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INT

RODUÇÃO
NA TRAVESSIA, OS REENCONTROS
COM A ESCOLA RURAL

“... desprovido de experiência o homem


não deixa rastros...”
(Sônia Kramer).

A minha proposta nesta tese é discutir algumas questões relacionadas à educação


rural, tomando como eixo desta discussão a escola e o professor rural do Campo
das Vertentes. Acredito que o caminho se faz ao andar, e esta caminhada
pressupõe desafios e escolhas. A escolha do tema foi feita, portanto, ao “(re)fazer”
minha caminhada, como sugere Kramer (1997), “... compreender o presente com
o olhar iluminado pelo passado...” (p. 1).

Portanto, tomarei como porto de partida a minha história de vida e minha a prática
profissional. A educação rural faz parte da minha trajetória de vida. Nasci na zona
rural de Alagoas, onde fui alfabetizada por uma professora “leiga” 1. A escola
funcionava numa pequena casa de pau-a-pique2, coberta com palhas de coqueiro,
onde tinha uma velha mesa para a professora e algumas poucas carteiras para os
alunos. Lá, só funcionava uma sala com alunos da 1ª e 2ª séries. Na escola, não
tinha material escolar — apenas um caderno, um lápis e uma borracha para cada
aluno. Na parede, tinham pendurados um pequeno e velho quadro-negro e uma
palmatória. Foi nessa escola que tive contato com as primeiras letras (A de arubu)
e com a contagem básica. Fui alfabetizada ouvindo duas importantes
recomendações da minha primeira professora:

“escrevam pouco e copiem com a letra bem pequena para economizar


o caderno (tinha que durar o ano todo) e não faltem às aulas, pois no
fim do mês preciso mostrar para a supervisora que todos vocês
1
Segundo a UNESCO, o professor leigo é aquele que cursou até a 4ª série do ensino
fundamental.
2
Paredes feitas de ripas ou varas entrecruzadas e barro.
2

compareceram às aulas, pois disso depende o meu salário.”(Dona


Aparecida)

Isso aconteceu há aproximadamente quarenta anos na zona rural de um pequeno


Estado do Nordeste. Anos depois, mais exatamente como doutoranda do Programa
de Pós-graduação da PUC-RIO, identifiquei praticamente a mesma situação no
filme Nenhum a Menos (1999), do diretor chinês Zhang Yimou: era a arte
refletindo fatos da vida, da minha vida!

Medo e insegurança são alguns dos meus sentimentos diante — agora não mais do
caderno que deveria ser economizado — da possibilidade de ressignificar, para
tentar entender, refletir e contribuir de alguma maneira com a discussão sobre o
quadro atual em que se encontra a educação rural.

Nas palavras de Sônia Kramer, “lembrar..., não reviver, mas refazer, reconstruir,
pensar com imagens e idéias de hoje as experiências do passado”. Então, tentarei
neste momento, reconstruir a minha trajetória de vida, como algo que
instrumentaliza minhas reflexões sobre meu tema/estudo atual.

Com oito anos, fui morar em uma pequena cidade próxima ao sítio onde ficava
minha primeira escola. Lá, estudei em uma escola, onde cursei a 3ª séries do
ensino fundamental. Nessa escola, tinha uma cartilha de que me lembro até hoje.
Achava-a bonita com suas letras e imagens coloridas. Lembro que uma das lições
era sobre a escola: havia uma figura que retratava uma escola com crianças
brincando num lindo jardim, com uniformes bonitos, paredes brancas e limpas e
uma grande bandeira hasteada. Tudo era perfeito. Diante daquela imagem,
pensava: “gostaria de estudar numa escola como essa”.

Mas a minha escola era muito simples, não tinha jardim, uniforme, nem bandeira
hasteada. A merenda escolar, quando tinha, sempre nos fazia mal. Lembro-me que
sempre nos era servido leite com chocolate, fruto do convênio MEC/USAID
(essas palavras estavam estampadas nos sacos de chocolate e leite em pó),
alimento não muito adequado para o clima quente do Nordeste, fato ainda hoje
3

observado em algumas regiões, ou seja, a inadequação da merenda escolar às


características e aos costumes alimentares do local.

Algum tempo depois, fui morar numa grande cidade do interior do Nordeste, e lá
fui estudar numa escola maior – o Grupo Escolar. Era mais bonito, mas ainda não
era igual àquela da cartilha. Sentia-me acanhada e tímida diante do tamanho da
escola e do número de alunos e de professores. Achava engraçado a professora
não saber quem eu era, como era meu nome e de quem eu era filha. Sentia-me
estranha, pois a minha primeira professora e as professoras da escola onde tinha
estudado anteriormente sabiam tudo a meu respeito e sobre a minha família.

Depois de muitas andanças e histórias pelas cidades do interior do Nordeste, idas


e vindas a São Paulo — ritual de peregrinação comum entre os nordestinos — fui
para Brasília, cursei Psicologia e fiz minha opção pela área de Educação. Durante
a minha graduação, participei do Projeto Rondon, no Campus Avançado da
Universidade de Brasília, no interior de Goiás. Era 1981, e foi nesse momento que
voltei a ter contato com as escolas rurais, em Xavantina e Barra do Garça. Apesar
de serem em outro Estado e em outro momento histórico, as escolas ainda
funcionavam precariamente, em casinhas, e as professoras continuavam sendo
“leigas”, com formação mínima (4ª série primária). Entretanto, mesmo em
condições extremamente adversas, as escolas funcionavam e as crianças as
adoravam, como eu, anos atrás.

O curioso é que eu morava em Brasília, uma cidade de planejamento moderno —


quase futurístico — onde predomina o mármore; muito iluminada, com tudo ainda
muito novo. Todavia, diante daquela “casinha” onde funcionava a escola e
daquelas crianças brincando no “terreiro”, percebi que aquela cena fazia parte do
meu mundo. Voltaram à minha memória todas as brincadeiras, músicas, “causos”,
histórias, brinquedos — como a boneca “calunga” feita de espiga de milho-verde
— o cheiro da comida, “... tudo me parecia imediatamente familiar; eu
economizava os processos de adaptação preliminares” (Todorov, 1999, p. 16) tão
recomendados na academia.
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Saí de Goiás com uma sensação muito estranha que me deixava inquieta. Sentia
que precisava elaborar as questões que trazia do passado, ou ainda, “repensar o
passado, ressignificá-lo, pensar e ressignificar o futuro...” (Kramer, 1997, p. 2).
Ainda em Brasília, em 1990, voltei à academia, na qualidade de estudante do
curso de mestrado. Aquele foi um momento muito especial, pois, além de tornar-
me uma mestranda do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Psicologia-
UnB, iniciava minha trajetória como professora universitária, lecionando
Psicologia nos cursos de formação de professores — licenciaturas — na
Universidade Católica de Brasília. Como professora, encontrei vários alunos que
atuavam como professores na zona rural do Distrito Federal e de Goiás. A partir
dos relatos desses meus alunos, das nossas discussões sobre a educação e a
formação do professor rural e das minhas próprias questões, fiz a escolha do meu
tema de pesquisa, como parte do curso de mestrado: “Um estudo acerca das
representações sociais da Psicologia e do psicólogo escolar por um grupo de
professores rurais do Distrito Federal” (Cavalcante, 1994).

Trazia para esse estudo várias questões: o que mudou em relação à discussão da
formação de professores, como estavam sendo formados os professores rurais do
DF e qual a contribuição da psicologia na formação e na prática deles, entre
outras. Resolvi, então, buscar essas respostas no Instituto de Psicologia e na
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, a mesma que tinha me
ajudado na formação inicial uma década atrás. Apesar de o discurso ser outro, a
prática continuava a mesma, havia ainda um visível distanciamento entre teoria e
prática. Diante disso, as minhas antigas (velhas) questões relacionadas à educação
rural continuavam atuais e sem respostas.

Desenvolvi a pesquisa nas escolas rurais do Distrito Federal, tendo como objetivo
apreender as representações da Psicologia e do psicólogo escolar em um grupo de
professores rurais do Distrito Federal. A questão central desse estudo era
identificar em que medida a Psicologia e o psicólogo escolar contribuíam para a
educação rural.
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Verifiquei que a maioria dos professores rurais que participou daquele estudo era
predominantemente urbana e com nível de escolaridade alto se comparado com as
outras regiões do país, embora os professores viessem enfrentando uma série de
dificuldades na sua prática educativa. Cerca de 70% deles apontaram as questões
relacionadas à sua formação como uma das principais causas dessas dificuldades,
com o seguinte agravante: todos os professores que participaram dessa pesquisa
declararam que não foram formados para trabalhar no contexto da escola rural,
que nunca lhes foi oferecido um curso que tratasse de educação rural (Cavalcante,
1994).

No mesmo ano em que defendi a dissertação de mestrado, deixei Brasília e assumi


o cargo de professora assistente dos Cursos de Psicologia e das Licenciaturas em
uma universidade do interior do Estado de Minas Gerais (Universidade Federal de
São João del-Rei-UFSJ). Esta universidade tem um significativo papel para o
desenvolvimento não só da Região do Campo das Vertentes, onde está localizada,
como das outras regiões de Minas Gerais e de outros Estados, considerando que
recebe alunos de diferentes partes do Estado e do Brasil —cerca de 90% dos
alunos não são de São João del-Rei — (Vice-diretoria de Recursos Humanos e
Assuntos Comunitários, 1998). Vale salientar que os cursos de licenciatura
funcionam à noite e que parte significativa dos alunos desses cursos já atua como
professor nas escolas urbanas e rurais de suas regiões.

Fui, então, solicitada a desenvolver projetos de supervisão de estágios em algumas


escolas rurais nos municípios vizinhos. Para atender parte dessa demanda,
coordenei um projeto: “A Construção do Conhecimento no Campo: uma proposta
de atuação do psicólogo escolar”, na zona rural do município de Resende Costa –
MG, no período de 1995 a 1997. A proposta, conforme a solicitação da Secretaria
de Educação, era instrumentalizar os professores no que dizia respeito ao processo
de alfabetização, produção de material didático e, particularmente, nas relações
professor-aluno e escola-comunidade, considerando que a “queixa” inicial eram as
dificuldades das professoras em relação à aprendizagem dos alunos (quase todos
apresentavam dificuldades de aprendizagem) (Cavalcante, 1997).
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Essa experiência foi extremamente importante na minha trajetória profissional,


pois significou o retomar à escola rural. A escola ficava na região de Taboados,
que vivia, até bem pouco tempo, em total isolamento por não existir estrada para a
sede do município.

Quando iniciamos o projeto, houve um grande impacto tanto na comunidade


quanto na equipe de estagiários. Fiquei extremamente impressionada com a
precariedade material e o isolamento da comunidade. A escola funcionava numa
pequena casa, sendo que uma parte desta havia sido construída com madeira, com
poucos cômodos, onde um deles servia de quarto para as duas professoras que
permaneciam toda a semana na escola, considerando a distância entra a escola e a
sede do município (aproximadamente 49 km de estrada de terra). Parte das
atividades desenvolvidas com as crianças pelos estagiários era feita no lado de
fora da escola, pois, como as salas eram muito pequenas não cabiam sequer os
bancos para as crianças sentarem.

A grande maioria das crianças nunca tinha tido a oportunidade de conhecer a


cidade, nós os levamos e eles ficaram maravilhados com as ruas, a Igreja e a
Prefeitura, entre os lugares visitados, do mesmo modo como as crianças do filme
Conrack (1974), do diretor Martin Ritt, que se passa na Carolina do Sul: era mais
uma vez a arte reproduzindo a vida (ou vice-versa).

A equipe procurou conhecer a comunidade e a cultura local através de uma


relação de alteridade, dialogando com elas, como sugere Amorim (1998) “O
objeto cultural enquanto polifônico coloca em cena uma problemática da
alteridade: o sentido constrói-se sempre na relação com o outro” (p. 80: grifo do
autor)

Quando o carro da universidade chegava, as casas se fechavam. Esse fato é


mencionado em outros estudos desenvolvidos em comunidades rurais, quando se
verifica que as tradições camponesas são ameaçadas, desvalorizadas e mesmo
perseguidas, o que provoca uma atitude de desconfiança e fechamento da
comunidade como forma de resguardar a identidade (Lopes, 1986; Gusmão,
7

1993). Aos poucos, percebemos que as portas e janelas estavam entreabertas e que
por trás delas existia sempre uma pessoa nos olhando. Só as crianças — sempre
elas — tomavam a iniciativa de nos receber, com seus olhos cheios de
curiosidade, com vontade de falar, tocar, ouvir, enfim, conhecer e se fazer
conhecer. A aproximação aconteceu gradativamente até que as casas e as pessoas
começaram a se abrir para nós.

Na escola, as crianças, que eram tímidas e acanhadas, inicialmente, se negavam a


participar das atividades; porém, com o tempo, foram aos poucos se soltando e se
revelando. Como as salas eram muito pequenas, a maioria delas ficava do lado de
fora. Entretanto, curiosas, observavam o que fazíamos espiando pela janela.

Vale salientar que a equipe, depois de um longo período de observação da cultura


local, trabalhou com a leitura/escrita a partir das referências culturais da
comunidade (receitas culinárias e bilhetes, por exemplo), tendo um resultado
excelente com aquelas crianças consideradas na “queixa” inicial como portadoras
de dificuldade de aprendizagem (Cavalcante, 1997).

Como Diretora de Assuntos Comunitários (1996-1998) e responsável pela


extensão universitária, tive a oportunidade de gerenciar e coordenar vários
programas e projetos de extensão, que me aproximaram, mais uma vez, da escola
rural. Naquele momento, conheci praticamente todo o Estado de Minas Gerais e
várias outras regiões do país e pude perceber as dificuldades das escolas e as
deficiências na formação dos professores rurais. Pude ouvir muitos relatos de
professores rurais sobre o grave quadro em que se encontravam as escolas, em
termos de instalações físicas, falta de material didático, distanciamento da
proposta pedagógica oficial da realidade do mundo rural, trabalho infantil,
isolamento e inadequação na formação ou total falta de formação para trabalhar
naquele contexto.

Agora, durante o doutorado, pude investir mais intensamente no campo da


educação, participando de debates e pesquisas que me apontaram novas
possibilidades de discussão sobre as questões relacionadas à educação rural, a
8

partir de velhas e novas questões, que não são só minhas, mas de muitos
professores que fizeram parte, de alguma maneira, da minha trajetória, tornando-
se, este, um momento fértil de aprofundamento.

A educação brasileira tem sido objeto de estudo de muitos pesquisadores, nos seus
múltiplos aspectos e diferentes contextos. Contudo, ainda é muito reduzido o
número de estudos que contemplam a educação rural. Segundo André (2000), esse
tema é pouco pesquisado ou, até mesmo, “silenciado” entre os pesquisadores da
educação, evidenciando a necessidade de que esteja mais presente entre os objeto
de estudo dos pesquisadores educacionais. As pesquisas desenvolvidas por Davis
e Gatti (1993) e Alencar (1993), entre outros, vêm corroborar essa afirmação.
Griffiths (1980), fazendo referência aos poucos estudos desenvolvidos na África,
Nigéria, Oriente Médio, Sudeste da Ásia, Caribe e Índia, sobre esse tema, afirma
“... muito pouco se tem escrito sobre o assunto. As pessoas não gostam de
registrar seus fracassos” (p. 42), uma vez que os resultados, em geral, não são
animadores.

Acredita-se que seja necessário (e urgente!) que os pesquisadores das ciências


humanas e sociais desenvolvam estudos e pesquisas que contemplem o meio
rural, com o objetivo de obter mais conhecimento sobre essa realidade, o homem
do campo e as suas relações sociais, relação com a natureza, com o trabalho, com
a terra, e, principalmente, com o saber.

Buscando conhecer um pouco mais acerca da escola e do professor rural do


Campo das Vertentes é que desenvolvi esta pesquisa. Nos limites do campo
empírico colocado para o estudo, foram levantadas as seguintes questões: qual a
construção histórica da educação rural em Minas Gerais? Qual o quadro atual da
educação oferecida a crianças e jovens que vivem nas zonas rurais do Estado?
Qual seu nível de abrangência e de universalidade? Como essa educação está
sendo oferecida? Qual a capacidade instalada da escola rural? Como os
professores pensam essa escola? Qual a formação dos professores rurais? Até que
ponto essa educação atende às necessidades e expectativas dos homens e mulheres
9

a quem ela está sendo oferecida? Enfim, que quadro podemos compor da atual
educação rural de Minas Gerais?

Para tanto, foi necessário fazer algumas escolhas, com o objetivo de buscar
alternativas metodológicas mais adequadas para a aproximação com o objeto de
estudo. A complexidade do tema proposto exigiu cautela na escolha do aporte
teórico e da abordagem metodológica. Segundo Alves (1991), o design e o foco
do estudo não podem ser definidos a priori, pois a realidade é múltipla e
complexa e, portanto, não se pode apreender seu significado se, de modo
arbitrário e precoce, a aprisionarmos em dimensões e categorias.

Para apreender o objeto desta pesquisa, foi realizada uma investigação qualitativa,
como abordagem privilegiada, mas foram também incorporados dados oficiais
sobre a educação rural, obtidos junto aos órgãos que os coletaram, pois, segundo
Lüdke e André (1986), “o papel do pesquisador é, justamente, o de servir como
veículo inteligente e ativo entre o conhecimento acumulado na área e as novas
evidências que serão estabelecidas a partir da pesquisa”(p. 5).

Para conhecer e contextualizar a escola e os professores rurais de Minas Gerais,


optou-se: 1) pela análise do material obtido junto aos órgãos oficiais; 2) pela
análise de textos de leis, estatutos, planejamentos, relatórios, dados estatísticos,
artigos, relatos verbais e outros documentos que continham informações
relevantes sobre o campo empírico; 3) visitas à escolas rurais; e 4) entrevistas com
professores dessas escolas.

Lancei mão da análise documental, considerando documento “quaisquer materiais


escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento
humano” (Phillips apud Lüdke e André, 1986).

Os dados quantitativos coletados junto aos órgãos oficiais de educação de Minas


Gerais foram utilizados tanto na etapa exploratória (escolha de regiões, escolas e
professores com os quais seria feito um contato mais intenso) quanto nas etapas
1

posteriores, por fornecerem informações que poderiam evidenciar uma relação


mais extensa entre os fenômenos estudados, como sugere Chizzoti (1991).

André (1982) apresenta algumas vantagens para o uso de documentos na pesquisa,


quais sejam: retratam informações sobre determinado contexto; têm pouco ou
nenhum custo, uma vez que são fornecidos gratuitamente; dispensam
relativamente pouco tempo, considerando que são dados prontos; e, finalmente,
permitem a coleta de dados obtidos por outras fontes, como uma forma de
extensão de pesquisa, servindo para investigar aspectos específicos do problema.
Segundo Queiroz (1988):

“... o cientista social interroga uma enorme série de escritos,


contemporâneos ou não, que constituem a fonte de dados em que
apóia seu trabalho. Recortes de jornal relativos à atualidade,
documentos históricos de variado tipo e de diversas épocas... sem
esquecer as estatísticas estabelecidas pelos governantes ou por
instituições específicas... constituem hoje, como constituíram no
passado, a base mais sólida sobre a qual se erguerá o edifício da
investigação” (p. 18-19).

Adotamos esse procedimento para garantir o equilíbrio entre a objetividade e a


subjetividade. De um lado, os dados oficiais fornecidos pelo Governo do Estado;
de outro, as narrativas das professoras, como sugere Goldenberg (1998), quando
afirma que integrar a análise quantitativa e qualitativa no estudo de um mesmo
fenômeno pode constituir-se em estratégia muito fecunda quando se tem como
objetivo “abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão
do objeto de estudo”(p. 63). Portanto, dados quantitativos e métodos qualitativos
assumiram, nesse caso, caráter complementar: enquanto aqueles ajudaram a
descrever o quadro geral da educação rural em Minas Gerais e a população que
freqüenta essas escolas , com dados que poderiam ser generalizáveis, as visitas,
entrevistas e observações permitiram perceber como as professoras e as crianças
dessas escolas experimentam, concretamente, a realidade investigada.

Para coletar os depoimentos dos professores, optou-se por fazer uma entrevista
com perguntas fechadas (para obter dados mais pontuais, como os de identificação
11

do sujeito) e perguntas abertas, procurando manter uma relação de diálogo com os


professores sobre a escola onde trabalham, sua trajetória profissional e formação.
Segundo Queiroz (1988), entrevistas desse tipo podem ser utilizadas tanto para
levantar dados originais quanto para complementar materiais já obtidos de outras
fontes, mas, na verdade, estão presentes em todas as formas de coleta de relatos
orais, pois estes implicam, sempre, um colóquio entre pesquisador e narrador.

Acredita-se que cabe aos pesquisadores da educação buscar dialogar e aproximar


mundos distantes, realidades diferentes. Nesse sentido, optou-se, também, como
recurso adicional, pelo uso da fotografia, por ser um recurso rico a ser utilizado
para “apresentar” ou tornar “visíveis” as diferenças existentes entre as escolas
rurais e as urbanas, ou ainda, entre a professora rural e a professora urbana.
“Tornar visível uma questão ou situação, elegendo-a como objeto de estudo,
significa dar atenção e visibilidade a um tema que é importante” (Gonsalves,
2000). De acordo com essa autora, o processo de investigação científica implica
um olhar, uma escolha, e aponta uma questão importante: o que está diante de
nós?

O interesse fotográfico está voltado para o outro que é distante de nós, esteja ele
longe ou perto, procurando revelar a vida do outro — a realidade revelada. Trazer
para o nosso campo visual a escola rural, “desnaturalizando-a”, como sugere
Gonsalves (2000), pode permitir uma contemplação, a emergência de uma
sensibilidade, já que, em algumas circunstâncias, a imagem pode ser mais forte do
que muitos dos dados quantificados. A possibilidade de visualizar, de ilustrar, de
nomear e descrever, mesmo que não tenha a força de gerar conceitos, permite
destacar a razão interna das coisas. “Imagens são palavras que nos faltaram”
(Manoel de Barros).

A fotografia foi utilizada como uma maneira de expressar a realidade das escolas
visitadas e de descrever aquela realidade com mais precisão, de modo a torná-la
mais concreta para o leitor deste trabalho. “Colocar a imagem diante de nós indica
que um deslocamento nosso foi feito naquela direção, indica que estamos
1

acolhendo algo. Ao mesmo tempo que olhamos, sentimos a necessidade de dar


uma resposta, de agir”(Gonsalves, 2000, p. 8).

Em suma, procurei construir um diálogo constante entre teoria e empiria, lançando


mão dos recursos que julguei mais adequados para isso. Três eixos foram
privilegiados: 1) pesquisa bibliográfica visando a apresentar a história da
educação rural do Brasil e de Minas Gerais, num exaustivo trabalho de garimpar,
entre os ditos e não ditos, fatos relevantes sobre essa historia; 2) pesquisa e
levantamento dos dados oficiais e documentais, tentando mapear o quadro atual
da educação rural de Minas Gerais oferecida pelos organismos oficiais à criança e
ao jovem que vivem no campo; e 3) análise do material coletado nas visitas às
escolas e em entrevistas realizadas com as professoras.

Do ponto de vista da organização, essa tese está estruturada em seis capítulos.

No primeiro capítulo (SERTÕES, CHAPADAS, CAMPOS, VALES E


MONTANHAS: conceituação e algumas pontuações teóricas acerca da educação
rural em estudos precedentes), apresenta-se uma revisão de alguns estudos
anteriores sobre a educação rural, apontando os temas mais recorrentes nesses
estudos, procurando apresentar a conceituação e algumas características e
especificidades da escola rural já estudadas por outros autores.

No segundo capítulo (DA COLÔNIA AOS DIAS ATUAIS: perspectiva histórica


da educação rural no Brasil e em Minas Gerais), a opção foi de (re)construir a
história da educação rural no Brasil e em Minas Gerais, procurando, ao olhar para
o passado, tentar compreender o presente.

No terceiro capítulo (EDUCAÇÃO RURAL DE MINAS GERAIS: características


e agenda escolar), são apresentados analiticamente os dados oficiais que mapeam
a atual educação rural em Minas Gerais, procurando contextualizar essa educação
num Estado grande e diversificado.
1

O quarto capítulo (VERTENTES: campo empírico e situação de contato) descreve


a escolha do campo empírico e a situação de contato com as escolas e os
professores das escolas rurais eleitos como objeto de estudo.

No quinto capítulo (POR ENTRE MONTANHAS, ABRINDO PORTEIRAS E


ATRAVESSANDO MATA-BURROS: as escolas e os professores rurais do
Campo das Vertentes), a centralidade está nos depoimentos dos professores sobre
a escola onde trabalham, suas trajetórias profissionais e sua formação em diálogo
com estudos precedentes sobre o tema.

No sexto e último capítulo (PARAGEM: a história continua?), buscou-se


recuperar as questões trazidas para este estudo, mostrando que o ponto de chegada
da pesquisa representa apenas um outro ponto de partida.

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