Você está na página 1de 12

Janeiro2010

Março 2010 Número


Número10 Ano1
Edição1

ECO da Voz di Paz


cu

   
Boletim Informativo
Boletim Informativo

CARNAVAL
Época de Paz? 

Editorial Pág..2
Artigos de interesse especial:
Actividades
• NTRUDU MEDI IAGU, MA GUERA GORA? …..…….….………....p.3  Voz di Paz Pág.3
 
• O CARNAVAL DAS CRIANÇAS…….….........................................p.5 Imagens do
  Carnaval 2010 Pág.7
• NETOS DE BANDIM …..…….….………………………………………..…....p.6
 
•  ECO DOS FILHOS DA GUINÉ:   Eco da Voz di
ENTREVISTA A  CIRILO M´BAKÊ ……………………………………………p.9  Paz chegou aos Pág.12
Guineenses
Página 2
ECO da Voz di Paz Boletim Informativo

EDITORIAL
«CARNAVAL MEDI GUERA»
(Carnaval tem medo da guerra)

“Este ano não haverá Carnaval. É um


verdadeiro drama nacional. É neste momento
que sinto realmente a crueldade da guerra.”
Esta frase, que eu ouvi em Cumura, onde estive
“refugiado” depois do mais terrível episódio da
guerra civil em Fevereiro de 1999, é para mim
a maior expressão do simbolismo do Carnaval
no imaginário guineense. Em mais de 20 anos
de presença na Guiné-Bissau, eu vi o Carnaval
preterido só uma vez. Foi um caso de força
maior, em Fevereiro de 1999. Bissau estava
cercada por tropas de Junta militar, ocupada
por tropas estrangeiras senegalesas e conakri-
guineenses, e mergulhada num ambiente no Carnaval 2010 - BISSAU
luto causado por 8 meses de uma guerra cujo
fim ninguém vislumbrava, sobretudo depois da
chamada “Guerra do 30 de Janeiro” que deu os
6 dias mais mortíferos desta sangria de 11
meses.
Pensar no Carnaval nestas condições parecia
surrealista. Mas de 12 a 16 de Fevereiro 1999,
momento em que devia ter ocorrido o
Carnaval, muitas pessoas só falavam deste “não
acontecimento”, ou melhor, deste aconteci-
mento não advindo, em vez de comentar a
guerra que assolava o país. Houve até tímidas
tentativas de celebrar pedaços de carnavais em
alguns bairros, mas as tropas senegalesas não
deixaram a mínima dúvida sobre a
inoportunidade de tais festejos. Mesmo assim,
algumas cidades controladas pela junta militar
fizeram algumas manifestações. Mas, o
Carnaval, nestas condições não podia ter alma.
Então, 1999 foi um ano sem Carnaval na
Guiné...um Inaudito! Desde então, o Carnaval
Carnaval 2010 - BISSAU
segue o seu curso, com o seu cortejo de lemas
virados para a paz.
O Carnaval, maior festa popular na Guiné-
Bissau, é doravante de um voluntarismo
pacífico. Este momento cimeiro do convívio
nacional é, na verdade, o tempo em que
ninguém pensa nas diferenças e ainda menos
nos diferendos que dividem e opõem os filhos
do país ao longo do ano e ao fio dos anos que se
seguem. Então, perante esta harmonia
barulhenta de 5 dias, muitos surpreendem-se a
pensar que mais vale a desordem pacífica do
verdadeiro carnaval que o simulacro
carnavalesco violentamente servido ao longo
dos restantes 360 dias do ano.

Fafali Koudawo

Director Pesquisa
«Voz di Paz»
Carnaval 2010 - BISSAU
ECO da Voz di Paz Boletim Informativo
Página 3

Actividades Voz di Paz – Março de 2010  

uniformização das metodologias


O mês de Março foi marcado por
das organizações que compõem a
vários momentos simbólicos
comissão chegou á conclusão de
para o futuro da Voz di Paz.
que a experiência da VdP
Depois da legalização, a 26 de
explicada e ilustrada pela
Fevereiro, da Voz di Paz –
projecção de um filme poderia
Iniciativa para a Consolidação
servir de fonte de inspiração para
da Paz, a nova entidade
a conferência a ser organizada.
autónoma regida pelo direito
das associações, desenvolveu engajamento da Senhora Adja No quadro da difusão dos
várias actividades tendentes a Satu Camará Pinto em fazer parte resultados da identificação das
pavimentar o caminho para uma da Assembleia Geral da VdP. Os fontes de conflitos na Guiné-
acção durável. embaixadores de Portugal e do Bissau, a VdP produziu jingles que
Brasil assim como o representante põem em relevo os papéis da má
Uma delegação da Interpeace, do Secretário Geral das Nações governação, da justiça deficiente
parceira estratégica da VdP, fez Unidas confirmaram os seus e da instabilidade política na
uma missão de apoio à equipa de engajamentos para apoiar todas génese dos conflitos. Estas
15 a 19 de Março. Composta por as iniciativas de paz no país, e mensagens são difundidas nos
Peter Hislaire, Director dos particularmente a VdP que já boletins informativos das rádios
Programas da Interpeace em implementou o processo de públicas, privadas e comunitárias.
Genebra, e Jean-Paul Mugiraneza diálogo mais alargado jamais
encarregado do apoio à VdP, a empreendido no país.
Nos dias 27 e 28 de Março, a
delegação participou no esboço equipa de VdP efectuou visitas de
das linhas mestras das estratégias No dia 19 realizou-se o primeiro terreno aos Espaços Regionais de
de institucionalização reforçada encontro dos membros da Diálogo de Cacheu e de Oio
na nova fase. Ela teve uma série Assembleia Geral de VdP após a (Bissorã), reunidos em Bula, e de
de trocas de pontos de vista com sua legalização enquanto uma Biombo reunido em Quinhamel.
responsáveis de instituições nacio- pessoa colectiva dotada de Na agenda dos encontros
nais, nomeadamente o Ministério personalidade jurídica. Recorda- figuravam a apresentação da nova
do Interior, a Assembleia Nacional se que de momento, a Assembleia Voz di Paz e a programação das
Popular (ANP), Embaixadas do Geral conta como membros o actividades a serem desenvolvidas
Brasil e de Portugal e Uniogbis, o Bispo de Bissau D. José Camnaté até Dezembro de 2010.
Gabinete Integrado das Nações Na Bessing, Eng. Filinto Vaz
Unidas na Guiné-Bissau. Martins, Pe Davide Sciocco, Sr.ª
Ao longo o mês de Março a
Dina Adão, Aladje Eusébio
emissão Bantaba di Paz, feita em
Na ANP, o encontro com o Abubacar e o Sr. Sambu Seck.
parceria com a Rádio Sol Mansi
presidente da Comissão técnica de desde 2008, foi dedicada ao tema
organização da Conferência nacio- No encontro de convívio com a “Má governação e conflitos”
nal de reconciliação “Caminhos equipa técnica da VdP e a desdobrado em vários subtemas ,
para a Consolidação da Paz e delegação da Interpeace foram nomeadamente: “Má governação
Desenvolvimento” soldou-se com reiterados os empenhos e conflitos no domínio da justiça”
um engajamento da Interpeace de individuais a favor da paz e a (2 de Março), “Má governação e
mobilizar recursos para apoiar a necessidade de federar estes desequilíbrios sociais geradores de
realização deste evento tão compromissos na senda da VdP. conflitos” (9 e 16 de Março), “Má
importante para a paz no país e De 29 a 31 de Março, dois governação, desequilíbrios entre
facilitar a troca de experiência membros da equipa VdP , Fafali regiões e conflitos” (23 de Março),
com países que já implementaram Koudawo e Filomena Mascarenhas “Más políticas sociais geradoras de
iniciativas de reconciliação Tipote participaram no atelier conflitos (30 de Março).
nacional, nomeadamente o metodológico organizado pela
Ruanda e Timor leste onde a ANP, e financiado pelo PNUD, no A Voz di Paz (VdP) apoiou o
Interpeace apoia programas de quadro da preparação da carnaval de 2010, particularmente
consolidação da paz. A visita no Conferência Nacional de nas actividades de promoção da
Ministério do Interior teve como Reconciliação. O encontro cidadania e cultura de paz nas
fruto a confirmação do destinado a promover a camadas juvenis de Bissau.
Página 4
ECO da Voz di Paz Boletim Informativo

CARNAVAL I DI NOS
NTRUDU MEDI IAGU, MA GUERA GORA?
Fafali Koudawo

contarem, com uma indizível Esta é a ambivalência de Nturudu.


nostalgia, as façanhas realizadas Medonho e frágil ao mesmo tempo.
nos carnavais dos anos 80, Cantado e mesmo vaiado pelo
particularmente entre 1981 e povo, Nturudu é amigo do povo. É
1985. Para eles, foram os anos que o carnaval é o bem do povo.
de ouro do carnaval, autênticos Um dos últimos. É sem dúvida um
picos de fervor popular e dos derradeiros campos colectivos
verdadeiros Himalaias da onde os pequenos cultivam a sua
expressão cultural nacional. As imaginação e os grandes colhem
Carnaval 2010 histórias que se contam sobre uma sã alegria. Uma alegria
este período não têm fim: uns contagiante, capaz de apagar as
recordam as brincadeiras, outros dores mais tenazes. Como o ilustra
Carnaval 2010 - Bissau salientam os trajes, outros uma cantiga popular magnificada
O Carnaval, legado cristão da falam da originalidade das pelos cantores Iva e Itchi em
colonização tornou-se uma máscaras, alguns lembram companhia do grupo Tabanka Djaz:
verdadeira instituição na Guiné- mesmo as sarabandas dos
Bissau. Talvez a instituição cooperantes brasileiros que Bu dadu homem
nacional mais consensualmente eram muitos nessa altura. Todos Bu ka mistil
aceite. Cristãos, muçulmanos, falam dessa época com saudade. Bu pudu a forsa
animistas e outros reivindicam-no É que os melhores carnavais são Bu chora pena
como uma expressão da cultura sempre os da infância e da Ka bu chora
popular. Hoje, poucos se juventude. Na verdade, a Nô badja karnaval...
lembram das suas origens criança e o adolescente são os
católicas e do seu início nos grandes donos do carnaval e das
círculos urbanos cosmopolitas em suas máscaras.
Bolama, Cacheu e Bissau. Muitos
tentam utilizá-lo para fins alheios Com efeito, sem a imaginação
à simples diversão. Mas, face a das crianças não há carnaval.
todos os empreendimentos de São as crianças que anunciam o
recuperação ergue-se sempre a carnaval. São elas que albergam
fabulosa criatividade do povo que nas suas pequenas cabeças a
é o verdadeiro dono do Carnaval. cara de Nturudu, a máscara do
carnaval. A elas cabe dar-lhe
Nos primeiros anos da Guiné- formas e vida, transformando
papel reciclado, terra de barro e Carnaval 2010 - Bissau
Bissau enquanto Estado
independente, o carnaval tinha tintas baratas em autênticas
sabor de mobilização popular obras artísticas, dignos Assim o carnaval pode mesmo
num ambiente de revalorização testemunhos da fértil criati- acabar com a imensa dor de uma
das culturas étnicas subalter- vidade infantil, que tem fontes rapariga casada à força. Basta
nizadas pela política de num mundo repleto de entrar na dança e esquecer tudo...
assimilação dos anos de monstros, fantasmagorias e Salvo as metamorfoses de Nturudu
colonização. O carnaval foi humor. que antigamente só temia a água,
portanto uma eficaz catalizadora mas desde a guerra do 7 de Junho
das energias das novas gerações. Se Nturudu é medonho, só é de 1998, passou a recear também a
Para se ter uma ideia da força temido pelas criancinhas. Aliás, guerra ao ponto de o carnaval se
que teve este canal de ele próprio tem medo... da tornar não só um momento de paz,
mobilização nos anos de euforia água, pois este líquido estraga mas também um momento de
revolucionária basta ouvir os as máscaras de papel... Como conjurar a guerra para enraizar a
antigos membros da Juventude diz a cantiga do carnaval: paz... enfim!
Africana Amílcar Cabral “Nturudu medi iagu”.
ECO da Voz di Paz Boletim Informativo
Página 5

O Carnaval das Crianças


Manuela Lopes Mendes

visitados pela Voz di Paz. ensino em 1999, propor-


No Jardim de Infância SOS, cionando às crianças uma festa
Emília Monteiro, disse-nos que fantasiada. É o momento de
para além do lema nacional observar a criatividade e as
«Unidade, Paz e Desenvol- agilidades de cada um.
vimento», o grupo de carnaval
da SOS teve como mensagem: Para evitar aos mais pequenos
“Paz, Tolerância e os pesados horários e
Fraternidade”. constrangimentos do desfile
oficial, a escola cria no seu
As crianças que participaram no próprio recinto o ambiente da
Carnaval 2010, Bissau desfile exibiram danças festa, associando à exibição das
manjaca, fula, mancanha, surpresas carnavalescas os pais
bijagós, balanta (N’gaihé) e das crianças, encarregados de
      fusão. educação, e outros convidados
como espectadores.

Carnaval 2010, Bissau Carnaval 2010, Bissau

Como uma festa popular e de Esta última dança inclui uma Por mais de 4 horas, as crianças
harmonia entre os povos da diversidade de danças não dão mostras dos seus talentos
Guiné-Bissau, o carnaval suprime atribuídas a uma só etnia. recitando poesias, dançando e
as fronteiras culturais, pois todos fazendo mil outras actividades
se imitam, todos aproveitam a Para preparar as crianças, foram num ambiente propício à
ocasião para experimentar trajes feitos vários dias de ensaios nos difusão dos ideais da paz e da
tradicionais de todas as etnias. quais se tentou incutir nas suas harmonia.
mentes, imagens da diversidade
Para as crianças é uma ocasião cultural e o valor de uma sã Este ano as palavras de Okinca
única para mergulharem num convivência. Pampa, lendária rainha Bijagós
mundo de sonho com vestidos e que reviveu pela magia das
danças típicas de culturas por No Jardim/Escola Irmã Paulina crianças, foram: “Eu sou a
elas desconhecidas. Camargo, a Directora Nuna rainha da paz. Só com a paz é
Fernandes disse-nos que que as crianças se sentem bem,
O universo ideal do Carnaval organiza-se o carnaval na escola vivem bem com os pais, com os
infantil é a Escola. Dois para os mais pequenos desde a      
amigos e no país. Quem vive na
estabelecimentos em festa foram criação do estabelecimento de paz, vive com amor”.
Página 6
ECO da Voz di Paz Boletim Informativo

NETOS DE BANDIM
Hora Tchiga pa PAZ ten na Guiné!
(Está na hora da Guiné ter Paz) O grupo cultural “Netos de Bandim”
Filomena Tipote foi criado no dia 12 de Novembro de
2000 na cidade de Bissau. É
Os segredos de uma vitória… composto por jovens e crianças de
Tudo isto foi ritmado com
O primeiro prémio do Carnaval várias faixas etárias e surgiu com o
objectivo da boa disposição,
de 2010 foi arrebatado pelo propósito de unir jovens e crianças
transmissão de energia positiva que trabalham no domínio cultural,
grupo cultural Netos de e mensagem de paz. Assim, a
Bandim. Esta vitória veio com vista a uma colaboração que
mensagem “Hora tchiga pa paz promova a sua formação nas
coroar um investimento de ten na Guiné” foi exprimida
longa data feito por este diversas áreas sócio-culturais,
numa dança papel associada a contribuindo tanto para a
conjunto que considera o relógios florescentes nos pulsos prevenção como para a redução da
Carnaval como sendo uma dos dançarinos e dançarinas dos delinquência juvenil e da exclusão
manifestação cultural onde Netos de bandim. social.
cada guineense pode Ao longo de dez anos, os Netos de
manifestar a sua identidade. Considerando que os desfiles Bandim participaram em cen-tenas
exigem muita energia, o grupo de actividades levando consigo o
Segundo o seu responsável, fez ensaios debaixo do sol, nas teatro, a dança e a poesia como
Héctor Diógenes Cassama, a ruas, para uniformizar as armas de sensibi-lização sobre
vitória no concurso de 2010 coreografias. Levou longe a variados temas que afectam a
teve segredos. Eles confiou à preparação utilizando um sociedade guineense. Das suas
Voz di Paz alguns deles. O mais sistema de rotação dos participações no Carnaval
importante é que os Netos de elementos que permite aos arrecadaram mais de duas dezenas
Bandim já têm uma longa tocadores aguentarem durante 3 de prémios de vencedores, sendo o
prática nos palcos. Têm horas a fio para satisfazer as último o de carnaval de 2010.
também uma tradição de exigências do carnaval cujo
recrutamento que permite lema foi: “Unidade Nacional Paz
uma selecção cada vez mais    
e Desenvolvimento”.
rigorosa dos seus artistas, com
base em critérios como: as Excesso de competição pode
técnicas da dança, a desvirtuar o espírito de paz no
flexibilidade das dançarinas e Carnaval
dos dançarinos, a coreografia e Os Netos de Bandim têm receios face
a expressão corporal. Para eles à nova dinâmica do carnaval que
tende a ser cada vez mais etnizado.
a alegria comunicada pela
O facto de as pessoas começarem a
dança é capital. Uma das competir desde as regiões torna as
ambições deste grupo é fazer pessoas vulneráveis à disputa e
das suas crianças futuros começa a ser um factor estimulador
dançarinos profissionais. de desunião.
O grupo tem recebido ameaças de
No Carnaval de 2010, a chave Netos de Bandim- 2010 pessoas reivindicando a defesa de
da vitória consistiu em terem alguns grupos étnicos. Isto contraria
feito uma ronda a nível o espírito deste grupo que faz do
nacional, recrutando indiví- mosaico étnico a sua força e não quer
ser confrontado com rivalidades
duos pertencentes a diferentes
advindas de grupos divisionistas. Caso
grupos étnicos, que fizeram isto continue a prevalecer, o grupo
ensaios de dança e prepararam Netos de Bandim, em nome da sua
vestimentas típicas. Assim, o filosofia de coesão nacional vai
grupo ensaiou danças balanta, abster-se de participar nos futuros
N’gaie, manjaca, papel, carnavais e pensar na “internacio-
felupe, baca bruto dos Bijagós, nalização” que é um dos seus
todas elas combinadas com os objectivos a médio prazo e longo
trajes étnicos específicos. prazo.
Netos de Bandim- 2010
ECO da Voz di Paz Boletim Informativo Página 7

Imagens Carnaval 2010 – Guiné-Bissau


Página 8
ECO da Voz di Paz B l ti I f ti

Imagens Carnaval 2010 – Guiné-Bissau


ECO da Voz di Paz Boletim Informativo
Página 119
Página

Eco dos Filhos da Guiné – Entrevista a


Cirilo M´Bakê Joacine Katar Moreira

Nasceu num dia histórico, a 3 de Alguns dizem que eu fiz uma


Agosto de 1961. Nesse dia, os promessa para pagar no Carnaval,
guineenses manifestaram-se contra e que por isso não consigo passar
a administração colonial e foram sem me mascarar. Não entendem
mortos. O massacre de Pindjiguiti que é emoção. Carnaval é emoção!
foi um marco na consciencialização
da luta pela libertação nacional. VdP: Como foi a primeira vez?
Nasceu também nesse dia o rei do C. M´Bakê: A primeira vez que fiz
Carnaval:
Carnaval, foi um grande sucesso,
tiraram fogo-de-artifício e tudo,
De passo lento e descontraído, de
andar sem pressa do Carnaval, foi em 1979. O Carnaval era na
Cirilo M´Bakê diz ser um homem Praça do Império. Lembro-me que
pacato, simples. Uma criança, agora fiz uma máscara com o Domingos
homem, que tinha medo do Luísa, de Cabo Verde. Apesar do
N´turudo e das pessoas. sucesso no Tchon di Papel, depois
Na Guiné e na Diáspora todos já aceitei mudar para Bandim, onde
ouviram falar dele. Os artistas fui chefe de Carnaval. As pessoas
guineenses cantaram-no em canções de Tchon di Papel ficaram muito
de festa, como símbolo do Carnaval zangadas e até tive de ser
Cirilo M´Bakê
di no tera. escoltado, porque os velhos do
Não tem consigo nenhuma Sou filho de Ermelinda Mendes
Bairro queriam quase matar-me.
fotografia do tempo em que era Correia, mais conhecida por
Chefe de Carnaval, fama que nunca Manda, e de Francisco Gomes
VdP: E ganharam o carnaval nesse
o deixará, mesmo porque Cirilo Monteiro. Tenho quatro filhos,
ano?
M´Bakê não consegue deixar o dois rapazes e duas meninas. O
Carnaval, as emoções e a fantasia C. M´Bakê: Ainda bem que
mais velho tem 27 anos e a mais
desta época do Ano. perdemos o Carnaval nesse ano,
nova 19. A minha esposa é Joana
porque senão não saberia se ainda
da Silva, Nené. Sou um homem
estaria vivo para dar esta
pacato, não me meto com
entrevista. Eu vivia muito o
ninguém, sou tímido.
Carnaval… Em 1987 queria fazer
Carnaval no ar, através de balões
VdP: Cirilo M´Bakê é o seu nome VdP: Como foi a sua infância?
de oxigénio, eu e o Manuel Mina
artístico? C. M´Bakê: Eu era uma criança
(Lili), engenheiro, no Tchon di
C. M´Bakê: O meu nome é Cirilo que tinha medo das pessoas, era
Papel. Mas não tínhamos
Gomes Mateus. M´Bakê é o meu muito tímido. Lembro-me que os
condições. Queria também fazer o
Deus. O meu Profeta. Deus dos meus tios vinham mascarados e
Carnaval em cima da água, no
senegaleses. Também é conhe- eu metia-me debaixo da cama
Pindjiguiti, com os - não me
cido por Walios, que significa quando os via... Não gostava do
lembro do nome - dos côcos das
pessoas com poder. O meu amigo Carnaval.
palmeiras, que iriam funcionar
Per Cassamá (Karambá) é que me como uma prancha de surf.
pôs este nome, porque tudo o que VdP: Mas depois passou a gostar
eu dizia que ia acontecer, do Carnaval. Como foi esta
VdP: Mas isso seria uma grande
acontecia. Quando o nosso grupo passagem?
inovação…
estava com dificuldades, eu C. M´Bakê: Não sei explicar. É
C. M´Bakê: Quem não inventa não
tomava a dianteira e conseguia uma coisa sem explicação. Eu sou
é artista. Fui um aluno que não ía
sempre resolver as coisas difíceis, um homem calmo e pacato, mas
à escola com livros, só de papel e
depois de outros já terem quando chega o Carnaval,
caneta. Gosto muito de
tentado. transformo-me. O meu pai
matemática. Fui considerado um
faleceu no dia 12 de Janeiro, mas
dos melhores da Guiné, mas esta
VdP: Vamos começar por falar naquele ano eu vesti-me para o
minha faceta ninguém conhece.
do Cirilo Mateus…Onde nasceu? Carnaval. A minha irmã não
Conhecem-me mais como homem
C. M´Bakê: Sou do Bairro Tchon gostou mas eu expliquei-lhe que
do Carnaval.
di Papel, em Bissau. tinha de fazer isso, mesmo contra
a sua vontade.
Página 10 ECO da Voz di Paz Boletim Informativo

«Eu, com a máscara, sou outra pessoa (…) sinto-me


emocionado, sinto-me forte»
VdP: E não regressou à Guiné? VdP: E aceitou o convite?
C. M´Bakê: Não regressei à Guiné C. M´Bakê: Portugal… aqui não
porque era muito conhecido. O é o meu país. Qualquer dia vou-
meu poster estava no palácio me embora. Parece que estou
presidencial e tudo. Uma vez, fui aqui amarrado. Quero contribuir
com o grupo “Netos de Gumbé” para o meu país Guiné-Bissau.
para Espanha, e o ministro da Temos todos de voltar. Moro há
cultura espanhol quis tirar uma 20 anos fora da Guiné, quando
foto comigo, devido às coisas que eu regressei fiquei muito
eu fazia. Foi em 1979. satisfeito e quero fazer lá a
minha casa.
VdP: É um homem reconhecido
pelos guineenses também… «Portugal…aqui não é
C. M´Bakê: Sou muito simples.
Eu, se calhar, nasci para o o meu país. Qualquer
Carnaval… Até hoje, ninguém
passou-me à frente no Carnaval
dia vou-me embora.(…).
da Guiné. Já venci o que era Temos todos de voltar»
necessário vencer, o resto é
Eu, com a mascara, sou outra música. O difícil já está. Agora
pessoa. Quando ponho a mascara, apontam-me na rua porque me
sinto-me emocionado, sinto-me identificam. Vêm-me sempre
forte, diferente. Até eu acho que mascarado, muitos não me
não sou eu quando estou com a conhecem. Pensam que sou um
máscara... homem de mais idade, alto,
grande, diferente daquilo que eu
VdP: A fama do Carnaval abafou sou.
as outras qualidades…
C. M´Bakê: Participei no filme de
«Eu, se calhar,
Flora Gomes “Morte Nega”, onde nasci para o Carnaval»
fiz o papel de alfabetizador. Fui
professor de desenho e geometria
descritiva no Liceu de Bafatá e
depois na Nkume Nkrumah, em VdP: A fama é maior do que o
Bissau. Sou músico do grupo homem... Nunca pensou
musical “Netos de Gumbé”. aproveitar a sua fama para
entrar na política e fazer alguma
VdP: Toca algum instrumento? coisa diferente?
C. M´Bakê: Não, sou cantor, C. M´Bakê: Não gosto de política,
vocalista. Deixem-me com a minha
Nené Garandi , esposa de Cirilo
brincadeira! Os partidos políticos M´Bakê
VdP: Como é que depois veio são inimigos do Povo. Quem está
para Portugal? na política está contra o povo. VdP: E aqui em Portugal, como
C. M´Bakê: Saí da Guiné em 1987 Convidaram-me para ir para a faz no Carnaval?
com uma bolsa de estudos para Guiné trabalhar na área da C. M´Bakê: Quando é Carnaval
estudar Engenharia de Sistemas cultura. mascaro-me sempre. Não consigo
Informáticos. Não cheguei a passar sem isso. Todos aqui no
concluir o curso, mas fiz outros, «Não gosto de política. Vale de Amoreira já me
vários cursos técnicos, na área de conhecem. Até os polícias!
electricidade e ar condicionado. Deixem-me com a minha
Trabalho agora na área da brincadeira!»    
Serralharia Civil.
ECO da Voz di Paz Boletim Informativo
Página 11

MAIS FESTEJOS...
ECO da Voz di Paz Boletim Informativo

ECO da Voz di Paz chegou aos Guineenses

Armando Pereira – Londres, Inglaterra


Jacqueline Rodrigues – Lisboa, Portugal Centro Cultural - Odivelas, Portugal

Nel Will (Iú) Katar Mady


Maryland, EUA D. Matá – Café «Bo Na Fia»,
Vale Amoreira, Portugal

D. Lina. Proprietária Café «Bo Na Fia», Portugal


Joseana Pinto Cardoso
Centro Cultural - Odivelas, Portugal
Sto. António dos Cavaleiros, Portugal

Escreva para a
      ECO da Voz di Paz envie-nos
os seus artigos, notícias, sugestões,
comentários e fotografias diversas para o
correio electrónico vozdipaz@gmail.com
Contamos com a sua participação!

FICHA TÉCNICA: Eco da Voz di Paz – Boletim Informativo Proprietário: Voz di Paz - Iniciativa para a
Consolidação da Paz Coordenador: Fafali Koudawo Editora: Joacine Katar Moreira;
Redactores: Fafali Koudawo; Filomena Mascarenhas Tipote; Joacine Katar Moreira; Manuela Lopes Mendes
Concepção gráfica e fotocomposição: Joacine Katar Moreira Número: 1 Data: Março 2010 Local: Guiné-Bissau
Periodicidade: Mensal - versão electrónica; bimestral - versão impressa Tiragem: 1500 exemplares

Parceiro: Interpeace
Financiado pelo Governo da Finlândia

Você também pode gostar