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IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DE DESMATAMENTO NO PARQUE

NATURAL MUNICIPAL DAS DUNAS DA SABIAGUABA

Luana Adriano Araújo


Instituto Verdeluz
luana.adriano88@gmail.com
Beatriz Azêvedo de Araújo
Instituto Verdeluz

RESUMO

Apresenta a estrutura histórico-normativa do reconhecimento do Direito ao Meio-


ambiente ecologicamente equilibrado enquanto motivador da fixação de espaços
territoriais especialmente protegidos. Aponta as peculiaridades da modalidade de
Unidade de Conservação de Proteção Integral do tipo Parque, elencando os Parques
Nacionais, Estaduais e Municipais do Ceará. Por fim, disserta sobre as consequências
jurídicas advindas de situação de desmatamento perpetrada em área pertinente ao
Parque Municipal das Dunas da Sabiaguaba.

PALAVRAS-CHAVES: Desmatamento; Tríplice Responsabilidade; Parque Municipal


das Dunas da Sabiaguaba.

1. INTRODUÇÃO

Previsto enquanto uma prerrogativa de natureza difusa, o Direito ao Meio-Ambiente


ecologicamente equilibrado não prescinde de uma atuação positiva do Estado,
ensejando a premência de uma ação eficaz e contundente das instâncias
responsáveis no sentido de coibir atividades atentatórias à natureza. Tais medidas
restam efetivadas, sobretudo, em face de uma tutela jurídica do meio-ambiente, cujo
desiderato reside, em última instância, na preservação das condições naturais de
forma intergeracional, resguardando a sobrevivência das atuais e futuras gerações.
Tendo em vista, portanto, a urgência de se fazer cessar atividades geradoras de
impacto, esta investigação almeja elucidar a tríplice responsabilidade delineada em
face do desmatamento no Parque Natural Municipal de Dunas da Sabiaguaba, de
forma a evidenciar quais as consequências jurídicas advindas de tal dano ambiental.
Nesse contexto, desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica, documental e
jurisprudencial, de forma a elucidar os contornos das responsabilidades cotejadas,
aportando-se, ainda, registro fotográfico efetivado pelas autoras em visita à região
impactada.

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2. PARQUES NACIONAIS, ESTADUAIS E MUNICIPAIS: CONTORNOS JURÍDICO-
AMBIENTAIS NO SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Consubstanciada segundo um modelo conservacionista de delimitação de poligonais


especialmente protegidas16, a arquitetura brasileira protetiva do meio-ambiente
fundamenta-se na noção de que “alteração e domesticação de toda a biosfera pelo
ser humano é inevitável, sendo necessário e possível conservar pedaços do mundo
natural em seu estado originário, antes da intervenção humana” (Arruda, 1999, p. 83).
Pautada historicamente sob uma concepção esteticista, a legislação aplicada à
conservação no âmbito do sistema jurídico brasileiro considera, em sua raiz, conceitos
atrelados à beleza enquanto fator preponderante o estabelecimento de áreas de
especial proteção ambiental. Nesse sentido, aponta Brito (2000, p. 56-58):

Os primeiros parques nacionais do Brasil estavam vinculados ao conceito de


monumentos públicos naturais, segundo a Constituição de 1937, e visavam
resguardar porções do território nacional que tivessem valor científico e
estético (...) Até meados da década de setenta, o Brasil não possuía
estratégia nacional global para selecionar e planejar as unidades de
conservação, fosse por meio de legislação básica ou por declaração política.
As unidades de conservação, até então, justificavam-se pela beleza cênica
que possuíam.

Modificando substancialmente a sistemática de proteção ambiental promanada da


ordem jurídica brasileira, a Constituição de 1988 – primeira a tratar deliberadamente
da questão ambiental (Silva, 2009, p. 46) - qualificou, em seu artigo 225, o meio-
ambiente ecologicamente equilibrado enquanto bem de uso comum do povo,
essencial à sadia qualidade de vida, configurando-se sua preservação e defesas
enquanto atividades de incumbência do Poder público e da coletividade 17 (Brasil,
2016). Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe, segundo o § 1º, III, do
artigo 225, ao Poder Público definir, em todas as unidades da Federação, espaços
territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a permissão

16
A despeito de este trabalho não ter por desiderato a elucidação preservacionismo e
conservacionismo, necessário destacar que a matriz histórica da criação de unidades de conservação
remonta à corrente preservacionista. Nesse sentido, Jatobá et al (2009, p. 51) apontam que “os
preservacionistas ou protecionistas defendiam a reserva de áreas territoriais específicas para a
proteção integral da natureza. A partir de suas propostas são criados os primeiros parques nacionais,
dentre eles o de Yellowstone, em 1872 nos EUA, o primeiro do mundo. O conservacionismo, por sua
vez, fortaleceu-se na virada do século XX. É uma resposta à aceleração do processo de industrialização
que, além da Inglaterra, disseminou-se também por outras nações européias e tomou impulso nos EUA
após a Guerra da Secessão. Embora com propostas muito semelhantes, preservacionistas e
conservacionistas se diferenciavam pelo enfoque que os primeiros davam à criação de reservas
naturais, enquanto os últimos se preocupavam também com a relação homem-meio ambiente no meio
urbano.”.
17
Destaque-se, ainda, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser resguardado de
forma intergeracional, como bem aponta o preceito insculpido no artigo 225. A este teor, Fiorillo (2013)
aponta que “é a primeira vez que a Constituição Federal se reporta a direito futuro, diferentemente
daquela ideia tradicional do direito de sucessão previsto no Código Civil. Portanto, a responsabilidade
de tutela dos valores ambientais não diz somente respeito às nossas existências, mas também ao
resguardo das futuras gerações”.

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para alteração a supressão condicionada ao aval legislativo, vedada qualquer
utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Tendo em vista, portanto, a relevância da regulamentação de tais territórios
especialmente protegidos18, instituiu-se por meio da Lei nº. 9.985/2000, o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação, cujo desiderato alberga, dentre outros
objetivos, a contribuição para a preservação e a restauração da diversidade de
ecossistemas naturais (art. 4º, III), a proteção e a utilização dos princípios e práticas
de conservação da natureza no processo de desenvolvimento (art. 4º, V) e a proteção
das características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica,
arqueológica, paleontológica e cultural (art. 4º, VII).
De acordo com o art. 7º deste diploma, as Unidades de Conservação podem ser
qualificadas enquanto de Proteção Integral e de Uso Sustentável, sendo qualificado
enquanto pertinente à primeira estirpe o Parque Nacional (art. 8º, III). O objetivo
fundamental desta espécie de UC reside - de acordo com o artigo 11, caput, de
mencionada lei - na preservação de ecossistemas naturais de grande relevância
ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o
desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação
em contato com a natureza e de turismo ecológico.
Ressalte-se que, em sendo tal unidade de conservação instituída por entes
federativos estaduais e municipais, a categoria passa a ser, respectivamente, de
Parque Estadual e de Parque Municipal, resguardando-se os mesmos objetivos
previstos no tocante ao Parque Nacional (art. 11, § 4°). Por fim, impende destacar as
áreas integrantes da poligonal qualificada como Parque são “de posse e domínio
públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão
desapropriadas” (art. 11, § 1°)19.

18
Milaré (2007, p. 651) aponta que as Unidades de Conservação elencadas na Lei Nº. 9.985/2000
qualificariam-se enquanto “típicas”, não representando, assim, a exclusão das áreas “atípicas” que,
embora não expressamente arroladas, apresentam características pertinentes ao conceito enunciado
no art. 2º, I, de referido diploma.
19
No ensejo, importante ressalvar que a jurisprudência pátria tem se consolidado no sentido de não
considerar o valor de áreas livremente exploráveis na desapropriação de Áreas de Preservação
Permanente, consideradas aquelas destacadas no art. 4º do Código Florestal – dentre as quais as
restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues. Nesse sentido: PROCESSUAL
CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO DIRETA. MATAS DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE. COBERTURA VEGETAL. ÁREA DE RESERVA LEGAL. INDENIZAÇÃO. MP 2.027-
40/2000. APLICABILIDADE. INTERESSE RECURSAL. AUSÊNCIA. 1. As matas de preservação
permanente, por serem insuscetíveis de exploração econômica, não são objeto de indenização em
sede de ação desapropriatória. Precedentes. 2. Inexistindo prova de exploração econômica dos
recursos vegetais, não há por que cogitar de indenização em separado da cobertura florística.
Precedentes. 3. A área desapropriada correspondente à parcela destinada à reserva legal é
indenizável, todavia por um valor inferior àquele pago à área livremente explorável. (...) (STJ - REsp:
403571 SP 2001/0187911-0, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento:
04/08/2005, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 29/08/2005 p. 239). PROCESSUAL
CIVIL E ADMINISTRATIVO - DESAPROPRIAÇAO DIRETA - MATAS DE PRESERVAÇAO
PERMANENTE - INDENIZAÇAO - IMPOSSIBILIDADE - PROIBIÇAO DE EXPLORAÇAO
ECONÔMICA - LEI 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL)- JUROS COMPENSATÓRIOS - INCIDÊNCIA -
TERMO"A QUO"- IMISSAO NA POSSE - SÚMULA 69/STJ - VIOLAÇAO AO ART. 535 DO CPC NAO
CONFIGURADA - PRECEDENTES. - Não basta ao recorrente especial alegar a nulidade do acórdão
dos aclaratórios. É necessário que indique precisamente o ponto omisso, contraditório ou obscuro do

280
De acordo com a Tabela Consolidada das Unidades de Conservação, existem 399
Parques Nacionais, Estaduais e Municipais no Brasil, ocupando uma área de 361.795
Km² (MMA, 2017). No Ceará, é possível identificar oito Parques, sendo 5 de gestão
estadual, dois de gestão federal e um de gestão municipal, conforme elencado no
quadro abaixo:

Quadro 1 – Parques Estaduais, Nacionais e Municipais no Estado do Ceará


PARQUES ESTADUAIS, NACIONAIS E MUNICIPAIS NO CEARÁ20
Plano de Municípios
Parque Área Conselho Gestor
Manejo Abrangidos
Criado pela Portaria
P Parque
nº 257/2015, com
competência
a Estadual 1,9854
Não Possui consultiva. Em Caucaia
Botânico do km²
funcionamento,
r Ceará
porém sem agenda
q divulgada.

Parque
u 99,9955 Granja e Viçosa do
Estadual das Não possui Não possui
km² Ceará
e Carnaúbas

s Parque
15,7241 Maracanaú, Pacatuba e
Estadual do Não possui. Não possui.
km² Fortaleza
Rio Cocó

E Criado pela Portaria


Parque nº 312/2015, com Parque Marinho,
s Estadual competência distância aproximada de
37,1602
Marinho da Não possui. consultiva. Em 18,5 km do Porto do
t km²
Pedra da funcionamento, Mucuripe em
Risca do Meio porém sem agenda Fortaleza/CE.
a divulgada.
u Criado pela Portaria
a nº 256/2015, com
Parque competência
0,9498
i Estadual Sítio Não possui consultiva. Em Crato
km²
Fundão funcionamento,
s porém sem agenda
divulgada.

v. aresto. - As matas de preservação permanente, insuscetíveis de exploração econômica por força de


lei, não são indenizáveis. - Os juros compensatórios só incidem na desapropriação direta a partir da
imissão na posse. - Recurso especial conhecido e provido." (Segunda Turma, REsp n. 153.661/SP,
relator Ministro Francisco Peçanha Martins, DJ de 20.6.2005.)
20
Dados de área, existência de plano de manejo e abrangência municipal obtidos por meio do Cadastro
Nacional de Unidades de Conservação. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/areas-
protegidas/cadastro-nacional-de-ucs>. Informações acerca da competência de Conselhos Gestores e
divulgação de agenda obtidas por meio do site do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade e Canal Urbanismo e Meio-Ambiente. Disponível em
<http://www.icmbio.gov.br/portal/unidadesdeconservacao/biomas-brasileiros>; <
https://urbanismoemeioambiente.fortaleza.ce.gov.br/>. Acesso em: 22 jun. 2017.

281
Criado pela Portaria
nº 159/2002, com
Aprovado por
Parque competência
88,6285 Portaria nº Cruz e Jijoca de
Pa Nacional de
km² 84, de
consultiva. Em
Jericoacoara
rq Jericoacoara funcionamento,
21/10/2011
ue porém sem agenda
s divulgada
Na Criado pela Portaria
cio Aprovado nº 23/2006. com
nai Parque por Portaria competência
62,6942 Frecheirinha,Ibiapina,
s Nacional de nº 170 de 24 consultiva. Em
km² Tianguá, Ubajara
Ubajara de dezembro funcionamento,
de 2002 porém sem agenda
divulgada.

Pa Criado por Decreto


rq nº 12970/2012, com
ue Parque
Aprovado por competência
Natural
s 4,6793 Resolução nº consultiva e
Municipal das Fortaleza
Mu Dunas da
km² 07/2011, de deliberativa. Em
nic 27/09/2011 funcionamento e
Sabiaguaba
ipa com agenda
is divulgada21.

Fonte: MMA/ICMBIO/SEUMA. Elaborado pelas autoras.

Como pode se inferir pela tabela formulada, o Parque Natural Municipal das Dunas da
Sabiaguaba é o único Parque Municipal com Plano de Manejo aprovado, bem como
consiste na única Unidade de Conservação de Proteção Integral com Conselho Gestor
de competência deliberativa, com agenda divulgada em site oficial. Nada obstante, tal
qualificação não exime a área continente nesta poligonal de depredações
ambientais22.

3. DUNAS DA SABIAGUABA: ÁREA LOCALIZADA EM PARQUE NATURAL


MUNICIPAL, ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E ZONA DE PROTEÇÃO
AMBIENTAL

O Parque Natural Municipal de Dunas da Sabiaguaba e a Área de Proteção Ambiental


da Sabiaguaba são unidades de conservação do Município de Fortaleza, criadas em
2006, respectivamente pelos Decretos n. 11986/2006 e 11987/2006, considerando a
urgência de resguardar os resquícios de dunas da região Metropolitana de Fortaleza.
Com o advento do Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza, por meio da
Lei Complementar n. 62/2009, a área das unidades de conservação passou a receber
também proteção do direito urbanístico. O Parque foi classificado como Zona de

21
Divulgação de agenda em site de canal de comunicação da Prefeitura de Fortaleza, chamado Canal
Urbanismo e meio-ambiente, no qual é possível localizar as datas de realização de reuniões ordinárias
do Conselho Gestor da Sabiaguaba em 23 de junho de 2017 e em 17 de fevereiro de 2017.
<https://urbanismoemeioambiente.fortaleza.ce.gov.br> . Acesso em: 22 jun 2017.
22
Conforme apontado por Bueno e Ribeiro (2007, online, parques “localizados nas zonas urbanas das
cidades representam um constante despertar, onde o processo de desenvolvimento é bastante
acelerado o que pode ocasionar a instalação e ocupação ilegal de terras, tendo como consequência o
desmatamento”.

282
Preservação Ambiental 3 (ZPA3), destinada à preservação dos ecossistemas e dos
recursos naturais (art. 63). Por sua vez, a APA foi considerada Zona de Interesse
Ambiental (ZIA), áreas originalmente impróprias à ocupação do ponto de vista
ambiental, com incidência de atributos ambientais significativos em que a ocupação
ocorreu de forma ambientalmente inadequada (art. 72).
Conforme previa o decreto de criação das unidades de conservação, foi aprovado
Plano de Manejo em 2010, o qual já alertava para as atividades antrópicas causadoras
de degradação do Parque de Dunas23. Por fim, em 2012, foi criado, por meio do
Decreto n. 12.970/2012, o Conselho Consultivo e Deliberativo das Unidades de
Conservação de Proteção Integral e de Uso Sustentável da Sabiaguaba, completando
o arcabouço jurídico de proteção à área.
Importante ressaltar que, conquanto não conste como no rol de Áreas de Preservação
Permanente, da Lei nº 12.651/2012, que previu o Novo Código Florestal – na
contramão do anteriormente preceituado no art. 3º da Lei Nº. 4771, de 15 de setembro
de 1965 -, a superveniência desta legislação não revogou tacitamente a Resolução
Nº. 303/2002 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio-Ambiente), que define como
APP qualquer área de duna, vegetada ou não, em virtude de sua “a função
fundamental das dunas na dinâmica da zona costeira, no controle dos processos
erosivos e na formação e recarga de aquíferos” e sua “excepcional beleza cênica e
paisagística das dunas, e a importância da manutenção dos seus atributos para o
turismo sustentável”24.
Em consonância com o projeto de valorização imobiliária do setor sudeste de
Fortaleza, onde se insere a Sabiaguaba, o Município de Fortaleza e o Governo do
Estado do Ceará têm investido em obras de infraestrutura que possibilitem uma "nova
forma de morar": perto do verde e em constante contato com a natureza (Santos,
2011). Além disso, a não desapropriação, por inexistência de destinação
orçamentária, da área do Parque corroboram o entendimento errôneo de que os
proprietários podem dispor de sua propriedade privada em detrimento da legislação.

4. DESMATAMENTO DE ÁREA DE PARQUE: RESPONSABILIDADE JURÍDICA


PELO DANO PERPETRADO

Tendo em vista a já destacada relevância ambiental e ecossistêmica da área


pertinente ao Parque Natural Municipal de Dunas da Sabiaguaba, passa-se a elucidar
as consequências jurídicas da prática de desmatamento – ilustrada na Figura 1,
registrada em 15 de maio de 2017 - hodiernamente verificada na região por membros

23
O Plano de Manejo das Unidades de Conservação da Sabiaguaba chama atenção para o fato de
que, à época de sua publicação, 12% (doze por cento) da área do Parque já se encontrava degradada
devido a atividades antrópicas, dentre as quais já se destacava o desmatamento para fins imobiliários.
24
Nesse sentido, destacamos entendimento Ministro Herman Benjamin: "o novo Código Florestal não
pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada,
tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de
proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite
constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e
restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)." (STJ - REsp: 1462208 SC
2014/0149502-0, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 11/11/2014, T2 -
SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/04/2015)

283
do Instituto Verdeluz, nativos da Comunidade Boca da Barra e membros do
Laboratório de Estudos em Habitação da UFC.

Figura 1 – Placa de delimitação de “Propriedade Privada” em terreno desmatado no Parque de


Duanas de Sabiaguaba
(Fonte: Acervo dos autores, mai. 2017)

Outrossim, cumpre destacar que a área cujos caracteres ambientais restaram


vilipendiados em face do quadro fático narrado localiza-se dentro do perímetro
demarcado como Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba, conforme
Decreto Nº. 11.986 de 20 de fevereiro de 2006. Conforme se pode ver no mapa (Figura
2), o citado perímetro configura-se, também, como área de Zona de Preservação
Ambiental.
Qualificada por sua dissonância com o constante na legislação correlata à
manutenção de áreas de parque, a situação narrada demanda a tomada imediata de
medidas que, para além de fazer cessar a ilegalidade já ocorrida, promova a
recuperação de todos os caracteres naturais depredados. Isto posto, considerando o
§ 3º do art. 225, que comanda a aplicação de sanções penais e administrativas, além
da reparação de danos, a pessoas físicas ou jurídicas responsáveis por lesão ao meio-
ambiente, é imprescindível que as devidas providências sejam de plano efetivadas,
com vistas a cessar a grave ameaça à manutenção do equilíbrio ambiental local. Neste
sentido, Fiorillo (2013):

O art. 225, § 3º, da Constituição Federal previu a tríplice responsabilidade do


poluidor (tanto pessoa física como jurídica) do meio ambiente: a sanção
penal, por conta da chamada responsabilidade penal (ou responsabilidade
criminal), a sanção administrativa, em decorrência da denominada
responsabilidade administrativa, e a sanção que, didaticamente poderíamos
denominar civil, em razão da responsabilidade vinculada à obrigação de
reparar danos causados ao meio ambiente.

284
Figura 2 – Mapa indicando o perímetro de desmatamento dentro da zona de ZPA
(Fonte: Laboratório de Estudos em Habitação da UFC)

Tendo em vista, portanto, a gravidade da situação narrada, analisa-se, nesta seção,


as implicações jurídicas da ação perpetrada, considerada a tríplice responsabilidade
característica a condutas atentatórias à área qualificada por sua especial relevância
ambiental.

3.1. Responsabilidade penal

No caso narrado, a conduta de desmatamento de área de parque enquadra-se no tipo


penal qualificado pelo artigo 40 da Lei Nº. 9.605/1998, que apena a atitude que cause
dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27
do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização,
com reclusão, de um a cinco anos25.

25
Neste sentido, têm decidido as cortes nacionais no sentido de aplicar a pena cominada ainda diante
da inexistência de regularização fundiária e desapropriação de imóveis. Destaque-se, neste sentido:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 40 DA LEI Nº 9.605/98.
PARQUE NACIONAL DA SERRA DA CANASTRA. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO EVIDENCIADO. 1. O art. 40 da Lei nº 9.605/98, consistente
em "causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação", trata de crime material, que depende
da ocorrência de resultado naturalístico para se caracterizar, ou seja, da efetiva causação de dano,
direto ou indireto, à unidade de conservação. É delito de perigo abstrato, pois o prejuízo ao meio
ambiente é presumido caso a conduta seja praticada. 2. O art. 15, § 1º, da Lei 9.985/2000, que
regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII, da Constituição Federal, e institui o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação da Natureza, dispõe que a Área de Proteção Ambiental é constituída por
terras públicas ou privadas. O Parque Nacional da Serra da Canastra, unidade de conservação de

285
Cumpre sublinhar ainda que a conduta danosa restou perpetrada especificamente em
detrimento de vegetação fixadora de dunas, de forma a persistirem os elementos
típicos caracterizadores do tipificado no art. 50 do Lei Nº.9.605/1998, que comina pena
de detenção de três meses a um ano e multa aqueles que destruírem ou danificarem
“florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de
mangues, objeto de especial preservação”. Destaque-se, ademais, que de acordo
com o artigo 15, inciso II, alíneas a) e e), do mesmo diploma constituem circunstâncias
agravantes da pena ter o agente cometido a infração para obter vantagem pecuniária
atingindo área de unidade de conservação.
Conferindo ainda maior gravidade à conduta, ressalte-se que os intuitos visados pelos
infratores pauta-se no locupletamento pecuniário, em face do qual o desmatamento
constitui apenas um meio para a obtusa conduta de venda de área de domínio pública,
em conformidade com o artigo 11, § 1º, da Lei Nº. 9.985/2000. Destarte, a conduta
enquadra-se ainda no tipo penal constante no artigo 50 da Lei Nº. 6.766/1979:

Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública. I - dar início, de


qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins
urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo
com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal,
Estados e Municipíos; (...) Parágrafo único - O crime definido neste artigo é
qualificado, se cometido. I - por meio de venda, promessa de venda, reserva
de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de
vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro
de Imóveis competente. Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa
de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Destaquemos, pelo exposto, a urgência de instauração de persecução criminal que


averigue a conduta cotejada, considerando-se, ademais, o caráter público
incondicionado da aça penal instaurada em face de ilícitos ambientais, em
conformidade com o art. 26 da Lei n. 9.605/98. Identifica-se, no caso em tela, portanto,
os fatores motivadores da previsão de responsabilidade penal pelo constituinte, qual
seja a existência de ações que tenham maior repercussão social e ambiental,
demandando uma intervenção mais severa do Estado (Fiorillo, 2013).

proteção integral, foi criado pelo Decreto 70.335/72 e tem área de 200.000ha. O Decreto nº 99.274/90,
por sua vez, dispõe, em seu art. 27, que "nas áreas circundantes das Unidades de Conservação, num
raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota ficará subordinada às normas
editadas pelo Conama". 3. O fato de o Poder Público ainda não ter efetivado a regularização fundiária
de toda a área de 200.000ha do Parque Nacional da Serra da Canastra não significa que as
propriedades privadas abrangidas nele, ou na respectiva zona de amortecimento, possam fazer uso
incompatível do espaço, pois estão sujeitas a limitações ambientais e sociais. A questão ambiental não
pode ser interpretada de modo meramente patrimonialista. 4. Evidenciada, pelo laudo pericial realizado,
a existência de impacto ambiental negativo, causador de dano efetivo atual ou de repercussão futura à
fauna, flora ou cursos de água da região na qual ocorreu o desmatamento, verifica-se não ser atípica
a conduta do réu. 5. Materialidade e autoria do crime devidamente comprovadas nos autos pelos
documentos acostados e declarações testemunhais. (TRF-1 - ACR: 1681 MG 0001681-
59.2009.4.01.3804, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data de Julgamento:
25/03/2013, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.1202 de 12/04/2013)

286
3.2. Responsabilidade Cível

Destaque-se que, para além da tipicidade penal destacada, em face da qual incorre
nas penas citadas o infrator, deverá este ainda reparar civelmente os efeitos danosos
de sua conduta. Nesse sentido o artigo 14, § 1º, da Lei Nº. 6.938/1981 impõe ao
responsável, independentemente da existência de culpa, a indenização ou reparação
dos danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. Do
preceito destacado, infere-se que a responsabilidade civil pelos danos causados ao
meio-ambiente é do tipo objetiva, sobre a qual discorre Machado (2013, p. 404):

A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o


ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio
dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o
dever de indenizar e/ou reparar. (...) Não interessa que tipo de obra ou
atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que
ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o
meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação
civil objetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase do
estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano.
E contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio
ambiente.

De acordo com Leite e Ayala (2011, p. 207), existem duas vias de ressarcimento do
dano ambiental: pela reparação ou restauração natural ou retorno ao estado anterior
da lesão; e pela indenização pecuniária, que funciona como uma forma de
compensação ecológica. Compreendemos que, em virtude da relevância da
preservação ambiental do ecossistema resguardado sob a égide do Parque Natural
de Dunas da Sabiaguaba, resta imprescindível que a medida de Ressarcimento
ambiental prioritária seja a restauração das condições naturais26, consistente não só
na cessação de todas as atividades de desmatamento, como também no replantio e
na recuperação das zonas degradadas.

3.3. Responsabilidade Administrativa

Por fim, premente que a responsabilidade pelos danos cotejados seja devidamente
apurada, ademais, na instância administrativa, em virtude do disposto no artigo 70 da
Lei Nº 9.605/2000, segundo o qual “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas
de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente” configura
infração administrativa ambiental (caput). As sanções administrativas restam
estabelecidas em face do “poder de polícia”27 dos órgãos e entidades do SISNAMA
(Sistema Nacional do Meio-Ambiente) (art. 70, § 1º).

26
Dissertando sobre a relevância das dunas da Sabiaguaba, vejamos Pinheiro (2009, p. 166): “assim,
vale ressaltar a importância da área de dunas como forma de equilíbrio da natureza (área de recarga
de aquífero, dinâmica sedimentar da zona costeira, além de seus aspectos estéticos, que atraem o
segmento turístico)”.
27 Fiorillo (2013), definindo “Poder de Polícia”, aponta: “As sanções administrativas, conforme

orientação de doutrina tradicionalmente vinculada ao denominado “direito público”, estão ligadas ao


denominado poder de polícia enquanto atividade da Administração Pública que, limitando ou

287
Citado diploma elenca, ainda, as punições administrativas cabíveis, sendo estas:
advertência; multa simples; multa diária; apreensão dos animais, produtos e
subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de
qualquer natureza utilizados na infração; destruição ou inutilização do produto;
suspensão de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou atividade;
demolição de obra; suspensão parcial ou total de atividades; e restritiva de direito (art.
72)28.
No caso analisado, as entidades qualificadas enquanto competentes para tão
responsabilização administrativa são o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (Instituto Chico Mendes), a SEMACE (Superintendência Estadual
do Meio Ambiente) e a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SEUMA),
em conformidade com o art. 6º da LEI Nº 6.938/81.

4. CONCLUSÃO

Com efeito, a conduta de desmatamento de área pertinente à Unidade de


Conservação de Proteção Integral, qual seja o Parque Natural Municipal das Dunas
de Sabiaguaba, demanda imediata atuação das instâncias responsáveis,
notadamente ao considerando a imperiosidade do resguardo do Direito ao Meio-
Ambiente ecologicamente equilibrado.
A urgência de medidas que coíbam o desmatamento cotejado sobreleva-se em face
da reiterada proteção legal da área degrada, sobretudo ao considerarmos sua
qualificação como especialmente protegida sob a égide dos Decretos Municipais n.
11986/2006 e 11987/2006 – que estabelece a poligonal da Unidade de Conservação
do Parque Municipal Natural das Dunas da Sabiaguaba; da Resolução Nº 303/02 do
CONAMA – que prevê a caracterização do ecossistema de Dunas enquanto Área de
Preservação Permanente; e da Lei Complementar n. 62/2009 – que considera esta
área como Zona de Proteção Ambiental.
Em persistindo as práticas de desmatamento - face à ausência de aplicação das penas
advindas da tríplice responsabilização caracterizada -, restará menoscabada tanto a
legislação cotejada, evidenciando-se, diante da mora de uma atuação, a ineficiência
das previsões legislativas inócuas.

5. REFERÊNCIAS

disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de
interesse público vinculado à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e
do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do
Poder Público, à tranquilidade pública ou mesmo respeito à propriedade e aos direitos individuais e
coletivos.”
28
Por oportuno, destaque-se, que, de acordo com o art. 16 do Decreto Nº 6.514/ 2008, que regulamenta
as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, no caso de áreas irregularmente desmatadas
ou queimadas, o agente responsável pela autuação deverá embargar “quaisquer obras ou atividades
nelas localizadas ou desenvolvidas, excetuando as atividades de subsistência” (caput), colhendo,
ainda, todas as provas possíveis de autoria e materialidade, bem como da extensão do dano”.

288
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