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NAS MALHAS DA CONSCIENCIA


IGREJA E INQUISICAO NO Brasi.

NoORDESTE 1640 — 1756

BRUNO PeEITLER

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InpIcE
;: Joana’ Ménteleone/ Bruno Feitler
*Assisterite editorial: Clarissa Boraschi Maria
' Projet grafico, diagramagdo ¢ capa: Clarissa Boraschi Maria
Revisao: Vivian Miwa Matsushita
Imagem da capa: [Imagem sem titulo] Forte Real. Gravura que ilustra 0 livro
de Johannes de Laet (LAET ~ 1635).
Imagem da folha de rosto; Moinho de papel (detalhe). Diderot e D’ Alembert, |
A Enciclopédia, : InTRODUGAO a7

Dados Incernacionais de Caralopacio na Publicagio (CIP)


(Camara Brasiteica do Live, SP Brasil) i A Jengya E SEU ASSENTAMENTO NO BISEADO DE PERNAMBUCO 19

Feitlce, Bruns : QO BISPADO 23


‘Nas malhas de consciéncia: Igreja e Inquisicgo no Brasil: Nordeste | Visitas pastorais: cronologia 24
1640-1750/Bruno Feitler. — So Paulo: Alameda: Phoebus, 2007. : A ago dos bispos 33
] A MALHA PAROQUIAL
Bibliegrafia Oba ©cl “4
ISBN 978-85-98325-477 . 4 wee *
ISBN 978-85-60584-00-0 ; “ OS REGULARES 55

1. Brasil, Nordeste— Histéria 2, Ipreja- Brasil, Nordeste— Histdria


5. Lnquisicgo — Brasil, Nordesee — Histévia I. Titulo. | PRESENCA INQUISITORIAL NA REGIAO PERNAMBUCANA
07-0976 CDD- 272.209813 : FIM DO SECULC KVI—1750 67
indice para cardloga sistemdtico: a A InquisicAo wa Eroca DOS FRLIPRS EO BRasiL 7A
1. Brasil, Nosdeste: Lnquisicao: Perseguigdes religiosas 272.209813 A recusa de etlagda de um tribunal da Inquisigio na Bahia 72
2, Inquisigio: Brasil, Nordesce: Perseguigies religiosas 272.209813 . ss we te ee
O fracasso dos sistemas excepcionais de agio inquisitorial 78
ee sire '7 Os AGENTES DA INQUISIGAO NO BISPADO DE PERNAMBUCO 83
odos os direitos reservados A Comissdrios 88

ALAMEDA Casa EDITORIAL , : PHogsUS EDITORA . . a Familiares m8


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As MALHAS DA INquisEcda BS
Os AGENTES INQUISITORIAIS E OS ECLESTASTICOS uz
A “corrente de transmissio” da Inquisicio ug
Os jesuitas ¢ a Inquisigao Way

O SISTEMA DE SELECAO BI

O TEareo Da INQuISIGAG 38

Os COMISSARIOS E SEUS FODERES NO COMECO DO sECULO XVII 148

A INquisigAo EM AGAO 155


INTRODUGAO
O SISTEMA DB TRANSMISSAO DAS DENUNCIAS
Ly
TUSTIGA EPISCOPAL B INQUISICXO 158
: Situacio juridica 159
Agic real Yl
Um momento de excecdo: a guetra de Restauragio
Os editais inquisitoriais 208
Leituras, dentincias, inquirig6es e pristes 25

INQUISIGAG E CONSCIBNCIA 227

ANEXO DOCUMENTAL 243


“INSTRUGAO PARA 0S COMISSARIOS DG SANTO Oricro Do QUE DEVE
245
FAZER NA APRESEN'TAGAO DE QUALQUER PESSOA™, ENVIADA PELOS
EINQUISIDORES 40 REITOR DO COLEGIO JESUITA DO Manannao —1688

REGIMENTOS DOS “COMISSABIOS ULTRAMARINOS” ~ 1719 260

FONTES E BIBLIOGRAFIA 77
O SISTEMA DE TRANSMISSAO DAS DENUNCIAS

Vimos até agora com quem o Santo Oficio se correspondia, quem ele
scolheu para representé_tlo. Contudo, os inquisidores — bastante fle-
fveis na escolha de seus representantes no Brasil e do campo de agdo
estes ~ ficaram, apés 0 fim das visitagées inquisitoriais ¢ as “gran-
es inquirig6ées”, no limite da passividade no que tangia o sistema de
ansinissio de dentincias. Foi essa passividade proposital, resultante
dos métodos utilizados para incitar as pessoas a fazer seu dever de
ons cristdos (isto é, denunciar), que permitiu que um simples fami-
ar — como aquele de S40 Paulo, j4 mencionado — mas também ontras
“pessoas, laicas ou religiosas, se tenham tomado pelos guardides da or-
“‘todoxia catélica e dos bons costumes, ¢ os representantes da autorida-
‘de inquisitorial. Mesmo se a Inquisicao, a partir da segunda metade do
‘século XVII, esperava de seus oficiais e agentes de todos os nfveis que
s¢ esmerassem em recolher e transmitir as esferas decisérias qualquer
caso de sua algada, a instituigéo necessitava ainda mais. Para que sua
acdo fosse efetiva e para que ela pudesse ter o impacte desejado sobre a
sociedade, o Santo Oficio precisou de ajuda externa. Nao sé de pessoas
que agissem em seu nome, quando solicitadas (vimos que essa ajuda
foi importante), mas também que tomassem a iniciativa — incitadas
pelo zelo ou por qualquer outro sentimento — de transmitir aos ingui-
. sidores as deniincias sem as quais 0 tribunal nao podia funcionar.
158 Bruno Farner Nas MALHAS DA CONSCIENCIA 159

JUSTICA EPISCOPAL E INQuisrc. Contudo, durante a maior parte do tempo de existéncia do Santo
: ficio, as disputas entre os dois drgaos religiosos foram inexistentes;
Ao contr4rio do que aconteceu na Bahia, onde o bispo, pelo men auito pelo contrario, o funcionamento inquisitorial foi marcado pela
até o fim do século XVII, participou ativamente dos negdcios ing 5 peracao, que se traduzin pelo papel que certos bispos assumiram
sitoriais, correspondendo-se freqtientemente com os juizes de Lisbog, a autos-da-£, por uma simples presenca ou pela autoria dos sermédes
em Pernambuco o prelado, cuja instavracio foi mais tardia, nado acti jue eram pregados, mas tainbém pela ocupacio de cargos inquisitoriais
pou o mesmo papel, sobretudo pela grande diferenca de context or clérigos de alta patente, ¢ de cargos episcopais por ex-inquisido-
Apesat do medo de um ataque estrangeiro e as revoltas que sacudy es — lembremos que a regra era que os inquisidores fossem religiosos
ram Pernambuco no comego do século XVIII, o bispo de Olinda nai sculares’ — ¢ esse “funde comum”! inquisitério-episcopal, como vi-
confrontou situagies de excecio como o da Bahia, que recepcioné os, também existia ac nivel inferior, em que membros dos cabidos
visitacdes inquisitoriais e afrontou, por vezes pessoalmente, inimigo atedralicios entratam nos quadros inquisitoriais como comissdrios.
heréticos. A evolucio da estratégia inquisitorial também pode ter uin ssa Cooperacio se efetuava sobretudo pela transmissac dos casos de
certa responsabilidade nessa diferenca. Nos primeiros tempos da a¢ sada inquisitorial descobertos pelo poder episcopal, durante as visitas
do Santa Oficio no Brasil, os inquisidores se fiavam com freqiiéncia n6; astorais ou através dos procedimentos ordindrios dos tribunais ecle-
bispos e membros do cabido para representa-los, mas essa confianca fo Asticos. Vimos na primeira parte deste livro como funcionavam essas
progressivamente transferida — no mesmo momento em que surgianl visitas pastorais, mais particularmente as do bispado de Pernambuco.
localmente os primeiros comissarios — aos reitores dos colégios jesuitas Relembremos agora seu papel judicial, ilustrade pelas devassas coorde-
e aos préprios agentes inquisitoriais. nadas pelo proprio bispe ou por um visitador por ele nomeado,
Em todo caso, para além das agées episddicas mais enérgicas et
nome do Santo Oficio, o bispo da Bahia e mais tarde seus sufragane
{a partir de 1676), tinham deveres institucionais para com a Inquisic¢é SITUAGAO jURIDICA
diretamente ligados as suas funcées episcopais'. Os contflitos entie
Inquisigao ¢ o poder eclesidstico nao foram muitos em Portugal quan: Essas devassas tinham como objetive desterrar “os vicios, erros, es-
do comparados aos que sacudiram a Espanha, mas eles acontecerant candalos e abusos, ¢ se fazem muitos servicos a Deus em grande bem
sobretudo na fase de instauragdo do tribunal, mas também nos ario espiritual e temporal de seus stiditos”. Durante as visitas, estes deviam,
1720, com disputas sobre o escope da jurisdicdo inquisitorial’. sob pena de excomunhio maior “dizer e denunciar” ao visitador tudo
que soubessem “de certa sabedoria ou fama publica” sobre “alguns pe-
! Sobre a conmplementaridade entre visitas pastorais ¢ aga inquisitorial, ver José Pedro Patvé cados piiblicos e escandalosos, e nas casos especiais que abaixe se de-
“Inquisico ¢ visitas pastorais, Dois mecanismos complementares de contrdle social?” in.1
Congresso Luso-Brasileire sobre Tnquisigho, op. cit, vol. IE, pp. 865-879; Caio C. Boscom, "!
yisitas diocesanas ea Inguisi¢io na coldnia™ in 1° Congresso Luso-Brasileire sobre Inquisigas,
op, cit, vol II, pp. 963-996; Ronaldo Vainras, Trépico dos Pecados: moral, sexualidade’ 3 José Pedro Paiva, “Inquisi¢io e visitas pastorais”, op. cit, p. 874. Como exermplo de um
Inquisigao no Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, pp. 226-228 e Luciano Raposo de. sermao de auto-da-fé: Sermédo do auto da fé celebrado nea igreja de S, Domingos desta Corte,
A, Figuermnno, Barrocas Ramdlias, op. cit., pp. 41-80. , Que recifou em 16 de Outubro de 1746, O Ex" E R.-° Senhor D, Fr, Miguel de Buthdes, Bispo
? Giuseppe Maxcoccl, I custodi del ortodossia, op. clt., pp. 155-235, ¢ Evergton Sales Sauza; do Pard [...], Lisboa, Pedro Ferreira, 1750,
Jansénisme et reforme de PEglise, op. cit., pp. 202-221, sobre a querela do sigilisme. 4 Ronaldo Vanuras, Trépice dos Pecados, op. cit., pp. 227-228.
o
170 B RUNG FEYTLER
:
NAS MALHAS DA CONSCIENCIA

cao de agentes locais da Inquisicao na elaboracao, ou pelo menog 688} ¢ José Fialho (14 de junho de 1725), deixaram procuragies ao:
ratificacio do texto”, a legislagiio nao se refere diretamente 4 eles. quisidor mais antigo”.
omisséo pode ser pensada come voluntaria por dois motives: wm. * Para além disso, as descricGes claras e precisas que as Constituicdes
terno, outro externo ao tribunal eclesidstico. Em primeiro lugar, porgu izem das competéncias inquisitoriais, ¢ as mengdes no edital das vi-
essa omissdo diminuia a possibilidade de disturbios dentro do cor itas pastorais de delitos externos a jurisdicio episcopal sio somente
eclesidstice local, ao evitar que 0 bispo tivesse que se referir a0 co m parte um resquicio do antigo alcance dos tribumais episcopais™.
sdrio inquisitorial local, de estatuto inferior ao seu, ou que um m elo menos em comecos do século XVIU, momento da redacao da le-
bro do cabido (vimos que os comissdrios muitas vezes o eram) 046 islacdo episcopal baiana, essas mengGes parecem ser a demonstracao
aproveitasse da situacdo para se intrometer nos negécios de seus col e uma vortade de colaboracdo com o Santo Oficio, e sobretudo de
gas juizes. Em segundo iugar, ela deixava os ministros implicados | ma preocupacio extrema com a pureza dos comportamentos e da
negécios juridicos da arcebispo redator (vigdrio-geral do arcebispad Ima dos siditos do arcebispo, num espirito diretamente inspirada
vigarios gerais, visitadores, desembargadores}, assim como o prdpri ‘pelo concilio de Trento. Com efeito, os bispos deviam, para a salvagao
prelado, livres para decidir quem dos agentes ou ministros inquisit as almas de seus siiditos, ¢ assim também para o bem das suas pré-
riais cles contatariam em caso que fosse de alcada do Santo Officio; rias alas, interessar-se a qualquer tipo de delito espiritual ou moral
comissario local ou os inquisidores. Essa possibilidade de nao contatar ue suas ovelhas pudessem cometer, extrapolando assim nao na pra-
os principais agentes locais da Inquisig¢ao mostra mais uma vez que el ‘tica, mas no discurso, sua jurisdicdo. Nesse sentido, a fusio das duas
nao eram indispensaveis 4 instiiuigao, e que todo juiz eclesiastico podia jurisdicdes nos editais de devassa devia fazer com que os fiéis nao
virtualmente considerar-se um representante local do Sante Oficio oubessem diferenciar as duas jurisdicdes; mas importava sobretudo
Lembremos ainda que o bispo, enquanto juiz com algada em qu que 0s juizes episcopais 0 fizessem.
quer caso relacionado 4 religido, tinha um lugar entre os inquisidores
sobretudo na fase de deliberagao da sentenca dos réus que fossern seus
suiditos. No caso dos bispos do Brasil, essa presenga sé foi possivel du- AGAO REAL
rante as visitagées do Santo Oficio. No caso dos processos instruidds
em Lisboa, um membre do tribunal o representava por procuracé Com efeito, essa predispasicao do ordindrio se verifica na realidade, Os
d. Pedro Leitao, segundo bispo do Brasil (1559-72/3) deixou, antes de arquivos da Inquisic3o contém a transcrigdo de muites casos descobertos
partir para tomar posse do seu bispado, uma procuracao em nome
durante as visitas pastorais, mas também de negdcios iniciados fora delas,
do inquisidor Ambrdsio Campelo. Os bispos de Pernambuco, Estevao e que foram transmitidos aos inquisidores pelo bispo, o visitador, o viga-
Brioso (31 de janeiro de 1678), Matias de Figueiredo (6 de fevereiro dé rio-geral, o promotor do eclesiastico ou qualquer outro juiz episcopal, por -
estes nele tere reconhecide um caso de jurisdi¢io inquisitorial.

® José Goncalves Satvanon, Cristiios novos, jesuftas e Inquisiggo, op. cit., p. 149. Reginento do
"1 9 promotor
da sinode Jodo Calmon, ¢ 0 secretérin Gaspar Marques Vieira eram conmissérios Sante Offelo de 1613, tt. IV, § XLVI, 2 Regimenta do Sante Officio de 1640, liv. TI, dt. X41, § 1-
inquisitoziats, enquanto o beneditino Roberto de Jesus, qualificador do Santo Officio, foi 3, Anténio Bario, “Lentativa de estabelecimento’, op. cit, p. 477. ANTT, IL, liv. 191. 0 livro
um dos examinadores do mesma sinodo, “Relacam da procissam, e sessies do Synodo contendo essas procurates era previsto pelo regimento inquisitorial (1640, liv. 1, tit, 11, § 8).
Diocesano” {...] in Constituicies primeiras, ap. cit., pp. 603-604 e611.
23 José Bedyo Parva, “Os bispos ¢ a Inquisicio portuguesa (3536-1613)" op. cit., pp. 46-47.
BRUNO FEITLER Nas MALHAS ba cowscrbwcra 73

Em 1621, Daniel do Lago, administrador da vigairaria de Pernary As visitas pastorais ndo eram tieis somente para a coleta de dentin-
co, fez. com que fossem transcritas das atas de uma visita que havia fei tias, pois também podiam servir em outros estagios do procedimento
em Araripe no comeco do ano, casos de palavras malsoantes a fit, udicial. Assim, em setembro de 1688, 0 dedo da Sé de Olinda, o nosso
envia-los a Inquisicio™. Mas essa espontaneidade do prelado nao a7 donhecido Nicolau Pais Sarmento, informava aos ‘inquisidores das di-
regra: duas décadas mais cedo, foi s6 apés a nomeagio do ouvidor le ficuldades em que esbarrava para conseguir informacées sobre certas
do tribunal eclesidstico, Ambrésio Guardes, que também era o vigt essoas, mostrando a resistencia que o Santo Oficio podia encontrar
da paréquia de sic Pedro Martir de Olinda, que os negécios de alga dependendo das pessoas implicadas:
inquisitorial foram transcrites das atas das visitas anteriores e enviad
para Lisboa. Elas continham varios casos de blasfémias, coma o dey Algumas pessoas que chamo para testemunhas nestes negdécios nao
soldado que arrenegou seu pai, sua mae e Deus; de uma mulher il vem, e me é necessdrio com instancias rogd-los. Pergunte a VS como
disse que espancaria sew escravo “ainda que viesse Jesus Cristo com me hei de haver com aqueles que por presumidos, nao quiseren vir
cruz nas costas”; de uma outra mulher que disse que suas palavras.va sendo chamados. Desejo acertar e conservar 0 respeito que nas mais
liam mais que o evangelho de sao Joao; ou ainda de um outro homen; ocupacées tive, e principalmente o nome do Santo Oficio. A distancia
que dizia que o Julgamento Final j4 havia acontecido. Também forani é prande, ¢ os 4nimos de Pernambuco soberbos"*,
denunciadas pessoas que discutiam as vantagens e desvantagens de si
cristao-novo: um primeiro preferia ser cristie-navo que cristéo-velhi _ Dois anos mais tarde, o familiar Gaspar da Costa Casado dava conta
enquanto o outro reclamava de sua condico mestica: “a pior cous de que o dedo e o chantre da Sé Francisco Moniz Pereira, haviam feito
que tinha era ser meio cristiio-novo, porque por bem houvera de cada um uma visita pastoral, o primeira ao norte de Olinda e o segun-
ctistao-novo inteiro”. Aparentemente, os inquisidores nao deram mu do para as partes do sul. Nao sabemos se as informacdes mencionadas
importancia a tudo isso, interessando-se somente aquela mulher qui na carta de Sarmento foram encontradas, mas informado pelo familiar
afitmou por trés vezes que “sua palavra era evangelho de sdo Joao,’ de que Inés Mendes de Andrade, cigana bigama em fuga, tinha manda-
mais que Evangelho”: essa “proposicio” foi devidamente qualificad: to de prisdo inquisitorial contra ela, o chantre visitador encontrando-a
em Lisboa por trés religioses®. nas Alagoas, a fez prender, remetendo-a ao Santo Oficio””.
Em 1726, o bispo d. José Fialho fez uma visita pastoral 4 cidade O livro ja mencionado de Lucas de Andrade, que relembrava aos bis-
da Paraiba ¢ regides vizinhas. Certas dentincias de casos de judaisma pos e seus visitadores que nao inscrevessem os casos que tocassem a In-
foram transmitidas a Lisboa e adicionadas a outros documentos qué: quisicio nos livros de visita no foi o tinico a fazé-lo. Os inquisidores se
estiveram na origem da priséio de quase cingtienta pessoas entre 1729 esforcaram varias vezes para lembrar aos prelados essa medida, relacio-
e 1737,

6 ANTT, IL, pe. 1029] (carta de 18 de setembro de 1688),


77 tdem (carta de 15 de julha de 1690}. © processo de Inés Mendes ¢ muita interessante, por
a ANTT, IL, liv,
: 204,f 77 ¢ liv,, 208, fl. dar flashes do estilo de vida dos ciganos (ela nao tinha domicilio certo ¢ seu cla, “sigannos
,
602 sq, Sebastido Fernandes Franca havia dito que um de tropa’, tenton resgaté-la por duas vezes das mos do chantre), mas também trdgico, pois
pecador ndo deveria confessar-se a um outro, ou que mais walia confessar-se a umm pedaco de
Inés foi enviada para Lisboa com seu terceiro filho, ainda de peito, seguida de seu segundo
pau ou de pedra que a um pecador, Ele também coma carne nos dias de guarda. ©
mnarido, que tentou provar que o primeizo matriménio havia sido anulado, Inés falecen
5 ANT, IL, liv. 209, fl. 715-732. pouco tempo depois de seu auto-da-fé.
NAS MALHAS DA CONSCIENCLA V5

jada ao ‘segredo que devia envolver a acao do Santo Oficio. Em 1604 6 portugueses”. Esse sumario, que o escrivio distinguiu claramente do
o juiz eclesidstico de Pernambuco e vigario de Olinda foi informa sto das atas da visita, foi constituido junto a nove testemunhas e apés
que deveria anotar 05 casos tocantes ao Santo Oficio separadament ua conclusio, uma cépia foi enviada 4 “mesa do despacho da Santa
das atas das visitas pastorais, e todo pedido de inquiricao se terminay: nquisicie de Lisboa aonde pertence o contetido destas culpas”™.
pela injungiio de nao se guardar localmente cépias dos testemunho Pouco mais de vinte anos mais tarde, em dezembro de 1681, 0 bispo
declaragGes”. As instrucdes, mencionadas mais acima, dos arquivos dg Estevéo Brioso fez junto a nove testemunhas uin “extrato de culpas”
jesuitas-comissdrios do Maranhao precisavam que até os rascunhos de. ‘apés ter recebido dentincias sobre um casal de pescadores sodomitas
viam ser queimados, Contudo, os visitadores guardavam muitas ve que moravam na costa da capitania da Paraiba. Esta primeira inquiri-
uma cépia das atas, coma se pode verificar nas préprias transcrigae ‘cao, possivelmente feita ex-officto, foi reiterada junto as mesmas teste-
que eram enviadas aos inquisidores e que os juizes eclesidsticos afir -munhas em maio de 1683 pelo vigdtio-geral Francisco Alvares Teixeira,
mavam ser cOpias das atas das visitas; o que demonstra que o faziani que a remeteu em seguida para Lisboa. As testermunhas descreveram as
certamente por ignorancia das regras inquisitoriais. Isso faz com quie; telac6es amorosas dos dois homens (eles dormiam juntos, se acaricia-
quande os arquivos episcopais ainda existem, se possa achar pequeno: vam ¢ se beijavam), mas uma unica testemunha afirmou té-los visto
indicios dessa correspondéncia, na verdade em mimeros bem menoreé praticande “sodomia perfeita” isto €, com ejaculagio no anus do “pa-
do que os historiadores desejariam®. Esse Ppequeno numero acaba en: ciente’, unico caso que relevava para a Inquisicao. O caso foi arquivada
téo por ser a excecdo que confirma a resra, pois também encontramo: por falta de provas*!.
indicios do respeito dela, quando os juizes eclesidsticos faziam diligen Esses exemplos mostram que os eclesidsticos estavam a par da juris-
cias especiais sobre os casos que podiam interessar a Inquisicao. Esses digo inquisitorial, o que ndo se é de estranhar. Mas o que é mais inte~
casos, ligados ou nao As visitas pastorais 840 muito interessantes pot ressanite é que eles tomavam a iniciativa de inquirir seriamente sobre os
mostrar uma certa naturalidade dos juizes para tratar os negécios rela casos emi questZo, dando assim crédito 4 sua agao, tornando a maquina
tivos ao Santo Oficio: em 1660, Anténio Velho da Gama, cénego da Sé inquisitorial mais dpil, colaborando, sobretudo, para tornar a sociedade
da Bahia, visitador e vig4rio-geral de Pernambuco decidiu, apés a aber local o mais proximo possivel dos ideais religiosos e morais que eles re-
tura da visita que fazia no Recife, comegar um sumdério de testemunhas presentavam, quem sabe de modo mais abrangente que os inquisidores,
extrajudicial especifico sobre as pessoas que, de acordo com os rumores apesar dos casos em questéo nao serem de sua jurisdicdo. Muitas das
que corriam, “judiavam com os judeus que com eles moravam neste dentincias enviadas ao Sante Oficio eram feitas ou tomadas de modo
Recife {na época dos holandeses], ¢ que se deixaram ficar vivendo entre’. neglipente, freqtientemente baseadas em diz-que-dizes de segunda ou
terceira mao, e que tinham pouca validade para a Inquisicao. Ao fazer
uma segunda inquiric#o sobre os sodomitas, judicialmente, o vigério-
78 Por ¢ zemplo:
lo: * “com a mesma [inquirigao]
inqnirica nos remeterd pela primeira
imei monc&oBi a propriaia geral antecipou-se aos inquisidores, poupando assim tempo e dinheiro.
com esta sem que se fique copia ou treslado”, Tirado do processo da paraibana Guiomar:
Nunes (ANTT, IL, pe. 11772), ou “esta delig’ com a breuidade possiuvel nos sera remetida
logo nas primeiras embarcasdis que para esta cidade wierem; por dias vias em hud o original
com esta nossa Commissdo e em outra o tresiado do q ndo ficara la copia algua”. ANTT, IL,
liv, 254, #1 383y. 30 ANTT. IL, liv. 254, #1, 356 © 365.
78 José Pedro Parva, “Inquisi¢go e visitas pastorais”, op, cit., p. 873, Caio C, Boscur, "As visitas 4 siz Mort, “A Inquisigao na Paraiba’ Revista do Instituto Histérico e Geognifico da Paratha,
diocesanas ¢ a Inquisigio na colénia” in 1° Congreso, op. cit,, vol. II, p. 967, n° 31 Gulho 1999), pp. 80-83.
NAS MALHAS DA CONSCIANCIA WF

ssante notar que ele ndo transmitiu o caso as autoridades civis, inos de espera por instrugdes dos inquisideres. Foi justamente a falta
como mandavam as constituicées do arcebispado de Lishoa, mas i
lestas, inas também 4 pedido do suspeito, que Teixeira Cabral decidiu
Santo Oficio, como diriam trinta anos mais tarde as constituicdes ¢
émeté-lo aos Estaus.
Bahia; uma prova de que estas no fizeram mais, em alguns casos, qu
. Mais ainda, 0 ordindrio se sentiu apio a efetuar prisies em nome
confirmar uma pratica preexistente.
la Santo Oficio mesmo quando nao havia perigo de fuga. Isso ocor-
0 ordindrio também chegou a ultrapassar o simples instrumeiit eu mais facifrmente quando se tratava de um delito moral — como a
da inquirigao e prender suspeitos em nome do tribunal eclesidsticooF
igamia ou a solicitagao —, um pouco menos quando se podia tratar de
do Santo Oficio. Vimos que os inquisidores haviam autorizado sc i
m caso de heresia ow apostasia, come os casos de judaismo, compor-
correspondentes a fazé-lo, como foi o caso do comissdrio da Bahia ey
amento este que pode contradizer os regimentos inquisitoriais, mas
1719, mas aos juizes eclesidsticos, que nao tinham patente inquisité
ue condizia totalmente com os capitulos das constituicées da Bahia
tial, nao fizeram mais que lembrar que s6 se deveria efetuar uma pri
e etn certos pontos com as constityicdes de Lisboa), que, como vimos,
sio em nome do Santo Oficio em caso de perigo de fuga. O comisséi iferenciava o modo de agir de acordo com o delito em causa. Os in-
extraordindrio de Pernambuco em 1718-1719, o jesufta Jodo Mendon
nisidores nao chegaram a repreender os jufzes eclesidsticos quando
ga foi autorizado a agir desse modo com Francisco Mendes Lisboa
stes prendiam suspeitos sem provas suficientes para serem remetidos
suspeite de bigamia, se apés as diligéncias comandadas cle ameacass 4 Inquisicao, mostrando assim que preferiam esse comportamento a
fugir’. Foi o que o administrador Anténio Teixeira Cabral fez wm sé
-animosidade dos prelados. Em 1687, Nicolau Pais Sarmento recebeun
culo mais cedo com o alemio Cristévio Rausch, que, segundo aquele
uma carta dos inquisidores inferrnando-o que no que tocava o Santo
que o havia denunciado, pensava fugir por causa de suas dividas*, Ao
Oficio, ele podia soltar os trés homens que detinha presos, mas também
chegar em Pernambuco, Teixeira Cabral achou ja preso no aljube 0 oaconselharam que esperasse a chegada iminente do bispo, pois o case
meio-cristao-novo Francisco Ramires, “por culpas tocantes ao Sante
poderia ser de sua algada®. Como vimos, eles foram mais rudes com
Oficio”. O vigdrio-geral de Olinda ja havia enviado os documentos
o comissdrio de Angola alguns anos mais tarde, quando este decidiu
relativos a0 caso 4 Lisboa fazia mais de anoe meio, mas como Ramirei
manter dois feiticeiros presos sem prevenit os inquisidores.
havia tentado fugir duas vezes, além de também ter feito uma peticdo O ordindrio chegou a fazer ainda mais, prendendo e enviando di-
para ser o mais rapidamente posstyel remetido ao “tribunal supremo.
retamente a Lisboa, sem o parecer dos inquisidores, pessoas que sabia
@ que perten¢a o conhecimento de sua culpa”, o administrador deci
ter cometido delitos que cabiam ao Santo Oficio, J4 vimos dois casos
diu envid-lo sem mais delongas aos inquisidores**. O mesmo aconte='
desse tipo ocorrides em Pernambuco entre 1617 e 1619, mas que se
ceu com Cristdvao Rausch, que sé foi enviado para Lisboa depois dois
entendem pelo siléncio dos inquisidores diante das dtividas do prelado
local e do desespero dos suspeitos presos. Foi justamente para evitar
| esse tipo de espera que o arcebispo da Bahia d. Manuel da Ressurreicio
72 “so entendesse qo d° Fran® Mendes [2° se auzentaria 6 mandasse logo prender
com algu
pretexto valendosse p* isso do brago secular, ¢ desse p* a esta Meza de como prendeu Luiz Delgado e Doroteu Antunes por sodomia em 1689, trans-
ficava detide na
cadea p* nela se determinar se havia de ser eclto ou vir ‘prezo p* os carceres desta Inquizigao.
” _ ferindo-os imediatamente a Lisboa. A falta de embarcacées e a espera
ANTT, IL, Hy. 26, f1, 259v,
33 ANT, IL, pe, 5586, ff. 3,
* ANTTT, IE, pe. 1847, carta de 26 de janeiro de 1617 ¢ passim.
33 ANTT IL, Hy, 19,fl 171¥-172.
178. Bruno Farrer: Nas MALHAS BA CONSCIANCLA 179

que isto implicava foram suas justificativas aos inquisidores. Estes | igaric do Rio Grande. Este efetuou as inquitigées em maio na cidade de
escreveram para acusar recepcao dos dois réus, mas também para Iki ‘atal e em setembro do mesmo ano o vigdrio-geral do bispado remeteu
agradecer “o zelo e amor com que se hd nas cousas do Santo Officio”: réu. aos inquisidores com o caderno de culpas recolhidas contra ele, as-
No dia 18 de junho de 1743 eles escreveram uma carta circular’ im como uma carta, em que explicaya que “O padre Pedro Homem da
arcebispo da Bahia e 20s bispos da Maranhdo e do Rio de Janeiro pa Costa |...] est4 cnlpade neste juizo por solicitante como o conhecimento
lembrar-lhes que caso os jufzes eclesidsticos prendessem pessoas cuj este crime pertence a esse Tribunal o remeto preso” Pedro Homem da
delitos, apés inquiricSo, se revelassem ser de alcada inquisitorial, ef costa abjurou de levi no dia 4 de maio de 1695, tendo come pena o de-
nio deviam imediatamente remeté-los para Lisboa, mas esperar 0 edo de cinco anos do bispado de Pernambuco e degredo permanente
recer dos inquisidores sobre as diligéncias que, estas sim, deviam se da cidade da Paratha, onde servia como capelie na época de sua prisdo™,
Thes enviadas*’, A austncia do bispo de Pernambuco (na época d. Li Cerca de quarenta anos mais tarde, um bigamo {0 sapaiciro Sebastido de
de Santa Teresa) de entre os destinatérios dos inquisidores pode-s Azevedo) era enviado acs inquisidores pelo p. Anténio Pereira de Castro,
um indicio de que ele agia do modo satisfatério nas coisas tocante dedo e vigdrio-geral de Pernambuco. Foi o promotor fiscal do bispado
Santo Offcio. Contudo, isso ndo quer dizer que ele deixasse de envi ue em maio de 1732 havia pedido ao vigdrio-geral que caso a bigamia
réus diretamente para Lisboa sem o parecer dos inquisidores, mas q lo acusado fosse realmente provada, que ele mandasse “remeter preso ao
possivelmente ele o fazia de moda irreprochavel, suplicade com a culpa ao tribunal do Santo Oficio aonde pertence o co-
Em comegos de 1692, o promotor fiscal (diriamos hoje “o procut ‘nhecimento deste caso” As testemtunhas foram interrogadas no Recife nos
dor”) do tribunal eclesiistico de Pernambuco ordenou que as dent dias 3 de maic e 3 de agosto de 1734 ¢ em Tpojuca no dia 2 de junho. Em 4
cias de solicitacao feitas contra o p. Pedro Homem da Costa ao bispo’ ‘de agosto, com provas de que Sebastido se havia casado uma primeira vez
Matias de Figueiredo fossem provadas judicialmente. No dia 2 de abril em Tracunhaém com Maria do Espirito Santo e uma segunda com Cosma
bispo deu seu aval ao pedido e enviou uma diligéncia para esse efeito ag Gomes em Ipojuca. Sendo viva sua primeira mulher, o tribunal episcopal
‘decretou sua prisaio. Ele foi embarcado para Lisboa em setembro junto
36 Yuiz Mort, O sexo proitide: virgens, gays e escravos was gattas da Inquisigalo,Campinas com as provas de seu delite. Nao encontrei indicios de descontentamento
Papirus, 1988, pp. 103-108, ANTT,
IL, liv. 19, fl. 244. ‘da parte dos inquisidores. J4 nos Estaus, as desculpas do réu, que disse
# “Porquanto alguns Ministros Ecclesiasticos dos Bispados Ultramarinos nas Devassig que sua primeira mulher havia fugido de casa apds pouco tempo de casa-
e Sumarios a q procedem contra alguns Reos culpados em crimes cémetidos no destrita
mento, e que havia sido obrigado a casar com Cosma apés té-la deflorado,
de suas juxisdigoés, os pronunctio ¢ prendem, e depois de verem pela qualid* das culpas
pertencernos o conhecimento delas os costumac fazer logo Remetter prezos ao S$" OF com nao atenuaram sua culpa, e apdés dois anos de processo (os inquisidares
os sumarios das testemunhas, cujo procedimento reconhecemos ser nascida do Catholice mandaram refazer ao seu modo as dilig@ncias sobre os casamentos), cle
animo, e louvavel zelo com q dezejao evitar demoras: Se nos faz precizo cémunicar a V
abjurou de levi no auto-da-fé de primeiro de setembro de 1737, sendo
que a pratica deste Tribunal he: ao serem remettidos Reos algons para os Carceres desta:
Inquizictio sem primeiro se verem na Meza dela as culpas dos sumarios que lhe ford feito: condenado a acoites e cinco anos de degredo para as galés”.
e se fazerern outras mais dilig™ do estilo que conforme a qualidade dos crimes costumam
praticar. Assim o participamos a V Ex‘ de q™ esperamios se sirva ordenar aos seos ministro:
que em todo o cazo em q acharem Reos de culpas cujo conhecimento nos pertenga, 1 38 ANTT, IL, pe, 3953, Sobre o p. Pedro Homem da Costa, ver Luiz Mors, “A Inquisigie na
remetterdo primeira q tudo os sumarios delas¢ os conservarem a eles (se pelas mesmnas forem Paraiba’, op. cit, p. 84
prezos) em custodia na prizio em que secularem [?] athé os mandarmos vir remettidos ou
° Em 14 de fevereizo de 1738, por problemas de satide, sua pena foi comutada em degredo
determinarmos 0 q nos parecer mais justo.” ANT'T, IE, liv. 22, fl, 295.
para o Algarve, ANTT, IL, po. 5579.
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“Nos casos descritos acima, os delitos foram cometidos dentr


proprio bispado, o que facilitava as diligéncias de coleta de deming.
cos do bispado de Pernambuco se costumam intrometer a castigar as .
ea prépria prisdo dos réus, que eram feitas pela justica ordindria,
ulpas de feitigaria”,
M
€™M Casos WA pouco mais cormplicados ou ambiguos, onde subsisti:
dtividas sobre a culpabilidade do réu, os juizes episcopais preferirayy
UM MOMENTO DE EXCECAO: A GUERRA DE Res Tauracao
remeter-se a0$ inquisidores. Foi que ocorreu no caso do bigamo A
dré Pereira (1732), cujos casamentos ndo foram juridicamente pro
‘Temos finalmente que levar em conta os casos de pessoas presas em
dos pelo ordindrio, que mesmo assim o mandou prender: eles tinhai
eriodos muito especflicos de grande crise, quando a comunicacio com
testemunhas seguras, mas deviam saber que isso nao era o suficic
Lisboa era dificil e a situacdo de guerra ameacava o bam andamento
pata os inquisidores. O vipdrio-peral transmitiu entio 0 caso
em 4 “das diligéncias. Refiro-me sobretudo ao periodo da Restauracao de Per-
damento ao Santo Oficio, que por sua vez se encarregaria de junta
nambuco, quando, entre 1645 e 1656, algumas pessoas foram presas em
as provas dos dois casamentos — o primeiro nos Acores ¢ 0 sepund
no sertdo do Cariri — e a sobrevivéncia da primeira mulher do r ome do Sante Oficio, inclusive por autoridades laicas, e remetidas a
Lisboa sem o consentimento expresso dos inquisidores.
Um outro caso de bigamia, tocante a Manoel da Silveira de Mele,
fo Miguel Francés, “novo-cristio-novo" desde antes de 1645, foi preso
transcrito no processo de André Pereira. Em 1733, 0 promotor
fisca nos arredores de Recife pelo auditor geral da gente de guerra e ouvidor
da justica eclesidstica de Pernambuco, pediu que se inquirisse sobre
6 de todos os povos da capitania de Pernambuco, Domingos Ferraz de
casamentos de Manoel e, caso fossem provados, que se passasse
“o Sousa, em janeiro de 1645. Ele foi remetido aos inquisidores na mes-
dem com todo o segredo {para que fosse preso], ¢ prezo ele, que sef:
ma embarcagao que o ex-jesuita, entia protestante, Manoel de Morais,
remetido com a culpa ao tribunal do Santo Oficio aonde pertence
também preso por Domingos Ferraz de Sousa, que nesse caso seguiu
conhecimento deste caso”, Os dois casamentos (o primeiro na Par:
as ordens do governador e capitio-geral AntOnio Teles da Silva, Os
fba e o segundo em Maranguape) parecem ter sido provados, mas
6 outros casos dessa época também se referem a “novos-cristios-novos”:
caso nao foi adiante, Através desses {e de outros) exemplos,
podemos Manoel Gomes Chaco foi preso na capitania de Itamaracd por André
dizer entao que a cada vez que o ordindrio se confrontava com casos
Vidal de Negreiros quando este estava a caminho do arraial do Bor
que fossern de jurisdicdo inquisitorial, ele se referia a um momento,
Jesus em fevereiro ou marco de 1646"), Vidal de Negreiros e os outros
ou outro do procedimento, que apesar de tudo engajavam, ao San:
“governadores da guerra”, Jodo Fernandes Vieira e Martim Soares Mo-
to Oficio, nao pondo nunca sua jurisdicéo em causa, Contudo,
esse reno, escreveram ao bispo da Bahia sobre Chaco, e este nomeou o
funcionamento bem azeitado entre justica episcopal e justica
inquisi-
torial, pode ter sofrido alguns revezes, que imaginamos raros, como
por volta de 1753, quando os inquisidores escreveram ao comissario
de 41 ANTT, IL, liv 23, fl. 21.
Recife Antonio Alvares Guerra ordenando que fizesse uma inquirisao
“2 Isto ¢, do cristio-novo (0 que implica ¢ nascimento e batismo em terras catélicas) que apds
extrajudicial sobre um rumor segundo o qual “os ministros eclesiasti- lama passagem pelo jidaismo oficial retornou ao catolicismo. Ver Bruna Farrier, “Gentes da
Nagao: judeus ¢ cristdos-novos no Brasil holandés” in K, Grinberg (org.), Os fudeus #0 Brasil:
Inquisicae, imigragio ¢ idertidade, Rio de Janeico, Civilizagio Brasileira, 2085, pp. 65-35,

* ANTT, IL, pc 3127.


4? ANT, IL, pe. 7276 ¢ 4847,
4 ANTE, IL, pe, 7522.
‘ig : \ Browo FErreen NAS MALHAS DA CONSCIENCIA 215

No. dia 5 de julho de 1714, o deo da Sé do Rio e comissdrio do Sa ima “entrada” bem-sucedida do ponto de vista inquisitorial, isto é, a
Oficio, dr. Gaspar Goncalves de Aratjo, teve em maos wma car risdo € o processo de um grupo de judaizantes de um lugar ou regiao.
vigdtio de Iraj4 peta qual este lhe transmitia dewincias feitas ap
publicacao na sua paréquia, no primeiro domingo da quaresma, de’
“edital dos Senhores Inquisidores”. No domingo de ramos de 1722.3 LEITURAS, DENUNCIAS, INQUIRIGOES E PRISGES
é, na ultima semana da quaresma, 0 vigitio de Iti leu “editais do$
to Oficio” enviados pele bispo do Rio de Janeiro. Essa leitura suscita Vimos a importancia das leituras de editais da fé — ¢ das dentincias
poucas dentincias, feitas sob o sigilo da confissiio, mas com licenca dad ‘que eventualmente se seguiam - para o funcionamento inquisitorial.
a0 Cura para que as transmitisse aos inquisidores, Em 1740 foi o vig Contude, o Santo Oficio portugnés, apesar da sua flexibilidade em re-
de Povos, no arcebispado da Bahia, que invocava a obrigacao da den lacao 4 escolha dos seus representantes ¢ alguns tipos de inquéritos,
cia contida na “Pastoral do Santo Officio” para enviar aos inquisid era muito rigido quando se tratava de capturas e de processos. Com’
culpas de blasfémias de seus pdrocos!™, efeito, uma prisdéo devia sempre seguir-se de um processo, pois a In-
Contendas politicas ¢ econémicas podiam influenciar a leitura’ quisicao era infalivel: o procedimento engajado pelos inquisidores nao
editais: em Lisboa, o fi. Diago da ‘Trindade encarregado pelos inqui tinha como objetivo decidir sobre a culpabilidade on a inocéncia de
dores em marge 1730, de levar alguns editais ao reitor do colégio id tum réu ~ a busca da verdade — pois nao havia presuncdo de inocén-
Maranhio, escreveu-lhes j4 do lado de ci do Atlantico, em setembra cia, a pessoa presa o havia sido por ser culpada. O processo servia em
do mesmo ano, sobre os problemas encontrados. O monge, apds co teoria para recolocar o culpado no bom caminho, através da certeza de
ferenciar com 0 reitor, ajudou-o a distribuir os editais pelos convent um arrependimento total e absoluto, acrependimento que implicava a
¢ igrejas da cidade, confissio das culpas cometidas e a demincia dos climplices com quem
cometeu o crime, Uma pessoa presa por bigamia, por exemplo, 56 o era
E lidos que foram, houve muitos que quiseram denunciar, porérn.,’ ’ ap6s seus diversos matrimdnios (am poligamo também era chamado
por alguma oposicao que o povo do Maranhao tém com os padres : de”bigamo” na documentagdo inquisitorial), ¢ a sobrevivéncia do pri-
da Companhia, a quem por duas vezes tem expulsado fora daquela’: meiro cénjuge terem sido provados juridicamente através de cépias dos
cidade, e por verem propensio favordvel a geracZo destes denunciados, cettificados de casamento e de atestacdes de que o primeiro cénjuge
nao quis ninguém ir a Companhia. estava realmente vivo.
A prisaéo nos carceres inquisitoriais tampouco servia como pena; 0
Tendo assim fr. Diogo que se encarregar ele mesmo de recolher as tempo de prisdo do bigamo servia para fazé-lo confessar a improvavel he-
dentincias, evitando contudo, “para maior segredo”, ouvir mulheres resia escondida em seu ato (a bigamia era em todo o caso um desrespeito
escravos™, Vejamos agora, com um exempla mais especifico ¢ detalh a sacramento do matriménio), o que nunca acontecia, o bigamo sain-
do, as conseqiiéncias da leitura de editais; os mecatismos por tras de: do-se com wma abjuracio de levi ou de vehementi e com penas bastante
severas (acoites, galés, degredo). Do mesmo modo, uma pessoa presa por
culpas de judaismo, o era somente uma vez, que suas culpas fossem pro-
‘8 ANY, IL, liv, 287, . 571-584, liv. 284, #1, $44 e liv, 292, 1 42, vadas por testemunhos julgados suficientes pelos inquisidores, a captura e
led ANTT, IL, maco 24, n° 47. ptisdo servindo entao para recolocar o cristo (a quem o sacramento do
216°. Bruno Ferrier NAS MALHAS DA CONSCIBNCIA 2

* batismo obrigava a crenga e a pratica do catolicismo) no bom caminh trangimentos fisicos e mentais que implicavam o encarceramento, e que
Ei bem verdade que esses dois “crimes” ndo sio realmente comparay eram avidamente buscados pelos inquisidores portugueses'™. J4 seus
na medida em que dificilmente um bigamo sustentaria a legitimidade colegas romanos do século XVII estavam bem conscientes dessa dife-
seu ato (a abjuragio in forma —~ implicando o reconhecimento pela p renga e da insuficiéncia dos testemunhos de co-réu, ou seja, das demin-
soa do pecado cometido, na maioria das vezes conscientemente ~ nao é cias feitas unicamente por pessoas j4 presas™”, Boi esse segundo tipo de
prevista em casos de bigamia}, mesmo reconhecendo seu erro. Os casog dentincias, feitas por testemunhas co-rés — “presos confesses, sécios no
de heresia e apostasia eram mais complexos, pois subentendiam que p mesmo crime, que interessam no testemunho a vida e liberdade”, como
algum espace de tempo o culpado havia acreditado ter razdo em agir diria um famoso texto do século XVIE™ — que esteve muitas vezes na
pensar de modo diferente daquele ordenado pela Igreja. Se um caso de origem de capturas imprdprias, contra as quais os inquisidores tinham
bigamia podia servir de exemplo a outros bigamos potenciais, acredit poucos meios de evitar. Com efeito, eles aceitavam esses testemunhes
va-se que heresia e a apostasia, como uma infecgao, 4 que eram freqiie arrancados quase sem restricGes (excetuando-se aqueles conseguidos
temente comparadas, podiam propagar-se com muito mais facilidade durante sessdes de tortura e que deveriam ser homologados no dia se-
rapidez, devendo assim ser combatidas com mais dureza. Apesar disso; guinte)'™, Pode-se aqui relembrar que, de acordo com o Diciondrio dos
resultava dificil encontrar provas tangiveis desses delitos e ainda mais inguisidores, baseado nas orientagdes do. papa Clemente EV, era melhor
dificil verificé-las, a prova final sendo a confissio do culpado segunds uin inocente morte que um herético vivo. Segundo o dicionatio, para
os moldes inquisitoriais. Essa contradiyao nao chegava a incomodar os castigar o crime de heresia bastavam indicios ténues. Assim, mesmio se
inquisidores ¢ no fim das contas os dois casos eram vistos como similares na praxis da Inquisicio portuguesa, dependendo das épocas, essa repra
no momento de se ordenar uma prisio. * nao era sempre seguida, testemunhos que divergissem em circunstan-
Para que essa ordem fosse passada, era entao mecessdrio que os in cias, mas que convergissem na substincia do delito, somavam-se até
quisidores estivessem certos da culpabilidade do réu, ¢ para isso eles chegar ac minimo necessdrio para se prender e castigar’™.
queriam testemunhes confidveis'™, A pratica mostrou que muitas vezes
eles ndo o eram, o que nao impediu que os processos que assim come-
garam seguissem0 mesmo procedimento que aqueles em que as depo- ‘8 © regimento de 1552 ndo fazia essa diferenga: “E grande sinal de penitente fazer boa e
verdadcira confissio, descobrir outros culpades dos mesmos errores, especialmente sendo
sigdes eram indubitaveis. Deve-se — contrariamente aos inquisidores pessoas chegadas e conjuntas em sangue ¢ a que tenham particular afeicao além das outras-
~— distinguir dois tipos de testemunhos/dentincias: um primeira, feito cosas que se requer para se ter a confisséa por boa e verdadeira” (cap. 10}.

com © objetive de se purificar, seb o fardo da consciéncia ou do medo 1” Catlo Ginzaune, Le fuge ef Phistorien: considérations en marge du proces Soffi, Lagrasse,
Verdier, 1997, pp. 12-16,
religioso, e um segundo feito para salvar a pele, sob os enormes con:
108 Noticias recénditas do modo de proceder na Inquisig@o, im Anténio Vieira, A. Sérgio eH.
Cidade (pref. ¢ notas), Lisboa, Sd da Costa, 1951-1954, vol. IV,

105 “Declaramos, que para os inquisidores decretarem que alguma pessoa seja presa, € {08 Regimento de 1640, tiv, II, tit. XIV, § 9, Na pratica, os inquisidores faziam duas ratificacdes,
neceasério preceder tal prova, que razoavelmente [isto é, de modo refletido, justo] pareca @ primeira no dia seguinte 4 sessiio de tormenta (ratificacio ad bancum) ¢ a segunda nesse
bastante para se proceder por ela a alguma condenacdo, ¢ ndo bastard uma 86 testemunha mestno dia ou no seguinte (ratificagae coram: Ronestis),Ver ANT'T, IL, pos. 4218, 6284, 9966,
pata ser presa a pessoa denunciada; salvo de for marido, ou naulher, ou sua parente dentro 10475 etc. Sobre a insuficiéncia dos testemunhos de co-réu, ver Carla Gruznure, Le juge et
do primeiro grau de consangiinidade contado por direito candmico.” Regimento de 1640, Thistorien, op. cit, pp. 12-16,
liv. HL, tit. 1, § 4, Sobre o problema da objetividade e fiabilidade dos testernunbos, ver Elvica HO yg Sara-Monins (inteod,, trad. e notas), Le dictionnaire des inquisiteurs: Valence 1294,
Cunha deA. Mua, A Inquisi¢ito de Coimbra ne século XVI, op. cit., pp. 217-226. Paris, Galilée, 1981,-p. 421.
NAS MALHAS BA COMSCTENCIA a0

~! Desse modo, a maquina inquisitorial se encontrava prisioncira‘d Vimos acima os vatios modos pelos quais os inquisidores recebiam
suas contradigées, e sua jurisprudéncia nao podia interessar-se objet; dentincias, através sobretudo de sua conexdo com o alto clero secular,
vamente a0 problema da fiabilidade dos testernunhos pois isso seria: mas também da colaboracao de jesuitas e carmelitas, por exemplo. Vi-
mesmo que pdr em causa o cariter sagrado da instituicao (o Sante O - mos também a importincia de representagiio que revestiam a irman-
cia} e aceitar que problematicas nao religiosas pudessem estar na ori dade de so Pedro Marti, a companhia dos familiares e sobretudo as
gem de dentincias e canfissées, como muitas vezes foi o caso. E por iss leituras de editais inquisitoriais, nao s6 para relembrat a populagio da
que raramente a Inquisicao reconhecia ter-se enganado, mesmo se es§ existéncia do tribunal, mas principalmente para incitar as dentincias. A
eventualidade estava prevista em sua regulamentacio". Os raros cage ' descrigao do caso dos judaizantes da Paraiba permitira ter uma visio
que se encontram, so de pessoas presas por engano ou entZo, dura do proceso inteito, que vai da distribuicdo de editais A prisio des réus,
te o século XVII, pessoas mortas nos cdrceres sem terem se confessa: que até agora sé foi visto de medo compartimentado, de acorde com
do, mas cujos atos de acusacio baseayam-se em testemunhos fracos!!? as necessidades da minha argumentac&o, Assim, essa rigidez inquisito-
Essa “quase” infalibilidade transparece nas varias abjuragies de levi e di rial no que tocava as dentincias surge de modo manifesto no caso da
vehementi suspeita de heresia: nesses casos os réus consepuiam prova ‘entrada’ efetuada na Paraiba. Com efeito, antes de receber as dendincias
que os testemunhes feitos contra eles eram invalidos, ou em todo o cas responséveis pela prisdo de grupo de judaizantes locais, os inquisidores
duvidosos, mas eles deviam mesmo assim abjurar, sobretudo quarida receberam duas outras que n4o tiveram conseqiiéncias, sem divida por
se tratavam de cristaos-novos presos por judaismo, e reconhecer qué catisa das incertezas que planavam sobre os dizeres dos delatores, todos
poderiam ter cometido as culpas de que eram acusadas, motivadas por leituras de editais da fé.
Uma primeira dessas leituras foi feita na ipreja matriz da pardéquia
1 Regimento de 1640, liv. TH, tit. 1, § 13. Esse pardgrafo previa que a “sentenca” fosse lida
de Nossa Senhora das Neves da Paraiba pelo padre coadjutor Alberto
em privado, e no durante um auto-da-fé, salvo se este fosse o desejo do absalio. Pa
um exemplo peruano da afirmagio da infalibilidade inquisitorial, ¢ ao mesma tempo de Abrantes, no dia de sao Matias (dia 24 de fevereiro) de 1673, iste é, no
inocentamentos, ver a nota seguinte. comeco da quaresma, como previsto, e possivelmente uma segunda na
2 Dentre as pessoas presas em conexdo com a Paratba, Miguel Henriques da Fonseca fo: quaresma do ano seguinte. Essas leituras provocaram um total de oito
preso no lugar de Miguel Alvares Henriques (ANTT, IL, pc. 3461}. Joana Gomes da Silveira
denitincias feitas entre o fim de fevereiro ¢ o fim de marco de 1673, e
(idem, pc. 2325) e sua irma “Teresa Barbalha de Jesus (idem, pc. 9397) foram absolvidas
apdés a morte das duas na prisio, As pessoas presas em consegiténcia de falsns testemunhes:: margo de 1674 ao vigdrio da paréquia, o p. Francisco de Arouche e
manifestos também cram absolvidos, como quatro cristios-velhos de Braganca, 1639 (Elvira Abrantes, que se encarregou de transmiti-las a Lisboa. As oito dentin-
Cunha de A. Mua,A Inquisi¢&o de Coimbra, op. oit., pp. 474-479), ou as sete pessoas de Lima
cias, contra ¢ cristéo-novo Luis Nunes da Fonseca e sua familia, funda-
em 1639 (dentre as quais deas eram familiares, uma sendo de origem portuguesa, assii
como duas outras pessoas): “Porque si bien regularmente hablido en das casas de F8, nadiz vam-se sobretude nos dizeres de terceiros que tomaram conhecimento
ex declarado por inacenie, por sentencia difinitiva, sino tan solamente absuslto de la instancia dos delitos pelos esceavos dos denunciados, Esses terceiros, por vezes
cotodo esso, si por testigos falsos, fue vio acusada, y consta de su inocésia: per resiocacion
nomeados, ndo se apresentaram pessoalmente ao paroce para denun-
de las misenos, & de ser por sentencia, declarado por inecente, y libre de tal crimen,¥ el Inez!
que otra cosa hiziere, peca mortalmente. Esta es opinion de graues autores; ¥ el Tribunal del ciar, O que fez com que os testemunhos fossem de segunda ou tercei-
santo Oficic destos Reynos, lo determind assi en la ucasion presente, atendiendo a lo dicho, va mao. As dentincias, implicando crist%os-novos aparentados a um
ynoa la peticion de las partes, Fueron siete Jos que padecieron como losef, y repzesentaron::
“sambenitado’, a judeus declarades da época dos holandeses, e que se
la parte alegre deste Auto tan grandioso.” (Itélion meu}. Os inocentados safram er auto-da-
fé sobre cavalos brancos vicamente paramentados, vestindo vestes luxuosas, Auto de ia Pe! reuniam na neite de sexta para sébado, adoravam uma “tourinha” ¢ uti-
celebrado en Lita a 23 de Enero de 1639 [...}, Lima, Pedro Cabrera, 1639. lizavam nomes especiais entre eles, deveriam ter excitado a curiosidade
220 BRUNO FRITLEr NAS MALHAS DA CONSCIENCIA 221

dos inquisidores. Mas esse nao foi o caso. O documento em questi, remetido; e que desta omissao nasce uma escandalosa soltura de vida
arquivado nos cadernos do promotor, néo menciona nem a opi¥ em que procedem muitos dos seus moradores, principalmente os que
dos inquisidores nem mesmo a do promotor do Santo Oficio. Nao residem nos sertées, cujos crimes se nia demunciam ao Santo Oficio
sabe se uma inquiric¢do foi ordenada, mas a auséncia de processo por se ignorar esta obrigacdo. Recorremos a VS" para que por servico
plicando as pessoas em questdo mostra que os julzes ndo acharam de Deus nosso Senhor lha faga lembrar; e¢ para os que se acharem
testemunhos suficientes’, ‘ sem os ditos editais, remetemos os inclusos que VS" se servird de thes
Entre 1674 ¢ 1725 ningném se incomodou em denunciar o comp mandar distribuir.*
tamento herético dos cristdos-novos em questo. Ao ver que apesar'd
demuncias feitas ac seu paroce o Santo Oficio nao se dignou a cortig fissa admoestacdo parece nao ter surtide efeito, pois a documenta-
a situagao, os ficis podem ter achado ter mal compreendido o contetid gdo existente nao contém nenhuma noticia de leitura nos anos que se
do edital que os havia levado a denunciaz, ov, mais provavelmente; seguemm imediatamente a essa carta.
ver fer se sentido satisfeitos por haver camprido seu dever de crista A chegada do bispo d. José Fialho, em novembro de 1725, ano jubi-
com o descarge de suas consciéacias ac vigatio da Parafba apds a leit lar, mudou a situacdo, Dentre as muitas medidas que tomou para pér
do monitério. Pois efetivamente, se os delitos em quest3o provoca seu bispado em ordem e remediar as desordens causadas pela longa
escdndalo e murmuragao, a leitura isolada de um edital da fé nao devia vacancia da $é, cle anulou varias ordenagoes indevidas de sacerdotes,
ser suficiente para fixar na consciéncia da populagéo o automatism fez pessoalmente visitas pastorais e devassas. Durante as visitas, mas
denunciador cujas origens estadaremos mais adiante; e era por essa'r também em tempo normal, ele fez publicar por seus subordinadas ou
240 que os inquisidores pediam que os editais fossem lidos todos por clérigos regulares as indulgéncias do jubileu e editais da fé ou da
anos. E de se notar que em todos esses casos, os denunciadores invocam visita. Os editais inquisitoriais foram possivelmente entregues ao bispo
a ignorancia para justificar o fato de no terem denunciado antes): pelos inquisidores quando ele Thes deixou a procuracdo de praxe antes
que sinaliza uma lacuna na distribuicdo e leitura dos editais que foram de sua partida de Lisboa. Ele também pode ter encontrando jé em Per-
enviados ao Pernambuco com uma certa regularidade. Esse problemi nambuco os editais ignorados pelo cabido displicente, distribuindo-os
logistico, revelado pelo reitor do colégio de Olinda e certamente deco por entre os clérigos do seu bispado que os leram durante a quaresma,
rente da vacancia da sede episcopal, provocou a célera dos inquisidor em todo caso na Parafba. A leitura feita na capela do engenho de Ti-
que, preocupados sobretudo com a soltura dos que viviam no sertao, beri no fim da quaresma de 1726, possivelmente pelo sacerdote local,
escreveram, em fevereiro de 1719, ao cabida da $é, ordenando-lhes qui produziu apenas duas dendincias, transmitidas pelo fr. Jodo da Madale-
lembrassem aos pdrocos a obrigacao da publicacao anual dos editais: na teligioso da ordem 3* da Peniténcia de Sao Francisco ao vigario da
Paraiba, na época o p. Anténio da Silva e Melo, que se encarregou de
Por nos constar (ndo sem grande sentimento nosso) que muitos encaminhé-las aos inquisidores™,
pérocos deste bispado nio Idem todos os anos aos seus fregueses, No dia 12 de abril de 1726, fr. Jodo da Meadalena se apresentou a
como sao obrigadas os editais do Santo Oficio que por vezes se Ihe tem Aniénio da Silva ¢ Melo, vigario da Paraiba ¢ assim maior autoridade

4 ANTT, IL, liv, 20, fl. 2489-249.


1? ANTT, IL, liv 254, 8 277-281 (hoje, sto Matias é festejado no dia 14 de maio). NS ANTT, IL, pe. 16484,
NaS MALHAS BA CONSCIENCLA 223

religiosa secular regional, para transmitir-lhe as demincias ouvi alrmmente préximas dos denunciados: Maria da Silveira Bezerra, a vitiva
oita dias mais cedo, quando fazia uma missio evangelizadora nos et
dle Gaspar Henriques da Fonseca e seu filho, homénimo do pai; Joana
genhos da regido. Comparecen diante dele, “motivados por wma pas
do Rego, uma filha bastarda de Gaspar com uma escrava; 0 marido
toral do Santo Oficio que poucos dias antes se tinha lido na cape
desta, 0 cristao-velho Agostinho da Silva Ribeiro e uma meia-irmd por
do dito engenho [de Tiberi]”, um casal, que denuncia alguns atos da
parte de mie de Joana do Rego. Eles denunciaram irmaos, primos, tios,
familia de Gaspar Henriques da Fonseca, filho do Luis Nunes da Foi
sobrinhos, parentes préximos e distantes, enfim, um total de mais de
seca denunciado em 1673/4. No dia 6 de setembro, 0 vigdtio enviow a
trinta pessoas vivendo na regido.
dentincia aos inquisidores, onde menciona ter prevenido o bispo
do. No comego de agosto de 1727, baseados nas dentincias transmitidas
caso em questaéo’!4
pelo p. Gongalo, as inquisidores de Lisboa Jodo Alvares Soares e Jodo
Uma outra leitura (o padre que transmite as dentincias delas di
Pais do Amaral prepararam wm questionério minucioso, com pergun-
corrente s6 menciona “um papel”, mas trata-se manifestamente de Tin
tas precisas sobretudo sobre o “proselitismo” dos jadaizantes, para as-
edital inquisitorial}, ocorreu na mesina épaca, no estabelecimenta
je » sim confirmar judicialmente os testemunhos ¢ assegurar-se que nao se
sufta da cidade da Paratba, As pessoas que estiveram presentes a leitur:
tratava de uma conjuragio dos denunciantes. No dia 14 do mesmo més,
nao fizeram nenhuma dendacia, ou se as fizeram, estas nado chegarar
' o questiondria foi enviado junto com inquiricdes de casos de bigamia e
até nds. Mas a leitura teve repercussdes importantes, pois alguns
mesé de solicitagao ao reitor do colégio de Olinda'.
mais tarde ela ecoava nos engenhos de agiicar da margem norte do ri
Entretempo, possivelmente movido pelas dendncias enviadas pelo
Paraiba: os habitantes dos engenhos Velho e Novo se confessaram ness
frade missiondrio e pelo p. Gongalo, a bispo de Pernambuco, d. José
epoca ao p. Goncale de Gouveia Serpa, clérigo presbitero das terras
d Fialho, iniciou uma visita pastoral na capitania da Paraiba, permane-
engenho Novo. Alguns deles, 20 saberem dos editais, denunciaram
a cendo mesmo quinze dias na capelinha do engenho Novo, onde ofi-
mesmo tempo alguns parentes, dentincias essas que forain coletada:
ciava o p, Gongalo. Durante a visita, a bispo provavelmente pregou,
como aquelas de Itu, ne segredo da confissio, mas como as mesmas
administrou o sacramento da confirmagao (inclusive a varios dos
com autorizagdo para serem transmitidas aos inquisidores, o que 9 p.
cristdos-novos denunciados), regularizou casamentos e reconciliou
Goncalo fez com a ajuda do reitor do colégio de Olinda em 29 de juth
inimigos, aparentemente brigados por causa de um boi, mas mais
€ primeiro de agosto de 1726, colocando-as por escrito. O p. Goncale
provavelmente por causa das ‘confissdes’ feitas pelo marido da filha
nao se esqueceu de pér o bispo a par do que estava acontecendo,
com bastarda de Gaspar durante a devassa titada pelo bispo’, Tratou-se de
havia feito fr. Jodo da Magdalena, enviando-the uma lista dos judaizan
uma inquirigdo tirada pelo bispo especialmente sobre os judaizantes
tes denunciados'”, Dessa vez as demtincias foram feitas por pessoas re-
(a que os denunciados nao podiam saber, mas podiam adivinhar}, du-
rante a qual o prelado convocou os cinco denunciantes — assim como
NS ANTT IL, pc, 16484, op. Goncalo— para que testemunhassem de acorda com “os interroga-
1? aNTT, IL, pe. 6284, ff 4-5. As demincias inclusas numa carta
enyiada aos inquisidores em.
marco de [728 pelo reitor do colégio de Recife também eram, provayel
mente, um reflexo da”:
agao do bispo e da leitura de editais: “Remeto estas cartas ¢ apontame
ntos Varios que fiz, de
varias pessoas q ine vierdo denunciar o q sabite de alguns sugeitos,
obrigades do Escrupulo. UB ANTTT, IL, pe. 6284, 8. 6-17 € 44y; IL, liv. 21, £1,293.
ousoandados pelos confessores. ‘Ouni a todas;e o dicera let, em apontamento diversc 9 ANT, IL, pe, 2613, inquirigéo de 1733; pe, 11772, nomeagio de testemunhas de 24 de
cada vor. ANTT, IL, marco 27, P26. E ; margo de #730, Sessites de crenca dos pc. 2422, 1530, 9397, 2293, 8039 entre outros.
BRUNO Bureer Nas MaLUAS DA CONSCIBNCLA |. 325°:

" térios das Constituigtes” ou “o primeira artigo da Constituicao’, isto aviado pelo bispo, o promotor do Santo Officio requeren a prisdo dos
os interrogatorios das visitas pastorais descritos no regimento do A udaizantes, pondo em evidéncia a “exuberancia” das provas fornecidas
dit6rio eclesiastico da Bahia, cujo primeiro dos quarenta artigostrata pelos denunciantes contra seus parentes, o que foi acatado pelos inqui:: |:
como vimos, da heresia e da apostasia”, Para advertir og denunci idores para uma boa parte dos denunciados, que ordenaram entio a - ,
das que n3o foram por sua prépria conta se confessar ¢ arrepender- prisiio de vinte deles nos cdrceres secretos da Inquisigao de Lisboa com
dos seus atos (essas confissGes teriam certamente sido remetidas 4 - seqliestro de seus bens “e quanto aos outros, se espere que lhes acresca
inquisidores), d. José fincou uma cruz de madeira em frente da ca mais piova’.
da vitiva de Simdo Rodrigues Alves, aquele que fora apontado pe Dois dias mais tarde os mandatas de prisfio estavam redigidos e fo-
p. Gongalo como o “predicante da sua diabélica lei”, Nao se sabe ram enviados ao mestre de campo Anténio Borges da Fonseca, familiar
data exata da visita pastoral, mas elas ocorriam habitualmente duran do Santo Offcio em Olinda, para que coordenasse as capturas. Com
te o inverno, época das secas, o que facilitava a locomagdo. Em todo'a os mandates, o mestre de campo recebeu uma carta dos inquisidores
caso, no dia 24 de setembro de 1727, de volta a Olinda, o secretario da dizendo-lhe que se pusesse de acordo corm o bispo (que devia dirigir a
visita transcreveu as culpas dos judaizantes do livro da devassa pa operagdo) sobre o mado de efetuar as prisdes e a escolha de homens
envid-las para Lisboa!?, de confianca ou de outros familiares locais para executarem a missio.
Rm meados de dezembro do mesmo ano, o p. Rafael Alvares, superic: Ele também recebeu uma lista das “citcunstancias que pareceram [aos
da casa dos jesuftas de sie Goncalo da Paraiba, comecava a inquiricae inquisidores| necessdrias para a cauiela segredo e acerto desta diligén-
judicial ordenada pelos inquisidores através de seu confrade do colégic cia”, Toram efetuadas ao todo 51 prisdes relacionadas aos judaizantes
de Olinda, a transcrigdo da devassa do bispo tendo entio provavelmen da Parafba em tome de t'és ondas de prisdes: a primeira em marco
te cruzado nos mares com o questiondrio dos inquisidores. Os cinco ou abril de 1729, a segunda em fins de 1731 ¢ a terceira em meados
denunciantes foram entio mais uma vez chamados a testemunhar de 1733, essas Ultimas resultando das confissGes/dentincias feitas j4
confirmar suas declaragSes, retificando certos pormenores e especifi- nos cdrceres da Inquisicao pelos presos da primeira: o judaismo estava
cando alguns acontecimentos. Ao fim da inquiricdo, como era de praxe, aberto na Paraiba™.
O jesuita escreveu de préprio punhe, isto é, sem o conhecimento do Vimos até aqui como se dava um processo de denincia, desde a lei-
escrivdo, seu parecer sobre as testermunhas e seus dizeres!?, tura de editais da fé até. a redacdo ¢ envio dos mandatos de prisio pelos
Um ano mais tarde, no dia 22 de dezembro de 1728, baseado nos inquisidores de Lisboa. Vimos entio o grande ndmero de atores res-
resultados da inquirigio feita pelo jesuita e possivelmente no sumatio ponsdveis pela difustio da mensagem inquisitorial e pela captagdo das
dentincias dela resultantes: o vigario e o coadjutor da pardquia da Pa-
raiba, um sacerdote de capela de engenho, o bispo de Pernambuco, um
120 Regiments do Auditorio Eeclesiastice do Arcebispado da Bahia, op. cit., tit, VIIL, $ 398. A
estadia do bispo no engenho Novo foi mencionada em ANTT, IL, pe, 2325, contraditas de
14 de agosto de £732,
124 ANT'T IL, pe. 6284, O 43¥-45 e IL, liv. 21, f. 347-~.
“] ANT'T, IL, pe. 6284, fl 4¢ sentenga de 21 de janeiro de 1732, questiondrio de coarctadade
9 de fevereiro de 1730 e inquiri¢go de novembro de 1730. 25 Para um outro exemplo desse efeito “bela de neve” das “confissdes” dos ptimeiros réus
de um grupo, ¢ de sua exploragio pelos inquisidores, ver Joaquim Romero Macatuizs,
122 ANTT,IL, pe. 6284, fl. 31-40, “E assim se abriu o judaismo no Algarve’, Revista da Universidade de Coimbra, vol. KXIX.
29 ANTT IL, pe. 6284, 8, 18-24, (1983), pp. 1-73. :
226 Bruno Feirier Nas MALMAS DA CONSCLANCIA 227

missiondrio franciscano, padres jesuitas de Olinda e da Paraiba. E des Finalmente, muitas outras leituras de editais devem ter ocorrido no
notar contudo que o comissdrio inquisitorial ¢ dedo da Sé Vicente Cor : Brasil, mesmo nas regides mais distantes. Os sacerdotes, por vezes um
tea Gomes, em atividade na mesma época, nao tomou nenhuma pari. pouco mais cultos que seus paroquianas podiam fazer uma selesio
nesse procedimento, servindo, contudo, em outros negécios do San, de seus dizetes, ¢ é bastante possivel que muitas das dentincias que
to Officio”, Foi sé entao que familiares comecaram a ser requisitado encontramos hoje nos arquivos inquisitoriais tenham sido feitas em
para efetuar a primeira onda de prises liderada por Anténio Borges conseqiiéncia de leitura de editais, mas transmitidas aos inquisidores
Fonseca, vindo de Olinda, quando foram capturadas dezessete pessoa sem que se mencionasse o instrumento que as provocou. Assim, no
Nota-se ainda que nas muitas inquiricées que se fizeram em cons telatério enviado pelo vigério da Paraiba em 1674, nao foi este quem
qiiéncia dos processos instanrados contra os cristaos-novos da Paraib » assinaiou a leitura do edital— feita por seu coadjutor — mas os préprios
— inquirigées de reperguntas, de defesa, de coarctada — foram semp delatores. Contudo, o fato de os denunciantes mencionarem seu com-
os superiores jesuitas que atnaram como comissérios, com algum outr parecimento a uma dessas leituras, ou pelo menos ter tido eco delas,
memibro da ordem ou wm padre secular como escrivao, possivelmen ’ nao é mais que wma justificativa parcial do ato de demincia em si.
por nio haverem entao, até meados do século XVIH, comissdrios off
ciais na capitania. Apesar de alguns desmandos e desordens acorrido
durante essa primeira onda de prisGes, que acarretaram danos para: " INQUISIGAO B CONSCIENCIA
segredo inquisitorial e para as finangas dos réus e do fisco, era este:
mecanismo que os inquisidores almejavam p6r em movimento atravé Chegamos aqui aos fundamentos do sistema inquisitorial, onde se
do envio de editais da fé”. Ls pode ver o seu comego, suas bases, e também onde se vishunbram seus
Fssas remessas de editais, tanto para as cidades importantes quan objetivos, seus fins. Com efeito, era toda a populacie do mundo por-
to para lugares ermos — yimos que regularmente os inquisidores ré tugués que interessava aos inquisidores. Também era dela, e sobretudo
comendavam a distribuicdo de editais pelo sertao — também. servian dela, que o tribunal dependia, pois sem sua colaboracdo ele ndo teria
para responsabilizar aqueles que os recebiam — do arcebispo ao cura acesso 4 matéria-prima com que funcionava: os réus, identificados a
de engenho, do prior ao missiondrio itinerante — relativamente a juris partir das dentincias que qualquer pessoa podia fazer chegar, por vias
digao inquisitorial, relembrando-lhes seu dever como cristdas e elo di miiltiplas, ao Santo Oficio. Para além dos parcos casos originados de
cadeia inquisitorial. uma “aprésentagdo”, ¢ segundo os textos inquisitoriais, a dentincia era
“am dos meios principais que ha para se poder em juizo proceder con-
tra os culpados’™4, : :
‘Essa populagao nao tinha obrigagées legais para com a Inquisicao,
(28 ANTT, IL, liv. 21, £1. 362v e 395, essas pessoas ndo agiam como atores procedurais, excegaio feita da sua
"2? bora a trajetéria dos judaizantes da Paratba e seus familiares, desde o século XVIE até: ‘fnfima porcentagem recrutada nos quadros inquisitoriais, Contraria-
seu trigico desfecho, ver Brune Ferrier, “Cristios-novos da Paratba: do tempo dos judeus mente aos eclesidsticos (sobretudo seculares) que, de acordo cam suas
ao tempo da Inquisicgo”, in A. Dines et alti, (orgs.), A Pénix ou o eterno retorio: 460 ano:
de presence judaica em Pernambuco, Brasilis, MinC{Monumenta, 200], pp. 138-147 e Idem,
Inquisition, juifs et nowvequx-cheétiens dans les capitaineries du nord de {Etat du Brésil (XVO"
XVIL siéctes}, Lovaina, Presses Universitaires de Louvain, 2003. U8 Regimenta do Santo Oficio de 1640, liv, UI, tit, I, § 2.

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