu dar-me um livro — 13denovembro ... Tomamos um carro e dirigi-
a
A Dona Juvema Finamour chegou e comegamos mos para o Aeroporto. Encontramos uns jornalistas
os reporteres da revista Manche-
conversar. Chegou amigos. Perguntarani-me se gosto de andar de avido.
favelas. Fomos
te” e convidou-me para percorrer as Estava chovendo quando tomamos o avido. O meu
Fui mal receb ida pelos fave-
na favela do Mangue. cariocas coracio oscilava dentro do peito quando o aviao ineli-
Percorri as praias olhando os
lados. (..-) nava-se. O reporter ia ac meu lado conversando e
eocupades
em trages de banho, deitados na areia, despr lendo os jornais. O aviao ia singrando e ultrapassan-
como as aves que vagueiam na amplidao. do as nuvens de chuva. As nuvens girando no espaco
irigimos para o hotel. A Dona Luiza Fiori nos vinham de encontro ao aviio. SAo nivias como flocos
Helena Fi-
esperavin para eyimoear. Chegou a Dona de algodio. Eu ia rezando, pedindo a Deus para che-
ela, que 1a fo-
eueiredo. Convidou-me para sair com um
gar sem incidentes.
. Alug amos
tografar-me para wna reportagem Bra-
Quando chegamos ao Rio vi os rostos conhecidos
na porta da Acad emia
taxi. Ella fotografou-me aguardando-me. O escritor Homero Homem, 0 senhor
de Letras. A porta estava fechada . Osear, diretor do Renascenca Clube, o senhor Barboza
sileira
Eu sentei a Vera e 0 José Carlos perto do busto Mello e o poeta Raimundo Bevilaqua e outros jorna-
listas que fotografava-nos. Eles nao conheciam o Au-
de Machado de Assis.
am dalio. Seguimos para a casa do senhor Oscar, que é
__. Eu estava cansada. Os pés doiam e estav advogado. Que casa magnifica. Varios pretos foram
num carro e fomos tomar 0 onl-
inchados. Entramos cumprimentando-me.
bus para Séo Paulo.
Eu estava com fome, a espdsa do Dr. Oscar
O Dr. Lelio disse-me que eu ofereceu-me feijoada. Tomei banho, passei o meu ves-
12 de novembro
io. (...) O Carlos Felipe Moysés tido e dirigimos para o Renascenca Clube. Um preto
devia ir na televis
era 11 que é advogado conversava comigo citando a sua luta
acompanhou-me. Chegamos na ‘Televisao Tupi para estudar. Disse-me que foi servente de pedreiro.
e meia. Quando sentamos na mesa contel 18 pessoas.
Estudava a noite.
QO senhor Mauricio Loureiro Gama, o Primo Carnera0
ao meu lado e a cantora Carmelia Alves. Iniciamos ... No Clube Renascenca a festa estaya, animada.
O Primo Carnera reclamou que a comida era Os pretos do Rio estavam hem vestidos. Os jornalis-
alméco.
pouca. Fiquei horrorizada com o tamanho das maos tas estavam presentes. A festa iniciou-se com um des-
e os pés do Primo Carnera. O senhor Mauricio Lou- file de modas, para coneurso. Foram classificades
Car-
reiro Gama pediu-me para perguntar ao Primo quatro modelos. Fizeram discurso citando que eu es-
com o José Carlos de Moraes, 0 tava presente. Fui aplanudida. setettentennsececeee
nera se queria lutar
“Vico-Tico”. ... Despedi do Dr. Oscar e sua espésa e saimos
_.. Fui falar com o reporter, para combinar a
|
com o jornalista Darwin Brand&o e a sua espésa. Fo-
Clube
nossa viagem ao Rio. Nés iamos na festa do mos jantar em Copacabana. O escritor Homero Ho-
mem nos acompanhava. En ia observando os modos

|
| il
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79
Casa DE ALVENARIA
Carouins MARIA DE JESUS

Darwin Brandao. Ele guia o carro escritores foram na minha barraca. Dona Adalgisa
eultos do senhor
bem o sinal do trafego. Nery, Dona Maria Dezone Pacheco Fernandes, Mat-
observando
tos Pacheco, senhor José ‘Tavares de Miranda.
Depois do jantar éle nos conduziu. Seguimos para tee Fiquei horrorizada ouvindo uma senhora da
.
a residencia do Dr. Oscar. Era 2 horas da manha alta sociedade dizer. que ficou contente quando o seu
esposo faleceu. Tenho impressio que estou vivendo
14 de novembro ... Depois do café o Dr. Oscar num mundo de joias falsas.
Quando
nos conduziu de automovel até o Aeroporto.
no avido o report er viu a Dona Sarita
embarcamos 18 de novembro ... Vou a Sao José do Rio
Campos e cumprimentou-a. Pardo. A Vera estava animada. Fomos de onibus. Eu
— Quem é essa senhora? ja contemplando as exuberancias do nosso Pais e a
_- fi a Sarita Campos. imensidade de terras sem cultivar. Nao culpo o ho-
Ela
Fui sentar ao lado da Dona Sarita Campos. mem do campo por abandonar as terras, porque éles
(...) Quand o che- trabalham e nunca tem nada. Eu ja fui do campo.
estava com um rosario rezando. Des-
gamos a Sao Paulo a Dona Sarita reanimou-se. {...) Eu ia revendo as paisagens agrestes, contem-
pedimos. plando a revoada das aves na amplidio. Quando che-
iamos gamos em Sao José do Rio Pardo, o senhor Thercio
_.. Fui ver os filhos e trocé-los, porque
Adhem ar de Barros . (...) Na sala Gongalves nos esperava. Um homem eculto e agrada-
visitar o Prefeito A
audien cia. vel. Presidente do Gremio Estnudantil Euclides da
de espera varias pessoas aguardavam ar
Quand o o Dr. Adhem Cunha. O que notei na cidade: todos admiram e ve-
Televisio estava aguardando. neram o saudoso Euclides da Cunha.
e cum-
sain para receber-me ecaminhei na sua diregao
uns versos . Ble disse- me que ia ots A cidade estava tepida. Os habitantes serenos.
primentei-o e recitei
uma comiss fo para constr uir casas propri as Tao diferentes do paulistano agitado e grosseiro para
organizar
para os favelados. andar nas ruas. O paulistano empurra quem esté na
frente, piza no pé dos que est4o ao seu lado. Fomos
17 de novembro ... Eu ia numa noite de au- hospedar num predio antigo, mas gostoso. (...) As
tografos organi zada pela colunisia Alik Kostakis. recepedes foram agradaveis.
En estava com o casaco vermelho. (...) Tomamoss 0 que impressionou-me foi o jantar no hotel. Que
comida gostosa! En estava alegre, calma e feliz. Sor-
um taxi e fomos para a Avenida Paulista no Conjunto
Nacional. Og livros eram em beneficio do Lar Escola ria a todo instante. Para mim en estava noutro mun-
do. Um mundo sublime e sem confusdes. (...) Pas-
Sso Francisco. As barraquinhas ornadas com fléres
samos o domingo em Séo José do Rio Pardo. O Dr
de diversas tonalidades. A minha barraca estava no
Osvaldo Gallotti nos conduzin de automovel para co-
fim do saldo. As madames chiques de Sao Paulo com-
_.pareceram. A minha madrinha foi a Dona Bia Cou- nhecermos os recantos da cidade. Fui ver o barra-
cio onde o nosso Euclides da Cunha esereveu “Os
tinho. Primeira vez que a vejo. Tratou-me admira-
Serties.”
velmente bem. N&o deu-me o seu enderego e nao convi-
... O Dr. Osvaldo Gallotti e o senhor Thercio
dou-me para ir a sua residencia.
Gongalves levou-nos a usina eletrica de Sio José do
_.. O mais alegre era o Conde Ermelindo Mata-
Rio Pardo, que fornece energia para as cidades visi-
razzo. Estavam presentes escritores e artistas. Os
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80
CaSA DE ALVENARIA.

MariA DE JESUS
CAROLINA 23 de novembro Na4o estou tranquila com a ideia
de escrever o meu diario da vida atual. Escrever
até Mococa. (...) Admirei as quantidades de
nhas contra os ricos. Eles sfo poderosos e podem destruir-
pés de mangueiras espalhadas pelos prados. Que dia me. Ha os que pedem dinheiro e suplicam para nio
magnifico! As aves perpassavam em revoada. HEspe- menciond-los. Tem uma senhora que quer dinheiro.
taculo que as pessoas residentes em SHo Paulo nao para comprar uma casa. Hu nao tenho. Ela ficou de
aprecia. Parece que as aves tem pavor do céu de SAo mal comigo. Ela quer 500.000 cruzeiros.
Paulo por causa das fumacas das fabricas. Estes dias eu néo estou escrevendo. Estou pen-
Fomos ver o subterraneo onde esta localizado sando, pensando, pensando. Quando escrevi contra os
os geradores de energia. O tunel tem aspecto de favelados fui apedrejada...
caverna. . .. Todos os dias chega cartas de editor interna
Fomos visitar a mie do Dr. Gallotti. A casa é eional que quer traduzir o livro. Até eu estou abis-
ampla. & casa-matriz apropriada para receber os ne- mada com a repercusséo do livro.
tos nas ferias. Fui ver a casa. Que casarfo! com seus
moveis antigos. Quando eu era jovem sonhava ser 24 de novembro Os filhos andam alegres porque
dona de uma mansio com varias dependencias. podem comprar frutas para comer. Ples que catavam
Fomos ao Orfanato ver as criancas que estao no lixo. O José Carlos diz:
aos cuidados das Irmis. Olhando aquelas criangas -—— Parece que estamos sonhando. Ha tantas coi-
elas sio tristes. Devem sonhar com a liberdade, mas sas para comer, mas é preciso ter dinheiro para com-.
elas sfo mais felizes que as que perambulam por aqui, prar. Quem inventou o dinheiro?
sem teto para abrigd-las. Hlas cantaram a cancio — Foi um povo chamado fenicios.
“Crianca Feliz”. A Vera disse-me: -— Invengi&o idiota, nao, mamae?
__ Eu sou mais feliz do que elas porque tenho Eu estou pensando onde deixar a Vera quando
mie. for viajar. Eu nao contava com essas viagens. Fui a
E olhou-me com ternura. cidade. O Dr. Lelio disse-me que ja enviou livros
... Passamos o domingo sem notar. O dia foi para Porto Alegre. Encontrei a Dona Elza Heloisa.
minusculo. Dias longos eram os da favela: fome, Disse-me que acompanha-me na viagem a Porto Ale-.
gre. Comprei meias e vestidos. Quando cheguei a
briga e Radio-Patrulha. Fiquei contente com o pre-
que o senhor Thercio Goncalves deu-me —- um Osasco encontrei o José Carlos queixando que o se-
sente
livro. O livro é'“Os Sertées.” nhor Antonio Soeiro Cabral havia expancado-o. O José
Os meus agradecimentés ao pove de Sao José do Carlos é inteligente no falar, mas reina muito.
Rio Pardo. Fui recebida com deferencia especial. Essa
26 de novembro Os meus filhos estio confusos
aeolhida amavel que o povo dispensa-me estimula-me
a escrever outros livros e estudar. com a mudangé: brusea de nossa vida. Eles compram
Viajamos a noite. Eu vinha cantandona.viagem. maea, ficam sorrindo e comentando:-
Oh vida boa! Minha vida esté aveludada. Agora eu — Que bom poder comprar o que desejamos.
tenho comida, tenho casa, tenho o que vestir. Compro A Vera pergunta:
roupas novas para mim. Quando eu catava roupas no — N6és vamos viver sempre assim?
lixo para usd-las pensava: algum dia hei de comprar
roupas para mim. EH Deus ajudou-me. Estou contente. 83

82
hs eect
CarROLIna MagiA DE JESUS Casa DE ALVENARIA

—— Agora eu estou na casa de alvenaria. Fiquei circulando e olhando o relégio a todo ins- i
¢

— A senhora recorda das enchentes da favela? tante pensando na Dona Elza Heloisa. EK se ela nao be
A agua entrava dentro de casa. Coitada da Nené e a aparecer? Nao sei viajar sozinha. As pessoas que iam
Ivanice. Como 6 horrivel ser menina de favela. echegando reconhecia-me. As 8 horas a Dona Elza
O livreiro Paulo Rolim de Moura veio queixar-me chegou e foi preparar as passagens. Uma senhora
que a Prefeitura quer fechar a sua livraria na Penha. perguntou-me:
i
Pediu-me para eu ir falar com um politico para dei- — Essa senhora é a tua dama de companhia?
xa-lo em paz. (...) Citei-lhe que nao tenho prestigio —— E uma jornalista que vai acompanhar-me até
com os politicos porque nfo os bajulo. Porto Alegre. Nao tenho pratica de viajar sozinha.
— Vai, Dona Carolina. A senhora consegue tudo, Eu era da favela. Eo roteiro que favelado conhece
até o sol te atende. é Santa Casa, Central de Policia e Gabinete de Inves-
Sorri achando graga. Quem sou eu, um colibri tigacoes.
falar com uma aguia. En cansei de explicar-lhe a ..- Quando o aviaéo partiu eu estava tranquila ao
nulidade de minha interferencia. Ble despediu-se tris- lado de Dona Elza Heloisa, que ia dizendo que ja
tonho. residiu em Porto Alegre. (...) Eu ia contemplando
as paisagens magestosas e a quantidade. de tcrras in-
30 de novembro Levantei as 4 horas, preparan- cultivadas. Ficava pensando: com tantas terras aban-
do-nos para ir a Porte Alegre. Pedi para a Dona donadas e o povo passando fome! Essas terras per-
Maria cuidar da casa, lavar as roupas e olhar os me- tencem aos capitalistas. Ninguem pode chegar e plan-
ninos. Dies reinam muito e os visinhos reclamam, tar algo sem o seu consentimento. Bles tem dinheiro
aconselhando-me para internd-los. Quando estavamos para pagar a Dona Lei e suas confusées. O mundo
na favela passando fome eu nao os internei. Agora para ser bom é preciso que as terras sejam livres. O
que posso dar-lhes o que comer é que vou internd-los? homem podera desfrutar a terra, porque ela é inesgota-
Seria injustica da minha parte. vel. As terras sendo livres todos plantam e a miseria
extingue-se. Um povo bem alimentado 6 um povo
... Vesti o meu casaco vermelho e tomei um taxi. feliz. (...) Porque é que o governo nao distribui as
iu parava nas filas de onibus e convidava alguem
terras para 0 povo?
para ir até a cidade. Uns recusavam, pensando que
Eu penso isto, mas nao digo porque se eu disser
teriam de pagar a viagem. Dou-lhes razio, porque o
isto os capitalistas vio dizer:
dinheiro do operario é conta-gétas. Uma purtuguesi-
— A Carolina é vermelha. & ignorante e semi-
nha que trabalha no Jardim America aceitou o con-
vite. Eu ia conversando com o motorista. Estava ale- analfabeta.
gre. Estou conhecendo o Brasil. Com o percurso que o avido fazia o aspecto do
espaco ia modificando-se. Metamorfoseando-se. Uns
Quando cheguei no Aeroporto os carregadores recantos inesqueciveis. HA pessoas que tem dinheiro e
vieram ao meu encontro dizendo-me: dizem que vo conhecer a Huropa, deixando de conhe-
—- Olha a minha namorada! cer os nossos-recantos~ridentes.
Hira 7 horas, o céu estava cinzento e frio. Em Porto Alegre o senhor Assis Marques, distri-
—— Para onde vai? buidor da Livraria Francisco Alves, estava aguardan-
—-. Para Porto Alegre. do-me com fotografos e jornalistas.
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CaroLttna Magia DE JESUS
CASA DE ALVENARIA
Fomos almocar. Que comida gostosa. Que
carne deliciosa. Sentada no restaurante chique, en agora ao lado do Prefeito. A Dona Heloisa espésa
pensava nos infelizes que catam os restos de feira do Prefeito dizia: ,
para comer. Tenho impressao que os infelizes que — O que admiro é que a Carolina foi de favela
passam fome sio meus filhos. Eu sai da favela. Tenho e sabe comer de faca ec garfo.
impresséio que sai do mar e deixei meus irméos afo- Eu dava risada. Olhando as mesas nivias e guar-
gando-se. necidas com jarros de flor, pensava: estou vivendo
Findo o alméco fomos a estacao de radio: Os um trecho historico. Isto aqui é um palacio. Isto é
gauchos olhavam-me com euriosidade. O senhor Assis um paraiso.
disse que iamos em Pelotas. Fomos de auto. A espésa Eu fui autografar livros na praca onde esta-
do senhor Assis nos acompanhou. Saimos as 5 da va a Feira do Livro. Varias pessoas aguardava-me.
manha. Quantas terras! Eu ia contemplando os tri- Ouvi um jovem dizer:
gais com sua cor de ouro. Tem mais lavouras no Rio — Que negra feia!
Grande do Sul. Olhando os lavradores trabalhando na Ku sorri e disse-lhe:
enxada lembrei a minha infancia. Como é belo 0 mun- — Eu acho feio os indolentes e os ebrios.
do nesta epoca! fu ia autografando os livros com todo o carinho.
Quando chegamos em Pelotas circulei o ollar ao Eu ‘queria olhar a praca para descrevé-la, mas nao
redor como se estivesse despertando de um sonho. era possivel devido a quantidade de livros para auto-
Revendo as cidades que lia na Geografia e a minha grafar. Vi apenas uns arvoredos verde-garrafa e al-
saudosa professora explicando-me: gumas barraquinhas de livros espalhadas. Para mim a
-— Pelotas é a cidade doce. Tem fabrica de doces. praca estava adornada. Tinha livros. Um pretinho
circulava e dizia em voz alta:
E eu ficava pensando: o que sera a palavra fa-
— Sabe, Carolina, peco-te para incluir no teu
brica? O meu sonho era conseguir um dicionario, por-
' diario que ha preconceito aqui no Sul.
que a Dona Lanita“® disse-me que eu podia aprender
Os brancos que estavam presentes entreolharam-
muitas coisas lendo o dicionario.
se, achando incdmodo as queixas do pretinho. Parei
A minha vida esta girando. Varias pessoas aguar- para ouvi-lo. Creio que devo considerar os meus ir-
dava-me. Entre as pessoas estava o Dr. Joao Carlos maos na cér.
Gastal, o Prefeito. Fomos para o hotel. Que cidade — Esta bem. Incluirei tua queixa no meu diario.
tranquila. O povo andando calmo. As duas horas Quer dizer que ha preconceito no Sul do Brasil?
fomos almocar. A minha pressfo havia normalizado. Sera que os sulistas brasileiros estaéo imitando -os
Eu estava alegre. norte-americanos? O pretinho despediu-se e saiu con-
A Radio transmitia a minha entrevista. O senhor tente como se tivesse realizado uma proeza. Pensei:
Prefeito ouvia no radio portatil. Eramos 25 4 mesa. éle confia em mim e sabe que vou inclui-lo no meu
Eu estava sentada ao lado Prefeito. Pensava: que di- diario. Vou registrar a sua queixa.
ferenca! Outro dia sentava nas Radio-Patrulhas e ... Comprei um livro: “Doces de Pelotas”. A
autora autografou para mim. Paguei 150 eruzeiros
(10) Dena Lanita Salvina, professéra que ensinou as primeiras le- pelo livro. A dedicatoria é nestes termos:
tras & autora, em Sacramento, Minas Gerais. (A. D.)
“Para Carolina Maria de Jesus, o fenomeno do
século. Com grande admiracio de uma modesta do-
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87
Casa DE ALVENARIA

CAROLINA Maria DE JESUS


aumento. (...) Enquanto autografava nio admitia
fila. Eu queria ficar no meio daquele povo.
ceira da Princesa do Sul. 30-11-1960 — Maria Colla- ... Visitei o Prefeito senhor Loureiro da Silva.
res Polavera.” Citou que visita as favelas, porque foi eleito pelos fa-
Findo os autografos, fomos a estacio de radio e velados. Mandou construir escolas e canalizar 9 qui-
depois ao Clube. “Fica Ai” — clube de pretos. Que lometros de agua. Construiu o Centro de Arte. Disse
clube suntuoso. O salaéo é amplo, tem um lugar pro- para eu pedir informacées de sua administracéo aos
prio para o orquestra. O senhor Prefeito estava pre- favelados.
sente com sua espésa, saboreando os doces com todo A noite visitei a Televisio. Agradeci ao povo de
prazer. Quando os pretos queixavam da segregacio Porto Alegre e aos habitantes de Pelotas. Compareci
racial, o Prefeito ficava afonico. Seus labios cerra- ao Teatro. Assisti a peca “A Farsa da Espésa Per-
vam iguais os ponteiros de um relogio quando param. feita”, de Dona Edy Lima. Eu havia encontrado Dona
Pensei: este homem sabe viver. Nao desagrada o Pi- Edy Lima no Aeroporto. (...) Dei gracas a Deus
latos nem o Cesar. quando fui deitar. Estava cansada. Iamos voltar no
Depois dos comes e bebes foi os discursos dos outro dia.
pretos. Um discurso esquisito. Queixas raciais. Pen-
sei: até quando esta polemica de pretos e brancos? 2dedezembro Levantamos as 4 horas, prepara-
Tem tanto espaco no mundo para viver. O homem nao mos as malas. O senhor Assis chegou as 7 horas, avi-
é eterno. Na sua tragetoria terrestre deve procurar sando que o Governador havia solicitado a minha
viver em paz. O homem tem o dever de educar a sua presenca no Hstado por mais um dia. Para eu ir vi-
mentalidade para o bem. O belo e o puro. E nao cal- sitar as favelas. Fui comprar jornais. Sai com o se-
tivar o rancor contra os semelhantes. nhor Assis. Fiquei contente ao chegar no Palacio. Vi
Quando me foi dado falar, agradeci as homena- varios criados de cér. A camareira conduziu-me até
gens. (...) Ganhei uma lembranga do Clube “Fica- a sala onde eu devia falar com Dona Neuza Brizola.
Ai”. Um livro de prata com a inscric&o: Sentei observando os adornos. Quando a Dona Neuza
Goulart Brizola surgiu fiquei observando-a- atenta-
“S86 0 livro imertaliza um povo. Ai Carolina Maria
mente. Foi a primeira espésa de governador a rece-
de Jesus, Clube Cultural Fica-Ai. Pelotas, 30-11-60.”
ber-me depois que saf da favela. Conversando com
... O retorno foi delicioso. Eu vinha revendo as Dona Neuza percebi que o magestoso palacio que ela
lavouras. Vi uma casa bonita. Plantaram uma roseira habita nfo envaidece-lhe. Achei lindo ela dizer:
e a haste entrelacou-se nas paredes. Estava florida.
— Carolina, este palacio nfo me envaidece. Te-
Gostaria de residir naquela casa.
nho pavor desta casa. O meu espdso é politico. E os
Quando chegamos em Porto Alegre, a ponte do politicos nao tem amigos.
rio Guaiba estava reerguendo-se para dar passagem Ela despediu-se. Fui falar com o Dr. Leonel
a wn navio que singrava. Espetaculo belissimo. Brizola noutra sala. Perguntei-lhe como vai indo o
desenvolvimento do Estado. (...) O Dr. Leonel Bri-
ldedezembro ... A tarde fui autografar livros zola pediu-me para nfo envaidecer e ndo desprezar os
na Livraria do Globo. Eu ja conhecia o predio através pobres.
de fotografias. O povo estava triste e agitado com a
falta de pio. As padarias estavam em greve, visando 89
88
CAROLINA Maria pe Jesus
CasA DE ALVENARIA
— Vocé deve voltar periodicamente a favela, para
‘nao perder a sua autenticidade. Vocé vai visitar as O que impressionou-me na favela de Porto Alegre
favelas de Porto Alegre e dizer aos favelados que éles foi a quantidade de agua. Quando abre a torneira em
precisam e devem estudar. Faga-me esse favor. O meu dois minutos enche-se uma lata. As mulheres lavam
sonho é acabar com analfabetismo no Estado. O meu as roupas com agua canalizada desinfetada com cloro.
earro esté ao teu dispor. Voltamos a Porto Alegre. Eu estava conten-
Dei uma risada e comentei: te. A segunda favela a ser visitada foi a Vila Vargas,
— Que honra para mim. Eu que estava habi- conhecida como Coreia. (...) Em todas as favelas
tuada a andar sé na Radio-Patrulha. que visitei, dizia:
Eu eo senhor Assis despedimos do Dr. Leonel — Vocés devem aprender a ler.
Brizola. Que carro gostoso! As almofadas parecem Uma senhora perguntou:
painas. Fiquei aguardando no hotel a visita da secre- —— A senhora sente-se bem fora da favela?
taria da Dona Neuza Brizola, que ia acompanhar-me — Sinto melhor. A favela é um quarto de des-
nas favelas. (...) As 3 horas a secretaria chegou com pejo e o meu sonho 6 residir numa casa de alvenaria.
o seu espdso. Percorri os bairros pobres de Porto Se eu nao soubesse ler teria que ficar na favela até
Alegre. Fiquei abismada quando vi as favelas do Rio o fim da minha vida.
Grande do Sul. As casas sio de tabuas bem construidas. Uma preta idosa deu-me um ramalhete de
Tem muita agua e varios tanques. As mulheres nao flor. Agradeci e beijei as flores. O tempo nao dava
brigam por causa da agua. (...) Algumas pessoas da para percorrer as favelas, que sAo espalhadas. Des-
favela conheciam-me de nome. Vi uma sala ampla pedi da auxiliar de Dona Neuza Brizola.
com poltronas e um quadro negro, onde as erlancas ... A noite de quinta-feira tivemos uma recepcao
estudam. Quem leciona as criancas so as freiras e no Galeto Sherezade. A homenagem conjunta da As-
os padres. ; sociacio Riograndense de Imprensa e Instituto de
... Quando o povo aglomerou-se fiz o discurso Idiomas Yazigi, que nos ofereceu um banquete.
pedindo ao povo para estudar. Saber ler 6 bom e a . Fomos na Camara ver o II Congresso Esta-
vida é mais agradavel. Uma menina que prestava dual de Vereadores. Estava empolgante. O Governa-
atencéo nas minhas palavras, perguntou: dor Brizola estava presente. Eu disse-lhe:
— Mamie, esta negra 6 doida? Sera que ela fu- —— O senhor esta perseguindo-me...
giu do hospicio? . Ele sorriu comentando:
H que o hospicio é perto da favela. Dei uma ri- -—. N&o, Carolina. Quem est& perseguindo-me é
sada. Hu estava alegre. (...) A favela é num topo. vocé. En cheguei na frente.
Para galgé-la fomos de perua. O local onde esta a ... O presidente interrompeu os debates para re-
favela.é belo. Avista-se toda a cidade. O local é seco. ceber-me. Ei apresentou-me aos presentes, convidan-
Um senhor que nos acompanhava dizia: do-me.para..tomar parte nos debates. Perguntou-me
—.. Estes pobres do Rio Grande do Sul sao ricos. qual 6 a causa das favelas nas grandes cidades.
Pobres sio os favelados de Sao Paulo, do Rio e do Respondi:
Norte. — Nés os favelados somos os homens do campo.
Devido.os fazendeiros nos explorar ilimitadamente
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CAROLINA MARIA DE JESUS CASA DE ALVENARIA

deixamos as fazendas e vamos para a cidade. E nas Fazendeiro, ao fim do més


grandes cidades os que vivem melhor sao os cultos. dd um vale de cem mil réis
Nés os incultos encontramos dificuldades de vida. artigo que custa seis
Mesmo trabalhando na cidade como assalariado, en- vende ao colono por dez.
contramos dificuldades para viver porque o salario
Colono ndéo tem futura
nao cobre as despesas. Nao ha possibilidade de pagar
uma residencia decente. Temos que habitar as terras e trabatha todo dia
do Estado. o pobre néo tem seguro
e nem aposentadoria.
Cheguei a escrever uns versos e publicé-los em
varios jornais. Minhas observacées com o colono e o Ele perde a mocidade
fazendeiro: a vida intetra no mato
e nado tem sociedade
Diz o brasileiro onde esté seu sindicato?
que acabou a escraviddao.
Colono sua o ano inteiro
Passa o ano inteiro
trabalhando — que grandeza!l
e nunca tem um tostdo.
enriquece o fazendeiro
e termina na pobreza.
Se o colono esta doente
é preciso trabathar. Se o fazendeiro falar:
Luta o pobre no sol quente — Néo fique na minha fazenda
e nada tem para guardar. colono tem que mudar
Pois néio hé quem o defenda.
Cinco da madrugada
toca o fiscal a corneta Fui aplaudida. Meu olhar avuou para o rosto do
despertando 0 camarada Dr. Leonel Brizola. Ele estava sorrindo. (...) Auto-
para ir para a colheita. grafei alguns livros para os vereadores.
... Se eu pudesse percorrer todos os Estados do
Brasil! Eu estava alegre. Pensava: isto é um sonho!_
Chega a roca ao sol nascer Outro dia eu estava em Sao Paulo percorrendo a Ave-
cada um na sua linha nida Tiradentes, fussando as latas de lixo. Chorando
suando, € para comer com fome. Ei hoje... estou entre os vultos de desta-
86 feijao e farinha. que do pais. .
Li as historias das fadas que transformavam a
Nunca pode melhorar vida dos infelizes em principes e princesas. Hu vivia
esta negra situacgao dizendo: a felicidade virou-me as costas. Agora pe-
carne nao pode comprar gou-me nos bracos. (...) Quando saf da Camara ga-
pra nao dever ao patrado. nhei uma flamula azul com a inscrigéio: “II Congresso

92 93

SEAT USERRA
Casa DE ALVENARIA

‘CAROLINA MARIA DE Jesus alegre pedindo a fotografa para fotografar-me diante


do espelho. Perguntava:
Estadual de Vereadores — 1 a 3 de dezembro de 1960 — Carolina, vocé gosta desse quarto?
__. Porto Alegre — Rio Grande do Sul”. ... Os meus filhos estavam inquietos, achando o
Cheguei no hotel fui preparar as malas para o
quarto incémodo para éles, porque os moveis impe-
retorno. diam-os de andar. (...) O David St. Clair muito
atencioso disse-me que ia arranjar uma senhora para
3 de dezembro Levantei as 6 horas, fui comprar tomar conta dos meus filhos. Pediram o jantar. Os
jornais para trazer para SAo Paulo. Passei_ num bar filhos estavam reinando no banheiro. Hu estava com
para tomar uma taga de café. Comprei o “Diario de vontade de dar uns tapas no José Carlos, mas nao
Noticias”. O povo queria autografos e eu atendia, com queria dar escandalo no hotel. ‘Trouxeram para o
yveeeio de perder o aviao. jantar um risoto de frango com leite. Os filhos nao
_.. Deixamos Porto Alegre as 8 horas. O céu gostaram. Depois que deixamos a favela os filhos sio
estava azul e o avido no trepidava. Eu ia olhando exigentes no paladar.
aquelas terras planas, as layouras. Distinguia as plan- Chamei a governanta. Pedi se podia lavar
tacées de trigo por causa da cér amarelo-ouro. (2...) um vestido para mim 4s pressas.
Viemos direto para Sdéo Paulo. — N&o, sé segunda-feira. A lavanderia esta fe-
_.. Vamos hoje para o Rio as 3 da tarde. (...) chada. De onde a senhora é?
‘Quando chegamos no Aeroporto os carregadores per- —— Sou da favela.
guntaram-me: .
as viagens de — Favela? — interrogou-me alterando a voz,
_.. Ja? Para onde vai? Quem paga
meneando a cabega e olhando-me com repugnancia,
aviao? repetindo — da favela! ah hotel, ah hotel!
_. Ag revistas ricas. A “Revista Leitura”, 0
Pela pronuncia percebi que ela era estrangeira.
“Time”, o “Life” e “O Cruzeiro”. Despediu-se dizendo que nao podia ficar ao meu dis-
Um carregador sorriu dizendo:
por. Quando ela saiu eu xinguel-a:
__. &... eu vou escrever o meu diario.
— Maria Stuart destronada!
© Audalio j4 estava no Aeroporto. Hira sabado.
A mulher que ia tomar conta dos filhos chegou
‘Os filhos estavam alegres, dizendo: exigindo que éles devem dormir.
_. Nés vamos para o Hotel Serrador. Eu vou
... Saf com o meu vestido de bolinhas. Fomos
tomar banho na pia grande! Nés agora somos ricos
jantar no restaurante “Bon Gourmet”. Que luxo! Vi
e podemos andar de aviao.
As 3 horas o avido zarpou-se. Os filhos foram varias senhoras ostentando joias carissimas, bebendo
cantando. As 4 horas estavamos no Rio. A gente ti- champanha e vinhos. Olhando a lista do cardapio, es-
nha impressfo que deu um pulo de Sao Paulo ao Rio. colhendo com indiferenca o que iam comer. Da im-
‘O David St. Clair estava no Aeroporto. (...) Hle pressfo que elas nio estio com fome. Hlas sao ricas
veio ao nosso encontro acompanhado com uma foto- e desde crianca estéo habituadas a ouvir isto:
“grafa. Depois dos cumprimentos o David St. Clair — Come, minha fitha! Come, meu filho!
foi fotografar-me retirando as bagagens. ... Varias senhoras vieram falar de pobreza para
_.. Tomamos um taxi que percorria as ruas do mim, dizendo que eu devo resolver a condig&o desu-
Bio. Fomos para o Copacabana Palace. Fui bem re-
ebida pelo dono do hotel. O David St. Clair estava 95

94
CAROLINA MARIA DE JESUS Casa DE ALVENARIA

Eu apresentel °s fatos .
mana dos favelados do Pais. ais . i esse problema. Temos que amparar os infaustos. Vocé
s que pre dominam "3
Compete aos burguese repo r ter demonstrou coragem lutando para sair daquele antro.
cardapio s.
Jncionar... Eu néo conhecia os Hu pensava: elas sao filantropicas nas palavras.
ia explicando-me. Pedi uma sopa de aspargos e cre
. Sao falastronas. Papagaios noturnos. Quando avis-
suzette. vo tam-me 6 que recordam que ha favelas no Brasil.
Comi aquela confusdo e fiquei com fome 4 . Tomamos um taxi e fomos para o Hotel Co-
enviar um dona i
Um senhor disse-me que ja pacabana Palace. Quando chegamos no hotel os filhos
bi q que éles quer iam
erem rafo e es-
impr que
para os favelados. Percebi estavam dormindo. E a governanta que estava com
2 Otaha es feigdo ma
sionar 0s jornalistas, amorieanos a em flores
éles despediu-se dizendo:
nos fotografavam. Preparar a — Credo! Esses meninos vieram do inferno.
esta va ador na 1 oon te de
mesa. SO a minha mesa Deitei. Nao adormeci com o calor. Dei gragas a
gosto de rosas. ° uque
— vermelhas. Hu Deus quando o dia despontou-se e os filhos desperta-
“Life”. Ao nosso lado
vosas ‘potava um cartio escrito: ram. O José Carlos queria saltar da janela, dizendo:
obse rvan do. Ku es ava tae
estava um jornalista nos ~~ Eu salto e caio dentro da picina.
° meu & rare
quila por estar ao lado do Audalio, ar com —— N&o faca isso, José Carlos — adverti-o quan-
exalt
amigo. (...} Quando eu queria do éle se inclinava na janela.
rnas que abor reci a-me , @le dizia:
posas notu no
exalte. Escreve. Dé a sua resposta
__. Nio 4 de dezembro ... Os filhos ndo tinham o que
didrio. vestir. As roupas sujas. As 8 horas chegou a gover-
as ouvia. oO
O David St. Clair nada dizia. Apen nanta, olhando o quarto e dizendo:
. (..) Hu estava
seu olhar estava fixo no meu rosto impressao
—- N&o deixe os teus filhos tocar no espelho.
le rest aura nte. Da
ansiosa para deixar aque tol ‘ es,
Devido a sua aparencia estrangeira, pergun-
madames vao exibir seus ricos tei-lhe:
que aquelas
ser mais chique do que a outra.
cada qual querendo — Qual é o teu pais?
alto e fino parecendo peixe espada cir-
Vi um preto —~ Sou vienense.
Comentavam :
ewlando com imponencia no recinto. ~— Ah, a capital das valsas!
— FE o cantor. Comecei a cantarolar o velho Danubio Azul. Ela
amos no
_.. Tomamos um carro. Quando cheg reco-
sorriu e convidou-me para danear. Ela olhou o quarto
esta vam lota das. Pai
“Nigth and Day” as mesas &
e a desordem das minhas roupas e perguntou-me:
Sent ei numa mes a com
nhecida quando entrei. . e ol
— A senhora tem dama de companhia?
St. Clair
guardiées: o Audalio e o David e no palco . — Dama?.... Eu sou ex-favelada e os habitan-
sent ar-m
avisar ao Grande Othelo para apre a Gark o- tes da favela nao tem nada.
rime ntou -me
Depois que o Grande Othelo cump Alguns — O que é que a senhora faz?
duplicou-se.
sidade em torno da minha pessoa esta vam.. — Vou estudar mais um pouco e quero ser es-
mesa . (...) As mulh eres que-
jam a minha critora.
}

socia l. 3
na minha mesa falavam em reforma s — A senhora nao pode estudar e eserever com
fave lado s rele gado
—_.. No é justo deizarmos 0s ar para estes meninos. Cuidado com os espelhos! Nao deixe
fez bem em nos alert
no quarto de despejo. Vocé a torneira aberta!

96 97
Casa de Alvenaria 4
CASA DE ALVENARIA

CarnoLina Marié DE Jesus


a marchinha Ra Re Ri Ro RuaG®. O David St. Clair
s recomenda-
Pensei: meu Deus do céu, com tanta disse:
volta r para Sio Paulo
edes eu vou ficar louca. Vou mala . Prepa-
- Carolina, vocé podia cantar numa buate.
as roup as na
a pé. Comecei a arranjar No Aeroporto Santos Dumont o povo reconhecia-
rei os filhos e sai do hotel. me, dizendo:
rista para
_. Tomei um carro, pedindo ao moto — Eu gostei do teu livro.
quei xand o da vida.
conduzir-me ao Hotel Serrador. Ta Havia livros no Aeroporto. Os passageiros com-
soubesse que a minha vida ia ficar tao confusa
Se eu
eu continuava na favela catando papel. pravam e pediam para eu autografa-los, comentando:
assim
edes do — Os favelados de S&o Paulo sofrem mais do
Fui fotografada nas picinas. Os hosp
hotel olhavam-me comentando: que os favelados do Rio.
__ Olha a Carolina. Ela esta rica. .. Entramos no avido. As 13 horas estavamos
St. Clair e em Sao Paulo. Tomamos um carro e fomos para Osas-
Uns vinham conversar com o David
nao conh ego o Rio eo. Os visinhos ficavam confabulando as minbas via-
aproximavam. observando-me Eu
perc orre mos. Fomos an- gens ininterruptas. N&io sou eu que pago-as. A casa
para citar os recantos que me.
Paul o Muni z foto graf ava- estava suja, com pulgas. Comprei um litro de liso-
dar num barco. O
forme bruto para matar as pulgas. Estava cansada.
5dedezembro ... As 9 horas o David St. Clair Deitei e adormeci. Despertei pensando no David St.
(...) O David Clair e nas confusdes do Hotel. Dava a impressao de
telefonou para eu descer com as malas.
loja em Copa cabana para estar ouvindo as criticas da governanta contra os meus
St. Clair levou-me numa ando-os.
e fotog rafou -me exper iment filhos. Os meus filhos estavam habituados na lama.
comprar vestidos e aos
sent ou-m Viviam no lixo. Desconheciam os confortos dos ricos.
Depois fomos a uma joalheria. Ble apre Para éles o lado de cd é sensacionalismo. As casas de
donos da loja e disse: alvenaria para os favelados sio palacios das historias
_— les si0 americanos.
36 0 Garba- encantadas. Todos os favelados ambicionam uma casa
Bles falavam inglés e eu comprendia
Percebi que um de alvenaria, porque ninguem nasce sem ideal.
ge Room”, Comecei a transpirar. fica intran-
preto na presenga de um norte-americano O ideal é a roupa da alma.
com. repugnancia.
quilo. Parece que éles olha o preto
s nos Estad os Unidos. Senti 6 de dezembro fu estava alegre ¢ reanimada. O
Como deve sofrer os preto
i: meu Deus, eu estou no Brasil. e eu estou cantando. (...) Troquei-
pavor, depois pense dia esté belissimo
0 preto tam-
Sou cidada brasileira. Aqui branco vota, quadri-
me e fui a cidade. Quando passo perto de uma. livra-
o preto danca
bem vota. Aqui no meu Brasil fa-
ria os livreiros convidam-me para entrar para auto-
o. (..-) Os meus filhos grafar livros. Olham-me sorrindo comentando que eu
lha vis a vis com o branc fa-
e eu voltava a realidade. Estava sou uma felizarda. Com todas as manifestagdes que
ziarn reinacdes
zendo reportagem. venho recebendo ‘euestou-inquieta interiormente. Te-
imos
Finda a reportagem entramos no taxi e dirig nho a impressfo que sou ferro banhado a ouro. EH um
corri a e eu canta va
para o Aeroporto. (.-..) O taxi
(12) Cemposigio de autoria de Carolina gravada em L. P. (A. D.)

em inglés. (A. D.)


“Quarto de Despejo”
(il) Titulo do livro
99
98
CAROLINA MARIA DE JESUS CASA DE ALVENARIA

dia o banho de ouro esmaece e eu volto a origem na- Tem dois dormitorios com varias camas. Uma senho
tural — o ferro. ra de pele encardida nos acompanhava dizendo “que a
O reporter disse-me que esta procurando uma casa esta a venda. (. ..) O reporter gostou da sala.
casa para eu comprar para mim. Fiquei alegre inte- 4 ampla e a diviséo deverd ser feita com cortina
riormente e¢ exteriormente. Ei sorri. O meu sonho con- Quando saimos da casa fomos de auto até a Imobilia-
cretizando. Hu vou ter uma casa de alvenaria com ria que esta encarregada de vender. Quem nos aten-
salas e outras dependencias. Um quarto para tomar deu foi o senhor Jo&o, um dos socios da firma. O re
banho. Imagina sé. Eu tomando banho num banheiro. porter disse que eu posso comprar a casa e pagé-la.
Fu que levava a vida primitivamente, tomando banho O prego é um milhao quinhentos e cinquenta mil orn
na tina. En ganhei uns retratos do langamento do meu zeiros. Fiquei preocupada com a soma elevada. Fé em
livro e vou mandar pér no quadro para ornamientar Deus, pensei. Parece que os bons ventos estio prote
a minha casa de alvenaria. (...) Combinamos que gendo-me, ii que eu tenho medo de fazer contas Quan-
amanhda eu devo ir a cidade para procurarmos wma do sai da Imobiliaria sai contente. O corretor disse-
casa para mim. Vou correndo. Parece que estou so- me “ane a casa esti vazia. Que as pessoas que estdo
nhando. Vou comprar a minha casa de alvenaria. A resid indo 2 so uns protegidos do senhor Carivaldo,
casa para um favelado é tao importante que casa, para
nds deve ser escrito com letra maiuscula — CASA DI Passamos na Livraria. Disse ao Dr. Lelio que ia
ALVENARIA. comprar uma casa de alvenaria.

7 de dezembro ... Deixei.os filhos e fui até a 8 de dezembro Hoje é feriado. NAo vou sair de
cidade. O povo olha-me com curiosidade. Uns felici- casa. Nao estou escrevendo o didrio com receio de
tam-me, outros atacam-me, aludinde que o meu livre citar as confusdes do povo da sala de visitas. les sfo
é agitador. Explico citando que a favela existe e 0s ambiciosos e conientam com uma dose de despeito:
favelados estado duplicando-se com o custo de vida. — A Carolina esta rica.
Fui a redacdo. (...) Vi umas casas na Linha Canta-
yeira. Era velha e grande demais. Tinha uns quartos 9de dezembro Levantei as 6 horas. Hoje eu vou
que podiam ser alugados, mas eu nio quero morar fazer almégo e deixar para os filhos. Sai e fui a cida-
com inquilinos. de. (...) Eu nao quero dissipar o que estou ganhan-
O reporter conduziu-me até a Rua Benta Pereira, do. Quero gastar com limites. Quando recebo dinhei-
562. Custamos a localizar a rua. Nao gostei do so- ro da Livraria vou depositar no Banco. Dinheiro que
bradinho porque a casa 6 geminada. Eu gosto de casa depositei no Banco e a quantia:
com duas entradas. O reporter gostou da casa, eu
devo gostar tambem. Para uma favelada qualquer 248 .500,00
coisa serve. Embora eu seja uma favelada com os 280 ..000,00
gostos do rei Salomao. A casa é no topo, tem um jar- 255 . 000,00
dim e uma janela com uma grade de ferro. A. janela 150.000,00
6 do tamanho da sala. Com uma cortina de matéria 458 .000,00
plastica estampadas com umas rosas coloridas. O José
Carlos desceu do carro e foi ver a casa no interior. 1.391. 500,00
100 101
MarIA DE JESUS CASA DE ALVENARIA
CAROLINA

silios de casa.
Comprei moveis e roupas ¢ uten O costureiro disse-me que ja encontrou quem au-
Carne, pelxe, aya,
Comi tudo que desejava comer. ma
xilia a montar a fabrica e os Incros seréo divididos.
bacalhau e queijo. Quando eu ostava Disse que nao. Quer arranjar dinheiro, montar a fa-
azeitona, baca. !
comer
vela eu pensava: oh se eu pudesse a sao com
brica e os lucros ha de ser exelusivamente dele, que é
e agor
Estas coisas para mim era abstrata o inventor.
banh o todo s os dias no chuveiro eletrico
cretas. Tomo Egoista. O egoista pensa que éle deveria morar
e deito no meu colchdo de mola s. no mundo sozinho. Se o seu invento dé dinheiro éle
podia organizar uma sociedade. Se a Natureza é cole-
11 de dezembro Os dias que passaram eu nao es- tiva, porque é que o homem ha de ser egoista? Querer
o de magoar
crevi. Eu estava preocupada com recel tudo sé para si. Uma laranjeira dé laranjas para mi-
professor
alguem no meu diario. Recebi a visita de um lhares de pessoas. O Sol 6 um astro unico e aquece
de corte e cos-
de Campinas. Disse-me que e professor o mundo.
corte e eostu ra e dis
tura. Inventou um metodo para 5 Tem hora que fico pensando: na favela ha
abeto apren de 0 corte. Quer
se-me que até o analf Ci- brutalidade. Hram ineultos. Aqui haé rivalidades, am-
empr esta do para abrir uma fabri ca.
mil cruzeiros bigdo. N&o ha sinceridade. O homem de Campinas
tei-lhe que nio posso emprestar. levou-me num tabelido para preparar uma letra pro-
_—_ iu assino umas promissorias. missoria de 50 mil cruzeiros. Mas o Dr. Lelio nao
que convidei-o
Aguecrinou tanto os meus ouvides emprestou.
0 Dr. Lelio. Xinguet
‘para irmos na cidade falar com Eu nunea ouvi falar em letra promissoria. Quem
dinheiro nao tinha
a minha vida. Quando eu nao tinha comprou os selos para a letra fui eu, porque o costu-
no seu manto ne-
sossego com a fome a envolver-me com
reiro de Campinas nao tinha dinheiro. Despedi do ho-
tenho dinheiro e nao tenho sossego mem e voltei para Osasco. (...) Tem pessoas que
gro. Agora
0s piratas que querem aprover ar-S odeia-me, dizendo:
os oportunistas,
da minha situagio. Bles vé vender muitos livros, pen- —— Aquela desgracada esta rica.
meu. Eu ganho comissao nas
sam que o luero é todo
vendas. 12dedezembro ... A Divina, filha da D. Maria
inas que
O Dr. Lelio disse ao costureiro de Camp minha empregada pediu-me 100 cruzeiros emprestado.
Ble most rou seus
nio ha possibilidade de favorecé-lo. do o Dr.
(...) A D. Maria trabalha para mim. Quando chega
a Deus quan
‘modelos‘ao Dr. Lelio. Dei gragas inuo u imsis-
visitas ela fica descontente e triste, murmurando:
rua o home m cont
Lelio nos despedinu. Na vem sur- ~— Meu Deus do céu, isto é o fim do mundo! Deus
dos abor reci ment os que
tindo. Ja estou farta dinhe iro, esté me castigando. O mundo esta virando. Eu, bran-
(...} Comecei a ganh ar
gindo para mim. ca, ter uma patroa preta...
surg iram os polv os com seus tentaculos. Por que mae
Francisco ata- Eu dava risada e pensava: nés os pretos nfo re-
vao pedir dinheiro a Ligth, ao Conde
oas que nao prec isam e vem pe i voltamos de ter patrées brancos. (...) N&o sou exi-
razzo? Tem pess
do pedia, pedia gente com as minhas empregadas. Nao faco questéo
me. Eu nunea pedi por ambigao. Quan filhos, sa-
os meus de cér. Gosto de D. Maria porque ela lava roupa mui-
o essencial. Sobra de comida para
patos para a Vera. to bem.

“102 1038
CASA DE ALVENARIA

MariA DE JESUS
CaroLIna
Disseram que sou comunista porque tenho dé dos
de ¢ chapéus
de dezembro ... Comprelrel doisis pobres e dos operarios que ganhbam o insuficiente para
Qua ndo che-
ias do Recife. viver. E nao tem um defensor sincero a nao ser as
pale para andar nas pra
rto os carregadores saudaram-me greves, meios que recorrem para melhorar suas con-
vamos no Aeropo
o
, diecées de vida. Mas sfc t&o infelizes que acabam sen-
izendo: conhecer 0 mundo? do presos e dispensados do trabalho. Conclusdo: o
e A senhora nao para. Quer “eco operadrio nao tem o direito de dizer que passa fome.
ade s do Brasil.
_ Quero conhecer as cid Os Passag e rec e. Quando os homens fér super-cultos éles hao de
Ag 11 horas embarcamos. ) As le liberar as terras e quem quiser plantar, planta. E nao
tando-me . (...
nheceram-me cumprimen _, havera fome no mundo. As terras tem que ser livres
» Rio. 1a
ao
porque o avi igual o Sol.
oe no rapidamente
cae Pare Se o Sol fosse terrestre seria sonegado pelo ho.
as chegamos na Bahia.
yarpar- (...) As 18 hor a Pri me mem.
ria ver a Bahia,
mos para jantar. Eu que a8 eae: é distante
Mas o Aeroporto
capital do pais. 14dedezembro ... O quarto que alojei dava vis-
aviao disse paraag
Um jovem que estava n0 de J esus. ' ta para uma praca com arvoredos. (...) Sai, fui ver
“_ Esta 6 a Carolina Maria a Par a fe as igrejas e comprar jornais. As ruas sio bem calea-
um jornalist
Em trés minutos apareceu das. Fiquei com d6 dos nordestinos. Uns andam mal
m. (... ) Ent ramos no aviao @ Zar
- uma reportage Recife. Os jorna- vestidos, comprovando que sao pobres. Eu olhava os
ar os As 21 horas chegamos ao va rostos tristes dos nordestinos. (...) Voltci para o
trajes loves
. Bstavam com
patas nos aguardava fo ogra om hotel. O Zornalista Alexandrino Rocha foi nos avisar
autografos. Bu
yias pessoas pediam ° neon ML que iamos almocar com o Prefeito Miguel Arraes, no
americana 4 ary
a lourissima milionaria ilustre e nobre rr - Buraco da Otilia.“»
con vit e do
itei o Recife a ava su
dos Guararapes est ... Reeebi a visita do senhor Hernani Bezerra,
wn 4 Avracs. O Aeroporto
do. Perguntaram- me 9 que achei da viagem. que me disse que estudou com sacrificio. Achei graga
oor Estou co- contente de quando éle disse:
bom.
pews 0 yoo foi muito -— Quando fui menino o meu sonho era comer pao
: nordestinos.
no carro do senhor com manteiga e nio podia. E eu jurei: se algum dia
nhreces on eo reporter entramos
e fomos a um programa de Be ove eu puder eu hei de comer pao com manteiga todos os
Fernando Navarro ° a O. Fomos
o senhor Helio dias.
sao. Fui entrevistada pel a eavel, Olhou-me e disse:
apresentados aos recifenses pelo video
e agradect a aco " 1a ane — Carolina, eu jé passei fome. Por isso compre-
tei os pernambucanos Gran . ote « cnfeca endi o teu livro.
gra ma fom os para o
Apés o pro con
Eu estava a eS © ... Enguanto aguardavamos a hora de irmos al-
portagem 208 aguardava. Wu
dos nordestinos. mocar com o Prefeito, fiquei circulando nas imedia-
com as amabilidades
cées. Ouvindo os comentarios dos habitantes. (...)
educados!
0 que acho do comunismo:
eaues _. Perguntaram-me
N&o posso
__ Nao He nao vi paises comunistas. nais.
(13)
(A.
Restaurante
D.)
tfpico de Recife, famoso pelos seus prates regio-

dar opiniao. 105

104
CASA DE ALVENARIA

CAROLINA MARIA DE JESUS

de Sao Paulo, o filho le- reconfortante. Que existencia hedionda desse povo cas-
Todos queixam da opulencia a. Sado Paulo e Rio tigado pela Natureza. (...) Fiquei pensando: até na
blic
gitimo do presidente da Repu Nordeste sao filhos Natureza ha selecdes. No Sul chove. No Norte nao.
e e o
sio os prediletos. O Nort _.. Quando chegamos em Caruaru fomos recebi-
(...) O Nordeste € 0
adotivos. Filhos subnutridos. . dos com alegria. Nao notei uma indelicadeza nos nor-
il.
quarto de .despejo do Bras da Otilia. tistas. Sao t&o delicados que nfo se nota o eulto e o
os slm ogar no Buraco
ineulto. Fomos anunciados pela estagéo de radio. S6é
_.. A lL hora fom
Esta localizada nas mar-
A casa 6 terrea e de madeira. que nao tinha livros para ser autografados. Fiquei
Atr avé s da janela vé-se o rio
gens do rio Capibaribe. . com dé daquele povo. E pensei: éles gostam de livros
va gostosa
que corre. (.. .) A comida esta e og livros chegam aqui com atraso. Gostam de lavou-
éco fom os pereorrer as margens
¥Findo o alm ras, mas as chuvas so escassas.
eralda. O que eu achel
do mar. O mar é verde-esm Um zabumba tocava na praca. Fui introduzida
ale acha bonito tudo que
interessante no nordestino: Achei num patio, onde serviram bebidas e bélos. Uma bebi-
simbolo da vida.
é verde. O verde para éles é 0 com da gostosa, mas eu fiquei com medo de embriagar-me
as bar raq uinhas cobertas
bonito os coqueiros e ; e desviar-me dos meus deveres. O poeta Lycio Neves
folhas de coqueiros.
os na Livraria gue usava um terno branco igual flocos de algodao, nos:
_., A tarde fomos autografar livr recebeu amavelmente. Os componentes do zabumba
foi int errompido com
e Editora Nacional. O transito eu dirigi o meu eram pretos, mal vestidos e mal nutridos. Tive a im-
rost o que habitantes da favela. Sor-
a minha presenca. Em cada do: se eu pu- pressio de estar vendo os
Fiqu ei pen san
olhar recebi um sorr iso.
poet as Carlos yiram para mim, olhando-me com veneracao. Olhares
entes 08
desse viver aqui... Estavam pres lcan ti, Aud alio ternos. Pessoas que eu via pela primeira vez e tinha
o Cava
Moreira, Josué de Castro, Paul impressio de conhecé-los ha tempos. O reporter dis-
Alves e Ascenco Ferreira . se-me:
_— Carolina, aqui é a porta do sertao. As maiores
15 dedezembro Levantamos as 6 horas e ficamos miserias estdo para a frente.
que ja nos levar a
aguardando a chegada da perua _—. Miseria — fiquei repetindo mentalmente. Eu
Joacir Fonseca Soares
Caruaru. As 9 horas o senhor rter O repo dei 1.000 eruzeiros para os acompanhantes do zabum-
Embarcamos.
e o motorista chegaram. ba. © reporter deu 1.000. O diretor do zabumba
ir Fonseca ia con-
estava alegre. (...) O jovem Joac dizia:
humo r. Que homens inteli-
.versando, revelando pom __. Nés jA fomos ao-Rio. O José Condé 6 de Ca-
gentes tem 0 Norte! ruaru. Ble veio nos visitar.
asfaltada. Eles
_., A estrada de rodagem é toda _.. Jantamos com o Prefeito de Caruara, o senhor
inse nsiv eis a epoca
construiram jardins com plantas 0 flan boian, com Anténio Lyra.
flor ida é
causticante. A unica arvore olha m as fléres Ble estava sentado ao meu_lado_ com os cotovelos
Os nord esti nos
suas fléres vermelhas.
: na mesa e o rosto apoiado nas maos. Nao falava. Ape-
Comentam
com ternura no olhar. nas ouvia os comentarios. Criticas aos politicos. Hra-
__. Elas néo temem a seca. mos 35 na mesa. (...) Quando despedimos é que f-
bres pela estrada¢
_.. Encontram-se muitos case quei sabendo que aquele senhor que estava ao meu
do uma alimentagao
os habitantes raquiticos, reclaman
. 107
106
Casa DE ALVENARIA
Garowna Mania DE JEBUS

rememorando 0 sal, dizendo que ela parecia com a Luluzinha®®. A


lado era o Prefeito. Fiquei confusa,
espésa do senhor Hernani Bezerra preparava um jan
que havia dito ao Prefeito... tar para nés. Que mulher caprichosa. m
do Vi-
_.. Ganhamos uns presentes. Os bonecos . As 19 horas fomos ver a televisao. Eu apareci
Jorna lista ”.
talino.¢® Gostei de um boneco — “OQ visitando os doentes e pensei que éles estavam vendo
e retornamos para porque nas enfermarias tinha televisdo. ,
16 de dezembro Despedimos
uns canos adutores na entrada da
Recife. (...) Vi 17 dedezembro ... As 7 horas deixamos Recife.
que o Sr. Juscelino Kubitschek es-
cidade. Disseram (. ..) Quando entramos no avido retirei 0 meu roga-
a agua a 40 quilometros para Carua-
tava canalizando rio da bolsa, para rezar. As minhas preces foram para
pelo povo.
ru. O ex-presidente do Brasil foi enaltecido os nordestinos. (...) Quando descemos no Rio ouvi
passe i a admir ar 0 ex-
F eu que era anti-Kubitschek alfine- umas vozes pronunciando: :
l.. FE peco descu lpas pelas
presidente do Brasi — Olha a Carolina! Ficou importante, esta imi-
que dei-lhe no “Quarto de Despejo”...
tadas
(...) Um tando o Juscelino. FE nova rica. Ha de querer cons-
_. As 11 horas chegamos em Recife.
tal do Cancer truir uma casa no espaco e escrever um livro: “Da
jovem procurou-me para visitar o Hospi Passa- favela para a Lua”.
e sua construcio inacabada. Aceitei o convite.
com os enfermos. Eu era o alvo dos olhares. Fui telefonar para D.
mos na Santa Casa, onde fui filmada stos que
vez que vi cancerosos, os infau Jurema Finamour. Ela nfo estava em casa. Deixei
Foi a primeira
sempre. En dizia : recado. Cireulando pelo Aeroporto vi uma mulher de
sabem que vdo deixar 0 mundo para.
_— Og senhores vaio curar-se. Ja descobriram um cér parda conduzindo uma menina pelo brago e cho-
rando. Os ricos nao preocupavam com as lagrimas da
remedio que vai cura-los.
ternura. No mulher mal vestida. Perguntei: —
Vi um jovem sorrir. E olhou-me com
aguardando con- —~ Porque chora?
corredor havia mais de cem pessoas m queixava , :
apresentada aos medicos, que . Ela assustou-se ouvindo-me. Ei disse com voz la-
sulta. Fui
e a deficiencia das
dos atrasos das verbas hospitalares crimosa:
dependencias. O jovem que acom panh ava-me ¢ jorna- Ss > Eu venho de Sergipe. O meu filho mora em
lista dos “Diarios Assoc iados ”. Deu- me 25 apolices a0 Paulo. le pediu-me para vir morar com éle, por-
para 0 hos-
para eu vender e angariar 25 mil eruzeiros que a sua esposa foi dar a luz e morreu. E os meus
estao const ruindo.
pital. Fomos visitar o hospital que netos estio abandonados. Sao cinco criancas. Com-
Foi interrompide por falta de verba . prou a passagem até o Rio e eu n&o tenho dinheiro ,
(...}
Voltei para o hotel triste e horrorisada. para chegar até Sao Paulo e nao conheco ninguem aqui
ra estav a a nossa esper a. Que-
O senhor Hernani Bezer no Rio.
mos visita r sua mae. Fomo s visita r sua
ria que fosse Eu ; As lagrimas deslisava pelas faces da mulher. Eu
l! (...)
casa. Que casa maravilhosa e confortave es- disse ao diretor do Loide Aereo:
isao. Se podi amos
disse-Ihe que ia passar na telev ca- —- Dé a passagem para ela, que eu pago.
ava com a iiltim a filha do
perar. © reporter brinc
(15) Personagem de hist6éria em quadrinhos. (A. D.)
popular de Caruaru. (A. D.)
(14) Geramista

109
CASA DE ALVENARIA

CarnoLInA MARIA DE JESUS


queria conduzir-me até.a minha casa no Alto de San-
— A passagem custa eruzeiros, com a cri-
3.700 tana. Disse-me que nao. Que nao podia porque la na
; oficina. Mandei o José Carlos procurar um caminhao.
anca.
Estav a com 5.000 cruze iros. Fui despertar a D. Maria para auxiliar-me e ver se
Contei o dinheiro.
sorriy. FE olha- ela j4 havia passado as roupas. E perguntei-lhe se
A mulher parou de chorar e comegou a algo queria ir para Santana. Disse que nao, porque queria
esse vendo
va-me com cnriosidade como se estiv
Por todos os lugar es que eu ia 08 olhos passar o Natal na sua casa. (...) Ela trabalha para
sobrenatural ;
da mulher seguia-me. . mim, mas nao bebe nas minhas xicaras, nao prova a
mulher foi
... Quando chegamos a SAo Paulo a comida de minhas panelas. Ela é muito orgulhosa.
as ocorren-
apresentar-me ao seu filho e contou-lhe ; ;
... O José Carlos voltou com o caminhéo. O mo-
cias. EH disse-lhe: ; torista, depois de examinar os moveis disse-me que
Rio. Nunca mais hei era preciso dois caminhdes.
Bla foi minha mde 14 no
de esquecer a senhora. — O senhor pode arranjar outro caminhiéo?
o endere¢o.
Despedi da mulher sem perguntar-Ihe — Posso.
Comecaram a carregar o caminhio. O dono da
18 de dezembro ... Fui na Imobiliaria saber se quitanda aconselhava-me para internar os meus filhos.
Os parentes do Que eu nao devo deixar as criancas abandonadas. Nao
a casa estava desocupada. Ainda nio.
dono ainda ndo conseguiram casa. gosto das pessoas que se metem na vida dos outros.
vasia . Eu estou trabalhando para educé-los. (...) A D. Rosa
__ Mas @le disse que a casa estava
um pouco de pacie ncia. foi despedir-se, e disse-me que sentia a minha trans-
__ A senhora tenha
a, tomei um taxi e fui ver o que ferencia para Santana. Ela disse-me que ia acompa-
Sai da Imobiliari
havia com a casa. nhar-me e foi avisar o seu pai. O pai da D. Rosa esta-
va em frente a minha casa. En dei-lhe um abraco e
20 de dezembro ... A Imobiliaria prometeu-me disse:
6 20. (...) Decidi que —— fle... 6 0 meu noivo!
entregar a casa dia 20, E hoje
na minh a casa de qualquer geito. A D. Rosa sorriu comentando:
vou passar 0 Natal
—— Casa com éle, D. Carolina. Ele é viuvo.
94 de dezembro Levantei as 4 horas. Fiquei pen- Os motoristas j4 estavam pondo o motor em mar-
Todos os dias eu
sando na confusio da minha vida. cha. Comprei uma escrivaninha do senhor Victor, 0
quan do é que o Senhor
vou na Imobiliaria-para saber dono da casa de méveis, o meu senhorio. Fiquei de ir
a casa. (.--) Decidi que
Carivaldo vai entregar-me pagar depois. Ble foi muito bom para mim. E um
casa de qualquer geito. Comecei homem correto. Tem uma bela qualidade — palavra.
‘vou morar na minha
lougas. Quando
arranjando as roupas e preparando as A escrivaninha que eu usava foi o senhor Antonio So-
para perguntar ao
o dia despontou-se eu fui ao bar eiro Cabral quem deu-me. Quando eu estava mudando
idad edel e arranjar_ um
dono do bar se havia possibil éle tomou. Eu disse-lhe:
a minh a muda nga para a Rua
caminhdo para conduzir coisas
— Que espécie de homem 6 o senhor? O senhor
562. Fui pagar o Japonés, umas nio tem palavra. Deu-me a escrivaninha ha trés me-
Benta Pereira
eu comprei fiado. Paguei a dona da quitanda. ses e hoje vem tomar-me.
que se
0 caminhao chegou perguntei ao espanhol
Quando
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110
Canotina Maria pe Jesus CASA DE ALVENARIA

Foi Ge quem levou-me para Osasco. Tratou-me ... Quando cheguei encontrei um nortista confa-
muito bem em sua casa. Foi o tmico lugar em que eu bulando com o senhor Monteiro.¢? Quando eutrei o
vivi bem. Mas os nossos espiritos nao ligaram. Tem homem que estava confabulando com o senhor Monteiro
certos atos que desligam uma amisade... Quando eu olhou-me com ironia. Enfrentei o seu olhar. fle
dou algo para uma pessoa, esta dado. _. gueria impedir-me de entrar na casa.
-.. Quando entramos no caminhao os visinhos —- Eu comprei esta casa! O senhor Carivaldo
nos olhavam. (...) Agora que estou ficando rica pego disse-me que a casa estava vazia. Era para eu mudar
a Deus para nao fiear ambiciosa. Entrei no caminhao no dia 20.
que estava com os moveis pesados. A D. Rosa foi no O homem mudou de altitude. Mudou por completo.
outre caminhio com os moveis leves. O caminhao que Ei foi almogar. Eu estava com sono, queria desoenpar
conduzia os moveis leves 6 mais novo. Ia na frente um quarto para mim. O homem nao permitiu. Para
com velocidade. O outro mais velho ia atrés como se evitar encrenca resolvi ficar na sala.
estivesse com reumatismo. (...) Encontramos difi-
A tarde os filhos do senhor Monteiro foram
culdades para chegar. Eu errei a rua quando cheguei.
chegando ec perguntavam:
O motorista do primeiro caminhao ja havia chegado.
AD. Rosa disse que a Baiana“” havia xingado. — Que diabo @ isto?
... Paguei 4.000 cruzeiros para os motoristas. —~ Ba mulher que comprou a casa.
A D. Rosa volton no caminhio. Os visinhos comega- Chegou uma pretinha furiosa olhando-me com
ram a falar que eu néio devia ter mudado sem avisar. rancor, como se en estivesse invadindo um templo sa-
Fiquei nervosa, porque niio gosto de palpiteiros. (..-) grado. Os visinhos comentavam, confabulando. Um
Resolvi ir na cidade. Tomei um taxi. Estava nervosa. jovem visinho veio visitar-me e ageitou o tambor de
Eu estava suja e o povo cumprimentava-me nas ruas. gaz do fogao. (...) Jantamos, tomei banho ec deitei.
A “Folha de SAo Paulo” havia publicado que estava Mas as pulgas pareciam formigas na minha cama.
rica. O jornal perguntou o que ia fazer esta noite. N&o consegui adormecer, porque os mocos que resi-
Hin disse que ia mudar para a minha casa e enviar dem na casa comecaram a beber e danear. Eu tinha
25.000 eruzeiros a Campanha de Combate ao Cancer. impressao que estava numa buate. Eles reclamavam
Saf da Livraria e fui na Imobiliaria avisar 0 gue os meus moveis estavam impedindo-os de danear.
senhor Jo&io que eu ja havia mudado. Ble sorriu. Adormeci com as gargalhadas e os ritmos musicais.
(...) Fui almocar no restaurante perto da livraria. Despertei com as vozes dos filhos desejando Feliz Na-
Pedi feijoada. Quando eu estava almogando uns Jo- tal aos pais.
vens pediu-me para autografar cedulas para éles. Eu
comprei dois livros — “O Pequeno Principe” e 0 “Ho- 25 de dezembro Levantei as 5 horas. Hoje eu es-
mem ao Quadrado”, de Leon Eliachar. Mostrei o livro tou triste. Acho a minha vida sem graca. Fiz café, sai
para os jovens. Kles examinaram e devolveram-me. olhar o céu, ver se vai chover, porque eu estou
Findo o alméco paguei 240 cruzeiros. KE voltei para
dé dos favelados. Porque a favela estA alagada.
casa. (...) Ag pessoas paravam para cumprimentar-
me e desejar Feliz Natal.
(i7) Uma das 15 pessoas residentes na casa aque, de acdérdo com e@
contrato, deveria ser entregue no dia 20 de dezembro. (A. D.)
(16) Inquilina da casa adquirida pela autora. (A. DD)

113
112
CaroLtina Mania DE Jesus
CASA DE ALVENARIA

#4 horrivel andar na agua. Eu ia cozinhar feijao. Oo


Continuei escrevendo. Olhando as pessoas que
senhor Alfredo Monteiro disse-me: estéo circulando na minha rua. Posso dizer minha rua
__ A senhora nao precisa fazer alméco. A mamae porque estou comprando uma casa no bairro.
faz para nés. Ee
Fiquei contente, porque preciso eserever. Fui sen- 26 de dezembro Levantei as 3 horas para esere-
tar ao sol, passou um preto. Cumprimentei. Ele nao ver. Fiz café para os jovens que saem para o traba-
Iho. (...) Fui comprar a “Folha” para ver se a repor-
yespondeu-me e olhou-me com desprezo. Xinguei o
preto de tudo quanto existe neste mundo. Parece que tagem saiu. A reportagem estava na “Folha de Sao
Paulo”.
o preto nao esta contente com o meu sucesso.
Mostrei o jornal para o senhor Monteiro. Ble sor-
O gol estava gostoso. Comecei a pensar na minha
riu, achando graca. Resolvi ir a cidade. Troguei os
vida. Todos dizem que fiquei rica. Que eu fiquei feliz. filhos para ir na cidade. Descemos na Avenida
Quem assim o diz estéo enganados. Devido o sucesse Tiradentes. Fui felicitar os velhos conhecidos. Os que
do meu Jivro eu passei a ser olhada como uma letra reconheciam-me ficavam olhando-me com admiracio.
de cambio. Represento o lucro. Uma mina de ouro, Fui visitar o José Castilho, porque éle auxiliou-me
admirada por uns e criticada por outros. Que Natal muito. Fui visitar o senhor Rodolfo Scharauffer, por-
confuso para mim. que a Vera disse que esté com saudades déle. Fui vi-
O Jo&o foi procurar-me e eu pedi a éle para ir sitar a Ivani. Ela disse-me que vai casar-se. (...)
comprar um jornal para aim. “O Estado de S30 Pau A mie da Ivani ofereceu-me a sua casa. Eu ndo quero
jo”, para eu ver a classificaeio do meu livro. Dei 10 ecompraé-la porque é muito pequena.
eruzeiros. Ele girou e nao encontrou. Voltou furioso. Resolvi ir a cidade. Passei na “Ultima Hora”
Repreendi-o. e pedi ao senhor Remo Pangella para enviar um che-
— Vocé 6 um bobo. que a Clinica do Cancer em Recife. Quando visitei
Ele saiu furioso. O Joao vai ser um tipo dificil Recife fiquei com d6 dos doentes.
para compreender a vida, porque nfo gosta de ser
eriticado. (..-) Passava uma senhora. Resolvi per- 27 de dezembro Levantei as 5 horas. Que supli-
guntar-lhe onde podia encontrar uma banca de jornais. cio ver os meus moveis espalhados. E cu que pensava
Hla ensinou-me. Conversei com a mulher, que ficou e sonhava com uma casa de alvenaria, supondo que ia
contente quando eu disse-lhe que sou Carolina Maria encontrar tranquilidade.
de Jesus. .. Ha os que me aborrecem ‘ec os qué admiram-
__. A senhora 6 que escreve? me. Os que querem auxilio e os que querem dinheiro
_— Sou. En estou residindo aqui na Rua Benta para comprar casa. .
Pereira. Fui no agougue e comprei um pernil de porco
—- Que bom! Eu fico alegre de saber que a senho- por 510 eruzeiros. Converse com 0 acougueirote i
-—~— O senhor est4é robusto porque vive no meio da
ra est4 morando aqui na minha rua. carne.
A mulher desejou-me feliz Natal e seguiu com as
Sai do acougue, entramos num bar. Comprei re-
compras- fresco para os filhos. Tomamos’o onibus. Eu ainda
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115
CaroLina Maria bE Jesus Gasa DE ALVENARIA

nio sei tomar o onibus. Desci fora do ponto e fomos Jonnalistas- Os visinhos olhavam-me com curiosidade.
andando. Os filhos reclamando porque nio gostam de -) Segui no jipe da “Ultima Hora” olhando os re-
andar a pé. As pessoas que reconheciam-me paravam santos que percorri quando catava papel. Os visinhos
para conversar. Quando cheguei em casa recebi um da favela reconhecia-me no carro. Quando cheguei na
reeado do senhor Silva Netto que ia visitar-me as 9 favela fui falar com a espésa do gari da Prefeitura
horas da manha. (...) Passei a tarde lendo e esere- que ganhou um premio na Loteria Federal. Os fave-
vendo. lados agrupavam-se para olhar-me. Olharam-me com
admiracaéo.
28 de dezembro Nao vou sair, porque tenho com-
promisso com os jornalistas. Fiquei surpreendida 29 de dezembro_ ... Fui na residencia do repor-
vendo a feira na minha porta. Os feirantes reconhece- ter (...) Para mim o problema da comida foi solu-
ram-me porque j4 viram-me na televisio. Olhavam- cionado, gracas a Deus! E ao reporter. Mas existe os
me com curiosidade. (...) Comprei biscoitos para os outros que nao tiveram a sorte de nascer com o pen-
filhos. Entrei, preparci café e fui escrever. As 9 ho- samento igual ao meu.
ras o jornalista Silva Netto chegou com o fotografo. Despedi do reporter, dizendo-lhe:
Ble fotografou-me em casa e na feira. Citei ao Silva — Eu gosto muito de vocé.
Netto as condicdes que comprei a casa. (...) Os fei- Tomei o onibus mais reanimada. Quando desci do
rantes estavam contentes porque vao sair na Revista onibus fui a pé para casa. Passei numa loja para ver
“Manchete”. os tecidos. Sao belos.
Recebi a visita de uma senhora por nome —— A senhora 6 a Dona Carolina?
Guiomar. Queixou-se que seu espéso esté desempre- — Sou.
gado e se eu podia comprar-lhe ferramentas de marce-
neiro. Para éle trabalhar, porque as oficinas aceitam
~~ Muito obrigado da senhora escolher o meu
marceneiros mas nao da ferramentas. bairro para residir.
—. Quanto custa as ferramentas? Despedi e segui pensativa. Descontente com a
minha popularidade.
_. 40.000 eruzeiros.
— Olha a Carolina Maria de Jesus!
Continuou dizendo que seu espdso é pintor. Se eu
— Oh, aquela! Esta mulher vale uma-fortuna.
vou pintar a casa, éle pode pintar a minha casa. Que
Um pretinho chamou-me:
ela é costureira, se eu preciso de costureira. Ela é
costureira formada e que nado sabe como é que a sua — D. Carolina!
vida mudou deste geito. (...}) Convidou-me para ser Entrei na barbearia para atendélo. Ele olhava-
madrinha de seu filho que est& no ventre. me com admiracéo. (...) Despedi desejando-lhe Fe-
Os jornalistas da “Ultima Hora” vieram con- liz 1961.
vidar-me para ir a favela. Eu estava dando banho na Galgava a Rua Alfredo Pujol. Desviei para outra
Vera. O eletricista estava ageitando o chuveiro, por- rua, porque eu vl umas arvores frondosas. Onde tem
que quando éle esta ligade dé choque. Ble cobrou 100 arvores tem passaros. Eu gosto das aves, porque sio
ernzeiros. Dei-lhe 500 cruzeiros, ale nfo tinha tréco. inofensivas. Nao tem a inteligencia diabolica do ho-
Pedi ao jornalista Magalhées para pagar. Saf com os mem, que constroi a tal de bomba atomica e outras

116 117

weTEy STE Sa
CASA DE ALVENARIA

CAROLINA MARIA DE- JESUS


— e vice-governador Porfirio da Paz.
invengdes servem para intimidar — Oh! — exclamei atonita e deslumbrada.
inutilidades. Hssas
as nagoes. ; Num segundo comecei a relembrar a tragetoria da
um livro em idiche minha vida. Empregada domestica, lavradoura cata
-..Uma senhora que esereveu
de, que ela quer mostrar 0 dora de papel e agora escritora e admirada. E beijada
veio para eu leva-la a cida
Quer que éle mande tradu- pelo vice-governador ! Comecel a pensar num sabi
seu livro para o Dr. Lelio. nha incluindo uma cena com o senhor Porfirio da Paz.
vir para editar.
a lugar. Quando Despedimo-nos e seguimos. Quando chegamos ao
Fomos de onibus. Nao tinh
para mim . N&o sei quem Hotel Excelsior 0 porteiro disse que 14 néo havia nin-
fui pagar j4 haviam pago Di-
meu amigo desconhecido. guem com o nome de Jurema Finamour. Mas resol-
pagou, mas agradeco ao ani mad o. oO veu consultar o fichario. Localizou uma Jurema e te-
rei o povo
rigi para a Livraria. Encont ma edic ae. lefonou. AD. Tielena Silveira falou-lhe. Ela nos con
A seti
mewlivro estava chegando.
no elev ador . O sen hor Paulo Dantas estava vidou para irmos até o seu apartamento. :
Subi
nde r a escritora judaica.
na’ Livraria. Pedi para ate
e disse-lhe ser impossivel Joa 31 de dezembro .-. Quando o dia surgiu pedi ao
fe olhou os manuscritos
0 manuscrito esta noutro 080 para ir comprar a “Ultima Hora”. Quero ver
dar uma solucdo, porque
0 Dr. Lelio. quem é 0 “Homem do Ano de 1960”. O mais votado
idioma. Para ela falar com
foi o senhor José Bonifacio». Eu ganhei 8 votos
30 de dezembro ... Mandei o José Carlos com- E o Audalio 1, que eu dei. Fiquei com dé do Audalio
ver as ocorrencias da ci- por ter ganho sé o meu voto. “
prar a “Ultima Hora” para
veio pedir-me para auxi- ... Passei o dia deitada. Queri ir i
dade. Chegou um casal que
trucéo de uma casa para
lid-los na campanha de cons para saber quem ia ganhar a Sora dle Sao Silvestre.
Ela vai construir um abrigo Cada fim de ano é de um geito. O ano passado eu es-
as criangas. da favela.
despediu-se e eu troquei tava za Favela Este ano na casa de alvenaria. Desde
em Ltapecirica da Serra. Ela
e sai. Fui na Livraria. cuiltdnde
us 8 ¢ anos
2 fold
que procurando localizar
i a tran-
ontramos a escritora
_.. Saf com o reporter. Enc
apr esentou-me ¢ disse- Ha os que di zem hum ano j
é€é inconten-
Helena Silveira. O reporter que o ente
Finamour esté hospedada tavel.
me que a escritora Jurema re-
ei contente. Despedi do
no Hotel Excelsior. Figu ia enco n-
Silveira. Ela
porter e segui com D.. Helena Barr os -nés
José de
trando os amigos. Na Rua PD.
um senh or mor eno de olhar enigmatico.
encontramos
Ela disse-lhe:
_— Esta é a Carolina.
Ov povo que transi-
fle abracou-me e beijou-me.
ific ados. Fiquei preo-
tava paravam olhando-nos petr
cupada com 0s olhares.
perguntei para escla-
—- Quem é este senhor? ——
jeto
. de
(18 Reforma
Secretério da Agri
Agraria. se de X
Sio Paulo e° autor de um pro-

ao nosso redor. ~
recer aquela curiosidade
119
118
Casa DE ALVENARIA

— Eu nfo tenho o prestigio que a_senhora tem.


—- Eu n&o posso auxiliar-te.
— Eu vim procurar-te com a melhor das inten-
cées e a senhora falha!
. O homem saiu sem despedir-se. Eu estava
apavorada. Se o homem invadisse a casa?
1 de janeiro de 1961 ... Fiquei sosinha com os
meus filhos. Biles esto A vontade. A Vera disse: 2de janeiro ... Hoje eu estou triste. (...) Saf
— Que bom, mamfe, se nés vivessemos sosinhos. de casa de qualquer geito. Enquanto esperava o oni-
..Atualmente recebo visitas de varias pessoas. bus fui conversar com um preto que tem colchoaria.
Uns vem pedir dinheiro, outros vem para conhecer- Queixei-lhe que estou revoltada com a vida e quero ir
me. Quando tecavam a campainha os filhos dizia: pro Rio Grande do Sul.
—— A mamife nao esta. — A senhora ficou famosa. E todo lugar que a
Resolvi limpar a casa. Aqueci agua para matar senhora ir encontrara dissabores.
baratas, quando a campainha tocou. O Joao foi aten- ... Eu ia parando nas bancas de jornaes para ver
det e disse que eu nao estava. Cheguei até o vitro as novidades e o que vai pelo mundo. “Cuba esté em
para ver. guerra” —— era a noticia sensacional. Nao louvo o
— O que deseja? . . homem que faz guerra, porque a guerra destroi o que
— Carolina, eu vim aqui para beijar teus pes. éle constroi.
Posso entrar? . : Voltamos para casa de onibus. (...) Amanha
Nao convidei-o a entrar porque éle estava alcooli- a televisao vem aqui em casa.
sado. E os ebrios sao falastrées. Falam, falam e nao
dizem nada. 3 de janeiro ... As duas da tarde o carro da
—— Eu nfo posso receher-te porque vou a tele- Televisio Record chegou. Bles comecaram a preparar
Visao. _ os as transmissOes. As criancas e os visinhos aglomera-
__ Esta bem, vocé nao quer receber-me. Voce ram-se no portao da rua. Tomei banho e preparei os
filhos. Fui comprar pinga e café. Vou preparar pinga
agora ficou rica, sain da favela... Agora vocé ¢ Dona
Carolina. o _ com lim&éo para os reporteres. Tenho duas garrafas
Fechei a porta com d6, porque eu nao gosto de de vinho. Pedi calices emprestado aos visinhos. (...)}
magoar ninguem. . Para distrair-me fui falar com a visinha. Ela e o seu
... Continnei limpando a casa e pensando na mi- ’ éspéso;"genhor Rogerio Reis. Eles séo bons visinhos.
nha vida. Estou envelhecendo. Limpei o banheiro. A O Joao foi avisar-me que o reporter havia chegado.
casa ficou bonita. As 7 horas fui lavar a frente da Fui cumprimenta-lo. (...} Chegou o reporter Murilo
casa. Chegou um senhor que j4 procurou-me ha uns Antunes Alves. Qyando iniciamos o programa a casa
dias. fle pediu-me para falar com a “Ultima Hora eo jardim..estaya..superlotado °. O senhor Murilo
para patrocinar um programa na televisao, que éle Antunes Alves perguntou porque eu tenho o retrato
quer fazer palestra sobre os favelados. do senhor Janio Quadros.
__ Mas a “Ultima Hora” nfo vai atender-me. O
senhor é que deve ir. aN gy O programa foi transmitide diretamente da casa da autora.

120 121
CASA DE ALVENARIA
GaROLINA MARIA DE JESUS
hora que tenho vontade de dar um grito para ser ou-
_. Nao sou janista. Conservo o retrato do senhor vido no Universo:
man-
Janio Quadros para ver se éle sorri até o fim do Viva o meu livro!
dato. Viva os meus dois anos de grupo escolar!
O senhor Murilo Antunes Alves elogiou o meu FE viva os livros, porque é a coisa que eu mais
Quan- gosto, depois de Deus.
livro e citou que éle aborda um problema social.
eu fui conver sar com 0 se-
do a televisio despediu-se 5 de _janeire A casa é um sobradinho. Os
nhor Rogeri o. (...) Deitei as 2 horas da manha.
quartos sao amplos: dois dormitorios. A vista 6 mag-
nifica. Avisto a serra da Cantareira.
4.de janeiro ... Depois que eu comprei a casa é ; Tomei o onibus e ia pensando no senhor J.
a conclusdo que sou importante. Estou
que eu cheguei F. Bueno, que reside na Rua Guaporé. Ble esté de-
visi-
contente. Agora eu sou alguem e posso receber sempregado, devendo dois meses de aluguel e devendo
tas..-Passei o dia deitada . As 6 horas record ei do con-
0 emporio. Quem veio procurar-me a primeira vez
de D. Suzana Rodrig ues para compar ecer no seu
vite fou a sua espésa . Veio pedir dinheiro, que esta gra-
e sai 4s pressas .
programa da televisao. Preparei vida. Queixou-se que o seu espéso é marceneiro e nao
o progr ama ja estava no
Quando cheguei no estudio tem ferramentas para trabalhar. Se eu podia pagar
ar. Consegui entrar. © emporio para ela. Envieit um bilhete que eu ia pa-
Quando saimos da televisao a D. Suzana Ro-
... gar o emporio para ela sexta-feira. Mas n&o me foi
drigues convidou-nos para irmos ao Clube dos Artis- possivel. Ela apareceu com o espdso e fez uma. lista
tas. Vi varias mesas com homens sem mulher. Senta- das ferramentas que eu devia comprar-lhe para éle
:
mos na mesa maior. A D. Suzana pediu o jantar trabalhar:
ovos, arroz e€ farofa. (...) Va-
picadinho. Serviram
rias pessoas olhava-me e comentavam: 1 plaina
: serrote medio
— Aquela é a Carolina. serrote de costa

Led ed ek
A D. Suzana Rodrigues, atenciosissima, apresen- esquadro pequeno
tava-me para as pessoas de sua amisade. O seu filho e martelo medio
filha nos acompanhava. A D. Suzana convidou um groza
senhor para ir a nossa mesa. Apresentou-me: formées
_—. Este 6 o escritor Mario Donato.

Bp
compasso
... Ble disse-me: arco de pua

Hb
_— Carolina, emprega bem o teu dinheiro, porque ferros de furar
a literatura nao 6 meio de vida. 1 lima triangulo.
Eu consegui enriquecer com o meu livro. 0
#

Eu fico alucinada com os pedidos.


meu livro foi uma fada que transformou-me de gata
borralheira a princesa. Os meus sonhos estao concre- 6 de janeiro ...Recebi a visita de uma senhora
tizando. Eu desejava uma casa de alvenaria. Conse- - que _pretende construir um abrigo para “criancas — BE

gui. O que emociona-me é introduzir a chave na fecha- Uniao Crista de Amparo a Infancia... fles-tem um
dura:e abrir a porta’e saber que a casa é minha. Tem
«123
122
CASA DE ALVENARIA
CaRCLINA Maria DE Jesus

e quer 9 de janeiro Levantei furiosa, xingando a minha


terreno de 15 alqueires em Itapecirica da Serra vida. Estou descontente com esta casa. Olho as pare-
as desaju stadas .
eonstruir um educandario para crianc des, est&io sujas. Olho o jardim, esta triste porque nao
Convidou-me para ser socia. Combinamos que
(...) tem flor. O quarto onde estéo os moveis dos nortistas
ela devia vir terca-feira. Estou indisposta e agitada,
esté superlotado de pulgas. Tentei entrar, elas inva-
pensando na minha vida trepidante. Todos os dias diram as minhas pernas. Isto é demais. Vou solucio-
deparo-me com um aborrecimento. nar a minha vida. Desse geito 6 que nao vou ficar.
Eserevi um bilhete:
7 de janeiro O senhor Fabio Paulino veio “Senhor Antonio:
visitar-me com a sua espdsa. Casaram-se h4 8 dias.
el. file é radia- O reporter Audadlio Dantas disse que se o senhor
Ela 6 profess ora. 15 distinta e agradav
nao retirar os seus moveis até amanha, éle vai leva-los
lista da Emissora Cometa e 9 de Julho. Sao meus para o Deposito Municipal. Depois o senhor resolve
visinhos. com o Prefeito.”
Xinguei o reporter. Aquele cachorro podia
8 de janeiro ... Um senhor que disse ser do Pa- comprar uma casa limpa para mim. (...) Eu nao
rand veio procura r-me para eu emprestar-lhe 800.000 queria cesta casa, mas o reporter predomina: Anula
eruzeiros, que éle fez uma divida no banco e 0s titulos
todos os desejos que manifesto. Mas, eu tenho que
esto vencendo c éle nao tem dinheiro para pagar.
para toleré-lo. Foi éle quem auxiliou-me, por isso preva-
(...) Ble disse-me que esperava até terea-feira
lece. Mas o dia 13 de maio le ha de dar-me a minha
eu dar-lhe o dinheiro. Fiquei horrorizada. Onde é que liberdade.
eu vou arranjar 800.000 eruzeiros para emprestar a Cireulei o olhar pela sala. Pensando nuns
um desconhecido no prazo de treis dias? tapetes e numa sala de jantar bonita. Contei os deze-
Ble disse-me que depositava 100.000 cruzeiros nove degraus que nos conduz aos dormitorios. Peguei
no bance para mim, todos os méses. Se éle pode de- a sacola e sai. Encontrei o José Carlos na rua. Ele
positar esta quantia no banco para pagar a sua divida, correu, pensando que ia apanhar. Fui falar com a
porque nio di ao banco? D. Elza. Minhas ideias estavam confusas.
Ele despediu-se. Prometi procura-lo no Hotel Pi-
ratininga, onde éle esta hospedado. Ele estava comen- 10 de janeiro Comprei palha de ago. Vou-
tando que o seu pedido nao devia ser divulgado, que limpar o quarto que vai ser para as criangas. Limpei
ale é importante. Na minha fraquissima opinido, éle o quintal. Fiz eafé. Nao tive tempo de fazer almécgo.
é um mendigo fantasiado de rico. Limpei os vidros e as venezianas. A casa 6 bem feita.
Recebi varias pessoas que veio visitar-me. S86 que estragaram-na toda. rabalhei um dia e uma
Fico triste porque a casa esté horroroza. Um senhor noite para limpar esta casa. O assoalho ficou bonito.
que reside no bairro de Vila Mariana véio procurar
“am liv¥d"para compra-lo. Um pretinho acompanhava 11 de janeiro ... Fui percorrer a feira. As mu-
o cagal, que despediu-se na porta. O preto. entrou. lheres perguntavam-me se os nortistas ja haviam
os retratos de seus parentes, suas nup-
Mostrou-me mudado.
cias etc. Fiquei observando: éle é do tipo que quer ter — Nao. Prometeram mudar hoje.
classe na vida.
125
124
MARIA DE JESUS CASA DE ALVENARIA
CAROLINA

ir as aulas. A
Comprei uma blusa para 0 Joao . Despedi e segui olhando as latas de lixo nas ruas.
reti rar os movels. Quando en, com o meu saco de 40 quilos, curvava de
Dazuita veio com uma senhora para o seus movels.
egan do
(...) O senhor Monteiro ia carr caus a da Feng
lata em lata recolhendo os papeis e as latas e os me-
na port a por tais na sacola, a Vera reclamava que o seu sonho era
O caminh’o nfo parou Ku
ao meu dispor. vestir igual as meninas da vitrine, tenho a impresséo
Respirei aliviada quando vi a casa ndo a am-
com pra
nao sabia que ia ter aborrecimento que estou vivendo um sonho. Onde hi momentos ma-
onad a casa de alve nari a. (..- ) Eu pensava assim: ravilhosos e momentos tragicos.
bici
hei de fala r das flores
quando eu comprar uma casa ... Hoje é sabado. Se eu estivesse catando papel
que adornara o meu jardim . estava correndo de um lado para o outro para conse-
Preparava para deitar guir mais dinheiro. Se eu estivesse na favela a esta
Eu estava exausta.
tintitilou-se. O Joao abriu a hora o meu filho Joao estaria preso. Pensando bem
quando a campainha
porta: devo agradecer a Deus e ao reporter que auxiliou-me
muito. Estou livre das brigas e da Radio Patrulha.
— Eo Andalio.
va lutan-
Cumprimentou-me. Eu disse-lhe que esta me 15 de janeiro ... Recebi visita de uns pretos do
dois dorm itor ios.
do com as pulgas. Ja encerei a interior e outros de S&0 Paulo. Umas pretinhas vie-
ho do assoalho.
‘ galgou as escadas. Elogiou 0 bril Dis- ram visitar-me. Uma é pintora ec aconselhou-me a
ées. Cant ei para éle ouvi-las.
compus umas canc alisar os cabelos.
se-me que so boas.
— Os jornalistas nao deixam.
14de janeiro ... Fui rever os velhos conhecidos. —- Credo! A senhora obedece-os?
catava papel éle
Conversei com o alfaiate. Quando eu papel —
—- Quem naoobedece n&o triunfa.
(...) No bairro que eu catava
‘auxiliava-me. O senhor Rubens, o cantor, veio visitar-me. Quei-
livro. O conheci-
a Ponte Pequena, éles nao leram o xou-se que sua espésa é indelicada para éle.
pessoas acercavam
mento que tem é dos jornais. As — Vivo ao seu lado por amor aos meus filhos.
para olhar-me com admiracao.
__. Eu vi vocé na televisao. Disse que éle é quem prega os botées quando
caem. Ele ergueu a cabeca fitando o teto com a voz
__ Eu vi vocé nos jornais. amargurada:
—— Tua vida melhorou? — Se eu pudesse sumir... Mil vezes morrer do
_ N&o melhorou. Nao tenho sossego” para es-
que viver assim.
erever.
Mas Ele despediu-se. Ja saindo quando a cama que-
A D. Anita convidou-me para ir falar-lhe.
catav a papel ela fugia brou-se, porque trés senhores estavam.sentados.
eu nao fui. Porque quando eu
he. ow.
e se estava na janela retirava. Um dia eu disse-T
ausen tar-s e da janel a quan do avis- 16 de janeiro ... Dirigi-me a Livraria para ver
que n&o precisava
que nio mais olbava-a.. Hla feriu-me muito. o senhor Paulo Dantas. (...) Desciamos a Rua Li-
tasse-me,
a minha vez de feri-la. Pés a jJuro, bero Badaré. Vi varias pessoas conduzindo cartazes.
Agora chegou
: Os cartazes iam com -inscrigdes pedindo aumento.
recebe.

2,126
127
CAROLINA MARIA DE JESUS Casa pe ALVENARIA

Bles vieram
(...) Parei para ver. Fui reconhecida. tos que eu passava. As ruas que transitava catand
falar-me: papel. Quando cheguei na favela as criancas inicia.
_— Nés queremos aumento! ram uma vaia. Em 5 minutos a noticia circulou que
As- eu estava na favela. O povo afluiram-se para ver-me
Figuei condoida, porque eu ja passei fome.
quando ouvi vozes e a multidio com carta- Conversei com a D. Esmeralda. Disse-me que seu
sustei-me
© Um se- esp6so
zes. Era os bombeiros e a Forga Publica.
nao mais apareceu. Ele finginu que estava louco
i ao lado da deputada e abandonou a familia. (...) Eu e o Torok cireula-
nhor pegou o meu brago. Fique
mos sobre a confu sio em Sao vamos pela favela. Que lugar imundo. & uma desu-
Ivete Vargas. Conversa
brada va: manidade deixar os pobres viver assim. Fui visitar o
Paulo. O povo
CY meu barracao. O Seu Chico modificou. Apenas con-
“Q Plano de Ac&io acabou com o nosso pao 17
entra r na passe ata. (...) servou a tabua que o Jo&o escreveu — “O Andalio é
_... Bu nao pretendia
Passamos perto da Livraria. O povo olhava o meu nosso”. O reporter fotografou-me com o meu povo, os
quadro expos to na frente da Livra ria. (...) Fomos favelados. Wui conversar com o senhor Luiz el
dos es- pediu-me:
no Largo Sado Francisco. As espésas dos solda , °
mais do que —— A senhora preeisa ser a porta-voz da favela
tavam com os filhos. Bles devem sofrer
sei como é que os homen s hao de Falar por nés.
os favelados. Nao
explora, se
fazer. Se vai para a lavoura 0 fazendeiro _Percebi que os favelados olhava-me com admi-
Forea Publica o governo quer pagar salario racao.
entra na
de fome.
... Uma senhora veio procurar-me. 26 de janeiro Levantei as 4 horas e fui escrever.
18 de janeiro Comec¢o a gostar da casa. As pulgas est&o desapare-
a hipo-
Veio pedir-me 400.000 cruzeiros para pagar cendo. Que bom escrever atualmente com
dois meses para vencer . a luz eletri-
teca de sua casa. Falta ca. A minha casa tem 14 Jampadas.
empre sta-m e 400.0 00 eruzei ros que
__. A senhora Fui a Livraria. O Dr. Lelio disse-me que vai
eu pago 8.000 por més.
pagar-me duas edigdes amanha. Ble ia pagar-me hoje
__ A senhora volta amanha. Vamos falar com o mas0 reporter viajou. Nao quero receber na sua au-
Dr. Lelio ou o reporter. sencia. (...) Vou jantar na residencia da deputada
2ide janeiro ...Com a transformagao da favela Ivete Vargas. Que sacrificio para. tomar um taxi. Es-
para a casa de alvena ria 0s filhos estranham-se. O tava chovendo. Conseguimos um. Dei o enderego para
longam ente. Para éle eu sou uma oO motorista. Ele disse-me que ji votou na Dona Ivete
José Carlos fita-me
comprei uma casa de alvenaria. Vargas treis vezes. KE nao esté arrependido, porque
heroina porque
ela néo decepciona. E uma grande mulher.
25 de janeiro ...O reporter chegou acompanha- —— Grande mulher é a que cuida dos fithos n¢
do com o fotografo Jorge Torok. Biles entraram. epoca atual. Tem que enfrentar..o custo de vida as-
(...) Fomos na favela. Eu ia mostrando-lhe os recan- tronomico. :
Ele n&o apreciou as minhas palavras.
Passeata dos soldados da Fércga Piblica, que faziam greve por ‘é
— Grande mulher 6 a Dona Ivet e. EKo porque a
(20)
aumento de vencimentos. (A. D.
Carvatho Pinto. (A. D.) senhora nao lhe conhece. Ela tem favorecido o povo,
(21) Plano Quadrienal do Govérno

128 “429
Casa de Alvenaria 5.
CASA DE ALVENARIA

CaroLtina MARIA DE JESUS


corte ...'¢ O homem que quer montar uma oficina de
do
nao a conheco. Bu era . corte coetata yorton, para pedir-me os 50.000 eru
Nao comentei porque da sal a de vis ita 1 stados.
s Xinguei
Xinguei-o, i
dizendo-lhe 1
ra eu sou
quarto de despejo. Ago . No quarto de despejo eu tenho obrigacaéo de cuidar sé dos meus filhos. ™
de alv ena ria
Eistou na casa Na
pé- rap ado s, 08 corvos e os mendigos. V8- 28 : : . :
conhecia 0s as cla sse s dim 8 de Janeiro Levantei furiosa. Fui lavar o jar-
ou mesclada com
casa de alvenaria est Q Wome 1 os pisarar na terra e no ladrilho. Xinguei
0S da classe media-
yiadas. Os ricos e para ver a Dona Ivete o José Carlos, porque éles
é nafio aac
Convidei 0 motorista nossaN6 casa de alvenaria. q ° dio valor 8
seu eleitor cativo.
Vargas, j4 que dle 6 :
nossn Os Stamos livres das enchentes e dos vadios. A
hece.
~_ Ah! Ela nao me con e.
. flo, ha de. receber-t nos ida | seein de rosa. A Maria Aparecida, filha
__ O senhor vai comigo dia s de ve . , ¢ L a brincari com aa Vi Vera, mas ela esta
girar porque nos
Ye disse-me que la ndo ent rel no de castigo. Tomei o onibus e desci na ‘Avenida ee
ganham mais. Qua
chuva os motoristas yeconheceu-m e & jin dic ou- me 0 dents £2 Encontrei a Dona G. que mora n 5
io var ias pes soa s a cas a
edific Ivete i os do emporio. Ela convidou-me a entrar Ela
i na casa de D.
andar. Quando chegue hom ens . Tod os do P-T.B. issq-me que estava gravida. *
Varios
estava superlotada. con vidou-me Sout othana continua esbelta igual uma minhoca
e distintissima. Hla
(...) Hla é educada :
ando aqueles recant: os que eu percorri ;
para jantar. os vé-se © busto
do Ge- procurando, tatas, ferros e papeis para vender. (.)
Bm todos os yecant au omprel arinha de milho para os filhos comer
_..
diz:
tulio em bronze. Ela eo . Tomeie um n taxi.
te . O m otorista i di i sse-me
_— En tin ha lou cur a pelo titio. 8 chama Serafim, é filho de uma lavadeira e on 8
he¢o.
politicos que eu descon
Ela falava uns termos sao que eu screvendo um livro nas horas vagas “
politica tinha impres
Ouvindo éles falar de Est ava pre sen te — Eserev e o livro
honesto i e dada para. vO o reporter. Ble f 6
estranho. (.--)
estava num mundo com-
Eu disse-lhes que sou w :
um casal de radial as.
ist le continuou falando de sua mae. Mostrei-lhe a
a éles.
positora. Cantei algo par casa. Fle disse-m
-me
.
UW
que acompanha
p oO m Us SU
. S Meus SUCESSOS
casa esta- pelo radio e os jornais.
27 de janeiro Levantei as 6 horas. A
o foi comprar pao . Ensaboei 3 : : :
va suja. Fiz café, 0 Joa her que quer dine’ de janeiro Levantei com a voz do Lelé, o jar-
disse-me que a mul
umas roupas. O Joao vin ha che gan do e éle a erro due we tratar um servico para mim. Desci
restado
os 400.000 cruzeiros emp as escat aS at 8 filhos ja haviam atendido. Ble exa
estava.
ja dizer-lhe que eu nao i . Disse-me que vai arranjar 6
e mande-a entrar.
— Diga que eu estou .
inar os filhos a mentir fléres no Horto Florestal. Mostrei-lhe * A cna e
Agi assim para nao ens iva r-m e mirado da minh
ficou admi : ~
na vida. E dis-
Ela entrou com uns
embrulhos. Ela que r eat
ainda nao se-me : a ascengéo
hipoteca. Mas eu
para eu resgatar a sua que sou Até que enfim
:
a. Tenho a impressao — brilhou. Deixou
normalizei a minha vid meu corpo.
rondando o mesmo as latas do lixo ! tua estrela
e 0s corvos estao
uma carnica
humano que quer dinheiro.
Corvo 131
130
ManiA DE JESUS CASA DE ALVENARIA
CAROLINA

file prometeu vir quarta-feira. (.--)) Os filhos 4 de fevereiro :.. Bateram na porta. Era uma
surra porq ue eles pu an preta. Mandei entrar. Ela disse-me que 1é todas as
reinam muito. Dei-tlhes uma es que- reportagens que falam de minha pessoa.
do meu quarto para sair na rua.. Chama-se
a janela Isolina. A mulher fala por trinta. Disse-me que ficou
braram um adérno do banheiro.
doente vinte e dois anos. Ela disse:
31 de janeiro Levantei as 9 horas, com a vos do ~~ O terreno que comprei paguci sé dois anos.
trouxe um co
Lelé que veio cuidar do jardim. Ele Hstou atrasada h4 8 anos. A companhia quer o ter-
no centr o do: jardi m. (...) reno. Deixaram eu ficar porque eu estava doente.
queiro. Val planté-lo-
Lelé disse: , Eles exige 44 mil crnzeiros de uma vez. Venho pedir
nao quiz. Hoje
__ Bu quiz casar com voe &. Vocé a senhora para pagar o terreno para mim. Depois eu
. vou pagando-te aos poucos.
eu estaria bem. Se eu nio puder pagar-te
casasse eu nao cons eguia nada o terreno é da senhora ou dos teus filhos. A agua la
__. Mas se eu me
na vida. € boa. O péco deu agua com dois metros. Todas casas
Lelé, que 0 lhando-me com admiracao, sao alvenaria. O meu é6 um barracao. Ninguem que-
Paguei o
dizia: ria dar-me agua. Os ontros pécos tem 16 metros e o
saiu do in-
—— Que salto v océ deu na vida! Vocé meu tem 2 metros. Tem um visinho que fez um pégo
a. .
fer
ferno e estaa no céu. na diregao do meu e nao encontrou agua. Deus esta
_—_ Engana-te. Ku estou no Purgatorio. pe- é ao lado dos pobres. O advogado disse-me para eu
se as fléres
fle prometeu voltar para ver levar o dinheiro até o fim do més.
garam. Dei um prato de canja para ela. E uma laranja.
He A D. Maria José estava assando biscoutos e deu-lhe
1 de fevereiro Hoje éo aniversario do J odo. uns. Hu disse-ihe que vou ver se pago o terreno para
e des env olv ido . a
completa 12 anos. Esta alto ela. Ela vai voltar dia 15.
ver se o reporter -~— Assim que ela sain comecou a chover. Dei 50
fe ane A Dona A. chegou. Vou
te. (.. ) Emeon tres cruzeiros para ela pagar a condugdo. (...) Era 19
consegue auxiliéla. Ela esta tris rao
os contra os ane horas quando um carro parou na porta. Desceram os
o reporter na redagao. Assinei e se na Pe fundadores do Orfanato Unido Crista de Amparo a
Per gun tei -lh
para os Estados Unidos.
paws reatacdo ag Infancia. Duas senhoras, dois senhores e duas meni-
sibilidade de arranjar © dinheiro nas. A Vera abriu-lhes a porta.. Vieram convidar-me
i : a orque eu
Preciso comprar 0s para ir a televisio pedir auxilio para construir um
disse me a Jou receber nao di. ; abrigo em Itapecirica da Serra. Mostraram-me repor-
moveis e internar os filhos. tagens que fizeram em varios jornais da capital e do
_.. A Dona A. estava triste. Comegou a quel-
. _ interior. ({...) Vao fundar um orfanato e vao abrir
xar-se. Hla disse: um livro de ouro. Um senhor disse no jornal que Ca-
__ Se en nao conseguir este dinbeiro eu vou sul
rolina Maria de Jesus abre o livro. de ouro com 100:
eidar. pior mil cruzeiros. Fiquei horrorizada, porque eu nao dei
auxiliar-te. A
_. Mas o teu espdso tem que essa autorizagio. Eu n&éo mencionei isto. (...) Sao.
tolic é hipotecar uma casa.
e

132 133
pe Jesus CASA DE ALVENARIA
Caronina Mania

Mas eu deixo
de malandros. 6 de fevereiro Abri a janela. O astro-rei ja es-
Paulo abriga uma leva até cansar.
ro tava visivel. (...) Preparei a Vera e saimos. Fui na
éles vir pedir-me dinhei
Livraria. O advogado da Livraria estava presente.
s mo-
5 de fevereiro ... Tomamos um taxi. Dua Somaram quanto eu recebi até a setima edicao do
até a Rad io Nac ion al. Ce ) meu livro. O reporter disse-me gue eu gasto muito.
cinhas acompanharam-me por
quando perguntei ao Eu nado tinha nada. Tive que comprar tudo. Se
O que eu achei graca foi . estou gastando gasto o que é meu. (...) As observa-
radio:
Bra sin i esta ? cdes injustas magoa-me. Recebi dois cheques. O Au-
“ _— O senhor Mario me: , dalio disse-me para eu por no Banco. Fui ao Banco,
men te e dis se-
Olhou-me minuciosa senhora va depositei o dinheiro e retirei 10.000 cruzeiros para
Mario Brasini esté. A
_.. QO Doutor . , comprar botinas para a Vera. O Audalio disse~me
utra rua. que eu compro sapatos todos os dias... Se éle conti-
que 0 senhor Mario Brasint
™ “B assim fiquei sabendo nuar aborrecendo-me eu volto a ecatar papeis.
A jovem porteira dis-
é doutor. Dirigi a outra rua. i estava no terceiro Entrei na loja e comprei umas botinas para
sin
se-me que o doutor Mario Bra escrevendo, lista ma- a Vera. 780 eruzeiros. FE muito dinheiro nos pés de
andar. Entramos. Encontrei-o
uma crian¢a.
gro. Ble disse-me: ... Ew estava procurando um carro quando ouvi
— Oh, Carolina! ;
devo vir para autografar 08s a voz do senhor Fabio Paulino, o meu visinho. Os
— Quando 6 que carros que passavam estavam ocupados. Por fim en-
livros? u contramos um taxi. O motorista era preto. Eu disse-
—— Depois do Carnaval. par. ™ lhe que estou contente com as agdes do presidente dos
ramos num
_.. Despedi déle. (.- .) Ent con hec e-m e des e . Estados Unidos, senhor Kenedy, porque éle esta abo-
se-me que
jovem reconheceu-me ¢ dis ort age m na — ha lindo o preconceito. O senhor Fabio Paulino nao apre-
uma rep
1952, quando o Pacheco fez sobre a minha cia os norte-americanos. Acha-os desumanos com a
a _conversar
fima Hora”. Comecamos raca negra.
Chegou um Jovem dizendo que eravou
popularidade. 0 sco. — A senhora é a Carolina? — perguntou o mo-
o samba “Favela do Canindé” e se eu ja ouvl
ndo cheguei na minha torista, olhando-me através do espelho.
_., Tomamos um taxi. Qua
procurar os filhos. a ver — Sou, sim senhor.
casa paguel 0 carro € fui eis.
do senhor Rogerio Deu-me os parabens.
se a Vera estava na casa os sem or-
os meus filh Quando chegamos a D. Rosa estava esperando-
Ble 6 muito educado. Recebe ia J osé e 0 seu
A D. Mar me. (...) Queixei para a D. Rosa que estou desgos-
gulho. Tenho bons visinhos. 0
hor José Sim oes Paulino residem no tosa com a vida. Na favela era melhor para escrever.
espdso sen nte no num ero cos Nao recebia visitas todos os instantes. Era ignorada.
, res ide
mero 566. D. Ivette Oddone 7
residente no numero
ea D. Jaci Villar Miranda, no num ero oe
residente 7 de fevereirc ...Ontem a noite veio um jovem
E o senhor Aniz Kassabian, :
a Ber tol ini Lop es, residente no numero do Orfanato Uniaio Cristé de Amparo a Infancia.
ED. Elz 1a
de uns pretos bons, Queria que eu saisse com éle para ir nos “Diarios”
Os filhos estavam na casa
file s tem televisao. falar com o senhor Mauricio Loureiro Gama, fazer
Bua Francisca Biriba.
135
134
CASA DE ALVENARIA
CAROLINA Maria DE JESUS
Contou-me os horrores que os funcionarios da.
angariar fund os. Mas
um apelo pela televi sio para Eston Por contaa
Forga Publica sofrem com o governo. Que vergonha.
exau st
eu nao aceitei porque estou ene ee.§
os funciondrios do governo pedindo esmolas!
com éles,
é que andam anunciand do que q me 80
A mulher deu-me o seu enderego pedindo-me
i s. Sera& p possivel que euv tenha para eu ir visité-la e ver a sua casa. Ela 34 tem uma
100.000 cruzeiro ge o. po ° ae
que afli
jucionar todos os problemas os que sotr em,
casa. Hi n&o esté contente. E os pobres favelados
Brasil? O meu prazer 6 auxi liar ficam alegres com um barracio de tabua. N&o pen-
eu sou impotente. sam em construir para ter rendimentos. N&o azucri-
nam os ouvidos de ninguem pedindo dinheiro. Nin-
2
8 de.fevereire Despertei as 2 horas © comecr guem fala em Banco. Nao sabe o que quer dizer
i
eer atl o Aeue sel
gel ane -
escrever. As horas que apr -
cheque.
-me ¢¢ .
m vem aborrecer-me nd® neur o” Sera que esta senbora n&o pode contentar-se com
erestado Com esses pedides eu estou Fica - jane ae o que tem? (...) A mulher despediu-se dizendo que
res e vores
fica. Sobressaltei ouvindo rumo se for preciso ela vai falar com o reporter para eu
as tem feir a na minh a rua.
quartas-feir emprestar-lhe o dinheiro.
s. <9
© eumprimentei os feirante
__. A senhora j4 esté de pe? y yArT
livro 9 de fevereiro Hoje ninguem veio pedir dinhei-
Preciso
2,
prep ararea o
FEstou eserevendo. .
ro. Gracas a Deus!
.
‘para setembro.
do astro-rel.
° O dia despontou-se com 08 clardes sirar na
10 de fevereiro Levantei disposta. Lavei as rou-
sacola e om
Ablui-me e fiz café. Peguei a o José ar os 2
pas, limpei a casa, abri as janelas. O ar penetrava
feira. Comprei umas canetas para tu
invadindo a casa. Olhei os t6pos ao redor: o pico do
cruzeiros.
Vera. O José Carlos achou 210 Jaragua, a serra da Cantareira.
vi, wm. visinho: _
A D. Zezé quiz dar-me alméco. Recusei porque
‘Quando eu morava na favela néo achavamos
ao te tenho comida que sobrou de ontem. Preparei os filhos
tostao. (...) Fomos na redacio. Ku ia olhando as bancas de
pratos, uns copos e dus eae
m Comprei uns jornais. As noticias sensacionais: Fiquei horrorizada
Cs 20 om ,
Os precos estiio subindo e 08 govermos com as perseguicédes na Africa. A Africa é terra dos
.. A visinha disse-me que tinha uma mu er n pretos, mas os brancos foram para lA assambarcar o
convidando-a outrar
minha porta. Fui atendé-la, territorio dos coitados.-Eu acho-que a interferencia
que tem uma casa imacabada. Ben do branco na vida do negro é sé para atrapalhar. Deixa
Ela disse-me ola '¢ a
posso emprestar-lhe 300.000 cruzeiros para os coitados arrazados. Fiquei com dé do Patrice Lu-
as le
eluir. Disse que depois aluga e paga-me mumba, que podia viver mais uns dias. Quando sera
Banco. O seu espdso é tenente. Bu disse-Ihe que nao que a civilizagéo vai predominar?. _ oo
. ; ; ;
osso auxiliaé-la. ' ... Quando cheguei na redaedo éencontrel todos
os filhos e preciso de dinheiro
® Vou internar os jornalistas reunidos. Cumprimentei todos e fui fa-
para pagar 0 colegio. :
lar com o Andalio. ,
ulher dizia: — En vim aqui para pagar a prestacdo da casa.
Tem dé de mim.
Te ‘ajuda, D: Carolina.
137
136
CAROLINA MARIA DE JESUS Casa DE ALVENARIA

u os meus
Dei-o livro de cheque para éle, que somo Eu
de deitar. (...) E horrivel néo ter paz de espirito.
eend endo -me porq ue _gast o muito . Tem hora que eu tenho vontade de espancar as pes-
gastos, repr tra-
disse-lhe que quero internar os filhos e quero soas que vem aborrecer-me.
balhar. : .
—— Que especie de traba lho vocé quer? 12 de fevereirc Hoje é domingo. Carnaval. O
— Radio. dia esté triste. Eu estou alegre. Fui fazer compras,
— Oh, nao! lavei as roupas, fiz café. Nao vou sair.
.
fle foi preencher o cheque. Comprei leite para os filhos. Noto-lhes trans-
Esperamos o onibus. Quando cheguei fui de- formacgées. Estio civilizando-se. Vendo-os compor-
de ouro que comprei de Dona Hiza, tados a minha esperanca vai resurgindo. Espero que
volver o relogio
iros. Hu
porque nao posso dar-The os 25.000 cruze éles sejam bons no futuro.
por causa das criticas
jurei ndo comprar mais nada,
um detit ive na minh a vida . Mas
do reporter. Ele é 14 de fevereirc ... A Dona Ivete foi queixar-
sé a “Cas a de Alven aria” . Depoi s
eu vou publicar se de que os meus filhos escreveram palavroées no seu
desisto . ; muro. Se nao existisse palavrées ninguem tomava
eu vejo alguem pen-
na minha porta,
_.. Quando conhecimento. O essencial 6 a pessoa saber ler. (...)
visita dos
so: ja veio pedir dinheiro. Nao recebo 2 Estou -descontente porque tudo que é mal feito nesta
rgue Notur no, da sdpa da Sina-
meus colegas do Albe rua éles acusam os meus filhos.
Rua Case miro de Abreu , do pao da Igreja
goga da
Conceicio. Wes devem estar invejando-
Imaculada 15 de fevereiro ... Tomei banho e fui a cidade
me. E eu, invejando-os. ver se encontro o reporter. (...) Segui para a reda-
e voltei para casa. Quando
_.. Comprei linguiga cio. Parava nas bancas de jornais para ler o assas-
vi o Lelé na porta falando_ do jardim, sinato de Patrice Lumumba. Fico pensando: Deus deu
eu ia chegando
que a terra nio tem férca e as plantas nao crescem. aos homens o seu torréo natal. A Africa para os pre-
;
Ble disse: tos, mas errou numa coisa, dando ambic&éo aos ho-
com vocé em particular. Vocé mens. Que perversidade matar o preto no seu pais!
__ Preciso falar
com este lenco na cabeca. Ha 8 anos eu Mas os naturais acabam predominando. Uns vao con-
esté bonita
quiz casar com vocé e vocé nao quiz. vencendo os outros. . :
En disse-lhe: Os jornaleiros perguntaram porque desapareci
__ Para eu me casar teria que ser com um ho- das ruas. :
mem culto e bom. .
—~ Estive limpando o meu barraco.
__. Mas eu sou inteligente, 0 que pensa océ? —— A senhora ainda esté no barraco?
FE pediu-me. para emprestar-lhe 1.000 cruzeiros, -— Oh, é 0 habito! Vivi 12 anos num barraco.
hora
que a sua mae esta doente e pode piorar de uma
para outra.. . 17 de fevereirc Levantei as 5 horas da manha.
;
—— Eu te pago com servigo. Os filhos vai a escola. Preparei a refeicdo matinal e
que ia janta r na casa da Mari a fui fazer as compras. O Jofio e o José Carlos vaio de
Eu disse ao Lelé
com vontade
do Carmo. Fechei a porta e sai. cansada, manha. A Vera, a tarde. A casa est& horrorosa. Os

138 139
Casa DE ALVENARIA
CAROLINA MARIA DE JESUS

easa. Ela quer consertar a casa para alugar. Ela ja


filhos pisam na lama e sujam os degraus. Preparei o tem uma casa para morar.
feijao e carne. Acabou aquela apreen-
alméco: arroz, Chegou o Dr. Herculano Neves com sua espésa.
;
sio do passado: Ele veio dar-me o seu livro “Ku te arrespondo, Caro-
;
—— Mamie, o que vamos comer hoje? lina” ©, O Dr. Herenlano deu-me um livro para eu
a Vera para ir a es-
Lavei as roupas e preparei levar ao reporter. Dei o endereco do reporter para éle.
a Dona A. chegou . Dis-
cola. Estava girando quando File disse-me que varias pessoas vai censuraé-lo por
magoou © pé num prego. Ela esta triste ter escrito o livro “Eu te arrespondo, Carolina”. Citei-
se-me que
por nao ter conseguido o dinheiro para pagar a hipo- lhe que varias pessoas estéo procurando o livro.
quer trabalhar para mim. Ela
teca. Disse-me que ~~ Hstou vendendo no interior.
a da casa.
passou as roupas e auxiliou-me na limpez Quando éle despediu-se entregou-me um livro.
_.. Hserevi um bilhete ao report er, avisan do-lhe Fui atender a espésa do tenente que quer dinheiro
na Radio Cometa. Para éle convidar o es- para reformar a casa. Contam vantagem que tem te-
que iamos
Dantas. ; levisao. Em vez de comprar televisio porque nao cons-
eritor Paulo
um taxi, porque os conibus eletricos es- truin a casa para alugar?
.. Tomei
Quando o
tavam parados por falta de energia. (...) Citei-Ihe que nao ganho muito. Ela disse:
que 0 poeta Solano
Paulo Dantas chegou decidimos — Eu vou falar com o reporter.
anhas se. Ele disse que salu para
Trindade nos acomp — Falar o que, se nao tenho o dinheiro?
de uma passea ta ao saudos o Patric e Lu- Ela dirigiu-me um olhar de odio, como se eu ti-
participar
ficou podero so.
mumba, o preto que depois de morto vesse obrigacéo de emprestar-lhe dinheiro. Quando
programa
Tomamos um taxi até a Radio Cometa. _O ela sain cu fui atender a Dona Olga. Ela pediu se eu
do folelor e brasil eiro. Quem
foi estupendo. Falamos 0
sei de uma clinica que queira aceita-la. Ku disse-lhe
a musica foi Solano Trinda de. para dormir aqui em casa e se quer trabalhar para
discorreu sobre
escrev o imin-
Paulo Dantas falou do meu talento, que mim. Ela concordon-se e foi preparar o jantar e lavar
agrade-
terruptamente. Quando terminou o programa as lougas.
da radio e ao senhor Fabio O Lelé chegou. Veio queixar-se que enviou a sua
cemos aos funcionarios
Paulino. mae ao hospital. Ele aborrece com o seu falatorio. O
José Carlos disse-lhe:
18 de fevereiro Levantei as 5 horas para prepa- Por que é que vocé nao ia na nossa casa na
O Joao eo
yar os filhos que vio a ‘aula. Fiz café. favela? Agora que minha mae esta rica é que vocés
Fui compr ar pao. AS tomam conhecimento que ela existe.
José Carlos preparavam-se.
j4 estav am em ordem . Fui comprar O Lelé disse-lhe:
barracas da feira
alumi nio para guard ar manti mento s. Pa- —— Eu tambem sou favelado.
um jégo de
guei 720 cruzeiros .. s eu vou or-
A408. pouco
seis latas. Eu dei uma risada. Ele comecou a brinear com
ganizando a minha casa. ; os filhos. Pedi que ficassem quietos, porque estou com
... Chegou Dona. .. © que veio perguntar-me dor de cabeca. Que homem feio. Parece um boneco
jar-l he dinhe iro para ela reformar a
se posso arran
(23) O livro a due se refere a autora foi escrito a guisa de res-
que a procurou. CA. D.} posta a “Quarto de Despejo”. (A, D.)
nao cita o nome da pessoa
(22) A autora
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140
Casa DE ALVENARIA
CarOLiNA MARIA DE JESUS
losa de pessoas, desisti. Fiquei girando por ali. Ouvi
de pau, o Pinochio. Ele queria levar os meus filhos uma propaganda do senhor Prestes Maia @”. Pensei:
para dormir na sua casa. O José Carlos disse: estes politicos nao perdem tempo. Uma perua do se-
— Por que nado nos convidou para dormir na sua nhor Emilio Carlos @ dava carona aos passageiros
casa quando moravamos na favela na epoca das en- que iam a Parada Inglesa.
chentes? Eu estava ao lado de um senhor bem vestido.
Pedi ao Lelé para ir-se embora, porque estou com Estava de terno branco. Estava falando sosinho. Pas-
dor de cabeca. Ble quer pintar a minha casa. Nao sava o carro de propaganda do senhor Cantidio Sam-
aceitei porque éle fala demais. Ble pediu dinheiro paio @®, éle dizia:
para a conducdo. (...) Dei 25 eruzeiros ao Lelé, éle —— Morre, desgracado! Vocé nao vai melhorar a
Fiz cha para dor de cabeca. Tomei banho e
saiu. vida dos pobres de Sao Paulo. Vocé tem carro, des-
deitei. gracado. Vem ver o povo sofrendo!
. Passou o carro de propaganda do senhor Prestes
19 de fevereirc Levantei as 6 horas. A Dona
Maia. Ele xingou:
Olga ja estava de pé. Fez o café. Eu fui comprar pao
— Vocé também é outro desgracado. Fala sé em
e carne para a Dona Olga fazer pasteis. Preparei os
filhos para ir no cinema. A Dona Olga vai trabalhar urbanizar, urbanizar. Ei derruba as casas... O povo
precisa é de conducao.
para mim. Ela vai avisar os seus parentes.
Estou cansada. Deitei no sof escrevendo. Quan- Eu ouvia cada disparate! Compreendendo a an-
do tinha fome levantava e ia comer pasteis. gustia dos que precisam de transportes. Fi que choveu
e o povo afluia-se depois da chuva. Quando o povo
20 de fevereiro ... Chegou um senhor que veio fica nervoso, tem que xingar alguem. E xinga os po-
do Norte. Disse-me que leu todas as reportagens que liticos. (...) OQ homem seguiu procurando condugao.
cita o meu nome. Chegou uma senhora e uns jovens. see Passou um auto. Um alem&o pegou o carro
Biles vieram conhecer-me e convidaram-me para ir na para leva-lo a Tucuruvi. Pedi-lhe que me conduzisse
Igreja Protestante. Prometi ir. O pernambucano disse até a Rua Voluntarios da Patria. Ble disse-me:
ser inventor. FE que inventou um remedio que cura — Sobra lugares.
todas as doencas. Mas n&o sabe explicar a invengao.
As visitas despediram-se, preparei-me para ir na re- Entrou um sirio e ia apregoando:
dacio falar com o reporter. (...) Comegou a chover. — Tucuruvi, dois lugares.
Que chuva! Quando chegamos na redacdo encontrei o ih parava o carro. Na Avenida Tiradentes pega- mB
reporter. Apresentei o pernambucano. Ble mostrou mos dois passageiros. Fiquei sentada perto de um
re
Pe

o papel que relata o seu invento. Parece que éle quer oficial do Exercito. Que homem detestavel, antipati-
ser importante. E estas pessoas sio cacetes. (...) co. Prevalecia-se e alisava-me as costas. Que suplicio.
Despedi dos jornalistas. “O transite congestionado. Ao nosso lado um casal bei-
... Tentei pegar um taxi, ndo consegui. Fui pe-
gar o onibus, nao consegui. O povo era demais. Os
taxis nfo paravam e os motoristas iam importantes
(24) Candidato a Prefeite de S&o Paulo. (A. D.)
(25) Outro candidato a Prefeito. (A. D.

como se fossem semi-deuses. Vi a quantidade fabu-


(26) Mais um candidato a Prefeito. (A. D.)

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142
Casa DE ALVENARIA.
CsanoLina Mania DE JESUS

loura oxigenada fu- Quando cheguei em casa reanimei-me. O taxime-


javam dentro de um carro. Uma
me: tro mareava 65 cruzeiros. Dei 150 cruzeiros. O moto-
mava. Os homens que ia no meu carro dizia- rista disse-me:
__ Faz uma report agem, Caroli na, para o teu
. — A senhora tem palavra. Disse-me que dava
didrio. o dobro e deu.
A mocinha que estava no carro normalizou-se. O Os filhos estavam ouvindo radio, alegres e des-
oficial ia aborrecendo-me. O alem&o nao queria con- preocupados. O Jofo quis saber:
versar, dizendo que gosta de falar pouco. Desceu para I —— Por que demoraste tanto?
averiguar a causa do congestionamento. As horas iam — E o trafego.
passando. O sirio revoltou-se e comecou a xXingar oO — O senhor Fabio veio a pé. Coitado do senhor
governo. O motorista disse: .
Fabio Paulino. Veio a pé do Mercado até aqui.
_. Og politicos n&éo iam prever que a populagao A Dona Olga chegou dizendo que pediu carona
de Sio Paulo duplicasse assim. na Radio Patrulha.
O sirio silenciou. Dei gracas a Deus quando o
carro zarpou-se. 21 de fevereiro Levantei as 6 horas. Preparei
Desci na Rua Voluntarios da Patria. Comprei em- os filhos para ir a escola. Fui comprar pao. Quando:
padas e pasteis. Desci a rua procurando condugao. cheguei vi a Dona Cilu, uma senhora que faz limpeza
Passou um taxi, fiz sinal. Ele parou. Pedi para le- para mim. Cumprimentei-a e mandei ela entrar. Ela
var-me em casa. subiu e foi trocar-se. Sai e fui comprar as indumen—
—- Ah, é no Imirim? Nao vou. tarias da escola. Cadernos para os filhos. Comprei
_— Leva-me, eu te pago o dobro. uniforme para a Vera. Quando passava nas ruas era.
Entrei no carro. O motorista ia queixando-se que indicada:
estava com fome. — Olha a Carolina!
_—— Come qualquer coisa. Conversava com alguns.
— Nao gosto. ... Fui trocar-me para ir visitar o Secretario da
_— Vocés motoristas tem que comer em qualquer Educacio. A Dona Olga preparou o alméco e saiu.
o
local. Sem comer é que ndo pode ficar. A pressa (...} Os filhos voltaram da aula.
baixa e fica com falta de ar. ... Tomei o onibus. Quando cheguei na cidade
_.. Parece que a senhora ji passou fome, porque era treis e meia. Tomei um taxi e dirigi a Academia
eonhece todos esses detalhes. Paulista de Letras @? relembrando o dia em que eu e
_—. Bu era da favela. E os favelados Iutam para. o reporter fomos tirar fotografia e o porteiro nos
comer. ; expulsou. Galguei o oitavo andar. O poeta Eduardo:
__ Ah! A senhor a é a Caroli na? de Oliveira estava aguardando-me em companhia de
_—— Sou. uns pretinhos. Conduziram-me para uma sala. Fiquei
— Prazer em conhecer-te. aguardando o momento de falar com o Secretario da
_— Obrigada. Quando precisar de mim, estou as Edueacio: Fle recebeu-nos amavelmente. E o Dr. Ta
ordens. Quantos filhos o senhor tem?
__ Treis. Para sustentar treis filhos atualmente, 27 A Academia Paulista de Letras estA instalada no mesmo edi-
ficio da Secretaria da Fducagciio. (A. D.} . :
luta-se.
145.
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|
|
DE JESUS
CAROLINA Maria
|| CasSA DE ALVENARIA

ciano Vasconcelos de Carvalho. Disse-nos que quer | —— Carolina, vocé pode pagar empregada. Ar-
eriar um outro tipo de ginasio. E um homem mara- ranja uma empregada branea, faz ela andar de tou-
vilhoso. Nao tem orgulho. Ble nos deu café. quinha, avental e esfregar o chao. Obriga ela a passar
palha de ago com as miéos, levar o café na cama e te
29 de fevereiro Levantei as 6 horas da manha. chamar de Dona Carolina. Faz com ela o que elas
ndo. Hla
Quando abri a porta vi a Dona Olga dormi fazem conosco. ‘
tarde da noite.
esté trabalhando para mim. Chegou e ela
ficar com ela, porqu
fiu disse-Ihe que néo posso olhe
27 de fevereirc As 4 horas comecei a ler e depois
Fu precis o de uma pesso a que fui escrever.
sai todos os dias.
os meus filhos quando eu viajar. ... Quando vou tomar café penso quando eu era
Os fithos foram a escola. Eu fui circular pela da favela. De manha eu ia pedir acucar as visinhas
os precos astronomicos. Comprei umas
feira, olhando e elas dizia: “Nao tem”. Os meus filhos ia na escola
Hserevi um
fronhas, fléres, peixes e legumes. (...) sem tomar café. Quando chove eu recordo a cena da
Dei-lhe di-
bilhete para o Joao levar ao reporter. des-
favela: as eriancas descaleas transitando nas pocas
. A chuva
nheiro para mandar fazer duas chaves dagua.
na cidade .
prendeu-se quando o Joao estava Quando o dia surgiu despertei os filhos para ir a
. ;
O Joao retornou-se. escola. Comprei pio e queijo. Os filhos ficaram con-
em Campi nas. Foi entre vista r
—. O reporter esté tentes, dizendo:
Henri que Galva o. ;
o Capitaéo — ¥F bom ter o que comer.
-
O Capitéo Henrique Galvao é o portugués super . Recebi a visita de um jornalista acompanha-
enfrenta e divulga as arbitrariedades de
homem que do pelo senhor Waldemar Rocha, do Canal 9: O jor-
Oliveira Salazar —— o Nero de Portugal. nalista que veio entrevistar-me é do Parand. E o se-
-me
Veio uma senhora pedir-me um auxilio. Disse nhor Jorge Barbosa Elias. Fez-me perguntas para o
Estav a chora ndo. Perce bi
que foi no Servico Social. So- jornal “O Dia” do Parana.
a, porqu e eu conhe go o Servi co
aue ela n&o menti Fui preparar-me para sair. (...) Tomei o
engordar,
cial. O medico deu-lhe uma receita para onibus, fui na Televisio Record. Cheguei as 21 horas.
a comer carne, arroz € feijao.
aconselhando-a Quando entrei na radio vi o ilustre senhor Durval de
Sousa na portaria. Encontrei o senhor Souza Fran-
96 de fevereirc ... Passei o dia limpando a casa. cisco. Elle disse-me que eu fui a mais votada no pro-
A Maria do Carmo veio convidar a Vera para ir no grama “Telefone para o melhor”. Eu ia receber o
cinema. A tarde recebi visitas. Uma jovem por .nome trofeu. O primeiro entrevistado foi o pai do Eder
Aracy pediu-me para autografar um livro. Queria ver Jofre. Disse que o seu filho nao péde comparecer
achando bonito ela nao gostar de andar des-
a Vera, porque foi receber um trofeu na Academia de box.
livro. (...) Che-
setosteeseeseeeses galca. Citou varios trechos do meu Quando fui entrevistada citei ao locutor Jota Silves-
gou uns pretos para convi dar-m e para tomar parte na tre que pretendo estudar. Hle entregou-me uma esta-
festa dos negros , em maio e setemb ro. tueta com a inscricao honra ao merito.
... O que eu achei interessante foi ouvir uma pre- ... Findo 0 programa, sai e fui procurar condu-
tinha. Fila dizia: cio. Desci até o ponto. Entrei num bar a convite de

146 147
Casa DE ALVYENARIA
‘CAROLINA Maraa DE JESUS

Creio que devo ficar contente em nascer no Brasil,


um pretinho que trabalha na Record. (...) Vio pai onde nao existe odios raciais. Sao os braneos que pre-
do Eder Jofre entrar num carro. Entrei atras, pedindo dominam. Mas sio humanos e a lei é igual para todos.
‘que conduzisse-me até o Imirim. Ele permitiu. Vol- Se analisarmos os brancos mundiais, os brancos do
tamos conversando do Eder, que é bom elemento. O Brasil s&o0 superiores.
pai do Eder disse-me: ser argentino casado no Brasil
de box. Foi lutador Hoje eu estou alegre. O sol vai recluindo-se, a
sua profisséo é ensinar luta
noite vem surgindo. Nao esta chovendo.
quando era jovem.
sua mae recebeu-me alegre. Ja ... As 9 e meia éles chegaram: Dona Edy Li-
Na casa do Eder
Conhecemos no aviaio, quando eu ma @®) e os componentes artisticos que vao representar
somos conhecidas.
Assim que a peca “Quarto de Despejo”. Recebi-os amavelmente.
yetornava do Rio. A casa 6 um primor. (...) Mostrei a casa aos ilustres visitantes. Cantei
eu desei do carro as criangas reconheceu-me e espa- as composigoes que fiz. Eles apreciaram. Comeram
Tbaram-se. Foram avisar os pais que eu estava na
salgadinhos que a Hilda preparou com todo carinho.
residencia do Eder Jofre. Fui ver as fléres que ador- O reporter disse-me que eu estava convidada para ir
nam o quintal. A dama da notte estava desabrochada. ao lancamento do jornal “O Ebano” — jornal dos pre-
BH pena que uma flor tao bonita fenece logo. Cireculei
tos. Que. en devia ir ao Centro do Professorado Pau-
pela casa toda, olhando tudo e elogiando tudo. lista felicitar os pretos. Concordei.
A Dona Angelina Jofre deu-me doce. Que doce
nao estava em casa. Fui visitar a Saimos de automovel. (...) Quando chega-
gostoso. O Hder
residencia da cunhada do senhor Aristides Jofre. His- mos no Centro do Professorado Paulista o povo ja
tava superlotada. (...) O Hder chegou exibindo o havia se retirado. O poeta negro Eduardo de Oliveira
medalha de ouro. A casa do Eder é recebeu-nos amavelmente.
seu trofeu, uma
adornad a com quadros de lutas e os trofeus represen- Quando cheguei em casa encontrei o Joao toman-
tam lutas de box. DA impress4o que aqueles trofeus do banho. Disse-me que ficou duas horas recebendo
expostos pela casa é para estimular o Eder a lutar box. a agua tepida na pele. Queimou o chuveiro.
Despedi do Eder, abragando-o. O motorista con-
duziu-me até a minha casa. Os filhos ficaram conten- 3demarco ... Tem hora que aborreco, tem hora
tes quando ouviram a minha voz. que agradeco esta transformacéo da minha vida. Ha
muitas maneiras de transformacdes na vida. Ha os
1 de marco Levantei as 4 horas para escrever. que eram ricos e ficam pobres e ha os pobres que fi-
‘Que silencio. Oucgo apenas o cantar des galos saudan- cam ricos. Para mim, que fazia as refeicdes nas latas
do o novo dia. de lixo, devo agradecer a Deus esta transformagao.
‘ _.. © céu esta belissimo. As nuvens estao vague- ... O reporter disse-me que devo comparecer se-
ando-se. Umas negras, outras cér de cinza e outras gunda-feira para passar a escritura da casa. (...)
claras. Em todos os recantos existe a fusfo das cores. Fui ao Banco ver se o saldo dé para pagar a escritura
Seré que as nuvens brancas pensam que gio superior da casa. No Banco éles perguntaram como é que vai
as huvens negras? Se as nuvens chegassem até a terra
o livro.
jam ficar horrorizadas com as divergencias de classe.
Aqui na terra é assim: o preto quando quer predomi-
nar 6 morto. Podemos citar Patrice Lumumba.
(A BY Autora da adaptagio teatral do Livro “Quarto de Despejo”.

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CAsA DE ALVENARIA

CaROLINA MARIA DE JESUS


Joio estudar a tarde. Deu-me o endereco da profes-
— Vai indo bem. sora de matematica. :
Citei-Ihes que dei o enderego do Banco para os IE se uma mae nfo pode pagar aulas extras para
editores estrangeiros enviar o dinheiro dos direitos o filho?
autorais. Ficaram contentes. A funcionaria deu-me Dei 1.000 cruzeiros para pagar a professora
a quantia por escrito. Levei para o reporter, que re- particular para o Jofo. Voltei para casa xingando.
comendou-me para nao tirar dinheiro do Banco sem Bu estava furiosa. (...) Queixei para o reporter.
consulté-lo. Levantei e sai sem despedir-me. Disse que ia levar o Jofo na minha terra para éle
estudar. O reporter ouvia-me em silencio. Quando
4de marco Levantei as 6 horas, com o Joao ba- éle me vé, pergunta:
tendo na porta do meu quarto. Fui trocé-los para ir — Quais séo as novidades?
dias tenho algo a queixar-me. O que
a aula. Bles dormem de pijama. Todos os
_.. Tomei banho, aguardando a chegada da Ivete admira no reporter é a paciencia que éle tem com os
meus nervos excitados. Mas éle compreende. En sou
para irmos ao Teatro Bela Vista ver como vai indo
sosinha para trabalhar, cuidar da casa, dos filhos, es-
0 ensaio da peca “Quarto de Despejo”. Deixei os fi- Agora que estou mesclada com 0 povo
tudar, escrever.
thos. A Vera foi a aula. ‘Tomamos um taxi. Convidei fico observando os tipos de pessoas, classificando os
uma senhora para ir conosco. Ela desceu na Avenida seus carateres. HA os tipos trapaceiros fantasiados
Tiradentes. de honestos. S40 os cinicos. Tem duas faces. Tipos
Quando chegamos ao Teatro perguntei ao porteiro que querem ser granfinos sem ter condigdes de vida
se a Dona Edy Lima estava. definida. Sonham com o impossivel, alndindo a cada
__ N&o. Mas a senhora pode entrar. Os artistas instante: — “Se en tivesse dinheiro...” Penso que
estao ensaiando. éles devem dizer assim: —- “Se eu tivesse coragem
A Dona Edy Lima chegou. Nés fomos ver 0 palco para trabalhar...”
e a plateia. Fomos ver o local dos ensaios.
O jovem Estou ficando nervosa com os aborrecimentos dia-
que vai ser o gala da pega é bonito, alto e eulto. Che- rios. Tem dia que nao escrevo por falta de tempo.
gou uns jovens que vao tomar parte na peca. Tem (...) O que sei dizer é que a minha vida esta muito
uma mulata que vai ser a Fernanda. © diretor é um desorganizada.
jovem. Nos levou ao bar para tomar café. Fui ver as Estou lutando para ageitar-me dentro da casa de
fotografias da peca que estao expostas anunciando a _alvenaria. E nao consigo. Minhas impressdes na casa
estreia. de alvenaria variam. Tem dia que estou no céu, tem
dia que estou no inferno, tem dia que penso ser a
6 de margo ... Preparei o Joao e fui leva-lo ao Gata Borralheira.
Grupo Escolar para falar com a professora. Ela disse
que éle nao acompanha a classe na matemitica. Ela 9 de marco" Lévantei as 4 horas. Li um pouqui-
fala na classe. Ele fica com complexo. Fui falar com nho. Estou lendo “Os Sertées” de Euclides da Cunha.
o diretor. Aconselhou-me a transferi-lo para o tercei- Quando o dia despontou fui preparar os filhos
ro ano. A professora disse-me que devo pagar uma para ir a aula. O Jodo esté reinando. Nao quer ir
professora sua amiga 700 cruzeiros por més, para o
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CaroOLina Maria DE JESUS CASA DE ALVENARIA

para o terceiro ano. O José Carlos nao faz confusdo. Troquei-me e fui para a cidade. O reporter
Nao quer perder a aula. Diz que quer ser medico. nao estava. Fui ao Banco retirar 20.000 cruzeiros.
Passei o dia cuidando da casa. Convidei a Hilda (...) Cansei de esperar o reporter. Quando eu ia
se quer acompanhar-me até a Televisio. Preparei as saindo éle entrou. Ele acompanhou-me até a Rua Ba-
roupas que.a artista Ruth de Souza vai usar na peca réo de Itapetininga. Emcontramos um pretinho por
“Quarto de Despejo”. Saimos de casa as 19 horas. nome Osvaldo. Disse ser o redator do jornal “O Eba-
Quando chegamos na Televisio Cultura as mulbe- no”. Pediu ao reporter se deixava eu ir até o jornal.
res que iam participar do programa ja estava senta- O reporter disse-Ihe que sou livre.
das. °*) Perguniei pelas espésas dos candidatos. Quem Acompanhei o Osvaldo até o edificio onde esta
estava presente era sé a espdsa do Dr. Farabulini localizado o jornal. O Osvaldo estava nervoso. Um
Junior. (...) A Dona Suzana Rodrigues criticou as senhor telefonou cobrando uma divida de 1.500 eru-
espésas dos candidatos que nao compareceram. zeiros. Bles n&éo tinham o dinheiro e o credor ia en-
... Findo o programa, ganhei uma corbelle de viar a letra ao protesto. Eu dei 2.000 cruzeiros.
flores. A sogra do senhor Farabulini convidou-me .. Fomos tomar café. Eu comprei sanduiches
para ir a sua casa. Convidei o reporter. Ble recusou, para nés. 6 sandniches a 50 ecruzeiros. Pensei: ja
dizendo que ia fazer uma reportagem. Eu e a Hilda gastei 2.300 eruzeiros. Em todo nucleo que mesclo
fomos. Chegamos rapidamente. Que casa! E um ver- tenho que gastar. E eu n&o tenho ninguem para au-
dadeiro palacio. A Hilda disse: Xiliar-me a ganhar. Tenho o reporter. Ble é meto-
— Carolina, quando vocé morava na favela vocé dico. Nao aceita o meu dinheiro. Eu quis dar-lhe os
nao entrava aqui. Era da porta pra fora. meus livros para éle edité-los a meia, éle nao quis.
Eu estava exausta. Ja estou saturada desses con- Agora que tenho dinheiro sou procurada igual um
vites faustosos. personagem em destaque. Transformei-me em abelha
rainha de uma colmeia que nado quer mel, quer di-
10 de margo ... Pensei nas reviravoltas da mi- nheiro.
nha vida depois do lancamento do livro. A fama es- ... Quando cheguei em casa, que confusio. Lou-
palhou-se que estou rica. E adeus, tranquilidade. €as sujas, o assoalho imundo, as camas desfeitas, os
Todos desejam ser ricos. filhos sujos. Deitei, pensando: nao foi assim que idea-
Eneontrei o Dr. Lélio e o Paulo Dantas na Livra- lizei a minha vida na casa de alvenaria.
ria e queixei-lhe que nao suporto a cidade. Que o povo
quer dinheiro e eu nao tenho. Uns quer 1 milh&o, 12 de margo ... Ergui os olhos para o céu. Se
oitocentos mil cruzeiros, quatrocentos mil ecruzeiros. eu tivesse asas eu levaria os meus filhos um de cada
Ja cansei de ouvir a palavra dinheiro. vez para l4 e nao mais voltaria a terra.
13 de margo Levantei as 5 horas, preparei o café
11 de margo Levantei triste. O Jofo esta rei-
para os filhos. Bles trocaram-se e foram a escola. Eu
nando na escola. N&o quer ir para o terceiro ano.
estou triste.
Contratei a Dona Thelma para ensind-lo matematica.
Resolvi limpar a casa. Ensaboei as roupas, lavei
o jardim. Ia preparar o alméco quando o Osvaldo do
(29)
candidatos
Programa
a Prefeito
de
de
debates
Sao
de
Paulo.
donas
(A.
de
D.)
casa cam as espésas dos jornal “O Ebano” chegou convidando-me para sair.

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CASA DE ALVENARIA
CAROLINA MarIA DE JESUS
nho uma historia interessante. O titulo 6 “Onde estas
Fiquei alucinada. Meu Deus! eu tenho filhos, preciso Felicidade?” (...) O Osvaldo disse-Ihe que vai levar-
fazer comida para éles. O meu contrato 6 com a Li- me em Santos para fotografar-me com o Pelé. Pediu
vraria Francisco Alves e o Dr. Lelio nao aborre- ao senhor Iram se podia nos conduzir no seu carro.
ce-me. le concordou. Respirei aliviada quando despedimos.
Ele dizia que a raca precisa se unir. Quem esta
bem deve auxiliar os outros. Disse-me que ia levar- 16 de marco ... O Osvaldo veio procurar-me
me na Radio Record, no Clube dos Artistas. Que ha- para eu ir assinar o contrato com o sabio A.. (...)
via prometido. Troquei-me e fui. Saf contra a von- Seguimos para a cidade. O Osvaldo ia queixando-se
tade. DA impressfio que sou uma fdlha ao sabor das das dificuldades que vem encontrando para divulgar
ondas. : o jornal, aludindo o prego do papel. O senhor Tram
... Quando chegamos na Record fomos para o prometeu auxilidé-lo. Ble estA superlotado de ilusdes.
restaurante. Senteil na mesa que estavam os artistas. Ha certos empreendimentos que sAo necessario dinhe-
Citei-lhes que estou com médo de escrever o didrio da ro, capital.
vida atual. O reporter diz que nao devo temer.
— Por que 6 que o reporter nao escreve? — su- Fomos ao escritorio do sabao A.. O dono nos
geriu um jovem que nao conheco. recebeu. Depois de uma lenga-lenga desnecessaria
entraram num acordo. Achei graca quando o purtu-
... Anunciaram o nosso programa. Eu fui para
gués que discutia o negocio com o Osvaldo, disse-lhe:
o paleo. Sentamos nas mesinhas. O Osvaldo disse que
ia lancar-me como cantora. Fez uma apresentacio do — Se estas com pressa, a porta é aquela.
jornal “O Ebano”. Cantei. Pensando na confus&io de O Osvaldo exaltou-se. Percebi que éle nao esta
minha vida. Hoje estou cantando. EH amanha? pratico nos negocios. (...) O Osvaldo alterou-se com
o purtugués e por fim chegaram a um acordo. Deixa-
15 de marco ... Todos os dias os aborrecimen- ram a assinatura para o outro dia. Saimos do escri-
tos vem visitar-me. O Osvaldo veio procurar-me, di- torio e fomos para o jornal “O Ebano”. O predio es-
zendo-me que eu devo vender 0 meu nome para o tava fechado. Fomos para a Casa da Imprensa. Tem
sabio A. para propaganda e com o lucro da venda que pagar 60 mil cruzeiros para o jornal rodar.
éle manda imprimir o jornal. Disse-me que o Pelé
vai ceder o seu nome para qualquer produto que 17 de marco ... O Osvaldo chegou de carro. Dis-
queira usd-lo comd propaganda. Que a raca precisa se-me que veio buscar-me para ir a Santos, que vai
unir-se. fotografar-me com o Pelé. Eu estava com sono. (...)
Ele convenceu-me a colaborar no jornal. Fo- Passamos na cidade, no escritorio do jornal “O Eba-
mos procurar o dono do sabaéo A.. Nao encontramos. no”. O Osvaldo disse-me que nés tinhamos que estar-
le havia saido. O escritorio é na cidade, a fabrica mos em Sfo Paulo as 5 horas da tarde para assinar
é em Guarulhos...Combinamos voltar amanha. Fomos o contrato com o sabao A.. (...) Seguimos até a Ave-
na agencia do senhor Iram. Conversamos sobre o nida Brigadeiro Luiz Antonio, ver se o senhor Iram
jornal “O Ebano”. Ele pretende divulgar historias ia a Santos. Nao estava. Seguimos. O tempo estava
em quadrinbos. O Osvaldo disse-lhe que eu posso es- ameacando chuva.
crever-lhe historias pata o jornal. Disse-Ihe que te-
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CaRoLina Maria DE JESUS CASA DE ALVENARIA

... Respirei aliviada quando chegamos em San- que (...) O reporter sorriu e aproximou-se. Baixer
tos. Dirilgimos a casa do Pelé. Ble nao estava. (..-) o olhar. Hoje eu estou de mal com éle. Sem motivo.
Fomos no campo de foot-bol procurar o Pelé. Encon- Ble continua auxiliando-me em tudo. Interessando-se
tramos o Coutinbo. Conduziu-nos até a residencia do pelos meus negocios. Gracas a Deus a minha vida
Pelé, para ver se éle estava dormindo. N&o estava. melhorou por intermedio deste homem notavel. Ele
Nao podiamos esperar o Pelé. O Osvaldo mandou-nos tolera os meus caprichos com paciencia de J6. Tem
fotografar entregando o “Quarto de Despejo” ao Cou- dia que sou insolente com éle. Nao é minha culpa.
tinho. Autografei outro para o Pelé. (...) Despedi- .. Mas voltemos a festa do governador. Fista-
mos dos jogadores e voltamos para Sao Paulo. Quando vam presentes varios politicos. Circulei pelo parque,.
chegamos fomos para a redacéo do jornal “O Ebano”. olhando as pessoas com trages tipicos que foram ho-
Dei dinheiro ao Osvaldo para comprar gasolina. menagear o governador. Os decendentes de russos
Esperamos o dono da agencia para fazer 0 con- estavam com trages tipicos. E os purtugueses e japo-
trato com o sabao A.. Ficamos esperando. O Osvaldo neses. Estava uma festa semi-carnavalesca. O povo
estava nervoso. Eu disse-lhe para acalmar-se. (...) acompanhava-me pedindo autografos.
Fomos até a Avenida SAo Joao proeurar um taxi. Nao Achei interessante um grupo fantasiado de indios.
encontramos. Resolvemos irmos a pé até a Rua Fre- Tinha purtugués, pretos e mulatos. Sorri achando gra-
derico Abranches. Eu assinei o contrato em treis vias. ca nas fusdes das racas com trages de indios.
Uma para a firma, outra para a agencia e outra para Saimos do Horto Florestal.
mim. O contrato diz que eu devo ceder o meu nome 18 de marco Domingo. Passei o dia limpando a
para o sabao A. por um ano, para propaganda nos easa. Nao recebi visitas. Estou reanimando-me. Os
jornais e televisdo. O preco de 94.000 ecruzeiros. 60.000 filhos foram ao cinema.
cruzeiros para o Osvaldo, para o jornal “O Ebano” e
34.000 cruzeiros para o dono da agencia. 21 de marco Recebi a visita do Osvaldo do jor-
O Osvaldo disse-me que vai vender-me para ou- nal “OQ Ebano”. Disse-me que o dono do sabao A.
tros produtos. anulou o contrato. Ble vai processaé-lo. Quer que eu
Com aquela confusio de vender a Carolina, eu fi- assine procuragao para o processo. Eu disse-lhe que
quei pensando: quando eu estava na favela nao valia o reporter niio permite que eu faca propaganda de
zero. Agora tenho valor... produtos.
Ele insiste que eu devo auxiliar a raca.
Estou confusa. Nao tenho ideias para escrever.
18 de margo ... O Osvaldo disse-me que o jor-
nal vai circular segunda-feira e convidou-me para ir © 24 de marco A Dona Didi esta trabalhando para.
ao Horto Florestal comprimentar o senhor Carvalho mim. Quer ganhar 7.000 cruzeiros por més.
Pinto, o atual governador de Sao Paulo. (...) Tro- Mandei confecionar um vestido para eu ir a
quei-me e dirigimos para o Horto Florestal. Na festa Curitiba.
do senhor Carvalho Pinto havia fartura. Sanduiches
e refrigerantes para o povo. (...) Pedi permissao 25 de marco Levantei as 6 horas. Hoje nao tem
para subir no palanque. O Osvaldo n&o quis subir por aulas. Hstéo preparando os grupos escolares para as
estar sem palité. Vio reporter e o Torok no palan- eleigdes amanha. Fui conversar com a Dona Elza

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CAROLINA MARIA DE JESUS CasA DE ALVENARIA

Reis. Ela disse-me que a Vera disse-lhe que o José Os favelados iam saindo dos barracos, descalgos
Carlos esta tirando brinquedos na feira. Fiquei ner- e sujos. A Ruth foi fotografada perto da torneira com -
vosa. Caleei os sapatos e fui a cidade falar com o uma lata dagua na cabeca. Ela nao sentiu emogao. Eu
reporter, para arranjar um colegio para o José Car- senti. Olhando aquele fio dagua e a quantidade de
los. O reporter disse que vai interndé-lo em junho. habitantes. Que luta para encher uma lata!
Disse-me que havia depositado o dinheiro que veio da Fui rever o meu barracdo. Encontrei a Dona Alice
Holanda @®. Entregou-me o recibo do Banco. triste. Ela é costureira. Nao costura por nao ter ma-
.. Hoje ninguem aborreceu-me pedindo-me di- quina. O Seu Chico estava deitado. A cama estava
nheiro emprestado. Vou dormir. Preciso dormir suja. Ndo por desleixo, mas por falta de sabao.
muito. Seguimos contemplando a favela. A chaga de Sao
Paulo.
26 de marco Levanteime de manha. A Dona
Didi nio vem trabalhar. Vai votar. Lavei as roupas, 39 de marco ... No meu jardim tem uma rosei-
limpei a casa e preparei a refeigéo para os filhos. ra. As crianeas colhem as rosas para brincar. Nao
EBles foram ao cinema. Estou cansada, mas vou votar.
revolto porque nascem outras fléres.
Saf com a Vera. Comecou a chover. As ruas estavam
alagadas. Andavamos na agua. Encontrei pessoas da Hoje é sexta-feira Sania. Nao com-
favela, criangas maltrapilhas. O Clovis e o Onofre, 81 de marco
prei peixe. Esti carissimo.
olhando-me com curiosidade perguntava-me:
-— Dona Carolina, cadé o Joao? E o José Carlos? Os filhos estao pereorrendo as ruas
1 de abril
com os moleques que vio queimar o Judas. Eles di-
27 de marco [ui a cidade. Vou sair com o re-
porter e a Ruth de Souza. Vamos na favela. A Ruth zem que o Judas é o Janio Quadros. Estou horrori-
quer identificar os tipos para representar no palco. zada ouvindo as criancas gritando pelas ruas:
Fomos na residencia da Ruth. Ela foi preparar-se —— Vamos queimar o Janio!
para sairmos. Achei interessante quando a Ruth pe- —— O pao j4 subiu. Vamos queimar o Janio!
gou o saco de catar papel e entrou no automovel. Eu Fico pensando: faz treis méses que elegeram 0
disse-lhe: senhor Quadros.
— Se catar papel fosse assim, dentro do auto-
movel ouvindo radio, a vida seria um paraiso. 5 de abril ... A Dona A. pediu-me 20.000 eru-
Eu ia revendo os recantos que percorria. Quando yeiros emprestado. -Ku- disse-lhe para ir falar com o
chegamos na favela fiquei com dé dos infaustos que reporter. (...) Fui ua cidade. Encontrei uma senho-
habitam aquele antro degradante. Descemos do auto- ra que reconheceu-me. Disse-me que me viu na tele-
movel e percorremos a favela. As criangas reconhe- visio do Rio e queria um livro autografado. Convi-
ceu-me de longe: dei-a para irmos até a redagéio. O reporter estava na
— Olha a Carolina! redagio. Apresentei-lhe a senhora’é disse-Ihe que de-
via dar-lhe um livro. O reporter reclamou, dizendo
que gasto muito dinheiro. Comecei a xinga-lo mental-
de
“Quarto
(30)
de
Pagamento
Despejo”,
dos _
langada
direitos
pela
autorais
Editéra Van
da
Loghum
edigio holandesa
Slaterus. (A. D.) mente — cachorro! pao-duro!

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‘CAROLINA MARIA DE JESUS Casa DE ALVENARIA

... Sai com a senhora. Fui levé-la na Rua Bardo os pinheirais. Estava nos aguardando o reporter Jor-
de Itapetininga. Ela ia encontrar-se com o seu es- ge Barbosa Elias. Ei decendente de sirios, mas o. seu
poso. Eu ia reclamando, porque jé estou cansada das afeto 6 para os problemas do Brasil. Fizemos uma
observagées do reporter. A mulher dizia: saudacgdo pela Radio Guayracdé. (...) Dirigimos para
—- Vocé esta ganhando rios de dinheiro, tem que
o Lord Hotel. Troquei-me e fui percorrer as estacdes
gastar porque a vida esti cara. de radio. O povo olhava o reporter com admiracio,
OQ seu espéso chegou. Ela mostrou-lhe o livro com achando que éle é muito jovem. ©
a dedicatoria. Contou as repreensées do reporter: Almogamos no Restaurante do Galeto. Eu, 0
reporter, o Jorge e-seu pai, senhor Chafic Elias. Que
— Deus me livre de ser espésa de um homem
igual a éle. homem agradavel. O radio estava anunciando a nossa
visita:
O seu espdso comentou:
—— Coitada. 1 uma favelada inciente, sem pra- — Acaba de chegar a Curitiba Carolina Maria-de
tica. Nao tem quem a oriente.. Jesus e o seu descobridor.
Fiquei ouvindo sem comentar, porque ela nio co- As 5 da tarde fui autografar na Livraria do Povo.
nhece a atuacgéo do reporter na minha vida. Ele é um (...) Na livraria estava presente o reporter da re-
para-choque contra os espertalhées. Despedi do casal vista “O Cruzeiro” Ivar Feij6. (...) Na Radio Cul-
e fut ao Banco retirar dinheiro. tura formamos uma mésa redonda. As perguntas. va-
riavam de favelados a politicos. QO senhor Vitor de
6 de abril Levantei as 5 horas. Preparei as rou- Lara perguntou:
pas dos filhos, porque eu vou viajar para Curitiba. ~— Por que a senhora n&o casou-se? |
Deixei as eamisas passadas para éles nfo perder au- Prometi responder-lhe no meu proximo livro, que
Quando a Dona Didi chegou eu havia lavado as é “Casa de Alvenaria”. Senhor Vitor de Lara, de
roupas e o jardim. Fui na redac&o ver que horas va- Curitiba, Estado do Parana, ai vai a minha resposta :
‘mos sair de S40 Paulo. Quando fui jovem tive os sonhos dos jovens. Mas
os homens que pediram-me em casamento deixaram-
7 de abril Levantei as 6 horas. Preparei os fi- me decepcionada. Uns queriam que eu ‘roubasse, ou-
lhos para ir a aula. Troquei-me e fui ao visinho que tros queria que eu comercializasse o meu corpo. Os
é motorista para levar-me..(...) Quando chegamos que pediu-me em casamento nfo serviam. (...} Eu
no aeroporto os carregadores abracaram-me, dizendo: ficava horrorizada com as propostas e fui ficando ‘so-
— Chegou a nossa namorada. sinha. Mas a mulher, com o decorrer do tempo acaba
Carregaram a minha mala. Eu e o reporter en- Hudindo-se com os.homens.
tramos no saguaéo do aeroporto.. Encontramos o se- O senhor Vitor de Lara referiu-se acs meus ‘fi.
nhor Murilo Antunes Alves e sua espésa. Jam para Thos dizendo que éles. sio:bastardos. £
Brasilia. Ble vai ser o chefe do cerimonial do. senhor Mas sao felizés. Luto-por éles, nao déixando: os
Janio Quadros. - abandonados. -Tem crianeas legalizadas que invejam
.- Quando entramos no aviao pensei nos meus os meus filhos, porque tem pais: ebrios que transfor-
filhos: Sera que a Dona Didi vai olh4-los como se mam a casa nim inferno. Tém-mulher -que intérnam
deve? Chegamos em Curitiba as 11 horas. Que béleza os filhos nas instituigdes filatitropieas “porque - nao

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Casa de Alvenaria 6
CaROLINA Mania DE JESUS CASA DE ALVENARIA

quer lutar por éles. Os meus filhos nao sentem a_ Os passageiros estavam inquietos, reclamando:
falta de um pai. Eu luto por éles. , —~ Se eu soubesse viajava de onibus.
oO reporter percorria o aeroporto,
_.. Jantamos na residencia do jornalista Ivar conversando
com oO Helio José. Sentei, pensando nos filhos e nas
Feijé. A espdsa do senhor Ivar Feijé é caprichosa.
Fomos na Televisaéo horas que iam passando. Mas agradecia a interferen-
Ela deu-me mudas de fléres.
telespecta dores faziam perguntas pelo cia de Dens impedindo a ascensfio do avido, ja que
Canal 12. Os
telefone. estava defeituoso. Deus devia estar protegendo o re-
porter, porque éle é o melhor de todos que iam em-
Despertei as 5 horas. Levantei, abri barcar.
8 de abril
Achei graca quando um casal em Iua de mel re-
a janela. Fitei o céu do Parandé e o meu olhar girou
nunciou a viagem. Pensei: éles estaéo progetando tan-
pela cidade cér de cinza. Tomei banho. Troquei rou- tas coisas. Sao jovens.
pas e desci para tomar café. (. ..) Pedi ao gerente Respirei alegre quando ouvi a ordem de embar-
para retirar a minha mala do quarto. Eu estava dis- que. _Varios passageiros transferiram a viagem para
posta. Fomos na Televisio Paranaense. Fiquel co- o ultimo voo da tarde. Estava presente um radialista
nhecendo o diretor, senhor Nagib Chedi. Estava pre- quarentao, agradavel. Quando dirigimos para o aviéo
sente o radialista Helcio José. (...) Despedimos dos
convidei-o: ,
funcionarios e dirigimos para o aeroporto. Eu e o
— Vamos...
Jorge iamos sentados atras. O Helcio José ia guiando
— En vou a tarde.
o carro. E um reporter poliglota. Conhece os conti- — Medroso!
nentes. Ele sorriu. Seguimos. A metade dos passageiros.
Quando chegamos no aeroporto fiquei preocupada oO meu coragao parecia o sol quando esta no eclipse.
quando vi o avido com seu bojo tipo pato. Pensei nos Oscilava dentro do peito. Circulei o olhar enviando
filhos e pedi a Deus para auxiliar-me na viagem. o meu adeus aos pinheiros do Parana. O céu estava
Despedimos do Jorge e do Helcio José e dirigimos nublado. Deve ser belo o Parand quando o sol esta
para o avido. Antes de penetrar cireulei o olhar ao descoberto.
redor contemplando as paisagens magestosas do Pa- . Entramos no aviéo. Fiquei gelada, olhando o re-
rand. & lindo o verde do Parana. O pinheiro sobres- logio do reporter. Pensava: meus Deus do cén. Antes
saindo entre as outras arvores, garboso igual um ator eu estivesse na favela.
principal. Vinte minutos dentro de um aviio, para mim, pa-
Sentamos e apertamos o cinto. A aero-méca nos rece vinte seculos (...) Pousava o olhar no relogio
saudou desejando boa viagem. Eu estava sentada ao do reporter. Comecei a pensar: meu Deus, se 0 avido
cair o reporter morre. Depois pensei: meu Deus, se
lado do reporter. O avido partiu na pista, mas o mo-
o reporter morrer, hei de morrer tambem, porque estou
tor falhava. Fiqueiassustada quando o comandante
pediu-nos que desembarcasse e aguardasse nova cha- ao seu lado. ,
mada. Vi passageiros saindo as pressas do avido. Estava apavorada e dizia ao reporter:
Quando sai contemplei o espago e respirei aliviada. — Eu vim neste avido para provar aos outros
Fomos para o hangar. passageiros que sou corajosa.

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eae?
CASA DE ALVENARIA
CaroLtina Maria DE Jesus

visinha que vem nos contar tudo que se passa com a


Ble sorriu, dizendo:
te custando caro. Se eu senhora.
_. iste capricho esta
soubesse transferia a tua vinda. Nao fiquei revoltada. Ja estou habituada com as
Acalmou-me, dizendo que o comandante nio ia confusdes. em torno da minha vida. Sai da Livraria
vai contar os meus atos na
partir num avido defeituoso. pensando: quem sera que
_.. Ble voou treis vezes testando o motor. Livraria? Ninguem tem nada com a minha vida. Bu.
Respirei aliviada. vou dar seis mil eruzeiros a Dona E., uma preta. Hla
Quando li — apertar o cinto — sorri semi-satis- é casada. Tem 8 filhos e o espdso... é daquele geito.
feita. Mas estava impaciente para pisar na terra. Foi
com prazer que fitei o céu de Sao Paulo. O céu ga- 12 de abril ... A Dona A. veio visitar-me. Pe-
roento. O céu que eu adoro, porque foi debaixo déste diu-me vinte mil eruzeiros emprestado. Que visita!
céu que sofri, lutei e venci. Disse-me que precisa pagar uma duplicata ven-
No aeroporto vi os funcionarios aereos que co- cida. Depois de ouvi-la disse-Ihe que fosse falar com
nhecem-me. Sorriam. O meu coragéo estava acalmado. o reporter. Ela prometen pagar-me trabalhando para
mim. (...) Fui na cidade. O reporter reclamou que
9 de abril Hoje é domingo. A Dona. Didi veio gasto muito dinheiro. Fiquei descontente.
trabalhar. Ela é vaidosa. Diz para eu comprar mo-
veis de luxo, geladeira. Diz: 18 de abril ... A Dona A. veio trabalhar. Fo-
— Se fosse en... : ‘mos na redacio. Eu estava alegre e disse ao reporter
Fui comprar o jornal. Li o dialogo do Hichman, que ia retirar os vinte mil cruzeiros para a Dona A.
o carrasco nazista. Penso. Os homens estéo castigan- Ble preencheu o cheque para mim. Eu disse:
do og monstros da guerra passada, mas estao prepa- — Agora eu tenho uma empregada branca.
rando outra guerra. Os que querem fazer guerra sao
Fomos retirar o dinheiro do Banco. A Dona A.
insensatos. voltou do Banco alegre (...) Seguimos para o Teatro
Bela Vista. Fomos de bonde. Descemos no Teatro.
10 de abril As criancas foram a aula. Troquei Files estavam ensaiando. Fni bem recebida pelo en-
as camas e fui lavar as roupas. A casa esta alegre. saiador Amir Hadad. Combinamos que eu devia vol-
A Dona Didi chegou. Eu disse-Ihe que ela nao tar a noite com os meus filhos para vermos o ensaio
havia feito um alméco bem feito: da peca “Quarto de Despejo”.
— A senhora nao pois sal na carne. ... Quando cheguei em casa os filhos estavam
— Ah, eu vou-me embora. Nao aguento desaforo. brincando. Disse-Thes que se trocassem para irmos ao
E foi. . oo. Teatro. (...) Quando chegamos no teatro encontra-
fui para a cidade. Fomos a Livraria (...)
... Bu mos os reporteres. No palco, os artistas circulavam.
Falei com a Dona Adelia. Ela repreendeu-me: ~Meus filhos identificavam as cenas. O Joao disse-me:
__. Nés soubemos que a senhora anda emprestan- — Tenho pavor de recordar esta quadra da nossa
do dinheiro. Nao faca isto. A senhora deu seis mil vida. . t
cruzeiros para uma senhora. Quando a senhora esta- antes dé terminar os ensaios. ©
Saimos
va na favela ninguem te dava nada.. Tem uma ‘sua
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Casa DE ALVENARIA
CAROLINA Maris DE JESUS

com 0 dinheiro e.com os amigos que apareceram de-


14 de abril ... A Dona A. veio trabalhar. Ela
pois que a minha vida transformou-se. Aconselhou-
sai as 2 horas, deixa o jantar pronto. Hila ia na cidade
pagar dividas. Dei-lhe um bilhete para levar ao re- me a nao dar presentes. Fui ao Banco, retirei o di-
porter. (...) Ble devia comparecer as 18 horas na nheiro e entreguei aos pedreiros.. Eles prometeram
iniciar os trabalhos amanha.
minha casa para acompanhar-me até o Colegio Otavio
Voltei para a redacéo. Fui com o reporter no
Mendes.
As 19 horas o pai da Norma e uma estudante Cambio, @ descontar o dinheiro que veio da Franea,
vieram me buscar para visitar o colegio. (...) Quan-
da Livraria Stoek. Os direitos autorais do meu livro.
Fiquei comovida pensando na ascensdo da minha vida.
do chegamos ao colegio os estudantes estavam cir-
cwlando pelas classes. Conduziram-me ao salao nobre.
Quando chegamos no Cambio, fomos recebidos
Subimos ao palco. Sentei no centro, pensando na mi- com deferencia especial. Os funcionarios nos ofereceu
café. (...) Deixamos o Cambio e fomos almogar.
nha vida que transformou-se. Uma estudante belissi-
ma apresentou-me, citando que havia convidado-me Como é facil comida atualmente. Eu, que lutava tanto
para visitar o colegio. Saudou-me o estudante Edgard, para conseguir o que comer. (...) Findo o alméco
o Professor Horacio de Carvalho, Wilson Pereira Bor- fomos para o Canal 5. Encontramos os artistas que
vio tomar parte na peca “Quarto de Despejo”. Hstava
ges e Benedito Vieira da Costa.
presente a Ruth de Souza, Celia Biar e outros. No
Quando deram-me a palavra citei-lhes que gosto programa de televisiéo foi citado que a pega val es-
de livros. Tenho sé dois anos de grupo escolar. Desde trear no dia 27 de abril.
o dia que aprendi a ler leio todos os dias. Nao pres-
segui nos estudos por ser pobre. Disse-lhes que estou 18 de abril Os filhos foram a escola. Os pintores
ganhando mais de quinhentos mil cruzeiros por ano. chegaram. V4o cobrar 39 mil e duzentos cruzeiros.
Com os meus dois anos de grupo escolar estou ven-
cendo na vida. 20 de abril Passei o dia em casa. Vou desocupar
... Eu estava alegre naquele nucleo. Olhando os os armarios embutidos para reforma-los. Recebi a
jovens, pensei: se os homens que predominam organi- visita de uma jovem de Jai. Deu-me um broche para
zam outra guerra... vio destruir os sonhos déstes recordacao.
jovens. Com a divulgacio do meu livro recebo varias pes-
soas. Transformei-me em atragao turistica.
15 de abril ... A Vera foi a aula. Ela ja sabe
ler. Diz: 21 de abril Os pintores vieram trabalhar. A Dona
— Eu quero aprender bem depressa, para ler o Luiza Fiori veio visitar-me e conhecer a minha casa.
“Quarto de Despejo”. : Mostrei-lhe os meus vestidos, cantei-lhe as minhas
composigées. Ela fez café. Admirou a casa, mas disse
17 de abril ... a Dona A. veio trabalhar. Sai que est4 incompleta. Falta copa, garagem..e..quarto de
com os pedreiros, que vo trabalhar para mim. Fomos criada.
na redacéo. O reporter preencheu o cheque de 25.000
cruzeiros. Dei vinte aos pedreiros, fiquei com cinco (31) A autora refere-se a Carteira de Cambio de um estabeleci-

mil cruzeiros. O reporter disse-me para ter cuidado mento bancario. (A. D.)

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CAROLINA Maria DE JESUS Casa DE ALVENARIA

23 de abril Woje é domingo. A Dona A. veio tei para casa. O reporter esté viajando para a Ar-
trabalhar. Fez o alméco e foi-se embora preparar 0 gentina.
alméco para o espéso e os filhos. Ela é triste. Tem 27 de abril ... A Dona A. chegou. Entreguei-
uma grande magoa. O seu sonho era ser rica, mas n&o lhe a direc&o da casa. Fui a redacéo pedir um cheque
enriqueceu.'’ Por isso é amargurada. de 40.000 cruzeiros para concluir o servico da casa.:
Jaro, eu nunca compreendo o ente humano. FE o Eu estava nervosa, pensando: o reporter vai dizer que
pior enigma para mim. Se uma pessoa é pobre, quer
|
eu estou imitando Maria Antonieta. Mas eu quero a
ser rico. Se esté doente quer ter saude, se é gordo casa bem bonita. Comeco a gostar da minha casa de
quer emagrecer. Se é magro quer engordar, se é sol- alvenaria. 1 a concretizacio de um longo sonho. Eo
teiro quer casar-se. Ha os que depois que casam... sonho dos favelados é uma casa de alvenaria.
arrepende-se. Os que so altos demais ou baixo de- Olhei os jornais. Jé estado anunciando a estreia
mais, tem complexos. Eu conheci uma preta. A Nair. da peca “Quarto de Despejo”. Voltei a redacio. En-
Tinha desgosto de ser preta. Nao ia aos bailes de econtrei o senhor Mario Camarinha, diretor do Bureau
pretos. do “O Cruzeiro” em SAo Paulo. Ble abracou-me sor-
Que confusao! Ah, eu estava falando da Dona A.. rindo. Pedi para levar o livro de cheques e guardar
Ela casou-se, tem quatro filhos. O espéso fala que na gaveta do reporter.
nao gosta de viver ao seu lado. Af vai a minha fra- Cheguei em casa dei 15.000 cruzeiros aos pedrei-
quissima opiniao na vida conjugal: ros para comprar o material. Fui falar com o senhor
Sou suspeita para falar. no matrimonio, porque Abel para consertar os armarios. Passei o resto do
eu néo me casei com ninguem. Tem mulher que luta dia escrevendo. Pedi a Dona A. para vir dormir com
para casar. Agrada o homem com frases aveludadas. os meus filhos.
Se o noivo n4o quer vestido curto, ela usa vestido com- Vou sair a noite. Vou ver a estreia da peca
prido. Se n&o quer pintura ela deixa de usar pintura. “Quarto de Despejo”
‘Enfim, a vontade do homem prevalece. Depois de O ‘Teatro Bela Vista estava superlotado. Pes-
easados 6 a outra face do disco. Ela passa a usar soas de destaque, porque o espetaculo é beneficente.
pintnra e encurta o vestido porque esté na moda ves- Os paulistanos bem vestidos circulavam pelo teatro.
tido curto. Sai de casa sem avisar o espéso. N&o quer (...} Quando inicion o espetacule eu subi no palco
filhos porque da trabalho. O que sei dizer é que as para. sortear uns premios. Fui aplaudida. O espeta-
confusées de um lar as vezes comeca com as mulheres. eulo agradou. A cena mais comovente foi a briga
Acho lindo um casal que festeja as bodas de prata. com o cigano e o porco que saiu do chiqueiro e ficou
circulando pelo paleo. Ouvi uma voz humoristica:
25 de abril Passei o dia em casa. Os pintores — Este porco é ator.
estAio trabalhando. Lavei roupa e passei. O dia que Findo o espetaculo fui agradecer os artistas. Para
fico em casa fico contente. mim o espétaculo: estava triste com a ausencia do
reporter.
26 de abril Fui contratar os carpinteiros para
consertar os armarios. A tarde fui a cidade para ver 28 de abril A Dona A. preparou os fithos para
se retirava dinheito do Banco. Estava fechado. Vol- ir a aula. Os pintores chegaram e foram comprar

168 169
DE JESUS Cass DE ALVENARIA
CaroLina Marta

tinta para concluir a pintura. Vou reformar o quin- . Saimos. Confabulando onde iamos jantar.
tal. Vou comprar calhas para a casa. Decidiram ir numa cantina na Rua Santo Antonio.
Quando chegarnos na cantina eu era alvo dos olhares.
929 de abril Levantei de manh&. Os pedreiros fo- Estava hem vestida e acompanhada com o senhor
Jorge Amado. Pedimos lazanha ao forno. O senhor
ram chegando, um a um. Fui a feira, comprei frutas Lebret > u senhor Jorge Amado pediram frango gre-
para os filhos e verduras. (...) Chegou visitas. Desei lhado. Dividiram o frango comigo. Pensei: se todos
para ver quem havia chegado. Era a Dona Jurema pudessem comer assim? Hstamos na época que alguns
Finamour e a espdsa do escritor Jorge Amado. Fie comem e outros nfio. (...) A epoca do sofrimento
quei alegre quando vi a Dona Jurema Finamour. deixa cicatriz na mente. Tem hora que relembro a voz
Recordei os bons dias que passei ao seu lado 14 no angustiosa da Dona Maria Preta, 14 da favela:
Rio, no Festival do Livro. Mostrei-lhe a casa. Apre- — Estou com vontade de comer um pedacinho
sentei a Dona A.: de carne.
_— Esta senhora trabalha para mim. Jamais hei de olvidar que existe fome.
Mostrei os meus vestidos. A esposa do senhor
fotografou-me. (...) Cantei minhas .-. Quando saimos da cantina tomamos dois ta-
Jorge Amado
gostaram . Combina mos um encon- xis: Fomos ao Teatro Bela Vista. Fui sentar ao lado
composicées. Elas
tro no Claridge Hotel, na Avenida 9 de Julho. do Jorge Amado. Pensei: meus Deus, parece um so-
chegamos no Claridge Hotel telefonei nho. Outro dia eu era uma favelada. Atualmente sou
... Quando
ex-favelada. A minha historia pode ser resumida
para o apartamento 47. Atendeu-me o espéso de Dona
assim:
Jurema Finamour. Pediu-me para espera-lo. Fiquei
girando pela sala. J& estou aprendendo a andar de — Era uma vez uma preta que morava no in-
sapatos de salto. O senhor Lebret surgiu. Sentamos. ferno. Sain do inferno e foi para o céu.
Disse-me que a Dona Jurema estava ausente e 0 Jorge . No intervalo o povo pedia autografos. O Jorge
Amado estava preparando-se para vir ver-me. Fiquei ea Dona Jurema Finamour foram ao paleo cumpri-
nervosa. Ia falar com Jorge Amado! Pensei: seja 0 mentar a Ruth de Souza. O senhor Jorge Amado pro-
que Deus quiser. meteu visitar-me. A minha casa esté as ordens.
O Jorge Amado surgiu. Levantei-me e fui cum- ... Um jornalista felicitou-me pelo exito da pega.
primenté-lo. Abracei-lhe. (...) Ble é agradavel no (...) Eu voltei para casa pensando no Jorge Amado.
falar. Deu-me um livro de sua autoria — “Os Velbos Que homem maravilhoso! Em vez de chamar Jorge
Marinheiros”. Amado devia chamar Jorge Amor. (...) Ele deixou
—— Que bom! — exclamei alegre. de ser Doutor Jorge Amado. E simplesmente Jorge
Amado. O que pertence ao Universo nao tem protoco- -
Acariciel o livro com earinho. Eirgui o olhar e vi
lo. N&o podemos dizer Senhor Sol, Dona Lua, Senhor
os olhos do Jorge Amado observando minhas expres-
Vento. .
sdes. (...) A espdsa do senhor Jorge Amado chegou.
Cumprimentei-a. Ficou olhando o meu vestido. A
1demaio Que primeiro de maio sem graca. Nao
Dona Jurema Finamour entrou. Olhou-me e serriu.
houve festejos comemorativos, os desfiles dos traba-
Olhando o meu vestido, disse:
lhadores. Quem gostava do primeiro de maio era o
— Que chique!
171
170
CASA DE ALVENARIA
CAROLINA MARIA DE JESUS

sitor. Eo cantor Fernando Reis que vai gravar o


saudoso Getulio Vargas. A sua voz através do radio
samba “Quarto de Despejo”. Achei graca quando ouvi
cortava o Brasil de Norte a Sul — TFrabalhadores do
o B. Lébo dizer:
Brasil!
— Audalio, voecé que protege os descendentes do
9demaic Os filhos foram a aula. Os pedreiros José do Patrocinio, patrocina esta gravagao para mim.
chegaram, pediram dinheiro para comprar material O reporter prometeu. E as promessas do reporter
para construir uma cobertura em cima do tangue. Fui nio falham. Combinei com o reporter um programa
na redacio. Encontrei o reporter. O fotografo Torok de televisio amanh& com Silveira Sampaio. Voltei
ficou na Argentina. para casa.
... Embarquei para Santos as 14 horas. Estava
chovendo. Eu ia conversando com uma senhora que 6 de maio Passei o dia em casa cuidando das
dizia-me: roupas dos filhos. Que confusio. A casa esta suja,
—— A senhora deve estar ganhando muito dinheiro! porque os pedreiros estéo trabalhando.
J& enjoei de ouvir a palavra dinhetro. A. tarde preparei-me e fui encontrar com 0 repor-
,3demaio A Dona A. vestiu os filhos para ir a ter. Tomamos um taxi, descemos no Hotel Lord. En-
escola. Fiquei deitada, mas nao consegui adormecer contramos o senhor Silveira Sampaio discutindo o
com o barulho das crian¢cas. Levantei e fui comprar programa. (...) Fomos ao Canal 5. Encontramos as
ser entrevistadas. Quando iniciou o
jornal. Eisté chovendo. Os pedreiros estéo construin- pessoas que iam
do uma cobertura no tanque. programa o primeiro a ser entrevistado foi o Dr. Ser-
A noite fui ao teatro. Noite dedicada a critica. gio Andrade, o Arapud da “Ultima Hora”. Citou seus
Fiquei sentada autografando e conversando com 0 estudos eo porque do seu pseudonimo. Ouviu o gor-
povo. As mulheres olhavam-me. A televisdo filmava geio de um passaro Arapué. Achou bonito e adotou
o teatro. En fui filmada. Os artistas estavam traba- o nome do passaro. A terceira entrevista coube-me:
lhando com entusiasmo. Dava a impressao de ser um — Carolina, como vocé se sente no apogeu em
dia na favela. Findo o espetaculo fui ao paleo agra~ que vive?
decer o publico. Enviava beijos em retribuicao aos
—— Sinto-me confusa.
aplausos. A televisdéo focalizou-me perto do Mauricio ... O senhor Silveira Sampaio citou as minhas
Nabuco, o gala da peca “Quarto de Despejo”. Dona (...) A entrevista decorreu num am-
composigées.
Edy Lima subiu ao palco.-E Amir Haddad, o diretor. Ao sair da televisio fomos tomar café.
-biente cordial.
O reporter nao subiu nao sei porque.
4demaic ..- Eu nunca pensei que um dia ia ter 7 de maic Fui a cidade assinar contrato com a
empregada. Eo pior de tudo isso é que a Dona A. Livraria Francisco Alves. O titulo do livro vai ser
nao quer ser mencionada no meu diario como, empre- “Casa de Alvenaria”. Li o contrato minuciosamente.
gada. Ela vive se queixando que nao tem sorte. Ha livraria que vai cuidar das’ tradugdes. O reporter
disse-me que est4é cansado. O telefone tocou. Era-a
5 de maio Passei o dia em casa escrevendo. Os D: Luiza Fiori que havia.chegado do Rio. Ustava na
pedreiros concluiram a cobertura do teto. A tarde fui minha casa. :
a redacio. (...) Estava presente o B. Lébo, compo-
“473
172
CAROLINA MARIA DE JESUS
CASA DE ALVENARIA

... Vi as reportagens da Dona Ea Vastari, na 9 de maio Passei o dia em casa. O Joao nao foi i
revista finlandeza. Despedi do reporter. Sai pensan- a escola. Foi na Livraria levar um bilhete para o :
do que devia comprar dois cobertores, porque a Dona Dr. Lelio, pedir dinheiro para comprar materiais.
Luiza Fiori vai dormir na minha casa. Passei numa Ele deu dez mil cruzeiros.
loja amiga. Comprei dois cobertores. Um palité para Dei treis mil cruzeiros para os pintores, para
mim e um sapato para o José Carlos. Gastei sete mil comprar os materiais. O caminhéo veio trazer os ma-
eruzeiros. Este dinheiro era para concluir a pintura teriais. Hoje eu estou calma. Alegre.
da casa, porque eu nao gosto de falar em dinheiro
com o reporter. Ele fica azucrinando que eu gasto 10 de maio ... Os pedreiros vieram trabalhar.
muito. (...) Ja estou cansada das advertencias do Pretendo pagar-lhes bem. Devemos ser corretos nos
reporter. negocios. Ouvi um xingatorio. Fui ver. As criancas
Quando cheguei em casa encontrei a Vera bem haviam soltado um balao e o balao entrou no quarto
vestida e bem penteada. Ia ao lado de Dona Luiza a de uma senhora. Contei 11 meninos, mas ela xingava
escola. EXstava perfumosa. A Dona Luiza tem gosto s6 os meus filhos:
para adornar uma crianga. —~ Favelados desgracados, ordinarios. A tua mae
nao te da educacdo.
8 de maio Passei o dia em casa. A Dona A. veio Ela nfo compreende que a favela é obra de rico.
trabalhar. O Jo&o foi na Livraria levar um bilhete Os pobres nio podem pagar os pregos exorbitantes
para o Dr. Lelio. Eu pedia 10.000 cruzeiros para com- que os ricos exigem pelo aluguel de um quartinho. E
prar material para concluir a reforma da casa. Quei- nio podem ficar ao relento.
xei-me no bilhete que o reporter reclama que gasto ... A Dona Maria José veio avisar-me que devo
muito. E eu néo gosto de ser observada injustamente. comparecer na festa do dia 14. Deu-me um convite:
& horrivel ter sixhéd. Mas o dia 13 de maio esta che- “Nao percam dia 14 de maio proximo um grande
gando... espetaculo beneficente em prol das obras da igreja
O Joao voltou dizendo que o Dr. Lelio nao estava N.S. de Fatima do Imirim. Serio tevados um show
na Livraria. Fiquei nervosa. Os pedreiros foram fa- e uma pega teatral em dois atos. Contamos com a cola-
zer outro servico. A Dona A. fez o alméco e zar- boracGo de nossa escritora Carolina Maria de Jesus.
pou-se. '. Nao percam! Aguardem.
... A tarde a Dona Maria José veio buscar-me Elenco da peca teatral “Escravo Engeitado”:
para ir a igreja. FE uma missa mandada celebrar
pelos pretos do bairro. (...) Quando cheguei a igreja Sinhé Mauricio ......- Benedito - tose
fui saudada pelo Padre Constancio. Que homem cal- Sighé Jurema ...... Maria José
moe que olhar sereno. Esperaram a minha chegada Capataz ...--.--++-- Juliéo
para iniciar a missa. Eissas manifestacdes confortam- Escrava Engeitada .. Leontina
me o espirito combalido e descrente de tude. Princesa Isabel ...... Irene Batista
A igreja estava inacabada. Gostei do sermiao, Sinhazinha ..-++.++- Sumoya Fuma
agradecendo a Deus por ser brasileira. Viver néste Mucama .....---+--- Ruth Rocha
pais sem temor. Devemos amar éste pais onde nao ha — Preto Mathias ....-. Clodoaldo
Pai Inacio ......... . Evaristo Gomes
preconceito de cér.

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CaROLINA MARIA DE Jesus
Casa DE ALVENARIA
Parte cantada a cargo de Saba
ré — Animacio —
José Garcia.” . ... Ble preenchen o cheque. Assinei. Despedi e
fomos ao Banco. Voltamos de onibus. Com as repre-
Veio um pretinho pedir-me ensdes do reporter, fiquei triste. Ble prevalece por-
um auxilio. Sofreu
um acidente na mao direita e nao que foi éle quem auxiliou-me.
pode trabalhar. Cor-
tou os nervos do braco e a mao
ficou sem acéo. Eu
perg
untei-lhe: ,
— Ke ie de protegaéo ao operario , 13 de maio ... Passei o dia com os pintores e
? carpinteiros. Fui na Loja N. 8. de Fatima comprar

—. Hles fazem tanta confusdo, que a gente
desiludi a tabuas para fazer prateleiras para os armarios embu-
ndo. tidos. Um preto por nome Gazoza veio colocar a calha
4 ~ neaba
— O que-vocé sabe fazer? no telhado. O pedreiro disse que eu devia aumentar
— Eu era operario, qualquer um quarto na parte superior e um terraco. Seria um
mos € preciso ter mfos. FE eu servico que executa-
n&o tenho quarto para Vera. Quero organizar a casa.
a oT Hse vocé montasse uma A noite recebi a visita dos diretores do Orfanato
banca de jornais po-
era ganhar algo para viver. Unido Crista de Amparo a Infancia. (...) Pedi li-
Escolha um local e eu
auxilio-te a montar a banca. cenca aos diretores. Ia trocar-me para ir ao baile do
. ---: Quema pode
) normnalizar. r a situmaca Clube 220, o clube dos pretos. Bles despediram-se,
déste Jjovem € a let trabalhista. aca o crit:iti fui trocar-me. A Hilda veio auxiliar-me a vestir o
Fo patrao inconciente
que 86 da valor ao homem quan vestido que comprei da Carmem por 10.000 eruzeiros.
do o homem pode pro-
guar ql desumanidade deixar A Hilda emprestou-me as luvas e uma bolsa. (...)
oo 0 aban
um operario acidenta.
aban donado.
d. Ofereci almé
ulméeo
¢ ao Jove Fui procurar a Ivete na sua casa. Quando eu descia
} m. Dei-i lhe 90 0
a Rua Imirim com meu vestido amplo, notava os olha-
res fitando-me como se eu fosse de outro planeta. A
11 de maio Passei o dia em casa. mae da Ivete ficon alegre. As primas da Ivete esta-
reforma. (..) Lavei roupas e pass cuidando da vam presentes. Perguntaram-me:
ei. Nao tenho tempo — Porque nao alisa os cabelos?
para escrever, com os.afazeres
da casa. A Dona ‘A
tem vergonha de ser minha — Eu nao gosto de cabelos lisos. Acho belo o
empregada porque ela é
branca. Chega as 9 horas e sai que é natural. .
as 13. ° Ei a primeira vez que penetro na casa da Ivete.
12 de malo Sai com o pint E casa propria, bem mobiliada. Quando vejo uma
or, senhor Ulisses
Costa. Fomos na redag&o ped easa de pretos bem ornamentada fico contente.
ir: dinheiro ao reporter
para pagar a pintura. 34.500 ... Hoje é 13 de maio, dia consagrado aos pre-
cruzeiros. Encontrei o
Ramiro. Convidei-o para ir tos, que vivem tranquilos mesclados com os brancos.
ver o reporter, Apresen
tei o Ramiro como personage Hoje é um dia que nés os pretos do Brasil podemos
m do livro. - :
seseeeteeceseeee ed Quando ‘citei ao reporter bradar:
a quantia que devia pa-
gar aos pintores éle repreende — Viva os.brancos!
u-me que gasto muito
4 inguei, 0 reporter mentalmente:
cachorro} desgraca- Tomamos um carro e fomos até.o Teatro Bela
0+ vocé nao: manda no dinheiro que recebo.- Vista. O reporter estava na porta. Pelo olhar que
dirigiu-me percebi que éle nao ficou contente com o
176
177
Cam. de Alvenaria

CASA DE ALVENARIA
GAROLINA MARIA DE JESUS
15 demaio ... Trabalbei o dia todo. A noite fui
meu foilete. le nao sabe o que significa o 13 de maio a redacio encontrar com o reporter. Fomos ao Ca-
para o preto. Dia de gala para a raga negra. nal 9. (...) Fui entrevistada pela vereadora Dulce
Tomamos um taxi e zarpamos. (...) Quando Salles Cunha. Que mulher bonita! (...) Eu ia res-
chegamos ao saléo do Esporte Clube Pinheiros vi pondendo as perguntas com calma. Declamei a poesia
varios earros estacionados. Que clube maravilhoso! “Q Colono e o Fazendeiro”.
Entramos. O irm&o da Ivete nos acompanhava.
16 de maio ... O pretinho Luiz Carlos Rocha
O salfo estava iluminado como um palco. La no veio visitar-me. Est& sem iniciativa depois que feriu
fundo, os musicos uniformizados. Pretos e brancos

aE
a mao. Tem medo de vidro. Sofreu quatro acidentes
mesclados numa festa fraternal. com vidro. Quando olha um vidro assusta-se. Ele é
organizadorac do
: O
senhor
:
Frederico : do,
Pentea
“Ano
educado. Eu agrado-o muito para éle nao criar com-
baile, veio nos receber . Eu fui homen agead a — plexo que 6 um homem inutil. Convido-o para passear.
Carolina Maria de Jesus”.
19 de maio ... Levantei as 5 horas. Preparei os
14 demaio ... Trabalhei o dia inteiro. A Ivete filhos para ir a escola. Preparei o alméco. Quando
veio convidar-me para ir ao teatro da igreja. Prometi inicio o alméeo penso nas mulheres da favela. A hora
Fui
ir. A noite a Maria do Carmo veio busear-me. da dor. Do ranger de dentes. (...} Os pobres lutam
Encont rei uns jovens fazend o batuca -
com os filhos. com dificuldades.
da. Quando me viram gritaram: Fui na Livraria. Pedi 15.000 cruzeiros ao
—— Ojha a Carolina! Dr. Lelio. Espero que o reporter néo va repreen-
der-me.
Comecaram a cantar: Queixei-me ao irm&ao do Thomaz Parrilho que o
reporter reclama que gasto muito. Vou concluir éste
Saudosa maloca, maloca querida
didrio que sera a “Casa de Alvenaria” e depois vou
Dim Dim Donde nos passemos ingressar no radio. Quero gastar o que ganho sem
Dias feliz da nossa vida. ser observada.
Achei graca. Dei uma risada extentoria. Quando
(...) As 20 de maio Fui fazer compras. Wncontrei um
chegamos na igreja entramos pelos fundos.
na peca

circulavam, colegial mal vestido. Eu estava na padaria e pedi-lhe
personagens que iam tomar parte
pre- que me esperasse que eu ia ensinar-lhe a minha casa.
trocando os seus vestidos por trages exoticos. Os —- Quando vocé voltar da aula passe na minha
o tronco ni. Trage que simbol iza
tos usavam ecaleas e casa que eu compro um par de sapatos para vocé.
Eu iniciei o espeta culo decla mando a poe-
o passado. Quando o colegial saiu da aula veio pro-
ar-....
sia “Noivas de Maio”. Agradeci o convite para-p curar-me. Fomos comprar os sapatos. Ble olhava-me
ticipar da festa. e sorria. Paguei 530 cruzeiros. (...) Ble beijou-me,
Estavam presentes algumas pessoas de minha dizendo:
terra, que ficava olhando-me como se eu fosse o Ga- —— Obrigado.
garin sovietico.

178
CAROLINA MARIA DE JESUS CASA DE ALVENARIA

Perguntei-lhe: Se o homem de Sao Paulo levasse uma vida


—- Vocé nao esté precisando de uma mae preta? 2 nfo fazia greve salarial.
O professor Angelo Simédes Arruda continuou

gt
21 de maio Preciso ir ao Teatro (...) Saf usw.0 que as pessoas indolentes nao escolhem luga-
atrasada, tomei um carro. Quando cheguei no Teatro res para habitar. Vivem nas. cloacas.
era 6 horas da tarde. (...) Circulei o meu olhar pela — Cloaca é mitorio —— pensei.
platéia, contemplando aquela gente bem nutrida, bem Se os pobres reside nas margens dos rios é por-
vestida. Ouvindo a palavra fome, abstrata para éles.
Sentei ao lado do jovem Eduardo Suplicy Matarazzo. ‘ que nao
O professor
recebeu
Angelo
instrucéo,
Simdes
nao aprendeu
Arruda
oficio.
n4do mencionou
(...)
a
Que jovem amavel! Olhava as cenas no paleo e per- necessidade de abolir as favelas, que duplicam por &ste
guntava: Brasil afora.
— Mas... éles vivem assim nas favelas? A terceira oradora fui eu. Citei: fui residir na
favela por necessidade. Com o decorrer dos tempos
— Pior do que isto. Isto é apenas uma minia-
pereebi que podia sair daquele meio. Era horroroso
tura das cenas reais de favela.
para mim presenciar as cenas rudes que desenrola-
Um fotografo pediu-me para sentar-me ao lado va-se na favela como se fésse natural. (...) Os fave-
da Deputada Conceigéo Santamaria para nos foto- lados sAo os colonos. Por ser expoliados pelos patrées
grafar. abandonaram o campo. Encontram dificuldades na
Quando findou o espetaculo a atriz Celia Biar saiu cidade, que s6 oferece conforte e decencia aos que tem
no paleo anunciando o debate. Convidou o Deputado bons empregos. Eles néo podem acompanhar a vida
Rogé Ferreira para presidir o debate. E nos convi- atualmente. Devido ao custo de vida s&o obrigados a
dou a subir no paleo. Subimos. Eu, Solano Trindade, recorrer ao lixo ou os restos de feira.
Conceicéo Santamaria, professor Angelo Simées Ar- — Nao adianta falar de fome com quem ndo
ruda, Deputado Cid Franco, Dona Wdy Lima. passa fome.
Quem presidia o debate era o senhor Rogé Fer- Quando escrevi o meu didrio n&o foi visando pu-
reira. Citou que o meu livro “Quarto de Despejo” é blicidade. E que eu chegava em casa, nio tinha o que
um retrato real das agruras que o pobre encontra comer. Ficava revoltada interiormente e escrevia.
atualmente. . Tinha impresséo que estava contando as minhas ma-
Eu estava confusa naquéle nucleo. Percebi que a goas a alguem. KE assim surgin o “Quarto de Des-
Dona Elite encara o problema da favela com vergo- pejo”’. . Lane
nha. EB uma mancha para um pais. (...) O segundo Classifiquei a favela de quarto de despejo porque
orador foi o senhor Angelo Simées Arruda. Estava em 1948, quando o Dr. Prestes Maia comecou a ur-
lendo o “Quarto de Despejo” e anotando o que lia. banizar a cidade de Sio Paulo, os pobres que habi-
Disse que em Sao Paulo o povo trabalha nas fabricas, tavam.os pordes for tirados ao relento.
nas oficinas e nio saem pelas ruas catando papel. O quarto orado: poeta negro Solano Trin-
Saem para um servico digno que lhe proporciona uma dade. Criticou a teatralizacio de Dona Edy Lima.
condicao de vida decente. Disse que ela nfo citou as agruras que o livro relata
Pensei: como depoimento do gravissimo problema que sao as

180 181

= SS SADDENS BASTREGGE
CAROLINA MARIA DE JESUS Casa DE ALVENARIA

favelas espalhadas pelo Brasil afora. (...) O- publico —- Nao renego a peca. Renego o regime social
interferiu-se, ora aplaudindo, ora vaiando. O senhor que favorece um terco da populacio. Sei que o capi-
Cavalheiro Lima, espéso de Dona Edy Lima, interfe- talismo renega a reforma social.
riu aludindo que a Dona Edy nfo alterou o texto do — Apoiado!
livro. Conservou a linguagem simples na pega, rela- — Nao apoiado!
tando o meu desvelo pelos filhos, lutando para retira- ... Com aquela confusdo eu tinha impress&o que
los daquele pardieiro. estava na favela. Todos falando ao mesmo tempo.
O Solano Trindade prosseguio, repetinde o que a ... A ultima a falar foi a Deputada Conceicao.
Ruth de Souza disse na pega: Tniciou dizendo que auxiliou os leprosos. Por seu in-
—- Quando uma ecrianca passa fome é problema termedio os leprosos sdo curados.
de todo o mundo. Uma voz na plateia:
Fico horrorizada vendo a fome debatida em as- — Nao estamos falando de politica. Estamos fa-
sembleia. O Deputado Cid Franco disse que passou lando da favela.
fome e conhece as agruras que o meu livro relata. Que — A Carolina disse que na favela existe muitas
o regime capitalista 6 a causa das desigualdades de indolencias —- argumentou Dona Conceigao.
classe. A Dona Conceicéo Santamaria dizia: — E na Assembleia — uma voz no paleo.
— Em 1944, quando eu percorria as favelas...
—~ Ele pertence ao regime capitalista. Ble esta Naquela epoca era ditadura que predominava.
metamorfoseando-se na frente do publico. Ele esta de Uma voz na plateia:
maos dadas com o regime capitalista. — A senhora 6 bem madura, em?
Que confusfio para mim. Queria ouvir o Deputado Risos.
Cid Franco por causa da sua cultura. Ble nao é ba- A Dona Conceicéo responden sem perturbar-se:
nal. N&o 6 politico de negociatas. Citou: — Naquéle tempo n4o existia jovens mal educa-
— Se existe favelas sAio criadas e alimentadas dos igual a vocé. Eu represento uma maioria, os que
pelo regime capitalista, que suga a seiva da classe sa- votaram em mim. E vocé 6 uma unidade apagada.
larial para duplicar seus haveres. Um japonés falava. Uma voz lenta que ficava
— N&o apoiado — respondeu o Dr. Paulo Su- indistinta entre as outras. Os demais estavam nervo-
plicy. sos. Dava impressAo que ia haver um conflito no
Um jovem na plateia disse que o Deputado Cid teatro. Os estudantes apupavam a Dona Conceicao.
Franco errava aludindo ao regime capitalista o desa- ... Quando sai do teatro encontrei o jovem Edu-
juste social. O Deputado Cid Franco disse: ardo Matarazzo e disse-lhe:
— Vocé viu que confusio?
— Tenho um filho de 18 anos que nao teme a
Dona Filomena Matarazzo convidou-me para al-
extincado do regime ecapitalista. .
mogar na sua residencia.
Foi aplaudido. Os estudantes interferiram. Eu ‘Tomei um taxi e fui para a minha casa.
pedia ao Deputado Rogé Ferreira que desse as pala-
vras, porque os estudantes séo os homens de amanha.
Os estudantes apuparam o deputado. Ele sentou-se, — FIM DO DIARIO —
dizendo que nunca foi a favela pedir voto. Cementou:

182 183
NOSSAS EDIGOES:
“Colegio Terra Forte*

(romance)

‘vol. 1 — “Os Guaxos” de Barbosa


Lessa -—~ Premiado pela
Academia. Brasileira de
Letras @ pela Academia
Paulista de Letras — 2.*
edicto.

Vol. 2 — “Major Calabar” de Jo&io


¥Felicio dos Santos.

Vol. 3 — “Irm%o Juazelro” de Fran-


cisco Juliao — 2,* edigéo.
Vol, 4 — “Pérto Calend4rio” de Os6-
rio Alves de Castro.

Vol. 5 — “Chao de minimos aman-


tes” de Moacir C. Lopes.

Colegio Alvorada”’

(contos)
Vol. i — “Kanan” de Carlos La--~-
cerda.

VoL-2 — “Tempo de Amor” de Ho-


mero Homem.
VoL. 3 — “A Procissiio e os Porcos”
de .Jorge Medauar. :
Vol. 4 — “Lacos de Familia” de Cla-
rice Lispector — 2. edi-
gio.
Vol. 5 — “Trapid” de Caio Porffrio
Carneiro.
*Colegao Contrastes @ Confrontos”

(ensaios e depoimentos)

Vol. 1 — “Quarto. de Despejo” de


Carolina Marla de Jesus—
8.*, edig&o.

Vol, 2 — “Afirmaciio de Euclides da


Cunha” de Edgard de Car-
valho Neves. ,
Vol. 3 — “Eu sou Pelé” de Edson
Arantes do Nascimento.

Vol. 4 —- “Casa. de Alvenaria” de


Carolina. Maria de Jesus.:

Homem ao quadrado” ‘de Leon: 2


__“Q
Eiachar — 3.2 edicho. — :
“Marabaxos” (contos) de Osvaldo’
Orico.
“A. Mac&i no Escuro” {romande)-
de Clarice Lispector. nhs
N.° 5,337 ~- Oficinas Graficas da Livraria Francisco Alves
“OQ Livro de Daniel" (romance) de...
Paulo Dantas. vet

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