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Mestre em Direito pela UNESP (Franca, SP); Professor de Direito FADIPA (FESP|UEMG); UNIARA (Araraquara, SP);
FAFRAM/FE (Ituverava, SP) e da LIBERTAS (São Sebastião do Paraíso, MG).
E-mail: manoelilson@uol.com.br
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O Estado romano surge de uma cidade-estado, idéias, mas também o renascimento das cidades,
mas caracteriza-se pela sua capacidade de ex- com as riquezas do comércio marítimo. Portugal é
pansão imperial. As conquistas do Império Ro- a primeira potência moderna, com a sua rota para
mano foram possíveis graças à organização e as Índias, depois a América espanhola alimentou
eficiência de seu exército, mas também graças a metrópole com os seus metais. Estabeleceu-se
ao modelo de anexação dos povos conquistados. uma corrida mercantilista e colonialista, forman-
Os romanos preservavam a organização políti- do-se novas potências econômicas e militares,
ca dos dominados, exigindo a contrapartida em como a Holanda e a Inglaterra. O Estado Moder-
tributos e a manutenção das fronteiras. Mas a no lança os seus pilares neste terreno, o poder se
expansão contínua do império o alimentava e caracteriza pela soberania, os territórios se fixam
foi também a causa de seu declínio. Quando as na segurança dos tratados e o povo passa forta-
fronteiras de expansão se esgotaram, o exército lecer a sua identidade em decorrência do poder
se engessou ocupando a máquina pública e não dos monarcas absolutos que procuram consolidar
resistiu às invasões bárbaras. os limites de sua soberania. É na fragilização do
O Estado Medieval surge da crise do Estado poder medieval que surgem as monarquias abso-
Romano. Os romanos abandonaram as cidades e lutas, com Estados centralizados para garantir a
se encastelaram na zona rural, o império caiu no ordem e o status quo.
ocidente, os bárbaros introduziram seus modos O que é a soberania? É a exclusividade de de-
políticos e o Estado Medieval surgiu com uma cisão, que se opõe à estrutura de poder medie-
grande fragilidade e divisão política. Mas o Esta- val. Na Idade Média a igreja, o senhor feudal e o
do passou por muitas transformações ao longo da rei jurisdicionavam concorrentemente. A Paz de
Idade Média. Da crise com as invasões bárbaras, Westfalia, um tratado que definiu fronteiras entre
o período do império carolíngeo, a consolidação França e Estados alemães medievais, simboliza o
das relações de vassalagem ao renascimento. Em nascimento do Estado Moderno, que passa a ser
um milênio teve-se a ascensão da Igreja Católica delimitado por tratados de fronteiras. Mas tam-
e do poder do papado. Mas o poder político esteve bém os tratados se tornaram freqüentes para es-
distribuído entre a Igreja, os senhores feudais, os tabelecer a paz, o comércio, etc. Surge a comuni-
reis, as corporações de ofício e o antigo império dade internacional moderna, formada por Estados
romano-germânico. As cidades serviam mais para que se legitimam a partir de um direito definido
o pouco comércio e a pouca atividade burocráti- em tratados. Estes são os fundamentos do Estado
ca. Esta diluição do poder político é caracterizada Moderno como conceito histórico. Segundo We-
principalmente pela relação de vassalagem, onde ber (WEBER, 1970), o Estado Moderno se carac-
os senhores estabeleciam com outros senhores teriza pelo monopólio legítimo da violência. Este
uma prestação serviço em nome da segurança re- monopólio é decorrente do poder soberano, esta
cíproca. O rei não tinha um exército permanente, legitimidade da competência legislativa que lhe é
recorria aos seus vassalos para expedições esporá- atribuída, assim como o estabelecimento de uma
dicas. A riqueza era distribuída como propriedade sociedade que produz legitimidade pela legalida-
rural feudal, onde os senhores tinham verdadeiro de, e esta violência é a condição do poder políti-
poder político sobre os seus servos e buscavam co. No Estado Moderno há a supressão do direito
legitimação divina para uma relação de proprie- de constituir outras organizações políticas que se
dade e governo. utilizem de violência, isto não quer dizer que elas
A crise do Estado Medieval explica muito a não surjam, apenas que não são legítimas sob o
origem do Estado Moderno. Este surge conco- ponto de vista da ordem vigente.
mitante ao renascimento. O sistema feudal já no
século XIII não absorvia o crescimento popula-
cional e este excedente migrou para as cidades e O ESTADO E A LEGITIMAÇÃO SOCIAL
feiras, para sobreviver do ambiente comercial que A evolução do Estado a ponto de tornar-se a
crescia também com o novo contingente. As des- sociedade política que monopoliza legitimamente
cobertas e rotas marítimas do oriente trouxeram a violência (WEBER, 1970) se deu por conta da
riqueza e prosperidade para estas cidades, onde se sua capacidade de produzir instrumentos e argu-
formou também um espaço fértil para uma nova mentos de legitimação superiores. A legitimação
cultura, que resgatou o pensamento grego e pro- do poder é a capacidade de produzir a consciên-
duziu o humanismo. Deus deixou de ser o centro cia de que o poder é devido. Uma das formas de
do universo e a propriedade da terra deixou de legitimar o poder do Estado é justificando-o. A
ser a riqueza predominante. Isso foi possível por- identificação da justificação com o processo de
que o renascimento não foi só o renascimento das legitimação ocorre porque os fundamentos do Es-
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tado apontados em cada pensador correspondem em prática sob o discurso de um líder tradicional,
a um período histórico e contribuem para criar o carismático ou legalmente reconhecido.
sentido de verdade que acompanha os argumentos
de dominação social. Em Hobbes (1974), a paz
necessária que o Leviatã proporciona corresponde A LEGITIMAÇÃO DO ESTADO E A
ao ambiente de ruptura do tecido social decorren- CIDADANIA MODERNA
te da transição do Estado medieval para o Estado A sociedade moderna no Estado Democrático
moderno. A propriedade da terra e a origem divi- e de Direito se caracteriza pela organização da
na do poder já não garantiam aos senhores feudais sociedade civil em torno de direitos fundamen-
o poder e a ordem, o renascimento e o comércio tais garantidores de muitas liberdades e da pró-
ultramarino fundavam as bases de uma nova so- pria perspectiva de democracia. Este modelo é,
ciedade, que dependia de um Estado forte e cen- por outro lado, o instrumento e o argumento de
tralizador para formar um novo tecido social, e o legitimação do Estado.
monarca absoluto não era mais do que um senhor A sociedade civil organizada é o conjunto de
feudal soberano. Mas o iluminismo, por Rousseau manifestações de crítica e resistência à ação po-
(1997), vê na natureza humana a passividade que lítica do Estado. Normalmente um ideal comum
dispensa o poder absoluto do Leviatã, é a ruptura reúne parte da sociedade civil organizada em mo-
necessária para a realização da revolução burgue- vimentos de contestação social, mas não se pode
sa, com o fim dos estamentos sociais, e com o confundir sociedade civil organizada com o mo-
acesso ao poder pela democracia. Rousseau ofere- vimento de oposição a um determinado regime
ce os argumentos para legitimar o poder do povo político, pois esta é apenas uma possibilidade da
e pelo povo. Em Locke (1963), onde a finalidade organização da sociedade civil. Nos séculos XIX
social é a liberdade, seu liberalismo político está e XX a sociedade civil organizada foi constan-
intimamente ligado aos interesses da burguesia no temente identificada com o exercício da cidada-
Estado, que deve ser mínimo para que a sociedade nia. Muitas vezes aliada aos movimentos revolu-
vivencie as leis de mercado, desejada pela nova cionários de esquerda, outras vezes a conquistas
classe no poder. O Estado como personalidade ju- sociais e outras a processos de democratização.
rídica em Hegel (1928) possibilita o poder consti- Normalmente foi o instrumento político de seg-
tuído se acomodar à complexa estrutura de poder mentos sociais excluídos. Esteve conceitualmente
que foi gerada, composta de um amplo campo ju- ligada à modernidade, pois, cidadania é a condi-
rídico, uma malha burocrática e um forte apara- ção de membro do povo na democracia. A cida-
to de força, que servem a qualquer ideologia. A dania moderna se caracteriza pela titularidade de
dominação em Duguit (1923) e a luta de classes direitos e deveres perante o Estado e esta foi uma
em Marx (1987) é o reconhecimento explícito de oportunidade única do indivíduo participar ati-
como as relações sociais é também uma relação vamente das relações de poder. A construção da
entre dominantes e dominados e a legitimidade se cidadania neste período produziu avanços signifi-
funda apenas na condição de ser dominante. cativos identificados por um rol extenso de direi-
Max Weber (1970) analisa o processo de le- tos fundamentais.
gitimação do poder e identifica três formas de
legitimação: pela tradição, pelo carisma e pela
legalidade. Por exemplo, na Idade Média a força A LEGITIMAÇÃO DO ESTADO E OS
das instituições cristãs estava na tradição de seu DIREITOS FUNDAMENTAIS
poder por séculos diante de valores sedimentados O reconhecimento dos Direitos Fundamentais
na consciência coletiva. De outra forma muitos do Homem é uma conquista da sociedade moder-
líderes construíram impérios e sustentaram o seu na, seja como símbolo do modelo de civilidade
poder graças à habilidade de reunir seguidores adotado, destacado como condição de emancipa-
sob o seu carisma pelo discurso ou por recursos ção do homem em relação ao Estado, seja como
pessoais atrativos, como segurança, iniciativa, princípio da sociedade liberal, que tem um res-
bravura, etc. Mas a modernidade se caracteriza pectivo amparo nos fundamentos do Estado, para
com a legitimidade pela legalidade. O Estado de propiciar o funcionamento do sistema econômico
Direito é a maior representação deste fenômeno, de livre iniciativa e exploração irrestrita das pos-
onde o que está na lei é o devido. Por trás das for- sibilidades do indivíduo.
mas de legitimação identificadas por Max Weber Mas muitas vezes a abordagem sobre o leque
(1970) há o respectivo conteúdo ético que produz dos direitos do homem, identificados como fun-
o convencimento dos sujeitos na relação de po- damentais, possui um caráter idealista e absoluto,
der. O pensamento dos autores acima foi posto como princípios da condição humana, imutáveis e
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