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Diagnóstico e tratamento da
tuberculose em pediatria -
Recomendações das Secções de Pneumologia
e Infecciologia Pediátrica da Sociedade
Portuguesa de Pediatria
LUÍSA PEREIRA, LAURA MARQUES, CRISTINA CASTRO, LUÍSA GUEDES VAZ*

DIAGNÓSTICO provável se: do, previamente lavado com água e


Na tuberculose infantil a suspeita Prova de Mantoux positiva, radio- sabão ou álcool (deixar secar bem),
de diagnóstico é a prática mais fre- grafia sugestiva, histologia sugesti- na transição da região ventral para
quente. Habitualmente as lesões são va e/ou resposta favorável ao trata- a dorsal, esticando ligeiramente a
paucibacilares, há grande dificulda- mento antituberculoso. pele no sentido longitudinal em di-
de na obtenção de amostras adequa- confirmado se: recção ao bisel da agulha que deverá
das para bacteriologia e, portanto, a Identificação do Mycobacterium tu- estar virado para cima. A agulha
confirmação do diagnóstico, basea- berculosis deve ser de calibre 26 com 10 mm
da na identificação do agente res- de comprimento e a seringa de 1 ml.
ponsável, nem sempre é possível. Manifestações clínicas • No caso de qualquer ocorrência
O diagnóstico em tuberculose in- sugestivas de tuberculose que leve a técnica incorrecta, o teste
fantil baseia-se fundamentalmente • Alterações do estado geral deve ser imediatamente repetido no
em: • Alterações do rendimento escolar antebraço oposto e o facto registado
• Contacto com doente bacilífero • Astenia no Boletim de vacinas.
• Clínica sugestiva • Anorexia • A leitura deve ser feita às 72 ho-
• Positividade da prova tuber- • Sudorese nocturna ras, medindo o diâmetro transversal
culínica • Perda/ má evolução ponderal da induração com o auxílio de uma
• Identificação do Mycobacterium • Síndrome febril prolongado régua transparente graduada em
tuberculosis • Sintomas respiratórios: tosse per- mm. O registo deve ser feito em mm.
Assim, o diagnóstico de tubercu- sistente Consideram-se valores significati-
lose será suspeito se: • Sinais tóxicos inespecíficos vos:
Contacto com doente com tubercu- • Manifestações de hipersensibili- • Não vacinados: induração ≥ 5 mm
lose activa, associado a alterações do dade – eritema nodoso • Vacinados: induração ≥ 10 mm
estado geral, emagrecimento ou • Querato-conjuntivite flictenular • Imunodeprimidos: qualquer in-
tosse persistente, pneumonia per- duração
sistente/recorrente, sem resposta ao Prova tuberculínica Dever-se-ão ainda considerar
tratamento antibiótico ou presença • Injecção intra dérmica de 0,1 ml significativas as provas em que, ain-
de adenomegalias indolores. de tuberculina, equivalente a 5 U de da que com diâmetros de induração
PPD standard - 2 U RT23;- 5 U inferiores, se observem vesículas ou
PPD/Sec/Berna;- 10 U IPH8. necrose.
*Secção de Pneumologia e Secção de
Infecciologia Pediátrica da Sociedade
• A injecção deve ser intradérmica, Se não houver história de contac-
Portuguesa de Pediatria. no terço médio do antebraço esquer- to com doente bacilífero, só se con-

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sideram positivos valores superiores peratura ambiente, devendo a en- • Se não houver critérios de tuber-
ou iguais a 15 mm. trega ao Laboratório e o processa- culose infecção – suspender a tera-
São causa de resultados falsamente mento ser feitos nos 15 minutos pêutica
negativos: seguintes, ou congelar e transportar • Com prova tuberculínica positiva
• Fase inicial da tuberculose o produto congelado (-20o). – poderá ser tuberculose-infecção ou
• Infecção por HIV, ou outra imuno- doença e deverá ser estudada e
deficiência QUIMIOPROFILAXIA tratada como tal
• Infecção vírica recente: sarampo, A Quimioprofilaxia é a administração
parotidite, varicela, influenza profilática de terapêutica a pessoas RECÉM-NASCIDO FILHO DE
• Vacinação recente com vírus em risco de adquirirem tuberculose MÃE BACILÍFERA
vivos: VASPR, poliomielite e que não estão infectadas. • Excluir tuberculose congénita;
• Défices nutritivos e metabólicos – Observação do RN; Hemocultura em
mal nutrição, hipoproteinemia, in- Indicações Bactec®; Exame anatomo-patológico
suficiência renal crónica Contactos intrafamiliares ou muito e bacteriológico da placenta
• Terapêutica imunossupressora, próximos de doentes bacilíferos com: • Não fazer prova tuberculínica
incluindo corticoterapia • Idade inferior ou igual a cinco • Não fazer BCG
anos (a ponderar caso a caso em • Iniciar quimioprofilaxia com INH
Identificação do Mycobacterium crianças com idade superior) – até três meses depois de a mãe
tuberculosis • Imunodeficiência congénita ou deixar de ser bacilífera
A pesquisa do Mycobacterium tuber- adquirida • Vigilância clínica apertada, quin-
culosis na idade pediátrica deve, ha- • Doença grave zenal no primeiro mês e depois,
bitualmente, ser feita no suco gástri- • Terapêutica prolongada (superior mensal
co. A colheita de secreções brônqui- a um mês) com corticóides, em do- • No final, após observação do
cas, líquido pleural, liquor ou pri- ses imunosupressoras lactente, fazer prova tuberculínica.
meira urina da manhã deve ser • Outras terapêuticas imunossu- Se negativa, fazer BCG e suspender
ponderada caso a caso. pressoras profilaxia. Se positiva, estudar e
• Exame directo (a confirmação do tratar como doença
diagnóstico exige a positividade do Duração • Não separar o RN da mãe, desde
exame cultural) • Enquanto se mantiver a possibili- que esta tenha iniciado terapêutica
• Exame cultural (de preferência dade de contágio e mais três meses e não haja suspeita de tuberculose
Bactec®) após este terminar. resistente
• TSA (teste de sensibilidade aos • Manter a amamentação, de acor-
antimicrobianos) Fármacos do com o estado clínico da mãe
• PCR (polymerase chain reaction) • Isoniazida (INH) – 5 a 10 mg/
nas crianças imunodeprimidas e a /Kg/dia (máx. 300 mg) TUBERCULOSE-INFECÇÃO
ponderar nos outros casos, depen- • Se o caso índice for resistente à Definição
dendo da disponibilidade de exe- INH: Rifampicina (RMP) – 10 Pessoa com prova tuberculínica po-
cução do exame mg/Kg/dia (máx. 600 mg) sitiva (de acordo com os critérios de
Antes de iniciar a quimioprofila- valores significativos apresentados),
NORMAS DE COLHEITA E TRANSPORTE xia realizar anamnese e observação a quem foi excluida doença.
DO ASPIRADO GÁSTRICO clínica cuidadosa, prova tubercu-
Colher de manhã, antes de o doente línica e radiografia de tórax, de for- Diagnóstico (simultaneamente)
comer, ainda deitado (em regime de ma a excluir tuberculose-infecção • Factor de risco – Contágio próxi-
internamento).Colocar o aspirado ou doença (não é necessária avalia- mo com adulto bacilífero, risco so-
gástrico num recipiente estéril. In- ção analítica). cial grave, imunodeficiência
troduzir 20 a 50 ml de água destila- • Prova tuberculínica positiva
da através do tubo de aspiração, à OBSERVAÇÃO CLÍNICA MENSAL • Exclusão de doença
temperatura ambiente. Recolher o Na altura de suspender a profilaxia Antes de iniciar terapêutica deve-
aspirado e colocar no mesmo reci- deverá ser realizada prova tuber- rá ser feita avaliação clínica, radio-
piente estéril. Transportar à tem- culínica: grafia de tórax e pesquisa de BK no

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suco gástrico para excluir doença. Manter o tratamento, pelo menos, ta (exame bacteriológico e histológi-
Avaliação laboratorial básica. 12 meses. co). Devem ser separadas duas
amostras, uma para anatomia pa-
Fármacos CORTICOTERAPIA tológica e outra para microbiologia
Isoniazida (INH), Rifampicina (RMP) Está indicada em: (duas peças em frascos de urina es-
e Pirazinamida (PZA) durante dois • Tuberculose miliar terilizados; ficam alterados se man-
meses. • Meningite tuberculosa dados em formol).
• Observar a criança uma vez por • Tuberculose com envolvimento Ecografia abdominal e biópsia
mês: avaliar clinicamente a sua das serosas (pleura, pericárdio, peri- hepática (casos seleccionados).
evolução e os possíveis efeitos se- toneu)
cundários dos medicamentos. • Tuberculose endobrônquica FÁRMACOS
• Repetir a radiografia de tórax, se • Perturbações ventilatórias • Isoniazida + rifampicina + pirazi-
surgir clínica de doença. Prednisolona: 1-2 mg/Kg/dia du- namida + estreptomicina – Dois
• Não é necessário repetir a reava- rante três a quatro semanas com re- meses
liação laboratorial, se não houver dução posterior e gradual do fárma- • Isoniazida + rifampicina – Sete a
suspeita clínica de complicações. co, durante duas semanas. 10 meses
• No final do tratamento repetir a Durante o tratamento anti-tuber-
avaliação clínica e radiológica. Se culoso, a observação deve ser men- Tuberculose multirresistente
normal, suspender a terapêutica; se sal, com controlo analítico, se hou- (resistência, pelo menos,
alterada, tratar como tuberculose ver indicação clínica, e controlo ra- a dois anti-bacilares)
doença. diológico no final do tratamento. O Tratamento prolongado, de 18 a 24
• Se o caso índice tiver tuberculose doente deverá ser reobservado nos meses, e sempre baseado na sensi-
resistente, deve saber-se a sensibi- seis meses seguintes a suspender o bilidade do bacilo, encontrada no
lidade do bacilo, e incluir, pelo me- tratamento. antibiograma.
nos, duas drogas bactericidas a que O tratamento requer quatro a oito
o microorganismo seja susceptível. NOTAS anti-tuberculosos, geralmente in-
• Se houver suspeita de resistência Se: cluindo dois injectáveis e, pelo me-
à isoniazida, juntar de início estrep- • A resistência primária à isoniazi- nos, três com susceptibilidade com-
tomicina ou etambutol até haver o da na comunidade for superior ou provada e ainda não tentados, se
padrão completo de sensibilidade. igual a 4%; possível.
• Evitar a utilização de etambutol • A criança tiver sido previamente O crescimento estaturo-ponderal
em crianças com idade inferior a cin- tratada com anti-tuberculosos; e o estado geral da criança devem ser
co anos, dada a dificuldade em de- • Estiver em contacto com um frequentemente controlados.
tectar alterações visuais. doente com tuberculose resistente Se se suspeita de tuberculose
(provável fonte de contágio); multirresistente, o doente deve ser
TUBERCULOSE-DOENÇA • Tiver regressado de um país com orientado para um centro com ex-
Avaliação clínica, analítica e radio- alta percentagem de resistências. periência nestes casos.
lógica prévia: Incluir estreptomicina ou etambu-
• Tuberculose pulmonar/Linfade- tol na primeira fase do tratamento. Criança com infecção pelo VIH
nite tuberculosa Se se documentar resistência à Referenciar a um centro com expe-
INH + RMP + PZA, durante dois meses isoniazida, manter o tratamento – riência em tuberculose/sida.
+ rifampicina e etambutol – durante O esquema terapêutico inicial de-
INH + RMP, quatro meses 12 meses. ve incluir quatro fármacos.
• Tuberculose miliar/Meningite tu- A terapêutica deve ser sempre Devem ser tidas em atenção as in-
berculosa/Tuberculose renal adaptada à sensibilidade do bacilo, compatibilidades entre os fármacos
INH + RMP + PZA + SM, encontrada no antibiograma. anti-tuberculosos e anti-retrovirais.
durante dois meses É fundamental conhecer a sensi-
+ Tuberculose congénita bilidade do bacilo.
INZ + RMP, sete meses É obrigatória a pesquisa de BK no A terapêutica deve ser adminis-
• Tuberculose osteo-articular sangue (Bactec) e exame da placen- trada sob observação directa.

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FÁRMACOS ANTITUBERCULOSOS UTILIZADOS COM MAIS FREQUÊNCIA BIBLIOGRAFIA


1. Smith KC. Tuberculosis in chil-
dren. Curr Probl Pediatr 2001;31(1):1-
Formas de Dose diária Dose -30.
Fármacos apresentação (mg/Kg) máxima Efeitos laterais Interacções 2. Stowe CD, Jacobs RF. Treatment
INH Comprimidos: 10-15 Diária: Hepatite Difenilhidantoína of tuberculous infection and disease in
children. Paediatr Drugs 1999; 1(4):
- 50 mg - 300mg Neuropatia periférica Carbamazepina 299-312.
- 100 mg Anemia hemolítica Anticoagulantes 3. Schlossberg D. (ed). Tuberculosis
- 300 mg Hipersensibilidade Antiácidos com alumínio and nontuberculous infections. 4th ed.
Suspensão: Derivados salicilados Philadelphia: WB Saunders Company;
- 10 mg/ml Probenecid 1999.
4. American Thoracic Society and
RMP Cápsulas: 10-20 - 600 mg Coloração alaranjada Anticonvulsivantes CDC. (eds). Core Curriculum on Tu-
- 150 mg das secreções e urina Anticoagulantes berculosis . 4th ed ; 2000.
- 300 mg Hepatite Bloqueadores beta 5. Ormerod LP. Rifampicin and iso-
Suspensão: Anemia hemolítica Metadona niazid prophylatic chemotherapy for tu-
- 100 mg/5 ml Insuficiência renal Corticóides berculosis. Arch Dis Child 1998;78:
169-71.
Discrasias sanguineas Estrogénios 6. Wang CT. Diagnosing and trea-
Alt. gastrintestinais Digitálicos ting asymptomatic tuberculosis infec-
Ketoconazol tion. Can Fam Physician 1999;45:
PZA Comprimidos: 15-30 - 1500 mg Hepatotoxicidade 2397-404.
- 500 mg Hiperuricemia 7. Cohn DL. Treatment of latent tu-
berculosis infection: renewed opportu-
Alt. gastrintestinais nity for tuberculosis control. Clin Infect
Artralgias Dis 2000;31(1):120-4.
Alt. cutâneas 8. European Respiratory Society
SM 1 g/5 ml 20-40 -1g Ototoxicidade Cefalosporinas Task Force. Tuberculosis management
(via I.M) Nefrotoxicidade Diuréticos in Europe. Eur Resp J 1999;14:978-92.
9. Starke JR, Smith M. Tuberculo-
Hipersensibilidade sis. Textbook of Paediatric Infectious
BEM Comprimidos: 15-25 - 2,5 g Nevrite óptica Diseases. 4th ed. Vol.I (section 16).
- 100 mg Alt. neurológicas
- 400 mg Hipersensibilidade
Alt. gastrintestinais

TUBERCULOSE RESISTENTE – TERAPÊUTICA ALTERNATIVA

Fármaco Dose diária (mg/kg) Dose máxima diária


Capreomicina 15 a 30 (IM) 1g
Ciprofloxacina 15 a 30, 2x/dia 1,5 g
Clofazamina 50 a 100 mg/dia 200 mg
Cicloserina 10 a 20 1g
Etionamida 15 a 20, 2 a 3x/dia 1g
Kanamicina 15 a 30 (IM) 1g
Ofloxacina 7,5 800 mg
Á. Paraaminossalicílico 200 a 300, 2 a 4x/dia 12 g

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