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JORNAL DA

A
O rg ã o da A sso L tação B r a s ile ira clc O rg aiiizav õ es N ão G ov ern ai a c niais Número 10 maio 1995

A Nova Conjuntura
Nesla edição:

Convénio com a FGV


página 2 e a luta pela cidadania
páginas 3 a 9

A Cúpula de
Copenhague
páginas 10 e / /

Perfíl de ONG;
Geledés
página 12

Colaboraram neste
número:

Francisco de Oliveira
Eduardo Homem
Silvio Caccia Bava
Sonia Corréa
Amélia Cohn
Átila Roque
No t a s
Convênio com a
Editorial
Duas questões que tratamos neste
Fundação Getúlío Vargas
jornal estão na ordem do dia: I ) como
avaliar o programa "Com unidade No dia 22 dc março último, foi assinado destinam verbas a programas sociais. Em
Solidária" proposto pelo governo um protocolo dc cooperação entre a seu programa, por sugestão da ABONG,
Fernando H enrique e qual nossa A BO N G c o C entro dc Estudos do loram incluídos ílcns relativos às ONGs,
posição frente a ele; e 2) como avaliar T erceiro Setor da Fundação Getúlio ao caráter público dc sua intervenção, bem
os re su lta d o s da C ú p u la de Vargas, cm São Paulo, coordenado pelos como análises que contextualizam as
D esen vo lvim en to S o cia l c o que Professores Luis Carlos Merege e Ricardo atuais transfonnações da sociedade civil
fazemos com esses resultados. Neder. De um conjunto de reuniões, no Brasil. Há. ainda, outras propostas em
Com re la ç ã o ao "C om u nid ad e objetivando ações conjuntas, rcsullou o andamento, como seminários conjuntos
Solid ária", muitas ONGs tem n os documento que reproduzimos aqui. a respeito da relação Estado/Sociedade
pergu n tad o qual 6 a p o siçã o da Produto imediato do protocolo foi a e a participação do C ETS na elaboração
ABONG. A própria Ação da Cidadania criação de um curso piloto para técnicos de um c a d a s lr o in fo rm a tiz a d o da
também passa por esia discussão. 0 de Institutos. Fundações e Empresas que ABONG.
Conselho N acional de A ssistência
Social, onde temos assento, acaba dc
promover uma reunião ampliada que
O texto do protocolo
discutiu o significado deste programa
Com o objetivo de estabelecer parceria aprofundar o conhecimento das práticas
de g o v ern o . E n qu anto A B O N G ,
v isa n d o p ro m o v er a fo rm a çã o dc das entidades sociais sem fins lucrativos,
tomaremos uma posição neste mes dc
profissionais voltados para o "terceiro bem com o estim ular sua divulgação
maio, cm reunião do nosso Conselho
setor", a Escola dc Administração de através de publicações e outros meios;
Diretor, para a qual convidaremos
Empresas da Fundação Getúlio Vargas, e) apresentar conjuntamcnle pedidos de
também o Betinho, o Jorge Eduardo
doravante denominada E A E SP , com financiam ento a entidades públicas e
Durão e o Miguel Darcy. 0 artigo que
endereço à Avenida Nove de Julho, 2029, privadas que permitam a realização das
apresento é uma co n trib u ição ao
São Paulo - SP. e a Asstx:iação Brasileira iniciativas conjuntas.
debaie. A A B O N G espera outras
dc Organizações Não Governamentais,
contribuições para interpretar com a
doravante denominada ABO N G , com II - A ABONG se compromete a:
maior fidelidade a vontade das suas
endereço à Rua Renato Paes de Barros, a) facilitar o acesso às organizações não
associadas. Escreva!
684, São Paulo - SP, resolvem celebrar o governamentais filiadas;
Quanto aos resultados da Cúpula de
seguinte b) oferecer subsídios para montagem de
D esen v o lv im en to S o c ia l, m esm o
considerando que eles ficaram muito cursos voltados a administradores de
PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO entidades sociais sem fins lucrativos;
aquém do esperado, há uma questão
que gostaríamos de disculir: como é c) participar ativamente das inicialivas
I - A EAESP se compromete a: conjuntas que a E A E SP e a ABONG
que as ONGs no Brasil podem se
apropriar desses resultados e que uso a) colocar-se disponível para assessoria e venham a desenvolver;
podem fazer deles em seus trabalhos capacitação técnica em administração das d) sugerir e participar de projetos de
específicos. É claro que esta quCvStão é organizações não governamentais filiadas investigação científica com o objetivo de
e x te n siv a a Iod os esses ev en to s à ABONG; produzir conheciinentos a respeito das
mundiais que esião mobilizando nossa b) oferecer apoio técnico às iniciativas de entidades sociais sem fins lucrativos.
atenção. A tam os abrindo um debate colaboração e projetos conjuntos;
sobre este lema e contamos com a sua c) criar uma linha de ação voltada à III - Este protocolo de cooperação poderá
participação. fonnação de administradores dc entidades ser suspenso por qualquer das partes a
sociais sein fms lucrativos; qualquer tempo, mediante comunicação
Silvio Caccia Bava d) estimular a realização dc pesquisas, cscrita à outra parte cotn antecedência
de forma associada ou não, que visem mínima de trinta dias.

Jorn al da A fí ONG é uma puhlicttçâo bimestral Diretoria Executiva da ABONG: Silvio C acda da Moita (editoração eletrônica), fume Ta^a Ta-
du Associação Brasileira de Orf;anizaçôes Não Bava ( presidente), Maria Emilia Lisboa Pacheco moto (secretária).
Covernamemais (secretária), Sérj’io Haddad (tesoureiro), Benno
Assebur^, Mofinólia Said, Maria Irtmy Bezerra, Im pressão: G r á fica e E d ito ra P ere s Ltda.
Endereço: Rua Dr. Renato Paes de B urros. 6M, Sônia Correa. Vandevaldo Noyueira Tiragem: 3000 exemplares
itaim. São Paulo - SP . CEP: 04530-001 . Tel:
(OH) S29-9Í02 ; Telefax: (OH) R22-6604 . E. Equipe do Jo rn a l: J o s é Tadeu Arames (editor), É encorajada a reprodução total ou parcial dos
mail: ubonR @ ax. apc. or}>. Sérfiio Gonzales (projeto gráfico), Lucia Silveira anif^os desta publicação, desde gue citada a fonte.
Co n i u n t u r a e

O Governo FHC
e as políticas sociais
FRANCISCO DE OLIVEIRA

iz-sc que pelo dedt) se conhece i)

D gigante. A nomeação do Conselho


do P ro g ram a C o m u n id ad es
Solidárias diz bem o que é o Governo
F e rn a n d o H en riq u e C a rd o so . A
organização desse conselho, na verdade,
husca concentrar o assislencialismo. Não
que eu seja contra o assislencialismo.
Uma das razões pelas quais apoio a
Campanha da Cidadania contra a Fome
desde o princípio c porque para mim há
iTiuita di ferença entre morrer e não morrer.
Acho que. cm algum as situações, é
preciso uma ação direta do Estado que
supra carências provocadas pelo tipo de
economia, pela inserção dos grupos e
classes nesse processo. Então, de minha
parle, não há nenhum purismo contra a
assistência social. Acredito, parodiando o
título do nime de Marilyn Monroe, que
"quanlo melhor, melhor".
Esse conselho tem várias finalidades. E a
primeira delas e íazer uma política de lipo
quercista - o que parece uma contradição
em se tratando de tucanos. Mas, na
verdade, seu ohjetivo número um é fincar com a autoridade de suas organizações. Aí sociedade. Eu disse: olha, eu conheço esse
o PSDB em cada município brasileiro, eu comentei: isso mostra que a via de discurso; já li muito esse di.scurso; isso é
posto que o PSDB não tem base municipal vocês é liberal mesmo, No século 19, pré-Locke; c de um individualismo, de.
alguma. Esle é um dado que não deve chamar alguém de liberal era um elogio; uma atomização anteriores a Locice. Eu
escapar à nossa análise. O ponto para o mas, e no século 20? Porque quem são o teria fe ito exatam en te o contrário,
qual eu queria chamar a chamar a atenção, Renato Aragão, a R egina Duarte, o chamando representantes da sociedade
porém, é a íorma de constituição desse G ilberto G il? São representantes da civil organizada, porque é disso que se
conselho. É a partir dele que a gente pode sociedade? Nesse caso, quem os nomeou? trata. A pancada foi forte e ele replicou:
identificar o íeitio do Governo. Se tal E a c r e s c e n te i: v o cê s p esca m , mas o que você me diz do D. Luciano
programa visasse um novo estilo de precisamente, a dupla condição; pescam Mendes de Almeida? Eu respondi: D.
relação entre o governo e a sociedade, um indivíduos socialmente notórios; mas Luciano é uma contradição, porque ele é,
novo estilo que captasse os avanços que a indivíduos notórios por força de um meio evidentem ente, um representante da
Cidadania fez ao longo desta última e s s e n c ia lm e n te d e sa g re g a d o r das Igreja. Vocês não são trouxas, mas não
década, a formação' do conselho séria organizações da sociedade civil, que é a chamaram D. Luciano pelos belos olhos
radicalmente diferente. Quem são os televisão. São três artistas de televisão: deie. Por que então não seguir o mesmo
integrantes do conselho? isso diz tudo a respeito do conselhO: critério em relação aos outros integrantes
Eu disse a alguém muito próximo do Meu interlocutor argumentou, então, que do conselho?. Por que não convidar
Governo: nias vocês não estão chamando não se tratava de escolher representantes, r e p r e s e n ta n te s de o u tro s se to re s
representantes da sociedade. E ele me pessoas que trouxessem para o conselho organizados da sociedade? Não fazem o
respondeu: é precisamente isso que não .se as demandas dos diversos setores sociais, mesmo porque o projeto de vocês é
quer; não se quer representantes que falem porque o problema da miséria era gerai na neoliberal e populista.
e Co nj unt ur a
ada é à toa. A forma de constituição combinar neoliberalismo com populismo,
N de um conselho como esse diz muito
a respeito de qual é o projeto do governo
a tentativa de se construir bases populares
para um projeto hegemônico duradouro.
sido sistematicamente contra os grupos
dominantes. E não se constrói um projeto
h e g e m ô n ico sem b a ses s o c ia is
Fernando Henrique Cardoso. E, aqui, é O Governo Femando Henrique não é para consistentes.
bom esclarecer desde logo que eu não faço scr menosprezado, não é para ser levado
obtenção de um consenso pode
nenhuma a n á lise d esen gajad a. Sou
parcial, sim. Não estou fazendo teoria
na galhofa, não é um Governo Collor. Está
muitos pontos e muitos furos acima disso. A percorrer várias vias, porém. No
Brasil, ela se deu, primeiro, pela violência,
política abstrata. Estou frente ao caso É um governo que realmente formulou
com a implantação da ditadura, em 1964.
co n c re to de um g o v e rn o que tem uma estratégia de hegemonia que estava
Depois ganhou uma certa legitimidade.
diretrizes, e, perante o qual, eu também, ausente da capacidade das classes e
Lembremo-nos de Médici, da Copa do
como cidadão político, tenho opções e grupos dominantes - ou das elites, se
Mundo; havia, então, uma base social para
diretrizes. Não estou querendo vender vocês preferem cham ar assim . É a
a ditadura, sem dúvida nenhuma. Essa
uma imagem de imparcialidade. Estou primeira vez, nos últimos 20 anos, que os
base social era bastante ampla. Incluía
contra. Por outro lado, procuro perceber grupos dominantes no Brasi! recuperam a
setores importantes de nós mesmos, das
alguns sintomaii que ajudem no processo capacidade de iniciativa política. Nestas
classes médias; incluía uma parte enorme
de retiexão. Não estou somente botando duas últimas décadas, assistiu-se à erosão
do "povão". Mas não tinha consistência.
minha bile para tora. da capacidade dos gmpos dominantes no
P recisam ente porque a ditadura não
Eu acho que o projeto desse governo é
tra ta v a de m o b iliz a r ; tra ta v a de
realmente ruim e me íaz lembrar o título
desmobilizar. Isso custou caro para a
daquele íllme "Arquitetura da destruição"
"O projeto desse govemo ditadura na hora que o movimento da
(risos). Exagero à parte, é um projeto que
sociedade mudou as regras do jogo.
combina uma direü-iz muito fortemente combina uma diretriz muito A gente se lembra, quando ouve o José
neoliberal com uma tenlaliva populista de
fortemente neoliberal com Serra falar, do Delfim Netto dos anos 70.
que esse conselho talvez seja o sintoma
mais expressivo. Ele recorre à velha uma tentativa populista. Ele Aquela cerieza, aquela arrogância, a
estética quase tacista, que o C ollor
tradição do populismo de ir diretamente recorre à vêlha tradição do
expressou admiravelmente bem com a
ao povo, essa entidade mítica, saltando as populismo de ir diretamente frase "v e n cer ou v en cer". Nada se
m ediações que a própria socied ade
co n stru iu no seu p ro c e s s o de
ao povo, saltando as aproxima mais da estética fascista do que
esse gozo da im p lacab ilid ad e, essa
represent^ão, no seu processo dc luta mediações que a própria
indiferença frente às demandas populares.
contra a miséria, nos vários pr(x:essos que sociedade construiu no seu É um orgasmo. E ninguém se parece mais
constituem a riqueza desta fonnação, que,
nos últim os dez anos, ganhou uma
processo de representação.” com o Delfim daqueles anos d(5 que o
Serra dc hoje. Diz "precisamos cortar um
extraordinária densidade. Salta por cima
b ilh ão de re cu rso s", com a mesma
das o rg a n iz a ç õ e s da s o c ie d a d e ,
d e sc o n sid e ra ç ã o por quem vai ser
reconhecendo, como única mediação, o
Brasil terem um projeto hegemônico para atingido, a mesma arrogância, o mesmo
fato de existirem municípios e estados.
o país. De sen ha-se agora um projeto conU-olc dos números que o Delfim. E
Estes o Govemo não quer saltar, porque
duradouro, para o qual falta, porém, uma quem ousava dizer, na época, que o
íaz parte de sua estratégia ampliar o
base s(x:ial mais consistente. Delfim estava equi v<x:ado7 O D IEESE fez
número de aliados. E também porque
isso cm 1973, provando que o índice do
ara exagerar - como os mestres da
ninguém deixa você entrar no seu quintal
impunemente. Evidentemente, há estados,
como o Acre, onde o Governo Federal
P caricatura, que eu gostaria de ter sido
- esse projeto tem a ambição de um PRI
custo de vida era uma fraude. Fez porque
tinha uma pesquisa sistemática, que falava
a mesma linguagem. Pôde, então, mostrar
pode saltar diretamente dentro dc um iTíexicano. Não é a iTKsma coisa, bejn
que o rei estava nu.
município. Mas, num estado como São entendido. Apesar de inim igo desse
M a s , v o lta n d o à c o n s tru ç ã o da
Paulo, o Govemo não tem c^acidade para projeto, eu não faço simplificações. Mas
fazer isso. Então, atendendo ao realismo ele tem a ainbição dc um PRI mexicano. hegemonia, uma outra forma de obtê-la é
p o lític o , estad o s e m u n icíp io s são Busca ter bases s<x:iais que o tomem capaz a do PRI. Há uma revolução, que sacode
preservados com o mediadores nessa de resistir a conjunturas desfavoráveis. todas as estruturas da sociedade, e, apartir
coisa. Fora isso, saltam -se todas as Porque todo mundo sabe que o presidente do co n sen so obtid o por esse m eio,
organizações da sociedade: entidades Fernando Henrique foi eleito pelo real, esüTJtura-se uma ditadura, que é bem o
civis, movimentos populares organizados, com a ajuda da Re<^ Globo. Sua base nome que o regime mexicano mercce.
sindicatos, enfim, todo o conjunto daquela so cial, uma base social consistente, Outros processos são mais complexos,
sociedade civil <}ue não é bem a sociedade d u ra d o u ra , ca p a z de lh e c o n fe r ir mais democráticos até, É possível também
civil hegeliana do mercado, mas é a capacidade para o exercício da hegemonia a lc a n ç a r a h e g e m o n ia a tra v és dc
so cie d a d e c iv il g ra m s c ia n a do c im plem entação dos projetos dessa processos democráticos, como uma larga
antimercado. hegemonia, essa base social não existe. Na predom inância da social dem ocracia
A constituição desse conselho expressa, a verdade, de 30 anos pra cá, se a gente mostrou cm mais da metade do mundo
meu modo de ver, a tentativa de se quiser tomar uma data, o voto popular tem desenvolvido. Portanto, eu não quero
Co nj u nt ur a
simplificar, apc.sar de gostar muito da que não existam contradições. Existem - e organizações não govemamentais. E está
caricatura. muitas. Basta lembrar que, às vésperas da menos sujeita não porque seja melhor,
implantação da nova moeda, todos os mas porque opera num campo onde, para
p ro je to do G overn o Fernando
O H enrique é m uito co m p licad o ,
porque, evidentemente, não se trata dc
em presários deram aquele salto nos
preços - salto que hoje a gente esquece,
dizer de uma vez e cm bom português, o
projeto neoliberal já ganhou muita adesão.
porque sc respira e sta b ilid a d e . Há Refiro-me ao campo da intelectualidade.
uma tentativa de obter o consenso peia
repressão. Também não é um projeto que
tenta a h egem onia através dc uma
revolução no sistema político, social e
econômico. HIe se situa na faixa estreita
dc uma tentativa de hegemonia que pode
scr feita dc forma democrática, beirando o
c o n s e n s o dc am p las cam ad as da
população. E, aí, a fomia demcx;ráiica sc
desdobra em su bfornias. das quais
podemos destacar duas. Uma é aquela que
husca levar o processo adiante através da
fonnação dc um consenso com os setores
organizados da sociedade, que é bem a
tra d içã o s o c ia l-d e m o c r a ta , s o c ia l-
d e m o c ra la hard, não essa
s o c ia l-d e m o c r a c ia lig h t, que de
social-dem(x;iticia só tem o nome. A outra
forma dem ocrática de construção da
hegemonia, que não passa pela repressão
nem pela revolução, mas se vale apenas do
volo, é aquela que, ao invés dc buscar a
sociedade civil organizada, busca o
oposto. Essa foi a forma populista c c,
contradições, sim. M as, sem dúvida A e le iç ã o do F e rn a n d o H en riq u e
mais ou menos. a forma pela qual a
nenhuma, existe uma âncora finne no lado legitimou a d ireitização de parte da
hegemonia do neoliberalismo se exerce
da grande b u rgu esia, E ss e p ro je to inielectualidade brasileira. Se o príncipe
hoje nas sociedades desenvolvidas. E
hegcmônico tomou o discurso da grande dos so ció lo go s pode, hoje, ter teses
desprezando ou trabalhando contra ou
burguesia, reelaborou-o e o expressa nas neoliberais, isso suprime a o pesado fardo
ten tan d o d estru ir o rg a n iz a çõ e s da
principais medidas do govemo. O que lhe que algumas pessoas carregavam de
sociedade que o projeto de hegemonia
falta é uma âncora popular, uma âncora parecer dc esquerda a vida toda (risos). É
tenta se implantar.
que lhe permita não ficar ao sabor da verdade. Tem muita gente que se aliviou
A maior perversidade é que esse projeto ventania co n ju n tu ra l. Para m im, o daquele peso enonne que era carregar o
tenta capturar a sociedade civil não a partir
Conselho das Comunidades Solidárias falo de ter co m eçad o a vida com o
de seus interesses, mas a partir de suas representa exatamente essa tentativa de militante de esquerda. A aura intelectual
carências. Há, sim, um reconhecimento da deitar âncora no meio popular. do Fernando Henrique legitimou isso. Sua
situação material, mas que caminha no
eleição soou como uma mensagem do tipo

I
sentido oposto ao da constituição de sso coloca, para nós, um desatlo como
”não se preocupem mais, a gente pode ser
direitos. Não é à toa que o núcleo das não enfrentamos nos últimos 20 anos. É
de d ir e ita a g o ra , is so não é m ais
propostas do Govemo ataca os direitos precisamente nesse terreno que o combate
e s tig m a tiz a n te ". Já no cam po das
civis, sociais, trabalhistas e ate políticos. é sério. O que fazer? Essa é uma pergunta
organizações que lidam propriamente
O núcleo das propostas do Governo ataca, para a qual eu não lenho resposta. Tento
com a voz do social, a voz da sociedade
precisamente, os direitos da cidadania. fazer o melhor que posso, elevar o tom da
organizad a, a batalha é mais feroz.
São formas democráticas, não há dúvida indignação, mas isso só não basta. Talvez
Trala-se de um campo mais largo, onde,
nenhuma, mas que trabalham contra as seja preciso reinventar o nosso modo de
felizmente, existem mais opções, mais
organizações que a própria sociedade civil trabalhar: o como, o por onde, o quando.
atores. Mas, nem por isso, o desafio é
co n s tru iu , p ro cu ran d o c a p tu rá -la A própria entidade à qual eu pertenço - o
menor.
mediante processos meramente eleitorais, Cebrap - se parece cada vez menos com
e buscando essa captura através da noção uma organização da sociedade civil. Já
de carências e não da noção de direitos. foi. Mas, hoje, se parece cada vez menos.
Francisco de. Oliveira é sociólogo, profes.wr
Trata-se de um projeto hegemônico, com Tentamos manter uma voz plural, uma
limiar do Departamento de Sociologia da
força, que busca, para sua durabilidade, ca p a cid a d e de d is c u tir p ro je to s
Universidade de São Paulo e presidente do
soltar uma âncora firme no meio popular. alternativos, mas, sem dúvida nenhuma, CEBRAP. O texto acima é um resumo de
Pois, no meio da burguesia, sua âncora já eu acho que ela está menos sujeita a pale.ura que proferiu no dia 3 de março
está mais do que fimie. Não estou dizendo chu vas e vendavais do que outras último, na sede da ABONG. em São Paulo.
e Comunidade Solidária

Sem espaço para a


sociedade organizada
SILVIO CACCIA BAVA

uilos de nós nos perguntamos hoje Esses compromissos não são de hoje. Não elétrica, extensão de serviços de água e

M sobre o significad o social e


político que poderá vir a ter o
program a "C om unidade S o lid á ria ",
podemí).'; esquecer que este Governo é
uma continuação dos anteriores. E o corte
no o rça m e n to tem sid o fei to
esgoto.
O próprio Fernando Henrique anunciou a
d isp osição do governo em buscar a
anunciado pelo Governo Federal. principalmente nos gastos sociais. De participação popular e a parceria com as
O próprio lançamento do programa é um 1989 alé hoje, foram reduzidas à metade ONGs. No horizonte, como referência,
reconhecimento da importância que hoje as verbas de educação e saúde. E a estava a experiência do M éxico. No
a sociedade civil atribui à questão da te n d ê n cia e x p r e s s a p e lo G o v ern o entanto, antes mesmo de dar início ao
pobreza e, mais recentemente, à questão Fernando Henrique é dc reduzí-las ainda programa, o Governo sentiu as pressões
da exclusão social. O Governo se sentiu mais. Milhões dc brasileiros não terão m ais à d ir e ita c foi co n c e d e n d o ,
na necessidade de dar uma resposta às acesso à escola e ao tratamento de saúde, descaracterizando sua proposta inicial.
vigorosas manifestações da sociedade, apenas para ficarmos nestas duas áreas das Hoje, já ,se pode dizer, pelas indicações
que se mobilizou para trazer para o cenlro políticas públicas. E muitos milhões que temos, que o programa 'Comunidade
da agenda política brasileira o problema passam fome. As últimas pesquisas falam Solidária" deu adeus às mobilizações, à
da miséria de grande parte do povo e da cm 42 m ilh õ es de b ra s ile iro s participação popular, às propostas de
d u alização de nossa so cied ad e, da pemianentemente com fome. parceria. Fica então reduzido, na prática,
apartação social. O movimento nacional Politicamente, o Governo não poderia a um programa emergencial de govemo,
da Ação da Cidadania Contra a Fome, a ficar alheio a esses problemas. Além da que consiste na distribuição de alimentos
Miséria e peia Vida é a expressão mais importância que a sociedade dá aos temas à população carente.
forte da indignação dos cidadãos contra so cia is, a mão estendida do P S D B Não somos contra, absolutamente, que o
e ste estad o dc c o is a s e da n o ssa apontava cinco prioridades durante a G o v e rn o d is trib u a m a n tiin en to s à
s o lid a rie d a d e aos b r a s ile ir o s em cam panha eleito ral, todas ligadas à população carente. É uma iniciativa
necessidade. questão da qualidade dc vida. E se na necessária e que merece o nosso apoio.
Nossa sociedade é rica em iniciativas lógica do FMI, que este governo adota, é Mas não é só disso que se trata. Combater
populares que, cada vez m ais, vão inevitável o corte nos orçamentos das a pobreza, a fome, a doença, requer
produzindo as condições da democracia. políticas sociais universais, isto é, nos iniciativas principalmente nas áreas que
E essa energia, aparentemente, o Governo direitos de todos cidadãos, impunha-se di7xm respeito às políticas de emprego e
pretende cooptar ao chamar a sociedade criar uma iniciativa que politicamente salário e às políticas de saneamento
c iv il a p a rtic ip a r do p ro g ra m a respondesse a seus compromissos de básico, saúde e educação. E ainda estamos
"Com unidade So lid ária". C om o não campanha e à pressão social. E surge o por ver quais as propostas do Governo
podem os en trar "no e sc u ro " , numa programa "Comunidade Solidária". nestas áreas.
proposta como essa, nem criticá-la de
Inicialmente este programa foi pensado
que se tem de informação alé o
maneira simplista dizendo que não deve
ser boa porque vem deste governo,
precisamos tentar situar o contexto em que
sob a inspiração do Programa Nacional de
Solidariedade mexicano. Lá, o governo do
O momento - afora a composição do
p ró p rio C o n s e lh o , na qual foram
PRI - partido conservador há mais de 50 desconsideradas as representações dos
ela é apresentada, seus objetivos, suas
anos no p o d er - co n se g u iu um setores organizados da sociedade civil, e
implicações sociais e políticas. Fazer esta
impressionante sucesso ao desenvolver o esvaziamento de seu caráter deliberativo
avaliação é também uma fonna de nos
um programa de financiamento direto aos - é um programa não mais de parceria,
e d u ca rm o s a r e a liz a r m e lh o re s
grupos de base da sociedade que se mas um programa de govemo centrado no
diagnósticos que orientem nossa ação.
organizaram para solicitar recursos. Em atendimento emergencial às 50 cidades
O G o v e rn o F e d e ra l assu m iu
pouco mais que 3 anos havia 150.000 mais pobres e que se localizem em bolsões
compromissos com o FM I e o Banco
Com unidade So lid á ria organizadas. de pobreza. Cone retamente, lala-se em
Mundial de reduzir os gastos públicos,
Foram liberados recursos da ordem de 1% d istribuição de alim entos. As outras
entre outras coisas. Esta redução se faz por
do PIB ao ano, principalm ente para possíveis dimensões do programa são
duas vertentes: a da privatização das
reformas de escolas, ligações à rede apenas e s p e c u la ç õ e s , sem nada de
estatais e a do corte no orçamento público.
Comunidade Solidária e

c o n c ic io ate o n io n icn to . A liá s, o essenciais à população, a televisão passa Estado e orientar a aplicação desses
programa Comunidade Solidária vcin a dar destaque às iniciativas localizadas do recursos para p<ílíticas conscqucntcs de
reduzindo suas pretensões a cada dia. programa "Comunidade Solidária" e cria combate à pobreza.
Primeiro falou-se em atender os 500 a miragem dc um governo c(ímpromctido V á ria s p ro p o sta s têm su rgid o das
m unicípios mais pohrcs. depois esic com a questão S(x:ial. discussões que buscam avaliar o Governo
número baixou para 100 c hoje sc reduz a O mais grave c que este programa, embora Fernando Henrique c suas iniciativas. As
50. uma cxpericncia pilolo. não o diga. com bate a organização mais importantes são:
Nos últimos dias. tcin * avaliar a ação do Governo a partir do
sido v eicu lad o pelos conjunto dc suas políticas sociais c não
jornais um plano de. em ap en as do program a 'C om unidade
quatro anos. reduzir pela Solidária";
metade os números da * prcssionar o Governo para que os
mortalidade infantil no c o n s e lh o s n a c io n a l, esta d u a is c
país. a partir de ações na municipais do programa "Comunidade
área de saúde. Tambcm Solidária" tenham caráter deliberativo c ,sc
foi Lmunciada a idcia da abram à re p resen ta çã o dos setores
Cl íação dc um’ banco organizad<is da sociedade civil;
p op u lar para * co n v o ca r os setores populares
fin a n cia m e n to de organizados c a população dos municípios
m icro e m p re sa s e vizinhos aos escolhidos dentro de bolsões
a q u is iç ã o dc dc pobreza para reivindicarem tambcm
instrumentos dc trabalho. seu atendimento;
Mas, só o programa dc * propor mudanças no programa
saúde prevê gastos que "Comunidade Solidária" que permitam
co n su m iria m toda a enfrentar os pioblemas de emprego e
v erba d estin a d a às s a lá r io . sa n e a m e n to b á sic o ,
"Comunidade Solidária". abastecimento, saúde, educação, a partir
E ssa s p ro p o sta s, dc projetos de desenvolvimento local c
p o rta n to . não regional com participação popular;
ultrapassaram ainda o * criar um Fórum Nacional da socicdadc
estágio dos balões dc civil com o propósito de monitorar dc
ensaio. m a n e ira p e rm a n en te o p ro g ram a
orém, não devemos "Comunidade Solidária".
P m e n o sp rezar
importância do programa
a
Silvio Caccia Bava é sociólogo, membro do
"Comunidade Solidária", ínxfiiuto Pólis c preside.nU‘ da ABONG.
nem a fonna como clc
será tratad o p elo
Governo. São quase 3 bilhões dc reais à p o p u lar, não re c o n h e c e co m o
disposição deste programa este ano. As interlocutores legítimos os sindicatos, <is
movimentos populares, as organizações
inlbrmações que vários conselheiros têm
nos passado dizem que Governo Federal
da so cied a d e c iv il que lutam pela Seminário
democratizÁição do país. pela afirmação dc
propõe a organização dc con selh os
cstaduaise municipais, coordenados pelos
direitos de cidadania. Como ele faz isso? Estadual
D escon h ecen d o a c x is tc n c ia destes
governadores e prefeitos. Quem convoca
movimentos, destas entidades, destas T e n d o cm v is ta os o b je tiv o s
a participação de representantes da
associações, e tentando se relacionar apresentados neste artigo, várias
sociedade civil são essas autoridades.
diretamente c<ím a base desorganizada da entidades se dispuseram a organizíir
Estão dadas as co n d içõ es para uma
sociedade. Ou alguém acredita que os um Seminário Estadual dc avaliação
política dc clientclismo, que pode .servir
prefeitos e governadores convocarão do p ro g ra m a ’’C om u n id ad e
para arregimentar sustentação política
aqueles que exercem pressão sobre seus Solidária", que sc realizará dia 3 de
popular para o G overno, a parlir da
governos? Fernando Henrique, nos seus junho, na Câmara Municipal de São
distribuição de alimentos aos grupos dc
ú ltim o s p ro n u n cia m e n to s, tem Paulo, por iniciativa da C U T, da
base da sociedade que sc organizarem
identificado seus opositores com o a Central dc Movimentos Populares, da
para reivindicar.
"v an g u ard a do a tr a s o " , co m o os Ação da Cidadania, do Movimento
Um outro risco bastante presente é o da
perdedores inconformados das últimas d os S em T e rra e da A B O N G .
pnxlução da ilusão dc que o Govemo está
eleições. Esperamos, a partir desse seminário,
empenhado no combate à pobreza e à
E o que nos cabe fazer nesta situação? p ro je ta r esla d iscu ssã o a nível
cxclusão s(x:ial. Enquanto corta as verbas
Mobilizar a .sociedade para controlar o nacional.
das p o lític a s p ú b lica s de se rv iç o s
Luta pela C i d a d a n i a
políticos com os defensores do controle da

Uma agenda
natalidade.
Significativam ente estes desafios têm
correspondência com a agenda que vem sc
firmando no plano internacional a parlir

que faz gênero


das conferências da década de 90: Direitos
Humanos (Viena, 1993), População c
Desenvolvimento (Cairo, 1994). Cúpula
de D esen v o lv im en to So cia l (C op e­
nhague, 1995) e a Quarta Conferência
SONIA CORREA
sobre a Mulher, Desenvolvimento e Paz,
que se realizará em Beijing, no mês de
terreno da rcpnxlução biológica e social, setembro deste ano. A erradicação da
eslc final de década, a cidadania

N ativa brasileira tem diante de si


m últiplos d esafios. Estarem os
e n v o lv id a s c e n v o lv id o s no
de que a política de saúde reprodutiva
formulada pelo movimento de mulheres é
o exemplo mais significativo. Porém
ainda não amadurecemos pesquisas c
violência de gênero coincide com as
definições de Viena que, pela primeira
vez, reconhecem a violência doméstica e
o estupro com o abusos dos direitos
m onitoramento ou talvez mesmo na
análises que permitam desafiar teorias humanos fundamentais. O Plano de Ação
implementação da agenda de políticas
econômicas dominantes, que submetem a aprovado no Cairo, ao reconstruir o debate
públicas que construímos ao longo das
esfera da reprodução ao primado da internacional sobre população a partir de
duas últimas décadas. Estas tarefas porém
lógica produtiva. um ó tica que p riv ileg ia os direitos
não devem r e s tr in g ir ou in ib ir a
Uma agenda estrutural para este fim de humanos fundamentais, neles incluídos os
criati vidade e a ousadia que nos trouxeram
século seria, portanto, dc tinir estratégias direitos reprodutivos, c programas amplos
até aqui, pois só elas asseguram a
teóricas e práticas no sentido de fazer com de saúde reprodutiva, retoma, legitima c
co n tin u id a d e dos p ro c e s s o s de
que as mensurações do produto interno amplifica a agenda feminista brasileira
transformação democrática. Vale dizer
bruto brasileiro passem a contabilizar, por dos anos 80. A Cúpula de D esen ­
ainda que e ste s d esa fio s têm uma
ex em p lo , o trabalh.o não pago das volvimento Social reitera as noções de
dimensão nacional e outra intrencional. mulheres, ou quem sabe outros aspectos ig u a ld a d e , eq u id a d e de g ên ero e
A trajetória do fem inism o brasileiro ainda menos discutidcís, como é o caso dos empowerment das mulheres, tal como
ilustra a magnitude do que temos pela "c u s to s de g ê n e ro " em b u tid o s no delineadas por Viena e pelo Cairo e, pela
frente. Na atual agenda das políticas crescim ento econôm ico resultante do p rim eira vez numa con ferên cia não
pú blicas nacionais pelo menos três turismo sexual, que se incrementa em cspecííica, recomenda explicítaiiientc a
questões prioritárias foram gestadas pelos várias regiões do país. Ou seja, é tempo de mensuração estatística do trabalho não
movimentos de mulheres: um programa enfrentar os economistas com a mesma pago nas contas satélites do PIB.
eletivo e integral de saúde reprodutiva, a energia e competência que aplicamos, ao Essa agenda deveria contluir e adquirir
erradicação da violência de gênero e a longo da década de 80, nos embates densidade no processo de preparação para
promoção da igualdade em termos de
acesso ao salário e à propriedade da terra.
Esta agenda permanece incompleta. Sua
implementação vai exigir, nos próximos
anos, determinação e profissionalismo por
parte das organizações de mulheres.
R equer, prin cip alm en te, estratég ias
poJílicas claras que tenham incidência
sobre o núcleo duro das políticas, que é,
exatam ente, a disputa pelos fundos
públicos. É urgente ir além do desenho
programático e enfrentar o campo árido do
d eb a te so b re o o rça m e n to e os
financiamentos internacionais.
Entretanto isso não será suficiente, pois
temos também diante de nós novos
desafios de naturezaconceitual, entre elès
uma m a io r e la b o r a ç ã o q u an to à
articulação entre sistemas de gênero e
desenvolvimento macroeconômico. Ao
lo n g o das duas ú ltim a s d éca d a s,
produzimos um salto de qualidade no que
diz respeito a análises e propostas no
Luta pela C i d a d a n i a
Beijing, pois a Quarta Conferência tem o
sentido de avaliar duas décadas de debate
so b re a "q u e stã o da m u lh e r",
estabelecendo novas bases para a relação
entre homens e mulheres nas esferas
Poder informar é
privada e pública. Lamentavelmente, não
é isso que vem ocorrendo. Os movimentos
de mulheres, cm todos os países e regiões,
têm realizado esforços extremamente
positivos c efetivos de mobilização para a
querer informar
conicnêncta, mas, no plano da ONU, o quadro EDUARDO HOMEM
é, nesle moinento, muito inquiétante.
O documento global para Beijing - que foi
debatido durante o mês de março no III embro-me tão bem... Éramos mais Não só as ONGs, também os sindicatos,
PREPCOM em Nova York - carecia de
um foco de gênero transversal e de
definições mais precisas em termos de
L dc cem naquela tarde de agosto.
Fazia sol e um tanto de frio no Alto
da Boa Vista. Tempo e lugar apropriados
as associações diversas da sociedade civil
temos descurado monumentalmente do
d ev e r de fa z e r uma c o m u n ic a ç ã o
implementação, recursos, acompanha- para o sonho. democrática, de informar o público e, até
mento e accountability. No campo das M o u ra, en tão no In e s c , e eu m esm o, de nos inform arm os a nós
negociações, o cenário é ainda mais ctm tem p lav am os a reu n ião e mesmos, E, pior, temos relevado nossa
preocupante, pois as forças que resistem elocubrávamos sobre o poder que dela debilidade para enfatizar as dificuldades e
historicamente à igualdade e aos direitos emanava: "já pensou se tódos e todas aqui impedimentos. Que são reais, que são
humanos das mulheres - em particular à assinassem um pedido de concessão de legais, mas que são também imaginários e
noção de direitos reprodutivos - operaram um canal de televisão? Conseguiríamos, fantasmagóricos.
de m aneira articu lad a ao longo do com certeza, o apoio dc pelo menos cem Em 1 9 9 5 , no B r a s il, esta rá sendo
processo de Copenhague c obtiveram um regulamentada a comunicação do futuro.
impacto efetivo nos debates do último A in te r lig a ç ã o dos siste m a s de
PREPCO M . Os colchetes - que num informática com os satélites e o cabo de
documento da ONU significam ausência "Não só as ONGs, também fibra ótica tornam quase irrelevante uma
de consenso - proliferam no texto final.
OS sindicatos, as luta que já perdemos; a transmissão de
Eles afetam 50% do capítulo sobre saúde inlbrmação via antena. Mas é préciso
- que retoma definioções do Cairo. Entre associações diversas da lembrar e ter dor de cabeça com o fato de
outros absurdos, estão entre colchetes os sociedade civil temos que entre milhares de rádios AM e FM e
termos "UNIFEM" (nome do programa televisões VHF e UHF que saciam (?)
das Nações Unidas para a mulher) e
descurado do dever de fazer
nosso desejo de informação, não há uma
"universal" (da Declaração Universal dos uma comunicação só de caráter verdadeiramente público,
D ireitos Humanos). O uso do termo
democrática” aberta ao público, sem amarras políticas,
"g ê n e ro " co n tin u a co n d icio n ad o a ideológicas, religiosas, corporativas,
aceitação de uma definição que seja Minha prioridade, talvez pessoal, em 95,
acordada por todos os sig n atário s. é expandir o sonho, irrealizado, do dia da
Finalmente, no início de abril, o governo p a rla m e n ta re s e de m ais cem fu n d a çã o da ABO N G. Ju n ta r
chinês infonnou ao Comitê Facilitador personalidades da vida pública brasileira. conhecim entos e forças com gentes,
das O N G s que o F oru m N ão Seria um grande e belo alarido e qual entidades, movimentos, para disputar os
Governamental havia sido deslocado para governante deixaria escapar a chance de canais da multi-mídia, entrar no cabo e
um local a mais de 50 quilômetros de contemplar nosso desejo? Até mesmo por sair para o satélite de forma não marginal,
Beijing e onde só há espaço para 1700 acreditar que seriam os incapazes de não dependente da empresa ou do Estado,
pe,ssoas. transformá-lo em fato." não apenas como alternativa ao que hoje
Fjste cenário nos diz que devemos tomar a Fsíava sendo fimdada a ABONG. c dominante.
agenda de Beijing em nossas mãos de Já lá sc vão três anos e meio, mas desde A ação mais pública de que participou
maneira a conter os retrocessos que se muito antes, caso nos fosse perguntado essa geração de entidades e pessoas que
a n u n ciam . Is to é, a meu v er, tão qual o grau de priorid ad e em que formam a ABONG é a Ação da Cidadania
im portante, neste m om ento, quanto consideramos o direito à informação, conta a Fome, a Miséria e Pela Vida. Ela
assumir os múUiplos desafios que se diríamos em uníssono: grau máximo. nos ensinou muitas lições, nos reafirmou
manifestam no contexto nacional. Trabalho em e com ONGs desde 1980 Oe o u tra s ta n ta s . U m a d e la s d iz da
durante todo esse tempo tenho visto essa informação como prioridade na luta pela
Sonia Côrrea é arquiteta com especializjação prioridade ser deixada de lado. Não quero cidadania. Banal, quem diria?
em antropologia, cordenadora da área de falar de fracasso, porque só o seria se
pesquisa do IBASE e membro da Diretoria tivéssemos tentado. O sentimento é de Eduardo Homem é jornalista e diretor do
Executiva da ABONG. frustração. Centro de Cultura Luiz Freire
§ C ú p u l a de C o p e n h a g u e
Uma entrevista com pt)ssibilidade de se sair da Cúpula com um
compromisso efcíivo de superação da pobreza,
Acho que o grande mérito desta confcrcncia.

Am élfdCohn^ ^ apesar da baixa mobilização governamental,


inclusive brasileira, foi exatamente o fato de se
definir alguns princípios bastante amplos e, ao
Aiiiclia Cí)hn - Aclm difícil identificar essas mesmo lempo. sensibilizar o público para a
C3 a 12 dcm aryoúltim os.ccrcade

D polílica.s; Foram debatidas, sim. certas problem ática da pobreza e do


2 ínil Òr^G.s c 122 chcteí; dcEsiado desenvolvimento social.
■medidas econômicas, como cobrar uma íaxa
ou de Governo estiveram reunidos .“fobre as opcraçrx^s financeiras iniemacionais. J.A . - Cotno foi a participação lalino-
em Copcnhague, Dinamarca, na Cúpula Mas a Cúpula tião sc propi^Js definir políticas amcricana no encontro?
Mundial para o Deseiivolvimenlò Social, gedús dc combate :i p(^hreza. A.C, - Estavam ausentes todos os chefes dc
promovida pela ONU. que leve como fio J.A. - Diante da impossibilidade dc definir Estado dos principais países da America
condutor dc seus debates o atual quadro de pí)líticas gerais, podemos dizer que a ênfase Latina, exceto o C hile. Os próprios
pobreza no mundo. O relatório brasileiro, sobre políticas localizadas foi u orientação trabalhadores sc mobilizaram rnuito pouco, No
com um retrato sem maquiagem da grave dominante na Conferência? entanto, a América Latina está numa situação
situação social do país, loi dos mais A.C. - Piii - eu diria - o espírito que circundou em que a polr'tica de estabilizuição monetária é
a discussão. É verdade que a Cúpula teve incom patível com uma política dc
elogiados do encontro. A sinceridade com
como pauta trcs temas gerais; grupos dcscnvíilvimenio social. Mesmo as medidas
que tratou o tema fez ate surgir o destinadas a minorar os efeitos dcsastro.sos da
vulneráveis, mercado dc trabalho e emprego e
conieiilário dc que parecia mais um pobreza propriamente dita. Agora todo o estabilização no campo social acabam
docum ento da o p o sição do que do espírito da Confcrcncia Ibi muito mais o de reproduzindo a desigualdade existente na
Governo. Na verdade, seu conteúdo debater pt>lílicas focalizadas dc combate à socied ad e. No caso b rasileiro - c o
resultou dc um am plo p ro cesso de pí)breza do que o de discutir desenvolvimento relatório mostra isso - essas políticas
debates, envonvendo representantes de sustentado, ajuste estrutural, globalização etc. sociais acabam atingindo os menos pobres
diversos setores da sociedade civil, O único iicni da área .social que foi enfatizado, cntrc os pobres.
iniciado ainda na gestão Itamar Franco. A que ganhou destaque, foi educação - e saúde J.A.- Podemos esperar que os debates iravados
ligada à educação. na Confcrcncia resultem em alguma mudança
relatora geral do documento c principal
J.A. - Como v(x;c interpreta essa opção pelo real nas polr^ticas govemamentais relativas à
responsável por seu perfil foi a socióloga pobreza?
debate de p<ilíticas,focalizadas? ..
Amélia Cohn. professora da Faculdade de A.C. - Isso ocorreu - eu acho - porque, ao A.C. - Eu acho que não. Pode haver sim um
Medicina da Universidade de São Paulo e contrário da Eco 92, da Contercncia do Cairo efeito indireto, um subpnxluto desses debates:
presidente do CFDEC r Cenlro dc Estudos sobre população, do que pretende ser a a maior mobilização da própria sociedade
de C ultu ra C o n tem p o râ n e a . N esta Confcrcncia dc Beijing sobre a mulher, o terna sobre a temática do desenvolvimento s«x;ial.
e n tre v is ta , ela fa la da C ú p u la dc do desenvolvi mento .social e muito abrangente. Agora, acho que essa questão virá
Copcnhague, c. na página ao lado. faz uma A própria definição de pobreza c ampla necessariamente atrelada a temas específicos:
apresentação e destaca as principais demais. Significa carência. Mas que tipo dc violação dc direitos humanos, mulheres,
carência? Carcncia de tudo? Carência relativa? crianças etc. Por si só. o tema do
conclusões do relatório brasileiro.
Então era muito difícil consimir-sc a partir desenvolvimento .social c amplo demais para
Jornal da ABONG * Que políticas definidas dc
desse ten\a uin pacto’ mundial. Já antes da conseguir mobilizar a s(x:iedade e .sc traduzir
superação da pobreza resultaram da Cúpula dc
C onferência, eu era cética quanto à em ações concretas.
Copenliaguc?

Cúpula, dc uma posição favorável à maior montante das verbas que os países ricos
O saldo da Cúpula coordenação entre a ONU e entidades como
o FMI e o Banco Mundial. E.ssas instituições
devem destinar.à ccxiperação internacional.
Os Estados Unidos conseguiram impedir,
"Pela primeira vez, no âmbito da Assembléia internacionais constituiram-se num poder em porém, que íbsse fixado qualquer prazo para
Geral da ONU,foram trazidos à tona temas si. claramente vinculado a uma orientação a efetivação dessa medida. Com relação a
que revelam os impa.sse.s e limitas do modelo política e ecíMiômica precisa - o uma das questões mais debatidas na Cúpula,
neoliberal" - a avaliação, relativa à Cúpula dc neoliberalismo - e fora dc qualquer controle a chamada ’’20 - 20”. a posição final foi que
Copcnhague, é do historiador Átila Roque, por pane de organismos mais pluralistas e devem ser destinados a objetivos sociais 20%
a.sse.s.sor de políticas insiiiucionais'do IBASE democráticos, como a Assembléia Geral da dos em préstim os e financiamentos
c um dos iiiembnís do grup<i formado pela ONU. A reivindicação expressa em fornecidos pelos países ricos aos pobre.s. bem
ABONG para- acompanhhr a Cúpula dc Copcnhague. no .sentido de maior cíxírdenação como 20% dos orçamentos domésticos destes
Desenvolvimento Social. Ele acredita que, entre os organismos, p<)de signitlcar o início dc últimos. Isso fica condicionado, porem, a um
independentemente do.s acordos e um que.siionamento da hegemonia neoliberal, acordo cntrc as partes envolvidas.
compromissos assumidos, só fato da Copcnhague Ibi mayro em termos dc "Devemos entender as limitações de um
temática social ter-se recolocitdo na agenda definições concretas. A sugestão de organismo como a ONU", explica Átilii. "Ela
internacional já c uni ganho e vale a pena ser cancclamento da dívida externa dos par^ses não tem condições dc impor suas decisixjs aos
destacado. "Retoma-se a discu.ssão da pííbres conio Ibrma de combate à pobreza fbi países membros. O que sc p<3de esperar dc
finalidade últinia do desenvolvimento, de aprovada apciías como proposta indicativa - uma reunião como a dc Copcnhague c a
quais os destinatários doj; frutos da atrvídade e assim mesmo circunscrita aos países mais geração dc certos influxos políticos que
econômica", enfatizai. Outro ponto positivo pobrc-s da África. Rcál1nnou-sé a tneta de sc favoreçam, cm cada par's, os movirnenlos da
destacado por Átila-foi o crescimento, na elevar para 0,7% dc seus respectivos PIBs o .sociedade civil organizada".
C ú p u l a de C o p e n h a g u e
De qualquer forma, os números absolutos são

0 relatório brasileiro exp ressiv os, e uma p olítica de


desenvolvimento social no país implica retirar
da situação de pobreza e indigência
contingentes da ordem de 42 milhões e 16
AMELIA COHN
milhões de pessoas, respectivamente. Além do
mais, estudos sobre eficácia das políticas
O Brasü ;\presentou-se à Cúpula paru o populacional pelo território altamente
sociais mostram que estas tendem a atingir
Desenvolvimento Si)cial com um documento diferenciada, o que se reflete na densidade
mais os menos pobres do que os mais pobres.
que retrata seu rosto sem disfarces. Para tanto, demográfica regional bastante dispare:
não resta dúvida ler sido fundamental o enquanto na região norte ela é de 2,39
habitantes por km2, na região sudeste ela é de Emprego e mercado de trabalho
processo que lhe deu origem: uma sucessão de
debates que contou com ampla participação 73,61 habitantes por km2. Por outro lado,
dos distintos segmentos sociais interessados c segundo dados estimados para o ano de 1992, O mercado de trabalho brasileiro
comprom etidos com a questão do enquanto a região sudeste contribui com caracteriza-se por uma baixa taxa de
desenvolvimento social. 56,18% do PIB, a região norte contribui com desemprego aberto (5,3% em 1990); por-um
E-struturam o documento dois eixos principais: 5,53%. elevado grau de informalidade das relações de
dei um preocupação em apresentar as O perfil etário da população evidencia uma trabalho, com tendência a aumentar nos anos
profundas disparidades sociais que. marcam tendência ao envelhecimento, mas aindaé uma mais recentes; por uma alta taxa de
nossa realidade; de outro, a magnitude dos população extremamente jovem: 34,7% dos rotatividade da mão de obra, sobretudo para os
problcinas sociais que o país terá de enfrentar brasileiros têm até 14 anos de idade (70 trabalhadores menos qualificados, tendendo a
no alívio e superação da pobreza. milhões de pessoas) e 4,9% têm 65 ou mais aumentar a duração média do desemprego ao
E aqui destaca-se um aspecto importante: no anos de idade (mais de 10 milhões de pes.soas). longo da década; pela deterioração da
item 11, o documento discute a questão do A esperança de vida média do brasileiro é qualidade do emprego.
desenvolvimento social e equidade, alertando 65,49 anos, sendo que, enquanto no nordeste, Quanto à remuneração do trabalho, note-se
para três pontos fundamentais. O primeiro ela é de 64,22 anos, na região sulelaéde 68,68 que, ao tongo da década de 80, o salário real
deles diz respeito ao fato de que tratar do tema anos. Como existe clara relação entre médio sofreu uma redução de 14%, e que
do desenvolvimento social im plica o esperança de vida ao nascer e nível de renda, dados relativos às seis principais metrópoles
enfrentamento da.s iniquidades sociais de toda associand o-se rendimento mensal e brasileiras registram, entre 1989 e 1992, uma
ordem que marcam nossa sociedade, sem distribuição regional, tem-se que, para o queda do salário real médio superior a 40%.
restringi-las à dimensão única da pobreza. O grupo mais pobre da região nordeste, ela Isso indica que a contrapartida da grande
segundo refere-se à necessidade de se pensar é de 51,5 anos, enquanto, para o grupo quantidade de empregos gerada nesse período
articuladamenie as dimensões econômicas e mais ricü da região sudeste, ela é de 75 foi a marginalidade dos mesmos.
sociais do processo de desenvolvimento, anos, apresentando um diferencial de Por outro lado, é necessário que se registre que,
buscando-se uma nova articulação entre 23,5 anos. para além das disparidades de níveis de
políticas econômicas e sociais que visem Essas disparidades rcpctcm-se no caso da remuneração por gênero (enquanto 61% das
uma efetiva redistribuição de renda, mortalidade inf'antil, do acesso a serviços de mulheres ocupadas percebem até 2 salários
constituindo-se assim um novo modelo de saneamento básico, do perfil epidemiológico mínimos, no caso dos homens o percentual é
desenvolvimento capaz de promover maior das causas de mortalidade, da distribuição de de 49%; e enquanto apenas 3% das mulheres
justiça social. equipamentos de saúde, do analfabetismo, percebem mais de 10 salários mínimos, esse
O terceiro finalmente diz respeito ao fato de dentre outros. Cabe ressaltar, aqui, que 16,9% percentual chega a 7% no caso dos homens),
que, no caso específico das políticas sociais, de das crianças entre 10 e 14 anos, que deveriam entre os meios urbano e rural e por cor, no
acordo com a perspectiva de superação da estar na escola, já trabalham. decorrer da década de 80 foram os
pobreza, isso implicaria em não mais Quanto à distribuição de renda, enquanto na trabalhadores dos segmentos informais do
escondê-las e formulá-las a partir do marco da década de 60 a renda apropriada pelos iO% mercado de trabalho que revelaram maior
oposição básica entre universalização e mais ricos da população era 34 vezes superior capacidade de defesa de seus rendimentos reais
f(x;alização (o que teria como base definidora àquela apropriada pelos 10% mais pobres, em do que os trabalhadores do setor formal;
a necessidade), mas sim a partir da lógica do 1990 essa proporção se eleva para 78 vezes. enquanto neste caso a perda foi de 19 pontos,
direito. Distingue-se, assim, o desenvol­ os trabalhadores do setor formal apresentaram
vimento social em termos de alívio da pobreza A pobreza no Brasil um ganho de 10 pontos.
(políticas sociais de caráter mais emergencial, Esses dados indicam (sobretudo os últimos)
f(X^alizadas sobre os grupos mais vulneráveis) não só que a magnitude da questão da pobreza
Pe.squisas sobre pobreza e desigualdade no
e de superação da pobreza (políticas norteadas no país demanda políticas de fôlego e de curto,
Bra.sil, a partir de dados relativos a 1990,
pela construção de um novo modelo de médio e longo prazos, como também que se
estimam em tomo de 27% a população de
desenvolvimento sustentado, voltadas para o torna urgente reverter a lógica que vem
pobres no país (cerca de 39 milhões de
crescimento econômico com equidade prevalecendo, segundo a qual garantias
brasileiros) e em torno de 12% a população de
social, onde as políticas econôm icas trabalhistas e poiiticas sociais não representam
indigentes (16,6 milhões de pessoas).
assumam também a dimensão de políticas a defesa dos direitos do cidadão brasileiro,
Esses nilmeros têm um forte componente mas, ao contrário, na sua efetividade tendem a
sociais).
regional (atingem proporções mais elevadas na reproduzir as desigualdades sociais.
regiões norte e sobretudo nordeste), com
Caracterização geral da incidência mais elevada no meio rural, embora
realidade brasileira na regiões mais urbanizadas do país a pobreza Amélia Cohn, relatora geral do documento
passe a ser um fenômeno preponderantemente apresentado p elo Brasil na Cúpula de
Um país de caractensticas continentais, com metropolitano, enquanto a indigência Copenhague, é presidente do CEDEC e
uma população de 156.300.000 pessoas demonstra ser um fenômeno preponde­ docente da Faculdade de Medicina da
(1 9 9 2 ), apresenta uma distribuição rantemente urbano - metropolitano. Universidade de São Paulo.
P e r f i l de ONG
Geledés: a forca
da mulher negra
j

Na língua iorubá, a palavra Geledés construiu num trabalho árduo c cotidiano, proi'issional, na área da informática, e
designa certas confrarias de mulheres como o desenvolvido no serviço SOS * o ficin as de saúde e sexualidade. Os
c o n g re g a ç õ e s r e lig io s a s s e c r e ta s , R A C IS M O , que o fe rece asse sso ria próprios rappers vinculados ao Projeto
a ss o cia d a s ao c u lio de p o d ero sa s ju r íd ic a g ra tu ita para v ítim a s de produzem uma revista, o Pode Crê !,
divindades femininas e dirigidas por discriminação racial. "Quando iniciamos primeira revista brasileira voltada para
sacerdotizas, nas quais a participação dos esse trabalho", diz Sueli, "fizemos uma jovens negros, com a proposta de ser um
homens era admitida, mas nunca em pesquisa em varas criminais da cidade de v e íc u lo de v a lo r iz a ç ã o e s té tic a ,
cargos de d ireção . Há reg istro s da São Paulo, e constatamos que, em 4 0 anos c o n s c ie n tiz a ç ã o e d is c u ss ã o dos
s o b re v iv ê n c ia d essa s fo rm as p ro b le m a s que a flig e m a
ancestrais de organização entre os com unidade negra. "As bandas
negros do Brasil ainda no início do chegaram aqui buscando socorro no
s é c u lo . Num n o vo c o n te x to S O S - ra c ism o , em função da
histórico, de ações públicas em violência^ policial de que os jovens
defesa dos direitos dos negros e das negros são vítimas - especialmente
mulheres, a palavra G eledés foi os rappers, que desenvolvem uma
resgatada por um grupo de militantes música muito crítica", conta
negras, com longa trajetória de luta Sueli Carneiro. Fizemos então um
co n tra o racism o e o sex ism o sem inário para discutir em que
existentes na sociedade brasileira. medida a gente poderia construir
No dia 30 de abril de 1988, era uma parceria. Foi daí que nasceu um
fundado, na cidade de São Paulo, o p ro jeto com a p a rticip ação de
Geledés - Instituto da Mulher Negra. re p re s e n ta n te s de bandas de
"Ele surgiu da constatação de que d ife r e n te s re g iõ e s da cid a d e.
nós, mulheres negras, temos uma Inicialmente a proposta era modesta:
temática específica, que não estava construir um espaço de discussão
sendo contemplada, na época, nem sobre a situação do jovem negro. E
peio movimento feminista nem pelo a cab o u v ira n d o um c o lo s s o ,
m o v im en to n e g ro ", d iz S u e li in clu siv e com uma articulação
Carneiro, uma das fundadoras e in te rn a c io n a l com bandas
co o rd en ad o ra do P ro gram a de americanas. O projeto nos permitiu
Direitos Humanos do Geledés. equacionar uma questão que sempre
Recentemente, o Geledés ganhou as de existência da Lei Afonso Arinos (que foi muito difícil para nós: como lidar
páginas da grande imprensa, a partir da define o racismo como crime), havia politicamente com a questão cultural. O
notificação feita à Rede Globo devido à apenas dois processos m ovidos por rap nos possibilitou fazer essa articulação,
atitude passiva com que o personagem motivo de discriminação racial. Isso nos de forma a utilizar politicamente a cultura
negro Kennedy recebia uma ofensa de deu uma medida do descaso com que a negra - não de maneira manipulatória, inas
cunho racista na novela "Pátria minha". A Justiça tratava essa questão. A partir da respeitando a autonomia da expressão
Globo se retratatou, incluindo na própria a ção do S O S - R A C IS M O , tem os cultural".
novela uma cena em que a madrinha de tramitando hoje na Justiça cerca de 60 O SO S - racismo e o Projeto Rappers
Kennedy, também negra, faz um longo processos. E estamos recebendo em média fazem parte do Programa de Direitos
discurso, despertando nele a auto-estima e quase 200 queixas por ano". Humanos do Geledés, que engloba ainda
o orgulho por sua condição racial. O caso Mas a menina dos olhos do Geledés é o outras atividades. Além deste, o Geledés
teve tanta repercussão que, na novela Projeto Rappers, que reúne atualmente 13 possui ainda um Programa de Saúde -
seguinte, "A próxima vítima", toda uma bandas de rapdaperifWiadacidadede São voltado principalmente para mulheres e
família negra de classe média passou a ser Paulo. O Projeto utiliza a música num adolescentes, com ênfase em questões de
retratada de maneira digna - algo raro na trabalho de denúncia e conscientização saúde reprodutiva - e um Programa de
teledramaturgia brasileira, em que o negro sobre a violência racial, integrando ainda Comunicação, que busca dar suporte às
quase sempre aparece como personagem temas como a aids, as drogas e outras outras atividades da Organização, através
isoladole ocupando cargos subalternos. questões presentes no universo dos jovens da elaboração de folhetos, cartilhas,
Não é só de ações espetaculares como negros. Entre outras coisas, o Projeto vídeos e outros veículos de comunicação,
essa, porém, que vive o Geledés. Ao oferece cursos de capacitação política, da realização de eventos e da intervenção
con trário, sua representatividade se capacitação musical das bandas, formação na mídia.

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