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ILMO. SR.

PRESIDENTE DA COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO


LEGISLATIVO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO DE
SÃO PAULO.

Ref.: Proc. n.º 020/07 ( Projeto de Lei do Senado n.º 186/2006, que altera os
arts. 8º, 58 e 84 da Lei n.º 8.906/94, para abolir o Exame de Ordem).

Senhor Presidente:

Na qualidade de membro consultor desta r.


Comissão de Acompanhamento Legislativo da Ordem dos Advogados do
Brasil, Secção de São Paulo, recebi a incumbência de analisar e tecer
considerações sobre o Projeto de Lei do Senado n.º 186, de 09 de junho de
2006, de autoria do Ilmo. Senador Gilvam Borges, que propõe alteração aos
artigos 8º, 58 e 84, todos da Lei 8.906, de 04 de julho de 1994, tendo por
objetivo a eliminação do Exame de Ordem como requisito a ser atendido para o
exercício da advocacia.

Em sua exposição de motivos, o ilustre Senador da


República sustenta que

“ a advocacia é a única profissão que para cujo


exercício a respectiva entidade de classe – a
saber, a Ordem dos Advogados do Brasil –
exige aprovação em exame de proficiência. A
despeito de o aspirante à carreira haver sido
diplomado, necessariamente, em instituição de
ensino superior oficialmente autorizada e
credenciada pelo Ministério da Educação (Lei
8.906, de 1994, art. 8º, II), a qual o submete,
com freqüência, durante pelo menos cinco
longos anos de estudos acadêmicos, a
avaliações periódicas, ele é compelido a
submeter-se a esta espécie de certame, que,
decerto, não tem o condão de avaliar, de modo
adequado, a capacidade técnica de quem quer
que seja.”

Na seqüência, o Senador adverte para o stress


causado nos alunos pelo Exame de Ordem, submetidos a uma prova que
concentra matérias aplicadas durante todo o curso, concluindo que o Exame, a
despeito de avaliar o sistema de ensino, representa um ônus para os alunos, já
que estes seriam avaliados pelo “Provão” (Exame Nacional de Cursos, aplicado
de 1996 a 2003, substituído pelo ENADE – Exame Nacional de Desempenho
de Estudantes).

Em apertada síntese, o referido Projeto de Lei


pretende eliminar o Exame de Ordem com a alegação de que o aluno das
faculdades de Direito já são avaliados durante o transcorrer de seus cursos,
seja pelas próprias instituições de ensino, seja pelo Governo Federal.

Não obstante o raciocínio do ilustre Senador ostentar


lógica razoável, a realidade nacional não permite que a proposta seja acolhida,
sob pena de gravíssimas conseqüências para toda a sociedade.

É notório e indiscutível que o ensino jurídico


conheceu um “boom” nos anos 90, com o surgimento de centenas de
faculdades de Direito, a maioria sem estrutura adequada (bibliotecas, salas de
informática) e sem pessoal qualificado (contratando professores com baixos
salários ou ao sabor de conveniências). Este quadro canhestro refletiu nos
índices de aprovação do Exame de Ordem, que despencaram na última
década até atingir números assustadores, abaixo dos 10% (dez por cento) em
alguns estados.

Preocupada com tal escalada de reprovação, a


Ordem dos Advogados do Brasil lutou insistentemente para que sua opinião
prévia, emitida quando da criação, reconhecimento e credenciamento dos
cursos jurídicos, conforme prevê o art. 54, XV do Estatuto da Advocacia e da
OAB, e art. 83 do Regulamento Geral do Estatuto, fosse obrigatoriamente
respeitada. Com a edição do Decreto n.º 5.773, de 9 de maio de 2006, e da
Portaria n.º 147, de 2 de fevereiro de 2007, do Ministério da Educação, o
parecer da OAB, se contrário ao funcionamento do curso, importará na revisão
de todo o processo de abertura do mesmo, o que representa um significativo
avanço em relação às políticas anteriores.

A Ordem dos Advogados do Brasil, em suas


manifestações acerca da criação de cursos jurídicos, sempre se pautou pelos
seguintes elementos, exigidos conforme parágrafo segundo do art. 83 do
Regulamento Geral do EAOAB:

a) verossimilhança do projeto pedagógico do curso, em face da realidade local;

b) necessidade social da criação do curso;

c) situação geográfica do município sede do curso, com indicação de sua


população e das condições de desenvolvimento cultural e econômico que
apresente, bem como da distância em relação ao município mais próximo onde
haja curso jurídico;

d) condições atuais das instalações físicas destinadas ao funcionamento do


curso;
e) existência de biblioteca com acerco adequado, a que tenham acesso direto
os estudantes.

Mencionados itens traduzem uma preocupação


básica com o desenvolvimento sustentável do curso, com o impacto que o
mesmo representará para a comunidade e entorno e, mais importante,
perscruta sobre as condições materiais oferecidas para os alunos. Porém, o
status adquirido pelo parecer da OAB após 2006, se permite almejar melhores
perspectivas para o ensino jurídico, não logra subverter o quadro de desalento
que impera nas faculdades de Direito instaladas anteriormente, pois indiscutível
a ausência de mecanismos estatais para fiscalizar e punir as instituições que,
desrespeitando as disposições legais e o compromisso com o ensino,
abraçaram a causa do grande “mercado”, do lucro a qualquer custo, da
indústria indiscriminada de diplomas.

Por esta razão, a manutenção do Exame de Ordem


é essencial para que o conhecimento dos bacharéis seja minimamente aferido,
evitando que verdadeiros analfabetos funcionais venham a causar danos à
sociedade, através do manuseio equivocado de institutos que tratam da
liberdade e do patrimônio com assiduidade. Em realidade, o que se exige do
bacharel através doo Exame de Ordem é a comprovação de que seu curso de
graduação possibilitou o desenvolvimento de uma cultura jurídica sólida,
redundando em um raciocínio jurídico indispensável para o exercício da
atividade da advocacia no cotidiano.

Com a extinção do Exame de Ordem, o último


controle que a sociedade possui para fiscalizar o resultado do trabalho de
centenas de faculdades não mais existiria. Sem o Exame de Ordem, restaria
apenas o aparato governamental, sem recursos, sem estrutura, sujeito a
favorecimentos e à corrupção. O Exame da OAB não está acima de investidas
da ilegalidade e da fraude, mas a postura da entidade em repelir tais iniciativas,
e a criteriosa coerência que norteia sua aplicação, ainda o legitimam como
mais avançado procedimento para apurar o que os alunos de Direito aprendem
nos cursos jurídicos brasileiros.

Além das razões de fato que exigem a continuidade


do Exame de Ordem como imprescindível para a avaliação do bacharel que
pretende advogar, apontamos uma razão maior, esculpida no art. 5º, XIII, da
Constituição Federal, que estabelece ser

“livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou


profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer”.

A diretiva constitucional acima informada legitima o


preceito contido na Lei Federal 8.906/94, que impõe como requisito para o
exercício da advocacia, dentre outros igualmente essenciais, a aprovação em
Exame de Ordem (art. 8º, IV).

Muitos são os que classificam o Exame de Ordem


como figura inconstitucional, por desatender a primeira parte do citado inciso
XIII do art. 5º da Constituição Federal. Porém, ao debruçar-se sobre a matéria,
esclarece Celso Ribeiro Bastos (Comentários à Constituição do Brasil, 2º v., 2ª
ed., 2001, Saraiva, p. 87) que a exigência de qualificações profissionais para
certas atividades, comando extraído da parte final do inciso XIII do artigo 5º,
estará de acordo com o preceito constitucional que tutela a liberdade de
trabalho se dois requisitos forem observados: a necessidade de conhecimentos
técnicos e científicos avançados para a atuação do profissional, e o risco de
dano social que referida atividade possa causar.

Ao apontar exemplos que ilustrem tal situação, o


saudoso constitucionalista aponta a medicina, a engenharia e as carreiras
jurídicas como profissões que exigem elevado grau de conhecimento técnico
e/ou científico, ao mesmo tempo em que são potencialmente danosas se
exercidas sem esse respaldo, sem uma obrigatória capacitação.
O Exame de Ordem, em conjunto com a conclusão
de curso de graduação em Direito, apresenta-se, portanto, como uma iniciativa
legítima, constitucional e legal, para avaliar o nível dos bacharéis que
pretendam atuar na advocacia.

Pelas razões acima externadas, entendemos que a


proposta apresenta pelo ilustre Senador Gilvam Borges, no sentido de eliminar
o Exame de Ordem, deve ser rejeitada por seus ilustres pares, tendo em vista
as conseqüências danosas que podem advir de tal medida.

É o nosso parecer, s.m.j.

São Paulo, 17 de dezembro de 2007.

ORLANDO GUIMARO JUNIOR

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