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O CONSENSO FABRICADO PELA OCDE NO INTERIOR DO CONSELHO

ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE SANTA CATARINA

Siems, Fernanda Denise1

RESUMO: Esse estudo tem por objetivo refletir sobre o papel do Conselho Estadual de
Educação de Santa Catarina (CEESC) na legitimação de reformas educacionais ocorridas no
Estado de 2010 a 2017, sob uma concepção “Gerencialista”, e alinhadas com as orientações
expressas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Apoiamos as reflexões aqui apresentadas na revisão da literatura e em análise documental,
que desse modo puderam constatar que tais reformas, que ocasionaram modificações na
estrutura organizacional da Educação pública de Santa Catarina, no que concerne ao Estatuto
do Magistério, a carreira docente e a formação dos professores, ocorreram pela mediação do
Conselho Estadual de Santa Catarina às recomendações desta organização internacional.

Palavras Chave: OCDE. Gerencialismo. Conselhos Estaduais.

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Mestranda do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de Santa
Catarina UFSC.e-mail: fernandads@sed.sc.gov.br
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INTRODUÇÃO

Ao elegermos como tema central desta pesquisa uma mediação entre uma instituição,
o CEESC e uma organização, a OCDE, pretendemos também abrir a discussão para as
diferenças de natureza entre elas e a enorme contradição que aí se encontra posta, pois como
aponta Chauí (2001),

Uma instituição tem a sociedade como seu princípio e sua referência


valorativa, enquanto a organização tem apenas a si mesma como referência, num
processo de competição com outras que fixaram os mesmos objetivos. Nessa
perspectiva, a instituição social aspira à universalidade. A organização sabe que
sua eficácia e seu sucesso dependem de sua particularidade. (CHAUÍ, 2001 )

Uma instituição tem sua marca, pela rede que forma com as outras, pela busca de
reconhecimento e legitimidade contínuas, é uma temporalidade aberta. A organização opera
num tempo e espaço pré-determinados, delimitados e tem um tempo efêmero. Não tem
relação com a temporalidade da história. A instituição é sempre histórica!

A instituição, portanto, nas palavras de Chauí, é o lugar das relações da continuidade,


da transformação, enquanto a organização é o lugar da fragmentação, da particularização, da
descontinuidade e do efêmero. O neoliberalismo opera com as organizações. Ele opera pela
destruição das instituições e substituição das instituições pelas organizações.

As reformas educacionais implementadas na Rede Pública Estadual de Santa


Catarina têm sido justificadas pelos diagnósticos das avaliações em larga escala e permitiram
a percepção de uma política pública alinhada às recomendações da OCDE, publicadas num
relatório para o Estado de Santa Catarina, a pedido do então Governador do Estado, Luiz
Henrique da Silveira. Tais reformas contaram com o apoio do Conselho Estadual de
Educação de Santa Catarina (CEE/SC) que serviu de “interlocutor” à OCDE legitimando
propostas que não correspondiam a real situação da educação pública naquele momento e
ainda norteiam as decisões das políticas educacionais até hoje, como por exemplo o Plano
Estadual de Educação.
As reflexões ora apresentadas apoiam-se na análise documental, a fim de
compreender os discursos políticos contidos nos textos, na perspectiva de suas relações com
a sociedade e buscando entender as concepções que os sustentam.
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Compreendemos a educação escolar como constitutiva da totalidade social, e


determinada pelas relações sociais de produção, essencial à produção na sociedade
capitalista, pelo seu papel formativo de trabalhadores para compor o exército de reserva,
garantindo assim a expansão da produção e acumulação do capital.
Diante das exigências do mercado de trabalho, nas novas formas de produção na
base industrial e tecnológica, surge a contradição do grupo dominante de ter que ofertar
educação para formar a classe trabalhadora, sem, no entanto, educá-la a ponto de permitir
que deixem a condição de subordinação. Uma educação que permita o mínimo de
conhecimento necessário para a realização de tarefas do mundo do trabalho, que possa
formar um sujeito flexível e adequado à exploração do capital. Nesse sentido, as constantes
reformas educacionais representam, em última instância, reajustes necessários à manutenção
da exploração e acumulação burguesa, que reduzem as disputas ao plano econômico
corporativo, subsumida a uma lógica gerencial. Desse modo, métodos são criados para
sustentar a nova forma de vida, na condição de exploração capitalista, onde os usos das novas
tecnologias de produção aprofundam a extorsão do trabalho excedente.

METODOLOGIA

Para Poulantzas, (1981, p.67) “nada existe, para esse Estado, que não esteja escrito,
e tudo que nele se faça, deixa uma marca escrita em alguma parte”, (...) que se justifica por
representar mais que “papelada da organização estatal moderna, que não é simples detalhe
pitoresco, mas um traço material essencial à sua existência e funcionamento, cimento interno
de seus intelectuais funcionários” (1981, p.67).
Nessa perspectiva, a pesquisa por documentos que nos dessem as pistas do
movimento das reformas anunciadas acabou por demonstrar que todos esses fenômenos
vinham de um processo mais profundo, ordenados logicamente por relatórios oficiais
norteadores e instituições que realizaram a mediação de propostas que, paulatinamente,
foram sendo implementadas.
A principal fonte documental aqui analisada é uma publicação do Conselho Estadual
de Educação intitulada “Proposição de novos rumos para a qualidade da Educação de
Santa Catarina: Visão do CEE sobre a avaliação da OCDE”, publicado em 2012, que
tomou como base um relatório da OCDE, encomendado pelo Governo do Estado de Santa
Catarina entre 2008 e 2010.
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RESULTADOS

A experiência brasileira no campo da educação, mostra que todos os conselhos


historicamente se constituíram para amortecer os conflitos sociais. Para Leher (2004) , em
que pesem os fracassos na maior parte das vezes, os conselhos lançaram raízes profundas na
memória dos movimentos sociais, no entanto, a apropriação feita pelo capitalismo e pelo
pensamento liberal- e também pelo “ neoliberalismo”, “atribui aos conselhos um sentido
completamente diferente daquele da esquerda: enquanto para a esquerda os conselhos
objetivam assegurar a auto-organização e a autodeterminação dos trabalhadores, para os
liberais, e sobretudo, para os neoliberais, os conselhos são instrumentos para ampliar a
privatização do Estado, conforme a lógica do capital”.(LEHER, 2004, p.30).

Nesse sentido, a visão neoliberal tendenciosamente leva à instrumentalização da


instituição, o Conselho Estadual de Educação, encolhendo o espaço público de direitos à
medida que amplia o espaço privado da prestação de serviços, nesse caso, a educação.

O documento em tela não é um documento formal do CEE, como os pareceres e


resoluções. Trata-se de um documento que deixa uma lacuna: qual o papel assumido pelo
Conselho nesse processo que resultou em uma série de reformas educacionais, notadamente
em áreas que não são de sua atuação ou responsabilidade direta como a definição de Estatuto
dos servidores, forma de contratação de pessoal e mudanças na carreira do professor?
O documento é justificado pelo CEE: “por considerar a urgência de promover
mudanças” (CEE, 2012, pág.45), e pondera que se deve considerar “a complexidade e a
demanda de tempo necessárias à implementação de algumas propostas, ” (CEE, 2012,
pág.12). De fato, a política não é feita e finalizada num mesmo momento legislativo e
necessitam serem lidas e entendidas como intervenções textuais, também repletas de
limitações materiais e possibilidades. Shiroma, Campos e Garcia (2005), concordam que “as
recomendações presentes nos documentos de política educacional não são prontamente
assimiláveis ou aplicáveis. Sua implementação exige que sejam traduzidas, interpretadas,
adaptadas de acordo com as vicissitudes e os jogos políticos que configuram o campo da
educação em cada país, região, localidade”.
Contraditoriamente à alegação de que a “educação é uma questão de Estado” (CEE,
pág.11, 2012), o documento foi produzido por intelectuais do setor privado, que ocupavam
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também cargos de confiança na esfera pública. De acordo com Valle (1991, p.278), a
legitimidade do Conselho Estadual de Educação “possibilita a consolidação de grupos
fragmentários ou de interesses”, pela nomeação de pessoas de “notório saber” indicados pelo
Governador do Estado, e abrangem figuras com significativas ligações institucionais,
vinculadas a instituições públicas, privadas e de ensino superior. Esta sistemática é entendida
por VALLE (1991, p.279) como grupos que formam complexos “anéis burocráticos que
visam legitimar seus próprios interesses”.

De acordo com Gramsci, todo grupo social emergindo da história a partir da estrutura
econômica, encontra ou encontrou “ categorias intelectuais preexistentes, que se apresentam
como figuras de uma continuidade histórica ininterrupta, que não é questionada nem pelas
mais complexas mudanças sociais e políticas” (...) que constituem a categoria tradicional”.
(GRAMSCI,1982, p.4)

Desde 1962, os intelectuais que faziam parte do CEE foram assimilados pela nova
ordem capitalista que se apresentava, na ditadura, de forma autoritária, militarista
convivendo sem problemas com o novo cenário que se apresentava. Nesse sentido, tendo em
conta que a classe social que se propõe a ser dominante, cria seus próprios intelectuais, na
função de cimentar sua ideologia nas várias camadas da sociedade

O pilar da implantação da lógica empresarial nos processos de gestão proposto é o


diretor de escola, pautado no fato da escola ter se tornado, segundo o CEESC “refém de
interesses corporativos diversos que dificultam o exercício de competência e cidadania”, e
aponta que a atual forma de provimento dos diretores não favorece a autonomia da escola
sugerindo maior autonomia financeira e “gestão centrada no mérito e na competência”.
(CEE, 2012, p.34). A alteração na forma de provimento dos cargos de Diretor de escola toma
fôlego na crítica que a própria OCDE explicita em sua avaliação, defendendo que a escolha
de diretores por apadrinhamento político, encontra-se “sujeita às inconstâncias que
caracterizam a política partidária”, embora considere também as dificuldades inerentes às
“inconstâncias da preferência popular”.
Se a OCDE se refere à profissão docente como uma carreira “pobre e em declínio”,
desvalorizada pela sociedade, “onde os próprios professores contribuem para alimentar sua
imagem negativa”, o CEESC direciona seu ataque aos cursos de licenciatura, através de um
discurso de desqualificação dos cursos de formação. Nesse sentido defende um currículo
coerente com a prática, propondo um programa de Residência pedagógica, para estudantes
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das licenciaturas, de modo que, em turno alternativo aos estudos acadêmicos, seja destinado
um turno para interação dos formandos ao ambiente escolar. Emerge, nesse contexto, a
definição de “Professor aprendiz” (SIROMA, MICHELS, EVANGELISTA, GARCIA,
2017) sempre inacabado, em eterna formação, cuja atuação se torna utilitarista, esvaziada do
campo teórico.
As lutas dos professores por melhores condições de trabalho e plano de carreira com
remuneração digna tem um longo histórico de disputas no magistério estadual de Santa
Catarina. Os direitos historicamente conquistados pela classe, no documento em tela,
adquirem novo sentido na linguagem da classe dominante: “Preso a mecanismos que não
promovem o profissional e a carreira, e refém de conquistas trabalhistas [...], que se
tornaram um aglomerado de direitos e amarras sem apelo, comparabilidade e valorização
profissional.”; ao que o CEE arremata: “a estrutura do Estado está a serviço dos servidores,
na condição de seu empregador, deixando de ser visto como o espaço público assumido por
carreira centrada na competência técnica,” (CEE, 2012, p.20), restando clara a intenção
para o ajuste de políticas educacionais lastreadas por uma concepção de mundo aliada às
pressões econômicas das agências internacionais.
O CEE sugere a “implantação de novo Estatuto do Magistério e Plano de Carreira e
Cargos e Salários com critérios de acesso e valores salariais competitivos” (CEE, 2012,
p.46). Os novos Planos de Cargos e salários foram aprovados no final de 2015, após um
longo período de greves e manifestações, dividindo a classe definitivamente entre efetivos e
temporários e, de forma perversa, resultou na retirada de direitos conquistados desde 1992.
A ausência de representação do setor público nesta comissão avaliadora do CEE denota a
preocupação com a manutenção e reprodução dos interesses do setor privado, e desconsidera
as vozes das instituições que se tornam objeto das referidas reformas. Nessa perspectiva, o
CEE teve papel ativo para validação da hegemonia discursiva da OCDE, com o propósito de
institucionalizar e levar a cabo as reformas educacionais propostas através de uma
interpretação dialética entre a política global e a local.

REFERÊNCIAS
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CHAUÍ.Marilena: A Universidade Operacional. Folha de São Paulo, 09 de maio de 1999. Caderno


Mais!
EVANGELISTA, Olinda: O que revelam os slogans na política educacional. 1ª
Ed.Araraquara.SP.Junqueira & Marin, 2014.
FERREIRA, M. G. (1990). Conselho Federal de Educação: O coração da reforma.
Tese, Universidade Estadual de Campinas, Campinas
GRAMSCI, Antonio: Os intelectuais e a organização da cultura.Civilização
Brasileira.1982
OCDE: Avaliações de Políticas Nacionais de Educação: Estado de Santa
Catarina.2010.Disponível em :
http://www.oecd.org/education/school/avaliaoesdepoliticasnacionaisdeeducaaoestadodesan
tacatarinabrasil.htm.Acesso em 12 set 2017.
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1980
SANTA CATARINA. Conselho Estadual de Educação. Proposição de novos rumos para
a qualidade da educação em Santa Catarina: visão do CEE sobre a avaliação da
OCDE. DIOESC: Florianópolis,2012.
SHIROMA, Eneida Oto; CAMPOS, Roselane Fátima; GARCIA, Rosalba Maria Cardoso.
Decifrar textos para compreender a política: subsídios teórico-metodológicos para
análise de documentos. Perspectiva, Florianópolis, v. 23, n. 02, dez. 2005. disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/download/9769/8999
VALLE, I. R. Burocratização da educação: um estudo sobre Conselho Estadual de
Educação do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, Ed. da UFSC, 1996.

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