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Engenharia espacial y

Novo satélite de
comunicações
SGDC trará ganhos
tecnológicos para o país e
melhorará o sistema de
comunicações civil e militar Guiana Francesa:
fase final de
preparação para ser
acoplado ao foguete
Ariane

U
m novo satélite de comunica-
ções para o Brasil foi lançado
ao espaço em 4 de maio do Cen-
tro Espacial de Kourou, na
Guiana Francesa. Além de conferir maior
autonomia à comunicação civil e à mi-
litar no país, o Satélite Geoestacionário
de Defesa e Comunicações Estratégicas
(SGDC) também deverá trazer ganhos
relevantes para a indústria aeroespacial
brasileira porque o contrato de aquisição
com a fabricante franco-italiana Thales
Alenia Space previu a transferência de
tecnologias para empresas brasileiras
do setor. O SGDC deve levar o sinal de
internet a todos os municípios brasilei-
ros e será a espinha dorsal do sistema de
comunicações das Forças Armadas. Atu-
almente, os satélites utilizados pelo Bra-
sil, tanto na comunicação civil quanto
militar, são gerenciados por estações
terrestres localizadas fora do país ou
controladas por empresas com capital
estrangeiro. “Nos dois casos, o país fica
vulnerável, porque há risco de o sigilo
das informações ser violado e de o ser-
viço ser interrompido em uma situação
esa-cnes-arianespace

de conflito de interesse, levando parte


das telecomunicações ao colapso”, co-
menta Eduardo Bonini, presidente da
Visiona Tecnologia Espacial, de São Jo-

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POR DENTRO DO SGDC Painel espelhado:
regula a temperatura
Aparelho levará o sinal de internet para todo o país e tornará interna do equipamento
mais seguras as comunicações das Forças Armadas

Painéis solares para


captação de energia

Antena de
comunicação

1 OnaSGDC está posicionado a 36 mil km de altitude,


linha do Equador. Nessa órbita, ele gira na
mesma direção e velocidade de rotação da Terra.
Dos mais de 1.400 satélites operacionais, a
metade é de órbita geoestacionária

2 Satélites como o SGDC criam canais de comunicação


entre uma fonte transmissora e outra receptora, situadas
em regiões geográficas distintas. São usados para
transmissão de dados (televisão, telefone, rádio, internet)

O SGDC vai operar em


duas faixas de
frequência: a banda X,
de uso exclusivo das
3 A principal estação de controle do satélite fica 4 O sinal enviado pelo SGDC é captado por Forças Armadas, e a
em Brasília – com uma estação back up no Rio uma rede de antenas distribuídas pelo país, banda Ka, que será
de Janeiro. Outras cinco são responsáveis por que levam o sinal para os consumidores. usada pela Telebras para
enviar para o SGDC sinais eletromagnéticos, que Aviões e navios também irão usar o SGDC ampliar a oferta de
são amplificados e rebatidos de volta ao Brasil para se comunicar com centros de controle banda larga pelo país

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sé dos Campos (SP), empresa coordena-
dora do projeto.
Fruto de uma parceria entre o Minis-
tério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC) e o Ministério Engenheiros
da Defesa, o projeto do SGDC custou R$
2,1 bilhões. O satélite será operado pela brasileiros
Telebras e terá duas faixas de frequência.
A chamada banda Ka, correspondente a
aprenderam
70% de sua capacidade, será usada para a desenvolver
ampliar a oferta de banda larga no país,
atendendo o Programa Nacional de Banda softwares
Larga (PNBL), que prevê levar internet de
qualidade para regiões mais carentes em para controle
infraestrutura e tecnologia. Já a banda X,
com os 30% restantes, será de uso militar.
da posição
Com 5,8 toneladas e 7 metros de al- do satélite em
tura, o artefato está em órbita a 36 mil
SGDC quilômetros da superfície terrestre. O relação à Terra
Satélite funcionamento pleno do SGDC deve
Geoestacionário acontecer em seis meses depois do lan-
de Defesa e çamento, período em que ele passa por
Comunicações ajustes técnicos e se posiciona no local
Estratégicas exato para cobrir todo o território na-
cional e parte do oceano Atlântico. A
Peso vida útil do aparelho é estimada em 18
5,8 toneladas anos. Seu desenvolvimento teve início foi formulado um Plano de Absorção de
em novembro de 2013, quando a Telebras Tecnologia Espacial (PAT), coordenado
Altura contratou a Visiona para coordenar o pela Agência Espacial Brasileira (AEB),
7 metros projeto. A companhia, uma joint-venture com a participação da Visiona, do Ins-
entre a Embraer e a própria Telebras, tituto Nacional de Pesquisas Espaciais
Vida útil havia sido criada um ano antes com fo- (Inpe), do Ministério da Defesa, MCTIC
18 anos co na integração de sistemas espaciais. e Telebras. Foram enviados 51 engenhei-
“Como naquela época o Brasil não pos- ros brasileiros funcionários dessas insti-
suía empresas com domínio tecnológico tuições à Thales, em Cannes e Toulouse,
para projetar e construir um satélite do na França. Eles participaram durante
porte e com as especificações do SGDC, três anos do desenvolvimento do satélite,
procuramos um fornecedor internacio- desde as fases de projeto e engenharia
nal entre as grandes companhias globais até a construção do equipamento e sua
do setor”, conta Bonini. Ao fim de um integração ao foguete Ariane V.
imagem  esa-cnes-arianespace  infográfico  ana paula campos  ilustraçãO  fabio otubo

processo seletivo que durou um ano, a Os engenheiros fizeram simulações de


franco-italiana Thales Alenia Space foi manutenção de órbita e atitude (posição
escolhida como fornecedora do artefato. do satélite em relação à Terra), monta-
A responsabilidade por colocar o satélite gem, integração e testes de módulos e de
em órbita ficou a cargo da Arianespace, várias partes do engenho espacial, além
multinacional francesa que opera os fo- da construção de subsistemas. Segundo
guetes Ariane a partir da base de lança- Bonini, essa cooperação permitiu que os
mentos de Kourou, na Guiana Francesa. engenheiros brasileiros aprendessem a
desenvolver o software de controle de
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA atitude orbital, que, para ele, é o maior
Um aspecto relevante do contrato fir- obstáculo na construção de satélites no
mado entre a Visiona e a Thales é uma Brasil. “Esse programa garantiu que os
cláusula que obriga a fabricante francesa engenheiros participassem do desen-
a repassar tecnologias embarcadas no sa- volvimento do SGDC, trabalhando lado
télite a empresas e órgãos brasileiros. A a lado com técnicos e líderes da Tha-
Thales, pelo contrato, repassou uma lista les em todas as fases do projeto”, conta
de tecnologias espaciais acordada duran- Petrônio Noronha de Souza, diretor de
te a fase de seleção. Em complemento Políticas Espaciais e Investimentos Es-
à transferência de tecnologia, também tratégicos da AEB.

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Quatro
empresas
paulistas
e uma gaúcha
participam do
acordo de
transferência
de tecnologia

Na Thales Alenia
Space, na França,
o SGDC (acima) entra
em uma câmara de
vácuo térmico que
simula o ambiente
espacial. Ao lado, os
painéis solares abertos

Iniciado em 2014, o PAT também ca-


pacitou os profissionais da Telebras e os
militares que irão trabalhar nas estações
de controle do satélite, situadas na Base
Aérea de Brasília e em uma área da Ma-
rinha na Ilha do Governador, na capital
fluminense. Segundo Souza, com a expe-
riência adquirida durante a construção
do satélite, os engenheiros também es-
tarão aptos a atuar em futuros projetos
espaciais civis ou militares, entre eles componentes do sistema de propulsão e tecnologias aplicáveis à construção de
aqueles que integram o Programa Na- sistemas eletrônicos diversos. Em janeiro sistemas de potência e geradores solares
cional de Atividades Espaciais (PNAE) de 2015, a AEB divulgou o resultado de para satélites. Já a AEL Sistema, com se-
e o Programa Estratégico de Sistemas uma chamada pública com o nome das de em Porto Alegre, recebeu o projeto de
Espaciais (Pese), que preveem a cons- cinco primeiras empresas participantes transferência de tecnologia de dois tipos
trução de outros satélites no país com do programa – uma do Rio Grande do de circuitos integrados para aplicações
participação de empresas nacionais. Sul e quatro de São Paulo. embarcadas em satélites.
Além da qualificação de recursos hu- Instalada no Parque Tecnológico
manos via PAT, o contrato do SGDC con- Conhecimento integrado Univap, em São José dos Campos (SP),
templou um Acordo de Transferência de A Fibraforte Engenharia, de São José dos a Equatorial Sistemas foi designada para
Tecnologia Espacial (ToT) firmado entre Campos, foi selecionada para receber receber tecnologias de controle térmi-
a Thales e a Agência Espacial Brasileira capacitação técnica voltada ao domínio co para satélites, e a Cenic Engenharia,
(AEB). O documento previu o repasse do ciclo de desenvolvimento do sistema também de São José dos Campos, ficou
de cerca de 20 tecnologias críticas de de propulsão monopropelente (que usa encarregada do desenvolvimento de es-
satélites da empresa francesa para fa- apenas um combustível) para pequenos truturas mecânicas à base de fibra de
bricantes nacionais, entre elas softwa- satélites, ao passo que a Orbital Enge- carbono para cargas úteis de observação
res do sistema de controle de atitude, nharia, da mesma cidade, irá absorver da Terra, como câmeras ópticas.

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Além do SGDC, o Brasil utiliza cerca
de 45 satélites de comunicação, todos
eles pertencentes a companhias priva-
das, como Globalstar, Iridium e Embra-
tel Star One, detentora da maior frota de
satélites do Brasil e da América Latina.
Hoje, a Embratel Star One é uma multi-
nacional, pertencente ao grupo mexica-
no America Movil, que também é dono
da operadora de telefonia celular Claro
e controla no país nove satélites, entre
eles os Star One C1 e C2, usados pelas
Forças Armadas brasileiras.

SENSORIAMENTO REMOTO
A integração de todos os componentes
do SGDC é o principal projeto da Visio-
na, que tem em seu quadro de funcio-
nários cerca de 30 engenheiros, quase
todos com mestrado, doutorado e com
passagem pelo Plano de Absorção de
Tecnologia Espacial. “Muitos de nos-
sos profissionais trabalharam anos no
Inpe e têm vasta experiência”, afirma
Bonini. Segundo ele, ao participar como
coordenadora do programa do SGDC,
Montagem do satélite a empresa pôde se estruturar para ou-
de 7 metros de tros desafios. “Temos condições de cons-
altura envolveu, além
dos técnicos franceses,
truir satélites menores, de 100 quilos,
51 engenheiros de órbita baixa, entre 600 e mil quilô-
brasileiros metros, para aplicações de sensoria-
mento remoto, meteorologia, observa-
ção e coleta de dados”, diz o presidente
da Visiona.
“As cinco empresas estão cumprindo contam com seu próprio satélite geoesta- Enquanto a demanda por novos dis-
um plano de trabalho e recebendo as- cionário de comunicações, que se encon- positivos não vem, a empresa aposta em
sistência periódica da Thales. Temos a tra sempre em um mesmo ponto fixo no uma outra área de negócio: o desenvolvi-
intenção de fazer uma nova chamada e espaço, sobre a linha do Equador a uma mento de projetos de sensoriamento re-
selecionar mais empresas para participar altitude de 35.786 quilômetros, e gira na moto no Brasil e em países vizinhos em
do programa. Pelo acordo com a Thales, mesma velocidade da Terra. áreas como defesa, proteção ambiental,
podemos implementar a transferência Em 1985, o Brasil entrou nesse grupo prevenção de desastres naturais, energia
de tecnologia em até dois anos após o por meio do Brasilsat A1 lançado pela e planejamento territorial. A empresa
lançamento do satélite, o que já esta- Empresa Brasileira de Telecomunicações faturou com esse serviço R$ 8,5 milhões
mos fazendo”, explica Petrônio Souza, (Embratel). “A Embratel, na condição de em 2016 e conquistou projetos relevan-
da AEB. Segundo ele, um próximo saté- empresa estatal, foi pioneira ao lançar, em tes com o Inpe, no combate ao desmata-
lite de comunicação brasileiro já deverá 1985, o primeiro satélite geoestacionário mento da Amazônia, e com a Petrobras,
contar com equipamentos desenvolvidos de comunicações do país, o Brasilsat A1, no monitoramento ambiental da Bacia
por empresas nacionais. de uso essencialmente civil. Nove anos de Campos, no Rio de Janeiro. Para is-
“A curto e médio prazo não seremos depois, ainda como empresa governa- so, a Visiona, que não é proprietária de
capazes de fazer um satélite com esse mental, colocou em operação o Brasil- satélites, firmou acordos de compra de
grau de complexidade, mas poderemos sat B1, primeiro satélite geoestacionário imagens com alguns dos principais ope-
implementar vários conteúdos nacionais”, brasileiro de uso civil e também mili- radores de satélites de observação da
analisa. Bonini, da Visiona, anunciou que tar, desativado em 2010”, conta Lincoln Terra, entre eles Airbus, DigitalGlobe,
fotos  esa-cnes-arianespace

a empresa já faz testes em um sistema de Oliveira, diretor-geral da Embratel Star Restec e SI Imaging Services. No total,
controle de atitude e órbita totalmente One, nome atual da empresa privatizada ela terá acesso a uma rede de cerca de
feito no Brasil. Se der certo, poderá ser em 1998. Na sequência vieram o B3 e o 28 satélites. “Essas parcerias nos per-
utilizado em futuros satélites brasileiros. B4, esse último já na fase que o governo mitem desenvolver soluções integra-
Com o SGDC, o Brasil regressa ao re- havia decidido privatizar as telecomu- das na área de sensoriamento remoto”,
duzido grupo de países cujos governos nicações do país. avalia Bonini. n Yuri Vasconcelos

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