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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

Curso de Pós Graduação em Teoria e


Prática Junguiana

Teoria Junguiana

Aluna: Claudia Maria Gama Leal

Agosto 2014
1. INTRODUÇÃO

Esse trabalho é apenas o primeiro esforço de organizar o


conhecimento já apreendido da teoria Junguiana, estudada em sala de aula ou
em livros tanto de pós-junguianos como dele mesmo, nosso autor principal.
Meu primeiro contato com Jung, além do pouco que se estudava dele na
faculdade nos anos de 1980, foi muitos anos mais tarde em o Homem e seus
Símbolos. E depois em Memórias, Sonhos e Reflexões. Começando assim um
intenso pesquisar de autores que o “explicariam” para mim. Mas o mergulho
nas Obras Completas, começa agora, auxiliada pelos professores da pós em
teoria e Práticas Junguianas que vão, nos encorajando para tal.

Já que Jung é um erudito, e sua obra vasta e complexa, penso que


este trabalho é praticamente um esboço de compreensão, um croqui de idéias
a respeito do pensamento do nosso autor. Um auto-reconhecimento de que
estou caminhando atenta às suas pegadas.

2. O MODELO DA PSIQUE E A ESTRUTURA PSÍQUICA

A Obra de Freud funda de maneira definitiva o conceito de


inconsciente. No entanto, sua noção de inconsciente é a de conteúdos
pessoais recalcados, isto é, reprimidos, devido a psicodinâmica inerente do
sujeito frente ao seu ambiente e história. Isso nos leva rapidamente ao
entendimento de que Freud entendia o recém-nascido como uma tabula rasa.
Parece haver controvérsias a respeito dessa conclusão, mas não podemos
fugir dela. Essa idéia estranha, e reducionista, é enfaticamente criticada por
Jung, que apesar de reconhecer em Freud o discernimento deste de que no
inconsciente existiria “formas de pensamento arcaico-mitológicas” (JUNG,
O.C.vol9/1, p 11), o inconsciente em Freud seria da ordem da biografia
pessoal.
Para Jung além do inconsciente pessoal existiria um inconsciente
inato, e profundo, muito além de nossas histórias pessoais, particulares,
subjetivas, herdado de toda a humanidade, inerente a ela, que funda , e move
nossas ações, crenças, valores, nos ligando a todos , a toda a história humana,
cultural, numa teia psíquica. A este ele denominou, inconsciente coletivo.

(...) Eu optei pelo termo “coletivo” pelo fato de o inconsciente não ser
de natureza individual, mas universal; isto é, contrariamente à psique
pessoal ele possui conteúdos e modos de comportamento, os quais
são cum grano salis os mesmos em toda parte e em todos os
indivíduos. Em outras palavras, são idênticos em todos os seres
humanos, constituindo, portanto, um substrato psíquico comum de
natureza psíquica supra-pessoal que existe em cada indivíduo.

Uma existência psíquica só pode ser reconhecida pela presença de


conteúdos capazes de serem conscientizados. Só podemos falar,
portanto, de um inconsciente na medida em que comprovamos os
seus conteúdos. Os conteúdos do inconsciente pessoal são
principalmente os complexos de tonalidade emocional, que
constituem a intimidade pessoal da vida anímica. Os conteúdos do
inconsciente coletivo, por outro lado, são chamados de arquétipos.
(Jung, O.C. vol 9/1, 2013, p.12).

Continuando: “ O inconsciente coletivo é tudo, menos um sistema


pessoal encapsulado” ( Jung, O.C. Vol 9/1 p. 30 2013) . Tendemos a ver o
inconsciente como algo da nossa subjetividade. Daí, costumamos pensar em
sujeito como um eu encapsulado. Essa idéia é própria de uma psicologia
dicotômica entre sujeito e objeto. Que torna o sujeito uma substancia. Estamos
presos a essa crença de que existe uma substancia. Isso nos fala de um sujeito
psíquico, que nos confunde. Pois está encapsulado num eu. Essa seria para
Jung a experiência psicótica por excelência. Que existe em todos nós em graus
e nuances menores. Mas não se trata aqui de falar meu inconsciente, minha
alma, meu eu. Isso tudo seria um psicologismo subjetivista. (anotações de
aula).
Assim, o inconsciente coletivo “é objetividade ampla com o mundo e
aberta ao mundo. Eu sou o objeto de todos os sujeitos, numa total inversão de
minha consciência habitual, em que sempre sou sujeito que tem objetos” ( Jung
O.C. vol9/1 p. 30, 2013) . Para Jung, inconsciente coletivo é sinônimo de
psique objetiva. Este último termo é usado por Jung de duas maneiras
distintas: é objetiva no sentido de real – fonte originária análoga aí ao conceito
de realidade psíquica cuja natureza é imagem, experiência direta que afeta ,
que é vivida como real. Um delírio não terá seu correspondente na realidade
dos objetos externos, o que não significa que não existe. Nesse caso terá muita
relevância clínica. A segunda maneira de usar o termo acima citado será
justamente o que falávamos anteriormente, ou seja, a natureza objetiva da
psique (inconsciente coletivo), não sendo ela de forma alguma de caráter
pessoal. É, que se refere mais do que o inconsciente pessoal, “às bases
filogenéticas, instintivas, da raça humana.” ( Samuels, Shorter, Plaut, p.104 –
1988). No entanto, o diálogo entre inconsciente pessoal e inconsciente coletivo
é inerente e necessário ao desenvolvimento da psique.

O inconsciente coletivo de Jung é repleto de imagens. Ele abandona


a idéia de imagem primordial usada em alguns momentos de sua obra, para
não ser confundida como essência dos fenômenos. Essa é a linguagem
própria do inconsciente. Ela é fundamental para se testemunhar a natureza
humana. Mas ele vai ter outra concepção de linguagem, a qual não será
semiótica, E nem tão pouco representação e sim, símbolo. O símbolo por sua
vez não é representação, podendo ser em algumas situações. Nossa cultura o
apreende como tal, porque estamos acostumados a entender o inconsciente e
a consciência como pertencentes ao sujeito. Nossa cultura está repleta da
noção de modelos, protótipos, causas e efeitos. Um pensar causal,
reducionista. E não será a partir disso que Jung pensa a natureza da psique,
isto compreende o inconsciente feito de imagens que são em última instância:
símbolo . Para compreendermos o símbolo temos que refletir sobre o conceito
de arquétipos. Pois o símbolo é uma imagem arquetípica. (anotações de aula).
“O conceito de arquétipo, que constitui um correlato indispensável da
idéia do inconsciente coletivo, indica a existência de determinadas
formas da psique, que estão presentes em todo o tempo e em todo
lugar. A pesquisa mitológica denominou-as “motivos” ou “temas”; na
psicologia dos primitivos elas correspondem ao conceito das
representations colletives de Levy-Brühl e no campo das religiões
comparadas foram definidas como “categorias da imaginação” por
Hubert e Mauss. Adolf Bastian designou-as bem antes como
“pensamentos elementares” ou “primordiais”. A partir dessas
referências torna-se claro que a representação do arquétipo –
literalmente uma forma preexistente – não é exclusivamente um
conceito meu, mas também reconhecido em outros campos da
ciência.” (Jung, O.C. Vol9/1 2013, p.52 )

Dando continuidade a nossa reflexão sobre o símbolo, este se


constitui uma imagem arquetípica que é uma maneira de manifestação do
arquétipo. Entre a imagem arquetípica e o arquétipo tem uma enorme
distancia, este é pura forma, vazio de conteúdo. Não se constitui um ser, uma
entidade. É conceito infinito. Ele em si, funda. (anotações de aula).

Sempre me deparo de novo com o mal-entendido de que os


arquétipos são determinados quanto ao seu conteúdo, ou melhor, são
uma espécie de “idéias inconscientes”. Por isso devemos ressaltar
que os arquétipos são determinados apenas quanto à forma e não
quanto ao conteúdo, e no primeiro caso, de um modo muito limitado.
Uma imagem primordial só pode ser determinada quanto ao seu
conteúdo, no caso de tornar-se consciente e, portanto, preenchida
com o material da experiência consciente. (...) O arquétipo é um
elemento vazio e formal em si, nada mais sendo do que uma facultas
praeformandiis, uma possibilidade dada a priori da forma da sua
representação. O que é herdado não são as idéias, mas as formas(...)
( Jung, O.C. vol9/1, 2013 p.86/87)
Podemos dizer que os arquétipos são irrepresentáveis, mas são
discerníveis em imagens. Não se constitui uma estrutura pré-existente. Não é
virtualidade, potencialidade que se torna real. Na verdade podemos dizer que
para Jung o Arquétipo é psicoide que é o fato de ser físico e psíquico ao
mesmo tempo. Não sendo uma categoria intra-psíquica ele é tão externo
quanto interno. É difícil de captar tal conceito devido à sua complexidade.
(anotações de aula).

Há tantos arquétipos quantas situações típicas na vida. Intermináveis


repetições imprimiram essas experiências na constituição psíquica,
não sob a forma de imagens preenchidas de um conteúdo, mas
precipuamente apenas formas sem conteúdo, representando a mera
possibilidade de um determinado tipo de percepção e ação. Quando
algo ocorre na vida que corresponde a um arquétipo, este é ativado e
surge uma compulsão que se impõe a modo de uma reação instintiva
contra toda a razão e vontade, ou produz um conflito de dimensões
eventualmente patológicas, isto é, uma neurose. ( Jung O.C. Vol9/1
2013 p.57 )

Precisamos introduzir o conceito de função transcendente, que nos


fala de uma função dinâmica, integrativa, constituída pela consciência e pelo
inconsciente, por sua vez indetermináveis em si, colocando um termo entre os
dois, sendo também aí o nascedouro, a fundação de um e de outro. Ao
produzir um terceiro, funda o mundo: o símbolo. “Assim, existiria um processo
de contínua troca entre ambos, se por um lado há uma diferenciação por outro
há, também, um processo de unificação deste dois termos em uma unidade
dinâmica" (Damião , 2003, p 34)

(...) Jung indica, por um lado uma dicotomia, entre consciente e


inconsciente, por outro lado aceita o contínuo processo de integração,
o qual não é apenas produto posterior a uma cisão originária mas um
modo de constituição radical, que se enraíza na própria organização
do psiquismo. Pois, o inconsciente coletivo como origem e matriz de
todos os modos de desvelamento do humano, é a fonte da própria
consciência.” ( Damião. M. Jr. 2003, p.31)

Então, o que é um símbolo, ou melhor, uma imagem arquetípica? O


símbolo se iguala à função transcendente, que vai estabelecer a ponte entre
inconsciente e consciente, integrando e estabelecendo relação. Dessa maneira
ele é ontológico. Cria mundo. Dá forma a um terceiro que é a imagem. Tudo
retorna ao símbolo. (anotações de aula).

O Conceito de função transcendente se refere a uma comunhão


entre os conteúdos do inconsciente e consciente, num “casamento” entre os
pares de opostos, nascendo daí alguma “coisa”, significando aí um diálogo
constante e contínuo, rumo a uma integração dinâmica dos opostos.

“O símbolo como se verá desfaz a dicotomia entre externo e interno,


pois este passa a ser uma “incarnação” do psiquismo como uma
totalidade não fragmentada, ou seja, o símbolo reúne em sua
constituição todas as possibilidades de compreensão e reúne os
opostos em uma unidade não fragmentada.” ( Damião. M. Jr. 2003,
p.42)

Por outro lado devemos ainda compreender que na dinâmica


consciente-inconsciente, existe uma tensão, uma discordância, de conteúdos e
tendências. Assim Jung fala numa atitude complementar e compensatória do
inconsciente em relação à consciência. Por consciência entende-se como uma
maneira de ser de se desdobrar do próprio inconsciente, emergindo deste.
Jung nos fala de consciência como um modo momentâneo de adaptação. E
seria constituída de tendências para a organização, para a não contradição, e
linearidade. Existe assim uma necessidade de manter uma unidade coesa pela
categorização, para se manter a salvo da multiplicidade e complexidade do
inconsciente. Esse esforço de unidade se dá, destacando-se do mundo, se
contrapondo a todo o natural, se tornando como que cindida, e se
estabelecendo, vigorosamente através de argumentação, regras, manobras
conceituais, que criam conhecimento entendidos como verdades fundamentais.
E tudo aquilo que se contrapor a essas verdades, seriam combatidas, negadas,
entendidas como perigosas, desconhecidas, irracionais.

O inconsciente por sua vez funciona na multiplicidade de imagens


que inferem sentido e logos sendo portanto, fonte, origem do simbólico. Muito
diferente de uma posição representacional própria da consciência.

Tudo isso foi citado para se compreender que o modo de


funcionamento da consciência, tende por um lado, a bloquear conteúdos que
sejam incompatíveis com suas certezas pré-estabelecidas sendo entendidas
como desvios, pois a consciência “ escolhe uma possibilidade particular em
detrimento de todas as outras” ( Damião, 2003, p.37) Dessa maneira surge o
que Jung vai denominar de uniteralidade.

“Jung discorre sobre a uniteralidade da consciência. Uniteralidade


que gera uma contraposição do inconsciente , assim quanto maior for
a uniteralidade, a tendência oposta irrompe a consciência. Esta
uniteralidade da consciência traz para si própria um problema, que é
o modo de integrar aquilo que se tenta excluir, como integrar os
“conteúdos” inusitados e estranhos á consciência.Ou seja, implica em
como a consciência pode efetivamente se transformar, sem apenas
repetir seus modos de desdobramento ou permanecer num modo de
transformação impróprio (...)” ( Damião. M. Jr. 2003, p.38)

“(...) O tema central é da separação/ dicotomia entre consciente e


inconsciente, uma dicotomia que apesar de efetiva não é constitutiva
do humano, pois o que se pretende é a aproximação e a integração
de ambos. Essa dicotomia seria por um lado o que possibilitaria a
existência da consciência, como distinção, porém, por outro lado é o
que a torna defensiva e rígida, impedindo sua transformação sem a
qual torna-se passível de extinção.” ( Damião. M. Jr. 2003, p.39)
3. OUTROS CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA TEORIA JUNGUIANA

Teremos de entender aspectos fundamentais ainda do pensamento


Junguiano, seus conceitos principais. Tenho discorrido sobre o aprendido em
sala de aula, estando tais conceitos mais ou menos implícitos. No entanto, para
o presente trabalho, é preciso elucidá-los. Falamos de inconsciente pessoal, e
coletivo. Jung em seus testes de associações de palavras, descobre durante
sua permanência junto a Bleuler na clínica psiquiátrica de Burghölzli, que “o
inconsciente tem uma certa autonomia” ( Grinberg, 2003, p.124), ao se
pronunciar determinadas palavras, a pessoa apresentava uma perturbação
com um maior tempo de resposta. Essas perturbações o faziam intuir algo,
como conteúdos sensíveis e desconhecidos. Dessa maneira, essas suas
observações levaram-no a formular o conceito de complexo que seria mais ou
menos descrito como um conglomerado ideo-afetivo, independente e
autônomo. Seriam assim as “unidades funcionais de que se compõe o
inconsciente pessoal” (Stevens, 1993, p. 52), o que para Jung, se refere tanto
às pessoas sãs, quanto neuróticas ou psicóticas. Não sendo daí uma
denominação patológica e sim psicodinâmica. “No centro de cada complexo,
existe um “elemento nuclear”, que funciona fora do alcance da vontade
consciente. É ao redor desse núcleo que se agrupam as idéias associadas
carregadas de emoções” (Stevens, 1993 p. 52) , tal núcleo pertence ao
inconsciente coletivo. Jung em 1919, conclui que esses núcleos são os
próprios arquétipos que em determinados momentos são “constelados”, ou
“ativados”, constando daí uma predominância sobre o eu, evidenciando uma
multiplicidade interna desses conglomerados, podendo-se mesmo falar em
“multiplicidade de personalidades parciais” (Pieri, 2002, p.102). A psique assim,
não seria uma unidade, mas uma pluralidade: “um “complicado conjunto” de
elementos ligados entre si de modo delicado” (Pieri, 2002, p105). Ainda em
Pieri e mais em Samuels:
“(...) Nesse sentido a mente é fundamentalmente entendida como um
conjunto dinâmico produzido por e remetente a uma pluralidade
indefinida de complexos que subsistem em diferentes estágios e que
estão em diferentes relações entre si. “ (PieriI, 2002, p, 105)

“ Um complexo é uma reunião de imagens e idéias, conglomeradas


em torno de um núcleo derivado de um ou mais arquétipos, e
caracterizada por uma tonalidade emocional comum. Quando entram
em ação ( tornam-se “constelados”), os complexos contribuem para o
comportamento e são marcados pelo AFETO, quer uma pessoa
esteja ou não consciente deles. “ ( Samuels, 1988, p. 49/50)

Os Arquétipos que constelam os complexos mais falados na obra


de Jung e analisados por ele são : Grande Mãe, Pai, Persona, Sombra, Anima,
Animus, Herói e Self.

A Persona seria o atributo consciente da personalidade, a qual é um


“segmento da psique coletiva” . Ela se constitui como “um conjunto de atributos
da consciência coletiva, vivenciados como pertencentes pessoais: nome,
títulos, nível sócio-econômico, status, e outras características sociais”
(GRINBERG, 2003, p142).Pertence àquela premissa imprescindível de
apresentar-se socialmente aceito e adaptado. O sucesso da persona significa
flexibilidade de adaptação, e de compensação do inconsciente que revela a
presença direta e indireta do Si-Mesmo.

A Sombra, em geral é oposta à Persona, em suas qualidades


rejeitadas ou negligenciadas pela consciência que se adapta ao conhecido e
aceito no seu ambiente social. Ela é também um fator de compensação para a
Persona. Esses aspectos da personalidade, não valorizados, vão constituir
nossos complexos, dizem respeito a processos mais arcaicos, podendo
irromper a personalidade como uma possessão, pois aí temos um
desconhecido poderoso e irracional. O Confronto com a Sombra em nós faz-
nos desapegar da Persona, descobrindo , descortinando e desvelando o
coletivo naquilo que antes parecia individual. Aceitando assim, que nossas
“feiúras”, deficiências, fragilidades, e mais profundamente nossa crueldade, e
até, “nossa alma imoral, como diz Nilton Bonder” ou seja, nossa matéria
menos nobre, fazem também parte de nossa condição de seres humanos.
Tornando assim iluminado, o que antes era “diabólico”, “maquiavélico”,
“promíscuo”, enfim, o desvalido, o obscuro, que vai, através de negociações,
nos informando a respeito de nossa qualidade de seres coletivos e humanos.

O Animus e a Anima, se fazem ponte para o inconsciente.


Possibilitam assim a relação dialética entre consciente e inconsciente.
Originariamente relacionados às figuras parentais tais como: no homem, a
mãe, e na mulher, o pai, ou seja, os aspectos respectivos do feminino no
homem e do masculino na mulher, podem ser projetados nos relacionamentos
com o sexo oposto, constituindo-se tanto positivamente como negativamente
de acordo com o desenvolvimento desses aspectos arquetípicos na psique. Um
animus negativo ativado na mulher irá conferir um caráter de “retórica,
intelectualidade indiferenciada, rigidez e autoritarismo nas opiniões.
Positivamente, desempenha um papel importante no desenvolvimento da
criatividade na mulher” (GRIMBERG, 2003, p152). Já no homem, a anima
negativa, se expressa através de uma “vaidade exagerada, alterações de
humor, explosões emocionais, caprichos” (Ibdem, 2003 p 151), quanto ao seu
aspecto positivo tornará o homem flexível quanto á sua própria “sensibilidade,
sensualidade, ternura e paciência, representando sua própria criatividade, sua
musa inspiradora” (Ibdem, 2003, p 151) Juntos esses arquétipos, representam
a “união ou coniunction conjugal”.

No entanto tais descrições desses arquétipos nada nos dizem das


suas profundas conexões entre si , na psicodinâmica do inconsciente. Em seu
Livro “O Eu e Inconsciente” de Jung, ele tece uma panorama mais profundo
cujo conteúdo não se pode discutir aqui, mas devemos citar pelo menos,
alguns trechos muito elucidativos. A respeito da anima, animus:

“Há uma imagem coletiva da mulher no inconsciente do homem, com


o auxílio da qual ele pode compreender a natureza da mulher.

(...) Devemos pensar nessas imagens como isentas de conteúdo,


sendo, portanto, inconscientes. Elas adquirem conteúdo, influência e
por fim se tornam conscientes, ao encontrarem fatos empíricos que
tocam a predisposição inconsciente, infundindo-lhes vida. (Jung, O.C.
vol 7/2 p.80)

“A autonomia do inconsciente coletivo se expressa nas figuras da


anima e do animus. Eles personificam os seus conteúdos, os quais
podem ser integrados á consciência, depois de retirados da projeção.
Neste sentido, constituem funções que transmitem conteúdos do
inconsciente coletivo para a consciência.” (Jung, O.C. Vol 9/2 p.32)

(...) Gostaria de ressaltar que a integração da sombra, isto é, a


tomada de consciência do inconsciente pessoal constitui a primeira
etapa do processo analítico, etapa sem a qual é impossível qualquer
conhecimento da anima e do animus. Só se pode conhecer a
realidade da sombra em face de um outro, e a do animus e da anima,
mediante a relação com o sexo oposto, porque só nesta relação a
projeção se torna eficaz” (Jung, O.C. Vol9/2 p. 35)

Resta-nos desenvolver um pouco o conceito de Self e de


Individuação. Assim como Tipos Psicológicos.

A Tipologia Junguiana é fruto do desenvolvimento dos estudos sobre


o inconsciente e o consciente. Vai nos referendar a orientação da energia
psíquica de acordo com a atitude da pessoa. Em outras palavras, uma atitude
psíquica diz respeito ao rumo tomado pela energia psíquica onde uma
determinada pessoa foca preferencialmente sua atenção. Podemos perceber
claramente a atenção voltada para fora – para o mundo concreto de pessoas,
coisas e fatos, tais pessoas orientam-se de acordo com o ambiente externo e
são muito mais suscetíveis a ele. A essa tendência Jung denominou Tipo
Extrovertido. O seu oposto seria a introversão, orientada mais por fatores
subjetivos. O foco da atenção é deslocado para o mundo interior de
impressões, emoções, pensamentos e imagens. A introversão não é timidez. É
mais uma questão de absorver a energia do objeto para o eu.

Já a Função Psíquica se refere à maneira do ego se organizar para


experenciar a vida. São elas: pensamento, sentimento, sensação e intuição.
Podem ser experenciadas de maneira introvertida ou extrovertida. Elas se
opõem duas a duas. Assim: pensamento se opõe a sentimento e sensação a
intuição. As funções psíquicas determinam de que maneira uma pessoa prefere
avaliar as informações recebidas do meio ambiente. Não vamos mais nos
estender aqui.

O Si Mesmo (Self) é um conceito que se diferencia muito em Jung


da noção de eu. “Para Jung, o si-mesmo é transcendente, o que significa que
não é definido pelo domínio psíquico nem está contido nele mas situa-se, pelo
contrário, além dele e, num importante sentido, define-o” ( Stein 2011, p.137)

(...) Para Jung, o si-mesmo não se refere, paradoxalmente, a si-


mesmo. É mais do que a subjetividade da pessoa e sua essência
situa-se além do domínio subjetivo. O si-mesmo forma a base para o
que no sujeito existe de comum com o mundo, com as estruturas do
Ser. No si-mesmo, sujeito e objeto, o ego e o outro, juntam-se num
campo comum de estrutura e energia.” (Stein, 2011, p 138)

Portanto em si, o conceito se iguala ao do inconsciente em sua


natureza transcendente e por isso não dimensionável. Em seus últimos
trabalhos Jung coloca o si-mesmo como “princípio organizador da
personalidade” Ele também é símbolo da integralidade, ou mesmo equivalente
a ela. Por integralidade entendemos a “realização do si-mesmo na consciência”
( Stein), o que é uma utopia se colocado dessa maneira já que desde o si-
mesmo são gerados os opostos e a tensão contínua a ser sempre e sempre
integrada gerando e produzindo símbolos de integridade como as imagens da
quaternidade e mandalas.

(...) Presidindo a todo o governo psíquico está o si-mesmo, a


autoridade suprema e o mais alto valor: “unidade e totalidade situam-
se no ponto supremo da escala de valores objetivos porque os
símbolos já não podem ser distinguidos da imago Dei.” Sustenta Jung
que cada um de nós traz dentro de si a imagem de Deus – o cunho
do si-mesmo. Ostentamos a marca do arquétipo: typos significa um
cunho impresso numa moeda, e arché significa a matriz ou espécime
original. Assim, cada indivíduo humano é portador de uma impressão
do arquétipo do si-mesmo. Este é inato e dado.” (Stein 2011, p.144).

Para finalizar um conciso panorama dos conceitos e entendimentos


da psicologia complexa de Jung voltaremos o olhar sobre o que ele cunhou de
o processo de individuação. Pois justamente aí reside o “para quê”, de nosso
caminhar, de nossas revelações, de nossos desvelamentos, fala-se aí de
“torna-se uma personalidade unificada, mas também única, um indivíduo, uma
pessoa indivisa e integrada” ( Stein, 2011.p 156) e isso ocorreria durante todo o
processo da vida, em suas variadas etapas, sendo, no entanto, “ um fim em si”.

O mecanismo compensatório subsistente na relação do inconsciente


com o consciente é a maneira pela qual o processo de integração contínua vai
se dando, equilibrando as constantes uniteralidades da consciência,
introduzindo aí um “equilíbrio no sistema psíquico”. E assim, de compensações
em compensações, formam-se a base de um espiral evolutivo.

Esse processo se dá diferentemente na primeira metade da vida e na


segunda metade, ou seja, quando o indivíduo entra na meia-idade. No início da
vida, é necessário o fortalecimento do ego e da persona, rumo ao mundo das
conquistas. É o nascimento do herói. Na meia-idade, o que foi conquistado já
foi, o que não deu, não deu, pois os valores que impulsionaram tanto a
juventude são questionados. Abrem-se novos significados, e a vida é revisitada
com novos olhares

(...) A energia psíquica muda de rumo. A tarefa agora consiste em


unificar o ego com o inconsciente, o qual contém a vida não vivida da
pessoa e o seu potencial não-realizado. Esse desenvolvimento na
segunda metade da vida é o clássico significado junguiano de
individuação” (Stein 2011, p.158).
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAMIÃO, M. JR. Psicologia da Matemática e Matemática da Psicologia:


uma discussão epistemológica entre psicologia analítica e teoria das
estranhezas – tese de doutorado - UFRJ – IP – Rio de Janeiro, 2003.

GRINBERG, L.P. Jung , o homem criativo – São Paulo, SP, FTD, 2003

JUNG, C. G. O eu e o insconciente , O.C. volume 7/2 10. ed. - Petrópolis, RJ:


Vozes. 2013.

JUNG, C. G. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo , O.C. volume 9/1 10.


ed. - Petrópolis, RJ: Vozes. 2013.

JUNG, C. G. Aion , O.C. volume 9/2 10. ed. - Petrópolis, RJ: Vozes. 2013.

SAMUELS, A. Dicionário Crítico de análise junguiana – Rio de Janeiro:


Imago Ed., 1988.

STEIN, M. Jung o mapa da alma – uma introdução – São Paulo , SP:


Cultrix, 2011.

STEVENS, A. Jung, sua vida e pensamento: uma introdução – Petrópolis,


RJ, Vozes , 1993.

PIERI, P. F. Dicionário Junguiano – São Paulo , Paulus, 2002.

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