Você está na página 1de 76

R$14,00

P.40 TECNOLOGIA FACILITA


SEXO A DISTÂNCIA
DOSSIÊ
MICRÓBIOS
NÃO CONHECEMOS
EDIÇÃO
308

C A RG A TRIBUTÁ RI A FEDER A L A PROX . 4,65%


99,999%

P. 66 CIENTISTAS CONSEGUIRAM
EDITAR O DNA. E AGORA?

edição de
P. 48 TERRAS DE VIÚVAS SÃO DO 1 TRILHÃO
DE ESPÉCIES MICROBIANAS ipad
ROUBADAS EM UGANDA DO PLANETA • P.19

A CIÊNCIA AJUDA VOCÊ A MUDAR O MUNDO REDES SOCIAIS AJUDAM A MEDIR RELEVÂNCIA DE ARTIGOS CIENTÍFICOS P. 7 MAR. 17

A CIDADE
QUE NINGUÉM QUER VER

Embelezar os espaços públicos é importante,


mas medidas contra minorias podem mais
esconder do que resolver conflitos

P. 28
AutorA best-seller com mAis de 2 milhões de livros vendidos

Depressão
não é frescura
Em Mentes depressivas,
a dra. Ana Beatriz Barbosa Silva,
médica psiquiatra e escritora,
disseca a depressão de forma
inovadora ao abordar a doença
do século por meio de suas
três dimensões: física, mental
e espiritual.

Nas livrarias e em e-book


COMPOSIÇÃO

ANTIMATÉRIA MATÉRIAS
P. 14 OFICINA
Guia para tirar manchas

P. 14 NOTÁVEIS
Brasileiro luta contra o
motorzinho do dentista

P. 15 Vegetais conservados

P. 28
PESSOAS
P. 07 Um like para a sua tese X CIDADES
P. 16 Avaliamos o novo fone
P. 10 Pós-verdade mata de ouvido da Apple P. 40 Androides sonham com
orgasmos elétricos?

P. 11 Trump contra P. 17 Guia mundial


o meio ambiente de tomadas P. 48 Luto sem fim
em Uganda

P. 18
ELEMENTAR P. 56 ENTREVISTA
Alexei Mailybaev
CHICLETE
P. 60 ENSAIO
Mergulho no museu

P. 66 Guardiões do DNA

P. 11 Novidade na química P. 71 TUBO DE ENSAIOS

P. 12 O satélite brasileiro P. 72 PANORÂMICA


P. 19 DOSSIÊ
P. 13 O professor das estrelas MICRORGANISMOS P. 74 ULTIMATO
NovoappGalileu

O mundO estámudandO
cOnstantemente.
tenha tudO O que
precisa saber sObre
Os temasatuais na
palma da sua mãO.
Todo o conteúdo e todas
as edições de GALILEU
disponíveis em seu celular
ou tablet, totalmente
adaptados à tela.

envie um sms GrÁTis com a palavra GALILEU para 30133 e baixe o aplicaTivo. disponível para
PRIMEI-
G A LILEU.GLOBO.COM
QUEM FEZ A CAPA

FOTO Tomás Arthuzzi

RAMENTE
#308 03. 2017 ASSISTÊNCIA Rafa Amaro
PRODUÇÃO Beatriz Liranço
MODELO Francisco Bezerra Neto
POR CRISTINE KIST MAQUIAGEM Letícia de Carvalho
MURAL Herbert Loureiro

AGRADECIMENTOS
MAQUIADOR Moisés Costa

COLABORADORES DO MÊS
ele simplesmente foi até a mesa ao
lado, e depois até a próxima. Não
conseguiu nada e já estava indo
embora quando um garçom do Beatriz
Liranço
quiosque achou por bem encher
um copo com gelo, puxar a gola da PRODUTORA

camiseta dele por trás e despejar ONDE NASCEU E ONDE MORA


os cubos de gelo nas suas costas. São Paulo (SP)
O velho nem sequer reagiu. Não dis- HISTÓRICO
se absolutamente nada nem pareceu Seu primeiro estágio foi como
se assustar, só continou andando. produtora de moda da Playboy.
Participou da produção de capa
Contei essa história na reunião de revistas como Superinteressante
de pauta assim que a discussão so- e VIP. Não tem planos de trocar o
bre os espaços públicos foi levan- estúdio pelo chão de confecção.

tada. Em São Paulo, o tema esteve O QUE FEZ NESTA EDIÇÃO


especialmente em alta nas últimas A produção da foto de capa

semanas graças às polêmicas en-


COMO UM volvendo o apagamento de grafites,
mas o buraco é bem mais embaixo.
COPO CHEIO DE
Aquele senhor estava simplesmente
G E LO R E S U LTO U andando na rua, como tinha todo o Giuliana
Miranda
direito de estar, como temos todos.
N A CA PA JORNALISTA
Ele não assediou nem achacou nin-
D E ST E M Ê S guém, mas foi agredido mesmo as-
ONDE NASCEU E ONDE MORA
sim. E a intenção não era mandá-lo Rio de Janeiro (RJ) e Lisboa
embora, até porque ele já estava
indo. O que o garçom queria era
que ele nunca mais voltasse, que
! HISTÓRICO
É doutoranda em Relações
Internacionais. Colabora como
á pouco menos desaparecesse — pelo menos do seu MÃE, TÔ correspondente para a Folha

H de um mês, fiz o campo de visão. Se fosse para outro NA GLOBO de S.Paulo e outros veículos.
Em fevereiro, O QUE FEZ NESTA EDIÇÃO
que todo paulista quiosque, problema do outro dono. fizemos nossa A parte que lhes cabe (p. 48)
faz no verão: fui É sobre essa vontade arrebata- primeira edi-
passar um fim de dora de virar a cara para os con- ção conjunta
com o Bem
semana no Rio de Janeiro. Como flitos das cidades e fazer de conta Estar, da TV
boa turista, assim que cheguei co- que eles não estão lá que trata a Globo. Tanto a
loquei óculos de sol e um chapelão reportagem de capa desta edição. nossa revista
quanto o Herbert
e sentei em um dos quiosques de Fomos, o editor Thiago Tanji programa Loureiro
Ipanema. Bebia uma água de coco e eu, atrás de especialistas para apresentado ILUSTRADOR
quando um senhor já idoso parou entender a importância dos espa- por Mariana
Ferrão e Fer-
ao meu lado para pedir dinheiro. ços públicos e da interação com nando Rocha ONDE NASCEU E ONDE MORA
Ele aparentava ter algum tipo de quem nos parece diferente. O re- falaram sobre Maceió (AL) e São Paulo (SP)

deficiência cognitiva, andava deva- sultado você confere a partir da a síndrome HISTÓRICO
de burnout. Trabalha com ilustração e design.
gar e mal conseguia falar. Quando página 28. Boa leitura! Para quem É 1/3 do Estúdio Lambada.
eu disse que não tinha nada (e real- perdeu, o pro-
mente não tinha — quem anda com grama está O QUE FEZ NESTA EDIÇÃO
Cristine Kist — Editora-chefe disponível no O mural que nós cobrimos
dinheiro no bolso hoje em dia?), ckist@edglobo.com.br GloboPlay. de cinza na foto de capa
DIRETOR GERAL: Frederic Zoghaib Kachar
DIRETOR DE AUDIÊNCIA: Luciano Touguinha de Castro
DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE: Virginia Any
CONSELHO Sem cansaço, a
terceira turma
POR NATHAN FERNANDES
do Conselho
DIRETORA DE GRUPO CASA E COMIDA, estreia em
CASA E JARDIM, CRESCER E GALILEU: Paula Perim
grande estilo
REDAÇÃO
EDITORA-CHEFE: Cristine Kist POR QUE SOMOS avaliando
a edição de
SEMPRE TÃO JULGADOS
EDITORA DE ARTE: Fernanda Didini
EDITORES: Giuliana de Toledo, Nathan Fernandes e Thiago Tanji
REPÓRTERES: André Jorge de Oliveira e Isabela Moreira
DESIGNERS: Felipe Eugênio (Feu) e João Pedro Brito
fevereiro
ESTAGIÁRIOS: Júlio Viana (texto) e Fernanda Ferrari (arte)
ASSISTENTE DE REDAÇÃO: Wania Pace Edição • Fevereiro/2017
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO: Clarissa Barreto, Everton Lopes Batista,
Fernando Arbex, Felipe Floresti, Fernando Silva, Giuliana Miranda, Hipólito
Christodoulou, Tainah Tavares, Thássius Veloso, Viviane Werneck, (texto); Beatriz
Liranço, Estúdio Barca, Helena Sbeghen, Herbert Loureiro, Julia Rodrigues,
Letícia de Carvalho (Agência Amuse-Ment), Marcus Penna, Vini Valente, Tomás
Arthuzzi, Voulta & Sérgio Sá (arte); Monique Murad Velloso (revisão)
O QUE ELES ACHARAM:
E-MAIL DA REDAÇÃO: galileu@edglobo.com.br

TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DA REPORTAGEM 81,3% 18,8%


DIRETOR DE TECNOLOGIA: Rodrigo Gosling
OPEC ONLINE: Rodrigo Santana Oliveira, Danilo Panzarini, DE CAPA Gostei, compartilhem até Gostei mais ou menos,
Higor Daniel Chabes e Rodrigo Pecoschi chegar ao meu chefe cansei no meio
ESTRATÉGIA DIGITAL
DESENVOLVEDORES: Everton Ribeiro, Fabio Marciano, Jeferson Mendonça, Leandro
Paixão, Marcelo Amendola, Murilo Amendola, Thiago Previero e William Antunes

ESTRATÉGIA DE CONTEÚDO DIGITAL


GERENTE: Silvia Balieiro

MERCADO ANUNCIANTE DO DOSSIÊ 93,8% 6,3%


FINANCEIRO, IMOBILIÁRIO, TI, COMÉRCIO E VAREJO — Diretor de negócios
multiplataforma: Emiliano Morad Hansenn; Gerente de negócios multiplataforma: Ciro BIRITA Gostei, agora posso Gostei mais ou menos,
Horta Hashimoto; Executivos multiplataforma: Christian Lopes Hamburg, Cristiane beber com sabedoria já sabia de tudo
de Barros Paggi Succi, Milton Luiz Abrantes e Selma Maria de Pina. MODA, BELEZA E
HIGIENE PESSOAL — Diretor de negócios multiplataforma: Cesar Bergamo; Executivos
multiplataforma: Adriana Pinesi Martins, Ana Paula Boulos, Eliana Lima Fagundes,
Giovanna Sellan Perez, Selma Teixeira da Costa e Soraya Mazerino Sobral. CASA,
CONSTRUÇÃO, ALIMENTOS E BEBIDAS, HIGIENE DOMÉSTICA E SAÚDE — Diretora
de negócios multiplataforma: Luciana Menezes; Executivos multiplataforma: Fatima
Ottaviani, Paula Santos, Rodrigo Girodo Andrade, Taly Czeresnia Wakrat e Valeria
Glanzmann. MOBILIDADE, SERVIÇOS PÚBLICOS E SOCIAIS, AGRO E INDÚSTRIA —
MÉDIAS DAS MATÉRIAS
Diretor de negócios multiplataforma: Renato Augusto Cassis Siniscalco; Executivos

9,5 9,3 8 9 9
multiplataforma: Diego Fabiano, Cristiane Soares Nogueira, Jessica de Carvalho
Dias, João Carlos Meyer e Priscila Ferreira da Silva. EDUCAÇÃO, CULTURA, LAZER,
ESPORTE, TURISMO, MÍDIA, TELECOM E OUTROS — Diretora de negócios multiplataforma:
Sandra Regina de Melo Pepe; Executivos de negócios multiplataforma: Ana Silvia Costa,
Dominique Petroni de Freitas e Lilian de Marche Noffs. ESCRITÓRIOS REGIONAIS —
Gerente multiplataforma: Larissa Ortiz; Executiva de negócios multiplataforma: Babila
Garcia Chagas Arantes. UNIDADE DE NEGÓCIOS — RIO DE JANEIRO — Gerente de negócios
multiplataforma RJ: Rogerio Pereira Ponce de Leon; Executivos multiplataforma: Daniela
Nunes, Lopes Chahim, Juliane Ribeiro Silva, Maria Cristina Machado e Pedro Paulo
Rios Vieira dos Santos. UNIDADE DE NEGÓCIOS — BRASÍLIA — Gerente multiplataforma:
Barbara Costa Freitas Silva; Executivos multiplataforma: Camila Amaral da Silva e
Jorge Bicalho Felix Junior; Gerente de eventos: Daniela Valente; OPEC OFF LINE: Carlos
Roberto de Sá, Douglas Costa e Eduardo Ramos; ESTRATÉGIA COMERCIAL: Guilherme
Iegawa Sugio. EGCN — Consultora de marcas: Olivia Cipolla Bolonha. ESTÚDIO GLOBO
— Caio Henrique Caprioli, Ligia Rangel Cavalieri e Luiz Claudio dos Santos Faria

AUDIÊNCIA
Diretor de marketing consumidor: Cristiano Augusto Soares Santos
Diretor de planejamento e desenvolvimento comercial: Ednei Zampese
Gerente de vendas canais indiretos: Reginaldo Moreira da Silva
Gerente de criação: Valter Bicudo Silva Neto
Coordenadores de marketing: Eduardo Roccato Almeida e Patricia Aparecida Fachetti Leia antes Dossiê Se organizar No princípio
Amigos e rivais
de fritar birita direitinho... era o verbo

Galileu é uma publicação da EDITORA GLOBO S.A. — Av. Nove de Julho, 5.229, 8º andar,
CEP 01407-907, São Paulo/SP. Tel. (11) 3767-7000. Distribuidor exclusivo para todo o Brasil:
Dinap — Distribuidora Nacional de Publicações. Impressão: Plural Indústria Gráfica Ltda. — Av. Marcos Pescoção Antes tarde do Tá bom, mas
do bem que nunca tá pouco
Penteado de Ulhoa Rodrigues, 700, Tamboré, Santana de Parnaíba/SP, CEP 06543-001

ATENDIMENTO AO ASSINANTE Quando uma amiga Demorei um pouco Eu não conhecia a


Disponível de segunda a sexta-feira, das 8 às 21 horas; sábados, das 8 às 15 horas.
INTERNET: www.sacglobo.com.br - SÃO PAULO: (11) 3362-2000 minha da faculda- para engatar nessa Mary del Priori, e
DEMAIS LOCALIDADES: 4003-9393 - FAX: (11) 3766-3755 de me viu lendo o reportagem, não sou adorei. Entendo o
*Custo de ligação local. Serviço não disponível em todo o Brasil.
Para saber da disponibilidade do serviço em sua cidade, consulte sua operadora local. dossiê, disse: “Já vi muito fã do assunto. que ela diz sobre
reportagens desse Mas o que me cha- recursos que não
PARA ANUNCIAR LIGUE: SP: (11) 3767-7700/3767-7500
RJ: (21) 3380-5924 E-MAIL: publigalileu@edglobo.com.br tipo em outras mou mais atenção foi são repassados
PARA SE CORRESPONDER COM A REDAÇÃO: endereçar cartas à editora-chefe da revistas, mas ne- a legislação: 75 anos para pesquisa,
GALILEU. Caixa postal 66011, CEP 05315-999, São Paulo/SP. FAX: (11) 3767-7707
E-MAIL: galileu@edglobo.com.br nhuma tão completa de vigência e nunca mas gostaria de
As cartas devem ser encaminhadas com assinatura, endereço e telefone do remetente. tinha me deparado
GALILEU reserva-se o direito de selecioná-las e resumi-las para publicação.
quanto essa”; e eu ser mais instigada
EDIÇÕES ANTERIORES: o pedido será atendido por meio do jornaleiro pelo preço da edição concordo integral- com o tema, achei sobre a importân-
atual, desde que haja disponibilidade de estoque.Faça seu pedido na banca mais próxima.
mente com ela. importantíssimo! cia do assunto.

DESEJA FALAR COM A EDITORA GLOBO? LUCAS MARTINS CAIO CÉSAR RAPOSO GEISIANE ROSA
PARA ANUNCIAR
(Teresina, PI), (São Paulo, SP), (Ibaté, SP),
ATENDIMENTO NA INTERNET
4003-9393 SP: (11) 3736-7128 l 3767-7447 www.assineglobo.com.br/sac sobre o Dossiê birita sobre Amigos e rivais sobre o Papo cabeça
www.sacglobo.com.br 3767-7942 l 3767-7889 4003-9393
3736-7205 l 3767-7557
VENDAS CORPORATIVAS RJ: (21) 3380-5930 l 3380-5923 LICENCIAMENTO
E PARCERIAS BSB: (61) 3316-9584 DE CONTEÚDO
(11) 3767-7226
parcerias@edglobo.com.br
(11) 3767-7005
venda_conteudo@edglobo.com.br Todos se identificam
EDIÇÕES ANTERIORES ASSINATURAS
O pedido será atendido por meio do jornaleiro ao preço da 4003-9393
edição atual, desde que haja disponibilidade de estoque. www.sacglobo.com.br
Faça seu pedido na banca mais próxima. O ASSUNTO É DE ALTA IMPORTÂNCIA no momento em que se
Para se corresponder com a Redação: endereçar cartas à editora-chefe, GALILEU.
Caixa postal 66011, CEP 05315-999, São Paulo/SP. FAX: (11) 3767-7707
discute a reforma trabalhista e previdenciária. Eu me identifiquei
com o tema, pois também passei por muitos aspectos retratados.
O Bureau Veritas Certification, com base nos processos e procedimentos descritos no seu Relatório de Trabalhava no comércio e meu estresse me fez pedir demissão
Verificação, adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário
de Gases de Efeito Estufa — Ano 2012 da Editora Globo S.A. é preciso, confiável e livre de
erro ou distorção e é uma representação equitativa dos dados e informações de GEE sobre ADRIAN FELIPE SIMON (Novo Hamburgo, RS), sobre Por que estamos sempre tão cansados
o período de referência para o escopo definido; foi elaborado em conformidade com a

06
NBR ISO 14064-1:2007 e as Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol.
03.2017 P. 07

Plataformas
permitem calcular

ANTI-
MATÉ-
a relevância de
artigos científicos
nas redes sociais

RIA
FATOS • FEITOS • NÚMEROS • NOTAS • NOTÁVEIS

Fig. 01 -(HS)

EDIÇÃO ILUSTRADORES CONVIDADOS

03.2017 THIAGO TANJI


DESIGN
FERNANDA DIDINI
1
2
HELENA SBEGHEN (HS)
ESTÚDIO BARCA (EB)
TROCOTESES PO
P. 08 03.2017

“ninguém pode ler tudo.” base nas interações nas redes


A primeira frase do Manifesto sociais. Afinal, se a dinâmica
da Altmetria, publicado de compartilhamento do co-
em 2010, foi inspirada em nhecimento mudou, por que
uma pesquisa divulgada na a principal forma de avaliar a
Universidade de Ottawa, no repercussão de uma pesquisa
Canadá, que estimou a pro- continuaria restrita às citações
dução científica desenvolvida recebidas em outros artigos?
Cientistas em todo o mundo. De acor-
CURTA E COMPARTILHE
utilizam
do com o estudo, mais de 50
milhões de artigos foram pu- “Enquanto as citações levam
as redes blicados entre 1665, quando cerca de dois anos para apare-

sociais para
surgiu a primeira revista espe- cer, os dados de altmetria pro-
cializada, na França, e 2009, porcionam um retorno imedia-
divulgar ano de publicação do trabalho. to do impacto da pesquisa em

pesquisas,
A pesquisa também afirma que fontes não tradicionais, como
mais de 2,5 milhões de traba- redes sociais e jornais”, afir-
dialogar lhos científicos são publicados ma o biólogo britânico Mark

com o
a cada ano em revistas espe- Hahnel, fundador e CEO do OS NÚMEROS
cializadas, quase tudo dispo- Figshare, um repositório aber- NÃO MENTEM
público e nível online. Definitivamente, to de artigos científicos. A empresa in-
glesa Altmetric
medir a
ninguém pode ler tudo. A plataforma desenvolvida desenvolveu
Organizado por pesquisado- por Hahnel exibe informações um algoritmo
relevância res de diferentes instituições como o número de downloads que calcula a
relevância dos
dos artigos
norte-americanas, o Manifesto e visualizações, além do selo artigos científi-
de 2010 apresenta a altmetria com a avaliação de altmetria cos citados nas
(em inglês, altmetrics), que desenvolvida pela Altmetric, redes sociais
e nos jornais
POR EVERTON propõe avaliar a repercussão empresa inglesa que atribui
LOPES BATISTA de pesquisas científicas com uma pontuação diferente para
RLIKES
03.2017 P. 09

que é financiada por recursos


#PESQUISATOP públicos é de fato relevante
Além de estimular a intera- para solucionar problemas da
ção entre os pesquisadores sociedade? A altmetria pode
e o público, métodos alter- ajudar a tornar isso mais cla-
nativos de divulgação per- ro”, afirma. Mas a diretora da
mitem que mais pessoas te- Capes, uma das mais impor-
nham acesso a pesquisas de tantes instituições de finan-
ponta, já que, atualmente, a ciamento de pesquisa do país,
maior parte dos periódicos alerta para a necessidade de
científicos não são gratuitos. as métricas contarem com
A utilização de novas métricas critérios rigorosos. “É mais
para calcular o impacto das fácil divulgar em redes so-

17
pesquisas também beneficia ciais, mas é difícil saber se
cada tipo de interação ocorri- países em desenvolvimento, esses números são espontâ-
da com o artigo online. O cál- como Brasil e Índia, uma vez neos ou manipulados.”
MILHÕES

culo dessa pontuação é desen- que as revistas consideradas Abel Packer, diretor da bi-
volvido por um algoritmo, que mais relevantes reservam a blioteca digital brasileira
calcula a relevância de cada maior parte de suas páginas SciELO, considera que a alt-
é o número de menções nas redes sociais ação: uma notícia citando o para publicar pesquisas pro- metria não substituirá o mé-
recebidas pelos 2,7 milhões de artigos
artigo em um jornal de gran- duzidas em países ricos. todo tradicional das citações,
científicos rastreados pela Altmetric
de alcance vale mais do que “Mas esses dados adicio- mas complementará o tra-
ARTIGO MAIS o compartilhamento em uma nais devem beneficiar de ver- balho de divulgação. “Existe
POPULAR DE 2016
rede social para poucas pes- dade os cientistas e suas insti- uma correlação entre ser po-

315
soas, por exemplo. tuições, trazendo informações pular nas redes sociais e rece-
foi escrito
pelo ex-pre- A n d ré a G o n ça l ve s d o novas e relevantes e não so- ber mais citações no futuro.”
sidente Ba- Nascimento, bibliotecá- mente dizendo a mesma coisa Para que os órgãos de incen-
notícias rack Obama,
ria que pesquisou a altme- que as métricas tradicionais já tivo à pesquisa considerem a

8.943
e falava
TWEETS

sobre o sis- tria para seu mestrado na dizem”, afirma William Gunn, altmetria um método seguro
tema norte- Universidade Federal do diretor de comunicação acadê- para identificar trabalhos rele-
-americano
Estado do Rio de Janeiro, des- mica da Elsevier, maior edito- vantes, a comunidade científica
de sáude
taca que as métricas alterna- ra científica do mundo. precisará trocar curtidas, com-
O 3º ARTIGO MAIS tivas colaboram para desper- Rita de Cássia Barradas partilhamentos e comentários
POPULAR DE 2016
tar o diálogo entre o cientista Barata, diretora de ava- com textões. De acordo com

4.484
tem contribuição de e o público leigo. “O cientista liação da Coordenação de Packer, a partir de 2018 será
brasileiros: pesqui- acompanhará a repercussão Aperfeiçoamento de Pessoal obrigatória a participação em
sadores da Unesp e
do Inpe participa-
e entrará em contato com de Nível Superior (Capes), redes sociais das mais de 400
ram de um trabalho as pessoas que se interessa- ressalta que as métricas alter- revistas científicas que fazem
sobre ondas ram pelo estudo”, diz, ressal- nativas são particularmente parte do acervo da SciELO. “A
gravitacionais
tando que os métodos formais úteis para saber o impacto de comunicação está na essência

125 NOTÍCIAS
de divulgação não permi- pesquisas que não têm aplica- da pesquisa científica. O traba-
tem essa interação entre os ção tão rápida nem geram pa- lho que não surge para ser co-
cientistas e seus leitores. tentes. “Quanto da pesquisa municado não tem sentido.”
P. 10 03.2017

Pós-verdade As mensagens de ódio são divulgadas


em grupos no Facebook, que agrupam

também mata
membros de uma determinada etnia. É
comum a divulgação de fotos e vídeos de
massacres e outros crimes, que são atri-
buídos aos grupos opositores, além de
ameaças e provocações. De acordo com
ativistas e observadores internacionais,
as publicações não são do Sudão do Sul –
Propagação de mentiras na as imagens são resgatadas de outros con-
Um dos países
internet é responsável por mais violentos flitos no continente, como o genocídio
do mundo, o
tragédias no Sudão do Sul Sudão do Sul que aconteceu em Ruanda, em 1994.
enfrenta uma
guerra civil Estima-se que 300 mil pessoas já
desde 2013
POR FERNANDO ARBEX morreram desde que o conflito no país
africano começou e pelo menos 1,4 mi-
ompartilhar notícias de lhão de habitantes fugiram para nações

C
origem duvidosa ou pas- vizinhas. Ironicamente, apesar de as no-
sar adiante correntes no tícias falsas e os boatos plantados na
WhatsApp sem antes che- web contribuírem para a escalada de
car a veracidade dos fatos parece uma violência, apenas 17% da população do
prática inofensiva. No Sudão do Sul, no Sudão do Sul têm acesso à internet.
entanto, a disseminação de informações
falsas em redes sociais — conceito que VÍTIMAS DA GUERRA
Estimativa do número de refugiados do
ganhou o nome de “pós-verdade” — é
Sudão do Sul em 2017 e países que
responsável por um banho de sangue en- os abrigaram (em milhares de pessoas)
tre o governo e rebeldes, que se enfren-
tam em uma guerra civil desde 2013.
Localizado na região central da África,
333
o país se tornou independente do Sudão
em 2011, mas jamais alcançou a estabili-
SUDÃO
dade política por conta de conflitos étni-
cos e religiosos. A situação é tão preocu- 10,5 405

pante que, em novembro do ano passado,


SUDÃO DO SUL
REP. CENTRO-
as Nações Unidas se manifestaram em -AFRICANA ETIÓPIA

um comunicado sobre a situação do país.


“As redes sociais têm sido usadas por par- 925
tidários de todos os lados, inclusive al- 108
106 UGANDA
guns funcionários de alto escalão do go- QUÊNIA
REP. DEMOCRÁTICA
verno, para exagerar incidentes, espalhar DO CONGO
falsidades, ameaças veladas e mensagens
claras de incitamento à violência.” FIG. 02 - HS FONTE: Nações Unidas

CIENTISTAS DA UNIVERSIDADE encontrar o inédito material.


Harvard, nos Estados Unidos, Após comprimir os diamantes,
CURTINDO
desenvolveram em laboratório CHEIO DE foi observado que o hidrogênio
UM METAL ENERGIA
uma amostra de metal de hidro- ficou brilhante, completando sua
PESADO O material tem
gênio — previsto em pesquisas utilidade na in-
transformação em metal. Por ser
Pesquisadores de Harvard
feitas há mais de 80 anos. Em dústria espacial, um supercondutor, essa forma
fabricam hidrogênio metálico como um pode-
estudo publicado no periódi- de hidrogênio traria inovações
pela primeira vez na história roso propulsor
co Science, os pesquisadores de foguetes para praticamente tudo que
POR ISABELA MOREIRA explicam que usaram dois tipos envolve eletricidade, além de
de diamantes sintéticos para aplicações na indústria espacial.
03.2017 P. 11

QUE CALOR!
Aumento da temperatura
do planeta em relação à média
do século 20, em °C

1,0

0,8

0,6

0,4
2006 2016

13,9 ºC média mundial


no século 20

MUDANÇAS
NOS LIVROS
DE QUÍMICA
Cientistas sintetizam uma nova
estrutura para o carbono, de seis
ligações, e abrem novo campo de
estudos para a química orgânica

POR F.A.
FIG. 03 - HS

AS CERTEZAS ESTÃO AÍ

NÃO TEM
ser extinta por considerá-la inútil.
para serem desafiadas: um
O republicano Scott Pruitt, críti-
estudo conduzido pelo cientista
co declarado do ambientalismo,
alemão Moritz Malischewski, da

MAIS CLIMA
também foi nomeado por Trump
Universidade Livre de Berlim,
para ocupar um dos gabinetes de
foi capaz de sintetizar artificial-
governo. Por incrível que pareça,
mente uma nova estrutura do

PARATRUMP
Pruitt ficará à frente da agência
carbono, que realiza seis ligações
de proteção ambiental do país.
com outros átomos. A descoberta
O presidente norte-americano já
traz novidades para a química
declarou que não acredita no aque-
Problemas além do muro: orgânica, já que o carbono era
cimento global e defende o não
presidente norte-ame- considerado um elemento capaz
cumprimento do Acordo de Paris,
ricano monta gabinete RICK PERRY de fazer apenas quatro ligações.
assinado por 175 países em 2015,
de governo com críticos Em 2012, quando Apesar de ainda não ocorrerem
era pré-candidato com o objetivo de diminuir a emis-
aos acordos ambientais à Presidência, o se-
mudanças drásticas na maneira
são de poluentes na atmosfera.
cretário de Energia de estudar química, os cientistas
Poucos dias depois de assumir
POR F.A. afirmou que extin- acreditam que, por meio da des-
guiria a pasta por a Presidência, Trump reativou
considerá-la inútil.
coberta, será possível investigar
a construção dos oleodutos de
RICK PERRY, EX-GOVERNADOR Na realidade, quem moléculas ainda desconhecidas.
ocupa esse cargo
Keystone XL e de Dakota Access,
do Texas, foi nomeado pelo pre-
lida com questões que Barack Obama barrou por ava-
sidente Donald Trump como se- centrais, como o liar que causariam danos ambien-
cretário de Energia — o cargo de arsenal nuclear dos
Estados Unidos.
tais. Coincidência ou não, o secre-
secretário equivale ao posto de
tário de Estado de Trump (função
ministro no Brasil. Mas os tapinhas SCOTT PRUITT
Crítico do am- equivalente ao ministro das Re-
nas costas entre os dois políticos
bientalismo, é lações Exteriores) é Rex Tillerson,
do Partido Republicano escondiam conhecido por suas que trabalhou durante quatro dé-
um pequeno detalhe: quando era posições políticas
conservadoras. Foi cadas como executivo na empresa
pré-candidato à Presidência dos
nomeado para a petrolífera Exxon Mobil.
Estados Unidos, em 2012, Perry agência de proteção
defendeu que a pasta deveria ambiental do país. FIG. 04 - EB
P. 12 03.2017

LU- É DO BRASIL
NE-
CONHEÇA AS DIMENSÕES DO SGDC E ENTENDA COMO ELE FUNCIONA

TA ÓRBITA GEOESTACIONÁRIA
É uma espécie de cinturão com mais de
400 satélites cujas órbitas acompanham a
rotação da Terra. Por isso, o SGDC estará
sempre no mesmo ponto do céu para
DE OLHO NAS ESTRELAS observadores na superfície, fornecendo
comunicação ininterrupta com o território
brasileiro e o Oceano Atlântico.
POR ANDRÉ JORGE DE OLIVEIRA

Banda Ka (internet
banda larga): 75% D=2m
Banda X (comunicação Diâmetro=2,6m

UM SATÉLITE

2,2
Forças Armadas): 25%

m
etr
os
s
etro
3,6 m
s
etro

PARA CHAMAR
37 m

Ficha Técnica

DE NOSSO
D=0,85m
D=2,5m Custo .............R$ 2,1 bilhões

Ministérios ..............Defesa
e Ciência, Tecnologia,

9 metros
Inovações e Comunicações

Massa.....................5.781 kg
Primeiro satélite geoestacionário PAINÉIS ANTENAS DE RADIADORES
SOLARES COMUNICAÇÃO Painéis Altitude..............36.000 km
brasileiro vai ao espaço com missão Geração de 12 Transmitem o espelhados nas
kW de energia sinal de banda laterais mantêm Velocidade.....10.000 km/h
de universalizar o acesso à banda abasteceria 50 larga e militar temperatura
casas populares para as bases interna ideal Vida útil...................18 anos
larga e fortalecer soberania do país terrestres

EM SOLO NACIONAL
NA GUIANA FRANCESA, o primeiro sátelite
Cinco cidades integram o sistema
geoestacionário brasileiro aguarda lançamento
para o dia 21 de março. Acompanham o proces- BRASÍLIA (PRINCIPAL)
so engenheiros da Visiona, empresa responsá- Antena de 18 metros e centro de controle
vel pelo projeto, que absorveram tecnologia Brasília ficam localizados em base da Aeronáutica
na França durante a construção do satélite.
Salvador RIO DE JANEIRO (SECUNDÁRIO)
A joint-venture entre Embraer e Telebras foi Campo Grande
Prestará assistência ao centro de Brasília
FIG. 05 - HS Fonte: Visiona

criada para estimular o setor espacial do país. Florianópolis


Rio de e, se preciso, poderá controlar o satélite
“Já podemos construir satélites de menor porte”, Janeiro

diz Eduardo Bonini, presidente da Visiona. Pago FLORIANÓPOLIS, SALVADOR


por dois ministérios, o satélite SGDC dará E CAMPO GRANDE
Estações
autonomia às Forças Armadas, além de levar Estações de menor porte para retransmitir
Centros de
banda larga a cantos remotos do Brasil. Operações Espaciais o sinal recebido e interligar todo o sistema

LUNETA LIVE
AGENDA 7
VOA, CASSINI
14
TRIO CALAFRIO
20
ÁGUAS DE MARÇO As principais
notícias espaciais
Mar. 2017 Pan, uma das luas Spica é uma estrela Entra ano, sai ano, e da semana
comentadas em
d s t q q s s mais internas entre as 62 binária, a mais brilhante as águas de março seguem transmissão
ao vivo.
- - - 1 2 3 4 de Saturno, será sobrevoa- da constelação de Virgem. fechando o verão. Às 7h29,
da pela sonda Cassini a uma Fica a 250 anos-luz daqui, ocorre o equinócio de outo-
5 6 7 8 9 10 11 TODAS AS
distância média de 25 mil mas nesse dia se encontra no: o Hemisfério Sul recebe SEXTAS,
12 13 14 15 16 17 18 ÀS 17H,
quilômetros. Com meros 35 no céu com Júpiter e a Lua incidência cada vez menor NA NOSSA
19 20 21 22 23 24 25 FANPAGE.
quilômetros de diâmetro, quase cheia. Olhe para o de radiação solar. Então, é
ASSISTA!
26 27 28 29 30 31 - Pan parece um disco voador. leste logo após o pôr do sol. bom preparar o casaquinho.
03.2017 P. 13

Escola pública
vai ao espaço FIG. 08 - EB

MINEIROS,
RUSSOS E O
LIXO ESPACIAL
Professor de física Candido Moura patrocinados pela Unesco. Fizemos o que
Telescópio todo pago pela Rússia
fala sobre o lançamento de um deveria ser feito em escala muito maior,
em Brazópolis (MG) está pronto
satélite construído por estudantes mas nossas escolas só estimulam cópias. É
para mapear detritos em órbita
de escola em Ubatuba — lição à preciso se envolver em projetos, interagir com
educação básica e pública no Brasil profissionais para descobrir caminhos na vida.

GRAÇAS A EUGÊNIO, mineiros e


QUAIS FORAM OS IMPACTOS NA VIDA DOS ALUNOS? russos se entenderam no Obser-
COMO O SATÉLITE ESTÁ SE COMPORTANDO EM ÓRBITA?
Foi uma experiência inédita, é um mundo que vatório do Pico dos Dias, em Bra-
Ele foi ejetado da ISS em 16 de janeiro e
nossos jovens de ensino público nem sabem que zópolis (MG). Ele foi o intérprete
começou a transmitir 85 horas depois. A menina
existe. Vários alunos estão procurando carreiras entre a equipe do observatório do
que gravou a mensagem fez 14 anos no dia em
de engenharia espacial, mas importante mesmo Laboratório Nacional de Astrofísica
que ouviu a voz dela transmitida do espaço —
é a formação. Uma das construtoras do satélite (LNA) e duas delegações russas que
nunca mais terá um presente desses (risos).
dizia com 13 anos que queria ser jornalista. montaram ali um telescópio para
Monitoramos o satélite por quatro dias, mas
Achava aquilo o máximo — país onde jornalistas mapear lixo espacial.
agora ele está em silêncio e estamos tentando
constroem satélites tem um futuro brilhante. Sem falar inglês, em dois me-
religar. Foi o primeiro satélite dessa classe,
ses entregaram o instrumento,
projetado e construído no Brasil, a funcionar.
que será inaugurado em abril.
“Trabalham a valer, mas ficaram
CONCLUÍDO O SATÉLITE, COMO ESTÁ O ENVOLVIMENTO
espantados com o calor”, conta
DOS ALUNOS NO PROJETO UBATUBASAT?
Bruno Castilho, diretor do LNA.
Estamos projetando o Tancredo-2. A ideia é
“Eugênio” é o apelido de Evgue-
lançar em dois anos para monitorar raios. O
ni Jilinski, astrônomo russo que
pessoal que fez o satélite se formou em 2016,
vive aqui há anos e foi escalado
o lançamento do primeiro foi meu presente de
para chefiar o projeto PanEOS no
formatura. A partir deste mês, faremos a nova
Brasil. Outros quatro brasileiros
seleção, que começa com alunos de 5ª série.
transmitirão diariamente os da-
dos coletados para a Rússia.
COMO SE SENTE POR TER VIABILIZADO O PROJETO?
Fruto de contrato assinado en-
É minha obrigação como professor. Os
FIG. 07 - HS

tre as agências espaciais dos dois


alunos publicaram um paper aceito no maior
países, telescópio e prédio cus-
congresso espacial do Japão e foram até lá
taram aos russos cerca de R$ 10
milhões. Há um gêmeo na Rússia:
juntos farão triangulação para des-

10 QUINTILHÕES
cobrir altitude e órbita dos detri-
tos. Setecentos mil pedaços põem
em risco 1,4 mil satélites ativos.

DE DÓLARES
As imagens também permiti-
rão caçar asteroides e cometas —
astrônomos podem acessar os da-
é o valor estimado do ferro presente no asteroide Psyche, com diâmetro que dos sem custo. “Abre portas para
ultrapassa 200 quilômetros. Em janeiro, a Nasa anunciou uma missão que deve a colaboração Brasil-Rússia, país
explorar esse misterioso mundo metálico a partir de 2030. Se o minério pudesse com tradição enorme em ciência e
ser trazido do cinturão de asteroides até a Terra, faria colapsar toda a economia tecnologia”, diz Castilho. Vida lon-
humana, avaliada em US$ 70 trilhões. Astrônomos suspeitam se tratar do núcleo ga à coalizão de mineiros e russos
FIG. 06 - EB de um protoplaneta destruído pelas colisões violentas do Sistema Solar primordial. contra o lixo espacial.
P. 14 03.2017

OFICINA
TIRE A CAIXA DE FERRAMENTAS DO ARMÁRIO
NOTÁVEIS
COMO TIRAR
MANCHAS
POR FELIPE FLORESTI

DE DESODORANTE

Misture duas
colheres de bicar-
bonato de sódio
com duas de vinagre
branco. Despeje
a solução
na mancha e
deixe agir por
20 minutos.

FIG. 10 - HS
DE MOLHO DE TOMATE

DENTES DE
Tire o excesso do
molho de tomate
com papel-toalha.

WOLVERINE
Misture água
morna com deter-
molares de camundongos foram
gente e jogue na
satisfatórios e o estudo foi publi-
mancha. Então,
Pesquisador brasileiro cado na revista Scientific Reports,
deixe agir
estuda técnica para do grupo Nature. “O método utili-
por 5 minutos.
substituir a obturação no zado tem capacidade de se trans-
tratamento de cáries formar em uma técnica usada em
DE GRAXA clínicas odontológicas devido à
POR FERNANDO ARBEX sua simplicidade”, afirma o pes-
Passe manteiga quisador brasileiro. A cárie é uma
e esfregue até PIOR DO QUE A DOR DE DENTE, doença causada por bactérias que
tirar a mancha. só a necessidade de encarar o deterioram o esmalte dos dentes
Em seguida, motorzinho do dentista duran- e suas estruturas internas — o
lave com deter- te o tratamento da cárie. Para tratamento convencional inclui
gente neutro acabar com esse sofrimento, remoção da área afetada e preen-
para remover Vitor Neves trabalhou ao lado chimento do local com materiais
a gordura. de uma equipe de pesquisadores como porcelana e resinas.
da universidade de King’s Colle- Nascido na cidade de Santos,
ge, em Londres, para encontrar no litoral paulista, e formado em
uma maneira menos invasiva de Odontologia pela PUC de Cam-
DE GORDURA NOTÁVEL
combater a doença dentária. pinas, Neves foi selecionado em
Espalhe um pouco A ideia dos cientistas é curar NOME 2013 para um mestrado no King’s
de farinha de trigo o dente com uma propriedade Vitor Neves College, pelo programa Ciência
ou talco no tecido regenerativa que ele mesmo FORMAÇÃO sem Fronteiras. Após a conclusão
manchado para possui. Para isso, foram utiliza- Odontologia do curso, recebeu oferta para in-
absorver o óleo. dos remédios a fim de estimular O QUE FEZ gressar no programa de doutora-
Deixe agir por as células-tronco das estruturas Participou de do da mesma instituição. Planos
pesquisa que
5 minutos. Para dentárias a aumentar a secreção utiliza células- para o futuro? “Só depois de en-
finalizar, lave de substâncias reparadoras. Os -tronco para tregar minha tese corrigida”, diz
tratamento
com sabão neutro. FIG. 09 - EB resultados dos testes feitos em de cáries o cientista. Daí, serão só sorrisos.
03.2017 P. 15

OLHA A FRUTA
FATALIDADE?
A morte de Teori Zavascki,
ministro do STF e relator

FRESQUINHA!
da Operação Lava Jato,
inundou a internet de teorias
da conspiração. Relembre
outros episódios trágicos que
mudaram os rumos da política

Startup desenvolve
Componentes
técnica para aumentar naturais
aumentam a
a conservação de frutas, durabilidade
dos vegetais
legumes e verduras
EDUARDO CAMPOS (2014)
POR F.A.
No início da campanha eleitoral,
em agosto, o candidato à Presi-
ncontrar a me-
dência morreu em um acidente

E
leca deixada por
de avião na cidade de Santos.
vegetais apodre-
cidos na gaveta
da geladeira após algumas se-
manas de esquecimento não
é uma das experiências mais
agradáveis. Sem contar o
desperdício, é claro. Para re-
solver essa questão, a star- ULYSSES GUIMARÃES (1992)
tup norte-americana Apeel Ex-presidente da Câmara dos
Sciences desenvolveu uma Deputados, faleceu em um
técnica para aumentar a du- acidente de helicóptero em
rabilidade de frutas, legumes Angra dos Reis — os destroços
e verduras a partir de barrei- nunca foram encontrados.
ras naturais responsáveis por
desacelerar o processo de de-
terioração dos vegetais.
Partes que costumam ser
descartadas, como folhas e
caules, são processadas para
criar um extrato que prome-
TANCREDO NEVES (1985)
te aumentar em até cinco ve-
Na véspera de assumir a
zes a vida útil dos vegetais. A
Presidência da República, foi
empresa, localizada na cidade
internado com fortes dores
californiana de Santa Barbara, FIG. 11 - HS
abdominais e morreu após
já disponibilizou dois produ- com quadros de fome endê-
um mês de internação.
tos para venda: o Invisipeel, mica. “Ofereceremos nosso
utilizado antes da colheita, e serviço para países em de-
o Edipeel, aplicado no final da senvolvimento a custo de ca-
safra. Tudo isso sem a utiliza- ridade”, diz Michelle Linn, por-
ção de agrotóxicos. ta-voz da empresa. As Nações
Apesar de o preço da tec- Unidas afirmam que cerca
nologia ser ainda um limita- de 795 milhões de pessoas
dor para a maior parte dos passam fome no mundo, e par- JUSCELINO KUBITSCHEK (1976)
agricultores nos Estados te do problema está relaciona- O ex-presidente foi vítima de
Unidos, a Apeel incentiva- do ao desperdício — um terço um acidente de carro na rodovia
FIG. 12 - EB

rá a utilização do produ- de toda a produção anual de Dutra — na época, ele articulava


to em regiões que convivem alimentos é jogado no lixo. a redemocratização do país.
P. 16 03.2017

TECNOLOGIADESCOMPLICADA

INOVAÇÃO
Os AirPods, fones de ouvido
sem fio da Apple, se conectam
por Bluetooth ao iPhone. Mas a

CUSTA CARO
experiência tecnológica (como
de costume) é salgada: o gadget
chegará ao Brasil por R$ 1.399

POR THÁSSIUS VELOSO

FOTO: Divulgação
A qualidade do
som dos AirPods
é a mesma dos
fones de ouvido
com fio da Apple

bem comandos como “próxima música”


ou “aumente o volume”. A Apple não in-
cluiu botões físicos para essas ações, o
que deixa esse controle menos prático
para quem está acostumado ao jeito tra-
Apple aposta em um mundo dicional de utilizar os fones.
A sem fios ao lançar no Brasil A conexão com o celular falhou em al-
os AirPods, fones de ouvido guns momentos, mas, de modo geral, o
wireless que se conectam ao iPhone por desempenho é positivo — o equipamento
Bluetooth. O som é o mesmo do modelo funciona a até 10 metros de distância do
com fio — os graves mais encorpados smartphone. Importante: nos sucessivos
continuam fazendo falta. Mas a inovação FICHA TÉCNICA testes realizados pela reportagem, os
está no sistema inteligente, que pausa PESO: 4 gramas
fones não caíram da orelha com movi-
a música quando o usuário tira um dos (cada fone) mentos bruscos. De modo geral, embora
fones da orelha, e volta a tocá-la quando BATERIA: Até cinco a experiência seja bastante high-tech, os
o gadget é recolocado. horas de som e AirPods só farão sentido quando acom-
até duas horas
Os microfones embutidos melhoram a de conversação panharem o lançamento de um novo
qualidade da voz em áudios como os do RESISTÊNCIA iPhone ou custarem bem menos do que
WhatsApp. A Siri também compreende A SUOR: Sim os R$ 1.399 cobrados pela Apple.
PREÇO: R$ 1.399
03.2017 P. 17

OLHA A BRINCADEIRA DA TOMADA


A bagunça de plugues começou no final do século 19, quando os países
BATALHA
DE APPS

WHATSAPP
OU TELEGRAM
adotaram padrões próprios para a fabricação dos equipamentos: há mais
Qual é, afinal, o melhor
de uma dúzia de tipos de tomadas espalhadas pelo mundo. Confira a lista
aplicativo de mensagens?
abaixo para manter seus dispositivos conectados em todos os lugares:
POR TAINAH TAVARES
POR VIVIANE WERNECK

FIG. 13 - HS

TIPO B TIPO C

Uma
das mais WHATSAPP TELEGRAM
comuns,
já que se
adapta
a outros INTERFACE: EMPATE
tipos de
tomada
Utilizada no continente americano e no Japão Presente na Ásia, África, Europa e América do Sul
Os dois mensageiros têm
TIPO D TIPO G visuais bem parecidos, in-
tuitivos, e estão disponíveis
em português. Quem quiser
migrar de um para o outro
não terá muitos problemas,
a adaptação será fácil.

Modelo disponível na Índia, no Nepal e Iraque Padrão em Cingapura, Hong Kong e Reino Unido CUSTO: EMPATE

TIPO J TIPO K Até pouco tempo, o


WhatsApp cobrava assina-
tura de US$ 0,99 ao ano:
como era raro receber a
É co- fatura do serviço, hoje ele
nhecida
como a é oficialmente gratuito.
tomada
mais O Telegram também não
feliz do
Suíça e Lichtenstein utilizam essa tomada Modelo usado na Dinamarca e na Groenlândia mundo =) tem custo — ainda bem!

TIPO L TIPO M FUNÇÕES: TELEGRAM

O Telegram sai na frente com


algumas inovações, como os
amados stickers e o chat secre-
to — que apaga conversas após
um tempo. O WhatsApp, por
Presente na Itália, China e no norte da África Padrão em países africanos, como Moçambique
sua vez, ganhou recentemente
as chamadas de vídeo.
TIPO N TIPO O
SEGURANÇA: WHATSAPP

Especialistas questionam a
Projetada segurança do Telegram, que
em 1986,
começou a armazena dados em nuvem.
ser usada
no Brasil Já o WhatsApp adotou a
em 2011 Tipo “universal”, usado no Brasil e na África do Sul Criada em 2006, utilizada apenas na Tailândia
criptografia de ponta a pon-
ta em 2016. Ela protege tex-
@techtudo_oficial /techtudo @TechTudo tos, fotos, áudios e vídeos.
ELEMENTAR CHICLETEIROS, UNI-VOS
Depois de descobrir do que o chiclete é feito, você vai levar os
CHICLETE conselhos da sua mãe mais a sério — POR CLARISSA BARRETO

emos más notícias: quase tudo


T aquilo que você já ouviu fa-
lar sobre o chiclete é verdade.
Sim, é feito de um derivado de petróleo;
sim, estraga os dentes se contiver açúcar;
e sim, pode trancar por dentro se for en-
golido, como sua mãe avisou milhares de
vezes — confesse: por essa, você não es-
perava. A boa notícia: sem açúcar comum,
ele pode mesmo limpar os dentes quando
não der para escovar, graças ao xilitol,
um adoçante presente na composição.
Do mais comunzinho ao mais sofis-
ticado, todos os chicletes são feitos a
partir da goma base, uma fórmula que
aparece no rótulo sem muito detalha-
mento — e que fez as vezes da matéria-
-prima nos primeiros chicletes de que
temos notícia: os produzidos com sei-
va de árvores. A goma é elaborada com
base em um polímero, em geral o PVA
— o que impede que o chiclete se des-
manche na boca (e no tubo digestivo,
caso seja engolido). O PVA é também
o que dá elasticidade para o chiclete. E
umectantes como a glicerina são funda-
mentais para que a goma não resseque,
amaciando o chiclete quando há o con-
tato com o calor da boca.
A partir daí, o céu é o limite. A indús-
tria incorpora uma miríade de sabores,
aromatizantes, corantes, açúcares, cas-
quinhas e recheios. Tudo para ser dis-
solvido em mais ou menos 15 minutos.
É que, depois disso, só sobra mesmo a
borracha — que leva perto de cinco anos
para se degradar no meio ambiente.

18
DOSSIÊ MICRORGANISMOS
REPORTAGEM ANDRÉ JORGE DE OLIVEIRA

ILUSTRAÇÕES MARCUS PENNA DESIGN JOÃO PEDRO BRITO

CRIATURINHAS
FANTÁSTICAS
E O N D E H A B I T A M

Avanços tecnológicos recentes e pesquisas ambiciosas estão revolucionando


nossa compreensão sobre a diversidade microbiana do planeta e de nossos
corpos — entenda como podemos usar o poder dos micróbios a nosso favor

Animáculos pulsavam em Finalmente temos as ferramen- “Micróbios também controlam


uma gota d’água no microscópio tas para entender os ecossistemas o sistema imunológico — isso é
de Antonie van Leeuwenhoek. microbianos, que nos ajudarão revolucionário”, diz o microbiólo-
No século 17, ele foi um dos até a colonizar o espaço, fertili- go Jack Gilbert, da Universidade
pioneiros a usar lentes para in- zando solos e produzindo oxigê- de Chicago. Tratamentos promis-
vestigar coisas que os olhos não nio. Mas o mais surpreendente sores se delineiam: o transplante
veem. Encontrou montes de bac- está embaixo de nossos narizes. de microbiota fecal (de cocô!) e
térias e protozoários, que fervi- Literalmente. Existem pelo me- os probióticos, bactérias benéfi-
lham por aí há pelo menos 3,5 nos 40 trilhões de micróbios em cas que alavancarão o crescimen-
bilhões de anos. Estima-se que nosso corpo, que superam de lon- to do mercado do microbioma
a Terra abrigue 1 trilhão de es- ge nossos 30 trilhões de células. em 23% ao ano. “Nossa regula-
pécies microbianas. Sabemos Os efeitos dessa complexa sim- ção foi construída para drogas
disso graças ao barateamento biose começam a ser compreen- químicas, agentes vivos não se
do sequenciamento genético: didos, mas pesquisas já apontam encaixam”, diz Gilbert. “Mas as
há dez anos, ler o genoma hu- que ela influencia em várias doen- coisas estão mudando.” Prepare-
mano custava US$ 9 milhões. ças, distúrbios mentais e até em -se para ouvir falar mais e mais
Hoje, custa só mil dólares. nosso comportamento. nas criaturinhas fantásticas.

19
PLANETA DOS
Diversidade de
microrganismos

MICRÓBIOS
é estimada em
1 trilhão de espécies

“FALAM EM coletar amostras do planeta inteiro”, disse o biólogo evolucionista


Jonathan Eisen em entrevista à Nature. “É absurdo e impraticável, mesmo assim
estão fazendo”, completou. Ele se refere ao Earth Microbiome Project (Projeto do
Microbioma da Terra), criado em 2010 com a missão de elaborar o primeiro catá-
logo global da diversidade microbiana do planeta com base em 200 mil amostras
de biomas diversos. Aliás, é muito micróbio: estimativa recente prevê 1 trilhão
de espécies, das quais 99,999% são desconhecidas. Até agora, 50 mil amostras
foram processadas e 30 mil, analisadas. “Um artigo será submetido para publica-
ção em breve”, promete o microbiólogo Jack Gilbert, um dos criadores do EMP.

É TUDO DELES
Árvore filogenética ilustra
diversidade da vida e deixa
claro que os micróbios são
os reais donos do planeta Bactéria Archaea Eukaria

Bactérias
Verdes
Spirochetes Filamentosas Entamoebidea Mycetozoa Animais*
Gram- Fungos*
Methanosarcina
-positivas
Methanobacterium Halófilos
Proteobactérias Plantas*
Methanococcus
Cianobactérias Ciliados
T. celer
Planctomyces Thermoproteus Flagelados
Pyrodicticum
Bacteroides Trichomonadida
cytophaga
Microsporidia
Thermotoga
Diplomonadida
Aquifex
*Formam quase todas
as coisas vivas que
enxergamos sem o
auxílio de microscópios

INSEPARÁVEIS
ATÉ NO ESPAÇO
Seremos multiplanetários
— e nossas bactérias também

SE OS PLANOS de estabelecer colônias NITROSOMONAS


autônomas em Marte se concretizarem, va- Capturam o nitrogênio
mos precisar dar um jeito de levar nossas atmosférico e o fixam no
solo, fertilizando-o para
bactérias junto. Ciclos biogeoquímicos o cultivo de vegetais
protagonizados por certas espécies podem
transformar parte dos 95% de CO2 da at- CIANOBACTÉRIAS
Captam gás carbônico e
mosfera marciana em oxigênio, fertilizar liberam oxigênio: podem criar
o solo para a produção de batatas (ops, atmosfera e deixar outros
alimentos) e até auxiliar na mineração e mundos com a cara da Terra

construção (veja box). Como não dá para ACIDOTHIOBACILLUS


levar tudo da Terra, essa ajuda pode fazer FERROOXIDANS
toda a diferença. “A aplicação da biologia Respiram através do ferro:
já usadas na biomineração,
sintética na exploração espacial é que vai podem ajudar na extração de
permitir nos tornarmos uma espécie mul- minérios extraterrestres
tiplanetária”, diz Ivan Paulino-Lima, as-
Microrganismos terão de ser geneticamente modificados
trobiólogo pesquisador visitante da Nasa. para resistir às condições extremas do espaço
BICHINHOS
SUPERPODEROSOS
Bilhões de anos de evolução
dotaram certos microrganismos
de habilidades incríveis

HÁ QUEM DIGA que faz 4,1 bilhões de anos que


as bactérias surgiram: perderam pouco da história
geológica da Terra. Acredita-se que os humanos te-
nham surgido há 200 mil anos (0,004% da história do
planeta). Eras de evolução fizeram os microrganismos
se adaptarem a ambientes extremos (veja abaixo). Ex-
tremófilos vivem bem, obrigado, na atmosfera superior
e prosperam em fossas abissais; certas espécies resis-
tem às fontes hidrotermais, outras encaram os lagos
subglaciais da Antártica. Apesar dos superpoderes,
esses organismos não nos oferecem riscos. “Patogeni-
cidade não tem a ver com extremofilia”, afirma o astro-
biólogo Douglas Galante. Estudá-los permite entender
limites da vida e como micróbios viveriam em Marte
ou na lua Europa. “Encontrarmos vida extraterrestre
microbiana é questão de tempo”, diz Paulino-Lima.

RADIORRESISTENTES HIPERTERMÓFILOS

Condição Condição
que enfrentam: que enfrentam:
Radiação Calor
Exemplo: Exemplo:
Deinococcus Methanopyrus
radiodurans kandleri

PSICRÓFILOS BARÓFILOS

Condição Condição
que enfrentam: que enfrentam:
Frio Pressão
Exemplo: Exemplo:
Psychromonas Bacillus
ingrahamii infernus

HALÓFILOS ACIDÓFILOS

Condição Condição
que enfrentam: que enfrentam:
Salinidade Acidez
Exemplo: Exemplo:
Dunaliella
salina
Cyanidium
caldarium
21
RAIO X MICROBIANO

Consórcio que GENETICAMENTE, você DEZ PARA UMA?


fez o primeiro é mais micróbio que humano: te- Estimativa clássica
mapeamento prevê existência de: 2 1
do microbioma mos 22 mil genes, enquanto nos-
humano em pessoas sas bactérias possuem 360 vezes 10 TRILHÕES
saudáveis foi divisor mais. A revelação é do Human de células humanas
de águas na área
Microbiome Project (Projeto do 3

Microbioma Humano), ambicioso


estudo que visa alavancar entendimento sobre os micróbios que nos
habitam. “Foi alterada a percepção de como as bactérias interagem
com os corpos humanos, mudando também a compreensão das te-
rapias disponíveis ao tratamento de doenças”, afirma Jack Gilbert,
diretor do Centro do Microbioma na Universidade de Chicago. O pro-
100 TRILHÕES
jeto mobilizou nos EUA cerca de 80 centros de pesquisa durante de células microbianas 4
cinco anos com verba de US$ 173 milhões para fazer sequenciamento
Estudo mais recente
genético de partes do corpo de 242 voluntários saudáveis. Pesquisa- estima proporção
menor: 30 trilhões
dores estimaram que aproximadamente 10 mil espécies microbianas de células humanas
e 39 trilhões de
vivem em nós, das quais identificaram entre 81% e 99%. células bacterianas
5

JUNTINHOS, NA SAÚDE E NA DOENÇA


Humanos GERMES AINDA são associados a causadores de doen-
e suas ças — os patógenos. Por isso, a estratégia costuma ser
comunidades
microbianas eliminá-los sem dó com antibióticos ou higiene obses-
vivem em siva. Mas isso está mudando. “Muitos médicos hoje são
complexa treinados em ecologia para entender o ecossistema do
simbiose
intestino”, afirma Jack Gilbert. “É parecido com alguém que
queira investigar a Floresta Amazônica: tem de entender a
ecologia.” Para Gilbert, maior revolução foi compreender
que bactérias não são fantoches do sistema imunológico.
Elas também ditam as próprias regras na defesa de nossos
corpos. “Bactérias podem influenciar doenças, desenvolvi-
ÓRGÃO
DIFUSO mento e tratamento do câncer e até afetar nosso humor.”
No Brasil, a UFMG é um dos principais polos no estudo 6
do “eixo intestino-cérebro”, que analisa influências dos mi-
crorganismos em distúrbios mentais. Pesquisas apontam
que quem sofre de depressão ou autismo tem microbiota
intestinal diferente da saudável. “Ainda não se sabe se essa
7
1,5 KG diferença é causa ou consequência”, pondera Jacques Nico-
Cérebro e microbiota li, do Departamento de Microbiologia da UFMG. O desafio
intestinal têm mais ou
menos o mesmo peso é descobrir se fatores são previsíveis e se dá para intervir.

8
AMIGOS OU INIMIGOS
Estudos têm OBESIDADE DEPRESSÃO AUTISMO DIABETES
descoberto Cada vez mais Microbiólogo Desequilíbrios
Pesquisador Jeff
componentes Gordon mostrou pesquisas apon- Sarkis Mazma- na microbiota
microbianos que transferir tam: probióticos nian notou que intestinal podem
em doenças microbiota de podem auxiliar alterações no ter envolvi-
e distúrbios camundongos no tratamento da microbioma de mento com
mentais obesos “passa” depressão. Mas camundongos distúrbios meta-
a obesidade a estudos ainda recriam sinto- bólicos como a
animais normais. são preliminares. mas de autistas. diabetes tipo 2.
SOMOS TODOS corpo começa a ser colonizado aos poucos assim que
nascemos. “Se tem uma boa colonização no início da
COLONIZADOS vida, aos dois anos a criança terá um ecossistema
extremamente potente, que pode dar proteção para
Diversidade é essencial à saúde de o resto da vida”, diz Jacques Nicoli.
nossos ecossistemas microbianos
O pesquisador sonha com o dia em que os conhe-
cimentos sobre ecologia do microbioma humano es-
ALIMENTOS EM ABUNDÂNCIA fazem do intestino tarão avançados a ponto de permitir intervenções no
a morada perfeita para os micróbios: estima-se que mais processo, que hoje depende da sorte de encontrar os
de mil espécies se instalem aos trilhões nos cerca de sete micróbios certos, na hora certa. A ideia é fazer uma
metros do órgão. Existem as que, no geral, nos fazem espécie de colonização dirigida que nos beneficie ao
bem, como as dos gêneros Bifidobacterium e Lactobacil- máximo: Nicoli diz que sua equipe fez um ensaio clíni-
lus, conhecidas como probióticos e populares em iogur- co em Belo Horizonte no qual uma espécie probiótica
tes e cápsulas. Ajudam a manter a microbiota intestinal foi dada a recém-nascidos e reduziu em 30% a ocor-
(antes chamada de “flora”) em equilíbrio — quanto mais rência de diarreia neonatal. “Assim como há carteira
diversa, melhor. Além do trato intestinal, todo o nosso de vacinação, poderia haver uma de inoculação.”

ÓRGÃO PROBIÓTICAS PATOGÊNICAS


AS DONAS
1. NARIZ Corynebacterium
Staphylococcus
aureus
DO INTESTINO
accolens Infecção
98% das bactérias do intestino
pertencem a apenas 4 filos
Streptococcus
Streptococcus 1. FIRMICUTES 2. BACTEROIDETES
2. BOCA mutans
salivarius ∙ 64% ∙ 23%
Cárie

Propionibacterium
Staphlococcus
3. PELE acnes 1
epidermis
Acne

Klebsiella 2
Lactococcus
4. PULMÃO pneumoniae
lactis
Pneumonia

4 3

Helicobacter
Lactobacillus
5. ESTÔMAGO pylori
reuteri 3. PROTEOBACTERIA 4. ANCTINOBACTERIA
Úlcera
∙ 8% ∙ 3%

AMIGAS BACTÉRIAS
Clostridium
Bifidobacterium Bactérias intestinais ajudam na digestão dos
6. INTESTINO difficile
longum Infecção intestinal alimentos, metabolização de remédios e produção
de enzimas. Como parte do sistema nervoso
passa pelo trato gastrointestinal, influenciam o
comportamento no chamado eixo intestino-cérebro.

7. VAGINA Lactobacillus Candida albicans FALSA VILÃ


crispatus Candidíase
Muito se fala sobre a Escherichia coli, bactéria que
virou referência de coliforme fecal. Mas nem é das
mais patogênicas: a E. coli é comum nos intestinos.
A fama veio da facilidade de cultivo em laboratório,
QUEM PERDE E QUEM GANHA COM A CIRCUNCISÃO ao contrário da maioria dos microrganismos.
Estudo com 12 homens ugandenses mostrou que retirada
8. PÊNIS do prepúcio do pênis expõe a glande e provoca profundas
Fontes: A Vida Secreta dos Micróbios (Rob Knight e
alterações no microbioma peniano: espécies anaeróbicas Brendan Buhler/Editora Alaúde), Intestinal Microbes
(que não precisam de oxigênio) decaem significativamente. in Inflammatory Bowel Diseases e MicrobeWiki
DNA É
A CURA PELO COCÔ O NOVO
Como os
transplantes
de microbiota
A OPENBIOME já processou
mais de 500 quilos de cocô doados
MICROSCÓPIO
fecal ajudam no por pessoas saudáveis. Faz isso pelo Preço do
tratamento de avanço nas pesquisas dos transplan- sequenciamento
pacientes com genético desabou —
tes de microbiota fecal (FMT) e para resultado foi revolução
diarreia aguda
levá-los de forma segura a quem mais do microbioma
precisa. Beneficiam-se sobretudo pa-
cientes com infecção intestinal por Clostridium difficile: 20% dos FAZER A LEITURA completa do

infectados não respondem a antibióticos. A bactéria mata 30 mil genoma humano, com cerca de 6 bi-
pessoas por ano nos EUA e causa até 15 evacuações ao dia. Sem lhões de bases nitrogenadas, custava
fins lucrativos, a OpenBiome faz os transplantes por pílulas ou cerca de US$ 9 milhões há dez anos.
colonoscopia. Eles curam até 90% das pessoas com C. diff. Hoje, o procedimento pode ser feito
“O mais empolgante é que introduz um vasto espectro de bac- em poucos dias por menos de mil dó-
térias e as deixa competir com os patógenos pelo direito de mora- lares. Claro que é muito mais simples
dia no intestino”, diz Robert Rosenbaum, diretor de pesquisas da fazer o sequenciamento genético da E.
OpenBiome. Aos poucos, médicos vão perdendo a desconfiança no coli que vive em seu intestino: ela tem
procedimento. Um detalhe importante: não serve qualquer cocô. em torno de mil vezes menos bases
Doadores devem passar por testes minuciosos para saber se não têm que você. Mas quando o biólogo Jona-
patógenos. Então, quando tiver piriri, não tente nada disso em casa. than Eisen começou a trabalhar com
microrganismos, em 1989, sequenciar
até DNAs de bactérias era um desafio.
“Gastei um ano e meio e uns US$ 50
mil para gerar dados de uma única bac-
LACTOBACILOS téria vivendo dentro de um molusco”,

VIVOS DA MAMÃE diz. Eisen explica que parte da verba

Por que as UMA GAZE É introduzida na va-


cesáreas nos gina da gestante antes da cesariana.
colocam em
contato com Nos três minutos que sucedem o
os micróbios parto, o médico esfrega a gaze na
errados boca, no rosto e no corpo do re-
cém-nascido. Parece exótico? É um
procedimento sugerido em artigo
publicado na revista Nature. Antes,
é importante determinar se não há
DNA DO POVÃO
organismos patogênicos na vagina,
Preço para sequenciar
mas o conceito é promissor, pois genoma humano completo
resolve um problema das cesáreas: desabou ao longo de
MONOPÓLIO DAS elas nos colocam em contato com 15 anos (em dólares)
CESÁREAS os micróbios errados.
Abuso de cesáreas Evoluímos para vir ao mundo 95,2 milhões 100
no Brasil contraria
OMS: adequado seria embebidos nos micróbios vaginais,
80
entre 10% e 15% que fortalecem o sistema imunoló-
gico. Cesáreas transferem microbio-
60% 60
ta da pele, que aumenta o risco de o
bebê ter asma e alergias no futuro. 40
Outro fator é a higiene exagerada na
infância: evita patógenos, mas tam- 20
1,2 mil
bém bactérias benéficas. Obviamen-
30%
te, é preciso bom senso. “Melhor
2000 2015 2001 2015
ter alergia que morrer de diarreia”,
Fonte: Sinasc/ Fonte: National Human
Ministério da Saúde resume Jacques Nicoli, da UFMG. Genome Research Institute
pagava seu salário e a outra bancava
o sequenciamento. “Era uma bactéria
legal e me rendeu um artigo, mas é
uma forma lenta e cara de aprender
sobre um único micróbio.” Ele afirma
NÃO VALE VENDER
MICRÓBIO POR LEBRE
que, com o valor, hoje seria possível
descrever bilhões de micróbios. “Essa
mudança nos permite pensar no se-
Prêmio UM ARTIGO de pesquisadores da
quenciamento como um diagnóstico irônico expõe Universidade de Chicago descreve
para caracterizar amostras de um jeito forçações
de barra em o impacto de antibióticos em ca-
muito parecido com um microscópio.”
pesquisas do mundongos. Nas entrelinhas, suge-
Espécies distintas de microrganismos microbioma re que isso pode frear o Alzheimer.
podem ter a mesma aparência, daí a
Em humanos. “Cientistas devem
importância da genética. A tendência
ser mais cuidadosos ao apresentar
é maior integração com a informática
implicações de seus trabalhos”, es-
para analisar big data em tempo real.
creveu Jonathan Eisen em seu blog.
Sequenciadores terão tamanho de pen
A precipitada relação de causalida-
drives e serão levados a campo. “A tec-
de reverberou na imprensa. Para
nologia tem se desenvolvido para definir
denunciar esses exageros, Eisen
quais espécies fazem o quê em deter-
criou o prêmio Overselling the Mi-
minado lugar”, afirma Douglas Galante.
crobiome. “Isso é muito perigoso,
pois dá falsa esperança às pessoas.”

MICROBIOMANIA 8.000 7.126


Emprego do termo

Nº de menções
“microbioma” em 6.000
artigos científicos
explodiu na última
década: menções 4.000
cresceram 1.800%
2.000
Fonte: Ferramenta 396
de busca do
National Center
for Biotechnology
Information (NCBI) 2007 2016

LUCROBIOMA SANGUE DOCE QUE NADA


Probióticos
alavancam mercado Estudos indicam que que atraíram mais mosquistos
do microbioma bactérias podem Anopheles, transmissor da
(em dólares) atrair (ou repelir)
os pernilongos malária. Estudo mais recente
feito pela Universidade Texas
Crescimento
médio anual OS MOSQUITOS pare- A&M constatou que os mos-
22,3% cem adorar picar você? A ciên- quitos “hackeiam” o processo
cia descobriu que as causas químico que as bactérias usam
658 milhões

800 mi têm relação íntima com nossos para se comunicar, chamado


odores característicos. E quem percepção de quórum.
700 mi
produz esses compostos odorí- “Os dados sugerem que ma-
600 mi feros são as bilhões de bacté- nipular o processo pode ser
500 mi rias cujo habitat é a nossa pele. nova abordagem para reduzir
294 milhões

Pesquisa realizada com a atração de mosquitos”, diz ar-


400 mi
48 voluntários por holande- tigo. Em linhagens modificadas
300 mi ses da Universidade de Wa- de Staphyloccocus epidermidis,
geningen notou uma maior a atração de Aedes aegypti caiu
concentração de bactérias significativamente. Fe-
2019 2023
dos gêneros Staphylococcus bre amarela, dengue e
Fonte: MarketsandMarkets
e Pseudomonas nos homens zika que se cuidem.
25
CUIDE BEM DOS MICRÓBIOS EM FORMA

SEUS MICRÓBIOS Sete dicas para ter uma


microbiota saudável

Médico que pesquisa as propriedades


terapêuticas dos alimentos lança livro sobre
influência da alimentação no microbioma

POR DR. ALBERTO PERIBANEZ GONZALEZ*

A CIÊNCIA JÁ ELUCIDOU que não somos teci-


dos e cavidades estéreis. Estamos ocupados por um
número de bactérias superior ao de células. Quando
estendemos esses valores ao DNA, a proporção fica
ainda mais desafiadora para o lado das bactérias. Te-
ABUSE DOS VEGETAIS
mos 100 vezes mais DNA bacteriano do que nossas Independentemente de sua escolha
células. São parte importante do equilíbrio de nosso alimentar envolver carne, peixe ou
meio interno. Esses seres que habitam nossos cor- laticínios, procure manter uma alta
ingestão de vegetais na dieta. Os
pos, em grande parte simbióticos e benéficos, regulam alimentos vegetais são, ao mesmo tempo,
diferentes etapas metabólicas e processos celulares. probióticos, prebióticos e simbióticos.
Produzem enzimas importantes que a célula hu-
mana não produz, como a Beta-galactosidase, funda- CUIDADO COM O LEITE
mental para a saúde celular. Procuramos a conhecida Não abuse de laticínios pasteurizados,
que incluem leites e queijos, entre outros
vitamina B12 nos alimentos, quando na verdade é produtos, pois estes são, na realidade,
produzida pelas bactérias intestinais. alimentos para bactérias nocivas.
Os benefícios metabólicos e ce- Já um queijo do tipo “canastra” bem
curtido é, na verdade, um probiótico.
lulares das bactérias simbióticas
BACTÉRIA É ALIMENTO: ao corpo humano são variados e
UM TERÇO DO PESO DE
DOCE VENENO
extensos. Cabe aqui lembrar que Tire o açúcar da dieta e passe a aproveitar
NOSSAS FEZES É COMPOSTO bactéria é alimento: um terço do apenas os açúcares que têm origem nas
frutas e outros doces da natureza. Alimento
peso de nossas fezes é composto de
DE BACTÉRIAS MORTAS bactérias mortas. Essa massa de se-
refinado serve para o crescimento de
bactérias nocivas à saúde e deflagradoras
res vivos que nasce, cresce e morre de elementos causadores de inflamação.
dentro dos intestinos também serve
como alimento para nossos corpos. UM CÁLICE POR DIA
Animais herbívoros são, na verdade, devoradores de O vinho é conhecido desde a antiguidade
como “amigo dos intestinos”. Além dos
bactérias. Nesta forma de estratégia biológica, os in- benefícios conhecidos, a baixa concentração
testinos de bovinos, equinos, primatas e tantos outros de álcool frutado permite um controle de
seres de vida livre nada mais são que “composteiras” colônias bacterianas. Mas isso não deve
ser visto como um estímulo ao alcoolismo.
sofisticadas, de temperatura equilibrada e capazes de
produzir um formidável número de bactérias a partir
HORTA DO BEM
de folhas, frutos silvestres e grama. Busque o alimento autêntico, que é o
O alimento de origem vegetal é apenas o alimento orgânico com procedência controlada:
das bactérias. Ao morrer nos intestinos, cedem seu fresco, pleno de energia vital e enzimas.
Plantas conduzem bactérias semelhantes
material celular para a absorção intestinal, que se aos amigos intestinais, já as carnes
transforma nos músculos e óssos que caracterizam congeladas trazem as bactérias mais letais.
os herbívoros. Se observássemos melhor esta regra,
saberíamos organizar melhor nossas refeições. Seria PRESSA É INIMIGA
muito fácil entender que nossas escolhas alimentares Fuja de alimentos processados
industrialmente (amidos, panificados com
*Autor de têm profunda influência na composição bacteriana gorduras hidrogenadas), encontrados
Cirurgia Verde dos intestinos. Não faltam estudos científicos para em típicas lojas de conveniência.
Ed. Alaúde,
136 páginas, corroborar isso. O que se discute é a dieta que provê
R$ 29,90 resultados melhores. A proposta que apresento em BUSQUE O EQUILÍBRIO
meu livro pode ser resumida em sete dicas sobre como Alimente-se de forma equilibrada, sem
excessos ou misturas de doces, salgados,
ter uma microbiota saudável (veja ao lado). laticínios e carnes. Essas misturas são bem
26 nocivas e desenvolvem microbiota agressiva.
Coma para viver, não viva para comer!
BORDADO FOTOGRAFIA
VOULTA SÉRGIO DE SÁ

SUMÁRIO
PESSOAS X CIDADES P.28 ANDROIDES SONHAM COM ORGASMOS ELÉTRICOS? P.40

DE MATÉRIAS LUTO SEM FIM EM UGANDA P.48 ENTREVISTA: ALEXEI MAILYBAEV P.56

ENSAIO: MERGULHO NO MUSEU P.60 GUARDIÕES DO DNA P.66


ACIDADEQUENING
ESTRUTURAS “ANTIMENDIGOS”, REMOÇÃO DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA E PRISÃO DE PICHADORES LEVANTAM DISCUSSÃO
UÉMQUERVER
SOBRE QUAL É A MELHOR FORMA DE LIDAR COM CONFLITOS EM ESPAÇOS PÚBLICOS
REPORTAGEM CRISTINE KIST

E THIAGO TANJI

DESIGN FEU E FERNANDA DIDINI

FOTOS JULIA RODRIGUES


Bancos com superfície irregular causam desconforto para quem tenta deitar

um mês depois de dizer a empresá- alguns metros adiante, “Ver a Cidade”.


rios que a cidade de são paulo era “Meus grafites falam sobre essa questão
um “lixo vivo” com “16 mil pessoas do que autorizam, do que legitimam, do
na rua”, o prefeito João Doria (PSDB) que deixam que seja visto na cidade. O
tratou de começar a limpá-la. No primeiro que a gente pode ver? O que é interessan-
dia útil do ano, vestiu-se com um uniforme te que a gente veja?”, pergun-
de gari e foi até a Praça 14 Bis, na região ta Silva ao mostrar uma pasta GUIA DA ARQUITETURA HOSTIL
central, que abriga população em situa- forrada de processos judiciais.
ção de rua. Cercado de fotógrafos e em- O discurso de tolerância
punhando uma vassoura, ele apresentou zero com pichações adotado
oficialmente o programa Cidade Linda, por vários prefeitos recém-
que prevê uma série de atividades de lim- -empossados é só o capítulo
peza e zeladoria como reparo de calçadas, mais recente da longa queda
DISPOSITIVO BANCO INCLINADO
retirada de cartazes e troca de lixeiras. de braço que opõe os adminis- ANTI-SKATE
Alvo:
Dias depois, o artista Mauro Neri da tradores “linha-dura” (e seus Alvo: População em
Silva foi preso a poucos quilômetros dali eleitores) às pessoas que não Skatistas situação de rua
justamente por lavar um muro. Com água acreditam na real efetividade Como funciona: Como funciona:
e um esfregão, Silva foi interceptado pela dessas políticas. “As cidades Estruturas de A inclinação
polícia enquanto removia a tinta cinza são marcadas por uma diver- metal instaladas impede que
sobre os bancos as pessoas se
lançada pela Prefeitura sobre um grafi- sidade de visões, o que gera deixam a super- deitem no banco
te feito por ele mesmo. No muro, conflitos mas também provo- fície irregular
30 liam-se as palavras “Deixa Ver” e, ca inventividades. Quando se
busca impor uma única visão, está se de- “Espaço público é o espaço das diferen- além deles parecia se incomodar. A ex-
clarando guerra à diversidade de formas ças, onde é possível o encontro com o que plicação não tardou a chegar: haviam
de viver e experienciar essas cidades”, não é igual a nós”, diz Sérgio Magalhães, sido instalados na cidade mais de 3 mil
afirma a antropóloga Gabriela Leal. presidente do Instituto de Arquitetos aparelhos conhecidos como “mosqui-
Nos últimos anos, os espaços públi- do Brasil (IAB). “À medida que se rejei- tos”, cuja única função era emitir sons
cos estiveram na linha de frente dessa ta a diferença, estamos rejeitando o pró- em uma frequência que só podia ser ou-
“guerra”: em 2011, moradores do bair- prio conceito de cidade.” De acordo com vida por pessoas com menos de 25 anos.
ro Higienópolis, em São Paulo, protesta- a definição da Organização das Nações A ideia era impedir que os garotos se reu-
ram contra a construção de uma estação Unidas para a Educação, a Ciência e a nissem em determinados locais — mas a
de metrô na região porque ficaram com Cultura (Unesco), um espaço público “re- estratégia foi posteriormente classifica-
receio de que a nova opção de transpor- fere-se a uma área ou lugar aberto e aces- da como “degradante e discriminatória”
te atrairia “uma gente diferenciada”; em sível a todas as pessoas, independente- pelo Conselho da Europa, órgão focado
2013, os rolezinhos marcados por jovens mente do sexo, raça, etnia, idade ou nível na promoção da democracia e dos direi-
da periferia em parques e shopping cen- socioeconômico”. A formulação esbarra, tos humanos no continente.
ters espantaram fregueses e levaram os no entanto, em pelo menos dois obstá- A cidade britânica parece ser, por si-
estabelecimentos a reforçar a segurança; culos: o limite borrado entre o público e nal, a capital mundial do que ficou co-
em 2014, moradores da zona oeste do Rio o privado (os moradores de uma região nhecido como “arquitetura defensiva” ou
de Janeiro foram removidos por conta das podem ou não decidir quem vai frequentá “arquitetura hostil” — quando o espaço
obras para os Jogos Olímpicos — no mes- -la?) e a dificuldade de delimitar até que é planejado para evitar que os frequen-
mo ano, ações de “limpeza pública” que ponto é desejável a interferência do pró- tadores se comportem de modo consi-
incluíam a dispersão da população em prio governo (quem está no poder pode derado indesejado (veja mais no quadro
situação de rua foram realizadas em ou não definir como as pessoas devem abaixo). “Nos últimos anos, houve um
Salvador e Porto Alegre, que se prepara- interagir com esses espaços?). ressurgimento do urbanismo defensi-
vam para sediar a Copa do Mundo; já em vo, na forma de condomínios residen-
2015, o fechamento da Avenida Paulista ALÉM DO QUE SE VÊ ciais e comerciais fechados e de espaços
para carros aos domingos enfrentou resis- Há alguns anos, adolescentes que cos- públicos privatizados e extremamen-
tência dos motoristas (o hoje ministro José tumavam se reunir em pontos específi- te controlados”, escreveram Rowland
Serra chegou a fazer um post no Facebook cos de Londres começaram a ouvir um Atkinson e Aidan While, professores
reclamando que ficou preso no trânsito). zumbido desconfortável, mas ninguém de Sociedades Inclusivas e Estudos

Multiplicam-se no mundo todo os espaços planejados para controlar as atividades das pessoas e evitar que elas se comportem de forma indesejada

TINTA ANTI- ESPINHOS DE METAL LUZ AZUL ESTRUTURA LUZ ROSA BANCO COM ESTRUTURAS ASSENTOS
PICHAÇÃO ANTIURINA DIVISÓRIAS SOB VIADUTOS ESTAMPADOS
Alvo: Alvo: Alvo:
Alvo: População em Dependentes Alvo: Adolescentes Alvo: Alvo: Alvo:
Pichadores situação de rua químicos População em População em População em Pichadores
situação de rua Como funciona: situação de rua situação de rua
Como funciona: Como funciona: Como funciona: A iluminação rosada Como funciona:
A tinta fica cons- Não permitem Impede que depen- Como funciona: ressalta as imper- Como funciona: Como funciona: Assentos de ôni-
tantemente úmida, que ninguém se dentes encontrem Não permite que feições na pele dos As divisórias Deixam o chão bus são coloridos
o que impossibilita apoie sobre a as veias e usem dro- homens urinem adolescentes, que são um obstáculo irregular e para desestimu-
que alguém tente superfície em que gas injetáveis em nos cantos de preferem ir para para quem comprometem lar quem tenta
pintar por cima foram instalados banheiros públicos espaços públicos outros lugares tenta deitar o uso da área escrever neles
Urbanos da Universidade de Sheffield, SAUDOSA MALOCA pela Universidade Federal do Rio de
na Inglaterra, em um artigo publicado no No dia 2 de março de 1894, o Diario Janeiro (UFRJ) que, em uma tese, ana-
final de 2015. “Desigualdades sociais cres- O fficial de São Paulo publicava o có- lisou a formação das favelas cariocas
centes criam um ambiente propício para digo sanitário do estado, que conta- e as políticas de remoção na cidade.
o desenvolvimento desses tipos de arqui- va com um capítulo dedicado exclusi- Entre os anos de 1902 e 1906, o pre-
tetura de proteção, controle e exclusão.” vamente para as “habitações de casas feito Pereira Passos iniciou uma re-
O fenômeno também é observado por pobres”. De acordo com a lei promul- forma no Rio de Janeiro que incluía
aqui: em Manaus, moradores construí- gada pelo governador Bernardino José a construção de avenidas largas e de
ram por conta própria muros nas ruas para de Campos Júnior, estava “terminante- prédios inspirados na arquitetura eu-
controlar a entrada e saída de carros e evi- mente prohibida a construcção de cor- ropeia, além da derrubada de imóveis
tar assaltos. Em São Paulo, faixas foram tiços, convindo que as municipalidades considerados sanitariamente inapro-
estendidas em frente às casas para protes- providenciem para que desappareçam priados, como cortiços e habitações
tar contra a abertura de estabelecimentos os existentes”. Influenciados pela inau- populares. Justificada pela prevenção
comerciais em regiões que até então eram guração das avenidas largas de Paris, de epidemias, a política higienista de
consideradas estritamente residenciais. os políticos brasileiros do início do pe- Pereira Passos resultaria na expulsão
O urbanista Sérgio Magalhães expli- ríodo republicano utilizavam o discurso da população mais pobre das áreas cen-
ca que, até os anos 1960, ainda predo- científico para iniciar trais da cidade, e con-
minava no Brasil a lógica da arquitetura as reformas urbanas tribuiria para que es-
modernista, que defendia usos isolados que moldariam a ma- sas pessoas fossem
para cada lugar: havia o local de traba- neira pela qual as ci- TUDO LIMPINHO estigmatizadas como
lho, o de moradia e o de lazer. A par- dades são planejadas. Com o discurso portadoras de doen-
tir daí, houve uma virada em favor do Embora fosse a ca- científico de higiene, ças transmissíveis e
“multifuncionalismo”, a diversidade de pital do país, o Rio de políticos promoveram de “vícios morais”.
usos para um mesmo espaço, que não Janeiro do início do remoções das pessoas Para não se distan-
foi acompanhada pelas leis urbanísticas. século 20 ainda con- mais pobres ciar dos locais de tra-
“Os condomínios fechados são instru- servava característi- balho, as pessoas ex-
mentos de segregação, assim como a fa- cas do período colo- 1894 pulsas se deslocaram
vela e a periferia, onde o governo não nial, com ausência de Código Sanitário para os morros situa-
está presente. A arquitetura e o urbanis- uma infraestrutura de O estado de São dos no entorno da re-
mo se colocam hoje como antissegrega- saneamento básico, o Paulo determina a gião central: primei-
ção, e o Brasil está muito atrasado nesse que contribuía para a proibição da cons- ra favela carioca, o
aspecto”, diz Magalhães. “Ainda preva- propagação de epide- trução de cortiços Morro da Providência
lecem áreas exclusivas para residências, mias, como varíola e fo i u m d o s l o ca i s
áreas exclusivas para comércio... É um febre amarela — do- 1902 de aglomeração das
primeiro aspecto que precisa ser com- ença transmitida pelo Reforma urbana construções improvi-
preendido e revogado para que o espaço mosquito Aedes ae- Executadas pelo prefei- sadas. Um século de-
público seja utilizado com qualidade.” gypti, velho conhe- to carioca Pereira Pas- pois, as políticas de
Em Morte e Vida das Grandes Cidades cido das autoridades sos, as mudanças incluí- remoção voltaram à
(Martins Fontes), publicado nos anos cariocas. “A ideolo- ram derrubada de casas tona como estraté-
1960, a ativista e teórica Jane Jacobs gia da higiene sur- populares e construção gia para remodelar a
defendia que o centro das metrópoles giu como justificativa de avenidas largas configuração urbana.
morria à noite, porque só havia esta- para transformar ra- Na Vila Autódromo,
belecimentos comerciais, e os subúr- dicalmente o períme- 1964 zona oeste carioca,
bios morriam durante o dia, porque só tro urbano próximo Remoção de favelas 430 famí lias foram
havia casas. “Nós precisamos prote- à região dos portos, Meses antes do golpe removidas ainda em
ger essas pessoas [que vivem em con- derrubando os anti- civil-militar, o gover- 2014 em função da
domínios fechados] delas mesmas”, gos cortiços, vistos nador Carlos Lacerda construção do Parque
afirma Erminia Maricato, professora como foco das doen- removeu pessoas que Olímpico. Elas foram
das faculdades de arquitetura da USP ças”, diz o historiador moravam em favelas reassentadas em con-
e da Unicamp. “É preciso saudar a di- Humberto Salustriano localizadas na zona juntos habitacionais
versidade e os conflitos que apro- da Silva, mestre em sul do Rio de Janeiro ou receberam indeni-
32 fundam a democracia.” Planejamento Urbano para os subúrbios zações em dinheiro.
Cidades bonitas fazem seus habitantes felizes, mas mudanças cosméticas não bastam

BELEZA É FUNDAMENTAL? Corta para São Paulo, quase 500 anos alvo fácil porque já somos mal vistos pela
Em Historia Verdadera de la Conquista de depois. Ainda durante a campanha, o en- sociedade, eles ficam gastando dinheiro
la Nueva España, Bernal Díaz del Castillo tão candidato João Doria já havia prome- cobrindo ‘pixo’ e fazendo uma propaganda
conta que, logo depois de conquistar a tido declarar guerra aos pichadores — e barata em vez de cuidar do que realmen-
Cidade do México, no século 16, o espa- eles também não tardaram a usar as pa- te importa, que é segurança, educação”.
nhol Hernán Cortés instalou-se em uma redes cinzas da cidade para responder. Em alguma medida, a opinião de Luiz*
belíssima casa de paredes brancas no dis- Na manhã de Natal, uma semana antes é compartilhada por Nádia Somekh,
trito de Coyoacán. A ostentação era tanta de o empresário tornar-se prefeito ofi- professora emérita da Faculdade de
que os soldados espanhóis que participa- cialmente, a fachada de um prédio na Arquitetura da Universidade Mackenzie:
ram das batalhas e na época trabalhavam Avenida 23 de Maio apareceu tomada pe- “O Cidade Linda é uma ação de marke-
na reconstrução da cidade desconfiaram los dizeres “Doria pixo é arte”. ting superficial da Prefeitura, que, ao fo-
que o chefe tinha ficado com toda a fortu- Luiz*, que alega ser o responsável pela car em grafites e pichações, encanta as
na roubada dos nativos. Não tardou para pichação, disse que ficou 15 dias escolhen- pessoas que não têm uma visão crítica de
que as primeiras mensagens difamatórias do o prédio (ele queria um lugar que fosse que a cidade precisa de mais do que isso”.
escritas com carvão aparecessem nas tais visível da Prefeitura) e planejando a execu- O coordenador do curso de Comunicação
paredes brancas. Cortés, no entanto, não ção. No fim, amarrou uma corda ao telha- da UnB, Pedro Russi, acredita que este é
se fazia de rogado e respondia a todas elas, do e passou uma madrugada inteira agar- um bom momento para discutir a forma
uma a uma. A dinâmica durou um bom rado a ela pintando letra por letra. Como como as pichações são percebidas: “Algo
tempo, até que ele finalmente acordou de a maioria dos pichadores ouvidos pela re- que está sendo pensado como apagamen-
mau humor e escreveu apenas “parede portagem, ele acha que as pichações têm to pode, na verdade, ter o efeito contrário.
branca, papel de néscios” (um sinônimo sido usadas para desviar o foco de proble- Nesse sentido, penso que estudio-
mais sofisticado de ignorantes). mas mais importantes: “Como somos um sos, grafiteiros e pichadores devem 33
De acordo com especialistas, criminalizar pichações é perda de tempo e de recursos

aproveitar o movimento da maré e colo- ta às questões da desigualdade social, cidade é reduzir os cuidados para com
car no centro das discussões reflexões da educação extremamente deficiente a desigualdade, ou mesmo reforçar a
que ajudem a tirar o estigma desse tipo e da falta de espaços de lazer”. Hoje, a desigualdade, é um equívoco”, ele diz.
de manifestação”. De acordo com uma lei federal 12.408 diz no artigo 6º que “O embelezamento da cidade representa
pesquisa do instituto Datafolha divulgada “pichação é crime que prevê pena de 3 uma qualificação do espaço público, que
em 12 de fevereiro, 97% dos paulistanos meses a um ano de prisão mais multa”. é usufruído por toda a população. Quanto
são a favor de cobrir as pichações (mas De acordo com o pesquisador do Centro mais bonito ele for, mais bem usado por
só 13% concordam com o apagamento de Estudos da Metrópole da USP Gabriel todas as classes sociais ele será.” De fato,
dos grafites). A aprovação do prefeito Feltran, o problema é que as elites, e um estudo publicado em 2011 por pes-
João Doria na mesma data era de 44%. quem quer parecer com elas, pensam que quisadores das universidades da Virgínia
Para Alexandre Barbosa Pereira, o público é uma propriedade: “Acredita- Ocidental e da Carolina do Sul mostrou
professor do Departamento de Saúde, se que quem está no poder agora tem ‘a que há uma ligação entre a estética da
Educação e Sociedade da Universidade sua vez’ de se apropriar de tudo o que é cidade e o bem-estar dos seus habitan-
Federal de São Paulo (Unifesp), a guer- público, como todos fizeram antes”, diz. tes. Foram ouvidos moradores de dez
ra à pichação é parte de uma tendência “Acostumados com isso, os pobres sa- cidades — Nova York, Londres, Paris,
crescente de criminalizar as práticas as- bem que o que é público não é deles.” Estocolmo, Toronto, Milão, Berlim, Seul,
sociadas aos jovens pobres: “Parece-me A tentativa de embelezar a cidade, no Pequim e Tóquio — e, quanto mais eles
que os pichadores têm sido usados como entanto, não deve ser confundida com sentiam que suas cidades eram bonitas,
bodes expiatórios, no sentido de que a mera futilidade ou interpretada como mais felizes se consideravam.
Prefeitura se exime da responsabilida- descaso com problemas mais graves, Para a antropóloga Gabriela Leal,
de de apresentar uma política pú- segundo o presidente do IAB, Sérgio o problema não é o programa em si,
34 blica eficiente e dar uma respos- Magalhães. “Imaginar que embelezar a mas a forma como ele foi implantado.
“Por um lado, o Cidade Linda contempla que vive na Praça 14 Bis a desocupar as ação da Prefeitura de colocar uma tela
medidas necessárias, como recuperação calçadas e se deslocar para quadras es- verde ao redor do local onde atualmen-
de calçadas, recolha de entulhos e poda portivas localizadas embaixo de um via- te vive. “Particularmente, a tela não me
de árvores”, ela diz. “Mas por outro, a es- duto na Avenida Nove de Julho. No local incomoda, mas alguns falaram que era
colha inicial dos lugares — que sem dú- já viviam outras pessoas, como Leonor. um galinheiro e uma maneira de escon-
vida alguma não são os mais necessita- Vestindo camisa de um time de futebol eu- der as pessoas da sociedade.”
dos desse tipo de ação — e a incitação de ropeu, de cabelo escuro e curto e com os Antes de irem até a Secretaria, Leonor e
ódio contra grupos de expressão cultural, traços da idade marcados na pele negra, Wanderson participaram, no início de feve-
como no caso do pixo e do grafite, e con- ela aguarda atendimento na Secretaria de reiro, de uma reunião do Comitê PopRua,
tra parcelas minoritárias da população, Direitos Humanos da Prefeitura de São criado em 2013 para debater políticas para
como no que se refere Paulo. Aos 61 anos, a população de rua. Formado por repre-
às pessoas em situa- afirma que desde a sentantes de nove secretarias da Prefeitura
ção de rua, explicitam década de 1990 escu- de São Paulo, também conta com a parti-
GRAFITE, PICHAÇÃO
essa questão.” A repor- ta promessas de que cipação de membros eleitos da sociedade
OU PIXO?
tagem entrou em con- seria retirada da rua. civil e ONGs. O clima era tenso: a pauta
Entenda qual é a
tato com a assessoria Enquanto isso não era o Decreto 57.581, publicado no dia 20
diferença entre os três
da Prefeitura, mas não acontece, vive em um de janeiro, que estabelece os procedimen-
obteve retorno até o fe- barraco improvisado tos na abordagem das pessoas em situação
chamento da edição. embaixo do viaduto. de rua. O decreto proíbe a apreensão de
“Acho que isso é um pertences, como documentos, sacolas, me-
QUEM FALA É A RUA genocídio dos negros, dicamentos, livros, carroças e roupas.
O sol ainda não tinha o governo não nos en- Uma sutil diferença em relação à nor-
despontado nas pri- Grafite (grafitti) xerga. Eles querem fa- ma estabelecida na gestão anterior, no
meiras horas da manhã Distingue-se por sua zer mais uma para a es- entanto, recebeu críticas de especia-
do dia 7 de fevereiro preocupação com a tatística, do meu tempo listas e de movimentos sociais: foi su-
quando caminhões-pi- estética — mas muitos morreram todas as ido- primido o veto à retirada de coberto-
pa e viaturas da Guarda grafiteiros começaram sas, na pinga, na dro- res, colchões e papelões durante ações
Civil Metropolitana de como pichadores ga, desiludidas”, relata. de zeladoria urbana. Apesar da garan-
São Paulo começaram “Queria fazer faculda- tia verbal de Doria de que esses perten-
a circular pelos arredo- de, sabe? Mas essa situ- ces jamais serão retirados das pesso-
res da Praça 14 Bis. De ação destrói os sonhos as, a determinação foi desaprovada até
farda, guardas caminha- da pessoa. Eu era forte, mesmo por pessoas que trabalhavam na
vam pela região e acor- gorda, e fui desmilin- Prefeitura. “O Decreto foi publicado sem
davam quem dormia guindo, desmilinguin- nenhuma consulta, nem dentro do go-
nas calçadas. “Bom dia, Pichação do... Dói na gente ver verno e muito menos com a sociedade
patrão. O pessoal vai jo- Costuma referir-se os amigos partindo.” civil e o Comitê PopRua”, afirma Júlia
gar água, você vai ter às inscrições que não Leonor é acompa- Lima, que trabalhava na Coordenação
que sair agora. Escutou exigem um repertório nhada por Wanderson, de Políticas para a População em
ou não?”, diz um agen- prévio para ganha- q u e ve i o d e B e l o Situação de Rua e pediu demissão do
te de segurança em ví- rem inteligibilidade Horizonte e mora há cargo, juntamente com outros dois ser-
deo gravado pelo jorna- dois meses em um bar- vidores, após a divulgação da medida.
lista Caio Castor para o raco na Praça 14 Bis. Publicado em junho do ano passa-
site Viomundo. Na ação, “Daqui a uns dias o do, o Decreto nº 57.069, do ex-prefei-
que fez parte do Cidade controle de zoonoses to Fernando Haddad (PT), que proibia
Linda, foram relatados vai ter que ir lá, por expressamente a retirada de pertences
casos de apreensão de causa de rato, barata, pessoais, também foi instituído em um
pertences, como mochi- Pixo sujeira. Não tem água momento de polêmica: durante o inver-
las, bolsas e cobertores. Desenvolveu-se em São e a luz foi puxada em no paulistano, seis pessoas que viviam
Em dezembro, dias Paulo e as inscrições um gato”, conta. De ca- na rua morreram. Houve denúncias de
antes do início da nova não são compreen- belos encaracolados e que, mesmo com as baixas temperatu-
gestão, equipes orienta- didas por quem está usando um brinco na ras, equipes de zeladoria urbana
ram a população de rua fora do “circuito” orelha, ele comenta a estavam retirando cobertores. 35
À MARGEM (DA MARGEM) DO SISTEMA Acolhidos (vivem em espaços como albergues) Vivendo nas ruas

Dados obtidos em censo realizado pela Prefeitura de São Paulo em 2015 traçam o perfil social das quase 16 mil pessoas que vivem nas ruas da cidade

População de rua na cidade de São Paulo Sexo


EM 2000 3.693 5.013 Homens Mulheres e outros

8.706 ACOLHIDOS VIVENDO NAS RUAS


EM 2009 7.079 6.587
13.666

EM 2011 7.713 6.756


14.478

EM 2015 8.570 7.335


15.905 87,5% 12,5% 88% 12%

Cor de pele Idade média Faixa etária População LGBT


Não brancos Brancos 12
ACOLHIDOS 18 A 30 31 A 49 50 ANOS 10,4%

43ANOS
ACOLHIDOS VIVENDO NAS RUAS ANOS ANOS OU MAIS

56% 9

9%
5,4%
6

VIVENDO NA RUA 24%

41ANOS
47,7%
20% 3 4,5%
32,3%
20%
69,7% 30,3% 72,1% 27,9%
0

Escolaridade Como vivem na rua Como viviam antes da rua Relações de trabalho
ANALFABETOS VIVEM COM VIVEM SEM VIVIAM COM VIVIAM SEM EMPREGADO COM REGISTRO EM CARTEIRA
FAMILIAR SOZINHOS PARENTESCO FAMILIAR SOZINHOS PARENTESCO
7,1% 9,6% 7,2% 2,2%

ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO 69,3% EMPREGADO SEM REGISTRO EM CARTEIRA


79,2%
15,8% 15,7% 10,7% 2,6%

ENSINO MÉDIO COMPLETO TRABALHA POR CONTA PRÓPRIA/FAZ BICOS


80,4% 18%
20,9% 16,6% 16,5% 26,1% 68,9% 57,7% 73,8%
15,8%
12,6% 3,4%
NÍVEL SUPERIOR COMPLETO 7,6% NÃO ESTÁ TRABALHANDO
5,3%
3,6% 3,8% 25,8% 20,7%

Problemas de saúde Consumo de drogas Violências que já sofreu O que ajudaria a sair da rua
DEPRESSÃO USA ÁLCOOL E/OU DROGAS AGRESSÃO VERBAL EMPREGO MORADIA SUPERAR AS
FIXO PERMANENTE DROGAS
29,5% 30,1% 54,3% 83,8% 55% 70%
DORES CRÔNICAS USA ÁLCOOL ROUBO/FURTO
26,9% 26,7% 44,6% 70,1% 59% 64% 30%
26%
SEQUELA DE ACIDENTES USA DROGAS ILÍCITAS AGRESSÃO FÍSICA
26% 26,7% 28,7% 52,5% 38% 50%
HIV USA CRACK TENTATIVA DE HOMICÍDIO
3,3% 4,5% 11,9% 34,5% 16% 24% 36% 37%
TUBERCULOSE USA MACONHA VIOLÊNCIA SEXUAL
3,9% 4,5% 18,8% 33,1% 4% 6% 14%
DEFICIÊNCIA USA COCAÍNA REMOÇÃO FORÇADA
17,7% 8,2% 10,9% 20,8% 25% 38% 8%

FONTE: Prefeitura de São Paulo e Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe)


O espaço mais íntimo da população de rua é justamente o espaço público

INVISÍVEIS? Com mais de 35 anos de convívio moradores de rua no Censo. Mesmo as-
Atual secretária de Assistência e com a população de rua, o padre Júlio sim, Lancellotti diz que é um erro classi-
Desenvolvimento Social da Prefeitura Lancellotti não vê grandes diferenças ficar a população de rua como invisível:
de São Paulo, Soninha Francine (PPS) entre as medidas adotadas por gestões “A vida dessas pessoas é muito pública:
critica a ação que ocorreu na Praça 14 de partidos políticos distintos e critica quando fazem xixi na porta da sua casa,
Bis no dia 7 de fevereiro, apesar de con- o discurso dos gestores públicos. “Uma são supervisíveis. Aí todo mundo quer
siderar que os decretos elaborados por expressão de que não gosto é ‘políticas que chame a polícia, chame a Prefeitura,
Haddad e Doria são praticamente idên- públicas’: elas sempre são insuficientes tire de lá”, diz Lancellotti.
ticos. “Não se pode apreender o per- e, quando se referem aos mais pobres, O sociólogo Igor Rodrigues, que es-
tence pessoal de uma pessoa só porque não são garantidoras da dignidade das creveu uma tese sobre a construção so-
ela está na rua. Você não tem o direito pessoas”, destaca o religioso, que é co- cial dos moradores de rua na cidade
de apreender uma mochila, documento, ordenador da Pastoral do Povo de Rua, mineira de Juiz de Fora, explica como a
roupa”, afirma. “Isso sempre foi proble- ligada à Arquidiocese de São Paulo. vivência entre o espaço público e priva-
mático, com decreto ou sem decreto, De acordo com censo realizado pela do se entrelaça na vida de quem mora
e temos de ter vigilância permanente.” Prefeitura de São Paulo em 2015, a ci- na rua. “O espaço mais íntimo dessas
De acordo com a secretária, é neces- dade abriga quase 16 mil pessoas que pessoas, da higiene pessoal, da relação
sário que o Estado tenha um planeja- se enquadram como população em si- sexual, é justamente o espaço público”,
mento claro para que se cumpram as tuação de rua (veja mais informações no ressalta. E isso dá margem para que po-
diretrizes estabelecidas: “A Guarda Civil quadro ao lado). Não existem estatísti- líticas públicas proponham acabar com
Metropolitana não pode participar de cas nacionais atualizadas sobre o tema, o “incômodo” causado por elas. “O hi-
uma ação desse tipo sem a presença e já que o Instituto Brasileiro de Geografia gienismo seleciona a dignidade e
a precedência da assistência social”. e Estatística (IBGE) ainda não inclui os a cidadania da pessoas: quando fa- 37
lamos da retirada de cobertas, estamos formidade com o de- Me contaram que a in-
ARQUITETURA
falando de direitos fundamentais, inclu- creto, mas era neces- tenção era ver pessoas
INCLUSIVA
sive o direito à propriedade.” sário celeridade para Bons exemplos de e tomar um sorvete”.
Iniciativas como a do Comitê PopRua as ações. Esse não é intervenções urbanas Alguns dos garotos
auxiliam a população mais fragilizada a um espaço partidário que a psicóloga co-
estabelecer um canal de comunicação e garanto que nenhum nheceu naquele role-
com o poder público, mas estão longe direito será violado”. zinho ainda hoje par-
de atender às necessidades de milhares A secretária afirmou ticipam das atividades
de pessoas em situação de rua. “Essa é que não foi consulta- do Domingo MAM,
uma população extremamente diversa, da sobre a promulga- um projeto criado por
com idosos, crianças, homens, mulhe- ção da medida e, ape- ela para trazer para
Semáforo
res, pessoas trans e LGBT. Além disso, sar dos protestos dos confortável dentro do museu os
há indivíduos com transtorno mental, al- membros do comi- Em Sevilha, na adolescentes que cos-
guns com quadro de transtorno mental tê, disse que somente Espanha, foi criado um tumavam se reunir
assento que é acoplado
grave”, afirma a psiquiatra Carmen Lúcia o prefeito pode voltar aos postes para acomo- em volta dele.
Santana, professora da Universidade atrás de sua decisão. dar os ambulantes que Na época, eram co-
Federal de São Paulo (Unifesp). “Quem tem que falar ficam nos semáforos muns registros de bri-
Em curso desde 2014, o programa agora é a rua”, grita um gas e casos de coma
De Braços Abertos é uma das iniciati- dos presentes na reu- alcoólico, e muitos
vas que aposta em medidas alternati- nião. De olhos claros, f re q u e n ta d o re s d o
vas para amenizar parte dos problemas. vestindo camisa bran- parque olhavam torto
A Prefeitura abriu postos de trabalho como ca e calça militar e com para os meninos. “Nós
parte de sua política de redução de danos a barba comprida, José resolvemos criar essa
aos dependentes químicos que vivem na França, que frequenta programação por al-
região central de São Paulo, em uma área todas as reuniões do Meio banco, guns motivos: muitos
meio abrigo
apelidada de “Cracolândia”. O projeto comitê e se apresenta No Canadá, uma jovens costumavam se
oferece alimentação e hospedagem, além como um sobreviven- estrutura de madeira encontrar para dançar
acoplada a um banco
de abrir ao participante a possibilidade te da rua, pede a pala- e usavam a fachada do
pode ser tranfor-
de ingressar em atividades remuneradas, vra: “O diálogo é ne- mada em cobertura MAM como espelho
como varrição de ruas, manutenção de cessário, acredito que em dias de chuva para treinar suas co-
uma horta comunitária, oficinas de cos- a senhora nos escuta- reografias, o que nos
tura e até em um salão de beleza. rá para que esse cons- chamou a atenção.
Caso cumpra os horários determinados, trangimento não volte Mais adiante também
o participante do programa ganha uma re- a acontecer contra os moradores de rua. constatamos a incidência de comas al-
muneração semanal de cerca de R$ 150. Vou confiar nas palavras da senhora”. coólicos, além de episódios de violência
De acordo com dados da Polícia Militar que colocavam os garotos em situações
de São Paulo, houve queda de 80% nos NÃO SÓ RESPEITO, MAS INTERESSE de risco. Por fim, o que nos motivou
roubos de veículo e de 33% nos furtos a Em 2014, no auge dos rolezinhos, 5 mil foi o simples fato de vivenciarmos o
pessoas após um ano de implantação da adolescentes confirmaram presença em mesmo espaço por tanto tempo e não
iniciativa. Criticado durante a campa- um evento marcado pelo Facebook no nos conhecermos: muitos dos jovens
nha eleitoral por João Doria, o De Braços Parque Ibirapuera, em São Paulo. O nem sequer sabiam que ali era um mu-
Abertos passará por reformulação e terá ponto de encontro era a obra Aranha, seu”, conta Leyton. Hoje, a marquise
uma parceria mais estreita com o progra- de Louise Bourgeois, uma escultura de do museu é palco de batalhas de MCs e
ma Recomeço, realizado pelo governo es- 10 metros de altura exposta no Museu competições de dança, e boa parte das
tadual e que prevê a abstinência do uso de Arte Moderna (MAM) que fica bem atrações — e mesmo das regras — foi
do crack em comunidades terapêuticas. na frente da janela do escritório da psi- sugerida pelos próprios adolescentes.
Sentados em uma fileira de cadeiras dis- cóloga Daina Leyton, coordenadora O Domingo MAM é um exemplo bem-
postas em formato de círculo, os mem- do setor educativo do museu. Curiosa, sucedido de ressignificação do espaço
bros do Comitê PopRua ouviam com aten- Leyton decidiu comparecer ao evento. público e inclusive já ganhou dois prê-
ção as palavras da secretária municipal Encontrou dezenas de policiais e jorna- mios. Mesmo assim, ainda recebe crí-
de Direitos Humanos e Cidadania, listas e não mais do que 50 adolescen- ticas de outros frequentadores do par-
38 Patricia Bezerra: “Entendo a incon- tes: “A maioria tinha entre 12 e 16 anos. que, que se incomodam com a presença
dos meninos. Para Leyton, trata-se de têm em comum? São práticas de grupos Menos de uma semana depois de
um problema que só pode ser resolvido identitários, grupos para os quais essas sua rápida passagem pela delegacia,
a médio prazo, com ações educativas. práticas possuem sentido e significa- Silva recebeu uma ligação do prefeito
“Não cabe ao museu contribuir com a do”, explica. Desde o começo deste ano, João Doria, feita a pedido do vereador
intolerância, mas sim fomentar o con- 70 pessoas já foram levadas para a delega- Eduardo Suplicy (PT). “Nossa, foi mui-
vívio com a diferença enxergando na di- cia em São Paulo por infrações relaciona- to louco, fiquei meio... (faz um gesto
versidade o seu enorme potencial”, ela das a pichações. Uma delas foi justamente como se estivesse prendendo a respi-
diz. A antropóloga Gabriela Leal expli- Mauro Neri da Silva, que alguns dias an- ração).” Segundo o grafiteiro, eles con-
ca que há interesses e visões de mun- tes de ser preso descobriu que seu mural versaram por meia hora. Doria foi quem
do divergentes em todas as sociedades, seria apagado e foi até o local tentar evi- falou mais: disse que pretende fazer um
e que, portanto, conflitos como os vivi- tar a ação da Prefeitura. “Perguntei qual Museu da Arte de Rua e que dará todo o
dos no Ibirapuera são inevitáveis — e era o critério e eles me mostraram uma apoio ao grafite, mas reforçou que não
ignorá-los ou reprimi-los não fará com lista. O meu nome estava na lista de gra- vai tolerar pichações (“ele tem o dom
que desapareçam. “Reconhecer o confli- fites que não deveriam ser apagados, mas da oratória, né?”). Quando chegou a
to e seus atores, oferecer lugar de locu- houve um erro”, ele conta. “Isso mostra vez de Silva, ele afirmou acreditar que
ção para todos eles e arenas de media- que não existe critério, é provavelmente uma política de valorização do espaço
ção para que se negocie é uma tarefa de uma questão de gosto de alguém que deci- público só será possível se houver “não
toda sociedade que quer viver em paz, de o que pode e o que não pode ser visto.” só respeito, mas interesse” pelo dife-
ser democrática”, destaca. Na época, a Prefeitura alegou que só fo- rente. “No fim, concordamos que uma
Para Leal, quando as pessoas sentem ram apagados os grafites deteriorados ou demonstração disso era justamente o
dificuldade de assimilar o diferente, ten- pichados, mas no fim de fevereiro uma li- fato de nós dois, que somos pessoas
dem a “torná-lo invisível e criminalizá- minar proibiu o apagamento de grafites definitivamente bem diferentes, estar-
-lo”. “O que os rolezinhos e as pichações sem consulta prévia à sociedade civil. mos conversando.”

Assimilar as diferenças é uma forma de ver a cidade de outra maneira


40
41
TRANSAS A DISTÂNCIA, SHOWS PRIVADOS VIRTUAIS, SEX TOYS CONECTADOS
E MULHERES CONQUISTANDO A ECONOMIA ERÓTICA SÃO REALIDADE NA
SACANAGEM DO SÉCULO 21. E OS ANDROIDES? JÁ SONHAM COM O AMOR?
REPORTAGEM FERNANDO SILVA EDIÇÃO GIULIANA DE TOLEDO DESIGN FERNANDA DIDINI ILUSTRAÇÕES VINI VALENTE

apesar de maria paula eles utilizam sensores para


morar em Porto Alegre e responder aos movimentos
Eduardo, em Salvador, todas do casal e, assim, simular a
as noites eles arranjam um mecânica de uma transa.
jeito de ir para a cama jun- Segundo Eddy Olivares,
tos. Observando-se pela tela gerente de marketing da cor-
de um tablet, os dois se ex- poração, a ideia é facilitar a
citam e gozam graças a brin- relação de quem vive sepa-
quedos sexuais conectados rado. “Nosso objetivo nunca
entre si. Roberto e Joana não foi substituir o sexo”, disse
ficam atrás. Ele vê com óculos ele à GALILEU. “Não tenta-
de realidade virtual os parcei- mos comparar o uso de nos-
ros com os quais interage, re- sos brinquedos a sexo real.
cebendo deles inclusive sexo Nós os comparamos ao que
oral. Já ela não hesita em as pessoas nessas condições
aproveitar um aparelho que, fazem hoje: conversam por ví-
utilizado durante a penetração deo, mandam sextings [men-
do namorado, estimula o cli- sagens com conteúdo sexual],
tóris e a ajuda no orgasmo. nudes pelo celular.”
Seria isso exercício de ima- Na mesma onda está a ho-
ginação? Não. Tirando os per- landesa Kiiroo. Além de pro-
sonagens, nada aqui é fictício. duzir o Onyx e o Pearl, respec-
A indústria do entretenimento tivamente a versão masculina
adulto já vive essa realidade. e a feminina dos sex toys in-
Empresas como a Lovense terligados para diversão de
têm apostado no combo tec- uma dupla, a empresa inves-
nologia e sexo, dupla que dá te em um serviço que une
retorno. Só em 2016, a com- suas ferramentas a vídeos de
panhia de Hong Kong fatu- sites pornôs. Basta ao usuá- EM MOVIMENTO
rou US$ 6,8 milhões com a rio baixar o aplicativo FeelMe Graças às telas
venda de produtos que mais Technology, conectar os apa- sensíveis ao toque,
parecem saídos de um filme relhos ao celular ou ao com- celulares e tablets
de ficção científica. Em suas putador e começar a sentir tornaram-se
prateleiras há, por exemplo, o a pressão das ações de cada ferramentas úteis
masturbador Max e o vibra- modelo que surge em cena. para controlar
dor Nora, que, via Bluetooth Há erotismo voltado para he- o movimento
e aplicativo, se ligam e podem terossexuais, gays e até para de brinquedos
dar prazer a homens e mulhe- quem prefere animações (!) sexuais a distância.
res a quilômetros de distância em 3-D, no estilo dos perso- Escorrega o dedo
um do outro. Sincronizados, nagens do jogo The Sims. aqui, vibra ali

42
“Acredito que o futuro do turbarem e viverem a sexuali- Pesquisadora das integrações
sexo esteja ligado à alta tec- dade por meio de um estímu- entre o corpo e a tecnologia,
nologia. Com ela, nem preci- lo que a tecnologia trazia.” ela já organizou workshops
samos de parceiro para colo- Seja buscando novida- para ensinar mulheres a im-
car em prática novas formas des, seja modificando a fun- primir o próprio vibrador, em
de intimidade. [Agora] po- ção de um objeto, há tem- forma de anel. Pelo Facebook,
demos ser íntimos em mui- pos o ser humano pensa em na página Technoporn, Wu
tos contextos, experimen- formas de driblar vontades também debate o tema.
tando com nossos corpos e ou ampliar a diversão. Para “Quantas mulheres sabem
explorando fantasias”, afirma ficar em dois exemplos, o que têm próstata, uma glân-
Ashton Egner, gerente de co- massageador Magic Wand, dula [a chamada glândula
municações da marca. da Hitachi, se transformou de Skene] que produz um
Mas antes que, diante desse em um vibrador nas mãos líquido, e podem ejacular?
cenário, você solte um “isso das mulheres, na virada dos Quando acontece isso, mui-
é muito Black Mirror”, cal- anos 1960 para 1970 (confira tas vezes, tanto elas quanto os
ma lá. As inovações no cam- lista na página seguinte), e uma caras acham que é xixi. Nós
po da ciência e o desejo ca- réplica da estátua Vênus de desconhecemos o corpo, a
minham lado a lado, explica Milo tornou-se amante de um mente. E isso é de propósito.
Carmita Abdo, coordenado- jardineiro francês, pego no Não é para todo mundo man-
ra do Programa de Estudos flagra ao tentar transar com jar”, afirma a designer.
em Sexualidade (ProSex) do ela em um parque, em 1877. Neste ano, Wu pretende se-
Instituto de Psiquiatria do guir com os encontros que
Hospital das Clínicas de São FAÇA VOCÊ MESMA chama de Sex Hacking, nas-
Paulo. “São coisas indissociá- Subverter o uso de algo feito cidos no Garoa Hacker Clube,
veis. Ao longo da história do para outra atividade é um con- espaço colaborativo de tecno-
sexo, os avanços tecnológi- ceito antigo, mas que não saiu logia na capital paulista. “Lá
cos sempre foram utilizados de moda. Oriundo da informá- surgiram algumas ideias de
como um derivativo, uma al- tica, o termo “hackear” faz su- prototipar objetos para o pra-
ternativa”, diz. “Então, por cesso no século 21 e, no cam- zer, meio ‘do it yourself’ [faça
exemplo, quando surgiram po dos brinquedos sexuais, é você mesmo]. Haverá outros
o cinema, a televisão e seus aplicado quando se quer falar eventos, mas agora queremos
programas que tinham ape- da utilização das impresso- expandir e fazer algo mais co-
lo sexual, ainda que não ne- ras 3-D para a fabricação des- nectado, na pegada da ‘inter-
cessariamente pornográfico, ses objetos. Aqui no Brasil, net of toys’ [internet dos brin-
eles viraram um veículo, um a designer Rita Wu é uma quedos], e não da ‘internet of
mote para as pessoas se mas- das entusiastas da técnica. things’ [internet das coisas].”

VIBRADOR CAMISINHA PÍLULA


Em 1869, um vibrador O preservativo já teve Idealizada por ativistas,
a vapor é criado para versões como o saco a pílula contraceptiva
PRELIMINARES tratar a “histeria” de linho, testado no chega ao mercado no
Relembre as (o desejo sexual século 16, e o feito de início dos anos 1960.
inovações feminino, visto como intestino de carneiro. O sucesso (1,2 milhão
tecnológicas que doença). O primeiro Só na década de 1910 de norte-americanas
mudaram o sexo ao modelo elétrico surge é que o polonês Julius a usavam em 1964)
longo da história em 1883. No fim dos Fromm desenvolve a transforma em
anos 1960, o aparelho a hoje famosa uma das estrelas da
sem fio é patenteado. camisinha de látex. revolução sexual.

43
Wu também trabalha no pode ser usado no clitóris in- dobrando-se em várias posi-
desenvolvimento de um per- clusive durante a penetração, ções. Para Alys, a boa respos-
fume biológico que poderia tem sido elogiado pelo dese- ta do público (“de todos os
ajudar a entender o funcio- nho e performance. É exemplo gêneros e sexualidades”, ela
namento da atração sexual. do crescente papel feminino ressalta) ao produto é sinal
na indústria. Hoje presidente dos tempos. “Descobrimos
MULHERES NA ÁREA da Dame, Fine cita o slogan que em todas as áreas do sexo
Alexandra Fine conheceu a da marca (“Tornar o mundo e das relações, as coisas estão
engenheira mecânica Janet um lugar mais feliz, uma vagi- se tornando mais diversifica-
Lieberman quando as duas na de cada vez”) para explicar, das, individuais e personali-
só pensavam em uma coisa: ao mesmo tempo, o momento zadas. As pessoas já não se
abrir uma empresa para pro- e seus planos. “Para nós, isso contentam em seguir as ins-
duzir sex toys. Com mestrado significa ajudar as mulheres truções de alguém e estão ou-
em psicologia e especialização a descobrir o que querem do vindo seus desejos.”
em terapia sexual, ela encon- sexo e como obtê-lo.” Na busca por satisfação,
trara uma parceira para pôr No quem é quem da eco- as mulheres têm conseguido
a mão na massa. Assim, em nomia erótica, somam-se no- gerar concorrência no merca-
2014, no Brooklyn, em Nova mes como o de Stephanie Alys, do do sexo tecnológico, tradi-
York, começava a Dame. uma das fundadoras da ingle- cionalmente voltado ao prazer
“Usamos o [site de crowd- sa MysteryVibe. “Em 2014, masculino. Pensando nelas, a
funding] Indiegogo para lan- reunimos um grupo de amigos Svakom, dos Estados Unidos,
çar o vibrador Eva, nosso e decidimos criar algo que se por exemplo, desenvolveu um
primeiro produto. A meta era adaptasse à pessoa, a seus es- brinquedo que bate fotos e faz
atingir US$ 50 mil”, relem- tados de ânimo, desejos e sen- vídeos (veja lista de produtos
bra Fine. Conseguiram mui- sações”, conta. Assim, criou o na página 47), e a sueca Lelo,
to além do esperado: mais de Crescendo, vibrador regulável que também produz artigos
US$ 841 mil até dezembro de para diferentes formatos de masculinos, apresenta novi-
2014, dois meses depois do corpos. Desenvolvido em par- dades que mimetizam o to-
lançamento. O Eva chamou a ceria com a consultoria de de- que dos dedos e estimulam o
atenção também dos homens, sign SeymourPowell, o proje- clitóris e o ponto G.
já que 45% das vendas no site to também teve financiamento Diretora de vendas da mar-
são feitas para eles, de acor- coletivo para chegar à venda. ca europeia para as Américas
do com a empreendedora. O equipamento tem seis do Sul e do Norte, Eliane Said
Feito para funcionar sem motores, opção de controle não tem dúvidas: “São as mu-
precisar ser manuseado, o dis- por smartphone e é quase um lheres que fazem a revolução
positivo de duas hastes, que Transformer da volúpia, des- e as mudanças no comporta-

SEX SHOP MAGIC WAND BONECAS SEXUAIS SILICONE TELESSEXO VIAGRA


Em 1962, é aberta a Lançado em 1968 pela Na época das grandes Nos anos 1970, Gosnell O serviço surge nos Criada inicialmente
Beate Uhse, primeira marca japonesa de ele- navegações, marinhei- Duncan, imóvel da anos 1980, nos EUA, para hipertensão e
loja do tipo no mundo, trônicos Hitachi como ros franceses e espa- cintura para baixo após com conversas ao angina, a sildenafila
na cidade de Flensburg, um massageador nhóis já carregavam um acidente, criou um vivo e gravações. é patenteada pela
Alemanha. É seguida para músculos e bonecas de pano. As pênis de silicone para Logo vira febre (entre Pfizer em 1996 como a
nos EUA, nos anos costas, o aparelho infláveis, no entanto, usar com sua mulher. fevereiro de 1983 e primeira droga contra
1970, por lojas como a logo é adotado pelas só começam a se A invenção revoluciona de 1984, foram 180 disfunção erétil. A pí-
Eve’s Garden, de Nova mulheres e vira um popularizar durante a a indústria, que passa milhões de chamadas lula chega às lojas dois
York, e a Good Vibra- dos sex toys mais década de 1960, com a usar o material na só para uma operadora anos depois e se popu-
tions, de San Francisco. conhecidos do planeta. anúncios em revistas. fabricação de sex toys. daquele país). lariza no mundo todo.

44
mento sexual de casais e tam- Com o intuito de aumentar os
bém sozinhas. Sempre foram acessos, nas primeiras 24 ho-
corajosas e destemidas quan- ras de funcionamento da pla-
to à sexualidade”. taforma, a gigante do pornô
distribuiu aos usuários 10 mil
COMO UM FILME Google Cardboards (óculos de
Lembra aquela foto de Mark realidade virtual montáveis,
Zuckerberg, todo alegre, an- de papelão). E outras compa-
dando em meio a um bata- nhias da web também desfi-
lhão de pessoas sentadas em lam seus serviços por quartos,
um auditório, usando óculos salas, banheiros e camas.
de realidade virtual? Pois é, A VirtualRealPorn é uma
o pornô já está nessa. E com delas. A empresa espanho-
a grama muito mais verde. la disponibiliza uma gama
Uma análise do banco de de produções em sua página.
investimentos norte-ameri- As fantasias seguem a tradição
cano Piper Jaffray aponta que dessa indústria cinematográ-
esse tipo de conteúdo poderá fica e vão desde a história de
transformar o entretenimen- uma mulher na aula de nata-
to adulto que volta esforços ção até paródias da série How
para a área em um negócio de I Met Your Mother (How I Met
US$ 1 bilhão em 2025. Assim, Misha) e do filme Rogue One –
no ranking dos ganhos com Uma História Star Wars (Rogue
realidade virtual nos EUA, Cum). O que muda são as pos-
a indústria pornô só ficaria sibilidades: dá para ver em
atrás dos valores levantados 120, 180 e 360 graus, buscar
pelo setor de games e pelo de opções interativas e ainda es-
material relacionado à NFL, a piar shows privados ao vivo.
liga de futebol americano. Uma vez que se baixa o pla-
Uma revolução no mundo yer de vídeo da empresa, as
da sacanagem parece vir a ga- imagens vistas nos headsets
lope então. O site de compar- podem ser sincronizadas aos
tilhamento de vídeos Pornhub brinquedos da Lovense e da
não perdeu tempo e, no ano Kiiroo, os chamados teledil-
passado, lançou um canal donics, e, então, o usuário ex-
para oferecer a tecnologia. perimenta outra forma de ver
pornô. “Você não precisa ir ao
[Monte] Everest. Pode ficar
no sofá e se sentir como se es-
tivesse lá”, diz Kristen Scott,
da equipe de atendimento ao
cliente da empresa.
APLICATIVOS REALIDADE VIRTUAL ROBÔS SEXUAIS Para ela, os tempos de
DE ENCONTROS Os DVDs já davam ao Surgem a partir dos mudança trazem otimismo.
Na década de 1960, espectador a possibilida- anos 1990. A Fleshlight “Tentamos aproximar a sexua-
VEM AÍ
alunos de Harvard cria- de de escolher em que patenteia, em 1995, lidade de todo mundo e fazer
Inventor dos
ram o Operation Match, posições queria ver os “manequins com com que a capacidade de se co-
EUA afirma que
avô de Tinder, Happn os modelos. Os óculos aplicação sexual”, e em nhecer aumente nas pessoas.
lançará boneca
e outros. Os usuários de realidade virtual 2010 a TrueCompanion É ótimo descobrir tendências
com inteligência
preenchiam formulário, lançados nesta década, lança a Roxxxy, com ou nossos prazeres sem qual-
artificial
e o computador os ana- porém, levaram o movimentos de cabeça quer tipo de preconceito. E
lisava para achar pos- prazer a outro nível, e até personalidade isso é só o começo.” Nem to-
síveis almas gêmeas. muito mais imersivo. escolhidos pelo cliente. dos estão felizes, contudo.

45
No ano passado, o gover- tratem de assuntos iguais ou
nador de Utah (EUA), Gary semelhantes) na Comissão
Herbert, declarou a porno- de Ciência e Tecnologia,
grafia “um problema de saúde Comunicação e Informática
pública”. A resolução assina- da Câmara dos Deputados.
da pelo republicano não proí- Considerar o desenvolvi-
be a atividade no território, mento da tecnologia como só
mas fala que o conteúdo “per- bom ou ruim quando o tema
petua um ambiente sexual- é sexo não faz sentido para
mente tóxico” e tem “efeito a psiquiatra Carmita Abdo.
prejudicial sobre a unidade “Ela pode ser extremamente
familiar”. No documento, há positiva com a educação se-
ainda preocupação com a ex- xual pela internet, que leva
posição de crianças e adoles- muita gente a se informar e a
centes ao material. viver uma sexualidade mais
Por aqui, o deputado fede- saudável”, explica. “Mas pode
ral Marcelo Aguiar (DEM-SP) ser negativa quando a pessoa
propôs lei para obrigar as ope- tem tendência à compulsão
radoras de telefonia a “cria- ou à repetição de uma situa-
rem sistema que filtra e inter- ção de forma exaustiva.”
rompe automaticamente na Os riscos de dificuldades
internet todos os conteúdos aumentam se houver dese-
de sexo virtual, prostituição e quilíbrio na relação. “Toda
sites pornográficos”. Somente vez que alguém se torna re-
os assinantes de serviços pri- fém da tecnologia, ela deixa
vados ficariam resguardados. de ser um elemento a mais na
Como argumento, o texto sexualidade e passa a ser um
menciona a existência de al- freio”, afirma a médica.
guns jovens “autossexuais —
pessoas para quem o prazer BLADE RUNNER
com sexo solitário é maior do Já são muitos os objetos que
que o proporcionado pelo mé- simulam pênis e vaginas, mas
todo tradicional”. e o resto do corpo? Sim, os
O PL 6.449/2016 aguar- robôs sexuais também estão a
da apensação (a tramitação caminho — de modelos mais
conjunta de proposições que “simples”, como Roxxxy, da

ORA 2 (LELO) PIU (IMTOY) PULSE (NALONE)


Esta espécie de Este masturbador Além do controle
anel simula sexo masculino se co- manual das suas
ORGASMOS
oral por meio necta ao celular ou sete velocidades
ELÉTRICOS
de uma bolinha tablet via Bluetooth de vibração, o
Seis produtos com
instalada embaixo do silicone que o e a um aplicativo da aparelho permite
jeito de ficção
reveste: giratória, ela pode excitar o fabricante. Assim, o usuário pode ver ativação por sons.
científica já disponíveis
clitóris imitando uma língua. À prova vídeos, tanto da plataforma quanto O prazer pode ser induzido
no mercado
d’água, o aparelho tem dez modos baixados, e sentir as vibrações de por uma canção ou por voz.
de estimulação e é recarregável. acordo com o que ocorre na tela. PREÇO: 74,95 libras ester-
PREÇO: R$ 892,32 PREÇO: US$ 199 (cerca de R$ 620) linas (cerca de R$ 290)

46
empresa TrueCompanion, que robôs ensinam mais do Sexuais), lançada para de-
que tem um rosto genérico, que todos os manuais sexuais bater o assunto, uma relação
até o ciborgue feito pelo de- do mundo juntos”, diz Levy. mais íntima com máquinas
signer Ricky Ma, de Hong Partindo de como as pes- poderia afetar diretamente
Kong, com as feições da atriz soas constroem relações en- as estruturas sociais e a pró-
Scarlett Johansson. Uma cria- tre si, com animais de estima- pria consciência humana. “Se
ção mais complexa é prometi- ção e com objetos eletrônicos, as pessoas são encorajadas a
da pelo norte-americano Matt o autor chega a prever casa- passar mais tempo com má-
McMullen. Conhecido por mentos entre humanos e má- quinas/bonecas/objetos do
criar a RealDoll, boneca de si- quinas — a capa da edição nos que com outras pessoas, as
licone em tamanho real (leia EUA estampa uma noiva hu- formas vitais do que apren-
mais na lista da página 45), mana e um noivo robô. demos sobre a humanidade
ele já afirmou que está traba- Kathleen Richardson não serão retiradas de nós”, diz.
lhando no lançamento de um concorda com nada disso. À medida que surgem
modelo com inteligência ar- Pesquisadora de ética em ro- inovações na área, o debate
tificial ainda para este ano. bótica na universidade De avança. Já existe inclusive
A discussão em torno de Montfort, em Leicester, na um congresso para discutir
um ambiente à imagem e se- Inglaterra, ela compara o de- o amor e o sexo com robôs,
melhança de Blade Runner, senvolvimento de tecnologia que terá sua terceira edição
com androides andando e para fins sexuais à prostitui- em Eindhoven, na Holanda,
se amando por aí, tal qual a ção. “Nós já vivemos em um em outubro. David Levy,
replicante Rachael na obra mundo onde os corpos das que faz parte do comitê do
criada por Philip K. Dick, é o mulheres são olhados e per- evento, acredita em um futu-
ponto central de Love and Sex cebidos como objetos. Você ro não tão turbulento. “Esta
with Robots (Amor e Sexo com pode comprar corpos femini- tendência, desde o uso de ro-
Robôs, sem edição brasileira), nos em qualquer esquina ou bôs na indústria até sua uti-
livro de David Levy. bordel por aí. E a prostitui- lização em tarefas de serviço
O inglês especializado em ção das mulheres foi criada e agora em casa, representa
CONSCIÊNCIA computação escreve que até pelo homem que não as que- uma mudança em direção a
Qual o limite ético a metade do século 21 o sexo ria tratar como um ser huma- um crescente nível de intera-
da utilização dos com robôs será tão normal no. Bonecas elétricas são uma ções entre robôs e seres hu-
androides? É quanto o sexo entre humanos. extensão dessa atitude em re- manos”, escreve ele.
justo usá-los como “Ao mesmo tempo, o núme- lação às mulheres”, afirma. Richardson vai na contra-
escravos sexuais, ro de atos e posições sexuais Na opinião da direto- mão. “Há uma forte pres-
como ocorre na comumente praticados pelos ra da campanha Against são para dizer que homens
série Westworld? humanos será estendido, já Sex Robots (Contra Robôs e máquinas são iguais e que
se podem aban-
donar as rela-
ções humanas
sem consequên-
cias. Os únicos
que se benefi-
HELLO TOUCH SIIME EYE (SVAKOM) EVA (DAME) ciam disso são
(JIMMYJANE) Embora à primeira Desenhado por os cafetões do
É um brinque- vista pareça um mulheres, para Vale do Silício,
do unissex, de vibrador comum, o mulheres. Para que ganham bi-
dispositivos de silicone pulsantes, aparelho possui luz estimular o clitóris sem a necessidade lhões vendo
para se colocar nos dedos. Presa ao de LED na ponta e de manuseio, já que as hastes fazem pessoas comuns
pulso do usuário, a fonte de energia uma câmera interna. com que se prenda aos lábios, este como produ-
se conecta às mãos por fios, fazendo Isso mesmo, com o aplicativo da vibrador é recomendado para casais, tos e números.”
o aparelho ampliar a diversão empresa baixado no celular, o sex porque deixa espaço livre para ser Até surgir uma
sexual com um toque biônico. toy pode gravar vídeos e tirar fotos. usado também durante a penetração. Rachael, o papo
PREÇO: US$ 79 (cerca de R$ 248) PREÇO: US$ 249 (cerca de R$ 775) PREÇO: US$ 105 (cerca de R$ 325) vai longe.

47
JOSEPHINE
K I TA R A ,
5 6 A NO S ,
sofreu tentativa
de assassinato
por parte de
vizinhos que
queriam roubar
suas terras

48
COM POUCO AMPARO DA JUSTIÇA, MULHERES DE
UGANDA SÃO EXPULSAS DE SUAS TERRAS POR
VIZINHOS E ATÉ POR PARENTES APÓS FICAREM VIÚVAS.
EM MUITOS CASOS, OS TERRENOS SÃO DISPUTADOS
PARA A PLANTAÇÃO DE PALMA — PLANTA CUJO ÓLEO
É COMUM EM COMIDAS QUE O BRASILEIRO ADORA

A
PARTE
QUE
LHES
CABE

REPORTAGEM E FOTOS GIULIANA MIRANDA, DE GULU*

EDIÇÃO GIULIANA DE TOLEDO

DESIGN FEU

*A repórter Giuliana Miranda viajou a convite


da International Women's Media Foundation (IWMF) 49
“Eu me sinto totalmente indefesa. Não
temos dinheiro, mas a pessoa que quer as
nossas terras é um alto funcionário públi-
co. Fiquei em uma situação muito difícil.
Hoje, já desisti de manter minhas terras
na totalidade, só quero ter algum acesso a
ela, um caminho para entrar e sair de uma
maneira mais simples”, conta Ladwong.
A questão é tão profunda que a
Organização das Nações Unidas (ONU)
classificou o abuso de viúvas e crianças
como uma das mais sérias violações dos di-
reitos humanos e um dos grandes obstácu-
los atuais ao desenvolvimento. O problema
é sério em qualquer parte do mundo, mas
adquire contornos ainda mais dramáticos
SÓ NO DISTRITO DE MUKONO, no norte de Uganda, região que enfrentou
quase três décadas de conflitos armados.
30% DAS VIÚVAS A economia local foi arrasada pela dis-
TÊM SUAS TERRAS ROUBADAS puta entre grupos rebeldes, com destaque
para o LRA (Exército da Resistência do
Senhor, na sigla em inglês), comandado
por Joseph Kony — cujos crimes, como
assassinatos e sequestros de crianças
para lutarem como soldados, ganharam
notoriedade no documentário Kony 2012.
Com as atividades industrial e comercial
em frangalhos, sem oferta de empregos,
possuir um pedaço de terra tornou-se
questão de sobrevivência e praticamente
a única forma de “riqueza” da região, onde
a maioria dos habitantes ainda depende
unicamente da agricultura de subsistência.
“A terra, nesse pedaço de Uganda, é
tudo. Privar uma viúva e seus filhos da pro-
priedade em que eles sempre viveram e de
DESESPERO DE ACORDAR no meio da onde sempre tiraram seu sustento é qua-

O
noite e ver a própria casa em chamas, sen- se uma sentença de morte”, conta Pamela
tindo o cheiro forte da gasolina e ouvindo Judith Angwech, coordenadora da Gulu
os gritos de homens que queriam queimá- Women’s Economic Development and
-la viva, ainda leva às lágrimas Josephine Globalization, a GWED-G, organização que
Kitara, de 56 anos, mais de dois anos após cria conselhos locais para orientar mulhe-
o crime que quase acabou com a vida dela e dos filhos pequenos. res que sofrem com o problema.
Kitara começou a sofrer ameaças com o intuito de expulsá-la de
suas terras pouco após a morte do marido. Para ela, assim como TERRA DE HOMENS
para muitas mulheres em Uganda e na África em geral, a ausência A combinação de uma legislação frágil
de um familiar próximo do sexo masculino representa vulnerabi- com uma população pouco instruída faz
lidade a um tipo perverso de violência: a expropriação, sobretudo das viúvas um dos grupos mais vulne-
em zonas rurais. “Meus vizinhos sabem que não tenho um homem ráveis de Uganda, vítimas dos próprios
em casa e, por isso, acharam-se no direito de ficar com as minhas parentes e vizinhos. Pela lei, elas só têm
terras. Tentaram de tudo: me ameaçaram, vandalizaram as minhas direito a 15% dos bens dos maridos.
plantações e, por fim, tentaram me queimar viva”, explica. Antes Os demais 85% são destinados aos filhos.
de ser viúva, diz, jamais teve qualquer problema. Cerca de 30% das mulheres uganden-
A poucos quilômetros de distância, Agness Ladwong, 60 anos, ses são analfabetas e dependem da agri-
também viu sua propriedade ser alvo da investida de vizinhos de- cultura de subsistência como única fonte
pois da morte do marido. Uma família que pertence a um clã dife- de alimentação. Para agravar a questão, a
rente do dela tomou parte das terras e bloqueou o acesso à estrada, maioria das terras não tem título formal
obrigando Ladwong e seus cinco filhos a se deslocarem no de propriedade, um processo que ainda é
50 meio do mato para entrar e sair do terreno. caro e pouco acessível aos mais pobres.
AG N ES S
L A DWO N G ,
60 ANOS,
depois da morte
do marido perdeu
parte de suas
terras para uma
família vizinha
que bloqueou
sua entrada na
propriedade

U GAN DA
Colonização:
Inglaterra
Independência:
9 de outubro
de 1962
População:
39 milhões
PIB:
US$ 27,5 bilhões
Expectativa
de vida:
58,5 anos
Línguas oficiais:
inglês e suaíli,
mas há dezenas de
dialetos regionais

M IL D R I D A KOT,
46 ANOS,
perdeu o marido
na epidemia de
HIV de Uganda. Em Uganda, como em diversos países
Pouco depois, ela do leste da África, há uma forte tradição
e os seis filhos
passaram a ser tribal. Muitas das disputas locais são re-
assediados por solvidas por uma espécie de conselho for-
pessoas que mado pelos homens mais velhos de cada
querem ficar
com seu terreno clã. Nesse ambiente patriarcal, é comum
que as mulheres não tenham sequer direi-
to a falar nas “audiências” que decidem
o destino de suas terras. Mesmo estando
em desacordo com a lei, muitos dos veredictos desses clãs pri-
Fonte: Banco Mundial e Missão
da Justiça Internacional (IJM)

vam as mulheres do acesso à terra e de vários outros direitos.


“Em algumas áreas mais remotas, as mulheres não se opõem
a essas práticas porque simplesmente não têm instrução
e não sabem que elas e seus filhos têm direitos garantidos.
Por isso, o trabalho de conscientização, de educação das tribos e
das próprias mulheres é importante”, explica Angwech.
EVELYN LAMAR,
54 ANOS,
não sabe ler nem
escrever e diz ter
sido enganada e
ameaçada, com
conivência das
autoridades, para
deixar suas ter-
ras, que ficam em
uma área em que
hoje é construída
uma hidrelétrica

50% DOS CASOS


ENVOLVEM VIOLÊNCIA FÍSICA

Um relatório elaborado pela organização não governamental


Fonte: IJM; pesquisa realizada no distrito de Mukono

IJM (Missão da Justiça Internacional, na sigla em inglês), divul-


gado em 2015, dá a dimensão do problema. O estudo, que en-
trevistou 1.806 viúvas da região de Mukono, no centro do país,
revelou que 30% delas tiveram suas terras expropriadas após
a morte dos maridos. A IJM, assim como as demais entidades
que trabalham para auxiliar essas mulheres, queixa-se da falta
de ação das autoridades. “Não houve praticamente nenhuma
resposta na Justiça criminal a esse crime perverso, o que deixou
as viúvas efetivamente sem defesa”, diz o documento.
E os problemas não param na questão fundiária: em mais da
metade dos casos, a expropriação das terras é acompanhada
52 de violência física. Quase 20% das viúvas que participaram da
pesquisa sofreram tentativas de assassi-
nato. Nem mesmo as crianças costumam
ser poupadas: 14% delas foram vítimas de
algum tipo de abuso ou de agressão física.
Moradora do norte de Uganda, Mildrid
Akot, de 46 anos, sentiu isso na pele.
Após a morte do marido, vítima da epide-
mia de HIV — que atinge cerca de 7,1% da
população entre 15 e 49 anos de Uganda,
sendo uma das principais causas de morte
de homens jovens —, ela passou a sofrer
agressões de uma família vizinha.
“Eles dizem que merecem ter mais terra
porque a família deles é mais numerosa
do que a minha. Falam que eu não deve-
ria nem tentar me opor, já que, como eles
são muitos, podem facilmente acabar co-
nosco. As ameaças são frequentes”, conta
Akot. Apesar do risco, ela decidiu perma-
necer na propriedade com os seis filhos
pequenos, três meninas e três meninos.
“Não havia outra opção a não ser lutar
pelo que é meu. O que mais eu poderia
fazer? Minhas crianças precisam comer.
Não é uma questão de ser corajosa, e sim U N I DA S
de sobrevivência mesmo”, ressalta. Viúvas se reúnem
em zona rural
Entidades ligadas ao tema afirmam que, próxima a Gulu,
mais do que perder o direito à proprie- em encontro da
dade, as mulheres acabam sofrendo uma ONG GWED-G,
que dá orientação
série de consequências relacionadas à fal- temunhando uma nova agressividade na ex- a elas sobre
ta de acesso a seu principal meio de sub- propriação de terras, impulsionada pelos a expropriação
sistência. De acordo com o relatório da altos preços dos alimentos e pelo aumento de terras

Missão da Justiça Internacional, 22,4% do consumo global, com corporações mul-


das vítimas vivenciaram a morte de um tinacionais, muitas vezes em parceria com
parente próximo no ano subsequente à governos, apropriando-se da terra. Como consequência, campo-
perda da terra. Muitas vezes, dos filhos. neses, pastores e pescadores são despojados dos meios para se
Quase metade dessas mulheres passou a alimentar. Populações locais estão sendo despejadas e desloca-
depender de terceiros para conseguir ali- das, os direitos humanos estão sendo violados”, diz o documento.
mentação básica. Além disso, 23,2% tam- Entre os problemas apontados pelo relatório, focados principal-
bém acabaram portadoras do vírus HIV. mente na região de Kalangala (no centro do país, junto ao Lago
Victoria), está a expropriação de terras para grandes plantações de
GANÂNCIA palma. O óleo da planta é usado em diversos produtos da indústria
Na última década, o panorama econô- alimentícia, muitos deles conhecidos também no Brasil — já re-
mico de Uganda contribuiu para agravar parou nos ingredientes de Nutella? O creme de avelã e chocolate,
o problema em algumas regiões, onde o justamente por conter esse óleo, recentemente foi envolvido em
preço dos terrenos disparou. Uma políti- polêmicas na Europa. Depois de um alerta da Autoridade Europeia
ca implementada pelo presidente Yoweri de Segurança Alimentar (EFSA), que afirmou que o óleo gera
Museveni — no poder desde 1986 — in- um contaminante potencialmente cancerígeno quando refinado
centiva o investimento estrangeiro em a temperaturas acima de 200°C, alguns supermercados na Itália
grandes produções agrárias e em obras pararam de comercializar o produto. A fabricante, Ferrero, foi a
de infraestrutura. Como resultado, as mu- público defender a segurança do doce, no mercado desde 1968.
lheres cujas terras estão dentro desse pe- A expansão de plantações de palma, além de agravar a crise da
rímetro de interesse do agronegócio tor- expropriação de terras, tem se mostrado um problema ambien-
naram-se ainda mais vulneráveis. tal. A substituição da vegetação nativa por essas grandes áreas
Um estudo patrocinado pela organiza- monocultoras afeta ecossistemas e vem prejudicando animais
ção americana Friends of the Earth indi- em vários pontos da África e da Ásia.
ca que a expropriação de terras, não só Em Kyriandongo, também na região central de Uganda, é a
no caso das viúvas, tem se tornado mais construção de uma grande hidrelétrica que tem sido apon-
violenta em Uganda. “Agora estamos tes- tada por entidades locais como um catalisador para as pres- 53
presentantes do empreendimento, mes-
mo tendo documentos de posse formal da
terra. “Eles tiraram vantagem do fato de
eu ser viúva e me pagaram muito menos
do que eu deveria receber. Fui obrigada a
aceitar, porque homens armados começa-
ram a me ameaçar”, diz ela, emocionada.
Com cinco filhos e um problema grave
na perna, que dificulta sua locomoção, ela
conta que a perda da propriedade “acabou
com sua vida”. “Antes a vida era boa, por-
que eu conseguia plantar e ter tudo o que
precisava. Agora estou doente e dependo
da ajuda dos outros até para ter água em
casa. Algumas vezes passo fome. Em um
dia de sorte, consigo fazer duas refeições.”
Procurada pela reportagem, a empresa es-
tatal Sinohydro não se manifestou.

AUXÍLIO
Contudo, se os problemas de expropria-
ção têm aumentado, as entidades de apoio
também vêm ganhando força. Várias orga-
nizações não governamentais têm investi-
do em projetos de conscientização de co-
munidades e autoridades locais, como os
chefes dos clãs. A Federação de Mulheres
Advogadas de Uganda (Fida-Uganda) é
uma das maiores referências no assunto.
Uma equipe de advogadas dedica-se ex-
clusivamente a oferecer suporte jurídico
às mulheres do país. Disputas por terras
e questões de expropriação representam
a maioria dos casos atendidos.
Na recepção do pequeno escritório da
associação em Gulu, no norte do país, um
calendário de audiências indica a deman-
da: eram 35 casos na Justiça só no mês em
que a reportagem esteve no local, setem-
bro do ano passado. “Nós começamos ten-
tando uma solução amigável, uma media-
ção. Mas, como normalmente há muitos
JAN N ET ACA N atores envolvidos nesses casos, costuma
(ao centro), sua ser um processo extenso”, explica Pamela
filha e seu neto Akello, diretora da Fida-Uganda na cidade.
representam
uma exceção na Devido à importância cultural dos líde-
história das res dos clãs, eles são sempre os primeiros
sões sobre as terras. O projeto da usina é viúvas de contatados. “Nós falamos com o líder lo-
Uganda. Com
considerado uma prioridade estratégica documentação cal, porque ele influencia sua comunidade
pelo governo. Hoje, a escassez de energia é completa das e ela acredita nele”, diz a diretora. “Não
um dos gargalos de crescimento. A Agência terras, Acan podemos simplesmente chamar essas pes-
não enfrentou
Regulatória de Eletricidade (ERA) ugan- o problema da soas para vir ao escritório. Como falar de
dense estima que a demanda venha aumen- expropriação fronteiras, de limites de terras, sem ver a
tando entre 10% e 12% ao ano. propriedade e sem estar lá? Nosso time se
Líderes comunitários acusam a constru- desloca para o campo e faz as mediações
tora, a chinesa Sinohydro, de assediar as populações vulneráveis nos próprios locais de disputa.”
da localidade, com conivência de agentes do governo, para ex- O objetivo é tentar uma solução fora
propriar suas terras. Sem saber ler nem escrever, a viúva dos tribunais, mas, não raro, as contendas
54 Evelyn Lamara, de 54 anos, diz ter sido enganada por re- acabam chegando à Justiça. As advogadas
PA ME L A
A K EL LO,
advogada, é
diretora da
organização
Fida-Uganda na
cidade de Gulu.
O grupo presta
auxílio jurídico
às mulheres
da região

QUASE 20% DAS VÍTIMAS


SOFREM TENTATIVAS DE ASSASSINATO

investem em relatórios detalhados e depoimentos para estar à frente


dos juízes com casos sólidos. Até o fim de 2016, Akello não tinha
perdido um processo sequer de expropriação de terras de viúvas.
Ao longo dos anos, a Fida e outras organizações foram descobrin-
do as brechas legais. Como as mulheres têm direito a 15% dos bens
e os filhos, ao restante, o que as advogadas fazem na maioria dos
casos é pedir a posse formal da terra em nome da mãe, mas tendo a
prole como beneficiária. Quando o casamento não é legalmente re-
conhecido — não existe união estável no país —, a estratégia é mos-
trar que as mulheres contribuíram para a aquisição do patrimônio.
Fonte: IJM; pesquisa realizada no distrito de Mukono

“Temos um longo caminho a percorrer, mas, juntas, nós mulhe-


res estamos conseguindo fazer a diferença”, resume a advogada.
O caminho é longo mesmo. De todos os casos citados na reporta-
gem, por enquanto, só o de Josephine Kitara foi resolvido: a Justiça
lhe deu ganho de causa. Já a história de Jannet Acan, professora do
ensino infantil, tem desfecho diferente. Ela diz que sempre soube
da importância de ter a posse formalizada da terra e que guardou
dinheiro para a compra do terreno e para a legalização dos docu-
mentos. Sabe que seu caso é exceção e, por isso mesmo, gosta de
ajudar os vizinhos como pode. “Planto mandioca, milho, laranja e
outras coisas não só para mim, mas para distribuir para quem preci-
sa. Podemos ter pouco, mas precisamos nos ajudar”, diz Acan. 55
PAPO CABEÇA
COM ALEXEI MAILYBAEV

Como uma
onda.rar
Graças ao estudo sobre ondas de luz de POR
NATHAN FERNANDES
Alexei Mailybaev, do Impa, a computação
DESIGN
nunca mais será do jeito que já foi um dia FERNANDA FERRARI

“TODA A TECNOLOGIA ATUAL russo naturalizado brasileiro Alexei


baseia-se no uso de um objeto físico Mailybaev não poderia estar mais de
— as ondas eletromagnéticas — que acordo com a sentença.
não foi ‘descoberto’: foi primeira- Nascido em Vilnius, capital da Li-
mente ‘previsto’”, escreveu o físico tuânia — então parte da antiga União
italiano Carlo Rovelli no recém-lan- das Repúblicas Socialistas Soviéticas
çado A Realidade Não É o que Pare- (URSS) —, o futuro matemático se
ce: A Estrutura Elementar das Coisas mudou ainda jovem com os pais para
(Objetiva). Rovelli faz referência ao Moscou, mas foi no Rio de Janeiro,
matemático escocês James Maxwell, como pesquisador do Instituto Na-
que traduziu em números a corre- cional de Matemática Pura e Apli-
ta intuição do físico inglês Michael cada (Impa), que ele encontrou as
Faraday. Suas equações (baseadas condições necessárias — inclusive
nas ideias conceituais de Faraday) climáticas — para desenvolver suas
sustentam toda a civilização con- ideias. “Gosto do Rio tanto cientifi-
temporânea, baseada na agilidade camente quanto em outros aspectos”,
da comunicação. “Essa é a força im- afirma o cientista, trocando alguns
pressionante da física teórica”, pronomes e com um sotaque que de-
56 observou Rovelli. O matemático nuncia sua origem estrangeira.
Sem distinguir uma barreira mui-
to clara entre a matemática e a físi-
ca teórica, no fim do ano passado
Mailybaev foi coautor de um artigo
publicado na revista Nature, a publi-
cação científica mais respeitada do
mundo. Em colaboração com pes-
quisadores da Áustria, de Israel e da
França, ele participou da elaboração Quando li sobre manipulação de luz no
das bases teóricas de um experimen-
artigo, me vieram à cabeça os sabres
to que pode mudar a computação
como a conhecemos, com processa- de luz de Star Wars. Um dos obstácu-
mento substancialmente mais rápido, los que enfrentamos para tirá-los da
baseado nas ondas eletromagnéticas ficção é que, tecnicamente, não somos
de luz no lugar da corrente elétrica.
capazes de fazer com que um feixe de luz
Calma, a gente explica: hoje, a
fibra óptica até faz um trabalho de- tenha um tamanho específico, sem nada
cente transmitindo as informações que o obstrua. A manipulação de luz a que
de um ponto a outro através de on- o senhor se refere no estudo também
das de luz (como o nome sugere),
tem a ver com isso?
e o melhor: na velocidade da luz.
[Risos] Não está tão ligado ao nos-
O problema é que o receptor das
so trabalho diretamente. Mas essa
mensagens ainda é baseado no cir-
questão também é muito interes-
cuito elétrico. O estudo sugere a
criação de um conversor de sinal,
BRASILEIRINHO sante, porque a possibilidade de
“Gosto do Rio de reduzir a velocidade da luz a zero
que transforma a luz vinda em dois Janeiro tanto
cientificamente quanto teria implicações para muito além
estados (na linguagem binária da
em outros aspectos”, dos sabres dos jedis, alguma coisa
computação, 0 e 1) em um estado de- afirma o matemático ligada à informação, por exemplo.
finitivo, o que pode ser o início da era de 41 anos que nasceu
da computação óptica. Com a mani- na Lituânia, mas se

pulação das ondas de luz, podemos


naturalizou brasileiro Existe uma relação entre o computador
estar presenciando uma revolução óptico e a computação quântica?
semelhante à que presenciaram os São coisas um pouco diferentes,
contemporâneos de Faraday e Max- porque na computação quânti-
well presenciaram no século 19. Foto: Leo Coelho/Divulgação/Impa ca a informação está guardada 57
baseado no circuito elétrico — ou
seja, você precisa converter o sinal
óptico em sinal elétrico, e isso dimi-
nui muito a velocidade. A ideia do
trabalho que publicamos tem a ver
com a criação de um conversor de
sinal que processa a luz diretamen-
te. A vantagem é que isso deixa a
tecnologia muito mais rápida.

Qual é a base teórica desse trabalho


publicado na revista Nature?
Estudamos um novo método que
permite controlar e também mani-
pular ondas através de uma singula-
ridade, que se chama “ponto excep-
cional”. No caso, estamos aplicando
isso no monitoramento de ondas de
luz, mas pode ser usado para qual-


quer tipo de onda eletromagnética,
como as micro-ondas, por exemplo.
Estávamos estudando isso teori-
Estamos chegando a um camente há uns cinco anos, mas só

limite com a nanotecnologia. agora conseguimos a comprovação


experimental em laboratório. Inicial-
Nosso estudo sugere uma mente, fizemos o teste para controlar

possível solução para isso” estados de molécula, o que é bas-


tante complicado. Até hoje ninguém
conseguiu fazer esse experimento,
apesar de existirem inúmeras tenta-
tivas. O que fizemos permite monito-
rar a luz de forma controlada. Esse
no estado quântico da partícula. tipo de estudo é muito popular na
Já quando o computador é óptico, ciência porque pode ser usado nos
a informação está guardada em computadores ópticos.
ondas de luz. É um pouco mais
simples. Além disso, essa aplica- E como foi na prática o experimento
ção das ondas de luz já é bastante
que finalmente conseguiram fazer?
usada hoje em dia. A internet de
Este é um tema muito complexo,
fibra óptica é um exemplo. Você
no qual trabalhamos por bastante
tem internet em casa?
tempo. Nossa parte era teórica, con-
sistia em trabalhar com os “pontos
Quando ela não falha, sim... excepcionais”, que ocorrem quan-
Basicamente, o que a internet faz do as ondas conseguem absorver
é mandar suas informações de um ou emitir energia. Depois de trocar
lugar para outro. A fibra óptica várias informações com os grupos
tem uma capacidade muito maior da Áustria e da Alemanha, manda-
de carregar essas informações do mos o resultado para o laboratório
que um cabo convencional, que experimental, que fica na França.
usa corrente elétrica. Ou seja, a Para a onda chegar a este ponto
luz é bastante útil para transmitir excepcional e para conseguirmos
informação, e ela é muito rápida. observá-la, o pessoal do laborató-
Quando a informação chega, você rio precisou desenvolver uma es-
precisa encontrar um jeito de vi- trutura de metal, seguindo nossas
sualizar isso na tela. indicações teóricas, na qual era
O problema é que o sinal é possível estudar o comportamento
58 processado por um computador de micro-ondas — aquela mesma
que esquenta a comida em casa. de um átomo. Nosso estudo sugere
Não trabalhamos com a luz na fai- uma possível solução para isso.
xa do visível porque o experimento
precisava ser feito em uma escala Existe alguma outra aplicação para além
muito maior. Mas se ele funciona
da computação?
com micro-ondas, funciona com a
Inicialmente, os cientistas estão
luz também. Isso porque as duas são
mais interessados em monitoração
ondas eletromagnéticas, ou seja, são
de estados quânticos usando esse
a mesma coisa, só têm uma frequên-
tipo de singularidade. Para a mo-
cia um pouco diferente.
nitoração de átomos ou molécula,
acho que ainda vai levar um tempo.
E que novidades vocês descobriram? Depois de mais alguns experimen-
A parte nova é o método de como tos, vamos poder saber em que mais
controlar a luz através da singularida- isso pode ser aplicado. Mas até o
de. Isso ninguém levou adiante, pois computador quântico precisa de
esse ponto excepcional que estamos monitoração de estado quântico,
trabalhando é bem específico, um então creio que esse trabalho pode
ponto no qual dois modos de luz, que afetar várias áreas. As aplicações
propagam na mesma guia de onda, desses fenômenos podem acontecer
aparecem totalmente iguais, tanto nos lugares que menos esperamos.
na frequência como na forma. O que
descobrimos é que se você anda em NA VELOCIDADE DA LUZ
O experimento que os E em quanto tempo o senhor acha que
volta dessa singularidade, isso vira cientistas finalmente
uma espécie de escada caracol. conseguiram fazer esse modelo de computador óptico pode
Imagine uma escada caracol entre em laboratório pode chegar ao público?
ser a chave para um
dois andares. O eixo da escada é a computador muito Acho que o tempo típico para
nossa singularidade. Indo na direção mais rápido do que os isso fica entre cinco e dez anos.
horária, você sobe do andar 0 para que temos hoje em dia Mas a verdade é que a conexão en-
o andar 1. A nossa “escada óptica” tre a parte experimental e os enge-
também permite andar em outra di- nheiros é difícil de prever.
reção, mas assim acaba no mesmo
andar 0. Essa última possibilidade
foi a surpresa que conseguimos pre-
ver teoricamente, há cinco anos. Da
mesma forma, começando no andar
1, dependendo da direção, você des-
ce para o andar 0 ou volta para o 1.
Então, é possível controlar o estado
simplesmente pela direção em que
você contorna a singularidade. É
uma proposta teórica que tem a raiz
diretamente na matemática, não na
física. É uma parte da matemática
que se chama Teoria de Singularida-
des. Ninguém ainda havia aplicado
isso na física para a criação de um
aparelho como um conversor de es-
tados. Isso foi proposto por nós.

Outro problema da tecnologia atual tem


a ver com a Lei de Moore, que prevê que a
capacidade de processamento dos com-
putadores dobra a cada 18 meses, certo?
Sim, o problema é que estamos che-
gando a um limite. Com a nanotec-
nologia, já temos elementos de pro-
cessadores próximos do tamanho
ESCULTURAS E FOTOS JASON DECAIRES TAYLOR*

M U S E U
COLEÇÃO RECÉM-INAUGURADA DE ESCULTURAS SÓ PODE SER VISITADA POR QUEM CHEGA AO FUNDO DO OCEANO ATLÂNTICO, NA COSTA DAS ILHAS CANÁRIAS. VAMOS MERGULHAR?
A O
M A R
EDIÇÃO GIULIANA DE TOLEDO

DESIGN FEU

Museu Atlântico

Marrocos

Argélia

Mali

*Fotos cedidas por Centros de Arte, Cultura y Turismo de Lanzarote


FOGO NA ÁGUA
Intitulada Pira Imortal, a obra representa um corpo deitado em cima de barras de cimento, como se fossem uma pira funerária. Um pescador nativo das Ilhas Canárias foi o modelo

61
FRONTEIRA
Com tamanho de pessoas de verdade, 35 esculturas parecem caminhar em direção a um grande muro, que tem 30 metros de comprimento, 4 metros de altura e pesa 100 toneladas

ABERTO OFICIALMENTE para visitação Além do novo museu, que fica na ilha Originalmente, as esculturas são cinzentas. 2,5 mil metros quadrados. Para conhecê-
no início deste ano, o Museu Atlântico é o de Lanzarote (arquipélago das Canárias), O aspecto buscado por Taylor, no entanto, -lo é preciso pagar uma taxa de 12 euros
primeiro submerso no oceano que lhe em- Taylor assina instalações na Inglaterra, no só vem com o tempo: a natureza se encar- (R$ 40), que inclui o transporte de barco até
presta o nome. Opa. Quer dizer então que já México, nas Bahamas e em Granada — lá, rega de cobri-las de vida marinha, como a superfície da exposição, próxima à praia
existem outros museus debaixo d'água pelo nas águas claras do Caribe, inaugurou seu recifes artificiais de coral que reúnem es- de Las Coloradas. Dali até as 300 obras, a
mundo? Sim, e Jason deCaires Taylor é o primeiro trabalho do gênero, em 2006. pécies locais. Por isso mesmo, não, não é 14 metros de profundidade, só se chega na-
nome responsável por grande parte disso. As peças do artista retratam figuras possível tocar nas estátuas — nesse ponto, dando, claro, e com acompanhamento de
O escultor e fotógrafo britânico de 42 anos humanas expressivas: contorcidas, pen- é um museu como qualquer outro. um guia. A visita dura no máximo uma hora.
é também fundador de outros quatro locais sativas, solitárias ou então como se fizes- Planejado e construído ao longo de três O equipamento de mergulho (e a habilida-
de arte contemporânea nas profundezas. sem parte de uma grande dança grupal. anos, o Museu Atlântico possui área de de) precisam ser providenciados à parte.
JUNTO E MISTURADO
Provavelmente a obra mais impressionante do museu, o Redemoinho Humano é composto de 200 estátuas dispostas em um círculo. Para formar um panorama diverso, foram feitas figuras de diferentes idades e estilos

63
IMAGEM E SEMELHANÇA
Os "moradores" do fundo do oceano têm seus gêmeos em terra firme. As esculturas foram baseadas em habitantes do arquipélago que se voluntariaram para participar do projeto artístico
TRABALHO PESADO
As primeiras peças do Museu Atlântico foram instaladas em fevereiro de 2016. Sua concepção, porém, começou dois anos antes. O criador projetou o local para ser um espaço de reflexão sobre as relações do homem com a natureza

65
Tudo c
om eça de ser “editado” de
no NA po for
nú o R ma
cle es
m sd
o A m ife
ce n O re
n
tra

s
l

te
de

s,
*Éxon 1 Éxon 2 Éxon 3 Éxon 4 Éxon 5 Éxon 6

or
co
m
an

at
do

sf
da DNA *ÉXON
Transcrição Pedaço de RNA

do

lu que serve como
la RNA
receita para a

Ordem
co 1 2 3 4 5 6
gene é ativado produção de
o um ,a Configurações alternativas aminoácidos.

nd
nd “e
a sc

en
mRNAs mRNAs
u a Tradução
C

sa
Q

da

o
o


G U G A

D
1 2 4 5 6 1 3 4 5 6
ic

combin
do

N
A
ét

DN

em
mRNAs
RNA
Zíper gen

4 5 4 5

A se

um
1 1

a
6 6

n
2 1 3 5 6 3

ag

d
as.
abre como


A

iga

nt

xo
5
A T A G Proteína 1 Proteína 3
T A T

i
nt
1

n
s
C

se
6

esc

di
3

m
s
ae
A T G

na
A T

o
rd
um


Proteína 2

sca
em
rot
va p
zíp
C
A

da
riá
ina
N

vel
er

ig
R

. Ou or

em
e
de DNA pr seja: o mesmo gene
to od

es p i
tes
ma uz
uma r
cópia em fo
tan
r

ral c
po
im
o

on st
DNA sã
m

r uída
Aminoácidos


m
ta
1
O RNA

s,
mensageiro

na
(mRNA) sai do
Uma vez

teí
núcleo e percorre
no interior do

ro
o citoplasma até
ribossomo, o mRNA
chegar no ribossomo,

sp
é lido num ritmo de três
que é uma espécie

da
letras por vez. Cada trio
de máquina
molecular.
4 Códon
de letras corresponde

ção
mRNA a um aminoácido: o
componente básico

rma
das proteínas.

a fo
2 3

ior Além das variações n


pelos p

Ribossomo
ares

Núcleo
das

da célula
Ci
to p Amidoácidos
l

la s
e t

ma
ras
quí
mi

ca p
ca

Montagem
sA

Proteína de proteína
f

5 completa encerra o
T, ,

ue

processo — são elas


que desempenham as
C

aq

principais funções
eG

do organismo e
m
.

da célula
En

l
Ca
qu
nt a
o
a
le
t
ra

Cromossomo
A
s

ó
fa
z
pa
r
co
m
a
T,
a
let
ra
C
se
ne u
som
ent

G.
67

GENE
DOMÁVEL
REPORTAGEM HIPÓLITO CHRISTODOULOU
do DNA que não contêm *INTERAÇÕES
em áreas DE LONGA
s
çõe DISTÂNCIA NA
l tera CROMATINA
a “Novelos” onde o DNA se
enrola num carretel de DESIGN E ILUSTRAÇÕES FEU
proteínas. Interações
ligam ou desligam a
Interações de longa* Metilação do DNA genes re
ce
distância na cromatina Pequenas it
moléculas se colam a
ao DNA e impedem
p EDIÇÃO ANDRÉ JORGE DE OLIVEIRA
ar

que ele seja lido


a
a
pr
od

Histona
ão

Tipo de
proteína que
pr

forma os
ote

“carretéis”
ica
,m
as c
ontr

Modifcações

Estamos
Nucleossomo na cromatina
olam a

Conjunto Pequenas
de “novelo” mudanças na
proteico e DNA estrutura também
influenciam na conquistando
maneira com

a habilidade
leitura dos genes

de decifrar e
de manipular
o

o DNA de
Fatores de Máquinas de
o

transcrição transcrição
D

forma precisa
NAél

a um ritmo
ido.

cada vez mais


Conh

Sítios de ligação para DNA


acelerado.
eça

fatores de transcrição

E isso não
Ligam-se a pontos do DNA para
algu

determinar que aquele gene deve ser lido

se aplica só
sp n
ro

aos genes
cess

Área de transcrição
os

humanos: vale
si
gn
Elementos regulatórios
if
também para
ca
de longa distância tiv
Similares aos locais onde se os
os de outras
ligam os fatores de transcrição, pa
mas ficam mais longe do gene
ra
com

espécies. Dá
pre
end
. er o
lulas
para saber
uncio f
namento genético das cé

onde é que
isso vai parar?
68

órgão “deletado”. Tudo isso só está se tornando possível graças


à nossa capacidade cada vez mais apurada de “ler” e modificar
o DNA. Enfim, estamos domando os genes.
E acredite, a maneira como o conhecimento sobre essa
área cresceu nas últimas décadas é ridiculamente explosiva,
como mostra o livro O Gene: Uma História Íntima (Companhia
das Letras), do oncologista indiano-americano Siddhartha
Mukherjee, que chegou recentemente ao Brasil. Durante sé-
culos, a ignorância sobre como as características biológicas
eram passadas de uma geração para outra foi tão completa
que quase todo mundo acreditava que só o pai era responsável
pelos traços dos filhos — o organismo da mãe era um simples
“forninho de esperma”. E foi só anteontem, do ponto de vista
histórico, que a estrutura do DNA, aquela escadinha em espi-
ral, foi decifrada pelo americano James Watson e pelo britânico
Francis Crick. Só em 1953, para ser mais exato.

“Não vai dar para usar o pâncreas original do moleque, Cada vez mais rápido
pelo jeito”, diz o obstetra, dando uma olhada no embrião de Se os anos 1950 mais parecem a Idade do Bronze para você,
poucos dias de vida pelo microscópio. “Tem um monte de considere que as coisas mudaram brutalmente mesmo depois
casos de diabetes tipo 1 na família, ia ser uma dor de cabeça. que o genoma (a coleção completa do DNA) do ser humano
Melhor deletar esse e instalar um modelo melhor.” Uma mi- foi lido pela primeira vez, na década passada. “As técnicas
croinjeção e pronto — tesouras moleculares extirpam os genes da genômica de nova geração são pelo menos 50 mil vezes
que fariam o menino desenvolver um pâncreas defeituoso e, mais velozes do que a metodologia usada no Projeto Genoma
portanto, ter diabetes ainda na infância. Segunda microinjeção: Humano, que terminou apenas 14 anos atrás — parece que
células em estado similar ao embrio- foi há um século”, diz o médico e geneticista Sérgio Pena, da
nário, derivadas da pele de um doador Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
adulto, unem-se ao organismo do futuro “Hoje sou capaz de sequenciar [ou seja, “ler”] todo o geno-
garoto. Conforme o feto se desenvolve, ma de um paciente para diagnosticar sua doença, a um preço
algumas delas detectarão naturalmente próximo do de uma ressonância magnética, com rapidez que
a necessidade de construir um pâncreas permite inclusive contribuir para a cura de doentes na UTI”,
100% funcional. Agora é só implantar resume Pena. Na prática, o que demorou 13 anos e custou
o embriãozinho no útero da mamãe e US$ 3 bilhões (o projeto original) hoje pode ser completado
temos mais uma cliente satisfeita, pensa o médico. em um dia ou menos, por “apenas” mil dólares.
OK, talvez você tenha ficado meio boquiaberto ao ler a cena Os aumentos de velocidade são importantes não porque os
de ficção científica acima. Saiba, porém, que ela já aconteceu cientistas estejam apostando corrida (embora às vezes eles
— ao menos com camundongos e ratos, criaturas cuja biologia adorem fazer isso), mas porque a genômica é essencialmente
básica é mais parecida com a sua do que você gostaria de ima- uma ciência comparativa e baseada numa grande quantidade
ginar. Aliás, a coisa nesse caso real foi ainda mais doida, por- de dados. Ou seja: quanto mais “bibliotecas” de DNA forem
que os cientistas desligaram a formação do pâncreas original comparadas — pense no genoma de cada pessoa e de cada es-
num embrião de camundongo e usaram células de rato (sim, pécie viva como uma dessas bibliotecas —, maior a chance de
são duas espécies bem diferentes entre si) para reconstruir o identificar similaridades e diferenças que podem ser a chave
69

ma Santos. “Então, o maior potencial transformador será


atribuir funções a essas regiões não codificadoras do DNA.”
Um fato inusitado que tem ficado cada vez mais claro é que a
mera sequência das letras químicas — um T que vem depois
de um C que é seguido por um A — está longe de ser a única
informação relevante para entender como os seres vivos fun-
cionam. O DNA humano é uma molécula ridiculamente gran-
de: 3 bilhões de pares de letras enfileiradas que, se esticadas,
mediriam uns dois metros de comprimento. Essa minhocona,
porém, tem de ser empacotada em um núcleo que mede só
cinco micrômetros, ou milionésimos de metro. É claro que,
às vezes, esse empacotamento dá erra-
do — e os cientistas estão descobrindo
para explicar por que, de dois irmãos gêmeos com a mesma que isso pode estar por trás de uma
criação e estilos de vida parecidos, um desenvolveu leucemia série de doenças (veja mais detalhes no
enquanto o outro esbanja saúde. Ou como, um belo dia, deze- infográfico da página 66).
nas de milhões de anos atrás, um lagartinho resolveu que esse Para entender melhor como altera-
negócio de patas era bobagem e virou cobra (modo de dizer, ções no DNA impactam o funciona-
claro: nada disso foi decisão consciente do pobre lagarto nem mento dos organismos, os cientistas
aconteceu de uma hora para outra). desenvolveram mecanismos sofisticados para manipulá-lo:
Esse método comparativo ajudou os cientistas a entender, em muitos casos, o melhor jeito de saber como um gene fun-
entre outras coisas, que os genes, embora importantes, são ciona é desligá-lo ou eliminá-lo e ver o que acontece. Sabendo
só um pedaço da saga complicadíssima do DNA (veja info- a função de uma sequência do genoma, dá para pensar em
gráfico na página 66). O termo “genes” tem uma definição repô-la nos indivíduos nos quais ela está mal das pernas.
bastante precisa: pedaços de DNA (sequências de letras quí- Até relativamente pouco tempo atrás, fazer isso dava um traba-
micas A, T, C e G) contendo instruções que podem ser usa- lho do cão e era muito impreciso: um dos métodos mais popu-
das pela célula para produzir uma proteína. As tais proteínas lares era usar vírus capazes de contrabandear o gene desejado
é que fazem o serviço pesado no organismo, transportando para dentro do DNA das células que invadem. Nem sempre é
oxigênio no sangue, digerindo comida e por aí vai. Acontece uma boa ideia, já que os vírus tendem a enfiar o novo material
que só 2% do genoma humano contém genes — o resto é genético em qualquer lugar, sem o menor cuidado.
DNA não codificante, jeito empolado
de dizer “DNA que não contém receita
para proteína”. É tudo tralha, então?
Muito pelo contrário: esses aparentes
desertos do genoma abrigam trechos
essenciais para a regulação do funcio-
namento dos genes. Se os genes são
a música, o resto do genoma são os
botões do equalizador ou a mesa do
DJ, que podem fazer uma enorme di-
ferença no que você ouve.
“Acho que a descoberta mais reve- Desde 2012, porém, os cientistas
ladora da genômica dos últimos 15 têm experimentado um método mui-
anos foi demonstrar que as funções to mais confiável e prático, conhecido
do DNA vão muito além dos genes como Crispr-Cas9, ou só Crispr (pro-
proteicos”, diz Fabrício Santos, gene- nuncia-se “crísper”), para encurtar.
ticista da UFMG. “A própria nature- A grande vantagem da tecnologia
“Hoje sou capaz
za humana, nossa consciência e nosso de sequenciar Crispr é que, em tese, ela identifica um
intelecto devem estar muito além das todo o genoma de lugar específico do genoma para “cor-
proteínas e dos genes que conhece- um paciente para tar e colar”, como vimos no caso dos
diagnosticar sua
mos. Dissecaram cérebros humanos e doença, a um embriões híbridos camundongo-rato.
de outros primatas, fizeram inúmeros preço próximo do A técnica ainda precisa ser aprimora-
estudos fisiológicos e bioquímicos, e de uma ressonân- da, mas parece sugerir uma facilidade
cia magnética”
não há explicação convincente para o muito maior de manipular o genoma
diferencial do que é ser humano”, afir- Sérgio Penna, da UFMG num futuro não tão distante.
Polêmicas genéticas Frases estúpidas, preconceituosas ou desumanas proferidas por pessoas famosas sobre a hereditariedade

TESTE PARA FIM DA SANGUE BONS BEBÊS AQUELA


SER GENTE ESTIRPE BOM ESPÉCIMES NOTA 10 AJEITADINHA
“Nenhum recém- “É melhor impedir “Melhorar o meio “Toda criatura “50% da pontua- “Nossa genética é
-nascido deveria os inaptos de dar ambiente e a concordaria que ção deve ter base produto da evolu-
ser declarado continuidade à sua educação pode é melhor ser bem na hereditarieda- ção para nos adap-
humano até ter estirpe. Três gera- favorecer a ge- adaptada, ser um de. Uma criança tar a condições que
passado por certos ções de imbecis ração já nasci- bom espécime. O premiada aos dois podem não existir
testes de genética” é o suficiente” da. Melhorar o mesmo se dá com anos poderá ser mais. Por que
• • sangue poderá os homens” epiléptica aos dez” não nos tornar
Francis Crick Oliver Wendell favorecer todas as • • mais aptos?”
(1916-2004) Holmes Jr. gerações futuras” Francis Galton Charles Benedict •
Biólogo molecular (1841-1935) • (1822-1911) Davenport James Watson, 88
e neurocientista Juiz dos EUA ao Herbert Walter Estatístico e primo (1866-1944) Biólogo molecular,
britânico, um dos defender esterili- (1867-1945) de Charles Darwin Biólogo, sobre con- descobridor da
descobridores da zação de jovem de Biólogo que cunhou o cursos de “bebê de estrutura do DNA
estrutura do DNA “mente fraca” norte-americano termo “eugenia” melhor qualidade” junto com Crick

Isso significa que será possível fazer de tudo — produzir


seres humanos “perfeitos” (seja lá o que isso signifique), que
respirem debaixo d’água, façam fotossíntese, ou mesmo que
vivam para sempre? Depende. Para começar, mexer em algo
como a cor dos olhos, controlada por alguns poucos genes, é
bem diferente de manipular coisas complexas que dependem
praticamente de todo o genoma, como a inteligência.
“Essa ideia de manipulação ilimitada considera o geno-
ma como algo isolado, autossuficiente. São tantos fatores e
processos envolvidos na formação de
uma característica complexa que, para
alterá-la, seria preciso conhecer todas
as interações entre os fatores e proces- patente envolvendo a manipulação de
sos”, explica Tábita Hünemeier, gene- células complexas, como as humanas.
ticista da USP. “Pode ser possível em Quem sair vencedor poderá cobrar ta-
teoria, mas não facilmente executável.” xas consideráveis pelo uso comercial
da tecnologia — e isso é só a ponta
Grana preta do iceberg. Cada vez mais, abordagens
Um detalhe crucial a ter em mente, para além dos dilemas éti- como essas vão gerar produtos, tanto
cos e das possíveis maravilhas ou monstruosidades, é que tudo na área biomédica quanto na agrope-
isso também tem potencial para gerar grana — quantidades cuária, ou até mesmo no segmento de
astronômicas de grana. A consultoria Grand View Research pet shops. Imagine a quantidade de
prevê que esse mercado atinja US$ 4 bilhões em 2025. Não é grana que certas pessoas não desem-
à toa que três das maiores instituições de pesquisa do mundo bolsariam para ter um lhasa apso de
(a Universidade Harvard, o MIT – Instituto de Tecnologia de pelo vermelho fluorescente.
Massachusetts e a Universidade da Califórnia em Berkeley) Essas e mais outras ideias de jerico
andam trocando sopapos na Justiça americana para saber quem sobre como lidar com o conhecimento
é o dono dos “direitos autorais” ligados à tecnologia Crispr. e com o poder que estamos adquirin-
A treta existe porque pesquisadores de Berkeley, embora do sugerem fortemente que é sempre
tenham pedido antes a patente da Crispr (ou seja, o regis- bom botar um freio na empolgação.
tro oficial que diz “Opa, quem teve essa ideia primeiro fui Afinal, questões sobre certo e errado
eu!”), só aplicaram seu pedido ao uso em bactérias, enquan- não podem ser respondidas somente
to Harvard e MIT, em parceria, fizeram uma solicitação de com ciência — ainda bem.
espontaneamente. Se há necessidade

TUBO DE ENSAIOS
POR DR. DANIEL BARROS*
de esforços pessoais para garantir um
bem coletivo — como é o caso da saúde
pública —, a tendência é que o custo su-
pere o benefício em termos individuais.
Pense na falta de água: a pessoa

LIMPEZA DE
tem que fazer força para economizar,
se reorganizar, controlar a família, um
desgaste e tanto. Mas o impacto de
uma casa apenas, levando em conta o

UNS, TRAGÉDIAS
tamanho das represas, é praticamen-
te desprezível. Meu preço pessoal é
muito alto para minha baixa contri-
buição coletiva. E como todos pensam

DE OUTROS
assim, caminhamos para uma tragédia
— a tragédias dos comuns, como des-
creveu o ecologista Garrett Hardin na
revista Science em 1968. Ele mostrou
que não existem soluções técnicas
Políticas para manutenção da higiene em sociedade para essas situações, o que se pode
demonstrar com a teoria dos jogos.
colocam nas mãos das autoridades decisões
A ação puramente racional, que
sobre a vida privada. Surge, então, um conflito independe da colaboração do outro,
de valores: liberdade versus coletividade leva-nos inevitavelmente à ruína.
A saída é a adoção de soluções mo-
UMA DAS DIFERENÇAS ENTRE urbanização, na maioria das vezes rais — incentivar cooperação e punir
mitos e lendas é que enquanto as desordenada e insalubre, causan- o egoísmo —, não técnicas, o que só é
lendas tratam de mistérios locais, os do problemas sanitários e sociais. possível por meio de uma autoridade.
mitos tratam de verdades universais. Os governos, percebendo que não É aí que mora o perigo do higienis-
Por isso a religião dos antigos gregos conseguiriam alcançar a prosperidade mo. Quando o Estado precisa se envol-
até hoje mantém a relevância de suas sem cidadãos saudáveis, encontraram ver com a vida privada para garantir
narrativas — a mitologia grega. na medicina as ferramentas para tan- um bem coletivo, há um conflito de va-
Vejamos o caso de Asclépio, deus to. Os médicos foram lembrados da lores. Liberdade versus coletividade.
da medicina. Ele casou-se com Epío- importância de Higeia e passaram a Mas como garantir a cooperação man-
ne, deusa do alívio das dores, e, entre dar ênfase em medidas preventivas e tendo a liberdade, já que “indivíduos
outros filhos, tiveram Panaceia e Hi- sanitárias. E, de fato, o foco na higiene presos na lógica dos bens comuns só
geia. A primeira era a deusa da medi- fomentou avanços como canalização são livres para trazer a ruína univer-
cação e cura, enquanto sua irmã era e tratamento de esgoto, aterros sa- sal”, como concluiu Hardin há meio sé-
a deusa da saúde, limpeza e higiene. nitários, cuidados com gestantes e culo? O problema do higienismo não
Ao contrário do restante da família, recém-nascidos, vacinações. é a busca por higiene, mas os abusos
dedicado aos processos curativos, Então por que tanta gente fala de autoritários que ela pode justificar.
Higeia estava associada à prevenção higienismo como fosse uma ofensa? A solução pode estar novamente
das doenças e manutenção da saúde. Mesmo que muitos falem sem saber o com os gregos. Se não em sua mitolo-
A história capta a essência do tra- que estão criticando, apesar de o higie- O problema gia, em sua filosofia, pois Aristóteles
balho do médico, que tem no alívio
da dor sua função principal, auxilia-
nismo não ser ruim em si, ele pode ser
perigoso. O problema começa quando
do já ensinava há milênios que a virtude
estava no meio.
do pelas medicações, e que orienta constatamos que, por vivermos numa higienismo Na dúvida, consulte os gregos.
medidas higiênicas para manter a
saúde. Não por acaso, há séculos
coletividade, o comportamento de um
influencia a vida do outro.
não é a
os médicos juram, quando de sua Se só eu vacinar meus filhos a eficá- busca por
formatura, “por Apolo médico, por
Higeia, por Panaceia”, talvez para se
cia será muito menor do que se todos
ao meu entorno vacinarem. Se meus
higiene, mas
lembrarem desses fundamentos. vizinhos não acomodarem o lixo ade- os abusos
Se ninguém questiona a impor-
tância da higiene, qual o problema
quadamente, minha família sofrerá as
consequências. Para garantir a saú-
autoritários
do higienismo? de, portanto, as medidas higiênicas que ela * DANIEL BARROS é psiquiatra do Instituto de

pode
devem ser coletivamente adotadas. Psiquiatria do HC–FMUSP, doutor em Ciências
No século 19, após a consolida-
e bacharel em Filosofia. Atua com divulgação
ção dos Estados soberanos, o mun- Mas quando dependemos de ações de
justificar
científica em vários meios. É consultor
do entrou num grande processo de todos, raramente obtemos resultados do programa Bem Estar (TV Globo). 71
PANORÂMICA FOTO EMMANUELE CONTINI

A convite do Partido Verde, a drag queen Olivia Jones estava entre os 1.260 delegados da assembleia que elegeu o novo presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier,

72
ex-ministro das Relações Exteriores. No país, além de políticos, representantes da sociedade civil são responsáveis por escolher o líder, que tem função honorífica.

Agência: NurPhoto/Getty Images Pesquisa: Franklin Barcelos 73


ULTI-
MATO PARA FAZER A DIFERENÇA
AGORA QUE VOCÊ LEU A REVISTA, SAIA DO SOFÁ

SABER QUE O BRASIL GOSTARIA DE MORA EM SÃO PAULO E AGORA QUE LEU SOBRE
TEM UM SATÉLITE CONHECER MELHOR GOSTARIA DE AJUDAR AS INJUSTIÇAS EM
GEOESTACIONÁRIO O ARGUMENTOS CONTRA OS MORADORES EM UGANDA, QUER FAZER
DEIXOU CURIOSO? O SEXO COM ROBÔS? SITUAÇÃO DE RUA? ALGO PELO PAÍS?

Morte dos maridos


de 1,8 mil mulheres
fez 30% dessas
viúvas terem suas
terras expropriadas

Dos 1.419 satélites


operacionais que
orbitam a Terra,
576 são dos EUA.

UCS SATELLITE DATABASE COMITÊ POPRUA KATHLEEN RICHARDSON UNICEF NÃO TIRE MEU COBERTOR
A União dos Cientistas Preocu- Participe dos encontros mensais Em palestra durante um evento Fundo das Nações Unidas para a Campanha da organização
pados (UCS) mantém uma base abertos ao público promovidos TEDx, a antropóloga e fundadora Infância recruta voluntários de Minha Sampa pressiona o
de dados atualizada sobre todos pelo comitê, vinculado à pasta de da campanha Against Sex Robots diversas áreas, da medicina ao prefeito João Doria e autoridades
os satélites em órbita. Destaque Direitos Humanos da Prefeitura (contra robôs sexuais) fala sobre o design gráfico. Para participar, municipais a reformularem
é um mapa interativo que mos- de São Paulo. Ali se discutem po- futuro do sexo e discute questões é preciso ter mais de 25 anos, decreto sobre retirada de bens
tra os países que tinham satéli- líticas que garantam a cidadania éticas envolvidas em comprar curso superior completo e pelo pessoais de moradores de rua.
tes há 50 anos e os que têm hoje. da população em situação de rua. bonecos para esse fim. Em inglês. menos dois anos de experiência. naotiremeucobertor.
bit.ly/2l5vANb bit.ly/2lHyIC3 youtu.be/YaMiH93-iPE unicef.org/uganda minhasampa.org.br

SÓ +
AGUENTA, CORAÇÃO Bruna DÁ ONDA BANCO DE RESERVAS COINCIDÊNCIA?
O novo livro do escritor Sena, 1º É oficial: a ciência Outra de que nós já Pegou fogo, no distrito
britânico Neil Gaiman lugar em provou e comprovou a desconfiávamos e agora de Wuqing, na China,
chega agora em março Medicina tríade “sexo, drogas e é oficial: ser escolhido por uma das fábricas res-

1 MIN. às livrarias brasileiras,


pela editora Intrínseca.
Mitologia Nórdica conta
de forma romantizada
na USP de
Ribeirão
Preto,
é negra
rock’n’roll”. Estudo da
Universidade McGill,
no Canadá, concluiu
que a música estimula
último para o time nas
aulas de Educação Física
prejudica o emocional.
Pesquisa realizada com
ponsáveis por produzir a
bateria do Galaxy Note 7,
smartphone da Samsung
cuja produção foi encer-
as histórias dos três e aluna no cérebro o mesmo adolescentes nos EUA rada no fim de 2016...
Aconteceu em fevereiro, grandes deuses nórdicos, da rede sistema de recompensa mostrou que eles se tor- por risco de explosão.
mas não coube na revista Thor, Odin e Loki. pública. das drogas e do sexo. nam menos confiantes. Ninguém ficou ferido.
2 INDICAÇÕES AO OSCAR 2017

UM HOMEM
CHAMADO OVE
2 DE MARÇO

NERUDA
9 DE MARÇO

INVASÃO ZUMBI
16 DE MARÇO

EU, DANIEL BLAKE 23 DE MARÇO

Você também pode gostar