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Universidade Federal de Minas Gerais

Instituto de Ciências Exatas


Departamento de Matemática

Exercı́cios Teóricos Resolvidos

O propósito deste texto é tentar mostrar aos alunos várias maneiras de raciocinar para
resolver problemas teóricos. Por isso, várias resoluções diferentes para um mesmo problema
são discutidas. Evidentemente não existe uma única maneira de pensar, mas todas devem
obedecer os princı́pios básicos da lógica humana e você deve ser capaz de explicar o seu
raciocı́nio de modo que as outras pessoas entendam. Observe que as discussões são longas,
pois o propósito aqui não é simplesmente dar a solução (que em todos os casos não ocuparia
mais que uma ou duas linhas) e deixar que o aluno se vire para entender como se chegou a ela,
mas exatamente tentar dar meios e instrumentos para o aluno conseguir resolver problemas
teóricos por conta própria. À medida que o aluno atinja maior maturidade de raciocı́nio, ele
vai ver como ele chegará às soluções dos problemas teóricos simples sozinho, sem a ajuda de
ninguém, e com maior rapidez, automatizando o processo de raciocı́nio a tal ponto que ele
pode até mesmo ter dificuldades em explicar ao colega como ele chegou na resposta.

Exercı́cio 1

a) Se A é uma matriz m × n tal que AX = 0 para toda matriz n × 1 X, é neces-


sariamente verdade que A = 0?

Sempre que nos deparamos com uma situação nova, em qualquer ramo do conhecimento
humano, para compreendê-la é bom compararmos ela com situações semelhantes que apren-
demos anteriormente, conhecimento adquirido anteriormente, sobre as quais temos uma boa
compreensão. Esta é uma das bases do aprendizado. No caso especı́fico de matrizes, cujas
propriedades estamos começando a aprender, vale a pena comparar com o que sabemos sobre
as propriedades dos números reais, que são nossos velhos conhecidos. Além disso, é sempre
bom lembrar que os números reais são um caso especial de matrizes: as matrizes 1×1. Como
matrizes são blocos de números organizados de uma maneira especı́fica e as operações sobre
matrizes muitas vezes têm definições igualmente complexas, a maioria das propriedades que
valem para números reais não valem para matrizes. Mas compreender quando e porque elas
valem para números reais, ajuda a prever se determinada propriedade vai ou não valer para
matrizes.
Portanto, para resolver a questão proposta neste exercı́cio, primeiro vamos traduzi-la
para números reais e verificar se, nesta situação mais simples e que conhecemos bem, a
proposição é válida ou não, e os motivos da sua validade (ou não validade):
1
Se a é um número tal que ax = 0 para todo número x, então necessariamente a = 0?

Para saber se esta proposição é válida ou não, precisamos apenas lê-la. Quando dizemos
que uma coisa vale para todos os casos, em particular ela vale para qualquer caso especı́fico
que escolhermos. Logo, temos a liberdade de investigar casos particulares para ver se eles
fornecem alguma informação sobre o problema. Se a é um número real tal que ax = 0
para todo número real x, em particular ax = 0 para um x = x0 qualquer não nulo (por
exemplo, para x = 4). Mas se x0 6= 0, podemos dividir ambos os lados da nossa equação
ax0 = 0 por x0 e aı́ obtemos a = 0 (por exemplo, escolhendo x0 = 4, nossa equação fica
sendo a4 = 0 e dividindo ambos os lados da igualdade por 4, temos a4 4
= 04 , ou seja, a = 0).
Portanto, concluı́mos que se a é um número real tal que ax = 0 para todo número real x,
então necessariamente temos que ter a = 0.
Concluı́mos que a proposição é válida para números reais. Mas o mais importante,
principalmente para o próximo passo, que é investigar se a proposição é válida ou não para
matrizes, é entender porque pudemos concluir isso. Nós pudemos chegar a essa conclusão
porque entre os números x existem aqueles que podemos usar para dividir uma equação por
eles. Em outras palavras, porque existem números reais que possuem inversos multiplicativos
(dividir por x é a mesma coisa que multiplicar por x1 , que é o inverso multiplicativo de x).
Na verdade, quase todos os números reais possuem inversos multiplicativos; a única exceção
é o número 0.
Nem todas as matrizes possuem inversos multiplicativos. Isso é especialmente verdade
para matrizes colunas X n×1, onde o conceito de inverso multiplicativo não é sequer definido.
Em outras palavras, mesmo que a matriz coluna X for uma matriz não nula, não podemos
dividir a equação AX = 0 por X. Se você se lembrar do que aprendeu na sala de aula,
deve-se recordar que as únicas matrizes para as quais definimos inversas são as matrizes
quadradas.
Isso parece indicar que a resolução que encontramos acima não se generaliza para as
matrizes, e perdemos nosso tempo. Na verdade, porém, a resolução acima pelo menos indica
que vale a pena tentar casos particulares, escolhendo matrizes coluna X diferentes da matriz
coluna nula 0 e ver que informações elas podem nos dar.
Para fixar idéias, ao invés de lidar com uma matriz geral m × n, vamos nos restringir à
análise do caso particular das matrizes 2×2. Na resolução de problemas teóricos este é muitas
vezes um passo importante: analisar alguns casos particulares, suficientemente ilustrativos,
antes de passar para o caso geral. A resolução de um caso particular pode dar idéias para
resolver o caso geral. Por isso, é importante que o caso particular não seja particular demais,
pois a técnica de resolução pode servir apenas para este caso e não para o caso geral (veja
observação no final da resolução deste exercı́cio), ou, pior ainda, pode ser que a proposição
seja realmente válida para este caso particular, mas seja falsa em geral.
Em princı́pio, não há nada de mal em escolher uma matriz 2 × 2 para testar nossas idéias,
portanto façamos isso. Tomemos uma matriz quadrada A, 2 × 2, de modo que as matrizes
X são matrizes coluna 2 × 1. Observe que se

2
    
a11 a12 x11 0
= , para toda matriz X,
a21 a22 x21 0
 
1
então, em particular, vale para a matriz coluna não nula X1 = .
0
Ao efetuarmos a multiplicação AX1 = 0, obtemos a11 = 0 e a21 = 0, portanto obtemos
informação sobre A: A tem que ter a sua primeira coluna nula .
A próxima escolha
  pode já ser óbvia para o aluno. Escolhendo agora a matriz coluna
0
não nula X2 = e efetuando a multiplicação AX2 = 0, obtemos a12 = 0 e a22 = 0, ou
1
seja, a segunda coluna de A também deve ser nula e portanto A tem que ser de fato a matriz
identicamente nula.
Nesse ponto, o aluno poderia perguntar: “Fica claro que se eu multiplicar minha matriz
por esses vetores eu obtenho uma
  matriz nula.
 Mas  e se eu escolhesse outros dois vetores
2 −1
quaisquer, por exemplo X3 = e X4 = . Eu obteria a mesma resposta?”
1 1
A resposta é sim: basta efetuarmos a multiplicação AX3 = 0 e AX4 = 0, ou seja,
         
a11 a12 2 0 a11 a12 −1 0
= e =
a21 a22 1 0 a21 a22 1 0
para chegaremos aos sistemas:

2a11 + a12 = 0
2a21 + a22 = 0

−a11 + a12 = 0
−a21 + a22 = 0
Daı́ resulta que devemos ter quatro condições para as entradas a11 , a12 , a21 , a22 de nossa
matriz. Por um lado, pela primeira equação do primeiro sistema, devemos ter que 2a11 =
−a12 . Por outro lado, pela primeira equação do segundo sistema, devemos ter que a11 =
a12 . Sendo assim, combinando essas duas condições, vemos claramente que a única solução
possı́vel para ambos os casos é a11 = a12 = 0. Fazendo um raciocı́nio inteiramente análogo
para tratarmos da segunda equação do primeiro e do segundo sistema, obteremos a solução
a21 = a22 = 0. Assim, obtemos novamente que a matriz A é identicamente nula. Porém, aqui
vem uma observação importante: tente sempre escolher os exemplos mais simples possı́veis.
Quanto mais complicado o seu exemplo, maior será a probabilidade de você errar as suas
contas e, mesmo que suas contas estiverem corretas, você pode não conseguir analisar a
informação que você obteve usando este exemplo devido a sua complexidade.
Além disso, quando se escolhe um exemplo complicado que dá informação parcial (a ma-
triz X3 ), às vezes pode ficar difı́cil encontrar um segundo exemplo para dar a informação
complementar (a matriz X4 ). Neste problema especı́fico que estamos resolvendo, em geral
quaisquer duas matrizes colunas diferentes que escolhêssemos nos dariam o resultado de-
sejado, a não ser que elas fôssem múltiplas uma da outra. À exceção deste caso, sempre
3
obterı́amos a matriz A tem todos os seus termos iguais a zero. Em outros problemas, as
coisas poderiam não ser tão fáceis, por isso é sempre bom escolher os exemplos mais simples
possı́veis.
Outro motivo para isso é que se os exemplos mais simples não fornecerem a informação
desejada (talvez por serem simples demais; mas às vezes o motivo é que a proposição é falsa),
pode-se progressivamente torná-los mais complicados, de maneira organizada e sistemática.
Procedendo agora para o caso geral, onde A é uma matriz m × n e X uma matriz n × 1,
temos a seguinte situação:
    
a11 a12 ... a1n x11 0
 a21 a22 ... a2n   x21   0 
..   ..  =  ..  , para toda matriz coluna X
    
 .. .. ..
 . . . .  .   . 
am1 am2 ... amn xn1 0
Então, seguindo a idéia que desenvolvemos para resolver o caso em que A é uma matriz 2×2,
em particular esta relação deve valer para as matrizes coluna
     
1 0 0
 0   1   0 
X1 =  ..  , X2 =  ..  , . . . , Xn =  ..  .
     
 .   .   . 
0 0 1

Procedendo da mesma maneira que no caso de uma matriz 2 × 2, substituı́mos cada uma
destas escolhas para X na equação AX = 0. Escolhendo X = X1 , X = X2 , . . . , X = Xn ,
sucessivamente, obtemos os seguintes valores para os ı́ndices aij :


 a11 = a21 = ... = am1 = 0
 a12 = a22 = ... = am2 = 0

.. .. .. .. ..


 . . . . .
 a = a = ... = a = 0
1n 2n mn

Sendo assim, concluı́mos que A tem que ser necessariamente a matriz nula, pois cada
entrada de A vale zero.

Observação. Às vezes, dependendo da maneira que resolvemos um caso particular, isso
pode não dar nenhuma informação sobre o caso geral. Por exemplo, uma maneira de re-
solver a questão proposta neste exercı́cio para os números reais é pelo chamado raciocı́nio por
contradição (ou por absurdo). Suponha que ax = 0 para todo x e que a 6= 0. Se a 6= 0, então
a possui um inverso multiplicativo e podemos dividir ambas os lados da equação ax = 0
por a, obtendo que necessariamente x = 0, o que contraria a nossa hipótese inicial que a
equação vale para todo x. Portanto, esta contradição prova que se ax = 0 para todo x, então
necessariamente a = 0. Este tipo de raciocı́nio não se generaliza para todas as matrizes A
m × n pois, como lembrado acima, se m 6= n, então a inversa de A não está definida. Ele
4
apenas mostra que se A é uma matriz quadrada tal que AX = 0 para toda matriz coluna
X, então necessariamente A não pode ser invertı́vel (pois, da mesma forma que fizemos com
números reais, podemos multiplicar ambos os lados da equação AX = 0 pela inversa de A,
ou seja, A−1 AX = A−1 0, obtendo IX = 0, ou seja, X = 0, uma contradição). Embora este
raciocı́nio não tenha sido útil na nossa situação aqui, ele poderia ser útil em outra situação.
Note que embora ele não seja capaz de resolver o problema aqui, ou seja não nos permitiu
concluir que A = 0, pelo menos alguma informação ele deu, ou seja, que A não pode ser
invertı́vel. Com base nesta informação o problema se simplificou um pouco, já que agora
não precisamos trabalhar no universo de todas as matrizes, apenas no universo das matrizes
não-invertı́veis, que é um universo muito menor (apesar de ser constituı́do por infinitos ele-
mentos: pense na comparação entre uma reta e um plano, ambos formados por um número
infinito de pontos, mas em um certo sentido o plano é ”maior” que a reta).

b) Sejam B e C matrizes m × n, tais que BX = CX, para todo vetor X, n × 1.


Mostre que B = C.

Novamente pensando inicialmente no contexto de números reais, suponha que tenhamos


dois números b e c tais que a igualdade bx = cx é válida para todo número x. Este problema
parece semelhante ao caso anterior e de fato, após algum pensamento, vemos que podemos
recair no caso anterior simplesmente reescrevendo nossa equação como bx−cx = 0 (em outras
palavras, subtraia cx de ambos os lados da equação) e colocando x em evidência, obtendo
a equação (b − c)x = 0 válida para todo x. Mas então, concluı́mos pelo item anterior que
(b − c) = 0, ou seja, b = c.
Observe que na resolução do caso mais simples de números reais usamos apenas operações
que são válidas também para matrizes: a subtração é uma operação que está definida para
matrizes e têm as mesmas propriedades da operação subtração para números reais e as
matrizes também satisfazem a propriedade distributiva, como os números reais, o que per-
mite colocar matrizes em evidência. Portanto o mesmo raciocı́nio, apenas trocando letras
minúsculas por maiúsculas, deve servir para matrizes.
Dadas duas matrizes B e C, m × n, se a equação BX = CX é válida para toda matriz
coluna X, n × 1, podemos subtrair a matriz CX de ambos os lados da equação obtendo
BX − CX = 0. Novamente, como para as matrizes vale a propriedade distributiva, podemos
colocar X em evidência obtendo (B − C)X = 0 para todo X e recaı́mos no caso provado no
ı́tem anterior. Sendo assim, concluı́mos que (B − C) = 0, e portanto B = C.

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Exercı́cio 2

a) Se A e B são duas matrizes tais que AB = 0, então A = 0 ou B = 0? Jus-


tifique.

Um resultado conhecido quando tratamos de números reais é que se a e b são dois números
tais que ab = 0, então a = 0 ou b = 0 (lembre-se que ”ou”em matemática não é excludente,
ou seja, no caso, tanto pode apenas um deles ser zero como pode ocorrer de ambos serem
nulos). Para verificarmos se esse resultado vale para as matrizes, precisamos antes de mais
nada entender porque ele vale para os números reais.
Não é difı́cil de ver porque este resultado vale para números reais. Se a 6= 0, então
podemos dividir ambos os lados da equação ab = 0 por a e concluirmos que b = 0. No
entanto, como já recordamos no exercı́cio anterior, existem matrizes não nulas que não
possuem inversas (se elas não forem quadradas, não há nem sentido em falar sobre as inversas
destas matrizes). Logo este argumento não serve para matrizes. Na verdade, quem garante
que esta proposição é verdadeira para matrizes?
Fica claro que se A = 0 ou B = 0, quando fazemos o produto AB obtemos a matriz nula.
No entanto, será que sempre que um produto AB = 0, as matrizes A e B são nulas?
O argumento sobre números reais pelo menos é útil no sentido de mostrar que se uma
das matrizes A ou B é invertı́vel, então a proposição é verdadeira, ou seja, AB = 0 implica
A = 0 ou B = 0. Basta notar que, supondo, por exemplo, A invertı́vel, podemos multiplicar
à esquerda ambos os membros da nossa equação por A−1 , obtendo A−1 AB = A−1 0 e con-
cluı́mos que IB = 0, ou seja, B = 0. Caso seja B a matriz invertı́vel, procedemos de modo
análogo, multiplicando à direita ambos os lados da equação pela inversa de B e obtendo
ABB −1 = 0B −1 , donde resulta AI = 0, e portanto A = 0.
Portanto, para investigar a validade da proposição para matrizes, temos que nos restringir
a matrizes não invertı́veis. Será que é possı́vel termos duas matrizes não invertı́veis A e B,
não nulas, tais que o seu produto seja igual à matriz nula 0?
Para ver isso, podemos tentar alguns exemplos simples. Se depois de tentarmos vários
exemplos, simples e complicados, não conseguirmos obter nenhum exemplo de matrizes não
nulas e não invertı́veis tais que o seu produto é igual a 0, poderemos desconfiar que tais
exemplos não existem e tentar encontrar um argumento lógico para provar que de fato é
assim, a proposição é verdadeira.
No entanto, escolhendo os exemplos mais simples de matrizes não invertı́veis, é fácil
encontrar logo de cara matrizes não-nulas cujo produto é 0. Por exemplo, se pegarmos duas
matrizes simples como  
 1
0 1 e
0
e efetuarmos o produto da primeira com a segunda (claramente este está definido), obteremos
o número zero (que é a matriz nula 1 × 1). Sendo assim, a partir de um caso bem simples,
já vimos que podemos pegar duas matrizes não nulas com o seu produto dando zero, ou seja
a proposição, apesar de verdadeira para os números reais, é falsa para as matrizes.

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Se você não estiver satisfeito, pode ver que isso vale para matrizes de todos os tamanhos,
encontrando sempre contraexemplos simples. Por exemplo, no caso de matrizes quadradas
2 × 2, podemos construir duas matrizes não nulas bem simples cujo produto é 0 , baseado
no que acabamos de ver. Basta considerar as matrizes:
   
1 0 0 1
A= eB= .
0 0 0 0

Ao efetuarmos a multiplicação AB obtemos a matriz nula, como você pode verificar rapi-
damente. Esse processo de construir matrizes não nulas cujo produto é a matriz nula, pode
ser seguido para matrizes de qualquer tamanho. A partir dessa idéia, podemos construir
também matrizes de outras ordens tal que o seu produto resulte em uma matriz nula. Outro
exemplo:  
  0 0  
1 0 0  0 0
1 0 =
0 0 0 0 0
0 0
(Tente você encontrar um exemplo de duas matrizes não nulas 3 × 3 cujo produto é a matriz
nula.)
Assim, podemos seguir indefinidamente construindo exemplos que tornam falsa a afirmação
do enunciado da nossa questão. Exemplos dessa forma são matematicamente chamados de
contra-exemplo, ou seja, um exemplo que mostra que é falsa a generalidade de uma afirmação,
ou seja, no caso, de ser verdade para toda matriz que se o produto de duas matrizes é nulo,
pelo menos uma das matrizes é nula. Achamos vários exemplos em que essa afirmação falha.
Na verdade, há infinitos exemplos, embora bastasse apenas um para mostrar que a afirmativa
é falsa.

b) Se AB = 0, então BA = 0? Justifique.

Novamente temos um resultado cuja validade para o caso dos números reais é facilmente
vista, pois para os números reais a multiplicação é comutativa, quer dizer, se a e b são
números reais e ab = 0 então, como ab = ba, temos ba = 0.
Entretanto, como a multiplicação de matrizes não é comutativa, é de se desconfiar que
esta propriedade não seja válida (por outro lado, no caso de matrizes quadradas, talvez
você tenha visto em sala que se AB = I, então necessariamente BA = I, portanto, não
está claro que isso seja assim). Para verificar a falsidade desta afirmação basta encontrar
um contra-exemplo, ou seja, um caso em que temos o produto de duas matrizes iguais a
matriz nula, mas que ao trocarmos a sua ordem obtemos uma matriz não nula. Portanto,
vale a pena experimentarmos com matrizes, tentando achar contra-exemplos. Se depois de
tentarmos vários exemplos, simples e complicados, não conseguirmos obter nenhum exemplo
de matrizes cujo produto em uma ordem é 0, mas se trocarmos a ordem não dá 0, então
podemos começar a suspeitar que sempre que o produto de duas matrizes dá 0 não importa

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a ordem em que você faz a multiplicação destas matrizes, você sempre obterá 0. Aı́ teremos
que encontrar um argumento lógico para provar isso.
Após algumas tentativas, sempre procurando exemplos simples (o que também reduz o
número de tentativas), vemos que se considerarmos as matrizes:
   
1 0 0 0
A= eB= ,
0 0 1 0
claramente teremos AB = 0, enquanto que quando fazemos o produto BA obtemos
    
0 0 1 0 0 0
= ,
1 0 0 0 1 0
que é uma matriz não nula.
Podemos, de modo análogo ao exercı́cio anterior, encontrar várias outras matrizes cujo
produto em uma determinada ordem dá a matriz nula, mas que quando trocamos sua ordem
seu produto não é mais uma matriz nula.

Observação. Quando mostramos que a afirmação do enunciado é falsa, não quer dizer
que não existam matrizes cujo produto valha zero qualquer que seja a ordem em que este
produto é feito. Na verdade, existem várias matrizes assim. Um exemplo trivial é a matriz
identicamente nula, que multiplicada por qualquer matriz dá zero e ao comutarmos com
essas mesmas matrizes, o produto continua valendo zero. O que queremos ressaltar é que
essa afirmação não vale para toda matriz e, portanto, não pode ser considerada verdadeira.

c) Se A é uma matriz tal que A2 = 0, então A = 0? Justifique.

Mais uma vez temos uma afirmação obviamente válida quando tratamos de números
reais. Vamos então analisar sua veracidade quando estamos trabalhando com matrizes.
Como primeira observação, note que a afirmação só faz sentido para matrizes quadradas,
pois se A não é uma matriz quadrada, então o produto de A por A não está definido.
Portanto o nosso universo de trabalho aqui é restrito às matrizes quadradas.
Observe que não podemos pensar o ı́tem c) simplesmente como um caso particular do
ı́tem b) onde, ao invés de pensarmos no produto geral AB, nós pensemos no produto particu-
lar deste caso AA. Essas particularizações só valem quando temos um enunciado verdadeiro.
Explicando, se eu tenho uma afirmação que vale, por exemplo, para todos os tipos de ma-
trizes, então valerá para determinados casos particulares delas. Exemplificando, sabemos
que como a soma de matrizes é associativa para quaisquer tipo de matrizes (obviamente
desde que elas tenham o mesmo tamanho e você possa somá-las), então podemos afirmar
que, em particular, esta propriedade será verdadeira para o caso das matrizes quadradas
ou das matrizes 3 × 2. No entanto, quando temos um enunciado falso, não podemos dizer
que uma particularização dele também será falsa. Pode ocorrer de um resultado não ser
verdade, por exemplo, quando se trata de todas formas de matrizes possı́veis, mas valer, em
8
particular, para determinados tipos delas. Por isso, ainda é possivel que c) seja verdadeira,
isto é, no caso particular do produto de uma matriz com ela mesma.
Observe também que a matriz A não pode ser invertı́vel pois, caso fosse, a nossa equação
A = 0 poderia ser multiplicada em ambos os lados por A−1 e resultaria que A−1 AA = A−1 0,
2

donde terı́amos IA = 0, e portanto A = 0, contradizendo o fato de que A é invertı́vel.


Sendo assim, procuremos matrizes mais simples o possı́vel, entre as matrizes não in-
vertı́veis, para testar a afirmação. Após algumas tentativas, é fácil encontrar a matriz não
nula  
0 0
A= ,
1 0
cujo quadrado é a matriz nula.
Outra maneira de construir contra-exemplos para esta afirmação é a seguinte. Quere-
mos achar matrizes A de entradas a, b, c, d, não todas simultaneamente nulas, tais que, ao
efetuarmos o produto AA obtemos uma matriz nula. Ou seja, queremos que
    
a b a b 0 0
=
c d c d 0 0

Ao efetuarmos o produto entre as duas matrizes do lado esquerdo, vemos que esse produto
equivale a resolver o sistema  2

 a + bc = 0
ac + cd = 0


 ab + bd = 0
bc + d2 = 0

Sendo assim, para encontrar a matriz que queremos basta que suas entradas a, b, c, d sat-
isfaçam o sistema formado pelas quatro equações acima. A matriz escolhida anteriormente
satisfaz essas condições pois no seu caso temos a = 0, b = 0, c = 1, d = 0. Uma outra matriz
que serviria para contra-exemplo é a matriz
 
0 1
0 0

pois a = 0, b = 1, c = 0, d = 0 satisfazem o sistema. Para verificar se estamos corretos,


também basta efetuar o produto
  
0 1 0 1
0 0 0 0

e ver que obtemos a matriz nula.


Analogamente, poderı́amos encontrar matrizes A de qualquer tamanho tais que A2 = 0.

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