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Incêndio e reconstrução

“Com’era, dov’era”, uma história que se repete


Juliana Prestes Ribeiro de Faria, Laura Bicalho de Melo Duarte e Juliana Beatriz
Rodrigues
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/19.223/7244


Cine Teatro Ouro Verde, Londrina, 1948-1952, arquitetos Vilanova Artigas e Carlos
Cascaldi
Foto de Yutaka Yasunaka [Wikimedia Commons]

Giovanni Carbonara publicou em 1998 um artigo intitulado “Tendencias actuales de


la restauración en Italia” que apresentava um panorama das ações deste campo do
conhecimento desde o século 18 até os dias atuais. O autor também sintetizava
estas informações em um gráfico cartesiano que trazia no eixo das abscissas as
instâncias histórica e estética e no eixo das ordenadas o tempo, de maneira que:

A História da restauração, desde suas origens por volta dos séculos 18 e 19,
poderia ser esquematizado com uma curva sinusoidal que, diminuindo em
intensidade, aproxima-se assintoticamente a zero, exatamente onde impulso
oposto dos dois componentes, históricos e estética, gradualmente tendem a
ser abafado em um conteúdo 'crítica' de equilíbrio no limite de um pequeno
"delta" o que significa a activação dialética insuprímivel necessário
recorrer a em cada caso. Este esquema, de fato, até algum tempo atrás
verdade é parecia também desejável que descreve um processo de
amadurecimento teórico e metodológico eficaz restaurar mas nos últimos
tempos parece hesitar contra o fim acima mencionado, a tal ponto que o
sinusoide parece perpetuar, em toda a sua amplitude, sem possibilidade de
solução real e mitigação das duas instâncias (1).

A oscilação, ao longo dos séculos, entre as ações que propõe a supremacia das
instancias históricas frente a estética, e por outro lado, aquelas de hegemonia
da instancia estética sobre a histórica, demonstram o comportamento aparentemente
senoidal e por assim ser repetitivo da preservação do patrimônio. Também está
representado graficamente, entre linhas operativas e de investigação tão
antagônicas aquela que prezava pelo equilíbrio entre as duas instâncias, e que é
chamada pelos teóricos de crítico-conservativa. E por vários momentos, acreditou-
se que o surgimento desta linha extinguiria as outras, justamente por ser
resultante de mais de dois séculos de amadurecimento teórico, mas isso não
ocorreu.

A comprovação desta afirmativa esta em outra publicação de Giovanni Carbonara, o


livro Architettura d’Oggi e Restauro. Un confronto antico-nuovo (2), na qual o
autor analisa distintas intervenções na preexistência edilícia e as classifica.
Dentre os exemplares, existem algumas onde houve o comprometimento das instâncias
históricas e/ou estéticas, mas também há intervenções fundamentadas na correta
leitura do monumento, na compreensão da sua história e dos seus valores.
O último capítulo do livro trata de casos particulares, no qual se insere o
restauro de edifícios modernos como o da Torre Pirelli em Milão. O primeiro
arranha-céu da Itália foi projetado pelo arquiteto Gio Ponti para ser o edificio
mais alto da Europa e ter uma fachada futurista. Isso foi alcançado atraves do
uso de um sistema de paredes cortina em aluminio e vidro assim como pela adoção
de uma estrutura de concreto de variada seção concebida pelo grande engenheiro
Pier Luigi Nervi. Mas em 2002, um acidente aéreo distruiu três andares deste
edifício, danificando parte da estrutura, dos fechamentos e do próprio
revestimento da fachada, pelo choque de uma aeronave de pequeno porte (3).

Frente a esta fatalidade, foi necessário transformar a reforma – que tinha o


objetivo de atualizar a infraestrutura de instalações existente – em uma obra de
restauração. Era possível e viável a reconstrução do que havia sido perdido com o
acidente, tendo em vista que as técnicas construtivas deste exemplar dos anos
1950, ainda são utilizadas contemporaneamente e os materiais podem inclusive ser
produzidos industrialmente. Mas isso seria tratar o patrimônio moderno de forma
desigual pois ele não oferece ainda um distanciamento histórico, capaz de gerar
ações preservadoras. Mas segundo Alessandro Pergoli Campanelli (4), o problema da
restauração foi abordado criticamente considerando que:

Assim, as partes a serem conservadas, sacrificadas ou substituídas foram


criteriosamente avaliadas. Caso contrário, a aceitação da reprodutibilidade
pela corte (e, portanto, a ausência de valor material) de qualquer produção
industrial seria equivalente a considerar a maioria do material constituinte
das obras arquitetônicas modernas desprovida, não tanto de valor estético,
mas de qualquer valor do testemunho histórico. Essa condição é semelhante ao
caso dos componentes mecânicos comuns de uma máquina ainda em funcionamento.
Aceitando um método acrítico de intervenções considerando a substituição
automática de todas as peças originalmente produzidas em série por serem
ineficientes ou “normativas”, qualquer arquitetura moderna, da obra-prima ao
monumento histórico, seria tratada como um artefato industrial ainda em
funcionamento, que simplesmente precisa ser reparado e atualizado (5).
O sistema de parede cortina foi restaurado e remontado de acordo com os critérios
internacionalmente reconhecidos da anastilose e da mínima intervenção. Todo o
revestimento da fachada também foi avaliado em relação a sua aderência ao
substrato e consolidado ou reintegrado com novas peças cerâmicas, e seguindo as
diretrizes do mapeamento de danos realizados.

Mas nem todo o patrimônio arquitetônico modernista teve a conservação como eixo
de intervenção, mas sim o de seu oposto e inverso que é a reconstrução. Como nos
casos paradigmáticos dos pavilhões da Exposição Universal de 1929 de Mies van der
Rohe e daquele da Exposição de Paris em 1937 de Josep Sert e Luis Lacasa, ambos
reconstruídos entre os anos 1980 e 1990. Obras efêmeras que se tornaram eternas.
Nas palavras de Beatriz Kuhl (6), estas são:

Maquetes em escala 1:1 que perderam sua relação com o contexto – urbano,
histórico, social, cultural, tecnológico, econômico etc. – que deram origem
aos seus originais. É necessário ainda indagar a concepção de arquitetura
que anima essas iniciativas, uma vez que das obras reproduzidas, além da
relação com o contexto, foi subtraída também sua carga de experimentalismo e
seu papel de oferecer respostas inovadoras a questões que se colocavam
quando foram concebidas.

As cópias e as replicas sempre fizeram parte da história da arte em especial da


pintura e escultura, mas a repristinação de obras arquitetônicas tornou-se um
verdadeiro movimento de forte tendência nas últimas décadas (7). Se no século 19
Violet Le duc defendia a reconstrução e a adoção de elementos arquitetônicos que
nem estavam presentes originalmente na obra, a fim de que fosse criado um
exemplar ideal daquele estilo, outros arquitetos como Luca Beltrami também o
fariam no século seguinte.

A arquitetura desaparecida e vitimada pela Segunda Guerra Mundial deveria ser


reconstruída com´era e dov´era, como no caso Campanário de Veneza, na Praça São
Marcos. Em termos formais este é igual ao original, mas os materiais e técnicas
construtivas utilizadas são contemporâneas a sua reconstrução, de modo que a
estrutura erigida ficou duas mil toneladas mais leve que a anterior. A reprodução
da antiga torre no mesmo local que a destruída, foi defendida pela sociedade que
reclamava a sua necessidade funcional e simbólica, apesar de duramente criticada.
Segundo o texto “Os Princípios para a restauração dos monumentos”, de Cesare
Brandi (8), o problema deve ser abordado a partir de duas perspectivas: aquela
que diz respeito ao próprio edifício ou aquela “do ambiente em que se encontra
que, além de estar ligado de modo indissolúvel ao próprio monumento do ponto de
vista espacial, pode constituir, por sua vez, um monumento, de que o monumento em
questão constitui um elemento” (9).

Analisando primeiro a dimensão exterior-interior deve-se atentar para o fato de


que na arquitetura a espacialidade própria do monumento é coexistente ao espaço
ambiente em que o monumento foi construído. Assim, na visão de Brandi, é
importante que os elementos desaparecidos sejam reconstruídos se estes não se
configurarem como obras de arte. O objetivo seria então devolver ao ambiente
urbano, em questão, sua espacialidade anterior. Por outro lado, se:

Os elementos desaparecidos tiverem sido em si obras de arte, está


absolutamente fora de questão que se possam reconstituir como copias. O
ambiente deverá ser reconstituído com base nos dados espaciais e não
naqueles formais do monumento que desapareceu. Assim, deveria ter sido
reconstruído um campanário em São Marcos em Veneza, mas não o campanário
caído; assim, deveria ter sido reconstruído uma ponte, em Santa Trindade de
Florença, mas não a ponte de Ammannati (10).
Entretanto, no caso da perda da dimensão interior-exterior na qual apenas a
volumetria esta conservada, mas a ambiência histórica está ausente, é possível e
necessário que se reconstrua o interior do monumento. Mas que não se execute uma
cópia do que existia.

Mas segundo Ascension Hernandez Martinez (11) a filosofia do com´era e


dov´era continua a inspirar operações similares como aquela ocorrida no Teatro de
La Fenice que foi reconstruído segundo o projeto do arquiteto Aldo Rossi
desenvolvido em 1997.
La destruccion del histórico teatro veneciano, uma de las señas de
identidade de Venecia, em um pavoroso incêndio la noche del 29 de enero de
1996, abrió en Italia la cajá de Pandora, pues resurgieron, com inusitada
fuerza y prácticamente sin oposición pública, los defensores de la
reconstrucion com´era e dov´era. Muchos fueron los argumentos expuestos,
dominando los emotivos, la rabia y la tristeza, que llevaron a exigir la
immediata reconstruccion del monumento en el menor tiempo possible, sin
admitir ninguna otra posibilidad como habria sido la construccion de uma
fabrica ex novo, mejor adaptada a las necessidades de um teatro de opera
moderno (12).

O grande número de ocorrências leva a compreensão de que este é um fenômeno de


magnitude internacional, denominado pela autora de clonagem arquitetônica.

O clone

A região norte do Estado do Paraná passou por um notável desenvolvimento


econômico nos anos 1950, impulsionada pelo crescente aumento da produção
cafeeira. Inclusive, foi neste período que Londrina recebeu o título de capital
mundial do café e também presenciou a introdução da arquitetura moderna de
Vilanova Artigas e de seu sócio Carlos Cascaldi. Uma série de edifícios foram
projetados por estes arquitetos, como o da Rodoviária de Londrina, o do Teatro
Ouro Verde, o Edifício Autolon e o da Casa da Criança, além de outros (13).

O Cine Teatro Ouro Verde foi inaugurado em 24 de dezembro de 1952, sendo que a
obra levou quatro anos para ser concluída. O programa arquitetônico está dividido
em áreas sociais e de serviço. A planta do saguão indica que este foi projetado
em um nível mais baixo e com uma ampla área de estar para o público, sendo
comumente utilizado à época pelos fazendeiros de café para conversar e fazer
negócios. Também estão neste nível os sanitários e as duas entradas para a
plateia.

Segundo Juliana Suzuki, as mil e quinhentas poltronas reclináveis em couro do


cinema estavam distribuídas entre a plateia e o balcão, oferecendo uma capacidade
muito superior ao do público frequentador para a época (14). O piso era
completamente atapetado, as cortinas em veludo italiano, a tela de projeção era
em vidro e possuía ar condicionado além de um gerador próprio, pois a falta de
energia era constante à época. “Os arquitetos também evidenciaram a preocupação
com a questão acústica, uma vez que há aletas nas paredes laterais para melhor
propagação do som. Estas são revestidas de lambris de madeira, e há aplicações
decorativas curvilíneas, típicas dos anos 1950” (15).

A sua fachada trás o título “Ouro Verde” e o símbolo do fruto do café em seu
frontispício alargado pelo emprego de faixas e linhas horizontais curvas. “A
edificação, de concreto armado, é revestida com pastilhas cerâmicas, e possui um
amplo foyer, integrado com o passeio, sobre o qual se projeta o pavimento
superior, sustentado por pilotis esbeltos” (16).
A decadência dos cinemas no Brasil fez com que em 1978 o Ouro Verde fosse vendido
a Fundação da Universidade Estadual de Londrina, que o transformou em Cine
Teatro. Em agosto de 1985 o edifício foi interditado por risco de desabamento da
cobertura, sendo reaberto após dez meses com o telhado reformado, o palco
ampliado para o novo uso (de um teatro) e melhorias nas instalações hidráulicas e
elétricas. Em 1999 o então Cine Teatro Ouro Verde foi tombado pela Coordenadoria
do Patrimônio da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná – CEPHA, sob o
processo n° 002/98, Inscrição n° 126, do Livro do Tombo Histórico. Mas em 2002, o
cinema foi novamente fechado para obras de restauração, tendo em vista que partes
do projeto original haviam sofrido alterações (17).

Na tarde de domingo do dia 12 de fevereiro de 2012, que um incêndio de grandes


proporções destruiu o local, sobrando apenas entulho, ferro retorcido, fumaça e
cinzas, havendo o desabamento de uma grande parte do imóvel. Segundo o laudo, foi
confirmado que o fogo foi causado devido à um curto circuito que ocorreu entre o
forro e o telhado. A reconstrução foi iniciada em janeiro de 2014, no entanto, o
atraso no repasse dos recursos reduziu o ritmo de obra e estendeu o prazo de
conclusão. E, no dia 30 de julho de 2017 o Cine Teatro reabriu suas portas ao
público.

Cine Teatro Ouro Verde, Londrina, execução da montagem da estrutura do palco,


Londrina, arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi
Foto divulgação [Acervo Tribuna Norte Online, 2015]

Os projetos arquitetônicos e os complementares foram desenvolvidos por um grupo


de professores da UEL juntamente com profissionais do Sindicato da Indústria da
Construção Civil – Sinduscon/Norte. A reconstrução do Cine Teatro Ouro Verde foi
uma decisão tomada em comum acordo com a Coordenação do Patrimônio Cultural do
Paraná, e acredita-se que fortemente embasada no apelo popular. Como já havia
sido mencionado por Juliana Suzuki “de todas as obras que Artigas e Cascaldi
projetaram para Londrina, é a mais querida e apreciada pela população, muito
mais, inclusive, que a Estação Rodoviária, que recebeu maior divulgação” (18).
Cine Teatro Ouro Verde, área interna após a reconstrução, Londrina, arquitetos
Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi
Foto divulgação [Acervo Tribuna Norte Online, 2015]

O projeto de clonagem arquitetônica: “com’era, dov’era”


Ao entrar no Cine Teatro Ouro Verde o visitante se deparava com um extenso e
amplo hall sustentado por duas linhas de pilares redondos em pastilha verde,
tendo suas paredes laterais revestidas de lambris. Na ocasião do incêndio, esta
arquitetura não sofreu danos e pode permanecer como era originalmente, sendo
necessária apenas a execução de serviços de conservação da pré-existência.
Cine Teatro Ouro Verde, fachada anterior ao incêndio, Londrina, arquitetos Vilanova
Artigas e Carlos Cascaldi
Foto divulgação [SUZUKI, Juliana. Artigas e Cascaldi. Arquitetura em Londrina]

Por outro lado, do cinema restaram apenas a estrutura e as paredes externas (o


perímetro do edifício), a laje do palco e do balcão. Assim como os dois acessos
ao hall de entrada que era feito por escadas laterais. Como o objetivo do projeto
de restauração foi a reconstrução do teatro, isso exigiu que fossem realizados
testes para a verificação das condições das alvenarias assim como a execução de
reforços na estrutura pré-existente.

Todo o interior do teatro foi reconstruído de maneira a seguir o projeto do


arquiteto Vilanova Artigas mas utilizando materiais contemporâneos. Os forros,
por exemplo, eram de madeira, e foram substituídos por gesso acartonado, que é um
material mais leve. Por outro lado, grande parte da reconstrução buscou ser
fidedigna ao que existia antes do incêndio, como os revestimentos das paredes que
foram refeitos em lambril, reproduzindo inclusive a forma de ameba do projeto
original. E, os pisos em carpet e madeira que seguem até mesmo a paginação
original, tendo apenas a representação do ramo de café como novo elemento.

Cine Teatro Ouro Verde, hall de entrada anos antes do incêndio, Londrina, arquitetos
Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi
Foto divulgação [SUZUKI, Juliana. Artigas e Cascaldi. Arquitetura em Londrina]

Ainda com relação ao interior do Ouro Verde, é importante ressaltar que uma
modificação notável foi na cor utilizada, pois esta era clara em tons de bege e
foi alterada para o preto. A intenção, segundo os projetistas, era de aumentar a
qualidade do espetáculo, sendo este um critério mais técnico do que estético. O
projeto de reconstrução também optou por estender o palco em dois metros, fazendo
com que fosse possível colocar a parte das instalações cênicas do teatro nos
fundos, mas que teve por consequência a redução do número de fileiras de
poltronas. A altura do palco também foi modificada, pois o novo foi construído
sobre as ruinas do antigo.
Cine Teatro Ouro Verde, interior anos antes do incêndio, Londrina, arquitetos Vilanova
Artigas e Carlos Cascaldi
Foto divulgação [SUZUKI, Juliana. Artigas e Cascaldi. Arquitetura em Londrina/Acervo
das autoras]

A cobertura que havia sido totalmente destruída pelo incêndio foi reconstruída
com algumas modificações. A primeira delas se refere a altura, que foi aumentada
na parte da caixa cênica, inclusive pela necessidade instalação de passarelas
metálicas para a realização de manutenções. A outra mudança foi relativa a telha
que passou a ser termo-acústica, pois detém um melhor desempenho.

A fachada do Ouro Verde sofreu poucos danos, sendo necessária apenas a


recomposição de algumas áreas do revestimento em pastilha. Entretanto, o desafio
era encontrar um material próximo do original. Como o prédio da Secretaria
Municipal de Cultura passava por obras de restauração, e este tinha o mesmo
revestimento, foi utilizado o material para a recomposição da fachada.
Cine Teatro Ouro Verde, após as obras de reconstrução de 2014, Londrina, arquitetos
Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi
Foto divulgação [SUZUKI, Juliana. Artigas e Cascaldi.Arquitetura em Londrina/Acervo
das autoras]

O objetivo do projeto de reconstrução, segundo os arquitetos entrevistados, era


que o interior e exterior do edifício idealizado por Artigas voltasse a existir:
“com’era, dov’era” (como era e onde era). Ao comparar a planta baixa representada
no projeto original com o da reconstrução é possível inferir que estes são
praticamente idênticos internamente. Mas em termos volumétricos, ocorreram
alterações na altura da cobertura (como dito anteriormente) e também foi criado
um outro volume na lateral do palco uma área destinada aos camarins, sendo essa
uma necessidade que já tinha sido apontada inclusive na ocasião do tombamento
pelo Estado – Cepha em 1999, conforme consta no dossiê.
A atualização desta obra estaria restrita apenas ao uso de tecnologia cênica, de
som, iluminação e acústica. Sendo considerado um dos teatros melhor equipados do
Sul do país atualmente. A acessibilidade também foi uma questão de relevância
deste projeto de reconstrução, assim como o atendimento as normas de segurança
contra incêndio e pânico, segundo os entrevistados.
Cine Teatro Ouro Verde, plantas baixas dos projeto de reconstrução e original,
Londrina, arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi
Elaboração das autoras sobre projeto original e reconstrução [SUZUKI, Juliana. Artigas
e Cascaldi. Arquitetura em Londrina/Projeto Bravim Arquitetura]

Cine Teatro Ouro Verde, cortes longitudinais dos projeto de reconstrução e original,
Londrina, arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi
Elaboração das autoras sobre projeto original e reconstrução [SUZUKI, Juliana. Artigas
e Cascaldi. Arquitetura em Londrina/Projeto Bravim Arquitetura]

Considerações finais
O Cine Teatro Ouro Verde possui grande importância cultural e arquitetônica para
a cidade, não só por conter marcas históricas como a época em que foi construído,
bem como pelo fato de estar ligado ao nome do notável arquiteto J. B. Vilanova
Artigas. Desempenha um papel relevante em Londrina ao acolher várias expressões
artísticas e também pelo fato de ter sido palco de grandes movimentos culturais,
os quais ficaram gravados na memória dos moradores que frequentavam as
apresentações no Teatro desde a infância.

O edifício sempre foi referência na composição da imagem urbana, e isso não foi
perdido na ocasião do incêndio, pois sua volumetria e inclusive seu hall de
entrada não sofreram grandes danos. Entretanto, o que se perdeu foi a unidade
potencial deste monumento, a essência do seu uso, o teatro/cinema. O segundo
axioma da Teoria da Restauração de Cesare Brandi, fundamenta este fato:

“A restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra


de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um
falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no
tempo. Ainda que se busque com a restauração a unidade potencial da obra
(conceito de todo distinto de unidade estilística), não se deve com isso
sacrificar a veracidade do monumento, seja através de uma falsificação
artística, seja de uma falsificação histórica (19).
Assim, se o objetivo do projeto era a restauração do Cine Teatro Ouro-Verde como
constava no edital da licitação, o que deveria ter sido proposto era a construção
de um novo interior e não daquele que existia antes do incêndio e que era um
projeto do arquiteto Vilanova Artigas. Criou-se um falso artístico, falso
histórico, “foi cancelado um traço da passagem da obra de arte no tempo” – o
incêndio. Foi sacrificada a veracidade do monumento quando se sucumbiu a pressão
popular.

Outro fato que este caso apresenta é o da certeza de que sempre será possível
justificar a reconstrução através da interpretação dúbia ou duvidosa das Cartas
Patrimoniais e das diversas vertentes da Teoria da Restauração. É ingênuo pensar
que está deixará de ocorrer no Brasil ou em outro país do mundo, pois como
verificado por Giovanni Carbonara as ações de preservação do patrimônio tem um
comportamento senoidal, e por isso a história sempre poderá se repetir.

notas

1
“podría esquematizarse con una curva sinusoide que, disminuyendo de intensidad, se
acerca asintóticamente a cero, justo donde el empuje contrapuesto de las dos
componentes, la histórica y la estética, tienden progresivamente a amortiguarse en un
equilibrio ‘crítico’, contenido en el límite de un pequeño “delta” que significa la
necesaria, insuprimible activación dialéctica a la cual recurrir en cada caso. Dicho
esquema, en efecto, hasta hace algún tiempo se antojaba verídico, además de deseable
describiendo un proceso de efectiva maduración teórica y metodológica de la
restauración pero en estos últimos tiempos parece vacilar frente a los extremos antes
citados, al punto que la sinusoide parece perpetuarse, en toda su amplitud, sin
posibilidad de solución real y mitigación de las dos instancias. CARBONARA, Giovanni.
Tendencias actuales de la restauración en Italia. Loggia: arquitectura & restauración,
ano 2, n. 6, 1998, p. 12-23.
2
CARBONARA, Giovanni. Architettura d‟oggi e restauro. Un confronto antico-nuovo.
Torino, UTET Scienze Tecniche, 2011.
3
CAMPANELLI, Alessandro Pergoli. Restoration of the façade of the Pirelli skyscraper in
Milan and the repair of damage to reinforced concrete structures caused by a plane
crash: an example of critic conservation. Frontiers of Architectural Research, volume
3, issue 2, 2014, p. 213-223 <https://bit.ly/2CMZS2G>.
4
Idem, ibidem.

5
Idem, ibidem.
6
KÜHL, Beatriz Mugayar. O problema da reprodução de obras arquitetônicas. In: Revista
CPC, São Paulo, n. 7, nov. 2008/abr. 2009, p. 134.
7
HERNÁNDEZ, Ascención Martinez. La clonación arquitectónica. Madrid, Ediciones Siruela,
2007, p. 154.
8
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia, Ateliê Editorial, 2004.
9
Idem, ibidem, p. 137.

10
Idem, ibidem.

11
HERNÁNDEZ, Ascención Martinez. La clonación arquitectónica. Madrid, Ediciones Siruela,
2007, p. 154.
12
Idem, ibidem.

13
SUZUKI, Juliana Harumi. Artigas e Cascaldi. Arquitetura em Londrina. São Paulo, Ateliê
Editorial, 2003.
14
Idem, ibidem.

15
Idem, ibidem, p. 92.

16
LYRA, Cyro Illídio Corrêa de; PARCHEN, Rosina Coeli Alice; LA PASTINA FILHO,
José. Espirais do tempo: bens tombados do Paraná. Curitiba, Secretaria de Estado da
Cultura, 2006, p. 277.
17
SUZUKI, Juliana Harumi. Op. cit.
18
Idem, ibidem.

19
BRANDI, Cesare. Op. cit., p.33.

sobre as autoras

Juliana Prestes Ribeiro de Faria é doutoranda em Ambiente Construído e Patrimônio


Sustentável pela UFMG, Docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unifil e
coordenadora do grupo de pesquisa O patrimônio histórico londrinense: um novo olhar.
Entre suas publicações recentes destaca-se o livro A Influência Africana na
Arquitetura de Terra (2017).
Laura Bicalho de Melo Duarte é discente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unifil
e membro do grupo de pesquisa O patrimônio histórico londrinense: um novo olhar.

Juliana Beatriz Rodrigues é discente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unifil e


membro do grupo de pesquisa O patrimônio histórico londrinense: um novo olhar.

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