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Não poderia ter feito isso se me importasse com roupas e carros ─ e, de fato, se a
única alternativa que tivesse visto não fosse o topo daquele arranha-céu. Alguns escritores
imigrantes que conheci tomaram empregos de garçons ou vendedores para economizar
dinheiro e criar “uma base financeira” para eles mesmos antes de tentarem viver de
escrever; um deles agora é dono duma cadeia de restaurantes e é mais rico do que eu
jamais seria, mas nem ele nem os outros voltaram à escrita. Você tem que se decidir o
que é mais importante: viver bem ou escrever bem. Não se atormente com ambições
contraditórias.
3. DEVERÁS SONHAR E ESCREVER, E ESCREVER E REESCREVER
Não deixe que lhe digam que você está perdendo seu tempo quando está olhando
para o vazio. Não há outra maneira de conceber o mundo imaginário.
Eu nunca sento em frente a uma página em branco para inventar algo. Eu sonho
acordado com meus personagens, as vidas deles, os conflitos, e quando a cena já
aconteceu em minha imaginação e eu sei o que meus personagens sentiram, disseram ou
fizeram, pego a caneta e papel e tento reportar o que eu testemunhei.
Quando eu termino de escrever e digitar meu testemunho, leio de novo e noto que
a maior parte do que escrevi é:
A) Confuso
B) Impreciso
C) Pomposo
D) Simplesmente inverossímil
Foi essa forma de trabalho que me fez notar, quando estava aprendendo inglês,
que meu maior problema não era a linguagem, mas, como sempre, acertar as coisas em
minha cabeça.
A maioria dos livros ruins terminam assim porque os autores são engajados em
tentar justificar a eles mesmos. Se um autor vaidoso é alcoólatra, então o personagem
mais simpaticamente retratado no livro será um alcóolatra. Esse tipo de coisa é muito
chato para quem está de fora. Se você pensa que é racional, sábio, bom, uma maravilha
com o sexo oposto, uma vítima das circunstâncias, então você não se conhece bem o
suficiente para escrever.
Eu parei de me levar a sério aos vinte e sete anos e desde então me vejo como
matéria prima. Eu me utilizo da mesma maneira que um ator utiliza a si mesmo: todos os
personagens ─ homens e mulheres, bons e maus ─ são feitos de mim mesmo mais a
observação.
“Os trabalhos de um gênio são regados com as lágrimas dele”, escreveu Balzac
em “Ilusões Perdidas”. Rejeição, escárnio, pobreza, falhas, a constante luta contra
próprias limitações ─ estes são os principais eventos na vida da maior parte dos grandes
artistas, e se você aspira o mesmo destino que eles, deve se fortalecer aprendendo sobre
eles.
Leia as cartas de Mozart, ao invés. Assim, como específica literatura sobre a vida
de escritor, eu recomendaria “Um quarto só seu”, de Virginia Woolf, o prefácio de Shaw
para “A dama negra dos sonetos”, “Martin Eden”, de Jack London, e, acima de tudo,
“Ilusões Perdidas”, de Balzac.
Não cometa o erro comum de tentar ler para ser bem informado. Ser bem
informado vai lhe tornar o brilho das festas, mas não vai ter absolutamente nenhuma
utilidade para você como escritor. Ler um livro para poder conversar sobre ele não é a
mesma coisa que compreendê-lo. É muito mais útil ler alguns grandes romances de novo
e de novo até que compreender o que as fazem funcionar e como os escritores os
construíram. Você tem que ler o romance umas cinco vezes antes de poder vislumbrar a
estrutura, o que o torna dramático, o que dá ritmo e movimento. As variações de tempo e
andamento, por exemplo: o autor descreve um minuto em duas páginas, depois avança
dois anos em uma frase ─ por quê? Quando você descobre, realmente aprendeu algo.
Cada escritor irá tomar por favoritos aquele de quem ele acha que pode aprender
mais, mas eu fortemente recomendo ficar longe de romances vitorianos, que são crivados
com hipocrisia e explodem de palavras redundantes. Até George Eliot escreveu muito
sobre muito pouco. Quando você se sentir tentado a escrever mais do que deveria, leia
contos de Heinrich von Kleist, que disse mais com menos palavras do que qualquer outro
autor na história da literatura ocidental, com exceção talvez de Pushkin e Machado de
Assis em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Eu os leio regularmente, apenas algumas
páginas por vez, junto a Swift e Sterne, Shakespeare e Mark Twain. Ao menos uma vez
ao ano eu leio algumas obras de Pushkin, Gogol, Tolstói, Dostoiévski, Sendhal e Balzac.
Para minha mente estes romancistas do século XIX são os grandes mestres da prosa, uma
constelação de gênios insuperáveis assim como encontramos na música de Bach a
Beethoven, e eu tento aprender algo deles todo dia. Essa é minha “técnica”.
Mesmo que você viva no fim do mundo, não há motivos para se sentir fora da
realidade. Se você tem uma boa biblioteca cheia de grandes escritores, e se mantiver
relendo-os, terá mais acesso aos segredos da literatura que todos os pedantes culturais que
comandam o cenário nas grandes cidades. Eu conheci um crítico influente de Nova Iorque
que nunca leu Tolstói e se orgulhava disso. Então não perca seu tempo se preocupando
com o que é declarado a tendência do momento, o tema certo ou estilo certo, ou seja lá o
que esteja ganhando prêmios. Modas literárias mudam tão rápido quanto o tamanho das
saias. A única maneira de não ser deixado para trás e se manter agarrado a si mesmo.
Qualquer um que teve sucesso na literatura o fez nos próprios termos.
Isso significa que não há propósito em se forçar a ter interesse em algo que lhe
entedia. Quando eu era jovem, perdi muito tempo tentando descrever roupas e móveis.
Eu não tinha o menor interesse em roupas e móveis, mas Balzac sempre teve interesse
apaixonado por essas coisas e conseguia comunicar até a mim enquanto eu o lia, então
pensei que tinha de dominar a arte de escrever parágrafos excitantes sobre cristaleiras se
quisesse me tornar um bom romancista. Meus esforços estavam condenados e eu acabava
com todo o entusiasmo pelo que estava escrevendo.
Agora só escrevo sobre o que me interessa. Não me importo com o tema: o que
quer que seja que eu não consiga parar de pensar sobre ─ esse é meu tema. Stendhal disse
que literatura é a arte de deixar de fora, e eu deixo de fora tudo o que não me afeta como
importante. Eu mostro pessoas somente nos termos das próprias ações, declarações,
pensamentos, sentimentos, que me chocaram/intrigaram/fascinaram/divertiram.
Não é fácil, é claro, ser fiel ao que você realmente se importa; todos gostaríamos
de ser lembrados como alguém curioso sobre tudo. Quem nunca compareceu a uma festa
sem fingir interesse por algo? Mas quando você escreve, tem de resistir à tentação, e
quando ler o que escreveu, se perguntar sempre: isso realmente me interessa? Eu
realmente me importo?
É nessa fase que eu pondero sobre o capítulo por tempo suficiente para aprendê-
lo de cor ─ eu o recito palavra por palavra para quem estiver disposto a ouvir ─ e se eu
não lembrar de algo, geralmente acho que algo não estava certo. Memória é uma boa
crítica.