Você está na página 1de 18

Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Ciências Sociais


Relações Internacionais

A era Lula e as Mudanças Climáticas: uma análise do tratamento doméstico das


questões internacionais

Trabalho realizado para a Disciplina


de Interpretação e Produção de
Textos do curso de Relações
Internacionais

Goiânia, 2018
Abstract:
Em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas para o meio ambiente e
Desenvolvimento, era assinada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
do Clima (UNFCCC), que colocava na agenda internacional a questão das mudanças
climáticas, assunto cada vez mais preocupante no cenário internacional. Partindo desta
perspectiva, o Brasil buscou, desde a criação da nova Constituição em 1988, adotar uma
postura internacional ambientalmente responsável. Apesar de ser visível em todos os
governos, é no período Lula que o conflito entre desenvolvimento e preservação do meio
ambiente é mais claro. Nesse sentido, o presente artigo procura entender como o governo
se comportou internacionalmente e domesticamente em relação às questões ambientais.
Para tanto, foi analisada a inserção do Brasil no regime de mudanças climáticas,
elencando seus paralelos com as políticas domésticas, utilizando dados sobre o
desmatamento na Amazônia e ressaltando a influência direta que este possui em relação
às emissões de Gases de Efeito Estufa do Brasil. Desse modo, foi possível visualizar a
relação intrínseca entre a política doméstica e a política externa do Brasil nesse quesito e,
com isso, entender como as questões relacionadas às mudanças climáticas foram
incorporadas na agenda doméstica durante esse período, que vai de 2003 a 2011.

Palavras-chave: Lula; Meio ambiente; Desenvolvimento; Mudanças Climáticas;


Amazônia;
Introdução

No período da Primeira Revolução Industrial, protagonizada pela Inglaterra do


século XVIII e XIX, os ingleses vivenciaram os problemas que uma não preocupação ou
indiferença em relação ao modelo de desenvolvimento em detrimento do meio ambiente
poderiam causar (BURNS, 1995). Devido à industrialização e o uso do carvão como fonte
primária de energia, que além de poluir o ar causa o desmatamento, os habitantes das
regiões mais industrializadas sofriam com doenças respiratórias (BURNS,1995).

Desde então, muitas revoluções nos modelos de desenvolvimento ocorreram e


poucas eram as preocupações com o futuro do meio ambiente e o futuro da humanidade.
A mudança desse cenário chega ao âmbito das relações internacionais muito tempo
depois. Um dos acontecimentos mais marcantes dessa nova visão a respeito do meio
ambiente e, mais especificamente, sobre mudanças climáticas, foi a criação, na década de
1980, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

Com uma série de relatórios feitos pelo IPCC, diversos países preocupados com a
situação climática do planeta se dispuseram a criar a Convenção Quadro das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas, em 1992, que divide os Estados signatários em dois
grupos: pertencentes ao Anexo I, composto por países desenvolvidos (membros da
OCDE) e não pertencentes ao Anexo I, composto pelos demais países (VIOLA, 2002).
Logo depois, em 1997, é assinado o Protocolo de Quioto, que dá maior visibilidade para
esse movimento.

A divisão feita entre os países segue o princípio das “responsabilidades comuns,


porém diferenciadas”, que moldou todo o sistema do regime que viria a nascer a partir de
então. Com isso, o Protocolo de Quioto estipula metas de redução das emissões de Gases
de Efeito Estufa (GEE) por parte dos países pertencentes ao Anexo I. O prazo para que
essa redução ocorresse foi de 2008 a 2012 (MOREIRA, 2012). Desde então, foram
realizadas diversas Conferência das Partes (COPs) entre esses países, que visavam manter
regularmente sob exame e tomar as decisões necessárias para promover a efetiva adoção
do que foi acordado na Convenção (MMA, Brasil).

Pode-se perceber que o sucesso do Regime Internacional de Mudanças Climáticas


depende principalmente da política externa dos países. A comunidade internacional, bem
como as posições políticas dos governos nacionais, exerce enorme influência sobre as
decisões dos países no que diz respeito ao seguimento ou rechaço das normas
internacionais. Logo, entender como a política externa, em harmonia com a política
doméstica, de um país trabalha nesse contexto é uma forma de entender como o regime,
no sentido mais amplo, funciona. Tendo isso em mente, o presente artigo pretende
analisar a política externa do Brasil no que diz respeito ao Regime de Mudanças
Climáticas buscando entender se há coerência ou ambiguidade entre as ações internas e
externas do Brasil nesse contexto.

Para tanto, será feito um breve histórico do Regime de Mudanças Climáticas até
o ano em que Lula é eleito (2002), bem como será revisitada a inserção brasileira nesse
contexto. Tendo feito isto, será feita uma análise do período em que Lula está no poder
no que tange sua preocupação com as questões globais de meio ambiente e mudanças
climáticas e com essa análise se buscará entender como esse contexto internacional afetou
as políticas domésticas dessa temática.

Evolução do Regime de Mudanças Climáticas

O meio ambiente tem ocupado cada vez mais a agenda internacional. Desde a
década de 1960, as principais potências econômicas mundiais como Estados Unidos e
União Europeia incluíram as questões ambientais em suas discussões internacionais. Tal
movimento levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a convocar uma grande
conferência para a discussão ampliada sobre o tema entre os países participes da
organização.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano que ocorreu em


Estocolmo, capital da Suécia, em 1972 foi palco de intensos debates à respeito de quem
seriam os responsáveis por colocar a Terra, e consequentemente a espécie humana, na
situação em que se encontrava. O conflito entre países desenvolvidos e os países em
desenvolvimento, de certa forma, moldou a agenda ambiental do Sistema das Nações
Unidas naquele momento.

Como resultado da Conferência de Estocolmo, foi criado um Manifesto com 19


princípios acordados entre os países participantes da reunião que demonstraram a boa-
vontade em resolver as questões relacionadas ao meio ambiente. Além disso, criou-se em
dezembro daquele mesmo ano o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA), que ficaria responsável por promover as discussões em torno do tema.

Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, das


Nações Unidas, tornou público o relatório intitulado “Nosso Futuro Comum”. O
documento criado sob a presidência de Gro Harlem Brundtland, ex-Primeira Ministra da
Noruega, ressaltava o comportamento autodestrutivo promovido por países na busca do
desenvolvimento ou manutenção de suas economias. Ao mesmo tempo, era lançada a
ideia do desenvolvimento sustentável, que pregava a busca pelo desenvolvimento
econômico aliado à preservação dos recursos naturais limitados.

Outro grande reflexo desse relatório foi a criação do Painel Intergovernamental


sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 1988. Através de uma parceria entre o PNUMA
e a Organização Meteorológica Mundial (OMM), o IPCC foi constituído para preparar,
com embasamento científico, estudos sobre as mudanças climáticas e seus impactos, com
o intuito de formularem estratégias de respostas eficientes e eficazes.

A primeira tarefa do IPCC, designada no âmbito da Assembleia Geral pela


resolução 43/53 de 6 de dezembro de 1988 era:

Preparar uma revisão compreensiva e recomendações a respeito do


estado de conhecimento da ciência das mudanças climáticas; dos
impactos sociais e econômicos das mudanças climáticas, e possíveis
estratégias de resposta e elementos para a inclusão em uma possível
futura convenção internacional sobre o clima. (IPCC, tradução do autor)

No ano de 1990, por meio da reunião de diversos cientistas, foi publicado o


primeiro relatório do IPCC, no qual ressaltava-se a importância da temática sobre
mudanças climáticas e a necessidade da cooperação internacional para o enfrentamento
das consequências dessas mudanças. Desse modo, a questão foi consolidada na agenda
internacional, assim como o IPCC foi considerada a principal fonte de informação sobre
a questão das Mudanças Climáticas globais.

O tema avança quando, durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992 no Rio de Janeiro, é apresentada
a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). A
Convenção-Quadro colocava no debate central a questão das mudanças climáticas, além
de trilhar o caminho para a elaboração de metas mais claras, através da Agenda 21, no
lugar de objetivos vagos e abrangentes. (LAGO, 2007)

A Agenda 21 foi assinada em junho de 1992 por 179 países, e pode ser definida
de maneira geral como um instrumento de planejamento participativo que visa o
desenvolvimento sustentável. É quando se consolida a ideia do “agir localmente para
impactar globalmente”. Através desse documento, a ONU e os países participes
“procuraram identificar os problemas prioritários, os recursos e meios para enfrenta-los e
as metas para as próximas décadas” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1995).

Na medida em que o tema era discutido, era enfatizada a necessidade de criação


de algum acordo mais sólido que buscasse estabelecer metas claras a serem cumpridas
em prol do meio ambiente global. Desse modo, em 1997, após uma série de negociações,
foi aberto à assinaturas o Protocolo de Quioto. O acordo internacional buscava propor
ações mais tangíveis e aplicáveis para a redução das emissões de Gases de Efeito Estufa
(GEE), a principal causa das mudanças climáticas, por parte dos países. Para tanto, o
Protocolo dividia os países em Pertencentes ao Anexo I (países da OCDE), e os Não
Pertencentes ao Anexo I (países em desenvolvimento).

A divisão dos países nesses dois grupos gerou intenso debate, uma vez que os
países pertencentes ao Anexo I se viram presos aos compromissos obrigatórios de
emissões máximas a serem cumpridos até o ano de 2010, enquanto que os não
pertencentes ao Anexo I não eram obrigados a cumprir metas tão severas em um primeiro
momento. Era o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Com isso,
países importantes, como os Estados Unidos, travaram o acordo domesticamente

(VIOLA, 2002).

As negociações se arrastaram até 2001, quando, na Conferência das Partes de


Marrakesh (COP 7), foram acordadas as regras detalhadas para a implementação do
tratado, entrando em vigor somente em 2005, quando a Rússia entra no acordo,
completando assim o critério estabelecido de no mínimo 50% dos responsáveis pelas
emissões globais de GEE ratificarem o tratado em seus países.

Em 2002, ocorreu a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em


Johanesburgo, África do Sul. O objetivo central da reunião era realizar uma espécie de
revisão do progresso alcançado na implementação dos resultados da Rio 92, e mais
especificamente da Agenda 21, como disposto na Resolução 55/199 da Assembleia Geral
das Nações Unidas (LAGO, 2007).

A Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável, documento


gerado a partir das reuniões da Cúpula em 2002, mostrava que o anseio de promover o
desenvolvimento sustentável e combater os problemas ambientais exigiam muito
investimento, fato que inibia muitos países de participarem ativamente do processo. Além
disso, colocava em destaque o papel do homem no processo, bem como o seu
protagonismo, inserindo na agenda questões como a desigualdade social, por exemplo.

Apesar de toda a movimentação e dos inúmeros debates que ocorreram no âmbito


da reunião, segundo Pereira (PEREIRA, 2002), consultor Legislativo da Câmara dos
Deputados, em relatório especial:

Do encontro não saiu projeto que iniba a degradação da Terra e


prevalecem as incertezas em relação ao futuro do planeta. Foram duas
semanas de intensas conversas e debates acalorados, sem que se
chegasse a um entendimento mínimo entre os 189 países participantes
da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. Numa atitude
racional e emergencial diante da morosidade das decisões e do pouco
avanço nas negociações, os delegados das nações aliaram-se aos
ambientalistas para que pelo menos não houvesse algum tipo de
retrocesso em relação ao que fora acordado na Eco92, realizada no Rio
de Janeiro. Ficou evidente que não há, pelo menos por enquanto,
nenhum grande projeto para salvar a Terra da degradação ambiental.
(PEREIRA, 2002, p. 6)

Tendo dito isso, é possível perceber que os primeiros anos do século XXI foram
marcados por muitos debates sobre a temática ambiental, em especial sobre mudanças
climáticas, reforçando o caráter permanente que este assunto assumiu na agenda global.
Mesmo assim, até então pouco fora efetivamente realizado, ou acordado em nível
internacional para que houvessem mudanças significativas.

A inserção do Brasil no Regime de Mudanças Climáticas


O posicionamento brasileiro em relação à temática ambiental apresentou uma
clara mudança na medida em que aspectos da própria política doméstica passaram por
modificações. Tomando como marcos as grandes conferências ambientais internacionais,
como a de Estocolmo, na Suécia em 1972, passando pela Rio 92, e chegando à Cúpula de
Joanesburgo em 2002, o Brasil passou de um ator reativo para um ator ativo (SARAIVA,
2009).

Durante a Conferência de Estocolmo, o posicionamento do Brasil era reflexo da


“articulação defensiva dos países periféricos em nome da defesa pelo desenvolvimento”
(LAGO, 2007). O contexto global da Guerra Fria e o medo de uma tentativa de
congelamento do poder mundial por parte dos países do primeiro mundo, exerceram forte
influência sobre o comportamento dos países que buscavam o próprio desenvolvimento
econômico (LAGO, 2007).

Essa postura advinha do crescimento econômico excepcional pelo qual o país


estava passando e que ficara conhecido como o milagre econômico. Ademais, o discurso
era endossado pelo slogan adotado pelo general no poder, Emílio Garrastazú Médici, de
Brasil Potência. Havia então um receio de que possíveis compromissos em relação ao
meio ambiente pudessem limitar ou arrefecer o momento pelo qual o país passava
(SARAIVA, 2009).

A partir da década de 1980, o mundo passa por grandes mudanças paradigmáticas.


Com a evolução tecnológica, que proporcionou um acesso maior à informação por parte
da sociedade civil, o Brasil se viu em desvantagem em relação às mudanças do mercado
internacional. O uso intensivo de recursos naturais clássicos como a madeira e
combustíveis fósseis, passa a ser visto de maneira negativa, o que gera a necessidade de
mudanças. (VIOLA, 2002)

No contexto brasileiro, empreendimentos de alto impacto ambiental, como a


Transamazônica e a Foz do Iguaçu, além da taxa de desmatamento alarmante registrada
em 1988, de 21.050 km²,chamaram a atenção internacional para as consequências de uma
política frouxa em relação ao meio ambiente. Soma-se a isso os conflitos territoriais entre
comunidades tradicionais e seringueiros, que culmina em dezembro de 1988, na morte do
ativista ambiental Chico Mendes. (IBAMA, 2018)
Para Corrêa do Lago (2007) esse momento foi ainda mais importante para o Brasil.
A redemocratização e abertura política deu maior espaço para grupos da sociedade civil,
rompendo com a ideia de Estado centralizador dominante até então. Desse modo,
puderam emergir com mais força instituições e grupos de interesses preocupados com
“novos temas”, entre eles os direitos humanos e o meio ambiente. Mesmo assim, a
temática ambiental foi colocada em segundo plano, uma vez que o país enfrentava
questões tidas como mais sérias, por exemplo, o aumento da criminalidade e a condição
precária da saúde pública.

A constituição brasileira de 1988 foi outro marco da transição do pensamento


brasileiro em relação à temática ambiental. A defesa do meio ambiente foi situada entre
os nove princípios gerais da atividade econômica e teve um capítulo dedicado
exclusivamente para tratar sobre o Meio Ambiente (Art. 225, Título VIII, “da ordem
social”). (LAGO, 2007). Isso pode ser visto como um reflexo dos desdobramentos
externos sobre o tratamento da questão no nível doméstico.

Em fevereiro de 1989, a Lei nº 7.735, integra as diversas instituições do governo


federal que possuíam, muitas vezes, visões sobrepostas e até contraditórias, em um só
órgão. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), foi criado com o intuito de “proteger o meio ambiente, garantir a qualidade
ambiental e assegurar a sustentabilidade no uso dos recursos naturais, executando as ações
de competência federal” (IBAMA, 2018).

O engajamento internacional do Brasil nessa temática, bem como o tratamento


dado à Amazônia pela mídia internacional a partir da segunda metade da década de 80,
tornou possível a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento no Rio de Janeiro, em 1992, quando Collor estava no governo. Para
Viola (1997), Collor conseguiu enxergar na postura ambientalista um meio de ganhar a
confiança da opinião pública dos países desenvolvidos e de alguma forma angariar
investimentos estrangeiros. Ademais, o então presidente viu uma oportunidade de projetar
sua própria imagem internacionalmente.

A importância dada pelo Brasil à conferência é expressa pela própria delegação


brasileira, que era composta por mais de 150 membros oficiais do governo federal, de
governos estaduais e municipais, e parlamentares. Mesmo com apenas oito representantes
de organizações não governamentais, a participação brasileira foi a mais expressiva do
evento. (LAGO, 2007)

Em relação à Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima, André Aranha


Corrêa do Lago (2007) relata a ação brasileira em busca da retirada das negociações das
mãos do PNUMA, para colocá-las nas mãos na Assembleia Geral das Nações Unidas,
tentando assim ressaltar o caráter político da questão. Outra ação importante do Brasil diz
respeito à tentativa de evitar “manobras que dariam ênfase ao papel das florestas como
sumidouros de CO2” (LAGO, 2007), pois isso de certo modo transferia a
responsabilidade de combater as emissões de GEE para os países que continham florestas.

Mesmo com uma postura contundente, além da preocupação de manter uma


imagem responsável em relação ao meio ambiente, o que se vê na prática internamente é
distante do que foi propugnado nos foros internacionais. De 1970 a 1995 as emissões
brutas de GEE brasileiras passaram de 285 para 2.703 Mt CO2e (milhões de toneladas de
CO2 equivalente). Até 1992, data da Conferência do Rio, as emissões chegaram a cerca
de 1625 Mt CO2e. Grande parte das emissões se deve à mudança de uso da terra, que se
refere basicamente ao desmatamento (maior emissão) e à conservação/reflorestamento
(menor emissão) (SEEG, 2015). De 1988 a 1995, o desmatamento da Amazônia legal
saiu de cerca de 21.000 km² por ano para cerca de 29.000km², atingindo um pico inédito
na história do Brasil (SEEG, 2015).

Com esses dados, entende-se a preocupação brasileira em tentar evitar as


discussões sobre os sumidouros de CO2 na Conferência do Rio. Mesmo com a grande
capacidade florestal e energética limpa brasileira, havia o receio de que para atingir o
desenvolvimento econômico, o país deveria necessariamente passar por um processo de
desmatamento. E foi com essa mentalidade que o Brasil discutiu as tratativas do Protocolo
de Quioto de 1997 a 2001. Para Viola (2002):

Com relação aos sumidouros de carbono, o interesse nacional foi


o de assumir uma posição defensiva: a floresta amazônica
tornou-se mais um ônus por causa do desmatamento do que um
trunfo em virtude do serviço global de sequestro de carbono.
(VIOLA, 2002, p. 39)
O resultado final, no entanto, foi favorável aos países que buscavam incluir os
sumidouros no Protocolo. Porém, apenas as atividades de reflorestamento e florestamento
seriam consideradas atividades de sequestro de carbono (VIOLA, 2002).

O Governo Lula e o caso das mudanças climáticas

Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito em 2002, para cumprir seu mandato de 2003
até o final de 2006, porém foi reeleito e permaneceu na presidência até o final de 2010.
De maneira geral, Lula é tido como um dos presidentes mais emblemáticos do Brasil.
Essa fama, resulta, segundo Ricupero (2010) de uma confluência de fatores internos e
externos favoráveis ao Brasil nesse período, como por exemplo, a estabilidade política e
econômica sem precedentes.

Quanto à questão das mudanças climáticas, torna-se necessário realizar primeiro


alguns apontamentos. É importante entender o papel fundamental exercido pelo
desmatamento nas emissões de GEE brasileiras. Segundo o primeiro relatório brasileiro
de emissão de gases de efeito estufa, emitido em 2004, o desmatamento da Amazônia era
responsável por ¾ das emissões de GEE brasileiras (KAGEYAMA e SANTOS, 2011).
Os dois gráficos a seguir buscam ilustrar a relação entre o desmatamento e as emissões
de GEE brasileiras ao longo do tempo:

Gráfico 1- Desmatamento da Amazônia Legal de 1988 - 2017

Fonte: PRODES/INPE

Gráfico 2-Evolução das emissões brutas de GEE no Brasil entre 1990 e 2015 (Mt CO2 e)
Fonte: SEEG

Quando analisados simultaneamente, os gráficos acima ilustram a relação direta


entre as emissões de GEE e o desmatamento na Amazônia O gráfico 1 mostra a estimativa
anual de desmatamento na região amazônica, enquanto que o gráfico 2 mostra a evolução
das emissões brutas de CO2e ao longo de 25 anos, sendo possível perceber a similaridade
das curvas nos dois gráficos. Tendo isso em mente, constata-se que a redução do
desmatamento na região amazônica foi considerado um tema prioritário pelo governo
Lula (KAGEYAMA e SANTOS, 2011).

Logo no início do governo, Lula enfrentou um dos maiores índices de


desmatamento da região amazônica, com 25,4 mil e 27,8 mil km² desmatados em 2003 e
2004, respectivamente. A expressividade de tais números chamou a atenção
internacional, bem como a nacional e levou o presidente a convocar a então ministra do
meio ambiente, Marina Silva para esclarecimentos e proposições.

A estratégia da ministra foi mostrar que o problema do desmatamento na


Amazônia não era superficial e de fácil resolução, de forma que haveria a necessidade,
em caráter emergencial, de reunir os demais ministérios para a discussão e elaboração de
soluções de maneira conjunta. Criou-se então um Projeto Transversal de Governo, em
que eram discutidas propostas para a redução do desmatamento e recursos de cerca de
US$ 50 milhões por ano foram destinados ao projeto com um teto de 5 anos para sua
efetivação (KAGEYAMA e SANTOS, 2011).
Um dos frutos mais bem sucedidos desse projeto foi a elaboração do Plano de
Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), em
2004. O objetivo era simples: reduzir de forma contínua o desmatamento na Amazônia
Legal. Para tanto, criou-se um panorama das causas desse desmatamento, constatando
mais uma vez que as ações deveriam partir de todas as direções, e não somente dos órgãos
relacionados diretamente ao meio ambiente (MMA, 2018).

Na primeira fase do Plano, que foi de 2004 a 2008, foram criados mais de 25
milhões de hectares de Unidades de Conservação federais, além do reconhecimento de
10 milhões de hectares de Terras Indígenas. (MMA, 2018). Os resultados podem ser
vistos no Gráfico 1 (acima), em que o desmatamento na região sai de 27,8 mil km² em
2004 para 19 mil km² em 2005. Fato que proporcionalmente diminuiu as emissões de
GEE do país no mesmo período.

Em 2005, o Brasil participa da 11ª Conferência das Partes, realizada em Montreal.


Nessa reunião foi aprovada uma proposta de incentivos aos países em desenvolvimento
que reduzissem as emissões provenientes de desmatamento. O Ministério do Meio
Ambiente, em harmonia com o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério das
Relações Exteriores, conseguiu enxergar uma possibilidade concreta nessa proposta e
elaborou um documento ditando formas de viabilizar esse fundo, que foi apresentado na
Conferência das Partes seguinte (COP-12) (KAGEYAMA e SANTOS, 2011).

No ano de 2007, o IPCC lança um novo relatório em que apresenta novas


conclusões sobre o clima global. Entre elas estão a de que o aquecimento global é
inequívoco, e que essa alteração é de causa antropogênica, com 90% de certeza; até o
final do século as temperaturas podem chegar a 4ºC em relação a 1980-1999; a
temperatura média dos oceanos aumentou, provocando uma dilatação e
consequentemente um aumento em seu nível, que pode chegar a 59 centímetros ao final
do século; além disso, aumentou o grau de confiança de que haverá mais derretimentos
glaciais, ondas de calor e chuvas torrenciais (IPCC, 2007).

A publicação teve grande impacto na mídia e gerou uma preocupação coletiva,


pois as consequências ambientais do que foi demonstrado no relatório do IPCC eram
desastrosas para o planeta. Ao passo que o Brasil, em 2007, registrou o menor índice de
desmatamento da Amazônia desde 1991, chegando à marca de 11,7 mil km², bem como
continuou reduzindo suas emissões brutas de GEE, como visto nos dois gráficos acima.
Esses resultados trouxeram estímulos ao Brasil para a continuação e propagação de uma
campanha externa a favor da mitigação do aquecimento global.

Dessa forma, em 2009, o país chega à COP-15, em Copenhague, com os ânimos


inflados e com capacidade de proposição elevada. A atuação brasileira na conferência foi
reconhecidamente uma das mais importantes naquele momento. O discurso proferido por
Lula foi aplaudido quatro vezes pelos demais participantes. Nele o presidente se dizia
frustrado por não haverem até o momento entrado em um acordo que buscasse
efetivamente a mitigação do aquecimento global e anunciou que o Brasil se
comprometeria voluntariamente a reduzir as emissões de GEE de 36,1% a 38,9% até
2020. (MRE, 2009)

Esse compromisso foi colocado quando, domesticamente, era aprovada no


Congresso a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). A lei nº 12.187 de
dezembro de 2009 demonstra a sinergia existente entre o que o Brasil propõe
internacionalmente e as políticas adotadas internamente. Ademais, demonstra a
internalização da normativa internacional sobre mudanças climáticas ao sistema interno
(SANTOS, 2011).

A partir de então, todos os princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos de


políticas públicas deveriam ser compatíveis com a Política Nacional sobre Mudança do
Clima, como estabelecido pelo Artigo 11 da lei:

Art. 11. Os princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos das políticas


públicas e programas governamentais deverão compatibilizar-se com
os princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos desta Política
Nacional sobre Mudança do Clima.

Parágrafo único. Decreto do Poder Executivo estabelecerá, em


consonância com a Política Nacional sobre Mudança do Clima, os
Planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas
visando à consolidação de uma economia de baixo consumo de
carbono, na geração e distribuição de energia elétrica, no transporte
público urbano e nos sistemas modais de transporte interestadual de
cargas e passageiros, na indústria de transformação e na de bens de
consumo duráveis, nas indústrias químicas fina e de base, na indústria
de papel e celulose, na mineração, na indústria da construção civil, nos
serviços de saúde e na agropecuária, com vistas em atender metas
gradativas de redução de emissões antrópicas quantificáveis e
verificáveis, considerando as especificidades de cada setor [...].
(MINISTÉRIO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2010)
O Brasil, de 2003 a 2011, cresceu a uma taxa média de 4% ao ano (ALMEIDA,
2010). Ao mesmo tempo em que reduziu as emissões brutas de GEE de cerca de 3.154
MtCO2e, em 2005, para 1.803 MtCO2e, em 2011 (SEEG, 2017), como expressado no
quadro a seguir.

Quadro 1-Emissões brutas do Brasil, por setor, de 1970 a 2015 (em MtCO2e)

Fonte: SEEG

O Governo Lula chega ao fim em 31 de dezembro de 2010 com um índice de


desmatamento de 7 mil km² e uma taxa de emissão bruta de GEE de 1825 MtCO2e, como
pode ser observado no quadro acima (Quadro 1), que mostra a emissões brutas brasileiras
destacando cada setor da economia. Pode-se observar também a grande amplitude das
emissões do setor de Mudança do Uso da Terra, que passa de 2.319 MtCO2e em 2005
para 893 MtCO2e em 2010, sendo grande parte desse resultado reflexo das políticas de
redução do desmatamento adotadas.

Conclusão

Tendo dito isso, é possível concluir que o Brasil no período que compreende o
Governo Lula (2003-2011), conseguiu adotar medidas eficazes no sentido de reduzir as
emissões de CO2e. Desde o começo de seu governo até o final, houve uma redução no
desmatamento da Amazônia, uma vez que esta prática era a maior responsável pelas
emissões desses gases pelo Brasil.

O contexto internacional em que se insere o Brasil da época também exerceu


bastante influência sobre o comportamento brasileiro tanto domesticamente como
internacionalmente. A evolução do Regime de Mudanças Climáticas, bem como de seus
debates internos, propiciou ao Brasil um meio de se tornar um ator proponente, ao invés
de somente reativo nesse cenário.

O marco dessa mudança no que tange à atenção dada pelo governo ao meio
ambiente e em especial à região amazônica é ilustrada pela criação da Política Nacional
de Mudanças Climáticas, que busca não só institucionalizar as mudanças e resultado
alcançados até aquele momento, mas também criar um legado para a temática no país.

Essa mudança na postura brasileira fica ainda mais clara quando observados os
marcos apontados no trabalho. A Constituição de 1988, apesar de expressar a boa vontade
em lidar com as questões ambientais, não se mostra tão eficaz, uma vez que os dados de
emissões apontam o aumento gradual dessas no período que sucede o documento. A
questão passa a apresentar resultados positivos significativos apenas quando é colocado
em caráter prioritário pelo presidente Lula.

Com isso, é possível constatar que houve em certa medida coerência entre a
postura internacional exercida pelo Brasil e as ações tomadas em ambiente doméstico,
demonstrada pela sua atuação na Conferência das Partes de Copenhague em 2009, na qual
o país se voluntaria a reduzir suas emissões ao mesmo tempo em que era aprovado no
Congresso Nacional a Política Nacional de Mudanças Climáticas.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Cássia. Média de expansão do PIB no governo Lula foi de 4%: taxa ficou
abaixo do padrão histórico dos ... . O Globo, 04 set. 2010. Economia, p. 1. Disponível
em: <https://oglobo.globo.com/economia/media-de-expansao-do-pib-no-governo-lula-
foi-de-4-taxa-ficou-abaixo-do-padrao-historico-dos-2956712>. Acesso em: 04 maio
2018.

CÂMARA DOS DEPUTADOS . Coordenação de Publicações. Conferência das Nações


Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento : Agenda 21. Brasília: Centro de
Documentação e Informação, 1995. 475 p. Disponível em:
<http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/agenda21.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2018.

INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE (IPCC). History .


Disponível em: <http://www.ipcc.ch/organization/organization_history.shtml>. Acesso
em: 04 maio 2018.
INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE (IPCC). Climate
Change 2007: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Work Group
II to the Fourth Assessment Repot of the Intergovernmental Panel on Climate
Change. Summary for Policymakers. 2007

Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).


Ministério do Meio Ambiente. Sobre o Ibama . Disponível em:
<http://www.ibama.gov.br/institucional/sobre-o-ibama#historico>. Acesso em: 04 maio
2018.

KAGEYAMA, Paulo Y. SANTOS; João Dagoberto dos. Aspectos da política ambiental


nos governos Lula. FAAC/UNESP (Bauru. Online) v. 1, n. 2, p. 179-192, out. 2011.

LAGO, André Aranha Corrêa do. Estocolmo, Rio, Joanesburgo: o Brasil e as três
conferências ambientais das Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 2007.

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (MRE). Discurso do Presidente da


República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião da plenária da Conferência das
Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima ?
Copenhague, 17 de dezembro de 2009 . Disponível em:
<http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-
categoria/presidente-da-republica-federativa-do-brasil-discursos/9434-discurso-do-
presidente-da-republica-luiz-inacio-lula-da-silva-durante-sessao-plenaria-de-debate-
informal-na-conferencia-das-partes-da-convencao-das-nacoes-unidas-sobre-mudanca-
do-clima-cop-15-copenhague-dinamarca-18-12-2009>. Acesso em: 03 maio 2018.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (MMA). Plano de Ação para Prevenção e


Controle do Desmatamento na Amazônia Legal . Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/informma/item/616-preven%C3%A7%C3%A3o-e-controle-
do-desmatamento-na-amaz%C3%B4nia>. Acesso em: 03 maio 2018.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). ONU Meio Ambiente. A ONU e o


Meio Ambiente . Disponível em: <https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/>.
Acesso em: 04 maio 2018.

PEREIRA, José de Sena . CÚPULA MUNDIAL SOBRE DESENVOLVIMENTO


SUSTENTÁVEL, REALIZADA EM JOHANNESBURGO, ÁFRICA DO SUL . 1.
ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2002. 6 p. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-
tecnicas/arquivos-pdf/pdf/copy_of_208366.pdf>. Acesso em: 04 maio 2018.

PRODES. INPE, 2018. Disponível em:


<http://www.obt.inpe.br/prodes/dashboard/prodes-rates.html>. Acesso em: 03 maio
2018.
SANTOS, Letícia Britto dos. Brasil e México no regime internacional de mudanças
climáticas: adoção de metas de redução de emissões de gases de efeito estufa para os
países em desenvolvimento.. In: 3° ENCONTRO NACIONAL ABRI 2011, 3., 2011,
São Paulo. Associação Brasileira de Relações Internacionais Instituto de Relações
Internacionais - USP, Disponível em:
<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000122
011000300001&lng=en&nrm=abn>. Acessado em: 04 mai 2018.

SEEG. Emissões de GEE do Brasil e suas implicações para políticas públicas e a


contribuição para o Acordo de Paris. 2017. Disponível em: <http://seeg.eco.br/wp-
content/uploads/2017/10/RelatoriosSeeg2017-Sintese_final.pdf>. Acessado em: 01 maio
2018

VIOLA, Eduardo. O Regime Internacional de Mudança Climática e o Brasil. Revista


Brasileira de Ciências Sociais - vol. 17, N.50 - Outubro 2002

Você também pode gostar