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RESUMO: A Constituição é o principal elemento da ordem jurídica dos países ocidentais. As consti-
tuições elaboradas após a 2ª Guerra Mundial são impregnadas de conteúdos axiológicos com o obje-
tivo de assegurar direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana. O neoconstituciona-
lismo surge como novo paradigma do Estado Democrático de Direito. Na América Latina, em razão
de movimentos sociais acontecidos no início da década de 1980, surge um movimento denominado
“novo constitucionalismo latino-americano”, que propõe a fundação de um novo Estado, o Estado
plurinacional, em que conceitos como legitimidade, participação popular e pluralismo assumem um
novo significado para possibilitar a inclusão de todas as classes sociais no Estado.
Introdução
* Enviado em 5/6, aprovado em 20/7, aceito em 3/8/2012. Texto elaborado com base nas aulas de
Teoria Geral do Direito Público do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Público
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
** Mestranda em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Pós-
Graduada em Direito de Empresa – Universidade Gama Filho; advogada. Faculdade de Direito,
Pós-Graduação. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: marinavitorio@gmail.com.
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tomada de decisões; na vigência dos direitos fundamentais sociais e dos demais direitos;
na busca de um novo papel da sociedade no Estado; e na maior integração de todas as
camadas da população.
Para que se compreendam as alterações e as propostas do novo constitucionalis-
mo, faz-se necessário tecer algumas considerações sobre neoconstitucionalismo, com
o objetivo de identificar as diferenças entre tais movimentos, bem como as principais
propostas trazidas pelo novo constitucionalismo latino-americano.
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impera a individualidade.
Magalhães (2010, p. 97-98) ensina que o constitucionalismo liberal era incompa-
tível, num primeiro momento, com a ideia de democracia ,ou seja,tomada de decisões
a partir da vontade da maioria da população. O constitucionalismo vitorioso das revolu-
ções burguesas garantia a liberdade individual dos homens ricos e brancos. Não houve,
num primeiro momento, qualquer pleito para que o voto fosse universal e garantisse a
manifestação da vontade de toda a população.
A democracia é unida ao constitucionalismo, no século XIX, a partir das reivindi-
cações da classe operária, que começa a se organizar após ser constatada a inexistência
de direitos efetivos para toda a população.
Tais reivindicações sociais, realizadas pelos sindicatos e partidos políticos (recém
surgidos), aliadas ao capitalismo monopolista à crise da sociedade liberal e à 1ª Guerra
Mundial iniciam o constitucionalismo social (OLIVEIRA, 2002, p. 58).
O constitucionalismo social tem como marco inicial as Constituições do México,
de 1917 e da Alemanha, de 1919, a Constituição de Weimar.
Sob a égide do Estado social, os governos passam a intervir na economia e nas
relações privadas para garantir o estado de bem-estar social. Ocorre uma materialização
dos direitos liberais que eram apenas formalmente garantidos e há, em alguma medida,
implementação de direitos sociais.
A sociedade, após a 1ª Guerra Mundial, encontra-se divida em sociedade civil e
Estado. No lugar de uma sociedade composta por proprietários, organizados por um Estado
não intervencionista, surge uma sociedade marcada pelo conflito das diversas camadas
sociais, cada uma buscando o atendimento de seus interesses. O Estado passa a intervir na
economia, garantindo uma artificial livre concorrência que ocasiona desigualdades com-
pensadas por prestações estatais de serviços e pela concessão de direitos sociais.
O direito passa a ser encarado como sistema de regras e princípios otimizáveis e
encerra objetivos a serem realizáveis (OLIVEIRA, 2002, p. 59).
O princípio da separação de poderes é visto sob outra ótica: fala-se em funções
do Estado. O Poder Legislativo, além de elaborar as leis, assume a função de fiscalizar o
Estado; o Executivo passa a ser dotado de instrumentos de intervenção no mercado para
realizar e garantir o interesse público; e o Judiciário, a exercer a função jurisdicional
para garantir a densificação do Direito.
Apesar de todas essas propostas, o Estado social não conseguiu efetivar os inúme-
ros direitos previstos e realizar a democratização econômica e social.
A existência de normas constitucionais prevendo direitos sociais e estabelecendo
limites à atuação do poder estatal não impediu a ocorrência de duas guerras mundiais
no século passado.
Após a 2ª Guerra Mundial, os países europeus, como forma de repudiar os hor-
rores vividos, passaram a introduzir em suas constituições valores como a dignidade da
pessoa humana e normas de direitos fundamentais. Nesse sentido, Barcellos aduz que:
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O termo neoconstitucionalismo foi usado pela primeira vez pela autora italiana
Suzanna Pozzolo, em 1993, durante uma conferência em Buenos Aires. Na oportunidade,
a autora usou o termo para “denominar um certo modo antijuspositivista de se aproxi-
mar o direito” (DUARTE; POZZOLO, 2006, p.77).
Desde então, muitos estudos vêm sendo elaborados para delinear os contornos
desse movimento. Destaque-se a publicação da obra Neoconstitucionalismo(s) (2003),
organizada pelo jurista mexicano Miguel Carbonell, em que renomados juristas interna-
cionais se debruçaram sobre o tema.
Entre os juristas nacionais, como afirma Maia (2009, p. 153), destacam-se Luís
Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos – ambos ligados à Universidade do Estado do
Rio de Janeiro – como estudiosos sobre o tema.
Após as considerações iniciais, far-se-á a conceituação e indicação dos aspectos
relevantes do neoconstitucionalismo.
Streck (2009), ao apontar o neoconstitucionalismo como um movimento que pro-
move uma ruptura do paradigma do Estado “liberal-individualista e formal-burguês”,
afirma que:
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Alguns países da América do Sul vêm passando por um profundo processo de alteração
de suas constituições. O novo modelo é fruto de reivindicações sociais de parcelas histori-
camente excluídas do processo decisório nesses países, notadamente a população indígena.
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O novo constitucionalismo, que nas palavras de Raquel Yrigoyen (2008) pode ser
chamado de “constitucionalismo pluralista”, começou a ser desenvolvido em três ciclos:
a) constitucionalismo multicultural (1982-1988), com a introdução do conceito de diver-
sidade cultural e o reconhecimento de direitos indígenas específicos; b) constituciona-
lismo pluricultural (1988-2005), com a adoção do conceito de “nação multiétnica” e o
desenvolvimento do pluralismo jurídico interno, sendo incorporados vários direitos indí-
genas ao catálogo de direitos fundamentais; c) constitucionalismo plurinacional (2006-
2009), no contexto da aprovação da Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos
povos indígenas – neste ciclo há a demanda pela criação de um Estado plurinacional e de
um pluralismo jurídico igualitário.
Cesar Augusto Baldi identifica as principais características do novo constituciona-
lismo latino-americano:
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Como bem destaca o professor José Luiz Quadros de Magalhães (2008, p. 203), o no-
vo constitucionalismo levou à implantação do Estado plurinacional na Bolívia e Equador.
Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 17-18) ensina que o conceito de plurina-
cionalidade, do qual derivam a interculturalidade e pós-colonialidade, está presente
em vários países, como Canadá, Suíça e Bélgica. O autor português destaca a existência
de dois conceitos de nação: o primeiro, liberal, em que há identificação entre nação e
Estado, unificando-se os conceitos – uma nação, um Estado; o segundo conceito, desen-
volvido pelos índios, está ligado à autodeterminação.
SANTOS (2007, p. 18) afirma que o conceito de plurinacionalidade obriga a re-
fundação do Estado moderno, pois o Estado plurinacional deve congregar diferentes
conceitos de nação dentro do mesmo Estado.
O Estado plurinacional condensa as principais propostas do novo constitucionalis-
mo, sendo uma resposta à ideia uniformizadora instituída pelo Estado nacional, em que
o Estado e a Constituição são a representação de uma única nação, um único direito,
sem diversidade de interesses, cultura e sem levar em conta a pluralidade existente na
composição do povo.
A título exemplificativo, veja-se a Constituição da Bolívia (2009), em que há tra-
tamento do direito indígena em 80 dos 411 artigos. Ressalte-se os seguintes direitos:
cotas para parlamentares que sejam oriundos dos povos indígenas; garantia de pro-
priedade exclusiva da terra, recursos hídricos e florestais pelas comunidades indígenas;
equivalência entre a justiça indígena e a justiça comum. Todas essas alterações positi-
vam os valores propostos pelo novo constitucionalismo: pluralidade, inclusão, participa-
ção efetiva e maior legitimidade da Constituição e da ordem jurídica.
É oportuna a lição do professor José Luiz Quadros de Magalhães (2008, p. 208),
a qual afirma:
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Conclusão
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