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Publicado em NOVA ESCOLA 01 de Setembro | 2014

Planejamento e financiamento

Base nacional comum


curricular: o que é isso?
Respondemos a 14 dúvidas dos educadores sobre direitos
de aprendizagem e conteúdos para todas as escolas, em
discussão no MEC
Camila Camilo

Todo início do ano, ao definir o que ensinar, a professora de Ciências Dayana


de Souza, da EM Vereador Edemundo Pereira de Sá Carvalho, em Araruama,
a 108 quilômetros do Rio de Janeiro, recorre ao currículo da rede. Diante da
mesma situação, José Iolanilson, docente de Geografia da EMEF Padre Inácio,
em Boqueirão, a 146 quilômetros de João Pessoa, conta com o livro didático e
o apoio da coordenação pedagógica. Já Luciana Balieiro, que leciona para a
pré-escola na CMEI Humberto de Alencar Castelo Branco, em Manaus, faz um
diagnóstico da turma e planeja as atividades seguindo a tradição da escola.

Leia mais: MEC apresenta terceira e última versão da Base Nacional


Comum Curricular

A definição de quais conteúdos ensinar e do que é desejado que os


estudantes saibam é influenciada por diferentes referências. Buscando
solucionar a questão, o Ministério da Educação (MEC) convocou
pesquisadores, formadores de professores e representantes de associações
como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). O
grupo vem se reunindo periodicamente para criar a base nacional comum
dos currículos, um descritivo de conteúdos e saberes necessários para cada
ano e segmento da Educação Básica (leia no quadro abaixo exemplos de três
outros países que criaram currículos nacionais).

O próximo passo será a apresentação de uma versão do documento aos


secretários de Educação, que o levarão aos professores da sua rede para que
seja discutido. "Queremos determinar direitos de aprendizagem e
desenvolvimento. A proposta valerá para escolas públicas e particulares",
afirma Maria Beatriz Luce, secretária de Educação Básica do MEC. "Estamos
pensando qual Educação queremos e que cidadão vamos formar." O debate
sobre um currículo nacional é antigo. De um lado, estão os defensores de
referências que garantam ao alunado de qualquer cidade ser apresentado
aos conteúdos essenciais ao desenvolvimento educacional do país -
fundamental à equidade no ensino. Do outro, quem crê na impossibilidade da
proposta, dadas as dimensões continentais do nosso território e sua
variedade cultural. O argumento é facilmente derrubado, pois a ideia é que
cada rede acrescente a ela pontos relacionados à realidade local.

Com a base comum se cumprirá a meta 7 do Plano Nacional de Educação


(PNE) - fomentar a qualidade da Educação Básica, do fluxo escolar e da
aprendizagem. A lei determina que até junho de 2016 ela seja encaminhada
ao Conselho Nacional de Educação (CNE). Os professores, segundo o MEC,
poderão opinar por meio de uma plataforma digital, ainda não disponível.

O documento será apenas o primeiro nível de concretização do currículo, que


se completa após o trabalho das redes estaduais ou municipais e,
posteriormente, de cada escola, com o projeto político-pedagógico (PPP). José
Gimeno Sacristán, da Universidade de Valência, na Espanha, aponta no livro
Saberes e Incertezas sobre o Currículo (542 págs., Ed. Penso, tel. 0800-703-
3444, 72 reais) que as indicações governamentais não constituem por si sós o
que vai ser ensinado nas salas de aula. "O currículo deixa de ser um plano
proposto quando é interpretado e adotado pelos professores." Por isso,
conhecer a proposta é fundamental para que você compreenda o que pode
mudar na sua vida profissional e se posicionar.

Currículos pelo mundo

Estados Unidos

Início 2008.
Quem fez Um grupo privado de educadores, gestores e especialistas
ligados à Educação.
Especificidades Foca no que ensinar e define padrões para as
competências que os alunos devem ter em Língua e Matemática. Se
baseia nos elementos comuns entre as unidades da federação.

Austrália

Início 2008.
Quem fez Uma instituição autônoma, com a ajuda dos melhores
especialistas em cada disciplina.
Especificidades É baseado em boas práticas nacionais e internacionais
e corresponde a 80% dos conteúdos (o restante cabe às escolas).

Argentina

Início 2004.
Quem fez Políticos, professores e técnicos.
Especificidades Define os conteúdos que devem fundamentar os
currículos de todas as escolas. Os chamados Núcleos de Aprendizagens
Prioritários (NAP) pautam a formação docente e a criação de material
didático.

Consultoria Max Moder, consultor nas áreas de currículo e organização


curricular da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (Unesco) e Paula Louzano, doutora em Política Educacional pela
Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

1 - A existência de uma base curricular nacional é suficiente para a


melhoria da Educação?
Não. Mas a iniciativa pode ser a espinha dorsal para a criação de outras
políticas públicas ligadas à formação e à carreira docentes, às condições de
trabalho e de aprendizagem e à infraestrutura. Uma vez definido o que as
crianças precisam saber, fica mais fácil estabelecer o necessário para isso
acontecer. "Se há uma base comum, é possível determinar seja no sertão ou
na cidade, a estrutura para garantir que os alunos aprendam", diz Maria do
Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM.

2- Se o país já tem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as


Diretrizes Nacionais Curriculares, para que criar um currículo?
Os dois documentos trazem orientações para a escola, mas não têm a
mesma função de um currículo nacional. Sobre os PCN, a pesquisadora Paula
Louzano, doutora em Política Educacional pela Universidade de Harvard, nos
Estados Unidos, afirma que são apenas sugestões. "Eles não explicitam o que
o professor tem de ensinar nem o que os alunos têm de aprender." Já as
diretrizes foram pensadas para um contexto em que o docente tivesse uma
formação que o capacitasse para adaptá-las à sua realidade, o que não
ocorreu. "A proposta era avançada, mas, infelizmente, as condições de
aplicação foram precárias, com formação docente aligeirada e falta de
estrutura nas escolas", conta Carlos Roberto Jamil Cury, da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). "Redes e escolas
incorporaram as diretrizes a seu modo e não se garantiu que conteúdos
essenciais fossem ensinados em
todo o país."

Vídeo: entrevista com Célia Carolino sobre os níveis de


concretização do currículo:

Vídeo: //www.youtube.com/embed/MpVJ2dA52ok

3 - O documento influenciará a formação docente?


Sim. A existência de uma base curricular comum serve para que as
graduações em Pedagogia, as licenciaturas e a formação continuada usem os
direitos de aprendizagem dos alunos como escopo dos seus programas. Os
cursos universitários são pouco voltados a situações práticas. Pesquisa da
Fundação Victor Civita (FVC) em parceria com a Fundação Carlos Chagas (FCC),
de 2008, mostrou que apenas 28% das disciplinas oferecidas se referem aos
conteúdos e atividades da sala de aula. A promessa é que a nova referência
curricular ajude a mudar esse cenário. "Não adianta dizer o que e como
ensinar nas escolas se os professores não estiverem adequadamente
preparados. Por isso, faremos a formação deles articulada com a base",
declara Maria Beatriz, do MEC.

4 - As avaliações externas mudarão?


Sim. Os exames nacionais deverão usar como matriz os direitos de
aprendizagem descritos na base nacional. Atualmente, em escolas de cidades
pequenas, em que as equipes pedagógicas não estão aptas a construir
propostas curriculares coesas, o processo se inverte. "As avaliações externas
surgiram antes de um currículo robusto e, como possuem indicadores sobre
o que esperam que os alunos apresentem nas provas, viraram um norteador
para a prática docente", diz Denis Mizne, diretor executivo da Fundação
Lemann.

5 - A base nacional é fixa ou pode mudar?


É importante que seja revista periodicamente, até mesmo para que se
mantenha contemporânea. "As tendências e os resultados de pesquisas
educacionais devem ser incorporados a ela de maneira dinâmica", indica Célia
Carolino, docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
O ideal é que seja formado um grupo permanente que avalie a
implementação da base e analise, de tempos em tempos, o que deu certo, o
que precisa mudar e ser acrescentado. Também nessa etapa os professores
devem ser convocados a participar. Como lidam com as turmas diariamente,
podem indicar em que a referência está funcionando e em que
pode melhorar.
6 - O documento tratará da inclusão de alunos com deficiência?
O tema não está em discussão no MEC e, a princípio, a base não incluirá
como adaptar os conteúdos a cada uma das deficiências - o que deve ser alvo
de outra ação. É desejado que a inclusão de crianças com necessidades
educacionais especiais (NEE) - tema caro a gestores e educadores que
questionam a falta de formação, pessoal especializado e estrutura para
cumprir a tarefa - seja uma das políticas públicas de melhoria da Educação a
ser impulsionadas pela base comum. "Não basta dizer que o estudante deve
aprender certo conteúdo até determinado ano. É preciso oferecer condições
para isso acontecer, tanto na estrutura das escolas quanto na formação dos
educadores", aponta Maria do Pilar, da SM.

7 - A proposta vai substituir o currículo das redes que já elaboraram o


seu?
Não. A intenção é que o documento traga indicativos do que as crianças e os
adolescentes devem aprender nas diversas disciplinas ao fim de cada ano e
segmento. A base deve ser o pilar das propostas curriculares das redes, que
continuarão existindo e contemplando as peculiaridades da região e o que a
comunidade da cidade ou do estado considera imprescindível ser ensinado
nas escolas. Para Mizne, da Fundação Lemann, a base ditará
aproximadamente 60% dos currículos. O restante ficará por conta das
secretarias e das unidades escolares. "Se, por exemplo, um estado da Região
Sul achar fundamental que determinada série se aprofunde no estudo sobre
Anita Garibaldi (1821-1849), poderá fazê-lo."

8 - O documento substituirá o PPP da escola?


Não. Após os direitos de aprendizagem e os conteúdos serem descritos pela
equipe do MEC, cada Secretaria de Educação incluirá nele os temas regionais
que seus alunos devem saber. Por fim, essa referência chega às escolas e
serve de diretriz para o PPP, que será construído respeitando as necessidades
e o contexto locais. "Cada escola é uma unidade única. Quem está nela
precisa ter liberdade para analisar o caminho mais adequado a tomar",
afirma Sônia Penin, professora e especialista em desenvolvimento curricular
da Universidade de São Paulo (USP). "A organização da escola e do educador,
assim como os materiais didáticos, é o que define o que e como ensinar",
completa Cláudia Galian, pesquisadora da USP.

9 - Como ficarão escolas em situação pouco convencional, como as


rurais, as bilíngues e as quilombolas?
A medida deverá valer para todas as instituições, inclusive as que estão
inseridas em contextos específicos. Isso não significa, porém, que
ensinamentos e tradições passados de geração a geração, tão importantes
para esses povos, desaparecerão das salas de aula. Nesses casos, as escolas
não deixarão de lado os direitos de aprendizagem descritos na base e vão
acrescentar a seu PPP o que é característico da comunidade. Vale lembrar
que uma das estratégias para atingir a meta 7 do PNE é que os currículos das
instituições de ensino do campo ou que atendam comunidades indígenas ou
quilombolas incluam os conteúdos culturais correspondentes. O objetivo,
com isso, é fortalecer as práticas socioculturais de cada região.

10 - O uso dos livros didáticos mudará?


O trabalho com eles em sala de aula não muda. O que deve sofrer alterações
é a produção dos livros. De modo geral, hoje, eles seguem os PCN e são
analisados pelo MEC. A previsão é que passem a ser escritos e avaliados
usando a base nacional como referência. Segundo Sacristán, da Universidade
de Valéncia, esse é o caminho. Para ele, o livro didático é um dos mediadores
entre a referência curricular oficial e a recepção do saber pelos alunos.
Somente se adaptado a ela, o material contribui para que os objetivos de
aprendizagem sejam atingidos. Com a nova base, a expectativa é corrigir um
problema geral no país: "Em muitas redes, principalmente naquelas em
piores condições, o material didático pauta o currículo, e não o inverso",
explica a pesquisadora Paula.

11 - A existência de uma base nacional comum prejudica a autonomia do


educador?
Não. Como política pública, ela visa a igualdade entre todos os estudantes ao
definir os mesmos conteúdos e direitos de aprendizagem para o Brasil
inteiro, independentemente do contexto em que vivem. Não deve, no
entanto, intervir na metodologia de ensino nem em projetos, atividades e
sequências didáticas desenvolvidos em sala. Isso continuará a cargo dos
educadores. A proposta do governo deve ser lida e analisada por eles, e não
ditar como devem trabalhar. "Um bom currículo tem uma linguagem clara e
objetiva, fala diretamente com o professor e respeita a experiência que ele
traz", afirma a pesquisadora Paula. Por isso, quem está em sala de aula
diariamente deve participar da construção da nova referência. Michael Young,
da Universidade de Londres, na Inglaterra, acredita que o documento dá
liderança aos docentes à medida que permite a interpretação e a adaptação
do seu conteúdo. O especialista defende também que os elaboradores do
currículo pensem em como o professor pode fazer para que os alunos
progridam nos conceitos estudados.

12 - O horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) deve ser incluído


na proposta?
Não. O principal foco do documento é o aluno e a garantia do seu direito à
aprendizagem. Contudo, o HTPC é uma oportunidade preciosa para que a
equipe pedagógica de cada instituição discuta a relação entre a base, a
proposta definida pela rede e o PPP. Uma parte da formação necessária para
se adequar às novas referências pode, inclusive, ser realizada nesses
encontros, dos quais a escola não deve abrir mão. Vale destacar que são os
educadores que devem, diante do contexto local, planejar o trabalho para
que os objetivos definidos para os estudantes sejam plenamente atingidos.
"A discussão sobre documentos oficiais, a análise de materiais curriculares e
o planejamento de sequências de atividades com base nos objetivos de
aprendizagem são tarefas essenciais na formação docente", analisa Célia, da
PUC.

13 - O documento deve conter indicações sobre avaliação?


A intenção do governo é se concentrar nos direitos de aprendizagem de
todos os alunos. Sendo assim, a medida deve pautar as avaliações externas,
não aquelas que ocorrem periodicamente nas salas de aula. Cabe ao
educador a decisão sobre a melhor maneira de verificar a aprendizagem da
turma, que está ligada aos objetivos definidos por ele, assim como a
metodologia adequada ao ensino de cada um dos conteúdos.

14 - O que muda na vida dos estudantes?


Os defensores do documento afirmam que ele é uma medida de igualdade
que repercute diretamente na vida de crianças e adolescentes. "Com a base,
será dada coerência ao sistema educacional, pois todos terão uma meta de
aprendizagem igual a alcançar em todo o país," analisa Eduardo Deschamps,
secretário de Educação de Santa Catarina. Dessa forma, se o estudante for
morar em outra cidade, for transferido da rede pública para a particular ou
simplesmente trocar de escola, a continuidade dos conteúdos e das
expectativas de aprendizagem tende a ser
mais organizada.

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