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RESUMO: Com o intuito de levantar reflexões acerca das temáticas sociais trabalhadas pela
telenovela2 é que se propõe exemplificar algumas situações, em relação ao trabalho docente3,
que podem representar os (des)caminhos da passagem de telespectador a cidadão,
considerando a importância dos temas lançados frequentemente por esse formato 4, inclusive,
nos meios de comunicação massiva como um todo. Para isso, propõe-se descrever, de maneira
breve, duas pesquisas de Tcc, realizadas, no Campus Universitário do Marajó-Breves, no ano
de 2010.
Introdução
1
Trabalho apresentado em Grupo de Trabalho da II Conferência Sul-Americana e VII Conferência Brasileira de Mídia
Cidadã.
2
Também se utilizará no mesmo sentido a palavra “novela”
3
O fato de exemplificar situações referentes à classe docente é instigante à medida que se acredita que poucos profissionais,
como este, tem um alcance tão grande às massas populacionais, considerando que ele pode trabalhar com alunos oriundos de
diferentes classes sociais.
4
A opção por definir telenovela como formato e não como gênero é feita com base na apresentação de Igor Sacramento, no
Minicurso “Análise dos gêneros televisivos” realizada no dia 03/09/11 como atividade integrante do XXXIV Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação (Recife-PE). Considera-se o formato como uma imobilização do gênero, sendo que
pode existir vários gêneros em um formato.
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Relacionada à proposta do merchandising comercial (bastante comum nas telenovelas de horário nobre) é que a discussão
sistematizada de temáticas sociais em telenovelas recebe o nome de merchandising social.
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1. Mídia e Cidadania
A pretensão nessa parte do trabalho não é propor uma discussão teórica à luz dos
grandes pensadores que discutem o conceito de cidadania. Tampouco fazer uma discussão
exaustiva sobre o conceito de mídia. Mas sim, apresentar algumas reflexões fundamentais de
discussões que emergem a partir da relação mídia e cidadania.
Há algum tempo a discussão acerca do tema cidadania tem conquistado espaços cada
vez maiores, seja em relação ao poder político, seja nos meios de comunicação, bem como
atrai grandes intelectuais e também pessoas com baixa escolaridade, ou outras sem nunca ter
sentado em uma cadeira de escola.
Acredita-se que o interesse pelo tema tem crescido atualmente em função da tentativa
de compreender o exercício da cidadania a partir de fundamentos mais convincentes, bem
6
A escolha em relação à Rede Globo justifica-se pelo fato de ser esta a única emissora de TV a manter, desde sua fundação,
em 1965, uma proposta sistemática e regular de produção de teledramaturgia (que inclusive é modelo para o mundo inteiro),
com vários horários reservados à telenovela em sua grade de programação.
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... De que cidadania fala cada um desses grupos sociais, personagens que ocupam
posições tão diferentes na sociedade? Alguns deles tem acesso a quase todos os bens
e direitos; outros não, em virtude do baixo salário e do não-direito à expressão, à
saúde, à educação, etc. O que é cidadania para uns e o que é para outros? É
importante apreender de que cidadania se fala. (MANZINI-COVRE, 1995, p. 8)
Entende-se que o conceito de cidadania vai muito mais além do que o simples direito
de votar (até porque por si só este não é sinônimo de ser cidadão). Ser cidadão implica ter
direitos e deveres. Implica reconhecer-se como um agente livre para direcionar a própria vida,
para expressar-se e lutar por valores, para comunicar e ter livre acesso a informação.
Em relação a discussão posta e à citação feita é preciso fazer um exercício de reflexão
sobre as diversas especificidades das mais variadas localidades brasileiras. No caso deste
trabalho a proposta é refletir sobre um estudo realizado na Ilha de Marajó.
Antes, vale lembrar a pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgada
em 2011, que elaborou uma classificação das classes econômicas nas diferentes cidades do
país, com base nos dados do censo demográfico de 2010 (IBGE). O levantamento mostra que
o Estado do Pará aparece com dez municípios entre os 50 mais pobres do País. Destes dez,
cinco estão no Marajó. Melgaço, por exemplo, é o quarto município do Brasil em número de
habitantes na classe E (69,1%). Além de Melgaço, estão na lista: Bagre, com apenas 13,8%
das pessoas nas classes A, B e C; Santa Cruz do Arari (15,1%); Chaves (16,1%) e Afuá
(16,3%).
Para uma região como o Marajó, que apresenta mais de 58% de sua população
morando na zona rural, o não-direito à educação, saúde, expressão e à própria comunicação,
parece estar ainda mais evidenciado. Contudo, em relação ao “comunicar-se” com o mundo, a
televisão, que tem um alcance significativo, é um meio que se destaca, representando, para
muitos, uma das raras oportunidades de estar “conectado” ao mundo.
É importante lembrar que “... a televisão fascina, pois ela ajuda milhões de indivíduos
a viver, se distrair e compreender o mundo” (WOLTON, 2007, p. 62). Além disso, em uma
dimensão territorial tão ampla e constituída por contrastes, ela, muitas vezes é a forma mais
prática de lazer, informação, reflexão e aprendizagem para milhões de brasileiros.
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Cómo se está constituyendo el sujeito individual y colectivo como ciudadano de um pais e del mundo, cuando la mayor
parte de su constitución está mediatizada por sus múltiples vínculos com médios y tecnologias de información?
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O campo dos media é a instituição que possui a competência legítima para criar,
impor, manter, sancionar e restabelecer a hierarquia de valores, assim como o
conjunto de regras adequadas a respeito desses valores, no campo específico da
mediação entre os diferentes domínios da experiência sobre os quais superintendem,
como vimos, na modernidade, os diferentes campos sociais.
ação preconceituosa, se constituem em situações cotidianas e são exemplos que poderiam ser
citados como temas comuns na mídia, em que a população aparentemente pauta as demandas,
e a mídia massiva parece ser o caminho mais fácil para a “solução”.
Do ponto de vista da desbanalização da comunicação8 acredita-se que isso é oportuno
para se pensar em mais informação e oportunidades para a população que não tem acesso a
muitos bens e direitos.
Vale ainda lembrar que “o universo mental não está, portanto, dissociado das formas
de produção desse imaginário” (NOVAES, 1991, p. 10). O autor refere-se ao imaginário
estimulado e produzido pela mídia, especialmente a televisão. Porém não seria demais
considerar tal afirmação para a mídia massiva como um todo.
Compreende-se, então, que aquilo que não é visível não tem como apresentar sentido
de existência, logo o dito midiático dá vida a um debate que pode estar adormecido ou não
trabalhado no seio da sociedade. Acredita-se que as telenovelas são exemplos dessa situação e
por isso merecem espaço na discussão aqui proposta.
2. Sobre telenovelas
8
Desbanalizar a comunicação, no contexto atual, consiste em não atribuir-lhe diretamente uma característica funcional,
matemática-informacional ou unicamente midiológica, ou falar simplesmente de uma cultura de massa, mas além disso é
entender sua dinâmica de funcionamento, sua importância, seus obstáculos, seus otimismos, suas potencialidades.
Desbanalizar a comunicação é perpassar sua discussão do campo social, político ou meramente econômico. É chegar ao
campo acadêmico não desprezando nenhum dos fatores ora citados, mas também não sendo reducionista a ponto de se
fragmentar ao sonambulismo (teórico) do qual fala McLuhan
9
De acordo com Borelli (2001, p. 29) a primeira telenovela brasileira foi “Sua vida me pertence”, de Walter Foster, exibida
em 1951, na extinta TV Tupi.
10
A título de informação vale dizer que, criado em 1992, o Núcleo de Pesquisa em Telenovelas (NPTN) da Escola de
Comunicações e Artes (ECA), da USP, foi o primeiro grupo acadêmico do mundo formado com o objetivo de pesquisar e
documentar a produção da telenovela. O livro da professora Maria Ataide Malcher“A memória da telenovela: legitimação e
gerenciamento de sua memória” da Alexa Editora (2003) trata também sobre essa historicidade.
11
Exemplo disso é que recentemente a grade de programação da Rede Globo “ganhou” mais uma telenovela, que é veiculada
às 23 horas (de terça a sexta). De acordo com a professora Maria Ataide Malcher em anos anteriores já houve esse horário
para telenovela, era o horário das grandes experimentações agora há o retorno de mais um horário para telenovela.
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Para se ter uma ideia dessa afirmação “Morde & Assopra” (Globo) voltou a marcar recorde de audiência na Globo. A
trama registrou média de 38 pontos de audiência na segunda-feira (12/09/2011), a maior alcançada pelo folhetim até então...
Cada ponto equivale a pouco mais de 58 mil domicílios na Grande SP. Configura-se assim, dentre as últimas oito novelas,
exibidas no mesmo horário da programação, a que mais tem audiência. Disponível em http://audienciadatv.wordpress.com/.
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Da mesma forma A trama de Aguinaldo Silva (em Fina Estampa), segundo os dados prévios da Grande São Paulo, obteve
40.3 pontos de média, pico de 44 e participação de 59%. Disponível em http://ocanal.org/
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Alguns poderiam ser citados tais como as pessoas paraplégicas e o câncer em História de Amor (1995); As crianças
desaparecidas em Explode Coração (1996); O Alcoolismo em Por Amor (1997); A dependência química em Torre de Babel
(1998); A doação de órgãos em Laços de Família (2000); a cultura mulçumana, clonagem humana e dependência química em
O Clone (2001-2002); A questão dos idosos em Mulheres Apaixonadas (2003); os deficientes visuais em América (2005);
Discussões sobre dislexia em Duas Caras (2007) a dependência química e o uso de drogas em Passione (2010); Tetraplegia
em Viver a Vida (2010)
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Às 14h45 - Vale a pena ver de novo; 17h45 - Malhação, 18h20; 19h30; 21h10; 23h15
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Perceber a telenovela como espaço de problematização é condição sine qua non para
compreender a proposta aqui discutida. Questões que estabelecem elos com o privado e o
público da vida de cada indivíduo, que misturam a notícia com a ficção, que proporcionam o
instigamento à reflexão com o lazer e ajudam a compreender que é possível pautar discussões
sociais a partir das telenovelas.
Como se pode perceber são inúmeros os exemplos que dão visibilidade às questões
sociais na novela e o que se torna visível acaba ganhando legitimidade e sendo pauta no
cotidiano das pessoas. É possível falar, então, de uma passagem de telespectador a cidadão, a
partir das telenovelas? Antes de qualquer esboço de resposta vale dizer que no meio dessa
passagem está a condição de o telespectador se tornar receptor.
A mesma complexidade que exige a tentativa de responder a tal questionamento é a
que gera a necessidade de compreender o percurso do ser telespectador ao ser cidadão. Pois
há dois fatores imprescindíveis que precisam ser esclarecidos. Primeiro, a cidadania não se
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http://www.usp.br/agen/rede341.htm#Telenovela%2%200aprofunda%20temas
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de agendamento, ou seja, a mídia pautando o diálogo na realidade social e mais que isso, a
telenovela pautando a discussão da própria mídia 16.
Motter17 (1998, s/p) afirma ainda que
É nessa perspectiva que será apresentado a seguir o resultado de uma pesquisa feita na
Ilha de Marajó, em relação, a forte presença da televisão, em especial, da telenovela como
fator diferencial para compreender e estimular o debate de várias problemáticas sociais.
16
Segundo a pesquisadora Maria Motter, no caso de Rei do Gado a novela propiciou uma mudança de comportamento dos
telejornais (e, por sua vez, nas audiências), que passaram a tratar os sem-terras com um rosto, uma história, dando até uma
certa legitimidade ao MST
17
Idem
18
A etimologia da palavra dislexia vem do grego DIS-Distúrbio e LEXIA-Linguagem (grego) e leitura (latim). De acordo
com Lanhez e Nico (2002, p.21 apud LOBATO; OLIVEIRA, 2010, p. 34) Dislexia é uma dificuldade que ocorre no processo
de leitura, escrita, soletração e ortografia. Não é uma doença, mas um distúrbio com uma serie de características. Torna-se
evidente na época da alfabetização, embora alguns sintomas já estejam presentes em fase anteriores. Apesar de instrução
convencional, adequada inteligência e oportunidade sociocultural e ausência de distúrbios cognitivos fundamentais, a criança
falha no processo de aquisição da linguagem.
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Tal afirmação é nítida em relação a situação a seguir. No que diz respeito aos pais de
alunos, foram entrevistados 19. Um dos questionamentos elaborados foi se os pais sabiam se
o filho apresentava sinais de dislexia. Entre várias respostas semelhantes, apresenta-se a
seguinte:
Sim meu filho tem dislexia, percebi através de uma novela exibida pela rede globo,
onde tinha uma jovem que apresentava dificuldades parecidas com as do meu filho,
só então procurei primeiro o clinico geral mais nada acusou então me encaminhou
para o fonoaudiólogo que depois de vários testes diagnosticou ele como dislexo,
inclusive na escola que ele estudou anteriormente foi diagnosticado pela mesma
como tendo um distúrbio mental (mãe X, 2010, apud LOBATO; OLIVEIRA p.66).
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Telenovela exibida no período de 01 de outubro de 2007 a 31 de maio de 2008.
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“Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais-Necessidades Educacionais Especiais, Deficiência Múltipla (DMU) é a
associação, no mesmo indivíduo, de duas ou mais deficiências primárias (mental/visual/auditiva/física), com
comprometimentos que acarretam atrasos no desenvolvimento global e na capacidade adaptativa.” (BRASIL, 1999 apud
MACHADO FILHO; CUNHA, 2010, p. 27)
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O termo diz respeito às atuais discussões sobre Pessoas com deficiência e Pessoas não deficientes. Essas
últimas, conforme orientações, devem ser chamadas de comuns.
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deficientes visuais. A partir daí não tive dúvida em que eu queria me especializar”. Neste caso
tem-se a telenovela como um divisor de águas em relação às dúvidas de uma cidadã em
formação.
Uma outra novela citada foi Viver a vida (2009-2010). A discussão sobre tetraplegia
estimulou a “professora A” a fazer mais pesquisas sobre o assunto e a mesma afirma “quando
eu estou desestimulada em minha profissão vem alguma música, filme ou novela e me ajuda a
não desistir. „Viver a vida‟ foi essencial para realimentar minhas esperanças e continuar
minha lida diária”.
A interpretação é a da telenovela como um conforto e ao mesmo tempo como um
reacender de um sentimento morno, mas que quer ser realimentado. O que é possível também
a partir dos gêneros contidos nas novelas.
A partir dessas informações duas reflexões são fundamentais. Primeiro, a contribuição
da telenovela para o exercício de uma profissão. No caso dos professores, não havia um
modelo como docente a ser seguido, mas os temas discutidos pelas telenovelas foram
fundamentais para direcionar, confortar, tirar dúvidas, realimentar o desejo pelo exercício da
docência e ainda de ser um cidadão respeitoso com as pessoas, independentemente, de ser
uma pessoa comum ou não.
Segundo, a maneira como os assuntos foram tratados nas telenovelas contribuíram
para construir uma concepção sobre temas ainda não conhecidos ou não debatidos e também
para desmistificar a visão geral e estereotipada que se tem sobre pessoas com deficiência,
pessoas alcoólatras, dependentes químicos, pessoas com dificuldades de aprendizagem e
outras.
É perceptível, a partir dos exemplos dos trabalhos, que a mídia atua como um
elemento tão importante quanto outras instituições para a formação e informação de
profissionais da educação e dos pais. Destaca-se o papel da telenovela como matriz
instigadora de debates e estímulo à participação social. Essas evidências é que permitem dizer
que a passagem de telespectador a cidadão, principalmente para os de camadas sociais menos
favorecidas, ancora-se na telenovela de uma forma bastante particular, uma vez que esse
formato trabalha uma linguagem compreensível aos seus receptores e instiga a pensar sobre a
própria realidade.
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Considerações Finais
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