Você está na página 1de 447

Manuel J.

Gandra

A
FREGUESIA DA CARVOEIRA
(MAFRA)
DE LÉS A LÉS

MAFRA – RIO DE JANEIRO


2014
Editores: Instituto Mukharajj Brasilan & Centro Ernesto Soares de Iconografia e
Simbólica-Cesdies
Est. da Grota Funda, 2440 – Guaratiba
Rio de Janeiro/RJ – CEP 22785-330
Tel.: +5521 9399-0997
Email: secretaria@brasilan.com.br
Site: www.brasilan.org.br

Título: A FREGUESIA DA CARVOEIRA (Mafra) DE LÉS A LÉS


Autor: Manuel J. Gandra
Coordenação Editorial: Loryel Rocha [loryel@brasilan.com.br]
Projeto Gráfico: Diogo Gandra
Design da Capa: Carlos Cristina

Copyright: ©Manuel J. Gandra/Instituto Mukharajj Edições


Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada por escrito, do autor ou
do Instituto Mukharajj Brasilan, no todo ou em parte, por quaisquer que sejam os
meios, constitui violação das leis em vigor.

Fale com o Autor: manueljgandra@gmail.com

2ª Edição Luso-Brasileira: Novembro de 2014 – 102 exemplares, todos numerados e


assinados pelo autor; e-book.- impresso a pedido.
ÍNDICE

5
Antelóquio brevíssimo
11
Efemérides
31
Guia toponímico
49
Quem é quem
83
Geomorfologia e Biodiversidade
95
Arqueologia
107
Tradições
113
Património edificado
223
Festivais e Celebrações
247
Fontes e documentos
321
Literatura
421
Bibliografia

3
Siglas e acrónimos

ACPL: Arquivo da Cúria Patriarcal de Lisboa


AGS: Arquivo Geral de Simancas
AHM: Arquivo Histórico Militar
AHMM: Arquivo Histórico Municipal de Mafra
AHS: Arquivo Histórico de Sintra
ANTT: Arquivo Nacional da Torre do Tombo
BN: Biblioteca Nacional (Lisboa)
BNM: Biblioteca Nacional de Madrid
BPNM: Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra
DCL: District of Columbia Library (Washington)
IIP: Imóvel de Interesse Público
IVC: Imóvel de Valor Concelhio
SCMERA: Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira
SCMS: Santa Casa da Misericórdia de Sintra

Agradecimentos

Junta de Frequesia da Carvoeira


Câmara Municipal de Mafra
Biblioteca Municipal de Mafra
Família Acúrcio Cristina

4
ANTELÓQUIO BREVÍSSIMO
A freguesia da Carvoeira confronta com as congéneres da
Ericeira, a Norte, de São João das Lampas, a Sul e de Cheleiros, a
nascente. A poente é banhada pelo Oceano Atlântico.

No seu território, ora (e desde 1855) com uma extensão de 823,


2675 ha, são conhecidos testemunhos da presença humana desde o
Paleolítico (50000 a 20000 a. C.), o Mesolítico (9º até ao 7º milénios
a. C.) e o Neolítico (4000 a 3000 a. C.).
Durante a Idade Média, o seu chão, geomorfologicamente afim
de uma ria galega 1, propiciou o trânsito de desvairadas gentes,

1Para uma aproximação à geomorfologia da região, consulte-se: José António Neves


Brak-Lamy, O afloramento eruptivo de Ribamar (Ericeira): notas de mineralogia e
petrografia portuguesas, in Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e
Geológico, v. 22 (1954) e Carlos Mateus Romariz Monteiro, Notas petrográficas sobre
rochas sedimentares portuguesas: IV encraves calcários da chaminé vulcânica da

7
confissões e saberes, até integrar a denominada Quinta de Ilhas 2,
vasto domínio, constituído por uma rede de casais agrícolas,
implantado nos actuais concelhos de Torres Vedras e de Mafra.

Sucessivamente pertença do mosteiro galego de Santa Maria de


Oya 3, de uma capela instituída por D. Afonso IV e D. Beatriz, dos Bens

Ribeira de Ilhas, Ericeira, in Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e


Geológico da Faculdade de Ciências, v. 9, n. 1 (1962).
2 Ver Maria da Conceição L. A. Gomes Pereira, Paço de Ilhas – Subsídios para a sua

história, in Boletim Cultural ’95, Mafra, 1996, p. 71–94.


3 Foi vasto o domínio fundiário de Santa Maria de Óia no Reino de Portugal,

estendendo-se, predominantemente ao vale do Minho e do Lumiar, nos subúrbios de


Lisboa, até Torres Vedras, desde o séc. XII até aos alvores do XV [AHNMadrid: Clero,
carpeta 1827, n. 1]. Em virtude dos inúmeros bens que possuía em Portugal, o mosteiro
de Santa Maria de Óia havia de achar-se envolvido em todos os conflitos políticos que
opuseram Portugal e Castela, durante os séculos XIV e XV, tornando-se também alvo

8
Próprios das Rainhas, dos frades dominicanos do convento de São
Domingos de Benfica 4, D. Manuel confirmar-lhe-ia as prerrogativas
de que usufruia enquanto Reguengo, por intermédio do Foral de
Sintra de 1514:

“[…] item ha outro sy na dita Villa huum Reguengo da coroa do Regno


omde chamam a carvoeira referentes aos impostos […] no qual se
pagua asy de pam e vinho como de qual quer outra novidade ou cousa
que se colhe no dito reguengo ho quarto de tudo. E pagua mais quall
quer lavrador com que se parte monte de pam de cada monte gramde
ou pequeno huum alqueire do pam” 5.

O concelho da Carvoeira enquanto circunscrição administrativa


surgiria apenas no Auto de Vereação Geral de 24 de Setembro de 1820
6, assim se mantendo até à publicação do Decreto de 25 de Novembro

de 1836, ano em que integrou o concelho da Ericeira 7.


Mercê da Reforma Administrativa de 1855 e do Decreto de 24
de Outubro desse mesmo ano, a Carvoeira havia de ser incorporada no
concelho de Mafra, de resto, à semelhança dos concelhos da Ericeira e
da Azueira.
O concelho de Mafra, até então constituído por três freguesias
(Mafra, Santo Isidoro e Igreja Nova), passaria a integrar, além dessas,

das exigências de diversas entidades e pessoas que se arrogavam certos direitos sobre o
património do cenóbio. A título de exemplo, poderão referir-se os enfiteutas do casal da
Azueira, os quais foram denunciados por frei Gonçalo Soutinho, procurador do mosteiro
de Óia, na audiência pública realizada nos Paços do concelho de Torres Vedras, em 15 de
Fevereiro de 1368, por se eximirem ao cumprimento das cláusulas contratuais,
nomeadamente no que respeita a ocupação, cultivo e pagamento das prestações
acordadas. Ver José Marques, O Mosteiro de Oia e a Granja da Silva, no contexto das
relações luso-castelhanas dos séculos XIV-XV, in Revista de História, v. 6 (1985), p.
101-108.
4 Doação de D. João II, realizada a 27 de Março de 1487. ANTT: Conv. S. Domingos de

Benfica, maço 4, doc. s/n.


5 Luís Fernando Carvalho Dias - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve:

Conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa. V. 3 -


Estremadura. Beja: L. F. C. Dias, 1962. p. 169.
6 AHMM-CMERI/VM/400/Liv.001, Actas 1820-1826.
7 Em 1833, pertencia à Comarca de Torres Vedras, juntamente com os concelhos de

Atouguia da Baleia, Cadaval, Sintra, Colares, Enxara dos Cavaleiros, Ericeira, Gradil,
Lourinhã, Mafra, Peniche, Ribaldeira, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras, Vila
Verde dos Francos e Cheleiros.

9
mais onze, a saber: Gradil, Cheleiros, Carvoeira, Azueira, Ericeira,
Sobral da Abelheira, Enxara do Bispo, Milharado e Encarnação.

Além da igreja paroquial, cujo orago é Nossa Senhora do Ó,


merece destaque a capela de S. Julião, junto à praia homónima (entre
a Foz do Rio de Cheleiros e a da Ribeira do Falcão). Integralmente
revestida de soberbos azulejos setecentistas, foi palco de um episódio
patriótico: Mateus Álvares, denominado Rei da Ericeira, resistiu aí à
ocupação filipina, fazendo-se passar por D. Sebastião.
Reiterando o valor estratégico do seu território no contexto
regional, a Carvoeira gozou ainda do privilégio de não participar no
esforço de guerra, não contribuindo com homens de armas, como
contrapartida de manter vigia num facho (farol) sito junto da foz do
Lisandro, cuja missão consistia em assinalar a eventual presença de
mouros na costa.

10
EFEMÉRIDES
1190 – De acordo com o foral concedido a Mafra pelo bispo de Silves
o rio Lisandro é uma das vias por intermédio das quais a madeira
chega àquela vila. O mesmo diploma estipula a dízima pela portagem a
pagar por tal mercadoria.

1487 – D. João II doa parte da Quinta de Ilhas ao convento de S.


Domingos de Benfica.

1505 – Pero Anes, dirigente das obras de fortificação de Cascais, por


incumbência régia, apresenta à Câmara Municipal da Ericeira um
requerimento mediante o qual D. Manuel I ordena que os moradores
de Colares, Cheleiros, Mafra, Ericeira e do Reguengo da Carvoeira
concorram para as ditas obras, as quais constam de uma torre,
muralhas e outras edificações.
1514.10.28 – Foral da Carvoeira.
1527 – O Reguengo tem 24 vizinhos
1570 – A capela de Nossa Senhora do Porto é elevada a matriz.
1585 – Episódio do “Falso D. Sebastião da Ericeira”. Primeira
referência a enterramentos no adro de Nossa Senhora do Porto.

1617.01.23 – Primeiro registo de casamento conhecido no Reguengo


da Carvoeira.
1619 – Segundo o Livro de Notas de Luís de Brito, Tabelião da
Ericeira, os quartos do Reguengo são dados por arrematação pela
Fazenda Nacional.
1622.02.21 – António Gaspar, sapateiro residente na Carvoeira, e
António Oliveira, barbeiro de Lisboa, contratam a venda “a retro”, sem
limitação de tempo e obrigação de um foro de treze alqueires de trigo,
pela quantia de 26 mil réis.
1668 – Cruzeiro do adro de Nossa Senhora do Porto.

1703 – André Lopes de Lavra é donatário da Carvoeira.


1713 – Manuel Caetano Lopes de Lavra é donatário da Carvoeira por
volta deste ano.

13
Treslado da Escritura realizada entre António Gaspar e
António Oliveira, em Lisboa, no dia 21 de Fevereiro de 1622
[SCMERA: E/003/maço 001/doc. 010]

1715 – Acção de força que deu o vigário de Mafra, Francisco


Gonçalves, e beneficiados contra o cura de Santo Isidoro, padre

14
Manuel Rodrigues, acerca da obrigação de esperar o vigário de Mafra
na procissão que vai a Nossa Senhora do Porto e a S. Pedro da
Ericeira, por ocasião das Ladainhas de Maio.
1734 – Ano da fundação da ermida de Santo António.
1741.05.16 – Falece o padre Ventura da Fonseca, fundador da ermida
de Santo António.
1754 – Relógio de Sol da ermida de São Julião.
1758 – A Carvoeira tem 36 fogos e 186 vizinhos (cerca de 400
habitantes), consoante as Memórias Paroquiais.
1760.10.22 – A igreja de Nossa do Porto, deixa de ser ermida
sufragânea da paroquial de Cheleiros. Não obstante, a ermida de S.
Julião permanece vinculada à antiga matriz.
1763 – Relógio de sol da igreja de Nossa Senhora do Porto.
1764 – Relógio de sol da capela de Santo António.
1765.07.30 – Testamento de João Fernandes, eremita da ermida de
São Julião.
1765 – O gravador Lourenço Lopes subscreve (Laur. Lopes sculp.
Mafra 1765) um registo (153 x 102 mm) de S. Julião e Santa Bazaliza
[sic], no qual o casal é figurado “[...] de pé, em corpo inteiro, nimbados
e segurando grandes palmas. Ao meio, entre os dois santos e voando
do alto, vem a pomba do Espírito Santo, cercada de resplandor. Em
uma cartela inferior, lê-se: Imagens dos ditosos consortes, e gloriosos
martyres São Julião e Santa Bazalissa que se venerão na sua ermida
de Nossa Senhora do Porto”.
1767 – Cruzeiro da Baleia.
1768 – Pórtico da ermida de São Julião.
1769 – Uma Confraria de São Sebastião tem sede na igreja de Nossa
Senhora do Porto.
1774.4 – Arrombamento e assalto da ermida de S. Julião (na noite de
26 para 27).
1779 – Cruz das Alminhas.
1781 – É concedida licença para haver sacrário com o Santíssimo
Sacramento na ermida de Santo António.
1784 – Cruzeiro de S. Julião.
1785 – Casa dos Leilões de São Julião.
1788 – Retábulos de azulejo da ermida de São Julião, registos da
fonte e do cruzeiro próximos.
1794 – Cruzeiro de Valbom.

15
W. Faden (1809)

Lisbon one of the first cities of Europe and capiat of the Kingdom of
Portugal […] (John ILuffman, Londres, c. 1810) – detalhe

16
William Faden, A military sketch of the country between Lisbon
and Vimeiro occupied by the british Army (1810)

1813 – Mais antigas Loas conhecidas do Círio da Prata Grande da


Carvoeira.
1820.09.20 – Auto da Vereação Geral consigna a primeira referência
ao Concelho da Carvoeira.
1821 – Ex-voto da Baleia.
1830 – Pórtico de Nossa Senhora do Porto. Círio da Prata Grande.
1831 – Círio da Prata Grande.
1832 – D. António Maria de Meneses é donatário da Carvoeira,
recebendo os quartos, de acordo com o foral do Reguengo.
1833 – Cruzeiro do Cemitério.
1835 – O concelho da Carvoeira integra o Julgado de Sintra.
1836 – O concelho da Carvoeira passa a integrar o Concelho da
Ericeira. A Câmara da Ericeira aprova posturas para a freguesia da
Carvoeira.
1847 – Círio da Prata Grande.
1848 – Círio da Prata Grande.

17
1850 – Cerca deste ano, D. António Pedro Jorge de Meneses é
donatário da Carvoeira, reclamando à Câmara da Ericeira a renda dos
Paços do Concelho do Reguengo, cujo edifício alega pertencer-lhe.
1855.02.24 – Por Alvará de D. Fernando, Rei-regente, as
Irmandades de S. Julião e de Santo António são incorporadas na
Confraria do Santíssimo Sacramento da Carvoeira.
1855.10.24 – A Carvoeira passa a integrar o concelho de Mafra.
1862 – A Carvoeira tem 177 fogos e 880 habitantes
1864 – A rainha D. Maria Pia vai a banhos na praia da Foz. A
Carvoeira tem 634 habitantes.
1866.05.20 – Os Confrades da Confraria do Santíssimo Sacramento
da Carvoeira aprovam o projecto de novos Estatutos destinados a
substituir os antigos, extraviados.
1866.07.09 – Por Carta, D. Fernando aprova o projecto de Estatutos
por que há-de passar a reger-se a Confraria do Santíssimo
Sacramento da Carvoeira.
1869 – A Carvoeira tem 171 fogos.
1878 – A Carvoeira conta 669 habitantes.
1880 – Ex-voto no caminho antigo entre a Baleia e Valbom.
1882 – Círio da Prata Grande.
1888 – Casa da Câmara é transformada em Escola primária.
1890 – De acordo com o Recenseamento geral da população do
concelho de Mafra, em 30 de Novembro deste ano, a Carvoeira tem
181 fogos; 19 casas desabitadas; 693 habitantes (369 do sexo
masculino, 327 do sexo feminino); 258 menores de 12 anos (129 sexo
m., outros tantos do sexo f.); 43 viúvos (11 do sexo m., 32 do sexo f.);
221 solteiros (145 do sexo m., 76 do sexo f.); 51 sabem ler e escrever
(42 do sexo m., 9 do sexo f.); 22 sabem só ler (7 do sexo m., 15 do sexo
f.); 1 cego, 2 idiotas.
1894 – Cofre das Almas, no muro do adro da ermida de Santo
António.
1898.10.09 – Círio da Prata Grande.
1899 – Círio da Prata Grande (20 e 27 de Agosto).

1900 – A Carvoeira tem 194 fogos e 717 habitantes.


1909 – A ponte da Carvoeira fica inutilizada em consequência de um
terrível temporal.
1910 – Ficam concluídas as obras de reedificação da ponte da
Carvoeira.

18
1911 – A Carvoeira tem 194 fogos e 724 habitantes.
1915.10.10 – Círio da Prata Grande.
1916.08.20 – Círio da Prata Grande.
1920 – A Carvoeira tem 181 fogos e 713 habitantes.
1921.10.03 – Manuel Lopes Matias inicia a exploração comercial da
da Foz como praia de banhos.
1929 – Disposição legal define a área de jurisdição da Comissão de
Iniciativa e Turismo da Ericeira, abrangendo as freguesias da
Carvoeira, Encarnação, Ericeira e Santo isidoro.
1930 – A Carvoeira tem 204 fogos e 724 habitantes.
1932.09.13 – Círio da Prata Grande.
1933.08.27 – Círio da Prata Grande.
1938 – A Carvoeira possui uma escola primária, integrada na Rede
escolar do Concelho de Mafra

19
1940 – A Carvoeira tem 244 fogos e 735 habitantes.
1940.06.04 - A Câmara Municipal de Mafra compra um pinhal, na
Ribeira da Baleia, para ali instalar um Parque Público.
1945.04.19 – Inauguração do fontanário e lavadouro do Pobral.
1949.09.17 – Círio da Prata Grande.
1950.05.20 – É inaugurado o abastecimento de água por fontanário
na Carvoeira.

Fontanário da Carvoeira inaugurado por iniciativa de Martinho Lopes


Ferreira, Presidente da Junta de Freguesia, em 1950. Havia de ser destruído
por iniciativa de outro Presidente da Junta.

20
1950.09.10 – Círio da Prata Grande.

Aguardente Velha da Carvoeira


Ementa do almoço (Regional) comemorativo da Inauguração do Porto de
Turismo da Zona de Turismo de Mafra

21
1955.05.08 – Inauguração da luz eléctrica na Carvoeira. Cabe ao
padre João Correia de Sousa a bênção da cabina eléctrica, entre
cânticos e o repique dos sinos da ermida de Santo António. O evento
conta com a presença do dr. Mário Madeira, Governador Civil de
Lisboa.

1956 – Data aposta no portão do cemitério da Carvoeira.


1957 – Fontanário e lavadouro de Valbom.
1960 – A Carvoeira tem 409 fogos e 822 habitantes. O terço da
Legião Portuguesa de Mafra bivaca na Foz do Lisandro.

22
1961 – Restauro do fontanário de S. Julião.
1964 – Violento temporal fustiga a Carvoeira, registando o rio
Lisandro uma cheia como até então não havia memória.
1966.09 – Círio da Prata Grande.
1967.08.18 – Círio da Prata Grande

Visita do Governador Civil de Lisboa, à Carvoeira


Recepção nas instalações da antiga sede da Junta de Freguesia. À esquerda do
Governador Civil, o Presidente da Câmara Municipal de Mafra, Adriano da
Silva Figueiredo (que ocupou o cargo entre 1961 e 25 de Abril de 1974).
Identificam-se ainda, entre outros, o Engenheiro Segismundo Saldanha e
Rogério Batalha

1974 – Ao Zambujal chega a água canalizada e a luz eléctrica.


1975 – A ponte da Piscadeira é derrubada pela força das águas do rio.
1977 – É aberto um furo com 93 metros de profundidade para
abastecimento de água à Baleia.
1978 – A Carvoeira é cabeça de Comarca.

23
1979 – Fica concluída a instalação de água canalizada em Fonte Boa
da Brincosa.
1983.09 – Círio da Prata Grande.
1983.11.19 – Chuva intensa provoca uma cheia no Rio Lisandro,
cujas águas galgam as margens deixando a descoberto pouco mais do
que o telhado da igreja de Nossa Senhora do Porto, circunstância
nunca antes ocorrida.

24
Pórtico Sul da igreja da Senhora do Ó, sobre o qual se observa
o registo da cheia de 1983

25
1984.09.15 – Círio da Prata Grande.
1990.09.16 – Realiza-se na Carvoeira, um Cortejo de Oferendas a
favor da construção da Sede do Centro Associativo.
1991 – De acordo com os Censos, a Carvoeira tem 850 habitantes.
1993 – Restauro da Bica do Coxo.

1994-02.27 - Chove copiosamente e a ponte da Senhora do Ó, na


Carvoeira, fica praticamente submersa e toda a várzea inundada,
sendo avultados os prejuízos causados.
1995.04.11 – O holandês Walter Arinos, de 47 anos de idade,
fundador do Atelier de Arte Aplicada, situado próximo da ponte da
Carvoeira, morre em consequência de um enfarte do miocárdio.
1996.09.20 - Na ermida de Nossa Senhora do Ó, na Carvoeira, têm
início as filmagens da curta-metragem Morte Macaca, com a
participação de dezenas de figurantes daquela localidade.
1998 – Exposição O Falso Dom Sebastião da Ericeira e o
Sebastianismo, concomitante com a edição do livro homónimo.

26
Exposição O Falso Dom Sebastião da Ericeira, na Galeria da Casa de Cultura
Jaime Lobo e Silva (1998)

O Falso Dom Sebastião da Ericeira


[capa de Célia Costa, para o livro O Falso Dom Sebastião da Ericeira
e o Sebastianismo, Mafra, 1998]

27
2000.09.16 – Círio da Prata Grande.
2001.09.15 – Círio da Prata Grande.
2003.11.07 – Naufrágio na Foz do Lisandro.

Naufrágio na Foz (7 de Novembro de 2003)

2006.05.19 – O executivo da Junta reunido delibera por


unanimidade aprovar a toponímia da Freguesia.
2009.09.12 – Abertura do Centro de Interpretação do Forte do
Zambujal após a sua recuperação, no âmbito da Rota Histórica das
Linhas de Torres, projecto financiado pela Islândia, Liechtenstein e
Noruega, através do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico
Europeu.
2010.06.16 – A Secretaria de Estado do Ordenamento do Território
e das Cidades considera de relevante interesse público a construção da
ETAR da Foz do Lisandro (despacho 10685), a qual se destina a servir

28
as populações de Mafra, Carvalhal, Carvoeira, Sobreiro / Achada e
Ericeira.

2010 – Edição de O Rei da Ericeira em banda desenhada, de


Orlando Dinis.

29
30
GUIA TOPONÍMICO
ALTO DA FOZ
Famílias 4 (1930)

Moradia de Manuel Lopes Matias (década de 1920)

AMOREIRAS
Edifícios 18 (1991)

RUAS
Amoreiras; Arneiro; Cortiços; Curral do Vale; Fonte das Amoreiras; Jardim;
Salgadiços

BALEIA
Lugar em 1758 (4 vizinhos)

33
População 90 (1991)
Fogos 11 (1930); 30 (1991)
Edifícios 169 (1991)

Ex-voto em memória de Joaquim Silva (1874?)

ESTRADAS
Estrada Municipal 546; Estrada Nacional 247
LARGOS
Figueira; Rossio
PRACETAS
Baleia Nova; Cabeço do Marco; Casal; Cruz da Baleia; Pomares; Sete Moios
RUAS
Aleixa; Amizade; Amoreiras; Baixo; Baleia; Barril; Cabeço do Marco; Casal;
Casal da Baleia; Cima; Cruz; Fonte; Lombas; Mendarias; Comarelos; Poço
Novo; Pomares; Robeiros; Sete Moios
TRAVESSAS
Fonte

34
BARRIL DE BAIXO
Lugar em 1758 (3 vizinhos)
População 10 (1991)
Fogos 7 (1930); 3 (1991)
Edifícios 29 (1991)

BARRIL DE CIMA
Lugar em 1758 (4 vizinhos)
População 21 (1991)
Fogos 7 (1930); 7 (1991)
Edifícios 42 (1991)

Fontanário do Barril de Cima

ESTRADAS
Estrada Municipal
PRACETAS
Asnaguita; Ribeira do Barril; Rua do Barril de Baixo
RUAS
Barril de Baixo; Barril de Cima; Carrasqueira; Centro dos Barris; Colónia;
Fonte; Moinho; Ribeira do Barril; Tapada
TRAVESSAS
Alto; Asnaguita; Rua do Barril de Baixo

35
CABEÇO DO MARCO

CARRASCAL
Lugar em 1758 (3 vizinhos)

CARVOEIRA
Referida como Aldeia da Portela da Carvoeira e Aldeia da Carvoeira
em 1527.
População 50 (1527); 260 (1991)
Fogos 57 (1930); 97 (1991)
Edifícios 140 (1874); 157 (1991)
Heráldica:

ESTRADAS
Adega da Cruz; Senhora do Ó
LARGOS
Eira; Fontanário; Outeiro
PRACETAS
Laranjeira
RUAS
Alto da Eira; Asnaga; Bairro Alto; Cabo; Caminho Velho; Celeiro; Cerrado
Gato; Cerro da Cabeça; Covadas; Fonte Velha; Freixo; Funchais; Galinho;
Jogo; Laranjeira; Moinho do Prior; Outeiro; Santo António

36
TRAVESSAS
Adega da Cruz; Caldeira; Chafariz; Eira; Escadinhas; Fontanário; Funchais;
Jogo; Maquia; Praça
BECOS
Cadoiços; Campinas; Carrasqueira; Eira; Fim das Carrasqueiras
DIVERSOS
Encosta da Carrasqueira

37
38
CASAL DO ALTO

CASAL DO GRADIL

CASAL DO RIBOTE

CASAL DOS MARQUINHOS

CASALINHO DAS OLIVEIRAS


População 21 (1991)
Fogos 4 (1930); 8 (1991)
Edifícios 16 (1991)

CASALINHO DO RIO

CASALINHO DO RIO DO CRAVO


Fogos 6 (1930)

RUAS
Campanário; Casal dos Pardais; Fonte; Pardais

39
CASALINHOS
Povoação em 1758 (19 moradores e vizinhos)

CASAS VELHAS
Povoação em 1758
CAVALINHO

COLÓNIA BALNEAR DR. MÁRIO MADEIRA

FONTE BOA DA BRINCOSA


Povoação em 1758 (29 vizinhos)
(Localidade partilhada com Ericeira)

ESTRADAS
Coxo; Fonte Boa da Brincosa
PRACETAS
Entre Portas; Moinho
RUAS
Adegas; Alfaiate; Arneiro; Arroteia; Arroteias; Cerradinho; Chalé; Coxo;
Curveiras; Fonte; Galinhaça; Loureiro; Massapez; Mina; Mineira; Moinho;
Velho; Murtinheira; Nova da Serra; Padaria; Parque 6/7; Pateira; Poços;
Ramalha; Serra; Vale

40
TRAVESSAS
Alfaiate; Bola; Chalé; Ferreiro; Fonte; Massapez; Mina; Serra; Tapadoira
DIVERSOS
Alto da Centieira; Alto da Costa; Alto das Ortigas; Alto das Urtigas; Alto do
Serralheiro; Retiro do Rossio

FONTE DA FEITEIRA

FONTE DAS HORTAS

FONTE DO COXO
A um sem número de fontes hodiernamente denominadas do coxo
(manco) deveria ser restituída a sua designação primitiva, justamente
derivada da circunstância de ali existir (ou haver existido) um cocho, i.
e., uma colher de cortiça usada para beber água. Segundo o povo, esta
tem a virtude de impedir que as moléstias se propaguem, ainda que
tenha sido utilizado por pessoa contaminada.

FORTE DO ZAMBUJAL
Vd. Linhas de Torres

41
FOZ DO FALCÃO
Vd. Arqueologia.

FOZ DO LISANDRO
População 48 (1991)
Fogos 16 (1991)
Edifícios 80 (1991)

ESTRADAS
Nacional 247
PRACETAS
Curveiras; Miradouro; Ombros
RUAS
Brejo; Curveiras; Lisandro; Marinha; Praia

GONÇALVINHOS

LAGO DA MALHADINHA

42
LAPA DA SERRA
População 103 (1991)
Fogos 19 (1930); 32 (1991)
Edifícios 60 (1991)

ESTRADAS
Lapa da Serra; Vale Cancela
LARGOS
Eira
RUAS
Baixo; Cotovelo; Eira; Fonte; Lapa
TRAVESSAS
Cotovelo; Eira ; Escola; Jogo; Lapa; Quinta
BECOS
Ulmeiro

MIRADOURO

MIRADOURO PARQUE

MOINHO DO ALTO DA FORCA

MOINHO DO PIRES

MOINHO DO RODRIGUES

MONTE VALBOM

MURO DA GALERA

PARQUE

POBRAL
Lugar em 1758 (8 vizinhos)
(localidade partilhada com Cheleiros)
População 94 (1991)
Fogos 36 (1991)
Edifícios 50 (1991)

43
ESTRADAS
Nacional 247
RUAS
Cabine; Cerca; Eira; Fonte; Pinheiros; Poço; Quinta; Serrita; Tomadias
TRAVESSAS
Baldios; Cabine; Fonte; Moagem; Serrita

PORTO DA CARVOEIRA

PRAIA DE SÃO JULIÃO

PRAIA DO LISANDRO
À reunião ordinária da Câmara Municipal, de 26 de Agosto de 1949,
foi presente uma carta do Dr. João Cabral Miranda propondo a
atribuição da designação Praia de D. Manuel II à praia da Foz da
Carvoeira. A vereação deliberaria conservar a denominação já

44
consagrada, não obstante a autorização expressa da Rainha D. Amélia,
junta ao processo pelo requerente (Livro de Actas, n. 408).

QUINTA DO LAGUEIRÃO

QUINTA DOS LEITÕES


Em 1740 e 1765, é denominado Casal dos Leitões, no termo de Mafra,
pertencendo ao convento e São Domingos de Benfica, o qual o tinha
aforado por 2 moios de trigo, um moio de cevada e uma galinha
[ANTT: Convento de S. Domingos de Benfica: maço. 4, doc s/ nº].

RIBEIRA DE CHELEIROS

RIBEIRA DO FALCÃO

RIBEIRO DA VIDIGUEIRA

RIO LISANDRO

45
SÃO JULIÃO
População 5 (1991)
Fogos 1 (1930); 3 (1991)
Edifícios 38 (1991)

ESTRADAS
Municipal
LARGOS
Igreja
RUAS
Ribeira do Barril

SEIXAL
Localidade em 1758

SENHORA DO Ó

SENHORA DO PORTO

SENHORA DO Ó DO PORTO

46
SERRA DO COXO
Vd. Fonte do Coxo
SERRA DE URSAL

SERRA DO FORTE

URZAL (URSAL)
Lugar em 1758 (7 vizinhos e moradores)
População 13 (1991)
Fogos 8 (1930); 7 (1991)
Edifícios 10 (1991)

ESTRADAS
Municipal
RUAS
Alto; Amoreiras; Areias; Brejo; Entre Cerrados; Palheiros; Poças; Ramalhão
TRAVESSAS
Amoreiras; Areias; Palheiros

VALBOM
Lugar em 1758 (3 moradores e vizinhos)
Vd. Caminho das Almas

47
PRACETAS
Campos; Eira; Revolta
RUAS
Botelha; Cabecinho; Fonte; Serra; Valbom
TRAVESSAS
Fonte

ZAMBUJAL
Povoação em 1758 (4 vizinhos)

ESTRADAS
Municipal 549
LARGOS
Carrascal
RUAS
Carrascal; Casal Sequeiro; Quebradas

48
QUEM É QUEM
Adelaide da Conceição Cardoso
Professora entre 1907 e 1910?

Agostinho Vicente Duarte


Pároco da Carvoeira a partir de 15 de Outubro de 1960.

51
André Joaquim da Silva Marques
Presidente da Junta de Paróquia em 30 de Junho de 1850.

Andreia Filipa Lourenço Duarte Amaral


Presidente da Junta de freguesia, desde 2013.

Antão Alvarez
Residente no Barril. Exceptuado do Perdão Geral (1585) decretado
por Filipe I, pelo que seria condenado à morte em virtude da sua
adesão ao movimento liderado pelo “falso Dom Sebastião da Ericeira”.

António Alves Carneiro


Pároco da Carvoeira desde 12 de Março de 1865. Presidia à Junta de
Paróquia em 19.02.1871. Subscreve o novo Compromisso da
Irmandade do Santíssimo Sacramento (Mafra, 1867).

António Correia Pedroso


Regedor, interino em 01.11.1910, eleito em 07.05.1911.

António Francisco Machado


Presidente da Junta de Freguesia entre 2001 e 2013.

António José Gomes


Sacerdote que começou a paroquiar a Carvoeira em Dezembro de
1875. Em 5 desse mês e ano presidia à Junta de Paróquia.

António Manuel Afonso Condado


Pároco da freguesia da Carvoeira, a partir de 1853. Em 26 de Junho do
mesmo ano presidia à Junta de Paróquia.

António Maria dos Santos Portugal (Monsenhor)


Pároco encomendado em 1909. Começou a paroquiar a freguesia da
Carvoeira em 30 de Julho de 1898. Presidente da Junta de Paróquia
em 04.01.1903, 04.01.1908, 17.10.1909 e 01.05.1910.

António Martins Sampaio


Barrista de figurado (escultura em barro). Reside e tem oficina na Foz
do Lisandro - 2665 ERICEIRA; Tel: (01) 837966; Tel: (061) 864248.
Produz séries de bonecos destinados a integrar presépios, tronos de

52
Santo António ou, simplesmente, representações do quotidiano.
Diversas vezes galardoado. Assina A. Sampaio.

António Pedro Barreiros Magalhães


Pároco na Carvoeira, desde 6 de Julho de 1890 até 1897.

António Rodrigues Pereira


Sacerdote que começou a paroquiar a Carvoeira em 21 de Fevereiro de
1864.

António Serrão Franco


Proprietário na freguesia da Carvoeira. Teve papel relevante na
reedificação da ponte da Carvoeira, destruída por terrível temporal no
ano de 1909.

53
Telegrama de António Serrão Franco (09.02.1910) comunicando ao
Presidente da Câmara de Mafra a boa-nova de que as obras de recuperação
da ponte da Carvoeira haviam sido licenciadas [AHMM]

António Vicente Machado Pedroso


Presidente do Grupo Associativo de Fonte Boa da Brincosa, em 1986.

Apolinário Sousa
Combatente na 1ª Grande Guerra.

ASSOCIAÇÃO CULTUAL DA FREGUESIA DA CARVOEIRA


Os seus Estatutos constam da acta de 17 de Novembro de 1912 da
Junta de Paróquia. Legal em 1928.

Celestino Francisco Ladeira


Regedor em 1930.

54
CENTRO ASSOCIATIVO DA CARVOEIRA
Fundado em 1978. O seu edifício-sede ficou concluído no ano de 1986.

CENTRO CULTURAL E RECREATIVO DA BALEIA, BARRIL


E VALBOM
Fundado a 20 de Junho de 1980. Tem sede no Barril.

COLÓNIA BALNEAR INFANTIL DR. MÁRIO MADEIRA


Sita em S. Julião. Fundada pelo seu patrono, Governador Civil de
Lisboa e destinada a crianças de famílias carenciadas do Distrito. Pelo
decreto-lei nº 878/76 (Rectificações) transitou, bem assim como o
respectivo curso de monitores, para a administração da Junta
Distrital. Actualmente depende da Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa, tendo capacidade de albergar 100 utentes. Acesso pelo Barril
de Cima.

CONFRARIA DE SANTO ANTÓNIO


Erecta na ermida de Santo António da Carvoeira.

CONFRARIA DE SÃO SEBASTIÃO


Sedeada na matriz de Nossa Senhora do Ó do Porto. Actividade
conhecida entre 1769 e 1899.

55
CORPORAÇÃO ENCARREGADA DE PROMOVER E
SUSTENTAR O CULTO CATÓLICO NA PAROQUIA DA
CARVOEIRA
Vd. Associação Cultual da Freguesia da Carvoeira

David de Oliveira Mendes


Pároco da Carvoeira e da Ericeira, em 1986. Graças a ele a Liga dos
Amigos de São Julião, a cuja Assembleia Geral presidia, realizou
algumas beneficiações na ermida homónima.

Domingues Antunes
Oleiro. Actividade recenseada entre 1886 (Livro de Recenseamento
Escolar das crianças do sexo masculino, freguesia de Mafra, 1886) e
1901 (contava 55 anos de idade). Em 1886 era viúvo e tinha, pelo
menos, um filho, também Domingues Antunes de seu nome, nascido a
2 de Outubro de 1879.

Eugénio Batalha
Combatente na 1ª Grande Guerra.

56
Combatentes da I Grande Guerra naturais da Carvoeira [AHMM]

Fernanda da Cruz
Professora do Ensino Primário, em Maio de 1955.

Filipe Gaspar
Presidente da Junta de Paróquia em 02.01.1880.

57
Francisco António de Morais
Sacerdote que começou a paroquiar a Carvoeira em 24 de Abril de
1853.

Francisco Antunes
Oleiro. Filho de Domingues Antunes. Actividade documentada entre
1899 e 1930 [51]. Por requerimento de 4 de Junho de 1899, solicitou à
Câmara Municipal de Mafra autorização para construir casa térrea
para sua habitação na Lapa da Serra.

Francisco Baleia
Tesoureiro da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Carvoeira,
em 1872.

Francisco Correia
Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento. Cessou funções em
1872.

Francisco Correia Pedroso


Regedor entre 1908 e 1918?

Francisco da Costa
Combatente na 1ª Grande Guerra. Regedor eleito em 3 de Janeiro de
1926 e 20 de Novembro de 1937.

Francisco da Costa Ferreira


Proprietário e agricultor.

Francisco de Oliveira Leite


Sacerdote que começou a paroquiar a Carvoeira em Abril de 1906. No
dia 18 do mesmo mês e ano presidia à Junta de Paróquia.

58
Francisco Duarte
Residente em Fonte Boa. Exceptuado do Perdão Geral (1585)
decretado por Filipe I, pelo que seria condenado à morte em virtude
da sua adesão ao movimento liderado pelo “falso Dom Sebastião da
Ericeira”.

Francisco Freire Machado


Lavrador ou agricultor 1897-1910?

Francisco Gaspar
Lavrador ou agricultor 1897-1910?

Francisco Lopes Matias


Lavrador ou agricultor 1897-1910?

Francisco Manuel
Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento, em 1915.

Francisco Manuel Ladeira


Proprietário e viticultor, na década de 1940.

Francisco de Oliveira Leite


Pároco em 1907.

59
GRUPO CULTURAL E RECREATIVO DA CARVOEIRA
Fundado em Outubro de 1977. Transformou-se no Centro Associativo
da Carvoeira, criado no ano seguinte.

GRUPO ASSOCIATIVO DA FONTE BOA DA BRINCOSA E


LAPA DA SERRA
Fundado em 26 de Dezembro de 1975.

Guilhermina
Filha de José da Silva Gamenho, de 7 anos de idade. Imortalizada no
ex-voto erguido pelo progenitor no caminho antigo entre a Baleia e
Valbom, em acção de graças por ter sobrevivido depois de arrastada
por uma burra desde aquela localidade, até ao exacto local onde se
acha o cruzeiro, no dia 20 de Dezembro de 1880.

60
AQUI VEIO PARAR DA / BALEIA ARRASTADA / POR UMA BURRA
GUI/LHERMINA DE 7A.nos / DE IDADE A 20 DE DE/ZEMBRO DE 1880
FI/LHA DE JOSÉ GAME/NHO DO LUGAR DA BALEIA
Dois azulejos (350 x 190 mm e 190 x 190 mm), um com a representação do
milagre e outro com o dístico que o explica, apostos num cruzeiro localizado
junto a uma fonte no antigo caminho entre a Baleia e Valbom (Carvoeira).
O Anjo Custódio paira sobre a cena, acompanhado pela inscrição: “O Anjo do
Senhor nos livre”. Milagre único no seu género na região de Mafra, sendo
muito raro fora dela.

61
Heitor da Cruz Gaspar
Regedor, eleito em 16 de Janeiro de 1955.

Inácio Domingues
Padre. Presidiu à Junta de Paróquia no período compreendido entre
1787 e 1790.

IRMANDADE DE SÃO JULIÃO


Sedeada na ermida de São Julião. Actividade conhecida entre 1841 e
1876.

IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO


Compromisso de 1867. Legal em 1928. Sedeada na ermida de Santo
António. Em 1872 tinha a seu cargo a Irmandade de São Julião,

62
sedeada na ermida homónima, cabendo-lhe o encargo de administrar
e proteger a Missa das Almas, a qual devia celebrar-se pela manhã na
igreja de Nossa Senhora do Ó. Administrava o Cofre das Almas
(encastrado no muro do adro da ermida de Santo António), feito à sua
custa, em 1894. A festa do Santíssimo Sacramento ocorria no domingo
a seguir ao do Santíssimo Coração de Jesus. De acordo com os
Estatutos, a apresentação das contas realizava-se anual e
imperetrivelmente no dia 25 de Dezembro.

Jerónimo Correia
Residente na Baleia. Em Abril de 1874 era sacristão da ermida de São
Julião.

João Cardoso
Residente no Barril. Exceptuado do Perdão Geral (1585) decretado
por Filipe I, pelo que seria condenado à morte em virtude da sua
adesão ao movimento liderado pelo “falso Dom Sebastião da Ericeira”.

João Cartaxo
Residente no Zambujal. “Era bastante alto e magro, muito pródigo em
contar anedotas e com grande jeito para matar porcos”. O transporte
preferido da sua mulher, Virgínia, era a Grila, uma jumenta da qual
nunca se separava, ao ponto de João Cartaxo dizer que a burrita só a
desapontava porque nunca aprendera a subir escadas, o que obrigava
a tia Virgínia a subir a pé para o quarto, no primeiro andar.

João Correia Gaspar


Regedor. Tomou posse em 9 de Janeiro de 1972.

João Correia de Sousa


Sacerdote, pároco da Carvoeira e da Ericeira a partir de Maio de 1955.
Realizou a bênção da cabina eléctrica, inaugurada a 8 do mesmo mês e
ano, na Carvoeira.

João Fernandes
Ermitão da ermida de São Julião. Faleceu no Hospital da Santa Casa
da Misericórdia da Ericeira, no dia 30 de Julho de 1765. Deixou num
primeiro testamento (2.11.1764) o “seu capote de ourelo” a Manuel
Teixeira, seu sucessor no cargo. Num segundo testamento (1765),

63
além, de 20 mil reais para “o frontal e vestimento da capela de S.
Julião”, estipulou legados pios no valor de 18000 reis, destinados a
lajear a igreja da ermida e à aquisição de um “ornamento roxo”.
Deixou ainda os “bancos de uso da mesma ermida com o trigo que se
lhe achar”, tendo legado à fábrica da ermida toda a sua roupa branca.

João Gaspar
Cura de Nossa Senhora do Porto. Exceptuado do Perdão Geral (1585)
decretado por Filipe I, pelo que seria condenado à morte em virtude
da sua adesão ao movimento liderado pelo “falso Dom Sebastião da
Ericeira”.

João Honório Ferreira


Pároco da Carvoeira e da Ericeira a partir de 20 de Novembro de 1958.

João Manuel Domingos Lopes


Regedor, eleito em 21 de Janeiro de 1968.

João Rodrigues Casalinho


O único barrista que consta ter-se estabelecido na Carvoeira, activo no
ano de 1856 [46].

Joaquim Álvaro Marques Costa


Presidente da Junta de Freguesia, em 21 de Janeiro de 1951 e,
novamente, em 19 de Janeiro de 1964.

Joaquim da Costa
Presidente da Junta de Paróquia em 26 de Fevereiro de 1871.
Vitivinicultor entre 1907 e 1910?

Joaquim de Sousa Marques


Padre que paroquiou a freguesia da Carvoeira desde 21 de Abril de
1844.

Joaquim Miguel Lopes de Lavre


Derradeiro administrador do vínculo (donatário) instituído por
Manuel Lopes de Lavre, ao qual pertencia o Reguengo da Carvoeira,
em 1807 [vd. Fontes e doc. XXVI].

64
Joaquim Silva
Imortalizado no ex-voto da Baleia.

José Bonifácio da Silva


Pároco da Carvoeira e da Ericeira desde 26 de Novembro de 1939.

José da Rocha Reis


Começou a paroquiar as freguesias da Carvoeira e da Ericeira em 28
de Fevereiro de 1943.

José da Silva Gamenho


Pai de Guilhermina, a menina arrastada por um burro desde a Baleia
quase até Valbom (1880), episódio memorado por um ex-voto, no
caminho antigo que une as duas localidades. Regedor em 2 de Janeiro
de 1882. Presidente da Junta de Paróquia em 2 de Janeiro de 1884 e 2
de Janeiro de 1886. Secretário da Irmandade do Santíssimo
Sacramento no ano de 1889.

José da Silva Lucas


Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento no ano de 1896.

José de Abrantes Pinto Coelho


Pároco das freguesias da Carvoeira e da Ericeira a partir de 10 de Abril
de 1939.

José Ferreira
Secretário da Irmandade do Santíssimo Sacramento, em 1872.
Lavrador ou agricultor entre 1897-1910?

José Ferreira Ruivo


Agricultor entre 1907 e 1910. Regedor substituto em 1909 e 1910.
Eleito em 31 de Dezembro de 1910. Durante a sua direcção foram
redigidos e aprovados os Estatutos da Associação Cultual da
Freguesia da Carvoeira (acta de 17 de Novembro de 1912).

José Freire da Fonte


Presidente da Junta de Paróquia em 4 de Maio de 1884, 5 de Outubro
de 1890 e, novamente, em 3 de Janeiro de 1892.

65
José Inácio Joaquim da Costa
Lavrador ou agricultor 1897-1905?

José Leonardo
Indivíduo um tanto enigmático que residia no Zambujal e aí era
proprietário de uma taberna. A família possuia várias juntas de bois,
ora empregues na lavoura, ora no transportes de mercadorias. Com
algumas delas transportou “cascos de vinho [...] por caminhos
perigosos e tortuosos até à adega da Foz do Lisandro”.

José Lopes
Presidente da Junta de Paróquia em 18 de Julho de 1909 e 19 de
Dezembro de 1909. Pároco da freguesia no ano seguinte.

José Luís Monteiro


Pároco em 1908. Começou a paroquiar a freguesia da Carvoeira em 31
de Julho de 1907. Em 15 de Setembro de 1907 presidia à Junta de
Paróquia.

José Simões
Regedor, eleito a 1 de Janeiro de 1923.

Julião Duarte
Sacerdote. Presidiu à Junta Paroquial dm 1782. Subscreve as contas
da Confraria de S. Sebastião, em 1785.

Laura Judite Rebelo


Professora entre 1897-1901.

Leandro dos Anjos Galrão


Lavrador ou agricultor 1897-1910?

Libânia
A avó Libânia residia no Largo Principal do Zambujal e coxiava muito.
Vestia, como as demais mulheres da região, na década de 1940, “[...]
saias compridas de riscado com muita roda e blusas cintadas. Por
cima um avental também de riscado escuro e na cabeça um lenço
negro que puxava para os olhos quando o sol era mais forte”. Depois

66
de enviuvar, abriu uma taberna “onde se faziam grandes bailaricos
com realejo ou um harmónio”.

LIGA DOS AMIGOS DE SÃO JULIÃO


Constituída legalmente em 9 de Agosto de 1984.

Luís Alvarez
Residente em Casas Velhas. Exceptuado do Perdão Geral (1585)
decretado por Filipe I, pelo que seria condenado à morte em virtude
da sua adesão ao movimento liderado pelo “falso Dom Sebastião da
Ericeira”.

Luís António Cavado


Cura da Carvoeira, em 1758. Subscreve as Memórias Paroquiais da
freguesia.

Manuel António Pereira Cardoso


Sacerdote que começou a paroquiar a freguesia da Carvoeira em 3 de
Fevereiro de 1856.

Manuel A. Rodrigues
Comerciante. Negociava mercearia, fancaria, vinhos e tabacos. Foi
correspondente na Carvoeira do Diário de Notícias e de O Concelho de
Mafra.

67
Manuel Correia
Juiz da Confraria de Santo António, no ano de 1853.

Manuel Correia Ferreira (1942-1965)


Militar morto em Angola, imortalizado num memorial erguido por
iniciativa da Junta de Freguesia da Carvoeira.

Manuel Correia Pedroso


Morador no lugar e freguesia da Carvoeira, Sacristão nos anos de
1893, 1894, 1895 e 1896. Escriturário da Irmandade do Santíssimo
Sacramento da freguesia da Carvoeira nos anos de 1890, 1893 e de
1897 a 1902. Professor entre 1895-1898.

Manuel Cristóvão
Mesário da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da
Carvoeira, nos anos de 1872 e 1874. Secretário no ano de 1873

68
Manuel da Costa
Tesoureiro da Confraria de Santo António, no ano de 1847.

Manuel da Silva
Combatente na 1ª Grande Guerra.

Manuel dos Santos Ribeiro


Começou a paroquiar a Carvoeira em 8 de Dezembro de 1852.

Manuel Duarte
Cura da igreja de Nossa Senhora do Porto em 23 de Julho de 1766.
Subscreve as contas da Confraria de S. Sebastião, em 1774.

Manuel Duarte
Sacerdote. Juiz da Confraria de Santo António, no ano de 1847.
Tesoureiro da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da
Carvoeira, no ano de 1869.

Manuel de Francisco Duarte


Procurador e Tesoureiro da Confraria de Santo António, no ano de
1843.

Manuel Freire Arroja


Mesário da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da
Carvoeira em 1873 e 1875; Juiz em 1874, 1880 e 1918.

Manuel Gaspar
Tesoureiro da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da
Carvoeira, no ano de 1915

Manuel Gaspar Messias


Encarregado do Correio entre 1907 e 1910?

Manuel Gonçalves dos Santos


Pároco das freguesias da Carvoeira e da Ericeira a partir de 27 de
Setembro de 1947.

Manuel Gregório
Secretário da Confraria de Santo António, no ano de 1853.

69
Manuel Gregório Gaspar
Secretário da Confraria de Santo António, no ano de 1848.

Manuel Lopes de Lavre


Instituiu um vínculo, tornando-se donatário do Reguengo da
Carvoeira [vd. Fontes e doc. XXVI].

Manuel Lopes de Matias


Vogal da Junta de Paróquia da freguesia da Carvoeira, no ano de 1843.

Manuel Lopes Matias


Seminarista e depois empresário e agricultor. Fundador da Sociedade
Vinícola da Carvoeira, sedeada na Adega da Foz do Lisandro, cuja
edificação promoveu, em meados de 1920. Personagem excêntrico,
falava, fazendo copiosas citações latinas, incompreensíveis para a
maioria dos seus interlocutores. Acalentou o sonho de trazer o
caminho-de-ferro até à Foz do Lisandro, bem como o da construção de
um porto de embarque de vinhos e outros produtos locais. Num painel

70
de azulejos colocado sobre a porta de uma das casas de habitação que
construiu no Alto da Foz auto-definiu-se como “Fundador da Praia do
Lisandro, 3.10.921”.

Manuel Maria Ferreira


Sacerdote que começou a paroquiar a freguesia da Carvoeira em 13 de
Dezembro de 1863.

Manuel Miranda
Mesário da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da
Carvoeira, nos anos de 1873, 1874 e 1875; Tesoureiro em 1874.

Manuel Pais Lopes


Secretário da Confraria de Santo António, erecta na Ermida
homónima da Carvoeira, no ano de 1851.

Manuel Ramos
Leiteiro, residente no Zambujal, mais conhecido por ti-Ramos. Era
casado com Maria de Jesus, a quem chamavam a Maria Carapeta.
Sempre muito bem disposto, apresentava-se com “ar de pessoa bem
sucedida na vida”. Em lugar do cinto para apertar as calças, usava uma
faixa comprida de “tecido preto que dava duas ou três voltas à cintura
e nas pontas era franjada”. Para anunciar o início da recolha do leite,
subia a um muro e tocava uma corneta. Tornou-se taberneiro, sendo
auxiliado pela mulher que não sabia ler nem escrever, mas tinha um
método infalível de anotar as dívidas dos fregueses: “No tampo do
balcão usava o seguinte código: para cada tostão fazia um risco ao alto;
cinco tostões era uma bolinha pequenina; um escudo marcava uma
maior, cinco escudos um risco parecido com este número e dez
escudos uma bola grande com uma cruz dentro”.

Manuel Rodrigues Fernandes


Presidente da Junta de Paróquia em 25 de Setembro de 1914 e em 3 de
Maio de 1919.

Manuel Rodrigues Luís


Oleiro. Antes de se estabelecer de Fonte Boa da Brincosa por conta
própria, no ano de 1991, trabalhou numa olaria da Casa Nova.

71
Manuel Teixeira
Ermitão de São Julião. Apôs a sua assinatura cifrada no cruzeiro junto
à ermida. O ermitão que o precedeu, João Fernandes, deixou-lhe em
testamento o seu “capote de ourelo”.

Marçal Correia
Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da
Carvoeira, nos anos de 1905 e 1906.

Maria Amália Tomé


Professora em 1904-1905?

Mário Madeira, Doutor


Governador Civil do Distrito de Lisboa e fundador da Colónia
Balnear, com o seu nome, destinada a crianças pobres das freguesias
da capital.

72
Martinho Lopes Ferreira
Proprietário da Lapa da Serra. Presidia à Junta de Paróquia, em 13 de
Julho de 1919, tendo sido eleito Presidente da Junta de Freguesia, em
20 de Janeiro de 1942.

Mateus Álvares (?-1585)


Consagrado como o “Dom Sebastião da Ericeira”. Açoriano, filho de
um pedreiro (Gaspar Álvares) e natural da Praia da Vitória (Terceira).
Depois de receber a primeira instrução no convento franciscano de
Nossa Senhora da Conceição 8, rumou ao continente, e no mosteiro de
S. Miguel, perto de Óbidos, iniciou o noviciado dos arrábidos. Terá
passado ainda alguns meses com os monges descalços de Santa Cruz,
na Serra de Sintra 9, mas não tardou a trocar o noviciado pela
existência mais livre de eremita, na ermida de São Julião (Carvoeira,
Mafra). Aí passou a viver pobremente, fazendo penitência. Entre
gemidos e flagelações ouviam-se-lhe palavras enigmáticas: “Coitado
de ti, D. Sebastião, que tantos morreram por tua causa, como poderás
fazer a penitência que teus pecados merecem” 10; “Portugal, Portugal,
que é feito de ti, que eu te puz no estado em que estás, oh triste de ti
Sebastião, que toda a penitência é pouca em respeito de tuas culpas” 11.
Mateus Álvares nunca terá, declarado abertamente que era o
Encoberto, mas soube, talvez, insinuar nos espíritos o que eles
desejavam ouvir. E essa verdade não podia ser outra senão a de que D.
Sebastião sobrevivera e que andava, havia sete anos, a cumprir
penitência pela perda de Portugal. Coadjuvado por Pedro Afonso,
lavrador de Rio de Mouro, António Simões, escrivão dos armazéns, e
Gregório de Barros, ourives régio, e animado pelo número crescente
de simpatizantes, não só na região da Ericeira, mas também em Lisboa
e outras terras 12, o eremita montou corte na Ericeira e fez-se
proclamar rei.

8 Ferreira Deusdado, O D. Sebastião da Vila da Praia, in Quadros Açóricos, Angra do


Heroísmo, 1907, p. 109.
9 “Le despidieron por doliente”, escreve António de Herrera, Segunda Parte de la

Historia General del Mundo, Madrid, 1601, cap. XVIII, p. 447-450.


10 Herrera.
11 José Pereira Baião, Portugal cuidadoso e lastimado com a vida y perda do senhor rey

D. Sebastião. Lisboa, 1737, p. 732-734,


12 Rois Soares. O documento transcrito por J. de Oliveira Lobo e Silva in Anais da Vila

da Ericeira, 2ª Ed., Mafra, 1985, p. 140-141, refere que “se levantaram com o rei
ermitão, mais de 3.000 homens”. Ver também Ferreira Drummond.

73
O Rei da Ericeira
[Retrato conjectural, in História de Portugal de Pinheiro Chagas]

74
Em breve, distribuía cargos e títulos nobiliárquicos e passava
provisões e alvarás com selo real, que mandara fazer a um prateiro de
Lisboa, o qual acabou preso 13. Casou com a filha de Pedro Afonso,
“moça bem parecida” 14, e coroou-a rainha, colocando-lhe na cabeça a
coroa de prata, supõe-se, da imagem de Nossa Senhora do Porto. Ao
sogro fê-lo Marquês de Torres Vedras, Conde de Monsanto, Senhor de
Cascais e Alcaide-Mor de Lisboa 15. O rei da Ericeira começou a enviar
cartas às Câmaras de algumas cidades e vilas, incitando-as a que se
preparassem para, em breve, poderem recebê-lo e ajudá-lo a recuperar
a posse do reino. “E como a fama era já por todo o reino ser El-Rei D.
Sebastião, tomavam as cartas e provisões, e beijavam-nas, pondo-as
nas cabeças com muito acatamento, e em algumas partes começando
logo de dar ordem para o ajudarem e lhe mandarem gente” 16. Chegou
a sua ousadia ao ponto de enviar Pedro Afonso a D. Diogo de Sousa,
general da Armada de Alcácer-Quibir, convidando-o a avistar-se
consigo. A entrevista, porém, jamais se realizou, sem embargo de o
general da Armada haver determinado comparecer ao encontro. Na
quinta-feira de Ascensão de 1585, quando o cardeal arquiduque
Alberto saia da capela real, foi ao seu encontro um jovem, filho de
António Simões, que lhe entregou uma carta. O mensageiro, ao dirigir-
se ao vice-rei de Portugal, disse-lhe que lha mandava el-rei de Portugal
D. Sebastião 17, acrescentando, segundo Herrera: “e não faça Vossa
Alteza pouco caso disto”. Nessa carta o arquiduque Alberto era
intimado a desocupar o Paço e a partir para Castela, porque já era
tempo de abrirem os olhos tantos enganados 18. Preso e interrogado, o
jovem mensageiro confirmou ter recebido a incumbência do
verdadeiro rei D. Sebastião. Asseveram alguns autores que o
arquiduque Alberto ordenou que o mensageiro fosse posto em
liberdade, contrariamente ao parecer do zeloso corregedor do crime
da corte. Com este acto de generosidade “cobrou maiores forças a
opinião de ser ele (o eremita de S. Julião) el-rei” 19. Outra versão deste

13 Pero Rois Soares, Memorial. Leitura e revisão de Manuel Lopes de Almeida, Coimbra,
1953, p. 224-228.
14 Pereira Baião.
15 Idem. Por sua vez, Pedro Afonso acrescentara ao seu nome o apelido de Meneses,

crendo com isso nobilitar-se.


16 Rois Soares.
17 Idem.
18 Pereira Baião.
19 Idem.

75
episódio pretende que, na mesma noite da detenção, foi o filho de
António Simões levado por outro corregedor, Álvares Lopes de Távora,
com muitos galegos, e, “lá onde quer que foram, andaram três dias e
tornaram sem o dito mancebo, o qual não apareceu mais, nem do que
quer que lhe fizeram se soube mais alguma coisa” 20. Alarmado com o
conteúdo da carta, e com a agitação que o evento provocara na cidade,
decidiu o Concelho Real enviar à Ericeira corregedores e alcaides para
se certificarem dos rumores sobre o rei fingido e da verdadeira
extensão dos acontecimentos. Alguns fidalgos que já o tinham visto
não duvidavam tratar-se de um impostor. Face aos alertas, considerou
o cardeal mais prudente ordenar ao juiz de fora de Torres Vedras,
Manuel de Ataíde de Sarrea, que fosse à Ericeira prender os
amotinados. No desempenho da sua missão, o magistrado e o seu
escrivão, juntamente com os oficiais que o acompanhavam 21, foram
lançados ao mar de umas arribas pelos revoltosos que foram ao seu
encontro. A todos quantos recusassem reconhecer o rei português e
lhe negassem obediência eram infligidos graves castigos, sendo seu
executor Pedro Afonso, “homem crudelíssimo e desumano” 22. O
doutor Gaspar Pereira (do Lago, como consta de algumas versões), do
Conselho Real de Lisboa e ouvidor da comarca de Torres Vedras, por
censurar estes actos de violência e dizer a alguns que deixassem a
cegueira em que andavam, e rogassem a Deus pela vida de D. Filipe,
que era justo e pacífico, foi morto na sua quinta, juntamente com um
filho e um sobrinho, sendo a sua casa saqueada 23. O vice-rei optou por
intervir imediatamente, antes que ocorressem mais excessos. Diogo da
Fonseca recebeu ordens para esmagar a rebelião 24. Com quatrocentos
castelhanos bem armados e comandados pelo capitão Calderon partiu
para a Ericeira (ou para a ermida de S. Julião, consoante a versão de
Luís Torres de Lima). Emboscaram-se num vale, situado perto dos
domínios do rei fingido, seguindo adiante o corregedor com a justiça.

20 Miscelânea Curiosa de Sucessos Vários, in Feiticeiros, profetas e visionários (sel.


Yvonne Cunha Rego), Lisboa, 1981.
21 Pereira Baião; Rois Soares.
22 Pereira Baião.
23 Herrera; Baião. Em 1570, Gaspar Pereira fora corregedor na Ilha Terceira de onde era

natural Mateus Álvares. Francisco Ferreira Drummond, Anais da Ilha Terceira. Ed.
1981, Governo Autónomo dos Açores, v. 1, p. 377.
24
Diogo da Fonseca acompanhara D. Sebastião na campanha de África e, já ao serviço
de Filipe II, enquanto corregedor do crime, pusera termo ao episódio do rei de
Penamacor.

76
Os homens de Pedro Afonso arremeteram contra estes “como lobos”.
Encorajados por os verem em fuga, perseguiram-nos sem se
aperceberem de que estavam a ser conduzidos para uma emboscada.
Esperava-os uma fortíssima carga de arcabuzaria e mosquetaria que
vitimou muitos, caindo uns mortos 25 e inúmeros outros feridos.
Muitos procuraram refúgio no adro da igreja da Senhora do Porto,
fugindo os demais por montes e vales 26. Mateus Álvares, ao dar-se
conta do sucedido, fugiu na companhia do seu veador e de um pagem.
No dia seguinte, 12 de Junho, seriam capturados pelo corregedor
Fonseca, na vila de Colares, mercê da denúncia de Baltazar de Sá,
cavaleiro, em cuja herdade haviam recebido provisões de boca 27. No
mesmo dia, entraram presos em Lisboa os três homens, cada qual
sobre seu burro, vestidos de saloios, sem chapéu na cabeça e de mãos
atadas atrás das costas. Um era muito jovem, outro muito ruivo e o
terceiro tinha a barba preta. Vinham dando no ruivo, dizendo: “ Vedes
aqui o vosso Rei D. Sebastião”. Conduziram-no ao Limoeiro,
acompanhado de muito povo, tão turbulento que se chegou a recear
um motim 28. Seguiu-se a instrução do processo. Mateus Álvares
confessou, sem necessidade de recurso a tormentos, que não era D.
Sebastião, nem pretendia sê-lo; que a sua intenção era entrar em
Lisboa, na noite de S. João, e depois de degolar e matar os que não
quisessem obedecer ao nome de D. Sebastião, iria a uma janela dizer
ao povo: “Vede-me aqui que não sou D. Sebastião, senão um homem
que veio para libertá-los da tirania de castelhanos, agora fazei Rei a
quem quizerdes” 29.

25 Como Pero Luiz do Arneiro e João Rodrigues da Cortesia, sepultados no adro da igreja
do Porto.
26 Herrera; Baião. Para Luís Torres de Lima in Avisos do Ceo, Sucessos de Portugal, 4ª

Ed.; t. 1, cap. XXXXIV, (ver Anexo VI) a ermida perto da qual se deu o recontro é a
mesma onde apareceu o ermitão. Em nenhum destes documentos é nomeada a ermida
de Nossa Senhora do Porto (Carvoeira), apenas se acha referida em Miguel D’Antas, Os
Falsos D. Sebastião; e Oliveira Lobo e Silva, Anais da Vila da Ericeira, p. 140, refere o
registo de óbitos de dois combatentes “com a nota de terem morrido junto à Igreja de
Nossa Senhora do Porto, em cujo adro foram sepultados”. Na Miscelânea Curiosa ... a
expressão “perto da dita Ermida da Ericeira” refere-se à de S. Julião, anteriormente
nomeada nesse documento.
27 Herrera.
28 Miscelânea Curiosa.
29 Herrera. Luís Torres de Lima refere 1583 como o ano em que entrariam em Lisboa.

77
Os falsos D. Sebastião – O rei da Ericeira
[ilustração de Manuel de Macedo, gravada por Alberto e publicada
no v. 4 da História de Portugal, Lisboa, 1877, de António Ennes]

78
A contrastar com tal versão, alguns relatos apresentam o “réu” a
confessar-se conluíado com o demónio, o qual lhe fizera fingir-se de D.
Sebastião 30. Mateus Álvares foi conduzido do Limoeiro ao pelourinho,
onde lhe cortaram a mão direita, que ficou exposta; dali foi a pé até à
forca, onde o enforcaram. Durante o percurso mandou a justiça que o
padecente delatasse a sua culpa, dizendo as palavras seguintes:
“Todos me perdoai pelo amor de Deus tanto escândalo como tenho
feito neste Reino e mortes que por minha causa se fizeram e se fazem.
Eu me chamo Mateus Álvares e sou pedreiro, natural da Ilha Terceira
e nela filho de Gaspar Álvares, também pedreiro. Estive naquela
ermida [S. Julião da Carvoeira] cinco anos e o Demónio me tentou e
chamou a este estado” 31. Foi decapitado, permanecendo a cabeça
pregada na forca durante um mês. Foi esquartejado e os quartos
ficaram expostos nas quatro portas da cidade. No dia seguinte,
enforcaram e esquartejaram os que tinham sido presos com ele: o que
servia como veador, com cerca de quarenta anos, e o seu pagem, que
contava entre dezoito e vinte anos. Pedro Afonso foi capturado, no
Bombarral e levado para Lisboa. “Vinha gritando e pedindo favor à
Virgem Nossa Senhora, alegando-lhe o haver feito a sua festa todos os
anos”. Consta de um relato da sua confissão que tinha determinado
descabeçar todos os fidalgos (Baião). No dia 22 do mesmo mês, foi
levado a arrastar, cortaram-lhe as mãos, depois foi enforcado,
esquartejado e os quartos expostos. Poucos dias mais tarde, trouxeram
de Setúbal o sargento-mor de Pedro Afonso que teve castigo idêntico
32. Os habitantes da Ericeira, receando suplícios semelhantes, fugiram

para longe. Não é possível apurar durante quanto tempo a vila esteve
submetida ao terror e à perseguição do zeloso corregedor do crime da
corte. Baião refere que ali foram enforcados vinte homens e muitos
lançados às galés (caso de Luís Gonçalves, ex-Procurador do
concelho). Foram também presos e castigados muitos que de Lisboa
favoreciam o rei fingido. Foi saqueado o lugar da Carvoeira com as
quintas e casais em redor, e dos culpados que foram presos, treze
foram lá enforcados e outros, condenados às galés 33. Muitos haviam
de ser perdoados, conforme se depreende das contas de receita e
despesa da Câmara da Ericeira, prestadas, em 10 de Fevereiro de 1586,

30 Herrera; Miscelânea Curiosa.


31 Miscelânea Curiosa ...
32 Idem.
33 Ibidem.

79
pelo Procurador do concelho, Baltasar Fernandes, perante o tabelião
Luís Mendes: “Disse que dera, por mandado do juiz, a um caminheiro
que trouxe o perdão dos alevantados por parte do Ermitão, trezentos
réis” 34. Com efeito, a 1 de Agosto de 1585, havia sido publicada uma
carta 35 pela qual Filipe II concedia um perdão geral a muita gente
rústica, “falsa e enganosamente” amotinada, dos termos da vila da
Ericeira. O mesmo documento nomeava os principais delinquentes e
autores das mortes, roubos e insultos e dos mais males e danos que se
seguiram à quietação e sossego público, os quais eram exceptuados
deste perdão por indignos dele 36. Em 1998, a Câmara Municipal de
Mafra teve patente na Casa de Cultura Jaime Lobo e Silva, na Ericeira,
uma exposição, no âmbito de um ciclo de iniciativas dedicadas a este
episódio patriótico.

Miguel Luís Arroja


Presidente da Junta de paróquia em 2 de Janeiro de 1890. Faleceu no
decurso do seu mandato, em 27 de Setembro do mesmo ano.

Pascoal José de Melo Freire


Padre que começou a paroquiar a freguesia da Carvoeira em 26 de
Agosto de 1895. Lavrador ou agricultor 1898-1903.

Paulo da Fonseca
Pároco natural da Carvoeira que sucedeu, em 1741, ao padre Ventura
da Fonseca, seu tio.

Paulo Ferreira
Tesoureiro da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da
Carvoeira, nos anos de 1870 e 1871. Juiz no ano de 1872.

34 Câmara da Ericeira: livro 69, fl. 86v


35 Carta do Perdão Geral concedido aos rústicos do termo de Cintra, in João da Silva
Marques, Sintra. Estudos Históricos - VI - O “Rei da Ericeira” e os seus partidários
(1585), in Jornal de Sintra (5 Set. 1937), com leitura revista e ortografia actualizada por
Manuel J. Gandra
36 Nos principios do século XVIII ainda havia na Ericeira, junto ao Largo do Oitão

(actual Largo Jaime Lobo e Silva), um Chão Salgado, do qual se dizia, naquele tempo,
que ali estivera construída uma casa que servira de residência a um Rei que fora preso, e
que aquele chão fora salgado para nunca mais ali se poder edificar. Cf. Jaime d’ Oliveira
Lobo e Silva, Anais da Vila da Ericeira, 1933, doc. 19

80
Pedro Afonso Matias Baleia (1949-1971)
Militar morto em Angola, imortalizado num memorial erguido por
iniciativa da Junta de Freguesia da Carvoeira.

Piumbina de Jesus Teodoro Marques


Professora do Ensino Primário, em 1947.

Rodrigo Gaspar
Juiz da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da
Carvoeira, no ano de 1909.

Rui Fernando Gaspar Machado


Presidente da Junta de Freguesia entre 1997 e 2001.

81
Sebastião Pereira
Mesário da Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da
Carvoeira, no ano de 1872. Tesoureiro nos anos de 1873 e 1874.

Ventura da Fonseca
Padre natural da Carvoeira, que fundou a ermida de Santo António
(1734) e nela se fez sepultar em 16 de Maio de 1741.

Zeferino Antunes Batalha


Presidente da Junta de Freguesia entre 10 de Janeiro de 1977 e
Janeiro de 1997.

82
GEOMORFOLOGIA e
BIODIVERSIDADE
A Carvoeira assenta num patamar topográfico correspondente a
uma plataforma de abrasão (marinha) de reduzida dimensão, situada
entre os 20 e os 30 metros de altitude e limitada a Oeste pelo Oceano
Atlântico e a Leste pelo Monte do Outeiro.
Inserido na Estremadura portuguesa, o território em apreço
integra a Bordadura Ocidental que remonta ao Mesozóico, Era
durante a qual se formou o Fosso Lusitaniano, orientado NNE-SSW,
no qual se depositaram sedimentos de natureza detrítica durante o
Mesocenozóico.
Toda a região en torno da Ericeira pode ser incluída na unidade
estrutural denominada sinclinal dissimétrico de Pêro Pinheiro. O
flanco Norte desta estrutura inclina-se ligeiramente para Sul, sendo
constituído por formações do Jurássico Superior e, a partir de Monte
Serves, pelo Cretácico Inferior sobre o qual assentam a Ericeira e
Mafra. O eixo da dobra é ocupado pelo Cretácico Superior.
Entre Ribeira de Ilhas, a Norte, e a Foz do Falcão, a Sul da
Ericeira, afloram várias formações atribuídas ao Cretácico Inferior e
Médio.
O litoral é formado por arribas altas e rochosas interrompidas
por pequenas praias, coincidindo estas, amiúde, com os troços
terminais de linhas de água de caudal variável, mas em regra
diminuto. Aí e nas baías que se abrem ao longo da linha de costa
acumulam-se, por vezes, grandes quantidades de areia.
A agitação marítima é considerável, constatando-se uma forte
corrente de Norte para Sul, resultado, quer da configuração da linha
de costa, quer dos ventos fortes que sopram.
A plataforma continental da área em estudo apresenta uma
estrutura diversificada e irregular. Entre o Cabo da Roca e o Canhão
da Nazaré a plataforma continental é extensa (cerca de 70 Km) e o seu
rebordo externo profundo (400m).
Entre as unidades tabulares localizadas ao Sul do Cabo
Carvoeiro e a Oeste do Cabo da Roca desenvolve-se uma bacia de
grandes dimensões, designada Mar da Ericeira, de forma circular que
se acha preenchida por sedimentos finos.

85
Carta geológica da região da Carvoeira (Rey, 1972)
1: Barremiano inferior (calcários e margas com Chofatellas); 2: Barremiano
superior (grés de Almargem inferiores); Bedouliano (estruturas com
Orbitolinas); 4: Gargasiano (grés de Almargem inferiores); 5: Cenomaniano;
6: Terciário e Quaternário antigo; 7: depósitos modernos

86
Panorâmicas do pesqueiro do Mar da Ericeira
(segundo Joaquim Gormicho Boavida)

87
O fundo da bacia inclina-se suavemente para Oeste entre os 100
e os 130 m e encontra-se limitada, a Oeste, por uma topografia
confusa originada no Mesozóico. A zona rochosa mais próxima do
litoral encontra-se coberta por uma praia submarina recortada por
uma rede de canais.
A plataforma externa (que se desenvolve entre os 120-130 m e o
talude continental) é caracterizada por um sistema de cristas e bacias.
O relevo de maiores dimensões situa-se próximo da latitude 39ºC e é
formado por uma depressão dissimétrica, orientada NW-SE, limitada
por uma falha que se prolonga pela plataforma numa extensão de
cerca de 20 Km.

As praias da freguesia da Carvoeira

88
O clima da região, dominada a Sul pela Serra de Sintra e a Leste
pela Serra de Montejunto, é condicionado pela situação de transição
entre uma área plana e outra com relevo mais irregular.
Caracteriza-se por Verões amenos, por vezes demasiado frescos
(média de Verão: 21ºC) e frequentes nevoeiros matinais (de advecção).
O Inverno não é rigoroso, (média de Inverno: 8ºC), mas
extremamente húmido, em virtude da geomorfologia do território.

Descripção dos portos maritimos do Reino de Portugal - João Teixeira


cosmógrafo-mor 1648 [SGL cartografia 14A-1, entre p. 4 e 5]
Neste mapa o Lisandro é denominado Carvoeira

O curso de água mais relevante da freguesia da Carvoeira é o


Rio Lisandro, também denominado Ribeira do Porto, Ribeira de
Cheleiros e Rio de Cheleiros.
A sua bacia hidrográfica abrange uma área de cerca de 187 km2
(apenas 93 km2 no concelho de Mafra), estendendo-se a sua principal
linha de água por 32 km (declive médio 0,5%, cota máxima 340 m).
Desagua na Foz do Falcão, a qual se encontra cheia de
depósitos de aluvião e em cuja margem direita foi detectado um

89
concheiro, cuja ocupação foi estimada entre, aproximadamente, 0 9º e
7º milénios a. C.
O Lisandro tem como principais afluentes:

Na margem direita: Ribeira da Laje; Ribeira da Mata / Ribeira


da Mata Grande; Regueiro da Serra; Rio Pequeno / Ribeira do Coxo /
Ribeira da Borracheira / Ribeira do Boco / Ribeira de Muchalforro;
Ribeiro da Vidigueira / Ribeiro do Brejo / Ribeiro da Atravessada.

Na margem esquerda: Ribeira da Carrasqueira; Ribeira de Vale


Figueira; Ribeira de Mourão; Ribeira da Cabrela, Ribeira de Cheleiros.

*
* *

O vale da Carvoeira, onde corre o Lisandro, é uma das mais


vastas áreas do concelho dedicadas à horticultura. No entanto, o
aproveitamento das margens das linhas de água é uma constante, em
vista da possibilidade de rega.
As culturas mais vulgares na região eram, em 1982: couve
(diferentes variedades), nabo, feijão (178 ton.), fava (240 ton.),
ervilha, grão-bico (65 ton.), abóbora, tomate, pimento, hortelã, cebola,
alho, batata (3479,3 ton.), etc.

90
Fauna referenciada:

BORDALO (Squalus Cephalus, L.)


Também escalo ou escalho, robalinho, pica, ruivaco ou ruivaca.
Pequeno peixe que se pescava no Rio de Cheleiros e na Ribeira de
Nossa Senhora do Porto (Carvoeira), o qual os habitantes circundantes
confeccionavam para as consoadas da Quaresma (Memórias
Paroquiais, 1758).

CORVEIA
Espécie de peixe pescado na Ribeira de Nossa Senhora do Porto
(Carvoeira), de acordo com as Memórias Paroquiais de 1758.

FATAÇA (Mugil cephalus)


Nome vulgar de uma espécie de peixe, tb. conhecida por taínha. É
referido nas Memórias Paroquiais, de 1758 (v. 11, p. 2123-2126), onde
se afirma que, então, se pescava (por vezes, pesca-se ainda) na Ribeira
de Nossa Senhora do Porto (Carvoeira).

TAÍNHA
Peixe pertencente à família dos Mugilidae. Segundo as Memórias
Paroquiais de 1758, pescava-se na Ribeira de Nossa Senhora do Porto
(Carvoeira), curso de água onde ainda, apesar da poluição, continua a
ser capturada a espécie fataça (Mugil cephalus) que atinge cerca de 60
cm, distinguindo-se pelos seus olhos enormes e espessas pálpebras
adiposas. É um peixe detritivo que se alimenta essencialmente de lodo
que contenha, além da vasa, detritos orgânicos, pequenos
invertebrados e algas. Acode frequentemente à babugem das águas,
acabando por ingerir hidrocarbonetos que lhe conferem um
desagradável gosto a óleo. Na época da postura, desloca-se do rio para
o oceano onde os seus ovos eclodem e se começam a desenvolver os
jovens, os quais só mais tarde regressam aos estuários onde viverão a
sua vida adulta.

LONTRA
Mamífero carnívoro (Lutra lutra L.), outrora referenciado na Ribeira
de Cheleiros (Lisandro).

91
AVES DE RAPINA 37
As mais comuns, entre Julho e Agosto (após nidificação), na
Carvoeira, Baleia, bem assim como ao longo do Lisandro:

falcão peregrino, peneireiro, peneireiro-cinzento, águia-de-asa-


redonda, gavião, açor, coruja do mato e mocho galego.

PASSERIFORMES e OUTRAS AVES 38


Avistáveis preferencialmente, de Setembro a início de Janeiro e de
Abril a Agosto, pela manhã, na Carvoeira, Baleia, bem assim como ao
longo do Lisandro:

poupa, tordoveia, toutinegra de barrete, toutinegra dos valados,


andorinhão-preto, andorinha das chaminés, rabirruivo, guarda-rios,
cartaxo, cartaxo dos beirais, cartaxo azul, pisco de peito ruivo,
rouxinol bravo, melro, felosinha, cotovia de poupa, chasco-cinzento,
petinha ribeirinha, petinha dos prados, bico de lacre, alvéola cinzenta,
alvéola branca, alvéola amarela, rola-turca, fuinha dos juncos, perdiz,
carriça, papa-moscas cinzento, papa-moscas preto, chapim-carvoeiro,
chapim azul, chapim-rabilongo, gralha preta, trepadeira azul,
trepadeira-comum, picanço-real, pardal, pardal montês, pintarroxo,
verdilhão.

37 Cf. D’Almeida Simões, Jardim Natural das Aves: registo de campo e observação de
aves no concelho de Mafra, 2008 [www.cm-mafra.pt/files/Turismo/Aves/intro.htm].
38 Idem.

92
Espécies botânicas mais relevantes:

ORQUÍDEA (Limodorum abortivum, Sw.)


Colhi em Estácio da Veiga (Orquídeas de Portugal) a seguinte nota: “É
esta orquídea, citada por Link na Aldeia dos Mouros (In Scrad. Diar.
1799, II, 322) e por Brotero (Fl. Lus., I, p. 22) na mesma localidade.
Pelo Dr. Welwitsch, segundo refere o autor da Fl. Germ., v. XIII, p.
185, foi observada "In Transtaganae pinetis umbrosis (ast etiam in
ericetis arenosis aridissimis) prope Calhariz sparsim". Em Maio

93
coligiu este botânico os exemplares, que sob num. 954 figuram no
herbário da Academia Real das Ciências, pasta X. Em Abril de 1866
vimos pela primeira vez esta raríssima planta na Serra de Monchique
num souto de velhos castanheiros, e em Mafra, igualmente rara, só no
sítio de Almada, e no da Senhora do Porto, não longe da ribeira, a
temos visto florescida em Maio e Junho. É muito difícil propagá-la nos
jardins. O seu rizoma parece pois repelir a transplantação; e é o que
geralmente acontece com as Cephalantheras.

ARMERIA PSEUDOARMERIA
Nome científico de uma planta endémica nas falésias costeiras da
região litoral entre o Cabo da Roca e as Berlengas. É vulgar nas arribas
das Praias da Calada e dos Coxos.

94
ARQUEOLOGIA
CAR.001.
ERICEIRA A
Folha 402; 88-89/219-220
Praia quaternária do Tirreniano (Mindel-Riss, 25 m-45 m), Tirreniano
I ou do Pré-Boreal (ZILHÃO, 1987), situada entre a foz do Falcão (S.
Julião) e a do Lizandro. Explorada pelo Padre Breuil. As peças de
feição mais arcaica aqui recolhidas são contemporâneas do Mindel-
Riss. Espólio do Acheulense superior e Tayaco-mustierense;
Acheulense final e Tayaco-mustierense; Mustierense e Languedocense
de estilo lusitaniano. Inclui igualmente seixos elipsoidais
apresentando forte índice de rolamento e patina eólica (apenas nos
mais antigos), do tipo dos encontrados na cultura pebble marroquina.
Breuil aproxima os artefactos colhidos dos do terraço de Vila Nova da
Rainha (junto ao Tejo).

97
Espólio: M. Serviços Geológicos de Portugal: armário lateral 47
(recolhas de Breuil, Zbyszewski e Vaultier, em Junho 1942);
MMunicipal de Torres Vedras: raspador direito-convexo (c: 55 mm; l:
68 mm; e: 43 mm), em sílex, talvez mustierense (inv. CARV-2), núcleo
mustierense sobre calhau rolado (c: 48 mm, l: 41 mm, e: 21 mm), em
quartzo (inv. CARV-3) e calhau truncado (c: 72 mm, l: 68 mm, e: 43
mm), em quartzito (inv. CARV-1); MMunicipal de Mafra: chopper, em
calcário (inv. 2704: doação Arq. Pedro Fialho), sílex (inv. 5935) e
calcite (inv. 5934); José Medeiros.

CAR.002.
CARVOEIRA
Folha 388; 90-91/20-21
Em 1965 foi aqui achada uma moeda (Asse nº 538 / Sear) do
Imperador Cláudio (41-54 d.C.), Anv: Cabeça de Cláudio, à esquerda e
a legenda TI. CLAVDIVS CAESAR AVG.P.M.TR.P.IMP.; Rev:
LIBERTAS AVGVSTA S.C.

CAR.003.
SÃO JULIÃO (Ribeira do Falcão)
Folha 402; 88-89/219-220
A
Durante a abertura das fundações para o edifício da Colónia Balnear
Dr. Mário Madeira foram exumados diversos fragmentos cerâmicos
pertencentes a um recipiente neolítico, posteriormente parcialmente
reconstituído, o qual apresenta duas asas para suspensão e outros
tantos mamilos, assim como decoração incisa.
Apresenta semelhanças com dois outros exemplares provenientes da
Lapa do Fumo (Sesimbra) e da Gruta da Furninha (Peniche).
Espólio: Museu Municipal de Mafra: entregue pelo então Presidente
da CMM em exercício, Senhor Vale de Morais, a José Medeiros, na sua
qualidade de membro da Comissão instaladora do Centro de Estudos
Históricos e Etnográficos Professor Raúl de Almeida, acompanhado
de ofício, onde é abusivamente classificado como "vaso de barro da
época quaternária" (inv. 2690).

98
Recipiente neolítico

99
B
José Morais Arnaud detectou (1986) e escavou parcialmente (1986 e
Novembro-Dezembro 1987) dois concheiros 39 na margem direita da
Ribeira do Falcão.

Os trabalhos caracterizaram-se pela escassez das estruturas


exumadas e dos artefactos recolhidos (algumas lamelas e núcleos de
lamela de sílex e quartzo). O ICEN-LNETI obteve uma datação
provisória pelo radiocarbono de 7800-7600 BP para o primeira jazida
e de cerca de 8100 BP para a segunda, dados que legitimam, segundo
ARNAUD / PEREIRA, 1994, a sua atribuição ao período Boreal ou
Holocénico, podendo, portanto, ser consideradas posteriores ao
Concheiro do Magoito. O local onde se situavam foi, entretanto,
sujeito a obras de terraplanagem, supondo-se em definitivo
prejudicada qualquer futura pesquisa 40.

39 Abundante depósito de conchas de moluscos, interpretadas ora como restos de


alimentação humana, ora como elementos votivos, ou ambos. Conjuntamente, surgem
ossos de animais (indiciando a provável domesticação de algumas espécies), vestígios de
lareiras, micrólitos, raspadeiras, etc. Em Portugal, além de alguns concheiros já da
época neolítica, são conhecidos vários do período mesolítico, sendo os mais famosos os
de Cabeço da Amoreira, Moita do Sebastião e Cabeço da Arruda (Muge).
40 Mesolítico, do grego mesos, no meio, e lithos, pedra. Época de transição entre os

modos de subsistência e as tecnologias do Paleolítico e do Neolítico, caracterizado pelo


surgimento de clima temperado, pelo desaparecimento do mamute e recuo da rena para
os pólos, no período pós glaciário, por tentativas de sedentarização (litoral, rios, lagos) e
por uma utensilagem de micrólitos. Na Europa Ocidental detectaram-se as 'culturas
mesolíticas' Azilense, Sauveterrense e Tardenoisense, ainda muito semelhantes às do
Paleolítico, razão por que são, hoje em dia, consideradas pertencentes ao Epipaleolítico.

100
Numa área adjacente encontravam-se identificados alguns
outros arqueosítios congéneres, perfeitamente preservados, os quais
haviam de ser explorados em duas campanhas empreendidas em 1999
e 2001, respectivamente, pelo Gabinete de Arqueologia da Câmara
Municipal de Mafra.
Espólio: Desconhece-se o destino dos artefactos exumados.

Concomitantemente, sobretudo no Próximo Oriente, assiste-se já à avançada


domesticação de animais e ao desenvolvimento de uma proto-agricultura. No que
concerne ao Mesolítico inicial, com maior propriedade designado Epipaleolítico, os
únicos trabalhos, que até à data o detectaram no aro do Concelho de Mafra, ficaram a
dever-se ao arqueólogo José Morais Arnaud, nos Concheiros da Foz do Falcão
(Carvoeira).

101
Localizações dos sítios epipaleolíticos e mesolíticos do actual território
português. O n.º 33 assinala o concheiro de São Julião.

102
Localização dos três núcleos (A, B e C) do Concheiro de S. Julião,
Arqueosítio conservado em duas gerações de dunas com cronologias
desde o 9º até ao 7º milénio a. C.

103
104
C
No período romano o local seria servido por um ramal da estrada
proveniente de Cornadelas, prosseguindo ao longo da costa com
destino à foz da Ribeira de Cheleiros, segundo Mário Saa, 1967, p. 12,
então utilizado como porto natural (passagem pela vau).

CAR.004.
SENHORA DO Ó
Folha 388; 90-91/21
A
Diversos vestígios romanos não especificados. O local tem sido
descrito, resta apurar com que legitimidade, como grande centro
comercial no século II da era Cristã. A ponte de cantaria sobre a
Ribeira do Lisandro (EM 549, Mafra-Carvoeira) supõe-se medieval
(IVC).

Postal (c. 1900)

Presume-se que de S. Miguel de Odrinhas partisse um ramal da


estrada de Lisboa a Torres Vedras, na direcção de Assafora,

105
prosseguindo para este local. SAA considera a foz da Ribeira de
Cheleiros, então navegável, um porto de abrigo na época romana. As
obras de edificação dos acessos à ETAR da Foz do Lisandro (2013)
revelaram estruturas romanas, eventualmente associadas à travessia
da ribeira pela vau.

Ponte de cantaria medieval (IVC)


Nossa Senhora do Porto, ou do Ó - EM 549
Foto DGEM

106
TRADIÇÕES
A MOURA ENCANTADA 41

Ao cair do Sol, passava um trabalhador rural por uma das


Grutas, das muitas existentes ao longo do caminho do Paúl à
Carvoeira, que segundo a tradição pertenceram aos mouros, quando
deparou com uma linda rapariga a pentear-se. Entrou em conversa
com ela e a certa altura pediu-lhe um beijo. Ela respondeu-lhe que lhe
satisfaria o pedido, mas só no dia seguinte, se ele por ali passasse à
mesma hora. O homem, todo contente, prontificou-se a fazê-lo.
No dia seguinte, quando, conforme o combinado, se
encaminhava para a entrada da Gruta, deparou com uma enorme
serpente que falava e lhe pediu o beijo prometido na véspera. Ele,
repugnado, afastou-a, negando-lhe o beijo.
A cobra, então, disse-lhe :
- Dobraste o meu encanto, por isso pouco tempo terás de vida.
Assim, ao fim de alguns dias, o homem começou a definhar,
acabando por morrer sem que alguém soubesse a causa da moléstia.

LENDA DE SÂO JULIÃO 42

Era uma vez um senhor que andava a passear nas rochas, junto
ao mar. De repente, deu-se um tremor de terra, abrindo-se a terra a
seus pés. O senhor na aflição disse:
- Valha-me São Julião!
Ao dizer aquilo, o cajado que segurava nas mãos, atravessou-se

41 Recolha de Maria Laura Costa, natural da Arrebenta. Funcionária da Biblioteca


Municipal de Mafra
42 Recolhida em São Julião, Freguesia da Carvoeira, Mafra, em Novembro de 1999, por

Sara Alexandra da Costa Curto, aluna da Escola EB 2,3 de Mafra, 9.º ano, turma D, no
âmbito da disciplina de Língua Portuguesa. Teve como informante Teresa G. Curto,
doméstica, de 51 anos.

109
entre as duas paredes das rochas, tendo-lhe dado a oportunidade de se
segurar e de se salvar.
Assim, o local ficou a ser conhecido pelo nome de São Julião.

FUNERAL

Após a chegada do padre e do sacristão e depois da


encomendação 43, formava-se um cortejo em procissão. O caixão e o
povo eram precedidos por homens envergando capas encarnadas
(normalmente membros de uma irmandade), os quais transportavam
a cruz e os cereais 44.
Conta-se na Vila de Mafra, à laia de anedota, que um
determinado padre da freguesia, agarrado ao dinheiro, no intervalo
das orações que ia proferindo a caminho do cemitério comentava para
o sacristão: Depressa, depressa que este não tem Essa, ou Devagar,
devagar porque este pode pagar.
Antes de sair o funeral era costume oferecer comida e bebida
aos homens, principalmente os que transportariam o caixão e as
insígnias. Esta refeição constava geralmente de pão com chouriço ou
bacalhau cru e vinho. Na Póvoa (Mafra) e arredores, os familiares do
defunto, pagando a posteriori, encomendavam guisado numa taberna,
onde os homens iam comer e beber. De forma semelhante procediam
os habitantes da Igreja Nova, os quais ofereciam queijo fresco, um
quarto de pão e meio litro de vinho, servidos em duas tabernas,
metade em cada uma das existentes para ajudarem ambas.
As crianças eram enterradas em caixões pequenos forrados a
pano branco, azul ou cor-de-rosa. Porém, tempos houve mais
recuados, em que os anjinhos 45 eram transportados das aldeias para o
cemitério de Mafra em tabuleiros, à cabeça de mulheres, tapados com
toalhas de rosto, geralmente em linho, e por vezes com o rosto
destapado. Regra geral, quando os funerais passavam por uma igreja
entravam, procedendo-se a nova encomendação. Se passassem junto a

43 Encomendar o corpo (ainda hoje se diz) é fazer as orações e rituais específicos com
vista ao descanso eterno.
44 Cereal tem o mesmo significado de cirial, ou seja, cada uma das lanternas fixas num

pau, à direita e à esquerda da cruz nas procissões.


45 Chamavam-se anjinhos aos defuntos bébés.

110
um cruzeiro faziam uma paragem, o que ocorre ainda hoje na
Carvoeira. Ao chegar ao cemitério tinham lugar novas orações e novos
rituais. Quando o caixão descia à terra toda a gente lhe atirava três
mãos cheias de terra, dizendo: A terra te seja leve.

CARGO
Ex-voto de transportar à cabeça, típico das romarias e círios
estremenhos. Constituído por armação em madeira, com quatro ou

111
cinco níveis, destinados a colocar as oferendas em géneros: fogaças,
bolos, frutos, especialidades da região, bem como produtos agrícolas,
os quais, após o termo da missa (com novena cantada), era costume
serem leiloados. O produto do leilão revertia a favor da Igreja.
Frequentemente, os arrematantes dos cargos faziam promessa de os
apresentarem no ano seguinte.

112
PATRIMÓNIO EDIFICADO
IGREJA DE NOSSA SENHORA DO Ó DO PORTO
(IVC, DR, 1ª série, n. 145, de 25/6/1984, dec. n. 29/84)

Templo medieval (eventualmente paleocristão) edificado na


margem direita do Lisandro, junto à ponte medieva, erguida nas
imediações do mítico porto que, consta, ali existiu, o qual creio,
atendendo à nomenclatura consagrada, mais não seria que uma
travessia pela vau.
Também considero lendário o topónimo Carvoeira,
alegadamente derivado do fabrico de carvão, suposta ocupação
preferencial dos habitantes da região, da qual se não detectou, até à
data, o menor vestígio.

Postal da Casa Comercial Ângelo Augusto do Carmo (Ericeira)

115
Postal fotográfico de António Passaporte (década de 1950)

Julgo a origem do referido topónimo (Carbonaria) mais


consentânea com a reminiscência de cultos arcaicos pré-cristãos
(testemunhados pelo nome Lisandro, por exemplo) e paleo-cristãos
(milenarismo), o que o orago Senhora do Ó e a dependência cultual (e
também fluvial) de Cheleiros deixa entrever 46.
O título desta invocação mariana tem sido justificado ora pelas
antífonas que a Igreja recita nos oito dias que precedem o Natal e que
começam pela letra O: O Sapiente, O Adonai, O Radix Jesse, O Calvis
David, O Oriens, O Rex Gentium, O Emmanuel; ora pela forma ovóide

46Em Cheleiros existiu uma comunidade paleocristã (ano 575 da era Cristã), decerto
considerável a aquilatar pela lápide que subsiste adossada à matriz (CIL II, 5228), a
qual ostenta a seguinte inscrição, em seis linhas dentro de uma moldura elipsoidal:
LETORIVS / ET EPIFANIVS / REQVIT IN PACE / VIXIT VNVS ANNOS / [...] ERA
DLXXV.

116
do ventre da Senhora; ora pelo facto da letra O simbolizar a eternidade
de Deus 47.
Representada com o ventre entumescido, sobre o qual,
geralmente, coloca uma das mãos, a iconografia da Senhora do Ó
inspira-se na da Virgem apocalíptica ou pré-existente: a mulher que
há-de parir, descrita no Apocalipse.
A história documentada da igreja de Santa Maria Carvoeira
apenas teve início em meados do século XVI, a partir do momento em
que foi elevada a matriz, no ano de 1570.
Só em 22 de Outubro de 1760, deixaria, definitivamente, de ser
sufragânea da paroquial de Cheleiros, terminando a obrigação de uma
pessoa de cada família (por fogo) se dirigir àquela igreja de Nossa
Senhora do Reclamador, três vezes ao ano, a saber:

Foto Junta de Freguesia da Carvoeira

47O Concílio de Toledo, do ano de 656, ordenou a celebração de uma festa em sua honra
em toda a Espanha, a 18 de Dezembro. Santo Idelfonso deu-lhe o nome da Senhora da
Expectação. O Papa Gregório XIII (1572-1585) aprovou-a.

117
pela Nossa Senhora das Candeias (3 de Fevereiro);
pelo Corpus Christi (festa móvel que cai na 5ª feira seguinte ao
domingo da Santíssima Trindade);
pela Nossa Senhora da Luz (Natividade de Nossa Senhora,
celebrada a 8 de Setembro).

O edifício actual será o resultado das sucessivas reformas de que


foi objecto durante quinhentos, seiscentos, setecentos e até oitocentos
48, muitas delas, decerto, em consequência das cíclicas cheias que a

atingiram e ditaram a construção do alto muro que a rodeia,


protegendo-a e ao seu adro, que serviu de cemitério, desde 1585 até
1833.

Foto Junta de Freguesia da Carvoeira

48 Obras realizadas no ano de 1878: manufactura da porta da igreja, vidraça da janela


do coro, conserto do soalho. Destinada às ditas obras, a Junta de Paróquia adquiriu
uma viga de casquinha.

118
De resto, à semelhança do piso da nave, o qual esteve repleto de
sepulturas com cobertura em madeira, até ao restauro realizado na
década de 1940. Nessa época, alguns dos pedreiros assinaram os seus
nomes no cimento (J. R. = José Ruivo). Actualmente, as poucas
sepulturas que se observam estão cobertas com cimento ou tijoleira.
Antecedida por galilé, suportada por colunata tardo-maneirista,
a igreja da Senhora do Porto tem nave única e três altares dedicados a
S. Sebastião (na nave, do lado do Evangelho), a S. Mamede (na nave,

119
do lado da Epístola) e a Nossa Senhora da Expectação do Porto (altar-
mor) 49.
Todas essas imagens, bem assim como as de Santa Ana, Santa
Catarina, Santo Antão, São Roque e de Nossa Senhora da Piedade
foram furtadas na década de 1990.

A arquitrave do pórtico principal ostenta a data 1830. A estrela, ao


centro, reporta-se a uma das litanias da Virgem (Stella Maris = Estrela do
Mar), presente na heráldica moderna da freguesia.

Juntamente com elas outras alfaias e recheio deste templo terão


tido o mesmo destino no decorrer dos anos, como é legítimo inferir do
cotejo com os seguintes inventários constantes dos livros de Actas da
Junta de Paróquia:

49Como é possível inferir dos informes consignados nos Livros de Actas da Junta de
Paróquia, terá havido duas imagens da padroeira, a “primitiva”, pequena, e outra mais
recente, que se presume maior. Também aquela desapareceu. Pretendem alguns que tal
imagem “primitiva”, em madeira policroma e de cunho popular, corresponda àquela que
ora se cultua na capela do Arquitecto. Nada obsta, sem embargo de não apresentar
nenhuma das características iconográficas que permitam legitimar tal suposição. Cf.
Manuel J. Gandra, Epifanias da Virgem no Concelho de Mafra, in O Eterno Feminino
no aro de Mafra, Mafra, 1994, p. 53.

120
Altar de São Sebastião, vendo-se as imagens de S. Roque (esq.)
e de Santa Ana (dir.)

121
Altar de São Mamede, vendo-se as imagens de Santo Antão (esq.)
e de Santa Catarina (dir.)

122
Inventário das alfaias entregues ao tesoureiro, Francisco Máximo da
Silva (Acta da Sessão da Junta de Paróquia de 5 de Dezembro de 1875
[JFCarvoeira]):

Custódia de prata dourada com seus pertences


Cálice de prata dourada com patena e colher
Par de galhetas de prata
Cordão de ouro
Duas coroas de prata: uma de Nossa Senhora e uma do Menino
Manto de seda branco com espreguilha em ouro de Nossa Senhora
Cofre de madeira do Brasil com escrituras da igreja

Objectos em casa do pároco, António José Gomes:

Dois cálices de prata


Dois vasos dourados de prata, sendo um da igreja do Porto e outro de
Santo António
Concha de prata de baptizar
Âmbulas de prata dos Santos Óleos
Relicário de prata com caixa de marroquim encourada
Terno de paramentos com duas cores, encarnado e branco
Duas alvas em bom uso e seus pertences
Pálio em bom uso
Três toalhas novas dos altares
Missal das Festas
Véu de ombros
Bolso dos Corporais com duas cores, branco e encarnado
Dois véus das mesmas cores
Caixão com estes paramentos e outros objectos a saber: frontal de
damasco de requife e pavilhão do mesmo, quatro alvas de serviço,
meia dúzia de toalhas de serviço, subpeliz velho, duas casulas e duas
dalmáticas inutilizadas, assim como outros objectos que não merecem
menção.

123
Alfaias entregues na reunião de 2 de Novembro de 1884:

Colar de ouro e cruz pegada pertencente a Nossa Senhora do Ó, para


por ao pescoço da imagem nos dias de festa (comprado no ano
anterior com o produto das esmolas)
Missal impresso em Ratisbona (1884), na posse do pároco

Alfaia entregue na reunião de 7 de Fevereiro 1886:

Coroa de prata da imagem pequena de Nossa Senhora do Ó, que “é a


primitiva do orago” da freguesia, para a dita imagem “ter na cabeça
nos dias de festa”

Alfaias adquiridas à custa da Junta de Paróquia no ano de 1889:

Dois frontais de requife de cor mista (encarnado e branco) para os


altares laterais da igreja do Porto (estreados na festa de S. Sebastião, a
3 de Fevereiro)
Duas grades de madeira para “pendurar as figuras ou milagres de cera,
numa os de Nossa Senhora do Ó e na outra os de S. Mamede
Cruz de pedra para o cimo da igreja paroquial (N. Sra do Ó), assentada
em 7 de Setembro
Quatro capas novas brancas para serviço dos festeiros de Nossa Sra do
Ó

Descrição dos objectos encerrados num cofre de 3 fechaduras,


presente à reunião da Junta de Paróquia de 3 de Janeiro de 1909:

Livro de inventário
Livro de tombo
Livro de contas
Três Livros de Actas da Junta de Paróquia
Dois maços grandes de papéis antigos
Dois maços de escrituras
Macinho de escrituras antigas da Junta de Paróquia e Irmandade do
Santíssimo Sacramento

124
Pasta com recibos e impressos da Junta de Paróquia
Carimbo em branco
Livrinho de contas de São Sebastião
Maço de talões
Três Livros encadernados do Manual da Junta de Paróquia
Três chaves do cofre de Nossa Senhora do Ó
Cofre dos Socorros a Náufragos
Lata contendo inscrições
Um conto, número 38533
Quatro de cem mil reis, com os números 16480, 87460, 89647 e
110171
Dois certrificados de 50 mil reis com os números 8958 e 12498
Em dinheiro a quantia saldo de 16890

Cofre das Almas, vandalizado

125
Após o Concílio de Trento, muitas Senhoras do Ó foram retiradas dos altares
ou sofreram grandes transformações por não corresponderem às exigências
impostas pelas directivas da Contra-Reforma, quanto ao decoro das imagens e
ornamento dos objectos de culto. Não foi o caso de, pelo menos, uma das
imagens (a de maior dimensão) que se cultuava na Carvoeira, aqui visível no
nicho do lado da Epístola do retábulo do altar-mor (direita).

126
O templo despojado dos seus pertences

127
Relógio de Sol de mostrador vertical (meridional)

Os modelos verticais subdividem-se em duas categorias: meridionais e


declinantes. Um quadrante solar vertical meridional exige uma superfície não
só rigorosamente vertical, mas também rigorosamente perpendicular à
meridiana do lugar, isto é, segundo o eixo L-O. O traçado do quadrante é
idêntico ao horizontal mas, em vez de se considerar a latitude do lugar para a
construção da figura, considera-se o ângulo complementar. Por exemplo, para
um lugar de latitude 39º considera-se o ângulo 51º. Neste tipo de quadrante,
as XII horas encontram-se na parte inferior do mostrador. O Relógio de Sol da
igreja de Sra. do Ó, cúbico, ostenta gravado o ano de 1763.

128
CEMITÉRIO

Foi fundado em 1833, poucos metros a poente da igreja


paroquial de Nossa Senhora do Ó, proprietária dos terrenos
administrados pela respectiva Junta de Paróquia.
Em 1836 já era tutelado pela Câmara Municipal da Ericeira.
Num inquérito de 1881, afirma-se que o cemitério é publico
[AHMM].
No portão observam-se as iniciais J[unta] F[reguesia]
C[arvoeira] e a data 1956.

Duas sepulturas do cemitério da Carvoeira, ostentando símbolos profissionais.

129
CAPELA DE SANTO ANTÓNIO
(IVC)

Postal M. & R. (Lisboa)

Sita no cruzamento da EN 247 (Sintra-Ericeira) com a EM 549


(Mafra-Carvoeira).
Foi fundada em 1734 pelo padre Ventura da Fonseca que nela se
fez sepultar, em 16 de Maio de 1741, e cujas ossadas foram exumadas
quando da substituição do piso de soalho pela tijoleira actual (década
de 1990).
A sua centralidade conferiu-lhe uma importância crescente,
quase a transformando em paroquial.
Torre sineira adossada à fachada Norte.
Possui uma imagem de Santo António, com o menino e a cruz
(madeira policromada, 96 cm, séc. XVIII). A capela da sua invocação
foi sede de uma confraria que teve o taumaturgo por padroeiro e cuja
contabilidade (de 1843 a 1854) se acha documentada no AHMM.

130
Na arquitrave da porta principal da ermida de Santo António
acha-se gravado o ano da sua fundação, 1734.

Na fachada, um registo de azulejos com a imagem de Santo


António.

131
Obras de conservação da ermida de Santo António importaram
em: 14$90 réis (1914) e 14$90 réis (1915).
Nestas datas a ermida achava-se sob a administração da
Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia da Carvoeira.

Durante um restauro realizado na década de 1990, foram postas a


descoberto significativas parcelas da pintura original do
retábulo em talha da capela-mor.

132
O Cofre das Almas, “feito à custa da Irmandade do Santíssimo Sacramento
desta Freguesia em 1894”, encastrado no muro do adro.

133
Na esquina Sudoeste da capela, um relógio de sol (de mostrador
vertical), datado de 1764.

134
CAPELA DE SÃO JULIÃO
(IIP, DG, 1ª série, n. 265, de 6/12/1958, dec. n. 42007)

Em equilibrio instável, nas arribas da praia homónima (entre a


Foz do Rio de Cheleiros e a da Ribeira do Falcão), exactamente sobre
uma falha geológica que havia de protagonizar o “milagre” ocorrido
com um gaiteiro de Assafora, acompanhante do Círio da Água-pé,
caído naquele fojo, ou boca do Inferno, e dele extraído incólume.
A edificação anda atribuída ao século XVI, sem embargo de a
devoção a São Gião poder ser anterior no local.
O Santoral festeja S. Julião de Antioquia a 16 de Março, porém,
localmente (Carvoeira), a tradição manda celebrá-lo no dia 9 de
Janeiro, efeméride reservada a S. Julião Hospitaleiro (séc. IV), natural
e mártir (em Antínoo) do Egipto, cuja divindade tutelar, Isis, é, por
sinal, figurada num dos magníficos (apesar de maltratados pelo salitre
e pelo homem) painéis azulejares da capela, consagrados às proezas
hagiográficas do casal Julião-Basiliza, martirizado nos inícios do
século IV, durante as perseguições de Diocleciano.

135
Confusão, ou sincretismo, decerto intencional, conforme se
infere de uma obra contemporânea dedicada a D. Maria I pelo seu
autor, Joaquim da Nóbrega Cão e Aboim 50.
O templo primitivo, sufragâneo da paroquial de Cheleiros 51,
seria diminuto, porventura ocupando uma área pouco maior do que a
actual sacristia, forrada com azulejos seiscentistas alusivos à vida de
Cristo.

50 Intitulada Vida de S. Julião, esposo de Santa Baziliza virgens, e martyres de Antioquia


[…] com huma Dissertação previa sobre a pluralidade dos Santos do mesmo nome […],
Lisboa, Régia Oficina Tipográfica, 1790 [BN: R 27507 P].
51 Persistiu tal situação mesmo quando em 22 de Outubro de 1760, a igreja de Nossa

Senhora do Porto se desvinculou dessa antiga matriz.

136
Planta actual da capela de São Julião

137
Durante a segunda metade do século XVIII, o seu plano terá
registado significativas remodelações, coincidentes com o
revestimento das paredes da nave e capela-mor com painéis azulejares
iconografando a vida e martírio dos padroeiros.
De entre os fastos que a notabilizaram sobressai um episódio
patriótico: Mateus Álvares, denominado Rei da Ericeira, resistiu à
ocupação filipina fazendo-se passar por D. Sebastião.
Porventura reminiscentes dele serão o Círio da Água-pé,
oriundo dos exactos recantos que deram voz pelo “rei fingido”, e o
Caminho das Almas, destinado a sufragar os inúmeros patriotas que
tombaram em defesa do seu nome.

Relógio de Sol da igreja de S. Julião 1754 (cúbico)

138
139
140
A capela de São Julião configura um finisterrae no exacto
enfiamento do prolongamento do eixo da Basílica do Palácio Nacional
de Mafra. De facto, prolongando para poente (pela R. Serpa Pinto), o
eixo do Tridente desenhado pelas três artérias que se abrem defronte
do Real Edifício de Mafra, até este atingir o litoral, a linha resultante
une a Real Obra à ermida de São Julião e da sua consorte, Santa
Basiliza (Carvoeira), virgens e mártires de Antioquia, justamente a
cidade da actual Síria, onde os discípulos de Jesus adoptaram o nome
de cristãos (Actos, XI, 26) e onde a Igreja de Pedro instituiu a sua
primeira sede.
Nesse templo, autêntica antecâmara da Nova e Celeste
Jerusalém mafrense, porquanto os seus patronos corporizam,
conforme as iniciais dos seus nomes atestam, as colunas Jakin e Boaz,
acha-se a demonstração definitiva da cubatura do Monumento de
Mafra.
Com efeito, sob a galilé de São Julião abriga-se a Pedra de
Mistério 52, na realidade a planificação da Pedra Cúbica, cujos
quadrados mágicos já transformados em pentáculos, são o corolário
da mestria de Manuel Teixeira, ilustre cabalista 53, porventura
familiarizado com o acervo da Biblioteca do Palácio Nacional, onde os
investigadores encontrarão quanto necessitam para refazer o percurso
filosófico que proponho 54.

52 Cf. Gabriel Pereira, Pelos Subúrbios e Vizinhanças de Lisboa, 1910, p. 188.


53 Exímio cultor da Guematria (cálculo do valor numérico das letras e das palavras), da
Temura (permutação de letras e de palavras) e do Notarikon, escrita abreviada (de
Notarius), a qual assume duas formas principais: 1. cada letra é considerada abreviatura
de uma palavra; 2. as letras iniciais, as médias ou as finais de uma palavra são
deslocadas de modo a formarem outra ou várias palavras.
54 Nomeadamente, um par de edições proibidas do De Occulta Philosophia de Agrippa

[BPNM: 2-51-13-1 (s. l., 1535); 2-51-4-3/4 (Haia, 1727, 2 vols.)], além dos quatro
volumes raríssimos, e igualmente proibidos, da Kabbala Denudata de Knorr von
Rosenroth [BPNM: 2-49-4-8/11 (Salzbach, 1677-1678)], a qual inclui o AEsch Mezareph
(Fogo Purificador), expressa e exclusivamente dedicado às operações com quadrados e
pentáculos mágicos. Ver Manuel J. Gandra, A Filosofia Hermética em Portugal e no
acervo da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, in Boletim Cultural '93, Mafra,
1994, p. 11-74; Mafra Mítica, Hermética e Simbólica de A a Z, in Da Vida, da Morte e
do Além, Mafra, 1996, p. 197-199 e Da Face oculta do Rosto da Europa: prolegómenos
a uma História Mítica de Portugal, Lisboa, 1997, p. 136-138.

141
Tridente defronte da Real Obra de Mafra

142
A Pedra de Mistério da ermida de São Julião e Santa Baziliza (Carvoeira)

143
A Pedra de Mistério
Trata-se, em suma, de um labirinto octogonal centrado num delta ocupado
por um sol radiante (a Trindade divina), a cujas faces se acham adossados três
quadrados mágicos: um de ordem 7 (Vénus) e dois de ordem 9 (Lua).
Transformados em pentáculos mediante a substituição dos números por
labirintos de letras, legíveis a partir do centro de cada um dos quadrados
(podendo as casas vazias ser completadas com o mesmo texto disposto do
centro para a periferia). O labirinto de ordem 7 (cruzeiro de 13 letras) contém
o nome de SIVLIAM (S[ão] Julião), enquanto nos de ordem 9 (cruzeiro de 17
letras) se lê o de SBAZILIZA (S[anta] Bazilissa) e ☼MATVTINA (Estrela
Matutina), uma das denominações tradicionais da Vénus auroral, mas, acima
de tudo, uma das Litânias da Virgem, a RAINHA (Bazilissa) ou AVE MARIA
cuja protecção é duas vezes invocada: ORA PRO NOBIS. A legenda ECCE
CRUCEM DOMINI (Eis a Cruz do Senhor), associada ao monograma crístico
JHS, pode querer aludir à Cruz (ou trabalhos) a que o candidato a decifrador
se condena para lograr a decifração. Se associados, os dois quadrados de
ordem 9 geram outro de ordem 27, contendo 729 números (9 x 9 = 81 x 9) = o
cômputo exacto de dias (365) e noites (364) num ano! Anote-se ainda que a
casa central de tal quadrado mágico é ocupada pelo número solar 365.

144
145
146
Painéis azulejares seiscentistas da sacristia da capela de São Julião

147
A Esperança e a Fé
Nas paredes laterais da capela-mor as duas alegorias,
inspiradas na Iconologia de Cesare Ripa, obra também existente
no acervo da BPNM

148
149
O arco-triunfal azulejar que abriga a tribuna com as imagens
entronizadas dos padroeiros

150
Enquadrados por “cartuchas”, os vinte passos da vida de São
Julião e Santa Basiliza acham-se sequencialmente organizados,
consoante as legendas explicativas destinadas a esclarecer o sentido de
cada cena:

Primeiro: Julião nos primeiros anos da sua idade é instruído por


seus Pais, nos preceitos da Lei

151
Segundo: Julião diz a seus pais que está pronto para casar
eles ficam transportados de prazer

152
Terceiro: Celebra Julião os desposórios com Basiliza
com a maior grandeza

153
Quarto: Julião faz orações a Deus que lhe inspira o que
deve fazer o anjo lhe diz que case

Quinto: Jesus Cristo e Maria Santíssima “paressem” a Julião e Basiliza

154
Sexto: Julião e Basiliza fazem voto de castidade

155
Sétimo: Basiliza fica admirada do cheiro a rosas que acha na cama

156
Oitavo: Julião sofre o martírio de lhe esfolarem a cabeça […?]

Nono: Marcião “croel” mandou untar de pez os dedos das mãos e


dos pés, Julião e botar-lhe fogo

157
Décimo: Julião e Basilissa para com mais perfeição viverem e servirem
a Deus, dão “ós” pobres as riquezas de esmola

Undécimo: Marcião mandou queimar a casa em que se achava Julião


na companhia de Sacerdotes e Diáconos

158
Duodécimo: Julião é açoitado por não adorar os ídolos

159
Décimo terceiro: Julião foi preso e metido em um horrendo cárcere,
para ser açoitado

160
Décimo quarto: Marcião vendo que São Julião na lhe quer obedecer.lhe
manda que seja morto e que primeiro corra as ruas da cidade e um
pregoeiro clamando por ser rebelde aos Deuses

Décimo quinto: S. Julião restitui a um soldado que o açoitou um olho que


tinha perdido cujo “pordigo” [prodígio] não fizeram os Ídolos

161
Décimo sexto: Filho de Marcião baptizado por Julião e vinte soldados

162
Décimo sétimo: Um filho de Marcião foi em seguimento de Julião

163
Décimo oitavo: S. Julião “rrecucita” [ressuscita] um morto na
presença de Marcião

Décimo nono: Julião e os que ele converteu metidos em umas tinas


de azeite fervendo

164
Vigésimo: S. Julião é degolado no meio de malfeitores e deste modo
entregou a alma a Deus

À semelhança do ocorrido com a igreja de Nossa Senhora do


Porto, reiteradamente vandalizada e depauperada do seu património
móvel, também a capela de São Julião foi cenário de diversos furtos.
Registo as duas ocorrências mais danosas de que subsiste
memória documentada:

- assalto, na noite de 26 para 27 de Abril de 1874, durante o


qual foram arrombados dois cofres com esmolas, desaparecendo o
conteúdo deles, bem assim como a banqueta de metal branco e
dourado que se estava sobre o altar, avaliada em 9000 réis, e uma
toalha de linho que se encontrava no sacrário da sacristia, orçado em
500 réis [AHMM: Tribunal de Mafra - Autos Crimes de Querela
acerca do arrombamento e roubo na ermida de S. Julião, 1874];
- Roubo, em pleno dia, de considerável número de azulejos da galilé,
na década de 1990.

165
CASAS DO CÍRIO DA RIBEIRA DE PEDRULHOS,
ADJACENTES À ERMIDA DE SÃO JULIÂO

Conservação da ermida e casas adjacentes:

7360 réis (1841);


5250 réis (1842);
15$00 réis (1872);
17$85 réis (1914).

166
A capela de São Julião e as casas do Círio vistos do caminho de Valbom

167
Casa dos Leilões de São Julião

168
FONTANÁRIO DE SÃO JULIÃO

Situado a cerca de 50 metros a Sul da capela. Edificado no ano


de 1788 e restaurado em 1961. É conhecido como fonte milagrosa, em
virtude das propriedades terapêuticas (oftalmológicas) da água de
uma das suas bicas, as quais se presume só terão sido descobertas
após 1758, porquanto o pároco que responde às Memórias Paroquiais
assevera não existir qualquer “fonte de especial virtude ou qualidade”
no aro da freguesia.
Tem espaldar em alvenaria caiada e as orlas debruadas a azul.
No frontão, apresenta um registo de azulejos figurando S. Julião e
Santa Basiliza, com a inscrição: S. JULIAO S. BASILISSA /
M.DCCLXXXVIII. Inferiormente a este, no espaldar, observa-se um
painel das almas com a inscrição: PELAS ALMAS P[adre] N[osso]
AV[é] MARIA / RESTAURADO PELA JUNTA DE F[regue]SIA DA
CARVOEIRA EM 1961.

169
O tanque é de cantaria, rectangular, recebendo a água por
intermédio de duas bicas. O formato da secção destas - circular na da
esquerda (a da água terapêutica), quadrada na da direita - permitia (já
não permite porque a água está inquinada) aos utentes distinguir qual
das bicas fornecia água medicinal.

170
CAMINHO DAS ALMAS

Existe na freguesia da Carvoeira um espectacular exemplo,


aliás, o único conhecido em Portugal, de associação de quadrados
mágicos com labirintos de letras. Em conexão com ele, unindo a
capela de São Julião ao cemitério da Carvoeira (anexo à igreja de
Nossa Senhora do Ó), subsiste o Caminho das Almas, espécie de Via
Sacra, edificada entre 1779 e 1833, actualmente constituída por cinco
cruzeiros: São Julião (ex-voto), Valbom, Baleia, Estrada da Senhora do
Ó e Cemitério da Senhora do Ó 55.
Além de relacionados com a devoção das Almas do
Purgatório, quatro desses cruzeiros, inspiram-se numa tradição
hermética antiquíssima de origem helenística e neo-platónica.
Desconheço quem possa ter sido o autor, ou autores, do
programa deste conjunto a todos os títulos notável pelo ineditismo de
que se reveste, mas não me admiraria que Manuel Teixeira 56, ilustre
cabalista, pudesse ter estado implicado na sua concepção que, creio ter
subjacente a imperiosa necessidade de sufragar (conduzindo-as ao
descanso eterno) as almas em tribulação de todos os massacrados
pelas tropas do duque de Alba, exactamente no território em apreço,
em consequência da sua adesão ao levantamento popular liderado
pelo açoriano Mateus Álvares, episódio que havia de ser consagrado
como o do Falso D. Sebastião da Ericeira (1585) 57.

55 Félix Alves Pereira reporta a existência de mais um “cruzeiro do género” na Fonte das
Amoreiras, o qual, entretanto, terá sido destruído. Cf. Por Caminhos da Ericeira: notas
arqueológicas e etnográficas, in O Arqueólogo Português, v. 19 (1914), p. 329-331. O
Caminho das Almas foi, ulteriormente, acrescido de uma alminha, no Rossio de
Valbom, e de dois outros cruzeiros: o do milagre da burra (ex-voto, datado de 1880, sito
junto do antigo caminho entre Valbom e a Baleia) e o da Carvoeira. Ocupei-me do
assunto na comunicação S. Julião: do maravilhoso pagão ao cabalismo cristão através
dos enigmas barrocos, apresentada no Simpósio Mafra Barroca, realizado no âmbito
da Homenagem a Ayres de Carvalho (26 de Setembro de 1992).
56 O seu apelido cifrado encontra-se gravado em baixo-relevo no cruzeiro das Almas,

situado junto à ermida. É citado no testamento de João Fernandes da Conceição,


ermitão de S. Julião (2 de Dezembro de 1764), falecido no ano de 1766, tendo herdado o
seu capote.
57 Consulte-se a este propósito: O Falso D. Sebastião da Ericeira e o Sebastianismo,

Mafra, 1998; Manuel J. Gandra, Dicionário do Milénio Lusíada: Impérios do Divino,


Sebastianismo e Quinto Império, v. 1, Lisboa, 2003, sv. Mateus Álvares (inclui resenha
sistemática da bibliografia e da iconografia, p. 314-317).

171
Localização do Caminho das Almas que une a capela de
São Julião ao cemitério de Nossa Senhora do Ó

Porém, antes de prosseguir, convém tentar lançar alguma luz


sobre a origem misteriosa e a história dos quadrados mágicos e dos
labirintos de letras.

1. Quadrados mágicos

Obtêm-se quadrados mágicos mediante a disposição de uma


sucessão mágica (conjunto de numerais inteiros, positivos, diferentes
e sucessivos), de 1 a n², numa matriz de n x n casas ou quadrículas, de
modo que a soma dos n números que figuram sobre uma mesma

172
ortogonal (linha ou coluna, horizontal, vertical ou diagonal 58) seja
constante (sempre a mesma).
O número n de casas ou quadrículas de cada um dos seus
lados constitui a ordem do quadrado (3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9), enquanto o
número total de casas ou quadrículas corresponde ao quadrado da
ordem. No caso de um quadrado mágico regular, a soma de todos os n
números calcula-se com recurso à fórmula n (n² + 1) / 2,
denominando-se constante mágica 59.
Todo o quadrado mágico pode sofrer certas transformações
geométricas que não modificam realmente os números que o formam.
As seguintes são aplicáveis a todos os quadrados mágicos:

1. Troca concomitante de duas linhas equidistantes do centro;


2. Troca dos quartéis do quadrado. No caso de um quadrado
de ordem ímpar, a troca dos quartéis é acompanhada de uma troca nas
ortogonais medianas, horizontal e vertical;
3. Subtracção de uma mesma constante a cada um dos seus
elementos;
4. Multiplicação de todos os seus elementos por um mesmo
número (diferente de zero);
5. Supressão da orla (ortogonais extremas: 1ª e última colunas
e 1ª e última linhas) de um quadrado mágico orlado.

58 Diz-se da recta que une o canto superior esquerdo ao canto inferior direito (ou o canto
superior direito ao canto inferior esquerdo) de um quadrado, contendo um número de
cada linha e um da cada coluna. As paralelas a esta diagonal principal contêm n
elementos, um de cada linha e um de cada coluna, e formam diagonais quebradas. Um
quadrado que não é mágico por as suas diagonais principais ou por uma delas não o
serem chama-se semimágico. Por outro lado, um quadrado é panmágico se todas as
diagonais (principais e quebradas) são mágicas. Não existem quadrados panmágicos de
ordem 3, nem cuja ordem seja divisível por 3. Existem três quadrados panmágicos
diferentes de ordem 4, dezasseis quadrados panmágicos regulares de ordem 5 e
cinquenta e quatro panmágicos regulares de ordem 7.
59 Um quadrado mágico diz-se bimágico quando substituindo cada número pelo seu

quadrado continua mágico. Um quadrado bimágico chama-se trimágico se os cubos


dos seus elementos formam também um quadrado mágico. E assim sucessivamente,
denominando-se multimágicos tais quadrados.

173
Melancolia I[maginativa] (1514)
Gravura (239 x 168 mm) de Albrecht Dürer, inspirada nos escritos de Henricus de
Gandavo, e de Cornelius Agrippa (cf. Panofsky, 1923), bem como nos conceitos expostos
por Marsilio Ficino, no De Vita Triplici, e por Pico della Mirandola, na Apologia de
Descensu ad Inferos (cf. Francês Yates, The Occult Philosophy in the Elizabetian Age,
1979). Recuperação neoplatónica do conceito de Melancolia, o mais inferior dos
humores, subordinado a Saturno, simbolizado pelo cão e pela ampulheta (Chronos). Ao
invés do admitido vulgarmente, o quadrado mágico de ordem 4 nada tem a ver com
Saturno, andando antes associado a Júpiter, justamente o curador da Melancolia.

174
Quadrados de ordem 3 (Saturno), 4 (Júpiter), 5 (Marte), 6 (Sol), 7 (Vénus),
8 (Mercúrio) e 9 (Lua)

175
Quadrado mágico do sítio do Adro do Judeu (Pêro Gil, Tavira)
O quadrado de ordem 3 com inscrição hebraica, acha-se inscrito numa ardósia,
encontrada em 1979 (cf. Dois documentos arqueológicos recentemente achados, sobre
os judeus no Algarve pelo Dr. J. Fernandes Mascarenhas, Faro, 1980, p. 7-13).

176
Um quadrado mágico particular tem feito correr rios de tinta.
Reporto-me, evidentemente, ao que ostenta a fórmula Sator Arepo
Tenet Opera Rotas (Deus domina a Criação e as Obras do Homem), o
qual chegou a ser interpretado como uma invenção cristã destinada a
cifrar o Padre-Nosso (Pater Noster), quando rezar tal oração
constituía crime punido com a pena de morte 60. Porém, a constatação
de que esse quadrado mágico, utilizando frases palíndromas (versus
recurrentes), se encontra documentado em contextos não cristãos
antes de haver sido adoptado pelo cristianismo, fez essa tese cair por
terra, suscitando desencontradas hipóteses 61, aventadas à medida que
a arqueologia ia exumando sucessivos testemunhos da sua difusão em
Pompeia (Itália) 62, em Circenster (Gloucestershire, Grã-Bretanha) 63,
em Oppéde (Vaucluse, França) 64, em Acquincum (Budapeste,
Hungria) 65, em Doura-Europos (Ásia Menor) 66, em Rochemaure
(Ardèche, França) 67, em Jarnac (Champagne, Charente, França) 68,
em Conimbriga (Portugal) 69, etc.

60 Cf. G. de Jerphanion, La Formule magique SATOR AREPO ou ROTAS OPERA.


Vieilles théories et faits nouveaux, in Recherches de Science Religieuse, v. 25 (1935), p.
223-225 e J. Carcopino, Les Fouilles de Saint-Pierre et la Tradition - Le Christianisme
secret du carré magique, Paris, 1953, p. 9-91.
61 Ver, entre inúmera outra bibliografia: Hildebrecht Hommel, Die Satorformel und ihr

Ursprung, in Theologia Viatorum, v. 4 (1952), p. 133-180; D. Fishwick, On the origin of


the Rotas-Sator square, in Harvard Theological Review, n. 57 (1964); John Ferguson,
The Religions of the Roman Empire, Itaca, 1970, p. 168 e fig. 70; Walter O. Moeller, The
Mithraic Origin and Meanings of the Rotas-Sator Square, Leiden, 1973.
62 Oriundos daqui, acham-se referenciados o da Casa de Publius Paquius Proculus e o da

Palestra de Pompeia, anterior a 79 d. C., encontrado em 1938. Ver: J. Carcopino, ob. cit.,
p. 56; Charles Cartigny, Le Carré Magique Testament de Saint Paul, Cahors, 1984, p.
114-120; Justino Mendes de Almeida, Um curioso criptograma cristão (?) ou um
enigma etno-epigráfico, in Anais da Real Sociedade Arqueológica Lusitana, s. 2, v. 1
(1987), p. 37-43; etc.
63 Encontrado no campo fortificado romano de Corinium (Museu de Manchester). Cf.

Cartigny, ob. cit., p. 126-127.


64 Insculpido na porta de uma casa antiga da localidade. Idem, p. 125.
65 Gravado numa telha. Idem, p. 122-124.
66 Franz Cumont descobriu quatro artefactos nesta cidade, bastião da cultura

helenística, fundada, cerca de 300 a. C., por Nikanor, general de Antígonos, irmão de
Alexandre Magno. Idem, p. 120-121.
67 Na igreja de São Lourenço desta localidade. Idem, p. 126-128.
68 Idem, p. 128.
69 Robert Étienne, Le “Carré Magique” à Conimbriga (Portugal), in Conimbriga, v. 17

(1978), p. 15-34. Este autor advoga que o palíndroma em apreço é de inspiração estóica,
uma vez que a expressão Sator omnias continet, com o sentido de que o cosmos é o
gerador e o garante de tudo e o demiurgo mantém a sua criação, ocorre no De Naturam

177
Medalha da colecção do numismata Dr. Isidoro Ferreira Pinto, adquirida por J. Leite de
Vasconcelos

Tijolo em argila crua, com a fórmula palíndroma SATOR, AREPO, TENET, OPERA,
ROTAS, exumado em Conimbriga [inv. 70.193].

Deorum (II, 86) de Cícero. Cf. também, Museu Monográfico de Conimbriga: Colecções,
Lisboa, 1994, p. 65 e 165, n. 556.

178
O mundo cristão, é indubitável, não permaneceu imune ao
fascínio que o artefacto produzia, cristianizando-o como atestam
exemplos (embora não palíndromos) de Castellum Tingitii (actual
Ech-Cheliff, Argélia) de cerca de 328 e da igreja de Santianes de Pravia
(Oviedo), do séc. VIII ou IX: SANCTA ECCLESIA e SILO PRINCEPS
FECIT, respectivamente. No século IV, por exemplo, entre coptas e
etíopes, era talismã afamado contra doenças e profiláctico utilizado
pelas mulheres em trabalho de parto. Em Bizâncio, as palavras
inscritas no quadrado serviram para denominar ora os três primeiros
pastores que supostamente acorreram à gruta da Natividade, ora os
próprios Reis Magos.
A partir do século XVI, o hermetismo proporcionar-lhe-ia
uma vitalidade acrescida, chegando mesmo a ser referido por um
médico milanês como remédio infalível contra a mordedura de
serpente, citando o caso de um homem que se teria curado por ter
engolido três papéis com a fórmula Sator inscrita num quadrado 70.
Surgirá com frequência em Miscelâneas portuguesas dos
séculos XVII e XVIII, onde é, geralmente, referido como uma forma de
“escrita diabólica”, por se poder ler em mais de um sentido, incluindo
o retrógrado.
Durante o século XIX há notícia de haver sido utilizado contra
as dores de dentes, as mordeduras de serpente e de cães raivosos e os
incêndios, tanto em Portugal, como no Brasil. Rocha Peixoto afirma
ter observado o quadrado Sator tatuado nas costas de um presidiário
português 71.
Por seu turno, Leite de Vasconcelos registaria a ocorrência do
criptograma em Santarém, onde adquiriu uma pequenina medalha em
prata com ele inscrito 72, referindo-se-lhe reiteradamente como
“fórmula mágica” destinada a afugentar as bruxas, “quando recitada à
direita e às avessas” 73.

70 Cf. Jerphanion, ob. cit., p. 213.


71 Cf. A Tatuagem em Portugal, in Revista das Ciências Naturaes e Sociaes, v. 2 (1893),
p. 26-27 e fig. 23.
72 Cf. Uma fórmula mágica, in O Archeologo Português, v. 23 (1918), p. 226 e 321-323 e

in Opúsculos, v. 5, Lisboa, 1938, p. 542-546 e v. 7, Lisboa, 1938, p. 1314.


73 Cf. Ensaios Ethnographicos, v. 3, p. 174; Revista do Minho, v. 1, p. 74-75; Revista

Lusitana, v. 6, p. 244, etc. No Fausto I de Goethe, a chamada Taboada da Bruxa


(Hexenküche) é um quadrado mágico de ordem 3.

179
2. Labirintos de Letras

Não sendo este o momento oportuno para historiar a evolução


do labirinto, tarefa árdua, de resto já empreendida por ilustres
pesquisadores do símbolo e do mito 74, sempre convirá recordar que se
trata de um cosmograma universal, indissociável de liturgias mágicas
e religiosas, que partilha com as combinações circulares (concêntricas,
duplas e triplas, com ou sem covinha central) e as covinhas, o
simbolismo do percurso da alma para o submundo uterino, seu
ulterior regresso e consequente renascimento 75.
No Ocidente, a comum prevalência do símbolo e da alegoria nas
mentalidades mediévica, renascentista e barroca, havia de transformar
o labirinto no Caminho de Jerusalém, figura de um itinerário místico,
pleno de ciladas e dificuldades, que confronta a alma em demanda da
Salvação e da Graça, a qual, mediante a penitência, as logra alcançar
na Cidade de Deus ou Jerusalém Celeste.
O paradigma literário de tal processo passa por ser a
Psychomachia de Prudêncio (348-410), depois retomado por Dante
(Divina Comédia), Juan de Mena (El Laberinto), Jean Bouchet (Le
Labyrinthe de Fortune), João Amós Coménio (O Labirinto do Mundo
e o Paraíso da Alma), para só citar os autores mais relevantes. Entre
os portugueses cujas obras descrevem a peregrinação da alma no
mundo como alegoria moral, salientam-se: Bernardim Ribeiro
(Menina e Moça), José Pereira Veloso (Desejos da Alma Piedosa,
1688), Soror Maria do Céu (A Preciosa, 1731), Leonarda Gil da Gama,
pseudónimo anagramático de Soror Madalena da Glória (Reino da
Babilónia ganhado pelas armas do Empyreo, 1741), etc.
Mas se o labirinto, como conceito sinónimo de Tesouro,
Compêndio ou Súmula, foi, ao longo da Idade Média até ao Barroco

74 Ver, designadamente: Paolo Santancangeli, Le livre des labyrinthes: histoire d’un


mythe et d’un symbole, Paris, 1974; Lima de Freitas, O Labirinto, Lisboa, 1975; idem,
Almada e o Número, Lisboa, 1977; Gilbert Durand (coord.), Le Labyrinthe, Paris-
Lisboa, 1985 (separata de Colóquio/Artes, n. 62, 63 e 64, Set.-Dez. 1984 e n. 65, Mar.-
Jun. 1985); Patrick Conty, La Géométrie du Labyrinthe, Paris, 1997.
75 A espiral expansiva que cria e protege o centro e a espiral contractiva que o conduz à

dissolução, são conceitos implícitos no labirinto. A entrada no labirinto e a dissolução


no centro ocorrem apenas quando alcançada uma exigência indispensável: saber como
percorrer o caminho que até lá conduz. Petróglifos figurando labirintos são muito
vulgares em estações rupestres, especialmente nas do Norte de Portugal e da Galiza,
acompanhadas por covinhas e zoomorfos.

180
(séc. XVII e XVIII), explorado pela literatura quase até à exaustão, as
artes visuais não escapariam a uma contaminação previsível, face à
riqueza e carácter multifacetado do simbolismo desse percurso,
simultaneamente dificultoso e lúdico, magistralmente teorizado pelo
retórico Juan Diaz Rengifo, autor de uma Arte Poética Española, cuja
edição princeps, de Salamanca, data de 1592 76.

Instruções destinadas à composição e decifração de Labirintos de versos (séc.


XVIII)

76Em Portugal, é notória a influência desta obra, cujo verdadeiro autor foi o jesuíta
Diego Garcia Rengifo (e não seu irmão Juan, em nome de quem circulou), em Filipe
Nunes (Arte Poética e da Pintura e Symmetria, 1615) e Manuel da Fonseca Borralho
(Luzes da Poesia Descuberta no Oriente de Apollo, séc. XVIII).

181
Assim, três serão as modalidades principais de textos-visuais
labirínticos, a ter em consideração 77:

Labirintos de versos
Directamente relacionados com o princípio do acróstico, o
poeta tem de decidir quais as letras que quer colocar nas casas que
convêm à formação das figuras que deseja compor, as quais podem
assumir uma variedade de formas quase infinita. São exemplos
paradigmáticos os 23 labirintos que abrem o Primus Calamus –
Metametrica (Roma, 1663) de Juan Caramuel Lobokwitz, um dos
quais, com a indicação de 14.996.480 versos, apresenta o mesmo
número de casas e no centro as palavras carmine concelebret que
também ocorrem no Labirinto Métrico, atribuído a Luís Nunes
Tinoco.
Esta modalidade assenta no domíno da Arte Combinatória,
sistematizada por Raimundo Lullo e depois depurada por Atanásio
Kircher e Leibniz (Dissertatio de Arte Combinatoria).
Baseado no mesmo princípio de transposição combinatória de
palavras existe ainda o caso do Proteo Poético, divulgado por Ana
Hatherly 78.

Labirintos de letras
Os acrósticos cruzados (cancellatiflexus) de Porfírio (séc. IV)
são, geralmente considerados precursores dos de Venâncio Fortunato
(530 -c. 600), Rábano Mauro (780-826) 79 e respectivos discípulos
medievais e barrocos. Manuel de Faria e Sousa (Fuente de Aganipe o
Rimas Varias) cita Porfírio como o iniciador da técnica dos labirintos
visuais.

77 Consulte-se Ana Hatherly: A Experiência do Prodígio: bases teóricas e antologia de


textos-visuais portugueses dos séculos XVII e XVIII, Lisboa, 1983 (na fig. 42 reproduz
pormenor do cruzeiro de S. Julião que denomina, por lapso, de “S. João da Ericeira”);
Labirinto, in Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Lisboa, 1989, p. 251-252; A Casa
das Musas: uma releitura crítica da Tradição, Lisboa, 1995.
78 Cf. A Experiência do Prodígio, p. 102.
79 O padre João Baptista de Castro comenta os poemas de Mauro, fornecendo indicações

sobre o método de leitura do De Laudibus sanctae crucis (831), na sua Recreaçam


Proveytosa.

182
Labirintos cúbicos: epígrafes do séc. XI, da igreja de S. Salvador de Moreira
da Maia (Maia, Porto), formadas por Labirintos de Letras (desaparecidas no
séc. XVII)
Não se trata de verdadeiros quadrados mágicos, uma vez que os textos não são
palíndromos. A leitura destes labirintos, que ainda eram observáveis na
parede da igreja na segunda metade do séc. XVII, foi realizada por Mário
Jorge Barroca (cf. Epigrafia Medieval Portuguesa, n. 39, p. 117-121 e n. 51, p.
145-149) a partir da descrição consignada por Frei Timóteo dos Mártires (?-
1686) na sua Crónica de Santa Cruz (v. 3, 1955-1960, p. 21-22).
1. Inscrição comemorativa do início da construção da igreja: ERA MCXXX
[1092] TRUCTESINDES GUTERREZ FECIT
2. Inscrição comemorativa da sagração da igreja do mosteiro, fundado em
1027: ERA MCL [1112] MENDO ABBATE SACRATUR

Labirintos cúbicos
Composições acrósticas, cujos lados possuem todos igual
número de letras, achando-se estas de tal modo escalonadas, que
ocupam a mesma ordem qualquer que seja o sentido da leitura,
invariavelmente realizada do centro para a periferia. São exemplos
desta modalidade justamente os quadrados da maioria dos cruzeiros
do Caminho das Almas (Carvoeira).

183
Labirintos cúbicos setecentistas de Frei Tomás de Sousa e de Frei José da
Assunção (Himnologia Sacra, Lisboa Ocidental, 1738)

184
CRUZEIRO DE SÃO JULIÃO

Registo azulejar policromo (4 x 3 azulejos), quase ilegível, em consequência da


sua vandalização. Sabe-se, apesar disso (por uma legenda que evocava o
evento: MEMORIA DE HUM GRAND/E [milagre] Q. FES S. JOLIÃO A JOA /
DASAFOR. NO ANO DE [?]), ter figurado o Milagre alegadamente
protagonizado por um gaiteiro que acompanhava o Círio da Água-pé, o qual
seria resgatado ileso, depois de ter caído no fojo (ou Boca do Inferno), situada
sob o cruzeiro. Emoldurando-o, a legenda epigrafada: ECCE CR/UCEM
D/OMINI (Eis a Cruz do Senhor). A expressão PELAS ALMAS separa este
registo de um labirinto de letras (de ordem 11), onde se lê PADRE NOSSO. Por
sua vez, o dístico AVEMARIA, aparta-o do monograma de [Manuel]
TEIXEIRA, mais que provável organizador do percurso cabalístico, que
denomino Caminho das Almas, unindo esta finisterra ocidental ao cemitério
de Nossa Senhora do Ó. Como na generalidade dos demais casos,
tradicionalmente reminiscentes da tradição clássica, segundo a qual as almas
dos defuntos eram conduzidas para as Ilhas afortunadas, situadas no extremo
ocidente europeu, também neste particular, anualmente revisitado pelo Círio

185
da Água-pé, se assevera que “quem num biere cá em bida, de morto tem que
bire” para lograra a entrada no Céu. A sílaba EI do monograma, porque ocorre
duas vezes no nome, tem o dobro da dimensão das restantes, e a mesma que o
T inicial, maiúsculo. Ainda associado ao mograma e a uma caixa para esmolas
(há muito desaparecida) a justificação: P.[ara] A [ce]RA / I AZEITE D[e] S[ão]
/ IVLIAM. Num degrau: MDCCLXXXIIII [1784].

186
CRUZEIRO DE VALBOM

O mais vulgar dos monumentos que constituem o Caminho das Almas. Sito
num alto, semelhante ao próprio Monte do Calvário, curiosamente
denominado Valbom (i. e., Vale Bom), revela, epigrafado no pé da cruz, o ano
da respectiva erecção: 1794. No braço superior dela, próximo da extremidade,
o monograma INRI epigrafado; já no braço inferior apresenta insculturas,
avivadas a tinta azul, figurando (de cima para baixo): Vaso dos santos óleos,
cálice do Santíssimo Sacramento, martelo, cavilha, lança de Longino e esponja
de fel cruzados em aspa sobre uma escada, torquês e caveira. Nas faces laterais
observavam-se, outrora, diversos azulejos de figura avulsa, entretanto
vandalizados, cujos temas, à excepção de um, iconografando uma alma do
Purgatório, é impossível identificar.

187
CRUZEIRO DA BALEIA

Dois registos azulejares, sob os quais se observa uma depressão circular


esvaziada (cuja função nenhum dos residentes na localidade logrou
esclarecer), ocupam-lhe a face Poente: o registo superior (3 x 3 azulejos) figura
N. SRA. DA LAPA, consoante a legenda que o subscreve; o inferior (3 x 3
azulejos) iconografa uma entidade angélica no acto de resgatar almas do
Purgatório, sendo subscrito: PELAS ALMAS DO P. /P.N. AVE MARIA / 1767.

188
CRUZEIRO DA ESTRADA DE NOSSA SENHORA DO Ó
(IIP, DG, 1ª série, n. 265, de 6/12/1958)

O cruzeiro da Estrada da Carvoeira (EM 549), também denominado


Cruz das Alminhas

189
190
Epigrafado e azulejado, em todas as quatro faces. Face Norte: dois registos
azulejares, figurando, o superior (2 x 4 azulejos), o Calvário e, o inferior (3 x 3
azulejos), S. Francisco intercedendo pelas Almas do Purgatório. Em torno
daquele, a frase: ECCE CRV/CE M/DOMINI (Eis a Cruz do Senhor);
emoldurando este: ALMAS / MATER DOLORO/ZA PELAS. À laia de
supedâneo do conjunto, em duas linhas: PATER / NOSTRE. Num degrau: A
ESMOLA Q DAIS / A VOS MESMO A DAIS. Face Sul: superiormente, registo
azulejar (3 x 3 azulejos) figurando a VIRGEM/ DA PI/EDADE, conforme o
dístico circundante. A expressão ORA PRONOBIS (Orai por nós) separa este
registo do palíndroma de letras (de ordem 11), em baixo, onde se lê SALVE
RAINHA: nos quadrantes à direita (esquerda do observador), a figuração do
Sagrado Coração de Jesus (em cima) e de três pregos (em baixo); à esquerda
(direita do observador), o Sagrado Coração de Maria (em cima) e a escada, a
lança e a esponja de fel, estas cruzadas sobre aquela (em baixo). Num degrau,

191
a data MDCCLXXIX. Face Nascente: quatro azulejos de figura avulsa, dos
quais só o 1º e o 4º são identificáveis: Jesus preso à coluna e Alma do
Purgatório, com a legenda P.N. AVE Mª, respectivamente; sob eles a frase:
IRMAM /SALVA / A CRUS / ACOMPA / NHE-TE / IEZVS. Num degrau
(sobre uma caixa de esmolas desaparecida): PARA A MISSA / DAS ALMAS.
Face Poente: quatro azulejos de figura avulsa, de cima para baixo: Cristo
carrega a Cruz; Ecce Homo; Senhor da Cana Verde; Alma do Purgatório, com
a legenda P.N. AVE Mª. Num degrau ANNO DE 1779.

192
CRUZEIRO DO ADRO DA IGREJA DE
NOSSA SENHORA DO PORTO

193
O adro da igreja de Nossa Senhora do Porto serviu de cemitério
desde 1585 até 1833. Achava-se instalado em torno de um cruzeiro,
erguido em 1668, ulteriormente integrado num antigo circuito das
Almas do Purgatório. Na base a legenda: AVE CRUX / SPES ÚNICA
(Salve Cruz, única Esperança) e a data.

194
CRUZEIRO DO CEMITÉRIO
DE NOSSA SENHORA DO Ó

195
Epigrafado apenas na face voltada a Nascente, na qual se observam dois
quadrados mágicos bípedes (detentores de uma ou mais casas de valor zero),
separados pela data: 1833. Salta à vista que, no caso vertente, foi adoptado um
sistema simbólico distinto do que se constata nos restantes marcos do
Caminho das Almas, autêntico dédalo psicopompa (condutor daquelas para a
sua morada celeste), onde prevalecem os labirintos quer de letras, quer
cúbicos, com ou sem recurso ao método guemátrico. Aqui o preenchimento
das casas de ambos os quadrados foi realizado mediante Notarikon. O
quadrado superior, tradicionalmente denominado de Salomão (de ordem 3,
com uma casa de valor zero), anda creditado a Apolónio de Tiana, ocorrendo

196
em miscelâneas mágico-herméticas muçulmanas dos séculos X e XI, onde, sob
o nome de selo de Ghazadi, é descrito como pentáculo destinado a facilitar o
parto. A sua presença no centro de um cemitério conduz-me a presumir que se
trate de uma alusão explícita à palingénese (morte e renascimento
simbólicos), mas, porventura, não só, porquanto a frase B[a]Z[ileu]S EST
X[ristu]M, i. e., O Rei é o Cristo, torna-o susceptível de conotações
messiânicas e, decerto, também sebásticas (o contexto não podia ser mais
adequado), numa simbiose da mensagem veterotestamentária sobre o Messias
(Êxodo, IV, 22) com a palavra do Evangelho (Marcos, I, 11; Mateus, XVII, 2-
8): o Messias há-de encarnar, fazer-se Homem, ser Rei-Soberano do Universo
(1 Cor., VIII, 4-6) e Luz das Nações (Isaías, IX, 1; Lucas, I, 78-79; etc.). Já a
epígrafe insculpida no quadrado inferior permanece (ainda) parcialmente
indecifrada, devendo sublinhar-se que as letras iniciais da 1ª e da 3ª linhas, P
e C, respectivamente, por se acharem associadas a um ponto [.] são
abreviaturas. Enfim, a palavra na 4ª linha sugere, glosando Camões, que
consoante a subordinação ao AMOR do Cristo-Rei, tanto mais proficiente será
a Alma Staurofila (amante da cruz) e adjuvante da Segunda Vinda do
Salvador.

197
CASA DA CÂMARA

O extinto concelho da Carvoeira possuiu Casa da Câmara ou


Paços do Concelho próprios, sitos na actual Rua de Santo António, os
quais eram partilhados pela Câmara, pelo Tribunal, pela Cadeia e pelo
Açougue.
São vagas as notícias constantes dos Livros de Acórdãos da
Câmara Municipal da Carvoeira (1820-1826; 1828-1832; 1832-1836),
e idênticamente imprecisas no Livro das Correições Gerais do
Concelho da Carvoeira (1835-1836), limitando-se a meras alusões
circunstanciais às Casas ou Casa da Câmara / Casas do Paço do
Concelho / Paço da Câmara Municipal. A única excepção ocorre na
Vereação de 5 de Abril de 1821 80, realizada na Casa de Residência do
Juiz Almotacé Roberto da Silva.
É, todavia num Livro do Tombo Municipal do Concelho da
Ericeira (1850-1860) 81 que se consigna a mais detalhada e minuciosa
descrição da Casa da Câmara da Carvoeira:

“Huma propriedade de cazas no lugar da Carvoeira, que


antigamente servia de Paços do Concelho daquelle extinto Reguengo,
que contem dous altos, e dous baixos, com sua escada exterior de
pedra, tendo no pavimento alto uma grande salla, e um quarto aonde a
Camara fazia as suas secções, uma caza baixa que servia de enchovia e
Cadeia de prezos, e outra caza que serve de assougue a qual se
costuma arrendar, o que tudo parte do Norte com serventia a Rua, Sul
com Rua, Nascente com cazas de Dom Antonio dos Menezes, e do
Poente com Rua” 82.

Com base na supra transcrita descrição do Paços do Concelho


da Carvoeira, pode inferir-se que no edifício de dois pisos, dispondo de
uma escadaria exterior em pedra, funcionava a Câmara (Sala de
Vereações), a Cadeia (e sua Enxovia) e o Açougue.

80
AHMM/CMCAR/Livro de Acórdãos da Câmara Municipal da Carvoeira, n.º 1, 1820-
1826, p. 6-7.
81 Em virtude da supressão do concelho da Carvoeira, em Novembro de 1836, e da sua

integração, enquanto freguesia, no concelho da Ericeira, este tornou-se, mercê da Carta


de Lei de 19 de Julho de 1839, art. 1, legítimo proprietário de todos os “bens
denominados Próprios” antes pertencentes ao concelho extinto.
82
AHMM/CMERI/Livro do Tombo Municipal do Concelho da Ericeira, 1850-1860. fl.
4-4v.

198
E não obstante, não seja mencionado, decerto, também aí tinha
assento o Tribunal (Sala de Audiências), eventualmente na
denominada grande salla.
Pela Vereação de 29 de Maio de 1853 da Câmara Municipal da
Ericeira, ficamos cientes de que os Paços do Concelho da extinta

199
Câmara Municipal da Carvoeira foi levado à praça pública tendo sido
arrematado por Cândido da Silva, residente na Carvoeira, durante um
ano (de 1 de Junho de 1853 a 1 de Junho de 1854), pela quantia de
1$650 réis, i. e., $825 réis por semestre. Os consertos e reparos do
edifício corriam por conta do rendeiro 83.

Desta data, doravante, nenhuma outra mênção aos Paços do


Concelho da Carvoeira ocorre nos Livros de Acórdãos da Câmara
Municipal da Ericeira, limitando-se os registos a referir tão só a Casa
do Açougue, localizada no piso térreo do imóvel.

83
AHMM/CMERI/Livro de Actas da Câmara Municipal da Ericeira, n.º 33, 1851-1853.
fl. 154-155. Ver Apêndice documental, Doc. 16.

200
No período compreendido entre 1841 a 1853, a Casa do
Açougue da Carvoeira havia de ser arrendada, pelo menos, cinco
vezes, a saber:

- 1.ª arrematação: 4 de Abril de 1841, a Francisco dos Santos,


morador na Vila de Mafra, pela quantia de $140 réis cada mês 84
(durante um ano);
- 2.ª arrematação: 15 de Outubro de 1841, não foi arrendada,
visto não ter havido lançador (isto é, arrematante) 85;
- 3.ª arrematação: 20 de Março de 1842, a José António dos
Reis, morador na Vila da Ericeira, pela quantia de $160 réis, pagos
mensalmente durante um ano 86;
- 4.ª arrematação: 3 de Abril de 1851, não houve arrematante 87;
- 5.ª arrematação: 29 de Maio de 1853, a Herculano da Costa
Neves, morador na Vila da Ericeira, pela quantia de $600 réis anuais,
pagos semestralmente 88.

O documento supracitado informa ainda que os Paços do


Concelho da Carvoeira passaram à posse judicial no ano de 1846,
funcionando, posteriormente, como Escola de Instrução Primária do
sexo masculino 89.

84
AHMM/CMERI/Livro de Actas da Câmara Municipal da Ericeira, n.º 29, 1837-1841.
fl. 283v-284v.
85
AHMM/CMERI/Livro de Actas da Câmara Municipal da Ericeira, n.º 30, 1841-
1842. fl. 18v-19.
86
Ibidem. fl. 62-62v.
87
AHMM/CMERI/Livro de Actas da Câmara Municipal da Ericeira, n.º 33, 1851-1853.
fl. 26v-27.
88
Ibidem. fl. 155. Ver Apêndice documental, Doc. 17.
89
Ibidem. fl. 4-4v. A informação é corroborada pela correspondência da Junta de
Paróquia da Carvoeira [JFC].

201
ADEGA DA FOZ DO LISANDRO

Edificada em meados da década de 1920 pelo empresário e


agricultor local, Manuel Lopes Matias.
Começou por pertencer à Sociedade Vinícola da Carvoeira,
tendo sido, ulteriormente, alugada a Artur Gonzalez Alvarez,
adoptando a denominação Vinhos Autênticos de Portugal, Lda. A
gestão do empresário galego foi desastrosa, tendo terminado com um
incêndio de origem suspeita.
As redes de pesca e grossos cabos de cairo que se achavam no
Casão da Armação (Ericeira) quando este, em 1931, foi desactivado,
foram cortados à machadada e vendidos para queimar no alambique
desta adega.
Encerrada durante alguns anos, a Adega da Foz, como é
vulgarmente conhecida, havia de ser transformada por Chico Carreira,
empresário de restauração do Parque Mayer, num restaurante e casa
de Fados.

202
Volvidas cerca de duas décadas sobre o encerramento deste, em
meados de 1970, o espaço voltaria a ser remodelado e transformado
numa mega-discoteca a Discoteca S.A, com capacidade para 2000
utilizadores. Este estabelecimento encerrou, mantendo-se devoluto o
edifício.

203
PONTE DA CARVOEIRA

Em consequência de uma violenta intempérie que assolou a


freguesia da Carvoeira, na madrugada de 22 de Dezembro de 1909, e
que provocou incontáveis prejuízos pessoais, mas, especialmente,
materiais, a antiga ponte sobre o rio Lisandro pela qual se acedia à
Ericeira, ficou destruída.

Sem ela, além das dificuldades de comunicação entre ambas


as freguesias, ficava comprometido o abastecimento à Ericeira dos
produtos hortículas da Carvoeira.
Atendendo à gravidade da situação, decidiu-se criar uma
comissão encarregada de expor, ao Ministro das Obras Públicas, Dr.
Manuel António Moreira Júnior, as pretensões dos habitantes das
freguesias afectadas, bem como de recolher as assinaturas
indispensáveis para o abaixo-assinado a apresentar ao mesmo
governante, tendo como objectivo sensibilizá-lo para a necessidade e a
premência da reconstrução da Ponte da Carvoeira.

204
205
Tendo solicitado previamente o concurso de António Serrão Franco e
de Eduardo Burnay (os quais anuíram incondicionalmente) a
Comissão, constituída por Guilherme Duarte Ferreira, António da
Costa Gaspar e José Freire Andrade Pimentel, deslocou-se a Lisboa,
no dia 20 de Janeiro de 1910. A simples presença de Serrão Franco e
de Eduardo Burnay, na comitiva, personalidades prestigiadas e
influentes, revelou-se um trunfo decisivo para o sucesso da empresa.
Assumindo eles próprios a exposição do problema na audiência com o
Ministro, a resposta deste foi claramente favorável, comprometendo-
se a incrementar, com a máxima rapidez, os trabalhos de reconstrução
da ponte.

Poucos dias volvidos, a 27 de Janeiro, António Serrão Franco


rumou de automóvel à Ericeira na companhia do General Parreira e
dos engenheiros Alfredo Vilar e Ferreira da Silva, responsáveis pela
realização dos estudos técnicos visando a reedificação da Ponte da
Carvoeira.

206
A 17 de Março do mesmo ano, o General Parreira deslocou-se à
Ericeira, acompanhado por Craveiro Lopes e pelo empreiteiro Passos
dando instruções para começarem os trabalhos de demolição da antiga
Ponte da Carvoeira e construção da nova passagem 90.

A reconstrução ficou concluída durante o mês de Agosto de


1910.
A mesma ponte foi objecto de grandes beneficiações já no
presente século.

90A propósito, cf. Jaime Lobo e Silva, A vida quotidiana na Ericeira nos começos da I
República, p. 40, 45-46 e Leandro Miguel dos Santos, Toponímia histórica na Vila da
Ericeira, p. 118-119.

207
208
LINHAS DE TORRES

Correspondendo a solicitação do coronel Vincent, comandante


do Corps du Génie endereçada à engenharia portuguesa, em Janeiro
de 1808, José Maria Das Neves Costa apresentaria em Maio do ano
seguinte, um memorando sobre a defesa de Lisboa (Carta Militar do
Terreno ao Norte de Lisboa, concluída em Fevereiro de 1809), o qual
havia de servir como base de trabalho a Wellington para a construção
das Linhas de Torres (memorando enviado a Fletcher em 20.10.1809).
Uma vez concluído, o sistema defensivo das Linhas de Torres
Vedras era constituído por 139 posições fortificadas, excluindo
algumas posições que não chegaram a receber numeração. Para além
das tipologias de forte, reduto ou bateria, existiam ainda posições que
constituíam entrincheiramentos ou outras - não numeradas - que não
sendo destinadas a albergar ou proteger soldados e artilharia,
auxiliavam a fortificação, conferindo defensibilidade ao terreno
mediante escarpamentos ou abatizes.
Complementarmente, foram minadas estradas e pontes, para
que pudessem ser destruídas à aproximação do inimigo, e foram
construídos vários caminhos e melhorados outros já existentes, para
que pudessem constituir uma rede de estradas militares, ligando entre
si as posições de ambas as Linhas.

*
* *
As obras de fortificação nas vizinhanças de Mafra foram
iniciadas, em 17 de Fevereiro de 1810, dirigidas pelo Capitão Ross,
incluindo provavelmente os fortes da Serra de Chipre, à esquerda do
Gradil, o desfiladeiro da Murgeira, fortes junto da Tapada, cobrindo a
estrada de Mafra para a Malveira e fortes que cobrem a estrada que
desde o Gradil segue pela Malveira até perto de Montachique.
No dia 19 do mesmo mês, o Tenente Jones iniciou a fortificação
da zona e Ericeira e Carvoeira, incluindo as fortificações que protegem
a Foz do Lizandro e, possivelmente as que protegem os desfiladeiros
entre a Picanceira e Ribamar, à esquerda da Serra de Chipre.
O início da edificação destas fortificações assinalou uma
viragem na construção das Linhas de Torres Vedras, pois deu origem a
uma linha efectiva de defesa, ulteriormente denominada segunda
linha, a qual cobria os desfiladeiros pelos quais passavam as vias de

209
acesso viáveis até Lisboa: Tejo-Vialonga, Bucelas, Montachique,
Mafra-Murgeira, Picanceira-Ribamar e Cheleiros - este interceptado
na zona da foz do Lisandro, junto à Carvoeira. Juntamente com a
constituição desta Linha, foi reforçada a linha de postos avançados,
pela construção das fortificações em Alhandra - após o abandono de
Castanheira - e construídas fortificações junto de Arruda e no vale do
Sizandro, dificultando o flanqueamento das posições de Torres Vedras
e Sobral de Monte Agraço.
Em Julho de 1810, na eminência de um ataque, Richard
Fletcher é chamado para junto do exército de Wellington, partindo de
Mafra no dia 6 (onde provavelmente visitava algumas fortificações
ainda em construção, caso de alguns dos fortes da zona de Ribamar),
para Alverca da Beira, onde existe notícia da sua chegada em 14 de
Julho.
Para comandar as obras em curso nomeou John Thomas Jones
com ordens especificas para, após terminar as fortificações ainda em
construção, proceder a um levantamento exaustivo das diferentes
posições, devendo promover igualmente o aperfeiçoamento das
fortificações, nomeadamente das plataformas para o tiro de artilharia.
Para realizar estes trabalhos, Jones teve ao seu dispor um corpo
de engenheiros que ficaram sob o seu comando. A equipa de
engenharia que trabalhava nas construções, no dia 6 de Julho de 1810,
era composta pelos capitães Holloway, Williams e Dickinson, pelos
tenentes Stanway, Thomson, Forster, Trench, Píper, Tapp, Reid e
Hulme e ainda pelo capitão Wedekind e pelo tenente Meineke da
Legião Real Alemã e pelos tenentes portugueses Lourenço Homem [da
Cunha d'Eça], Sousa e [Joaquim Norberto Xavier de] Brito.
Em 5 de Outubro de 1810, poucos dias antes da ocupação
efectiva das Linhas de Torres Vedras, o sistema de comunicação era
constituído pelos postos de Alhandra, Alqueidão, Serra do Socorro,
Torres Vedras e Ponte do Rol, na primeira Linha, e pelos de
Montachique, Serra de Serves, Tapada de Mafra e Ribamar, na
segunda Linha, chegando as comunicações a Lisboa através de um
posto de sinais sito em Monsanto.
De modo a garantir a funcionalidade e a gerir os recursos
durante a defesa de Lisboa, Wellington decidiu dividir as fortificações
em seis distritos, cada um dos quais seria atribuído, a um oficial de
engenharia, o qual ficava incumbido de constituir uma equipa a quem
competia a condução das tropas até às diferentes posições.

210
Estes distritos não correspondem aos sete tradicionalmente
consignados às Linhas de Torres Vedras, sendo tal divisão posterior.
A divisão comunicada a Jones, em 5 de Outubro de 1810,
dividia as fortificações em 6 distritos, a saber:

1º Desde o oceano até Torres Vedras, com Quartel-general em Torres


Vedras;
2º Desde Sobral de Monte Agraço até ao vale de Calhandriz, com
Quartel-general em Sobral de Monte Agraço;
3º Desde o vale de Calhandriz até ao Tejo, na direita da posição de
Alhandra, com Quartel-general em Alhandra;
4º Desde a margem do Tejo, junto a Alverca, até ao desfiladeiro de
Bucelas, com Quartelgeneral em Bucelas;
5º Desde o desfiladeiro do Freixial, na esquerda do desfiladeiro de
Bucelas, até ao desfiladeiro de Montachique, com Quartel-general em
Montachique;
6º Desde o desfiladeiro de Mafra até ao oceano, com Quartel-general
em Mafra.

211
A primeira linha contava quatro distritos:

Nº 1, desde Alhandra sobre o Tejo até Arruda, Quartel-general em


Alhandra.
Nº 2, de Arruda a Monte Agraço, Quartel-general no Sobral.
Nº 3, da Zibreira até às alturas da Cadriceira.
Nº 4, desde Runa, Torres Vedras até ao Mar, Quartel-general em Torres
Vedras.

Ocupavam estes quatro distritos as seguintes posições principais:

Planície que bordeja o Tejo junto e áquem da vila de Alhandra.


Alturas de Alhandra e Subserra.
Calhandriz, Trancoso de Cima, S. Sebastião, Mata.
Alturas de Arruda.
Serra de Monte Agraço.
Codriceira, Ribaldeira, Zibreira, Matacães, Torres Vedras.
Alturas do Varatojo.
Ponte do Rol, S. Pedro da Cadeira, oceano.

A segunda linha ficaria dividida em três distritos:

Nº 5, desde o Tejo próximo de Alverca até Bucelas, Quartel-general em


Bucelas.
Nº 6, do Freixial, Montachique, Malveira até à Tapada de Mafra,
Quartel-general em Montachique.
Nº 7, da Tapada de Mafra ao mar, Quartel-general em Mafra.

Eram posições desta segunda linha nos três distritos os seguintes


pontos fortificados:

Planície que bordeja o Tejo entre Alverca e Póvoa.


Alturas de Alverca e vale de Vialonga.
Alturas da Verdelha e Serves.
Bucelas, Freixial, Montachique.
Cabeço da Atalaia entre Montachique e Venda do Pinheiro.
Alturas da Malveira.
Alturas da Tapada de Mafra, Murgeira.
Alturas do Gradil.

212
Alturas da margem esquerda do vale da Picanceira, desde a Murgeira,
Paz, Pinheiro, até ao oceano.
As alturas da montanhosa região da Malveira aproveitadas para a
defesa da capital, como posições militares fortificadas da segunda linha,
após a Cabeça de Montachique, e o alto da Atalaia sobre o lugar da
Asseiceira ou Asseiceira Pequena da freguesia de S. Miguel do

213
Milharado, pela estrada real da Venda do Pinheiro à Malveira, aí se
encontrando.

FORTES DAS LINHAS DE TORRES NA CARVOEIRA

Os três fortes da Carvoeira, constituíam o núcleo mais


meridional da 2º linha de defesa, integrando os redutos do Zambujal
(95), da Carvoeira (96) e de S. Julião (97). A sua edificação começou a
19 de Fevereiro de 1810 sob a direcção do tenente R. Jones.
Em conjunto dispunham de 7 peças de artilharia de calibre 9,
podendo albergar uma guarnição de 930 soldados de infantaria,
eventualmente mílicias e ordenanças.

Carta Militar e Topographica das Linhas de Lisboa construída nos anos de


1810 e 1811 ao norte da capital […] (escala: 1/25000). Levantada por Manuel
Joaquim Brandão de Sousa, oficial do Real Corpo de Engenheiros (1871)

214
95 - SERRA GORDA OU CASAS VELHAS (Também
conhecido por FORTE DO ZAMBUJAL)
Posição N 262; WE 222; Coordenadas UTM: 29SMD663114
CMP: 388 – secção B; 173
GPS: 38º56’57,74’’N; 09º23’21,98’’W
Alt. 102m

Fortificação, situada no alto da colina do Zambujal, uma das


mais elaboradas da 2ª linha, combinando escavação da rocha com
camisa em pedra.
Reduto com 250 homens de guarnição e 2 peças de artilharia de
calibre 12. O traçado da sua planta, compósita, constituída por reduto
central e bateria avançada, permitia o máximo rendimento dos fogos.

215
O acesso à bateria, tal como a restante estrutura, rodeada por
fosso, estava protegida por uma paliçada, processando-se por
intermédio de um túnel escavado na rocha. A plataforma em madeira

216
destinada às peças de artilharia estava guarnecida por quatro
canhoneiras rasgadas no parapeito.

Este reduto defendia o desfiladeiro de Fonte Boa da Brincosa, o


vale de Nossa Senhora do Porto e a estrada da Carvoeira, entre
Ericeira e Sintra.
Actualmente, encontra-se rodeado por terras de cultivo, tendo
sido restaurado em 2009, achando-se integrado na Rota Histórica das
Linhas de Torres. Acede-se pela localidade do Zambujal.

217
96 - CARVOEIRA
Posição N 252; WE 230
CMP: 388
Alt. 98m

Reduto com uma guarnição de 280 homens e 3 peças de


artilharia de calibre 12.
Sito nas imediações do núcleo urbano, junto a um moinho que
terá sido usado como plataforma de tiro. Actualmente, não é visitável.

218
97 - S. JULIÃO
Posição N 248; WE 243; Coordenadas UTM: 29SMD641097
CMP: 402 – Carvoeira; secção D
GPS: 38º56’13,55’’N; 09º24’47,81’’W
Alt. 74m

Situado entre Valbom e a praia do Lisandro.


Possui planta estrelada, e estrutura em terra.

Dispunha de 4 canhoneiras, uma das quais posicionada à


entrada, bem assim como um mastro de sinais, inserido no sistema de
comunicações das Linhas. Presume-se que a verga deste mastro fosse
rotativa, de molde a permitir comunicar para Norte (Lagoa, n. 80),
para Leste (Sonível, nº77) e também, eventualmente, para Oeste, com
a esquadra inglesa, fundeada ao largo. Guarnecido com 350 homens,
com 2 peças de artilharia de calibre 12.

219
Em articulação com os demais redutos da Carvoeira, este forte
visava cobrir a retirada pela foz do Lisandro e a estrada da Carvoeira,
entre Ericeira e Sintra.

220
FESTIVAIS E CELEBRAÇÕES
São Sebastião
Padroeiro dos militares, advogado contra a peste, fome e males
contagiosos. No concelho de Mafra o culto a S. Sebastião apenas é
superado pelo de Santo António: (imagem pedra da igreja da Senhora
do Porto devolvida à paróquia em 1944) venerado em Julho;
Adágios: A 20 de Janeiro S. Sebastião primeiro; Por S. Sebastião,
laranjinha na mão; S. Sebastião dá-me do pão; Eu vou às uvas para
o teu porquinho, quando o matarmos, dás-me do rabinho; Chuva em
Janeiro, venha S. Sebastião primeiro.
Santo António de Lisboa
13 Junho
Adágios: No dia de Sto. António cava do demónio; Dia de Sto.
António vêm dormir as castanhas aos castanheiros; Ovelha que é de
lobo, nem Santo António lha tira.
Santa Luzia
Mártir de Siracusa, advogada contra males de vista, cultuada a 13 de
Dezembro.
Santa Catarina
Mártir de Alexandria (307 d. C.), padroeira de filósofos, estudantes e
jovens sem casar depois dos 25 anos (25 de Novembro).
Santa Ana
Na iconografia, Santa Ana tríplice (como aquela que existiu na igreja
de Nossa Senhora do Porto) também é conhecida por Santas Mães.
N. Senhora da Piedade
A igreja de N. Senhora do Ó (Carvoeira) possuiu uma imagem.
N. Senhora do Ó
- 18 Dezembro
N. Senhora das Candeias
N. Senhora das Almas
Os cruzeiros do Caminho das Almas representam Alminhas.

223
Santa Basiliza
Do grego, Rainha (ou Trono = Isis). Mártir de Antinoo, no Egipto,
companheira de S. Julião (do grego, lindo), com quem partilha a
capela da localidade homónima deste, na Carvoeira. Cristianização
provável do casal Isis-Serapis. O seu culto difundiu-se a partir de
Antioquia. O santoral festeja-a no dia 7 de Janeiro e a S. Julião a 16 de
Março.
São Julião
Outrora festejado pelo denominado Círio da Água-Pé
9 e 10 Janeiro; 4 a 6 de Agosto (1901); Círio da Água-pé
Despesa com a festa anual: 6360 réis (1841); 7160 réis (1842); 8$70
réis (1914).

224
Auto da tomada de contas à mesa da Confraria de S. Julião,
pelo ano de 1841 a 1842

225
226
CÍRIO DA PRATA GRANDE

Não serão os documentos convencionais a revelar qual a sua


génese e muito menos o que motivou que tivesse adquirido a feição de
um voto colectivo, bem como as razões que presidiram à associação de
determinadas comunidades entre si, em detrimento de outras, mesmo
que contíguas. Aquilo que é manifesto, sem qualquer margem para
dúvida, é a circunstância de o Círio da Nazaré constituir um
repositório sincrético de comportamentos arcaicos ritualizados, os
quais o cristianismo salvaguardou por intermédio da lenda de D. Fuas
Roupinho.
Cultuava-se no Sítio da Nazaré uma Virgem ou Pedra Negra,
donde as sete saias usadas pelas mulheres locais, reminiscência de
uma devoção isíaca, ou a qualquer uma das antigas deusas da
fertilidade, e dos sete véus dos seus mistérios. O veado, animal que
transporta consigo a árvore ou omphalos do mundo, personifica-os,
motivo por que surge diabolizado.
Com efeito, a perseguição do cervídeo desde Porto de Mós
(Serra da Lua) pelo almirante (do mar) de Afonso Henriques talvez
queira significar a luta do cristianismo contra crenças pagãs,
personificadas pelo veado, totem da Grande Deusa (também de
Diana).
De resto, foi Frei Bernardo de Brito (cf. Monarquia Lusitana,
parte segunda, 1609), baseado em documento forjado, supostamente
pertencente ao cartório de Alcobaça, quem primeiro estabeleceu um
nexo entre a imagem de Nossa Senhora da Nazaré e um alegado
milagre (nunca antes mencionado), protagonizado pelo almirante do
mar de Afonso Henriques.
Ao cisterciense é ainda devido o alargamento do espaço sagrado
do santuário, que passou a contar com a gruta do Sítio, antes
desconhecida dos devotos, cuja sacralização remontará, decerto, à pré-
história, porquanto associada a insculturas rupestres com a forma de
ferraduras, imediatamente identificadas por Brito como as da própria
montada de Dom Fuas. O contacto com a terra-mãe (os peregrinos
recolhiam terra da gruta e tocavam nestes sinais) e as práticas de cariz
mágico associadas à fertilidade de que a região terá sido palco
traduzem-se no topónimo Pederneira, alusivo a uma Pedra Negra,
ulteriormente transformada numa Virgem Negra (os testemunhos
chamam trigueira àquela que é tida pela mais antiga das imagens de

227
Nossa Senhora da Nazaré: uma Virgem do Leite, em majestade, i. e.,
“sentada em uma cadeirinha”).

228
Imagem de Nossa Senhora da Nazaré

Frei Bernardo de Brito afirma que a imagem descoberta por D. Fuas


Roupinho fora esculpida por São José e encarnada por São Lucas,
tendo estado na posse de São Jerónimo. Este, por sua vez, tê-la-á
enviado para África, para ser entregue a Santo Agostinho. Daí teria
seguido para o Mosteiro de Cauliana, próximo de Badajoz, onde
supostamente recebeu a invocação de Senhora da Nazaré por se
considerar proveniente da terra natal da Virgem. Perdida a batalha de
Guadalete, um monge acompanha na fuga o Rei Rodrigo,
transportando-a até à Lusitânia e depositando-a num abrigo cavado
em rochedo muito escarpado, situado nas vizinhanças da Pederneira.

229
Aí terá permanecido durante cerca de cinco séculos, até à
descoberta da gruta por D. Fuas, a 14 de Setembro de 1182, por via do
evento miraculoso alegado no Sítio.

Recepção na Ericeira (1983)

O Círio, que a Coroa portuguesa apadrinhou desde os seus


primórdios, ou a atitude que ele trai é portanto, decerto, muito
anterior à sua institucionalização no giro das 17 freguesias, o qual se
presume remonte apenas ao ano de 1722, mediante Compromisso (13
capítulos, num total de 43 fl.), que se diz datar de 1732, confirmado,
em 1741, pelo Patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida.
De resto, o que se conta a propósito do velho João Manuel, do
Penedo da Arrifana (Igreja Nova, Mafra), que, muito antes de 1608, ia
todos os anos ao sítio da Nazaré, parece corroborá-lo, bem assim como

230
a referência de Brito Alão à existência no mesmo ano da "confraria da
Vila de Mafra e seu termo".

Chegada à Carvoeira (1983)

O capítulo IV do Compromisso supracitado, cujo teor se


reproduz, revela as circunstâncias da constituição do Círio:

"§ 1º Sendo o principal intento desta confraria que nunca se falte ao


culto e veneração de Maria Santíssima, determina que cada uma das
freguesias, no ano que lhe tocar, como agora se observa e deve
observar no tempo futuro, seja cuidadosa e diligente aos aplausos para
que, com o seu ardente zelo, excite aos empregos de devoção, assim
aos confrades existentes como aos que em diante vierem a existir, para
o que conduzirá para o seu destino a prata, ornamentos próprios da
mesma confraria;
§ 2º Toca esta obrigação a cada uma das freguesias unidas, passado o
círculo de 17 anos, por serem outras tantas as paróquias em que se

231
clausura esta devoção, tendo, entre elas, o primeiro lugar, a Igreja
Nova, cabeça e instituidora desta confraria, de onde se comunicou às
mais; agregando-se-lhe, em segundo lugar, a de Mafra, depois Santo
Isidoro, daí Montelavar, e querendo concorrer com a mesma união,
passado pouco tempo, Cheleiros, São Domingos da Fanga da Fé,
Ericeira e Nossa Senhora do Porto com São Pedro da Cadeira, que foi a
última;

Festeiros do Círio da Prata Grande (1984)

§ 3º A estas freguesias mencionadas se ajuntaram as de S. Miguel de


Alcainça, Terrugem, São João das Lampas e Nossa Senhora da
Oliveira do Sobral, e pouco depois a todas Santo Estevão das Galés, S.
Silvestre do Gradil, a Azueira, ocupando, finalmente, o último lugar a
da Enxara do Bispo, as quais todas se acham existentes e fervorosas, e
nelas se há-de fazer o giro de tal sorte que, passados os dezasseis anos,
torne aquela mesma de onde, no primeiro ano, tinha saído,
principiando neste ano de 1732, no qual se dá à luz este compromisso,

232
achando-se a prata na freguesia de S. João das Lampas, de onde
discorrerá pelas mais;
§ 4º No caso que a alguma destas freguesias, o que Deus tal não
permita, falte a devoção e esfrie o zelo de tal modo que se aparte ou
intervenha algum outro inesperado motivo para que não continue
neste santo exercício, ao tempo que houver de receber a prata e
ornamentos, a freguesia que, conforme a ordem, se lhe seguir, terá
especial cuidado de procurar saber do estado em que se acha a sua
antecedente, para que, não havendo ela de fazer eleição dos oficiais
para a condução da prata e ornamentos, a tal freguesia se antecipe a
satisfazer aquela obrigação, elegendo pessoas idóneas para o seu
desempenho, e assim ficará daí em diante correndo o círculo, como se
tal freguesia que faltou, nunca entre as mais fosse numerada".

Sendo a Igreja Nova a cabeça do Círio da Prata Grande, a ela


ficou cometida a iniciativa (cap. XI, § 2º) de promover, anualmente, as
conferências ou acordãos, o primeiro dos quais cai imperetrivelmente
a 28 de Outubro, dia de São Simão, obrigando os mordomos cessantes
a apresentarem as contas antes de entregarem os livros de receita e
despesa aos novos oficiais. A segunda conferência (cap. XI, § 3º),
realizar-se-á na última oitava do Espírito Santo, com o objectivo de
apresentar os mordomos novamente eleitos aos que estão servindo,
mediante certidão autenticada pelo seu pároco. A entrega da prata
que, conforme o § 2º do cap. VII, devia ter lugar na Nazaré, no sábado
depois da festa, é hoje feita pela direcção cessante na sua própria
freguesia aos mordomos que recebem a Senhora. Estes, além da festa
da entrada, são obrigados a realizar no seu ano mais duas festas,
sendo uma, a principal, na Nazaré, para onde hão-de conduzir a prata
com pompa, aparato e grandeza; a outra, particular, na sua paróquia,
em dia que não coincida com nenhuma outra festa da mesma
freguesia. No entanto, é costume realizar-se uma outra festa, antes da
retirada da imagem da Senhora de cada freguesia pela respectiva
mocidade solteira, vulgarmente conhecida por Festa dos Mordomos
moços, mas também chamada Festa dos Jovens. Neste Círio o carro
do fogo toma a dianteira, imediatamente seguido pelos carros dos
mordomos (cuja importância e classe se descobria, antigamente, pelos
registos mais ou menos aparatosos da lapela), o carro do juiz, a
berlinda da Senhora, o carro do Padre, o dos Anjos e o da música. Os
Anjos, a quem cabe entoar as Loas, são, geralmente, três. Quando em

233
presença dos de outra freguesia, colocam-se frente a frente, para o
tradicional duelo de súplicas e lamentações que antecede o trânsito da
bandeira, só definitivamente entregue após duas negaças feitas aos
que a hão-de receber.

234
A Senhora da Nazaré na Carvoeira (2001)

235
Segundo documento do arquivo do Santuário, firmado em
1642, 38 confrarias visitavam então com regularidade o Sítio. Nos
finais do século XVIII, além do Círio da Prata Grande (no sábado a
seguir a 8 de Setembro), ainda a ele concorriam, entre outros, os de:
Caldas da Rainha (1ª oitava do Espírito Santo), Souto, Coimbrã,
Cravide, Monte Redondo, Amor, Vieira, Monte Real, Mata Mourisca e
Marinha (todas freguesias de Leiria, no dia 4 de Agosto), Penela (15 de
Agosto), Olhalvo (1º domingo de Setembro), Óbidos (7 de Setembro),
Santarém e Lisboa (a 8), Turcifal e São Pedro de Dois Portos (no dia
anterior ao da Prata Grande), Almargem (na mesma data do da Prata
Grande), Porto de Mós (14 de Setembro), Aljubarrota (sem dia fixo).
Alguns círios desapareceram sem deixar rasto, caso, por exemplo, dos
de Loures e de Odivelas.

LOAS

Loas são os hinos ou poemas líricos de louvor a Nossa Senhora.


Em regra, quadras em redondilha maior, segundo esquema ABAB, de
rima consoante.
No século XIX consistiam numa espécie de discurso teatral ou
Auto, representado por figuras simbólicas e, por vezes, burlescas,
sendo designadas simplesmente por Loa. Em data posterior, o género
dramático deu lugar ao lírico, evoluindo a Loa para a forma de Hinos
Devotos, protagonizados por Anjos cantores ou declamadores,
acabando por estabilizar no actual figurino e designação.
Há-as apropriadas a cada uma das cerimónias: para a saída do
Círio, para as paragens episódicas do préstito ou destinadas às
povoações do trânsito, para a entrega e recepção da bandeira (vozes
gratulatórias), à despedida da Senhora (vozes saudosas), para a
chegada do Círio, para as festividades de confirmação da posse.
Eram normalmente distribuídas em in-fólio de quatro páginas.
Durante o século transacto passaram a ser impressas em pequenos
cadernos.
São cinco os momentos ou partes em que se dividem as loas:
entrega da bandeira, saída do Círio, lugares do trânsito, chegada do
Círio e festa.

236
237
238
239
CÍRIO DA ÁGUA-PÉ

O Círio da Água-Pé, oriundo da Ribeira de Pedrulhos, Varatojo,


Torres Vedras, Mafra, Azóia, Colares, Almargem do Bispo, etc.,
chegava no dia de São Jerónimo (30 de Setembro) à Ericeira,
dirigindo-se depois a S. Julião.
"Vinham todos a cavalo em burros e muares, o gaiteiro na
frente, seguindo-se o homem da bandeira, e logo os festeiros e as
festeiras, em número de 30 a 40 pessoas. As festeiras traziam, em
geral, uns muito antigos e estapafúrdios chapéus, ornamentados com
fitas e flores de papel. Eram quase sempre os mesmos estes chapéus, e
parece que faziam parte do material do círio. Este chegava aqui num
sábado, dava três voltas ao santuário, festejava São Julião e Santa
Basíliza no domingo, e regressava na 2ª feira pela mesma ordem da
ida".
Às festividades associava-se, geralmente, muito povo da
Carvoeira, Pobral, Baleia, etc.
Actualmente, só o Círio da localidade de Ribeira de Pedrulhos
(Torres Vedras), o mais antigo, regressa esporadicamente.

Fartes
Bolos confeccionados por ocasião do Círio da Água-pé, a São
Julião (Carvoeira). A sua receita consta do Livro de Cozinha da
Infanta D. Maria (n. 59) e da Arte de Cozinha (1758) de Domingos
Rodrigues, onde surge sob a denominação de Fartes de Espécies:
"Tomarão oito arratéis de açúcar em ponto de fio baixo e lhe deitarão
4 arráteis de amendoas muito bem pisadas e um arrátel de cidrão em
bocadinhos delgados e pequenos. Cravo, canela, erva doce pouca e
ferver-se-á pouco e se tirará o tacho do lume e se lhe deitará uma
quarta de pão ralado por medida. E o sinal de estar feita esta espécie é
botar em cima [...] uns pós de pão ralado e pôr-lhe em cima o dedo a
ver se fica enxuto, e se deita em prato a esfriar. Toma-se então a massa
feita com manteiga e açúcar e se vão fazendo os fartes e, feitos, se
mandam ao forno" (p. 162-163). Em 1910, Gabriel Pereira di-los
preparados com massa de trigo, açúcar e canela (Pelos subúrbios e
Vizinhanças de Lisboa, p. 188).

240
Inquérito do Professor Raúl de Almeida

241
242
ASCENSÃO – Quinta-feira da Espiga
5ª Feira de Ascensão (40 dias após a Páscoa)

Dia da Espiga na Foz (1961)

A derradeira aparição de Jesus aos seus discípulos ficou


assinalada por uma refeição em comum. Uma vez esta terminada, o
Mestre conduziu-os para os lados de Betânia, ao Monte das Oliveiras,
de onde subiu ao Céu à vista deles.
O evento, ocorrido na sequência da Ressurreição e descrito por
S. Lucas (XXIV, 51) e nos Actos dos Apóstolos (I, 1-11), foi consagrado
no Concílio de Niceia, numa Quinta-feira, doravante denominada de
Ascensão. Um tal acontecimento determina o encerramento do ciclo
de quarenta dias, ou quarentena, iniciado na Páscoa, festejando-se no
dia imediato ao último dos três dias das Rogas ou Rogações (também
designadas Ladainhas Menores), as súplicas, preces públicas e
bençãos instituídas no século V por um prelado menor, o Bispo de
Viena, em França, Claudiano Mamerto (S. Mamerto), para que Deus
afastasse os flagelos e calamidades que infestavam o Delfinado. Apesar
de instituídas no ano de 469, alguns autores consideram-nas uma das

243
mais remotas festividades agrárias da Europa, provavelmente de
origem pré-romana. Seja como for, na antiguidade os sacerdotes de
Ceres organizavam na mesma época do ano procissões pelos campos
para pedir fertilidade e colheitas abundantes.
A liturgia cristã incluía outrora não sómente as cerimónias da
celebração da Hora (do meio-dia até à uma hora), destinadas a louvar
a entrada triunfante do Senhor na Glória Celeste, como ainda práticas
que se crê possam remontar a complexos rituais anteriores ao
cristianismo.
Quinta-feira de Ascensão ou da Espiga é um dia fasto,
assinalado no Concelho de Mafra ainda há algumas décadas com
suspensão do trabalho, mormente durante a Hora (da Ressureição),
donde o hábito muito participado da realização de merendas em plena
natureza. Notadamente na Foz do Lisandro, no que concerne às
freguesias de Ericeira, Carvoeira e Mafra, partilhando a tradicional
caldeirada de mexilhão.

244
Caldeirada de Mexilhão
Ementa típica das merendas de Quinta-feira da Espiga, na Foz.
Lava-se o mexilhão e deixa-se em água, a abrir. Prepara-se um
refogado (azeite, cebola, vinagre, salsa e pimenta q.b.). Quando a
cebola fica loura junta-se-lhe polpa de tomate desfeita na água coada
do mexilhão e o próprio mexilhão, deixando ferver. Serve-se com pão
cortado às fatias.

De resto, quando, em 7 de Agosto de 1969 (até ao início da


década de cinquenta o feriado municipal caía no dia 1 de Maio. Por
razões óbvias foi então transferido para 22 de Outubro, aniversário de
D. João V), a autarquia, após sucessivas hesitações quanto ao dia a
eleger para feriado Municipal (Quinta-feira de Ascensão, 22 de
Outubro ou 30 de Novembro), decidiu propôr ao Governo Civil de
Lisboa a Quinta-feira da Espiga, justificaria a opção nos termos
seguintes:

"Desde tempos imemoriais que neste concelho a tradição


manda que, duma maneira geral, cessem nesse dia todas as
actividades particulares, o que é observado em muitas localidades do
concelho pelo comércio e pela indústria, que encerram as suas portas,
e pelos particulares que acorrem aos campos para as tradicionais
merendas em que se festeja a Ascensão do Senhor com descantes e
bailados. Em tempos recuados, nesta vila e em outras localidades as
bandas de música, e agora os ranchos folclóricos, colaboravam nessas
manifestações organizando-se diversões para o povo, tradição que se
mantém [...] Acresce que na Quinta-feira de Ascensão toda a parte Sul
do Concelho e inúmeras pessoas da restante área, acorre à
importantíssima feira da Malveira [...] que nesse dia, dado o feliz
significado da Ascensão, assume proporções inusitadas; de tarde, a
restante população acorre aos campos para a tradicional apanha da
espiga [...]".

Pelo Decreto nº 262/73 de 26 de Maio, o Ministério do Interior


daria, finalmente, satisfação ao solicitado pelo Município de Mafra.

245
LADAINHAS DE MAIO

As Ladainhas de Maio destinam-se a implorar bênçãos sobre os


campos. Desta tradição terá derivado a celebração do Dia da Espiga.
Na Ericeira, nos três dias que precediam a Ascensão, saía, logo
pela manhã, da igreja a procissão homónima, também denominada
das Rogações. No primeiro dia ia à ermida de Santa Marta; no
segundo à de Santo António e no terceiro à de São Sebastião. Os
padres de sobrepeliz e os devotos cantavam a ladainha a todos os
santos.
Algumas celebrações tradicionais do Concelho de Mafra
relacionadas com a Ascensão:

Na Ericeira, o pároco ia em procissão cantar os Benditos, a casa dos


enfermos, dando-lhes a bênção com a custódia onde ia o Santíssimo
Sacramento;
Procissão das Ladainhas de Maio e merendas na Abadia (Ericeira) e
Foz (Carvoeira), interrompidas em 1901 e, posteriormente, retomadas;
Acto de Fé propiciatório de boas cearas (Póvoa da Galega), no dia 3 de
Maio, com o título de festa da Divina Bela Cruz;
Festa dos Merendeiros (Santo Isidoro);
Romaria do Arquitecto (Mafra);
Ornamentação do Cruzeiro com flores (Cheleiros).

Crenças: pela Ascensão, quem não comer ave de pena não é bom
cristão; quem comer hortaliça em dia de Ascensão terá a sua casa
invadida por moscas durante todo o ano; o raminho, colhido neste dia
nos trigais ainda não sazonados (composto por 3 malmequeres, 3
pampilhos, 3 tronquinhos de oliveira, 3 papoilas, 3 espigas de trigo e
outras 3 de cevada), tem valor profiláctico, dando fartura de pão e
sorte até à festa do ano seguinte; quem dormir a sesta em Quinta-feira
de Ascensão poderá perder a Hora e ser atingido por maleita grave ou
pela própria morte).

246
FONTES e DOCUMENTOS
I

Carvoeira – Carta de Foral de 1514 (Vila de Sintra) 91


[Carta de Foral concedida, pelo Rei Dom Manuel I, ao Reguengo da
Carvoeira. Era de Cristo de 1514 (29 de Outubro)]
[ANTT: Livro dos Forais Novos da Estremadura, fl. 137]

[fl. 5] Reguenguo
Item ha outrosy na dita vi/lla huum Reguengo da coroa / do Regno
omde chamam a carvoeyra / no qual se pagua asy de pam e de / (fl.
5v) vinho como de qual quer outra nouy/dade ou cousa que sse colhe
no dito /Reguenguo ho quarto de tudo. //

91Códice de pergaminho; c. 280 x c. 198 mm.; [1] + II-XXII fls. + [3]; tabuada e textos
regrados; no verso da fl. [1v] à fl. [2v], a uma coluna, a [Tavoada], com títulos a negro e
paginação romana, a vermelho; caldeirões a vermelho e azul; fl. 1 a 22v o texto a uma
coluna de 21 linhas, a negro, com os títulos a vermelho; fl. 1 iluminada a ouro e cores; a
divisão superior é constituída por componentes heráldicas: ao centro, as armas reais,
formadas pelo escudo, encimado por uma coroa real aberta, representada
simbolicamente sobre a terra (presença do elemento vegetal), ladeando as armas reais,
encontram-se duas esferas armilares ou globos armoriados, com datas inscritas no
zodíaco (ilegíveis); as esferas armilares assentam num fundo partido em carmim e azul,
apresentando uma forma ligeiramente ovóide devido à pequenez do rectângulo onde
estão inseridas; por baixo, numa faixa disposta horizontalmente, em maiúsculas, a
designação onomástica do outorgante, “DOM MANVEL”, com fundo azul e letras em
carmim; restante texto enquadrado em tarja iluminada a cores, sobre um fundo em
carmim, com flores em botão e em flor; capitais a vermelho e a azul; caldeirões a
vermelho e azul; fl. 22v a rubrica do Rei e vestígios da rubrica do chanceler-mor, Rui
Boto; fl. 23-24 acta da sessão camarária de 19 de Setembro (?) de 1517. Não apresenta
furo para selo pendente, pelo facto das margens dos fólios pergaminácios terem sido
encurtadas, devido às várias intervenções de restauro a que foi sujeito ao longo do
tempo. Não obstante, originalmente terá ostentado o seu selo pendente. Encadernação
posterior de cartão revestido a couro. Mau estado de conservação. Cf. Eugénio Montoito
(coord.) / Maria José Mexia Bigotte Chorão / José Manuel Gonçalves, Forais de Sintra:
Edição fac-similada, leitura paleográfica e estudo, Sintra, Câmara Municipal, 2001. p.
49-102.

249
¶ E paga mais qual quer laurador com / que se parte monte de pam ¶
De cada / monte grande ou pequeno . huum alquey/re do pam que
partem .
E ho no/sso ofiçial ou Rendeyro lhe dara vinho / e fruyta . aa custa das
Rendas ¶ E / chamarão a este djreito maria mendez. //
¶ Nom ha na dita villa nem termo / montados nem manjnhos. //
¶ E os almocreues nam paguam / ora nem pagarãao ao diante nem /
huum djreito. // 92

[Carta de Foral concedida, pelo Rei Dom Manuel I, ao Reguengo da


Carvoeira. Era de Cristo de 1514 (29 de Outubro)]

[fl. 5] Reguengo
Item há outrossim na dita vila um Reguengo da coroa do Reino onde
chamam a Carvoeira no qual se paga assim de pão e de (fl. 5v) vinho
como de qualquer outra novidade ou coisa que se colhe no dito
Reguengo o quarto de tudo.
¶ E paga mais qualquer lavrador com que se parte monte de pão ¶ De
cada monte grande ou pequeno . um alqueire do pão que partem . E o
nosso oficial ou Rendeiro lhe dará vinho e fruta . à custa das Rendas ¶
E chamarão a este direito Maria Mendes.
¶ Não há na dita vila nem termo montados nem maninhos.
¶ E os almocreves não pagam ora nem pagarão ao diante nem um
direito 93.

92 Critérios de transcrição paleográfica: Desdobramentos feitos em itálico; Introdução


do número do fólio – (…); Indicação de linha finda - /; Lacunas do texto - <…>.
93 Critérios usados na leitura actualizada: Desdobramentos não são indicados;

Introdução do número do fólio – (…); Actualização da grafia e dos sinais de acentuação;


Pontuação fiel ao original; Uso de maiúsculas conforme o original, excepto nos nomes
próprios e nos títulos; Lacunas do texto - <…>; Substituição dos numerais romanos por
números árabes.

250
Foral Manuelino do Reguengo da Carvoeira
(29 Outubro 1514)

251
252
II

1514, Maio, 16, Mafra


Instrumento de emprazamento das terras da Ribeira da
Carvoeira
[ANTT: Colegiada de Santo André de Mafra, Livro 1, s. n., fl. 31-32v]

Estormento de emprazamento em vida de tres pessoas, feito


em Mafra aos 16 dias de Mayo de 1514 anos das terras da Ribeira da
Carvoeira e vinhas d’Alfancaria reguendo da rainha, das quais
terras e vinhas se paga a esta igreja por Nossa Senhora de Agosto 22
alqueires de pão meado e tres frangãos em cada hum ano e que
vendendo-se se pague a quarentena a dita igreja

Saybam quantos este estormento de hemprazamento de huns


bens de raiz dados em vida de tres pesoas virem, que no ano do
nacimento de Noso Senhor Jhesu Christo de mil e quinhentos e
quatorze anos, aos desaseis dias do mes de Maio, na vila de Mafora,
nas casas da morada de Alvaro Guomez, estando hi Ruy Fernandez,
creliguo de misa, beneficiado na heigreja de Santo Andre da dita vila,
em prezença de mim, tabeliam e das testemunhas ao diante
nomeadas, per ele foi dito que ele per si em nome dos outros
beneficiados ausentes, mandara meter certas terras e vinhas da dita
heigreja que tem, scilicet, as terras na Ribeyra da Carvoheira e as
vinhas n’Alfanceira reguenguo da raynha nosa senhora e as mandara
meter em pregam per Alvaro Gonçalvez porteyro da dita vila, as quaes
trouve em preguam na dita vila e praças dela hum mes e mais, o qual
porteyro deu a mim tabeliam em fe que as apreguo<a>ara ho dito
tempo na dita vila e nom achara quem mais nelas lançase que Joam
Vycente, morador na dita Carvoheira que lançou nos ditos bens vinte e
dous alqueires [fl. 31v] de pam meado e tres frangãos em cada hum
ano postos na dita vila a custa dele labrador. E loguo o dito Ruy
Fernandez dise que ele vendo em como se mais nom achava que
pertencendo-lhe ser serviço de Deus e proveito da dita heygreja e
beneficiados dise que ele mandara arrematar os ditos bens ao dito
Joam Vycente per os ditos vinte alqueires de pam meado e tres
franguos, todo paguo nesta vila ao prioste a quem certo devera de
receber a custa dele labrador e lhes aforou em vida de tres pesoas e

253
mais nom. E o dito Joam Vycente sera a primeyra pesoa e nomeara a
segunda e a segundo a terceira, que seram tres e mais nom. E o dito
Joam Vicente e as pesoas apos ele nomeadas seram obryguadas de
correger e adubar as ditas vinhas de todo bom adubio ao tempo que os
bons adubadores adubam suas vinhas, em maneira que sempre andem
bem adubadas. E no ho fazendo asy que pague a dita heygreja toda a
perda de dano que por elo fezer e receber. E fara a primeyra pagua de
pam e foro per dia de Santa Marya d’Agosto da presente hera de
quinhentos e quatorze, e dahi em diante per o semelhante dia ate
serem acabadas as ditas tres pesoas. E nom paguando ao dito tempo
bom e de receber, que todo paguem em dobro, e querendo vender o
dito arrendamento e foro primeiramente o faram a saber aos
beneficiados se o querem tanto por[fl. 32]tanto, e nom ho querendo
antam o poderão vemder aquelas pesoas que no sejam daquelas que o
direyto defende. E paguaram aos beneficiados a corentena do que asi
for vendido. E acabados asi as ditas tres vidas, diguo as ditas tres
pesoas; leixaram os ditos bens libres e despachados a dita heygreja. E
o dito Rui Fernandez dise que em nome dos outros beneficiados
obriguava a renda da dita heygreja a fazer bom e de prazer os ditos
bens ao dito Joam Vicente e pesoas apos ele nomeadas, so pena de lhe
paguarem toda a perda e dano que por eleo fezerem e receberem. E o
dito Joam Vicente a todo esto presente dise que tomava em si os ditos
bens pera si e pera as diats pesoas despos ele nomeadas com todas as
crausulas em codições, penas e obriguações acima nomeadas. E
obrygou todos os seus bens e das pesoas, moveis [?] e de raiz, avidos e
por aver a todo ter e manter o conteudo em este estormento, ho que
todo asi outorgou. E man<da>ram ser feitos dous estormentos, hum
per a dita heygreja e outro pera o labrador, e este he da heygreja e foy
feito e outorguado per verdadeiro.
Testemunhas que presentes foram, o dito porteyro e Gonçalo Anes da
Praça e outros. E eu Afosno Pirez Correa, pubrico tabeliam em a dita
vila e seu termo, per o senhor conde de Penela e per mandado e
outorguamento [fl. 32v] das sobreditas este estormento escrevi e nele
meu pubrico sinal fiz que tal he. Eu Joam Fernandez d’Acem,
escudeiro e pubrico tabeliam em a dita vila de Mafora por o conde de
Penela meu senhor que o treladey per mandado de Gonçalo Anes e
Afonso Alvarez, juizes ordinayros em a dita vila, a requirymento
d’Alvaro Pirez, prioste da heygreja de Santo Andre da dita vila. E aqui
meu pubrico sinal fiz, que tal he.

254
[sinal do tabelião] pagou xx reaes

III

1585, Junho 15
Traslado de um extracto de uma carta do Marquês de Santa
Cruz para Cristobal de Sotomayor sobre a prisão e morte
do eremita [Mateus Álvares de S. Julião (Ericeira)], que se
fez passar pelo Rei D. Sebastião
[AGS: Espanha: Estado, legajo 1533, nº 94] 94

Este es un traslado sacado de un capitulo de una carta que scrivio el


Marquee de Sancta Cruz, / desde Portugal a Christoval de
Sotomayor, fecha a 15 de Junio de este año de 85.

Es verdad que estos dias han andado y andan estos Portuguesee muy
solevantados, y cinco leguae / de aqui, estava un hermitaño que
llamavan El-Rey Don Sebastian y, aunque Su Alteza lo embio a
prender / diversae vezes con corregidoree de esta Corte, que son como
all dee de corte alla, no lo prendieron e trayan / ya mas de mill
hombres revelados y Su Alteza me dixo que yo embiasse algunos
soldados a procurar de / prende-llo; embie duzientos arcabuzeros y
treinta coseletes con picas, quando llegaron donde estava el /
hermitaño se havia apartado de su gente con otros dos y prendido-le
en una caseria a donde llego muy canhão, / los soldados se
encontraron con haeta mill hombres de los revelados y llevavan orden
mia que si no se / dexasen prender, combatiessen con ellos y assi fue
forçosso hazer-lo; los Portuguesee, armados con / arcabuçee e picas,
fueron hasta seisçientos, combatieron con ellos media hora, mataron
25 e pren - / dieron 50. Los demas huyeron de los soldados; murio
uno e hirieron dos; Su Alteza mando oy hazer / quartos al hermitaño y
tambien ha scripto al corregedor Diego de Fonseca que haga justiçia
de algunos / delos, que prendieron los soldados e de todos los
culpados en haver muerto un desembargador / de la Supplicaçion, que
es como oydor de Chançilleria y lo mesmo hizieron de un hijo e

94 Transcrição de Maria da Conceição Gomes Pereira.

255
sobriño seuo e oy, / havemdo aviso que un juez e scrivano que Su
Alteza havia embiado a prender al hermitaño, / que ellos havian
prendido, lo havian despenado, a el y al scrivano e se fizieron pedaços.
Su Alteza / ha proçedido aqui muy bien en todo esto, que si huviera 20
años que governara no lo fiziera / mejor; oy le he servido y ayudado en
todo. Menester es que Su Magestad embie soldados, / y no pocos,
porque contener esto bien, en orden, atendera esta gente a sus cosas,
sin andar / en estas liviandadee.
De mas de los presos arriba dichos lo han sido, por esta nueva
alteraçion, Don Alvaro Enrique, / clerigo, persona muy principale
naquel Reyno y deudo muy cercano del Duque de Vergança / y Don
Jorge de Menesses, hijo del Conde de Castaneira e Pedro ...
Mascareñas, dean de Evora / e Bernardo [?] Caravallo, todos los
qualee siguieron a Don Antonio quando pretendio tiranizar / aquel
Reyno .
Fueron aforcados, hasta 22 de Junio, catorze de los principales
culpados en este lebantamiento / y el dho dia lo fue el capitan de ellos,
que se llamava Pedro Alfons e que tavan presos / mas de otros
cinquenta, contra los qualee y los dhos fidalgos e otros se e ba [?]
procediendo por Justiçia 95.

95 Critérios seguidos na transcrição: Resolveram-se todas as abreviaturas, não


assinalando os grafemas abreviados; manteve-se o sinal diacrítico sob o grafema c (ç);
as abreviaturas de nasal sobre vogal resolveu-se em n e m; nos lexemas respeitaram-se
as variantes ortográficas encontradas; modernizou-se o uso de maiúsculas e minúsculas,
o uso de u/v, respectivamente com valor vocálico ou consoante, bem como o uso da
grafia copulativa e; as enclíticas foram separadas por hífen; utilizou-se a separação e
junção de grafemas para a formação de lexemas; empregou-se [?] para as palavras cuja
leitura suscitou dúvidas e ... para erros corrigidos pelo autor; as mudanças de linha
vão assinaladas por /; modernizou-se a pontuação, utilizando apenas a vírgula e o ponto
e vírgula, para facilitar a interpretação.

256
Traslado de um extracto de uma carta do Marquês de Santa Cruz
para Cristobal de Sotomayor sobre a prisão e morte do eremita,
que se fez passar pelo Rei D. Sebastião

257
IV

1585, Junho 30
O Provedor e Irmãos da Santa Casa da Misericórdia de
Sintra deliberam que a bandeira da Santa Casa acompanhe
os enterros dos revoltosos justiçados em Mafra, Ericeira e
Carvoeira
[SCMS: Livro 5 de Acórdãos, fl. 256] 96

Em os trinta dias do mês de Junho de 1585, na Casa da Mesa da


Misericórdia, estando em Mesa o Provedor e Irmãos, se assentaram as
coisas seguintes, por serviço de Nosso Senhor. .... E o dito Provedor e
Irmãos assinaram e eu, Pedro de Abreu o escrevi. Ordenando primeiro
pela licença que houveram, que fossem a bandeira da Casa
acompanhada de alguns Irmãos, dar sepultura aos corpos dos
padecentes que se justiçaram em Mafra, Ericeira e Carvoeira.
E eu, Pedro de Abreu o escrevi.
Provedor, Simão Camelo. Álvaro Brandão. Marcos Antunes.
Manuel de Aguiar, António de Morais [rubrica ilegível], André Freire,
Adão Martins.

1585, Julho 20
Carta de perdão geral concedido aos rústicos
do termo de Sintra
[ANTT: Livro 1º de Leis, fls. 102-103 v] 97

Dom Filipe, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves,


d’aquém e d’além mar em África, senhor de Guiné e da Conquista,
navegação e comércio de Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia, etc.

96 Extraído de João Martins da Silva Marques (Sintra. Estudos Históricos - VI - O “Rei


da Ericeira” e os seus partidários, 1585, in Jornal de Sintra, 5 Set. 1937), com
ortografia actualizada por Manuel J. Gandra.
97 Transcrito com ortografia actualizada por Manuel J. Gandra.

258
Aos que a presente carta de perdão virem, faço saber que eu fui
informado como no Reguengo da Carvoeira, que é junto à Vila da
Ericeira, na ermida de São Gião, residiu, os dias passados, um homem
por nome Mateus Álvares, filho de um pedreiro da ilha Terceira, em
hábito de ermitão o qual, calando o seu verdadeiro nome e
nascimento, induzido por um Pero Afonso, morador em uma azenha
do Rio de Mouro, termo de Sintra, e com outros homens baixos e
sediciosos, disse e publicou que era o Senhor Rei Dom Sebastião, meu
sobrinho, que Deus tem, e passou Provisões em seu nome, com que o
dito Pero Afonso e alguns de sua parcialidade o andavam publicando
ao povo dos lugares ao redor, afirmando o dito ermitão ser o dito
Senhor Rei; e falsa e enganosamente, amotinaram e convocaram
muita gente rústica dos termos das Vilas da Ericeira, Mafra, Torres
Vedras, Sintra, e de outras partes, fazendo ajuntamento e forma[n]do
campo de gente armada, com que mataram algumas pessoas, e entre
elas, o Doutor Gaspar Pereira do Lago, do meu Desembargo, Ouvidor
dos feitos crimes da Casa da Suplicação e a um seu filho e a um
sobrinho, e ao licenciado Manuel de Ataíde da Sarrea, Juiz de Fora da
Vila de Torres Vedras e a um seu Escrivão, os quais ambos deitaram
de uma rocha abaixo no mar; e roubaram muitas casas dos que não
queriam seguir seu bando e motim, perturbando a paz e sossego do
Reino. E eu pela obrigação que tenho de mandar fazer justiça e acudir
com o rigor devido a semelhantes insultos e atalhar os males que,
contra serviço de Deus e meu, e aquietação pública, se puderem
seguir, mandei com brevidade o Doutor Diogo da Fonseca, do meu
Conselho, Corregedor do Crime de minha Corte com alçada aos ditos
lugares, e ao Doutor Álvaro Lopes de Távora, do meu Desembargo,
Corregedor do Crime da cidade de Lisboa, com outros oficiais e
ministros da Justiça, contra os quais os do dito motim e ajuntamento,
se puseram em resistência, sendo principal cabeça o dito Pero Afonso;
e contudo, foram desbaratados pelo dito Corregedor e muitos deles
presos; e também o foi o dito ermitão, na Vila de Colares e o dito Pero
Afonso no lugar do Bombarral; os quais, e outros principais culpados,
foram mortos por justiça com o rigor que tal caso merecia, assim na
cidade de Lisboa como nos lugares onde cometeram o delito, além dos
que foram mortos por resistirem e quererem ofender minhas justiças.
E, posto que todos os que no dito motim e insulto tomaram
armas contra meu serviço, sendo seu verdadeiro Rei e Senhor,
incorreram no crime de lesa-Majestade, e nas penas que, por direito e

259
minhas ordenações são postas aos que cometem e são dignos de grave
castigo, não somente nas vidas, mas nas honras e fazendas.
Havendo, porém, respeito ao castigo que por este caso, muitos
por justiça receberam e aos que por razão dele, foram mortos e aos
culpados serem homens rústicos, lavradores e ignorantes e a serem
induzidos por o dito Pero Afonso e por outros cabeças principais, e
alguns com medos e vexações que em suas fazendas lhes faziam,
inclinando-me mais à piedade, de que os Reis devem usar e pelo muito
amor que a meus vassalos tenho, usando de minha natural clemência,
de meu próprio motu, certa ciência, poder Real e absoluto, de que
nesta parte quero usar e uso, por esta presente carta perdoo e hei por
perdoados a todos os ditos rústicos e lavradores que no dito motim e
insultos foram e tomaram armas contra meu serviço e contra a paz e
quietação do Reino, e lhes remeto e hei por remetidas todas as penas
cíveis e crimes que pelo dito caso, por direito e minhas ordenações
incorreram e hei por bem que livremente possam tornar e estar em
suas casas e recolher suas fazendas, como se no dito crime não tiveram
incorrido
O que assim me praz, com declaração que se não entenderá este
perdão senão nos ditos rústicos e lavradores, nem outrossim se
entenderá nos que se provar que forem culpados nas mortes do dito
Gaspar Pereira do Lago e Juiz de Fora de Torres Vedras e dos mais
que foram mortos com eles.
E, porém, as pessoas ao diante nomeadas como principais
delinquentes e autores das mortes, roubos e insultos e dos mais males
e danos que se seguiram e puderam seguir aquietação e sossego
público em que os meus Reinos estão e por o haver assim por serviço
de Deus e meu e bem comum, as hei por indignas deste perdão e por
exceptuadas dele, as quais pessoas são as seguintes: António Pais que
por outro nome se chama António Pallos, do lugar de D. Maria. Gião
da Mota e Antão Alvarez, do Barril, Francisco Duarte, da Fonte Boa,
Silvestre Marinho, da Ericeira, Luís Álvarez, das Casas Velhas.
Ascenso Queimado, do lugar do Brejo e Baltasar Ferreira, dos
Alvarinhos, Bartolomeu Carvalho, do Sobral, termo de Torres Vedras.
Álvaro Luís, de Ribamar, termo de Mafra, Marçal Moreira, genro da
fradessa de Odivelas e Gaspar Coelho de Monterroio, termo de Sintra,
João Cardoso, do Barril, Simão Mancebo, cerieiro, do Turcifal.
Domingos Pires, da Feiteira, termo de Sintra e Francisco Simão, da
Ribeira, termo de Mafra; as quais pessoas particulares acima

260
nomeadas, hei por bem que não gozem deste perdão e que se proceda
contra elas, pela ordem que tenho dada ao dito Corregedor, Diogo da
Fonseca, na provisão da Alçada que lhe mandei passar, a todas as
pessoas que por direito merecerem; e assim hei por exceptuados todos
os que pelo dito caso foram entregues nas galés para nelas servirem
até minha mercê, e os mais que pelo mesmo caso, são presos, contra
os quais mando que se proceda como for justiça; e bem assim hei por
exceptuados do dito perdão, ao padre Frei Vicente Pais, da Ordem de
S. Domingos, e a João Gaspar, Cura da Igreja de Santa Maria do Porto
[Carvoeira], como principalmente culpados no dito motim e
ajuntamento e insulto, contra os quais, por serem pessoas
eclesiásticas, mandarei proceder, não como seu Juiz, mas como seu
Rei e Senhor, pelo modo que, conforme a [sic] direito, leis e costume
deste Reino, o posso e devo fazer, além do castigo que por seus
prelados e superiores lhes será dado.
E declaro que por este perdão nem por as cláusulas dele, é
minha tenção prejudicar ao direito das partes danificadas e ofendidas,
nem ao direito que poderão ter as mulheres, filhos e herdeiros das
pessoas que foram mortas, porque poderão requerer seus danos e
perdas que receberam, e perseguir e acusar por as ditas mortes, os
culpados nelas, cível e crimemente como lhes parecer. Pelo que mando
a Simão Gonçalves Preto, do meu Conselho, Chanceler-Mor de meus
Reinos, faça publicar esta Carta de Perdão na Chancelaria e o treslado
dela se fixará nas portas dos Paços da Ribeira da Cidade de Lisboa, e
enviará outros treslados às Vilas de Sintra, Mafra, Ericeira, Torres
Vedras e às mais partes onde lhe parecer; e este se registará nos Livros
da Mesa dos Desembargadores do Paço e das Casas da Suplicação e do
Ponto e o próprio se lançará na Torre do Tombo. Francisco de Barros a
fez, em Monção, a vinte de Julho. Ano do Nascimento de Nosso
Senhor Jesus Cristo de 1585. Roque Vieira o fez escrever.
Foi publicada a carta de perdão acima escrita, na Chancelaria,
ao primeiro de Agosto de 1585 anos.

261
Carta de perdão geral concedido aos rústicos do termo de Sintra

262
263
264
265
VI

De Lisboa, aos 15 de Julho de 1585


Jornais Fugger Missivas não impressas à Casa Fugger
dos anos 1568-1605 98

Um falso Dom Sebastião


Aos 12 deste [mês] trouxeram para aqui o nosso novo suposto
rei Dom Sebastião e ontem à tarde foi conduzido através de toda a
cidade, montado num burro; foi-lhe decepada a mão direita, a seguir
enforcado e esquartejado. Hoje enforcaram dois dos seus
companheiros. Este Dom Sebastião reconheceu publicamente que fôra
levado a tal acto por tentação do Maligno e por alguma gente, e disse
chamar-se Mateus Perez; que o seu pai e ele eram pedreiros. A sua
insolência chegou tão longe que a uma milha daqui enganou muitos
camponeses, convencendo-os de que seria Dom Sebastião. Na terça
feira deixou-se aclamar rei em cinco lugares, ao som dos sinos;
distribuiu cargos, executou gente e as suas casas foram saqueadas.
Reuniu oitocentos camponeses, e era de recear que daí pudesse
resultar um levantamento.
Mas de imediato foram destacados para lá trezentos soldados
que dispersaram os camponeses e enforcaram uma parte deles. Alguns
refugiaram-se nos montes. Esta agitação foi sem dúvida provocada por
Dom António que deveria ter vindo em auxílio com a sua armada
reunida em França. Ontem foi apanhado um francês com missivas.
Gente desta, cada vez mais será presa, dia a dia, e é necessário que, de
futuro, não se confie nos portugueses.

98 Organização de Victor Klarwill. Tradução de Sebastião Diniz. Cf. Cinco Notícias


alemãs sobre o desventurado Rei da Ericeira, in Boletim Cultural 2002, Mafra, 2003, p.
35-36.

266
VII

Séc. XVI [?]


Miscelânea de Bento Xavier de Magalhaens Correa de Oliveira
Trovas de Gonsalo Annes Bandarra
[DCL: P-163, fl. 119r-119v]

[…]. Um castelhano que era filho de um alferes que era de uma


das companhias que assistiram em guarda quando em Lisboa
enforcaram Pedro Afonso, que na Ericeira se fez El-Rei D. Sebastião,
contou em presença de muitos sujeitos que ao tempo em que deram o
último Pregão ao dito Pedro Afonso, na forca, e que dizendo o Porteiro
por se fazer El-Rei D. Sebastião, sendo ele morto, se ouvira uma voz
por todos os assistentes das ditas companhias que dissera: Morto não,
mas perdido sim. Ao que acudiram procurando quien es? Quien es?
Sem jamais poderem saber mais que o que tinham ouvido e que
(quanto a ele, isto é, o castelhano alferes) lhe parecia fora voz do Céu,
o que é digno de assim se poder crer. […].

VIII

Antonio de Herrera
Segunda Parte de la Historia General del mundo, de XI
años del tiempo del Señor don Felipe II. El Prudente, desde
el año de MDLXXV hasta el de MDLXXXV
(Madrid, 1601, p. 448-450)

Luego se leuanto otro Rey mas perjudicial. llamado Gõçalo


Aluarez, hijo de vn cãtero, de la Isla de la tercera, y auiedo estado
pocos meses en vn monasterio de Frayles descalços en la villa de
Obedos 14. leguas de Lisboa le despidieron por doliente, y con habito
de hermitaño estuuvo en vna hermita junto al lugar de la Ylicera a la
marina dos años, uiuiedo asperamete sustentãdose de limosnas, y
presumiedo la gente ignorãte que podia ser el Rey don Sebastian que
hazia penitencia, le regalauan, y le lleuavan a sus casas, acordo el
hermitãno de confirmar la gente en este engaño, y entre outras mañas
que vso para engañar mejor, fue, que quando algunos dormian en la

267
hermita, se leuãtaua a media noche, y se açotaua reziamente quando
conocia que la gente le acechaua, y dezia cuytado de ti don Sebastian
que tantos murieron por tu causa, como podras hazer la penitecia que
tus pecados merecen, y otras palabras con que todos creyã que era el
Rey. Esto se fue estendiendo por la comarca, y se hablaua en Lisboa
secretamente, y un labrador rico de aquella tierra le lleuaua a su casa,
y le regalaua, y algunas vezes que a importunacion suya se quedaua a
dormir alli, hazia su diciplina, y lamentacion acostunbrada con que se
publico, y creyo que era el Rey, y como la gente hazia caso delle, el
labrador se apodero del, fin dexalle ver a nadie, hasta que acabase su
penitencia y con esto todos seguiã la voluntad del labrador. que se
llamaua Pedro Alfonso, y porque dixo que declararia el dia que el Rey
yria a Lisboa, se juntarõ ochocientos hõbres, de los quales se hizo
general, nombrandose don Pedro Alfonso de Meneses, Cõde de Torres
uedras, Señor de Cascaes, Alcayde mayor de Lisboa, y proueyo Alferez,
y Sargento mayor. El hermitaño ya se yua declarando por Rey, y
llamaua algunos caualleros, y quãdo yuan no les hablaua, diziendo que
tenia dispusicion para ello, y algunos muy principales de los que auian
seruido a dõ Sebastian en Africa fueron a ver al Rey, y a ofrecersele, y
don Pedro Alfonso los despedia, amenazandolos que se fuessen donde
no los mandaria matar, vieron-le que algunnas vezes cortaua las
espigas de los trigos, y dezia que a si se auia de hazer de las cabeças de
los Señores, y cogia las rosas de los trigos, que llaman amapolas, y
dezia que se auian de ver las calles de Lisboa de aquella color, mando
el hermitaño hazer sellos Reales, y al platero que los hizo le
prendieron.
En teniendo los sellos despachaua cartas, y prouisiones con que
se acrecentaua mas la opinion de que era Rey, y dõ Pedro Alfonso le
traya recogido que nadie le via sino su muger, y una hija que deziã que
auia de ser Reyna, la muger de Antonio Simonis hõbre rico, y hõrado,
recibia el Rey en su heredad que estaua alli cerca, y le regalaua, y
seruia como a Rey, y embio a llamar a su marido para que le viesse:
pero no pudo, y para mejor encubrirse, traya vnos antojos grandes que
le tapauã la media cara. Crecio pues tanto su locura, que se atreuio a
escriuir vna carta al Cardenal Archiduque que la lleuo vn hijo de
Antonio Simonis, que ya era su criado, y el padre escriuano del
Almacen, dio la carta al Cardenal y le dixo, não haga Vra Alteza poco
caso desto, mandolo prender, y el Corregidor que lo prendio lo lleuo a
su casa, y examinado le solto, la carta contenia que le desembaraçasse

268
sus palacios, pues era tiempo que se desembaucassen los embaucados,
y otros disparates, y como se publico que el mensajero era hijo de
Antonio Simonis, y que el padre cõsentia en ello, que era viejo, rico, y
conocia bien a dõ Sebastiã, la ciudad lo creyo, y se altero.
Mando el Cardenal prender a Antonio Simonis, y a su hijo, y
embio al Corregidor Antonio de Fõseca que recibiesse informacion del
caso, y prendiesse al Rey fingido, y a su general, y como no los hallo se
boluio a Lisboa, dexãdo comission a la justicia de Torres uedras, que lo
hiziesse: pero el general lo prendio a el, y a su Escriuano, y los de peño
sin dalles cõfession, aunque se la pidirõ y hallandose el Doctor Gaspar
de Pereira del Consejo Real de Lisboa, con su muger y hijos en vna
heredad suya, hazia la parte adonde andaua el Hermitaño, dezia a
algunos de aquellos que dexassen aquella ceguedad, y rogassen a Dios
por la vida del Rey dõ Filipe que era justo, y pacifico, que don
Sebastian ya era muerto, y sabido por el Rey, y su general, embiarõ de
noche gente que le mato, y a su hijo, y vn sobrino, y roboron la casa.
Mãdo el Cardenal Archiduque al Corregidor Fonseca que boluiesse a
ella, y embio cõ el al Capitan Calderon, com 400. soldados
Castellanos, dio uista el Corregidor al general, y el Capitan cõ los
soldados e embosco en unos panes; pero siendo descubiertos los
soldados la gente del Rey les pregunto quien biue, y diziendo los vnos,
biua el Rey don Sebastian, y los otros el Rey don Filipe, los soldados
les dieron vna roziada con que huyeron los Portugueses, que dãdo
muertos treynta, y siguiendo el alcãce se mataron, y prendieron
muchos, y no pudo ser preso el general. Auiase este dia que fue a onze
de Iunio apartado el Rey de su general con orden que entretanto que
se retiraua por algunos dias se recogie e la mas gente que se pudiesse,
y que presto bolueria, y lleuaria cõsigo dos priuados, y a los 12. al
amanecer se metio en vn monte, y los priuados fueron por de comer a
vna heredad de vn cauallero, llamado Baltasar de Sa que se lo hizo dar
luego, y los mando seguir, y el mesmo fue, y prendio al Rey con sus
criados, y auiso al Corregidor Fonseca que vino, y los lleuo a Lisboa, y
acerto a entrar por la puerta de San Antonio, visperas deste Santo, al
tiempo que yua el Cardenal Archiduque a visperas. Yuan el Rey y sus
criados a cauallo en bestias de albarda, y confessado el Rey dixo sin
tormento todo lo sobredicho, y que la noche de San Iuan tenian
determinado de entrar en la ciudad, degollando, y matãdo a los que no
quisiessen obedecer al nõbre de don Sebastian, y esto cõ toda la mas
gente que pudiesse, y que en teniendo la ciudad pacifica, pensaua

269
ponerse a una ventana, y dezir al pueblo (veisme aqui que no soy don
Sebastiã) sino vn hombre que ha venido a libraros de la tyrania de
Castellanos, ahora hazed Rey a quien quisieredes, al cabo lo haorcarõ
lleuãdo le a cauallo porque el pueblo salisse del engaño en que estaua,
y por Cõsejo de los Padres de la Compañia que le ayudaron a bien
morir (yua diziendo abozes que no era don Sebastian) sino hijo de vn
cantero de la Tercera, cortaronle la mano derecha, y le hizieron
quartos, y la cabeça quedo por vn mes puesta en la horca: sus dos
compañeros tambien furon ahorcados. El Capitan Calderon desbarato,
como queda dicho, a los soldados deste Rey, y los que fueron presos, a
muchos ahorco el Corregidor Fonseca, y a muchos echo a galeras de
los culpados, en la muerte del Doctor Pereyra, y de los que fuerõ
despenãdos, y la gente de Ylicera, Caruonera, y Mafra, tres lugares
louãtados e huyerõ sin quedar muger ni niño, el capitan general yua
huyendo, y veynte dias despues del caso como auia en toda la tierra
orden para prender a los que no lleuassen cedula de paso, y el
pregunto a vnos labradores que jugauã a la bola por el camino de
Obedos, le dixo vno de los jugadores burlando, vos deueys de ser
Pedro Alfonso, y el respondio yo soy (que no deuiera) y con esto lo
prendieron, y lleuaron a Lisboa, y confesso en conformidad del
hermitaño, y fue justiciado.
Era hõbre de 50. años, caluo, alto de cuerpo, de gran cabeça, la
boz feroz, barba, y cauello negro y en su aspeto mostraua ser cruel, y
mal inclinado, y era muy conocido en Lisboa, porque siempre andaua
en pleytos, y luego fue preso su Sargento mayor, y tambien justiciado.

IX

D. João de Castro
Discvrso da Vida do Sempre Bem Vindo, e
Apparecido Rey Dom Sebastiam ...
(Paris, 1602, p. 34-35)

Logo após o qual [falso D. Sebastião de Penamacor] no [ano] de


1585, junto de Lisboa, se contrafez outro, a que chamaram o Rei da
Ericeira; por começar por ali, ambos homens baixos, mas este mais
determinado ou por si, ou porque o fizeram ser, ainda que sem aquele

270
saber, e fundo que pedia tão grande máquina. Começando-se de
espalhar pelo Reino que era o verdadeiro Rei D. Sebastião aparecido
naquela parte, abriram todos os ouvidos como a coisa que podia ser, e
engrossando o rumor, mandou ele por conselho do seu Pedro Afonso,
chamar D. Diogo de Sousa. O qual sendo um dos fidalgos reputados e
de peso, aceitou o recado, e perguntou logo ao Pedro Afonso que lho
levava: Que sinal lhe dera? Como quem o tinha do verdadeiro Rei, e
tornando em si, encobriu o que lhe escapulira.
Enfim determinou ir aonde o mandava chamar, disfarçando-se
para isso, mas o pedreiro da Ilha Terceira, que nenhuma semelhança
tinha com o verdadeiro, receando abocar-se com tão grande
personagem, não foi, mandando-se-lhe escusar. Não puderam Vossas
Mercês negar naqueles actos de pessoa tão qualificada, ver-se
clarissimamente, que o trouxera de África, e que o tinha por vivo, e
sinal seu, parecendo-lhe que podia ser aquele. O que confessou à hora
da sua morte, como testemunham seus amigos de alma, morrendo
com nó grande na garganta, que depois de Deus, só El-Rei D.
Sebastião lho pudera tirar. Outros fidalgos houve, nada desiguais dele,
que levados do que podia ser, e movidos do que se afirmava, se foram
também demudados desenganar por si mesmos. Finalmente indo o
Rei da Ericeira em crescimento de opinião e de lavradores, que se lhe
ajuntavam, chegou a mandar uma carta ao Arquiduque Cardeal
Alberto, que estava então em Lisboa governando Portugal. Com a qual
não somente suspendeu a ele, mas a todo seu Conselho e a todos os
Senhores, fidalgos, e povo daquela cidade. Mas como não soube dar o
golpe por não ter ninguém consigo que Saloios, acudindo-lhe
depressa o Cardeal Alberto com os soldados do presídio, atalhou a
sedição que pudera acender, porque vindo a gente de guerra à
escaramuça com ele e com os seus lavradores, desfizeram-nos logo,
pondo-os em fugida. E prendendo-se depois o falso Rei, levaram-no a
Lisboa, aonde mostrado por toda ela, o justiçaram.

271
X

Luís Torres de Lima


Avisos do Ceo, Sucessos de Portugal ...
(Lisboa,1630)

Capítulo XXXXIV
De dois que se fingiram ser el-rei D. Sebastião, um na Ericeira, e
outro em Penamacor.

Por pecados infames dá Deus castigos infames, e infama a


difamadores, e soberbos com lhes mostrar aos olhos que não tem
parte de altivez: que até a alma, que é espírito, há-de ser humilde; pois
logo que deve ser o corpo de barro tão vil, e ínfimo? E porque não
reparamos nesta consideração, não repara Deus em nos afrontar com
castigos vis. Querendo castigar com zombarias nossas zombarias, e de
siso nossas graças com estas graças: permitindo que dois Rústicos se
fingissem Reis, querendo desautorizar o Reino. Porque estando aqui o
Príncipe Arquiduque Alberto governando neste tempo, na Ericeira
lugar vizinho de Lisboa se introduziu, e fez Rei D. Sebastião um deles,
começando seu entremez em uma Ermida por meios fingidos de
penitência; tratando de enganar aqueles aldeões, com quem tratava:
recontando da batalha, da perda, e do desbarate, e de algumas coisas,
que haviam acontecido, que ele tinha lido, e com lágrimas, suspiros
dizia: Portugal, Portugal, que é de ti? que eu te pus no estado, em que
estás. E com ouvirem estas lamentações, acabaram de crer os que
estavam fora que aquele era El-rei, ou a alma de Samicas em seu
lugar: e assim com esta voz, e fama ia crescendo o nome entre aqueles
currais, acudindo-lhe alguns para o gasto desta farsa. Porém
levantaram-se-lhe os espíritos; quis de passar de Rei do campo,
determinando sê-lo na cidade: querendo cometer a mais árdua, e
dificultosa coisa, que Capitão Romano nunca pensou. Foi determinar
entrar em Lisboa numa noite de S. João da Era de 1583. Com gente de
armas daquela rusti?, apelidando-se por Rei com tão denodo, e
atrevimento: que um vilão farto em nada repara.
A David faltando mantimento, mandou pedir a Nabal aldeão
socorro; negou-lhe. Quando David viu o despejo, com que procedia,
foi com alguns dos seus para onde Nabal residia, para o destruir. Veio

272
Abigail ao caminho pedir-lhe perdão, e misericórdia. E como ele era
benigno, e misericordioso perdoou a culpa.
Porém ainda o da Ericeira passou além, por querer tomar
Ceptro, e Coroa: sendo mais para enxada, e alvião, que para o mais.
Passou Provisões. e Alvarás; fez promessas, deu Títulos: casando-se
consequentemente com uma lavradora bem parecida, coroando por
Rainha; pondo-lhe na cabeça uma coroa de prata de uma imagem da
sua Freguesia, e por tal a logrou alguns dias, até que em um se
ordenou sua prisão. A qual fez (mandado) Diogo da Fonseca, que
então servia de Corregedor do Crime da Corte, indo com duas
Companhias de arcabuzeiros Castelhanos, e com alguns Alcaides, e
Juízes do Crime, todos assim juntos partiram para a Ermida:
chegando perto dela deixaram emboscada a arcabuzaria num vale
baixo de trás de umas ramas. Foi avante a Justiça e sendo descobertas
as varas pelos da guarda do senhor Rei, e de seus cúmplices,
arremeteram a eles, como lobos ao gado.
Fugiu a Justiça à rédea solta, e não com pouca pressa, até os
levarem ao posto da emboscada; e saindo com fúria notável em seu
seguimento, lhes deram um viva de arcabuzaria, e mosquetaria, que
mataram alguns, ferindo outros, e fugindo todos, saltavam montes, e
vales como gamos.
Foi preso o senhor Rei, e trazido a Lisboa com três ou quatro
mais de seu Conselho, onde publicamente foram justiçados, e feitos
em quartos. E nisto pararam os fumos de Baco, que traziam no
cérebro.

XI

Pedro Teixeira
La descripción de España de las costas y puertos
de sus Reinos
(ms., 1634 [BNM]) 99

[...]. Seis leguas está la villa de la eyriçeira, situada en un alto sobre la


mar. Su puerto no és mas para pequeños barcos, por ser sólo una

99Cf. El Atlas del rey planeta (ed. Felipe Pereda / Fernando Marias, Hondarribia,
2002).

273
angosta cala llena de peñas donde rompe la mar con grande furia y, en
aziendo tienpo de traveçia, sacan con mucho trabaxo los barcos a
tierra por no ser posible al poderen estar en la mar sin que se azen
pedaços por la yncapaçidad del puerto. Adelante desta villa de
eyriçeira una legua se entra en el mar un rio por entre peñas, donde no
puede entrar enbarcaçión ninguna. Tiene de la parte del mediodía
poco desviado de sua boca en un alto, como es toda esta costa, un
lugar que llaman la Carvoeira. Deste río continúa la costa azia el
poniente, sin aber outra coza de que que azer mencíon en ella [...].

XII

(167?)
Miscelânia Curiosa de Sucessos Vários
dos fingidos Sebastiões 100

O 3º fingido foi chamado Rei da Ericeira, o qual era um oficial


de Pedreiro, natural da Ilha terceira e achando-se naquelas partes da
Ericeira, um Pedro Afonso, lavrador rico e morador em Rio Mouro,
agasalhando-se o Pedreiro em sua casa e estando de noite fazendo
oração a voz inteligível, entre outras palavras disse estas: - Deus
Senhor perdoai-me meus pecados, e o haver sido a causa de tantos
males como fui - Era Pedro Afonso curioso e nesta ocasião estava
espreitando o seu hóspede e em lhe ouvindo estas últimas palavras,
por elas inferiu e por elas entendeu ser o tal homem o mesmo Rei D.
S.; e obrigado desta ilusão ou ou desta tentação do Demónio, se foi
logo a ele e deitando-se-lhe a seus pés lhos beijou muitas vezes e lhe
disse que ele era o próprio Rei D. S. Defendeu-se o pobre homem com
a verdade e desenganos dela; não bastando todas as diligências de
suas afirmações contra o ateimado Pedro Afonso, antes de cada vez
mais firme e mais furioso na sua teima até que o pobre de perseguido
veio a conceder na bestial vontade daquele que falsamente o
autorizava tanto. Pelo Pedro Afonso ficou logo sendo seu Secretário,
seu Conselheiro e seu valido, que até com os Reis fingidos têm
valimento os maus secretários. Convocaram os saloios de todos

100Extraído de Feiticeiros, Profetas e Visionários. Textos Antigos Portugueses, Selecção


de Yvonne Cunha Rêgo, Lisboa, 1981, p. 216-217 e 240-244.

274
aqueles contornos e só saloios lhe assistiram. Foi este sucesso no ano
de 1585. Foram sobre eles os soldados do presídio de Lisboa e
desbaratando aos saloios prenderam ao falso Rei e ao seu Pedro
Afonso e trazidos a Lisboa, nela foram enforcados e esquartejados.
Chamava-se Mateus Alvares era filho de Gaspar Alvares, outro
Pedreiro.
E porquanto foram diminuídas as notícias que dei do 3º fingido
D. Sebastião, chamado o da Ericeira, as quero agora acabar de dar
aqui.
Em uma quinta-feira dia da Ascensão, 30 de Maio de 1585,
governando estes Reinos o Cardeal Alberto, por seu tio el-rei D. Filipe
1º, saindo o Cardeal da Missa da Capela Real, entrou um mancebo
filho de António Simões, escrivão dos armazéns dos mantimentos e
em público lhe deu uma carta cujo subscrito dizia: - Ao muito Ilustre e
Senhor Cardeal. Ele a tomou e perguntando de quem era, ao que o
mensageiro respondeu, que era d’el-rei D. Sebastião. O Cardeal
chamou logo a Diogo da Fonseca, Corregedor do Crime da Corte, que
ali se achava que o levasse preso e que o pusesse a bom recato; e logo
naquela noite mandou o próprio Corregedor ao outro, chamado
Alvares Lopes de Távora e três Alcaides com muitas espingardas e
muitos galegos, que ao todo eram mais de cem pessoas, que consigo
levavam ao dito mancebo que trouxe a carta e lá aonde quer que
foram, andaram três dias e tornaram sem o dito mancebo, o qual não
apareceu mais, nem do que quer lhe fizeram se soube mais alguma
coisa.
Em segunda feira, primeiro oitavo do Espírito Santo, dez de
Junho do mesmo ano de 1585, vieram ao Paço dois homens com um
recado, que se não soube, de que resultou partirem desta cidade, em o
dia seguinte, onze do dito mês, os dois Corregedores do Crime da
Corte com coisa de 150 homens, os mais deles de cavalo e todos bem
concertados e foram para a Ericeira onde diziam estar um homem que
se dizia ser el-rei D. Sebastião, o qual tinha já tanto poder de gente,
que mandou matar um Desembargador por nome Gaspar Pereira do
Lago, e um seu filho e um seu sobrinho; o mesmo mandou também
fazer ao Juiz e a um Escrivão de Torres Vedras; e de sua parte tinha
muita gente, com o que meteu toda a Corte e o Reino em grande
confusão.
Em quarta feita, 12 do mesmo mês, foi chamado o Senado da
Câmara ao Paço, onde houve Conselho e na tarde do mesmo dia

275
trouxeram três homens presos, cada um sobre seu burro e todos
vestidos de saloios e sem chapéus na cabeça. Um deles era bem moço e
o outro mui ruivo, o outro era barbinegro; e vinham dando no ruivo,
dizendo - vedes aqui o vosso rei D. Sebastião - Entraram pelas Portas
de Santo Antão, Rossio, Rua dos Escudeiros, Douradores, Ourives de
Ouro, Rua Nova, Terreiro do Paço, para que o Cardeal os visse, o que
ele não quis fazer e o levaram ao Limoeiro, onde chegaram
acompanhados de muita multidão de gente do povo tão turbulento e
desinquieto, que os entendidos recearam houvesse algum motim.
Em uma sexta feira, 14 do mesmo mês, saiu o Rei fingido a
padecer, em cima de uma cavalgadura de albarda e escachado nela e
dizia o pregão:
- Justiça que manda fazer El-Rei Nosso Senhor. Manda cortar a
mão direita a este homem por fazer Provisões e Alvarás falsos, e assim
o manda enforcar e esquartejar, por se fazer El-Rei D. Sebastião que
Deus tem em glória; e por se fazer alvorotador do povo, sendo ermitão
de uma ermida de S. Julião na Ericeira e ele e seus pais oficias de
Pedreiros, naturais da Ilha Terceira.
Saiu do Limoeiro pela Sé abaixo, Correaria, S. Nicolau, Rua das
Arcas, Rossio, Rua dos Escudeiros, Douradores, Ourives de Ouro, Rua
Nova, Pelourinho (que ainda não estava no Terreiro do Paço e em 16
de Dezembro deste ano o mudaram para defronte da porta do mar
onde está hoje), aí lhe cortaram a mão direita e dali foi a pé até à forca,
que estava no cais da Pedra, onde o enforcaram. E por toda a distância
deste caminho mandou a justiça, que a cada dois pregões, o mesmo
padecente de cima cavalgadura delatasse sua culpa, dizendo as
palavras seguintes: - Todos me perdoai pelo amor de Deus tanto
escândalo como tenho feito neste Reino e mortes que por minha causa
se fizeram e se fazem. Eu me chamo Mateus Alvares e sou Pedreiro,
natural da Ilha Terceira e nela filho de Gaspar Alvares, também
Pedreiro. Estive naquela ermida por Ermitão cinco anos e o Demónio
me tentou e chamou a este estado.
Morreu contrito, pedindo perdão a Deus e ao povo. A mão ficou
pregada no Pelourinho, a cabeça na forca e os quartos nas portas da
Cidade.
É de saber que este fingido passou Provisões e Alvarás de
mercês, fez promessas e deu títulos e casando-se com uma lavradora
bem parecida a corou de Rainha, pondo-lhe na cabeça uma coroa de
prata de uma imagem da sua freguesia, E com os seus saloios tinha

276
assentado que com gente de armas havia de fazer sua entrada em
Lisboa na noite de S. João deste mesmo ano de 1585, o que lhe atalhou
a prisão que lhe foi feita pelas justiças de Lisboa, 11 do dito mês, como
atrás dissemos, acompanhadas de duas companhias de arcabuzeiros
Castelhanos e chegando perto da dita Ermida da Ericeira, deixaram a
arcabuzaria emboscada em um vale, atrás de uns ramos, passou a
Justiça adiante e sendo investida pelos saloios deitou a fugir à rédea
solta, até meter os saloios na emboscada, que saiu com grande fúria e
dando nos saloios uma carga matou alguns e feriu outros e fugiram
todos os saloios pelos montes, uns como gamos outros como galgos; e
aqui é que se fez a prisão do fingido.
No dia seguinte ao em que morreu o fingido, que foi em um
sábado, 15 do dito Junho, saíram a padecer dois companheiros, e dizia
o pregão: - Justiça que manda fazer el-rei Nosso Senhor; manda
enforcar e esquartejar a estes dois homens por serem companheiros
daquele que se fazia Rei D. Sebastião e se fazerem alvorotadores do
povo e darem ocasião a escândalo e serem culpados em muitas mortes.
O mais velho que era o das barbas negras, fazia o ofício de Mordomo-
Mor, podia ter de idade quarenta anos. O outro pode ter de 18 até 20 e
era o pajem privado. Morreram ambos com muito grandes
demonstrações de arrependimento.
Os Ministros da Justiça tiraram devassa dos rebelados, onde
morreu muita gente de parte a parte; foi saqueado o lugar da
Carvoeira, com as quintas e casais em redor; e dos culpados que
prenderam, foram lá enforcados treze e os demais botaram às galés.
Um Pedro Afonso, de quem já falámos, se dizia ser Secretário do
fingido, o qual se ocultou nesta revolta e se lançou pregão - que quem
o desse à mão para se prender, lhe dariam duzentos cruzados e lhe
fariam mercês com perdão se fosse culpado do mesmo crime. Os
culpados que trouxeram para Lisboa, foram sessenta homens, todos
sentenciados para galés, uns por dez e outros por oito anos; e por ser
no tempo da ceifa e se perderem as novidades, porque os homens
andavam ausentes, por Provisão lhes concedeu El-Rei a todos em
geral, perdão e que por assim vir livremente para suas casas e terras,
reservando somente ao dito Pedro Afonso, o qual em uma quinta feira,
18 de Julho do mesmo ano, o trouxeram preso a esta cidade em uma
cavalgadura de albarda; e vinha gritando e pedindo favor à Virgem
Nossa Senhora, alegando-lhe o haver feito a sua festa todos os anos;
em sábado 20 do mesmo mês foi sentenciado, em segunda-feira 22 foi

277
a arrastar, cortar as mãos e esquartejar e pôr os quartos nas entradas.
Dizia o pregão: - Por traidor e alvorotador do povo e lhe haver dado
muito escândalo e ser culpado em muitas mortes de homens.
Poucos dias depois trouxeram de Setúbal o Sargento-Mor de
Pedro Afonso, que também foi enforcado e esquartejado e os quartos
nas portas da cidade; ia um seu companheiro, por se não querer dar à
prisão o mataram à espingarda. Três dias depois enforcaram e
esquartejaram um homem honrado de Setúbal, por levar e trazer
cartas ao Prior do Crato D. António.
O papel donde tirei esta cópia é autógrafo, está bastante mal
tratado; e pondo de parte o desordenado dele, como seu autor
confessa ir escrevendo o que lhe ia constando, tem merecimento e dá
grande luz à história daqueles tempos, motivo por que o junto a esta
minha Colecção de Sentenças 101.

XIII

[Halle im Magdeburg. A. 1714]


O recente estado do Reino de Portugal e dos territórios a ele
pertencentes dentro e fora da Europa. Segundo os mais
avaliados escritores antigos e novos latinos, espanhóis,
franceses e outros 102

Seguiu-se logo outro de nome Gonçalves Álvares, da ilha


Terceira, filho de um pedreiro, que permaneceu primeiro em Óbidos
como frade descalço, depois como eremita em Hizera e aí mesmo
viveu dois anos em grande austeridade. Ao princípio, na verdade,
talvez este nem sequer pensasse em fazer-se passar por D. Sebastião;
mas porque em Portugal o povo em geral ainda tinha o rei por vivo,
continuava a pensar que o mesmo se encontrava num lugar ermo a
fazer penitência por causa da batalha africana na qual tantos cristãos
haviam perdido a vida; então os habitantes daquele lugar começaram
a tomar este eremita pelo verdadeiro D. Sebastião, porque só há um
par de anos chegara ali num barco, e demonstravam-lhe grande
respeito onde quer que chegasse ou se hospedasse. Como entretanto o

101 Texto datado de 27 de Novembro de 1873.


102 Tradução de Sebastião Diniz. Cf. Ob. cit., p. 36-37.

278
bom eremita notasse isto, e muito lhe agradasse, tomava parte na co-
média e por vezes clamava na sua cabana para que se ouvisse: “Ah,
pobre Sebastião, que és culpado por tanto sangue derramado, como
podes penitenciar-te o bastante por tudo?” Com isto não só reforçava
o juízo que dele modo que quase toda a gente falava no regresso do rei
Sebastião. Um certo de Torres Vedras, senhor de Cascais e alcaide-
mor de Lisboa, com a pretensão de restituir a D. Sebastião o seu reino.
Também mandou fazer um selo com as armas reais e que usava
em vários diplomas que exarava; também enviou ao Vice-Rei uma
missiva em que exibia o selo, mas tão toscamente concebido que só se
podia sentir pena. Mas o Vice-Rei, passado pouco tempo, destacou
400 soldados, os quais dispersaram o povo que acorrera e prenderam
o pretenso D. Sebastião que, logo e de boa vontade, tudo confessou, e
como recompensa recebeu uma corda à volta do pescoço.

XIV

Pero Roiz Soares


Memorial
(Ed. Manuel Lopes de Almeida, Coimbra, 1953, p. 224-228)

E era vivo neste tempo estava el-rei D. Filipe em Aragão que


fora lá fazer Cortes e de caminho, casar a filha mais velha o príncipe de
Sabóia. E estava cá no reino governando, o cardeal Alberto, em cujo
tempo se tornou afirmar que el-rei D. Sebastião não tão somente era
vivo, mas que estava muito, muito perto de Lisboa, e que iam muitos
fidalgos falar com ele e outros lhe mandavam recados. Até que de todo
se descobriu que estava na Ericeira, termo desta cidade, e veio a coisa
a tanto que os vilões vinham todos comprar pólvora publicamente à
cidade, dizendo a todos que era para acompanharem el-rei D.
Sebastião. E andando a coisa desta maneira, entre grandes e pequenos
afirmando ser aquele. E estar ali em dia de Ascensão aos trinta de
Maio da era de 1585. Saindo o cardeal Alberto da capela da missa
acompanhado de toda a fidalguia de Portugal, se foi a ele um mancebo
filho de um António Simões, escrivão dos armazéns, homem rico e
abastado. E deu uma carta ao dito cardeal dizendo que lha mandava
el-rei D. Sebastião. Considere aqui quem ler isto e veja o que seria na

279
cidade e no povo vendo-se dar uma carta desta maneira publicamente
e com tal recado. E entrando logo o cardeal em conselho com a dita
carta, concordaram lá mandar corregedores e alcaides com gente a ver
o que era. Mas nem deixou de haver logo ali fidalgos, que disseram ao
cardeal que eles foram ver este homem que se dizia ser el-rei D.
Sebastião e que o não era. Que era um ermitão que estava ali numa
ermida da Ericeira. Com o qual ficou o cardeal mais sossegado. Mas,
todavia, ele e todos muito suspensos porque o dito rei tinha já escrito
outra carta a D. Diogo de Sousa, general que foi da armada de el-rei D.
Sebastião quando passou a África, e diziam que ele o trouxera no seu
galeão. Na qual carta lhe mandava que logo se fosse ver com ele e
escreveu outras cartas ás câmaras de algumas cidades de Portugal,
incitando os que estivessem prestes para o receber e ajudar a meter de
posse o seu reino. O D. Diogo, todavia, pediu para ir lá a seu chamado
e indo-lhe não quis falar dizendo que porque não ia só como lhe
mandara. E depois disto foi que o cardeal mandou lá os corregedores e
alcaides com seus arcabuzeiros. E não podendo dar com ele, tiraram
devassa e acharam que era um ermitão que havia dois anos que estava
por ermitão numa ermida da Ericeira, e que agora se descobrira que
era el-rei D. Sebastião. E que como a tal lhe mandavam de Lisboa
quanto ele mandava pedir. E o mesmo iam falar com ele. E que o
ourives d’el-rei, que era seu dantes, ia ter com ele e lhe levava muitas
peças e coisas servindo-o e acatando-o como rei. E que o que de cá lhe
mandavam da cidade, lhe mandava tudo um António Simões, escrivão
dos armazéns que é o em que atrás falo. E vindo os corregedores de lá,
com este recado, presumiram logo tudo ser mentira. E prenderam
António Simões, e prenderam o ourives d’el-rei Gregório de Barros. E
foram para prender um sombreireiro que lhe fez um chapéu e lho
levou e fugiu. E logo aos onze de Junho da dita era veio recado como o
dito ermitão se tinha declarado por rei publicamente, e tinha já
consigo passante de mil homens. E mandara tomar o juiz de Torres
Vedras e o mandara deitar de uma serra abaixo a ele e ao seu escrivão,
os quais se fizeram em pedaços. E mandou mais a uma quinta de
Gaspar Pereira do Lago, desembargador que lá estava com sua
mulher, e um filho e um sobrinho chama-lo. E porque não quis ir e
responder que não conhecia outro rei se não el-rei Filipe seu senhor, o
mandou matar a ele e ao filho e ao sobrinho como de facto, mataram.
E lhe saquearam a casa e à mulher só deram a vida e ao dia de santo
António. 14 (sic) do dito mês trouxeram os mortos em três tumbas que

280
era lástima vê-los, neste comenos era já lá mandado com grande
pressa uma companhia de soldados castelhanos e outra de
portugueses. E os mesmos corregedores e alcaides e chegando lá
acharam já três bandeiras de gente feita postas em esquadrões. E por
esses lugares todos à roda botando pregão da parte do dito rei postiço
que todos o seguissem e fossem ajudar sob pena de morte. E tinha
mandado muitas provisões por todo o reino às câmaras das cidades e
vilas com cartas que logo o viessem acompanhar e seguir com a mais
gente que pudessem trazer. E como a fama era já por todo o reino ser
el-rei D. Sebastião, tomavam as cartas e provisões, e beijavam-nas
pondo-as nas cabeças com muito acatamento e em algumas partes
começando logo de dar ordem para o ajudarem e lhe mandarem gente.
E neste comenos deram as companhias lá que digo irem e achando
esquadrão formado, formaram também o seu a vista e estando para
darem batalha disse o capitão dos castelhanos a altas vozes para o
esquadrão dos portugueses que estavam com el-rei postiço - quem
vive -. Responderam el-rei D. Sebastião ao que disse o capitão
castelhano que se era el-rei D. Sebastião lho mostrassem que ele seria
o primeiro que lhe beijaria a mão e o seguiria. Ao que responderam
que não queriam, e nisto deram Santiago neles e matariam obra de
trinta na primeira surriada. E os mais se foram retirando até os
acabarem de desbaratar e prender todos. E o bom do rei tanto que viu
a briga travada, desapareceu ele e um vilão que consigo trazia, velho
que era seu veador e um mancebo que era seu pajem. E vieram ter a
um monte aonde pelos sinais que já havia dele, o prenderam a ele e
aos dois que com ele vinham. E os trouxeram por toda a cidade
descarapuçados ao qual rei chegando ao limoeiro, lhe foram feitas
perguntas. Confessou ser natural da Ilha Terceira, filho de um
pedreiro e que havia dois anos que estava por ermitão de uma ermida
na Ericeira. E que estava ligado com o demónio, o qual lhe fizera fazer
e pôr por obra e fingir-se ser el-rei D. Sebastião. E que para isso,
começara a botar fama por manhas subtis entre os vilãos e para mais
acreditar sua intenção, se confessara a muitos confessores aos quais
dizia e afirmava na confissão, ser ele el-rei D. Sebastião. E que ele
trazia consigo e tinha cinco testemunhas para quando se descobrisse
que escaparam com ele na batalha. E que se não havia de descobrir ao
todo, se não dia de São João que fazia sete anos que se perdera, e
partira deste reino e que prometera a Deus de neles fazer penitência e
que era verdade que ele era o que mandara a carta ao cardeal e a outra

281
a D. Diogo de Sousa, e a algumas câmaras do Reino das cidades e vilas.
E tinha muitas provisões a muitos homens de mercês e tinha
adquirido aquela gente a si e esperava adquirir muitas mais e tinha
determinado de dar na cidade dia de São João antemanhã. E entrar na
cidade e ver se podia ficar apoderado desta maneira e que para mais
sustentar isto, tinha afirmado àquela gente que esperava por uma
grossa armada de França para o ajudar, que tinha mandado vir e desta
maneira tinha adquirido a gente a si e determinado fazer o que vedes
se nosso senhor não permitira, prender-se antes, porque por tal ordem
ia tudo ordenado. E estava crente entre todos ser ele el-rei D.
Sebastião, que se chegara ao dia de São João e fizera o que tinha
determinado. Perdera-se Portugal com estrago de muita gente o que
permitiu Deus se fizesse antes naqueles que o seguiam, que presos os
mais deles foram enforcados, passante de trinta na mesma quintã da
Ericeira, onde mataram o desembargador e outros muitos foram para
as galés. E ver as ruas de Lisboa cheias de mulheres e meninos destes
que enforcaram, e perderam lastimava a alma, sendo causa de tudo
este mal aventurado homem que à sexta feira 14 do dito mês saiu a
enforcar e a esquartejar com um pregão que dizia: - Justiça que manda
fazer el-rei nosso senhor. Manda cortar a mão e enforcar, e esquartejar
este homem, porque sendo pedreiro filho de um pedreiro, natural da
Ilha Terceira, sendo ermitão na Ermida de S. Gião da Ericeira, fingiu e
se fez el-rei D. Sebastião, que está em glória e foi caso de muitas
mortes e grandes danos e opressões e por aqui mais comprido. Mas
estas foram as forças primeiras do pregão o qual saiu sobre uma besta
para todos o verem, à vontade na qual a cada passo confessava ser ele
o próprio que causara tanto mal. E por ser tão disforme e contrário
nas feições d’el-rei D. Sebastião, nunca se mostrava nem descobria
senão a vilãos, usando sempre de ardis e manhas. com a mulher do
dito António Simões e com seu filho que também foram destes males
porque, como lá tinha o dito António Simões uma quinta em que
estava a mulher e o marido, cá na cidade servindo seu ofício de lá
certificava a mulher ao marido ser aquele el-rei e ele de cá mandava-
lhe todo o necessário. E pelo dito da mulher fazia crer na cidade a
todos, que era el-rei aquele jurando-o e afirmando-o até chegar o filho
a vir dar a carta ao cardeal como atrás ouvistes. e assim, mulher e
marido foram também presos. E em prisões e trabalhos acabaram e
logo ao outro dia fizeram também Justiça dos dois que prenderam
com o ermitão. E porque o principal desta maranha, era também um

282
vilão que chamavam Pedro Afonso, que foi o que veio chamar D. Diogo
como atrás ouvistes, e o que tinha também afirmado em toda a Lisboa
ser este el-rei D. Sebastião o qual era muito do campo da gente que
este ermitão tinha junta o qual lhe deu este cargo e título de Marquês
de Torres Vedras e Conde de Monsanto e de Cascais. De todos estes
títulos lhe tinha feito mercês, o qual Pedro Afonso foi o que formou a
batalha e o que mandou matar o desembargador e botar os outros pela
penha abaixo. Era crudelíssimo e diz que tinha determinado, entrando
a noite de São João na cidade mandar descabeçar todos os fidalgos:
este depois de dada a batalha escapou e como dele se tivesse grande
notícia e ser o principal culpado, mandou o cardeal fazer grandes
diligências para o haver à mão com promessas e dádivas. Foi preso e
trazido a esta cidade aos 18 de Junho da dita era e logo saiu arrastar e
as mãos ambas cortadas. E enforcado e esquartejado com um pregão
de uma folha de papel em que recontava os males e danos de que fora
causador e desta maneira houve fim esta tragicomédia que tantas
vidas custou e tantas desventuras e depois disto ainda trouxeram
outro vilão que era o sargento-mor a que fizeram as mesmas justiças.

XV

[Frankfurt e Leipzip, 1733]


Minucioso Discurso sobre a situação presente dos Estados
Europeus em que se trata clara e pormenorizadamente das
respectivas origem, crescimento, poder, comércio, riqueza
e fraquezas, forma de governo, interesse, pretenções e
desavenças, juntamente com o cerimonial aplicável entre
os seus emissários. Com as necessárias tabelas
genealógicas e um prefácio do Senhor
D. Jacob August Franckenstein […] 103

[…] e o que nós desejamos, facilmente acreditamos […]. Por isso,


tendo os portugueses sido tão miseravelmente tratados e nada mais
desejando insistentemente do que um rei da casa de D. Manuel,
facilmente acreditaram em todos os que lhes podiam falar de D.

103 Tradução de Sebastião Diniz. Cf. Ob. cit., p. 37-38.

283
Sebastião. Primeiro veio um eremita que se pôs a suspirar e
exclamava: “Ah, tu desgraçado Sebastião”; e como as gentes ouvissem
tais clamores, acorriam e, embora como eremita nada tivesse de
realeza em si, mesmo assim tomavam-no por D. Sebastião. Quando os
espanhóis tiveram notícia disto, capturaram o eremita e decapitaram-
no; assim terminava o assunto. A seguir veio um pedreiro e também se
apresentou como D. Sebastião, e apareceram alguns mercadores que o
apoiaram; também conseguiu constituir uma comitiva. […].

XVI

José Pereira Baião


Portugal cuidadoso, e lastimado com a vida e perda do
Senhor Rey D. Sebastião
(Lisboa, 1737, p. 732-734)

Sucedeu isto no ano de 1584, no mês de Julho, e podendo servir


de exemplo para emenda de outros tais atrevimentos, foi ao contrário,
pois logo no ano seguinte se viu outro ainda mais extravagante pelos
mesmos termos, fingindo-se ser el-rei D. Sebastião, um moço
chamado Mateus Álvares, natural da Ilha Terceira, filho de um
pedreiro, o qual, saindo-se do Noviciado dos Frades Arrábidos do
Mosteiro de S. Miguel junto à vila de Óbidos, se fez também ermitão
numa ermida de S. Julião junto à vila da Ericeira. Aqui fazia uma vida
ao parecer mui penitente, e se introduziu a ser rei antes que ninguém
o imaginasse. Disciplinava-se fortemente onde pudesse ser ouvido, e
dizia com triste lamentação: Portugal, Portugal, que é feito de ti, que
eu te pus no estado em que estás, oh triste de ti Sebastião, que toda a
penitência é pouca em respeito de tuas culpas. Começaram alguns a
crer que ele era el-rei, e entre eles um lavrador rico chamado Pedro
Afonso. Juntaram-se até oitocentos homens de que se fez General,
acrescentando ao seu nome o apelido de Meneses. Pôs o fingido rei
Casa Real (sic) e fortificou-se, casando-se com uma filha do dito Pedro
Afonso, moça bem parecida coroando-a por Rainha, com uma coroa
de prata de uma imagem de Nossa Senhora, fazendo Marquês de
Torres Vedras a seu pai, e Conde de Monsanto, Senhor de Cascais e
Alcaide-mor de Lisboa.

284
E assim fazia outras mercês, passando provisões, e alvarás com
solenidade de selos reais, ocultando-se sempre e mostrando-se a
muito poucos por grande favor, aos quais contava algumas
particularidades da batalha, para os ter mais seguros nesta presunção.
E mandando recado a D. Diogo de Sousa, General da Armada, que lhe
fosse falar, tanto que soube, que ele perguntara ao mensageiro pelo
sinal que lhe dera, receando-se que se descobrisse o engano, ou por
outra alguma razão, que não consta, lhe tornou a mandar dizer, que
não fosse.; e contudo indo lá, lhe não quis falar, dizendo que o fazia
assim porque não ia só. Escreveu depois ao Cardeal Alberto, que lhe
desocupasse o seu Paço, e se fosse embora para Castela. Porque já era
tempo de que abrissem os olhos tantos enganados. Foi preso o
embaixador e soltando-o logo cobrou maiores forças a opinião de ser
el-rei, por onde, o que assim se fingia se foi ensoberbecendo, e fazendo
alguns graves castigos em todos aqueles que o não queriam
reconhecer, e lhe negavam a obediência, sendo executor o Marquês,
seu sogro, que era homem crudelíssimo e desumano. E agora muito
mais com a vanglória dos títulos, que lhe foram dados, e considerar-se
sogro d’el-rei.
Vendo o Cardeal Governador, que se devia atalhar tão grande
desordem antes que passasse a mais, deu ordem ao Corregedor de
Torres Vedras para que os fosse prender, e querendo-o executar foi
morto arrebatadamente com os seus Oficiais por aquela gente, que o
seguia. E sendo isto repreendido por Gaspar Pereira, Ouvidor daquela
comarca o mataram também, e a um filho e a um sobrinho.
Saqueando-lhe a casa como em guerra justa. Passando já neste tempo
de mil a gente assoldada que o seguia, vindo todos a comprar pólvora,
e bala à cidade. Diziam publicamente, que era para acompanhar a el-
rei D. Sebastião. Pelo que, e porque não crescesse mais o dano e
influência, foi necessário acudir com mais forte remédio. Deu-se
ordem ao Corregedor da Corte, e se mandaram a juntar todos os
Ministros da Justiça com os seus Oficiais, e com quatrocentos
Soldados castelhanos bem armados foram fazer a diligência. E
chegando perto do couto do novo rei, ficaram os soldados emboscados
num vale, indo a Justiça adiante, e sendo descoberta pela guarda,
arremeteram a eles como lobos.
Fugiu a Justiça com muita pressa até os irem meter na
emboscada, de onde saindo com fúria lhe deram uma carga de tiros
com que mataram, e feriram a muitos dos fautores do rei, fazendo

285
fugir aos outros pelos montes, e vales. Foi preso o rei, e alguns do seu
concelho e trazido a Lisboa fez confissão de que não era el-rei, nem
pretendia sê-lo, e que só intentava dar sobre Lisboa com as armas dos
seus seguidores, na madrugada do dia de S. João. E vencida ela como
esperava, pretendia dizer ao Reino, que já o havia posto em liberdade
para que fizessem rei. Foi enforcado em 14 de Junho do dito ano,
cortando-lhe primeiro a mão direita no Pelourinho, aonde ficou
pendurada por passar Provisões e Alvarás falsos, fingindo-se el-rei D.
Sebastião, a cabeça esteve um mês pregada na forca, e os quartos
foram postos pelas portas da Cidade. E no dia seguinte enforcaram e
esquartejaram a outros que foram presos com ele, um que fazia o
ofício de Vedor, que seria de quarenta anos, e outro que era Pajem
privado, que seria de idade de vinte anos.
Na Ericeira foram enforcados vinte homens, que eram deste
bando, muitos foram lançados às galés. e Pedro Afonso, Marquês e
Conde General, e Secretário do triste rei, fugiu no dia da prisão dos
mais; mas pouco depois foi preso, fazendo-lhe em Lisboa o mesmo,
que tinham feito ao seu soberano. E os pobres moradores daquele
contorno despovoaram a terra com medo por terem seguido a voz do
rei enganoso. Foram também presos e castigados muitos, que
enganados o favoreciam de Lisboa e lhe mandavam dinheiro e peças
de valor. Como foram António Simões, escrivão dos armazéns, e
Gregório de Barros, ourives d’el-rei, pagando miseravelmente o zelo,
com que cuidavam servir ao seu rei.
Parece que foi o intento de mandar chamar D. Diogo de Sousa,
saber dele se era certo, como se dizia, que el-rei veio na Armada,
porque sendo assim, e sabendo dele onde estava, e se estava pronto
para entrar a governar, ajustariam ambos a forma de ocupar Lisboa, e
desocupá-la dos Castelhanos com aquela sua gente, e entregá-la ao
dito Rei, com o que ficava restituído ao seu Reino, e aqueles serviços
seriam bem gratificados por ele, e agradecidos de todo o Reino. Isto se
colhe da sua confissão, e outra coisa se não deve imaginar, pelos
descaminhos ou impossibilidades a que se expunha por todas as vias;
o que qualquer mediano entendimento conheceria muito bem.

286
XVII

Luís Cardoso
Diccionario Geografico ou Noticia de todas as Cidades,
Vilas, Lugares e Aldeias, Rios, Ribeiras, e serras dos
Reynos de Portugal e Algarve, com todas as cousas raras,
que nelle se encontrão, assim antigas, como modernas
(tomo 2, Lisboa, Regia Oficina Silviana e da Academia Real, 1751,
p. 497-498)

CARVOEIRA – Lugar na Província da Estremadura,


Patriarcado de Lisboa, Comarca de Torres Vedras, Termo da Vila de
Sintra. Está situada em um alto, com boa vista. A Paróquia fica fora do
lugar. É seu orago Nossa Senhora do Porto: tem três altares, o maior e
dois mais, um de S. Sebastião, outro de São Mamede. É a Senhora
Imagem milagrosa e tem sua Irmandade. Era esta freguesia da Vila de
Cheleiros, aonde ainda hoje são anexos e vai à Matriz uma pessoa de
cada casa dia do Corpo de Deus, dia da Natividade da Senhora e das
Candeias. Todo o dízimo vai para a igreja de Cheleiros. Era ermida e
com licença do Prelado e do Prior consentiram puzessem os fregueses
Cura, haverá cento e oitenta anos, apresentado pelos fregueses, que
lhe dão de côngrua uma pipa de vinho, cem alqueires de trigo e vinte
de cevada, com a regalia de ser apresentação do povo. Tem esta
freguesia uma ermida de São Julião, fora do lugar. Os frutos da terra
são vinho, trigo, cevada e milho. Tem um Juiz e Almoxarife para todas
as causas destes moradores, com o ordenado de 45 mil reis cada ano.
Tem outro Juiz anual e um procurador que conhece das Almotaçarias,
correições e condenações. Com o Escrivão fazem corpo de Câmara.
São eleitos pelos homens da governança e confirmados pelo Senhor da
terra: têm estes a regalia de darem o Ofício de Escrivão.Tem privilégio
para que não conheça das causas dos moradores senão este e depois
de julgado por ele, conhcem por apelação os Juízes dos feitos da
Fazenda. Tem também o privilégio para se não fazer nela soldados,
pela sentinela que fazem os moradores em um facho que tem esta na
foz do rio, pelo perigo de poderem ali desembarcar Mouros. Passa por
esta freguesia um rio, chamado Rio grande do Porto.

287
XVIII

1758
Memórias Paroquiais
de Nossa Senhora da Expectação do Porto (antiga Nossa
Senhora do Ó) do Reguengo da Carvoeira
[ANTT: Memórias Paroquiais, v. 31, maço 54, p. 307-310]

Desta freguesia de Nossa Senhora do Porto, reguengo da


Carvoeira, em cumprimento dos interrogatórios que se inquire saber é
o seguinte que contém em si esta terra, tem por nome e é chamada
Carvoeira.

Memórias Paroquiais da Carvoeira (primeiro fólio)

288
1. Esta terra fica na província de Lisboa, pertence ao Patriarcado
de Lisboa, é comarca de Torres Vedras, reguengo da Carvoeira,
freguesia de Nossa Senhora do Porto.
2. O donatário desta terra é, ao presente, Joaquim Miguel
Lopes de Lavre.
3. Tem esta terra trinta e seis moradores e pessoas são cento e
oitenta e duas, pouco mais ou menos.
4. Dentro nela e, pelos lugares da mesma freguesia, tem
trezentos e noventa, pouco mais ou menos.
5. O sítio dela é em um outeiro baixo. As povoações que dela se
descobrem são as seguintes: um lugar que chamam o Urzal, outro que
se intitula Gonçalvinhos, outro que é chamado o Zambujal, outro a
que chamam as Casas Velhas, outro que é por nome Leitões, outro que
é chamado o Seixal, outro por nome Casalinhos, outro que é chamado
Fonte Boa da Brincosa, os quais lugares ficam distantes desta terra um
quarto de légua.
6. Esta terra é determinada e reguengo separado, compreende
em si nove lugares e o nome deles é o seguinte: um se chama o Urzal,
outro chamado Carrascal, outro se chama os Casalinhos, outro se
chama Fonte Boa da Brincosa, outro se chama Baleia. outro se chama
Valbom, outro Barril de Baixo, outro Barril de Cima, outro Pobral (1),
dos quais, principiando pelo primeiro que se chama Urzal, tem sete
vizinhos e moradores e; segundo, que é Carrascal, tem três vizinhos; o
terceiro, que é Casalinhos, tem dezanove moradores e vizinhos; o
quarto, que é chamado Fonte Boa da Brincosa, tem vinte e nove
vizinhos; o quinto, que se chama Baleia, tem oito vizinhos; o sexto,
que se chama Valbom, tem três moradores e vizinhos; o sétimo, que se
chama Barril de Baixo, tem três vizinhos; o oitavo, que se chama Barril
de Cima, tem quatro vizinhos; o nono e último, que se chama Pobral
104, tem oito vizinhos.

7. A paróquia desta terra está distante fora dela quase meio


quarto de légua, junto a um do e os lugares que tem são os que ficam
ditos neste parágrafo supra e, os nomes, são também os que nele
relatei.
8. O seu orago é Nossa Senhora da Expectação do Porto,
contém em si três altares, em (que) se invoca São Sebastião, outro é
chamado de São Mamede e, outro (altar mor) é de Nossa Senhora da

104 Pobral vem redigido com a grafia Povoral.

289
Expectação do Porto e tem, dentro da mesma igreja, duas colunas
pequenas nas quais descansa o coro da mesma igreja. Tem uma só
irmandade, a qual é de Nossa Senhora da Expectação do Porto.
9. O pároco que nele há é cura e a apresentação é dos fregueses
dela, e aprovação ou confirmação do prior da vila de Cheleiros e, a
renda que o cura tem, ad pluirium (?), é cem mil réis.
10. Não tem beneficiados, nem conventos, nem tão pouco
hospital, nem Casa de Misericórdia.
11. Tem esta terra duas ermidas, uma se chama Santo António
e, outra, é chamada São Julião, esta está distante deste lugar da
Carvoeira um quarto de légua, próxima do mar, aquela está junto a
este lugar da Carvoeira, o qual, como já disse, se chama Santo António
e, ambas, pertencem aos fregueses.
12. Nesta ermida de Santo António não vem a ela romagem e,
só no seu dia, que [é] a treze de Junho, fazem os mordomos desta
mesma freguesia sua festa; àquela que é de São Julião acodem, em
alguns dias do ano, algumas pessoas de romagem, os quais dias são os
que se seguem: o dia depois da Epifania, em Janeiro, que é a sete do
dito mês, o Domingo antes do dia de Santo António e o primeiro
Domingo do mês de Setembro.
13. Os frutos que os moradores desta terra recebem em mais
abundância é vinho, e pão e algum milho, porém o vinho é em mais
saturidade, também recolhem alguns legumes, mas poucos, e alguns
melões e melancias, pêras também, em pouca quantidade.
14. Nesta terra há juiz, e almoxarife e ordinário. Tem câmara e
não consta, nem se sabe, que esteja súbdita a outra justiça.
15. É esta terra reguengo apartado que nele se sentenciam
causas o litígios.
16. Desta terra não há memória que saíssem homens insignes
nas artes liberais ou virtudes.
17. Nesta terra não se faz feira alguma, nem tem correio, só sim,
tem algumas pessoas que vão à cidade de Lisboa, das quais se serve
alguma criatura que queira alguma coisa da corte. Está esta terra
distante da cidade de Lisboa, capital do reino, seis léguas.
18. Tem esta terra alguns privilégios, dos senhores Filipes reis,
isentas algumas coisas, isto é: de canas, bestas e outras coisas
semelhantes que contêm em si os ditos privilégios.
19. Nesta terra não há fonte nem lagoa de especial virtude ou
qualidade.

290
20. Nesta terra não há porto de mar no qual entrem
embarcações, nem também tem muros ou fortalezas, só tem uma casa
pequena que serve de facho ou vigia próxima do mar em tempo
presente, sendo ainda algum tanto destruído do terramoto e pouco
reparada.
21. Nesta terra não há serra de que neste interrogatório se faz
memória nem lembrança, pois nesta terra não há senão uns vales e
montes, dos quais não há coisa digna de especialidade. E nestes vales
se criam alguns animais, os quais servem para o fabrico das terras.
Nos mesmos montes alguma caça se cria, suposto que é pouca, são
perdizes e coelhos. Não tem esta terra lagoa, ou fojos, só sim um, em
um rio como abaixo explicarei. O temperamento destes montes e vales
é cálido no Verão e frígido no Inverno.
22. Nesta terra há um rio o qual se chama o rio de Nossa
Senhora do Porto, e tem o seu princípio onde chamam a Malveira. O
seu nascimento não é muito caudaloso, as águas deste rio, pelo verão,
se secam em algumas partes e, em outras, não; e neste sítio só um rio
pequeno entra, o qual se chama da Vidigueira e neste mesmo rio
entram alguns regatos.
23. Este rio se chama de Nossa Senhora do Porto, não é
navegável nem hábil para embarcações em toda a distância dele. Não é
de rápido curso, só quando as águas no lnverno se multiplicam e
crescem.
24. O seu curso é do Nascente, do qual traz seu nascimento, e
finaliza no Poente. Alguns peixes cria em maior abundância, os quais
se chamam fatassas (?) ou, por outro nome, taínhas, as quais entram
para ele por um pequeno braço de mar que, no mesmo rio, mete mar
quando é mais bravo e isto só no tempo do Inverno, que daí para
diante o mar o tapa com areia e não correm as águas. Também tem
alguns peixes que se chamam corveias e mais alguns peixes que se
chamam bordalos.
25. Neste rio há algumas pescarias, ainda que poucas, as quais
comumente são no tempo do Inverno e algumas no Verão, e as
pescarias que nele se fazem são de cana e algumas com a rede de larefa
[?] ou três malhas, mas estas são proibidas pela câmara deste senado,
desde uma ponta que este rio tem para baixo até quase ao mar, que
será de distância menos de meio quarto de légua, e as pescarias de
cana são livres e isentas.

291
26. Nas margens deste do se cultivam e não têm qualidade
alguma de silvestre e, só sim, as suas margens constam de vinhas e
terras que se cultivam para pão. As suas águas não têm particular
virtude alguma.
27. Sempre, em todo o tempo, conserva este nome, fenece e
acaba no mar. Neste rio não há represa, levada, açude ou cachoeira
que embaracem para ser navegável.
28. Tem este rio uma ponte, a qual é fabricada de cantaria, a
qual está no sítio da igreja de Nossa Senhora do Porto, junto à dita
igreja, de distância de vinte passos, pouco mais ou menos.
29. Este rio, neste sítio, não tem moinhos, lagares de azeite,
pisões, noras ou outro algum engenho, nem dele há memória que em
tempo algum se tirasse algumas coisas que diziam respeito a ouro ou
prata.
30. Os povos e gente do sítio deste rio usam livremente das suas
águas, não para a cultura dos campos, que dele se não podem utilizar
os moradores para a cultura das margens do mesmo modo, mas sim os
animais se aproveitarem para saciar a sede e não tem função alguma
que as povoações estejam agregadas e sujeitas. Tem este sítio de
longitude, onde principia até onde fenece e acaba, duas léguas e meia;
tem princípio onde chamam a lage e, daí, à Malveira e, daí, passa por
onde chamam a Alcainça e, daí, por um sítio que chamam Farelo e,
daí, passa pela ribeira da vila de Cheleiros, pelo Moinho da Cruz e pelo
Moinho de Cima e, daí, pelo Moinho de Valbordo e pelo pé de um
lugar que chamam Carvalhal e, entrando neste sítio, não passa por
povoação alguma e finaliza normal. E, finalmente, é esta terra
pensionária e quarteira, pois dela se pagam quartos ao senhor dela,
que é Joaquim Miguel Lopes de Lavre. E não sei que haja coisa alguma
de que faça menção, os interrogatórios, mais.

Carvoeira, 28 de Março de 1758


O Cura Luís António Cavado

292
XIX

[Leipzig, 1759]
História de Portugal
Outra parte segundo volume. Da união deste reino
com a Espanha até aos tempos actuais 105

O segundo a entrar em cena, pouco tempo depois, foi Mateus


Álvares, filho de um pedreiro da ilha Terceira que, por devoção à vida
espiritual, se demorou alguns meses no convento dos carmelitas
descalços, perto de Sintra, e de lá passou para uma ermida, próximo
da Ericeira, uma parte dos revoltosos foi derrotada, perto da Ericeira,
e desbaratada; também o eremita foi finalmente capturado e trazido
para Lisboa onde, esteve em completo recolhimento por dois anos,
vivendo das esmolas do povo. Os camponeses, por fim, convenceram-
se de que este podia bem ser o penitente D. Sebastião; um, de nome
Afonso, persuadiu-se disso mesmo, e todos insistiram tanto com o
eremita que, finalmente, este declarou perante eles que não queria,
por mais tempo, ocultar-se do seu povo fiel. A seguir, foi devidamente
proclamado rei pelos seus crédulos adeptos; Pedro Afonso
desempenhava o papel de general; foram espalhadas pelo reino
missivas com o selo real, por força das quais todo o honrado português
era exortado a prestar auxílio ao rei ressurgido; pois que nas terras
onde o novo rei tinha aparecido já estavam em armas mais de 700
homens. Porém, o cardeal Alberto chamou às armas o povo por todos
os sítios; juntamente com alguns dos seus companheiros, foi
enforcado em público e logo a seguir esquartejado.

105 Tradução de Sebastião Diniz. Cf. Ob. cit., p. 38-39.

293
XX

1760, Novembro 4
[Visitação de]
Nossa Senhora do Porto da Expectação da Carvoeira
[ACPL: ms. 113]

O Reverendo Pároco como tão cuidadoso no culto divino como


observei, no asseio do sacrário e da mesma sorte na administração dos
sacramentos a seus fregueses se faz digno da conservação do seu
ministério com a exacção que manda o Concílio Tridentino e Pastorais
para o modo das estações, ensino da doutrina, visita dos enfermos,
absolvições na hora da morte, e quanto for possível assistência aos
moribundos. E como nesta freguesia se acham tantas pessoas ainda
das do trato menos cível sabendo ler e escrever porque o cuidado dos
párocos antecessores se empregava em os ensinar, pelo que lhe reco-
mendo faça pelos imitar nesta parte por ser coisa tanto estimável para
o serviço de Deus e da República, o que só pode suceder fazendo habi-
tação em algum lugar do centro da freguesia o qual pode ser o da
Carvoeira onde há ermida, sítio proporcionado para os referidos exer-
cícios espirituais quotidianos e do terço da Virgem Senhora, e aí
poderá exercer os mesmos empregos que seus antecessores ficando
também mais pronto para acudir com pontualidade na sua
administração a toda a freguesia.
Louvo ao Reverendo Prior de Nossa Senhora do Reclamador de
Cheleiros, matriz desta freguesia, a afabilidade com que se houve em o
acto da visita e a clemência que tão generosamente ostentou com os
paroquianos assentindo às condições que lhe propus para a
inteligência e execução do contrato conforme a erecção desta paróquia
e aos fregueses desta freguesia a submissão e resignação com que se
houveram para o complemento dos referidos ajustes e declarações,
conforme consta do termo que perante mim e no acto de visita se fez, o
qual foi confirmado pelo Eminentíssimo Senhor Cardeal Patriarca
Dom Francisco de Saldanha por despacho de vinte e dois de outubro
de mil setecentos e sessenta, e segundo o mesmo termo se remeteu o
original para o cartório da matriz de Cheleiros e o treslado feito pelo
mesmo secretário da visita para perpetuamente estar no cofre desta
freguesia. Espero em a Virgem Senhora, segundo o referido ajuste não

294
haja mais alterações nesta freguesia nem discórdias não só com o
mesmo referido prior mas ainda uns com os outros paroquianos.
Pela comissão que Sua Eminência for servido dar-me a respeito
dos requerimentos que se lhe tinham feito desta paróquia, sendo entre
eles o de serem confirmados nas mesmas ocupações o juiz da igreja e
finalizarem este ano que correm por não se concluir a eleição quando
o povo foi convocado, assim hei por bem e mando que os tais sejam
conservados mas que lancem as suas contas como se acabassem de
servir e começarão nova receita e despesa pertencente a este ano a
qual será lançada por um escrivão conforme o que me requereram e
segundo os votos do povo, elejo para a dita ocupação em este ano a
António Pereira da Carvoeira, o qual finalizará com o tal juiz e
procurador no tempo costumado e daí em diante com os referidos se
elegerá pelo povo da mesma sorte uma pessoa da freguesia que saiba
escrever e contar para servir a dita ocupação.
Como pelo concurso de todo o povo na multiplicidade de votos
para qualquer determinação é causa distúrbios e dissensões, mando
haja quatro louvados os quais juntos com os referidos oficiais farão a
apresentação do curato e todas as mais eleições das confrarias não
sendo a do juiz e procurador e escrivão da igreja que esta só será feita
pelo povo, e atendendo ao número ténue dos paroquianos e quantos
são ocupados todos os anos em a igreja servirão daqui em diante de
louvados o que for juiz de Nossa Senhora, o mordomo mais velho do
Santíssimo Sacramento, da mesma sorte o das Almas e o do Nome de
Deus.
Mando debaixo de pena de dez tostões para o meirinho das
futuras visitas aos dois oficiais da igreja juiz e procurador que em
qualquer tempo servirem façam com que todos os anos os
remanescentes das contas se metam no cofre da igreja conservando
cada um dos referidos em si a chave que lhe pertence juntamente com
o Reverendo Padre Cura, e neste andará um livro por que conste as
entradas e saídas dos referidos acréscimos.
E como a ermida de S. Julião é da jurisdição do Reverendo Prior
da freguesia de Nossa Senhora da Assunção do Reclamador da Vila de
Cheleiros, matriz desta freguesia, e a ele por direito pertence as
oblações que se ofertam ao mesmo santo, e pela mesma razão o apre-
sentar ermitão para a referida ermida, recomendo a este muito em
Deus Senhor Nosso ponha na dita ocupação pessoa idónea e temente a
Deus, fiel e verdadeira, e como pela distância não poderá bem saber

295
quais são estas qualidades no apresentado peço queira atender às
rogativas que os oficiais lhe fizeram a este respeito.
E para que as esmolas que se dão anualmente para as obras e
culto do mesmo santo as quais se devem converter no referido e para
que não tenham em tempo algum desvio, mando que por estas se faça
no mealheiro que está na mesma ermida uma fechadura com três cha-
ves, das quais uma pertence ao Reverendo Prior da matriz, e como
pela sua distância em que assiste não pode estar tão pronto para se
extrair o dinheiro com tanta pontualidade por não se expor algum
furto pelo solitário do sítio, em nome do dito Reverendo Prior estará a
dita chave na mão do Reverendo Padre Cura desta paróquia e as
outras duas estarão na mão do juiz e procurador da igreja, e tirado que
seja o dinheiro do dito mealheiro logo se meterá no cofre da igreja
debaixo das suas chaves fazendo-se verba no mencionado livro e
juntamente no que deve haver para a receita e despesa da mesma
ermida, e para que o culto do santo, conservação da mesma sua
ermida e casas de romagem não padeçam deterioridade por não haver
quem tenha este cuidado com tanta prontidão, mando haja sempre
um procurador em cuja mão esteja o livro da receita e despesa o qual
receberá do cofre da igreja o que fôr preciso para as referidas coisas e
nele passará recibo de quanto recebeu para assim dar conta em que o
gastou, e as quais contas serão revistas pelo dito Reverendo Prior, e
porque o Padre Paulo da Fonseca sempre tem mostrado grande
devoção ao dito santo cuidando no seu culto por ser pessoa tão
abonada nomeio para sempre no dito lugar e lhe peço queira
continuar como até ao presente, e deixando este a dita ocupação se
fará eleição de outro anualmente da mesma sorte que as mais da igreja
paroquial, em tudo se conservarão os costumes até aqui observados na
dita ermida sem alteração alguma excepto querendo-se dar algum
dinheiro à razão de juro se não poderá fazer sem autoridade do
Reverendo Prior para ser com toda a segurança.
Estes e os mais capítulos que não estiverem revogados por legí-
timo superior mando se cumpram e guardem, o Reverendo Pároco os
fará passar pela chancelaria de Sua Eminência no termo de dois meses
publicando-os primeiro à estação da missa conventual em três dias
festivos, pena de dois mil reis para as despesas da Relação. Dados em
esta Vila de Colares aos quatro de Novembro de 1760.

296
Recebi os capítulos acima que são os próprios que se acham
lançados no livro das visitas que fica na minha mão. Colares, 5 de
Novembro de 1760.
O Padre Cura Manuel Duarte.

XXI

1769, Agosto 23, Reguengo da Carvoeira


Pública-forma redigida pelo escrivão Anastásio Gaspar
contendo um instrumento de denúncia efectuada pelo
provedor e irmãos da Santa Casa da Misericórdia da
Ericeira e um despacho do Doutor João Maurício da Silva
Gorjão, Almoxarife e Juiz privativo do Cível e do Crime no
Reguengo da Carvoeira sobre os agravos imputados ao
corregedor João Anastácio Ferreira Raposo, entre os quais
a intromissão na correição do Reguengo e na licitação dos
quartos desse mesmo reguengo por Silvério Francisco,
Manuel Freire, António José Joaquim da Costa e Amaro
Duarte daí originários
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1362, doc. 1,
fl. 42-74v]

XXII

[Frankfurt e Leipzig, 1777]


Curiosidades de Portugal ou notícia abreviada da natureza
do país, do carácter dos habitantes, e das múltiplas
transformações políticas deste reino com algumas anedotas
dos tempos mais recentes 106

No ano de 1585 apareceu em pessoa D. Sebastião, ou melhor um


impostor que, instigado por alguns descontentes entre os grandes, se
fazia passar por ele. Embora em nada se parecesse com o mesmo,
encontrou, em breve, seguidores entre a populaça. Mas o vice-rei
resolveu intervir, e a investigação revelou que era filho de um telheiro

106 Tradução de Sebastião Diniz. Cf. Ob. cit., p. 39-40.

297
de Alcazon e que tinha vivido alguns anos como eremita. Foi
condenado perpetuamente às galés.
A este seguiu-se um outro eremita que se chamava Gonçalvo
Álvares13 e nascera na ilha Terceira. Não só era bastante parecido com
o rei Sebastião, mas também a circunstância de ter nascido na ilha
acima mencionada au mentava o juízo a ele favorável. A princípio, fôra
frade descalço e, mais tarde, passou dois anos como eremita em
Hizera14.
Também isso aumentou a sua consideração, tendo assim a
populaça ficado completamente convencida de que D. Sebastião se
mantinha na solidão para cumprir penitência. Ao perceber que ideia o
povo fazia dele, decidiu aproveitar-se desta oportunidade. Fechava-se,
por vezes, na sua cabana e em voz alta chamava: “Ah, infeliz Sebastião,
que és o culpado de tanto sangue derramado. O que podes fazer para
expiar a tua culpa?”. Os vizinhos ouviam isto e, em breve, chegava até
Lisboa que D. Sebastião ainda estava vivo. Um lavrador rico, Pedro
Afonso, acolheu-o em sua casa e, em pouco tempo, reuniu uma
multidão de 800 homens, e proclamava em público que queria
restituir o trono ao rei D. Sebastião. Mandou gravar um selo especial
com as armas reais e enviou uma carta selada com o mesmo ao cardeal
vice-rei para que se rendesse. Ao ver que o caso se tornava sério o
cardeal enviou um destacamento de soldados, os quais, em breve,
dispersaram o povo que acorrera em massa, e prenderam o pretenso
D. Sebastião. Este confessou de livre vontade o seu embuste e foi
enforcado.

XXIII

1781, Novembro 4
Treslado dos capítulos de visita da freguesia de
Nossa Senhora do Parto da Carvoeira
[ACPL: ms. 486]

António Rodrigues Bicho, Reitor da Paroquial Igreja do


Santíssimo Sacramento da cidade de Lisboa, ratificador de
testemunhas do Tribunal do Santo Ofício, visitador ordinário das
vigararias da vara das Vilas de Sintra, Cascais e Arruda e parte do

298
tempo de Lisboa, pelo Eminentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Cardeal Patriarca D. Fernando de Sousa Silva e Meneses, primeiro
deste nome.
Faço saber que visitando esta igreja de Nossa Senhora do Parto
da Carvoeira em presença do Reverendo Pároco e muita parte de seus
fregueses me pareceu por serviço de Deus prover o seguinte.
Sendo-me presente o grande e muito louvável desejo que todos
os moradores da freguesia de Nossa Senhora do Parto, Reguengo da
Carvoeira, têm de que em a sua freguesia haja sacrário em o qual
esteja colocado o Santíssimo Sacramento, não só por sua consolação,
mas para se aproveitarem recebendo-o uma e muitas vezes como
verdadeiros fiéis, não lhes sendo até agora possível tê-lo em a ermida
que serve de paróquia por causa de estar só sem vizinhança alguma, e
se ter edificado na raiz de um elevado monte e próxima a um rio que
não pode conter a grande quantidade de águas e por cuja causa se tem
várias vezes inundado, e no distrito da freguesia aonde reside a maior
povoação está a excelente ermida de Santo António, edificada por uns
reverendos sacerdotes falecidos irmãos do Reverendo Padre Paulo da
Fonseca, o qual seus herdeiros e mais o povo suplicaram licença para
se colocar, reter e conservar perpetuamente o Santíssimo Sacramento
em a referida ermida. Atendendo pois ao bem público e espiritual
necessidade dos mesmos fregueses e que algum deles tem falecido sem
receberem o sagrado viático por falecerem em horas incompetentes
para se celebrar, mando que o Reverendo Pároco assim que o sacrário
que a dita ermida de Santo António já tem estiver forrado e tiver
pavilhão consagre logo e conserve em o sacrário o Santíssimo Sacra-
mento para poder em qualquer hora administrar o sagrado viático aos
seus fregueses executando em tudo o que determinam os cânones e
constituições quando tratam desta matéria.
E porque nesta freguesia há vários lugares e casas distantes
aonde processionalmente se não pode levar o Santíssimo Sacramento,
não só pela longitude, como pelo escabroso e tortura dos caminhos,
ordeno que o juiz e louvados, saindo a despesa do cofre de Nossa
Senhora, façam logo no espaço de dois meses um relicário em o qual
possa o Reverendo Pároco levar o sagrado viático a todos os seus
fregueses, advertindo que do dito relicário só se poderá servir em
lugares distantes e não em a Carvoeira aonde processionalmente e
com a devida decência acompanhado ou de irmãos do Santíssimo ou

299
dos louvados e com capas encarnadas levará o Santíssimo debaixo do
páleo na forma do antigo e sempre louvável costume de Portugal.
E tresladados assim os capítulos da visita que deles serve e
ficaram no livro das visitas da freguesia de Nossa Senhora do Parto da
Carvoeira a que me reporto, e de como os recebe o Reverendo Pároco
aqui assinou e eu o Beneficiado João Colaço Ramalho secretário da
visita os escrevi.
Recebi os capítulos da visitação supra. Carvoeira Nossa Senhora
do Porto, 4 de Novembro de 1781.
O Cura Julião Duarte.

XXIV

[1781]
Igreja de Nossa Senhora do Porto Reguengo da Carvoeira
[ACPL: ms. 486-A]

O Reverendo Cura Julião Duarte, diligente na administração


dos sacramentos, mas pouco instruído e sem a viveza que se requere
para o lugar de pastor.
O Reverendo Padre Paulo da Fonseca, de setenta e nove anos,
bem instruído, muito temente a Deus, e digno de louvor.

XXV

1781, Agosto 22, Torres Vedras


Certidão de José da Veiga, escrivão da Correição da
Comarca de Torres Vedras do auto de arrematação dos
quartos do Reguengo da Carvoeira
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1362, doc. 1,
fl. 109-109v]

[fl. 109] Joze da Veiga Escrivão da Correição nesta Comarca de Torres


Vedras por sua Magestade Fedelissima que Deos guarde etc. Certifico
aos Senhores que a prezente virem em como do Juizo da Correição do

300
Civel da Corte emanou Carta Precatoria derigida ao Doutor
Corregedor da mesma Comarca para efeito de se proceder a
arrematação dos quartos do Reguengo da Cravoeira por tercentos ao
anno de mil setecentos setenta e nove, o qual depois de cumprida
mandou o dito Doutor Corregedor em dar em Praça apregão os dias da
ley e por editaes na forma do costume, e depois se asinou dia para
arrematação a que se procedeu sendo prezente o Procurador que
lançou em nome dos moradores do mesmo Reguengo e havendo
outros lanços à outras pessoas foy mayor de seiscentos trinta e dous
mil reis dado pello Procurador do Rematante o Alferes Luis Antunes, e
sendo afrontado o dito Procurador dos moradores do mesmo
Reguengo, foy chamado pello dito Doutor Corregedor e o iristou para
que lanssace sobre o dito [fl. 109v] lanço o que elle não quis fazer e se
foy embora, e andando em Praça mais algum tempo os ditos quartos, e
não haver quem nelles mais lançace mandou o dito Doutor Corregedor
aRematar e com efeito os aRematou o dito Alferes Luis Antunes, por
seu Procurador com procuração bastante constante dos autos em que
asinou termo, sem que já mais o fosse Joze Henriques de Faria que
nesse tempo héra Escrivão Companheiro e por tudo passou na
verdade constante dos autos o que me reporto passei a prezente que
asinei nesta villa de Torres Vedras em os vinte e dous dias do mês de
Agosto de mil setecentos outenta e hum annos,

Joze da Veiga, Jozé Pais Cordeiro e Jozé Perreira

XXVI

1807, Novembro 17, Lisboa


Parecer desfavorável da Mesa do Desembargo do Paço ao
pedido de D. Jorge de Meneses para subrogar uma
propriedade de Vínculo instituído por Manuel Lopes de
Lavre ao qual pertencia o Reguengo da Carvoeira.
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 2132, doc.
32, fl. 1-2]

[fl. 1] Senhor
Como parece. Palácio de Mafra, 23 de Março de 1807

301
[Assinatura autógrafa de D. João, Príncipe Regente]

Por Avizo da Secretaria d’Estado dos Negocios do Reyno, de 14


de Outubro deste prezente anno, Mandou Vossa Alteza Real, que nesta
Meza se lhe consultasse o que parecese hum requerimento de Dom
Jorge de Meneres, que diz em sua petição: que sendo o Suplicante
actual Admenistrador do Vinculo instituido por Manoel Lopes de
Lavre, e mais Senhores da sua casa, de que fora ultimo Admenistrador
Joaquim Miguel Lopes de Lavre, ao qual Vinculo, entre os mais bens,
pertencia o Reguengo da Carvoeira junto à Villa de Mafra, com todas
as suas rendas, jurisdições, e Direitos, o qual ao presente andava
arrendado pela quantia de novecentos e sincoenta mil reis por anno,
sendo o maior rendimento a que tinha chegado: que considerando o
Suplicante que este Reguengo fora pelos seus Antecessores tomado em
subrogação por hum Padrão de Juro Real, da quantia de seis contos de
reis cujo rendimento annual era a de trezentos mil reis, comtudo
aquelle rendimento dos novecentos e sincoenta mil reis podia ser
falivel, por isso que dependia ou dos Rendeiros, ou da industria dos
Lavradores; e por isso querendo sigurar hum estabelecimento mais
firme e seguro, e ainda com a maioria de mais duzentos e sincoenta
milreis por anno, se convencionara com Manoel da Silva Franco,
recebendo deste vinte contos de reis em Apoleces de Novo (fl. 1v)
Emprestimo que rendião hum conto e duzentos mil reis, ficando estas
Vinculadas ao mesmo Morgado, em subrogação do dito Reguengo, que
passaria como livre com todas as suas rendas, Direitos, e Jurisdições
ao referido Manoel da Silva Franco; e porque semelhante contrato não
só era conforme ao espirito da Ley novissima, mas munto util ao
Vinculo, e à Real Fazenda, pelas cizas que lhe rezultava da Liberdade
dos bens de raiz, por isso pedia a Vossa Alteza Real a Graça de lhe
primitir que podese fazer a pertendida subrogação, em attenção às
expostas razões.
Ordenou a Meza ao Dezembargador Antonio Bemvenuto Jorge,
que ouvindo ao Imidiato Sucessor, informasse depois interpondo o
seu parecer, ao que satisfes dizendo que ouvindo ao Imidiato Sucessor
como se lhe ordenara, respondera elle repetindo as mesmas vantagens
que seu Pay descobrira na pertendida subrogação que se não podia
duvidar da munto facil, e munto segura arrecadação destes Juros; mas
que isto só durava emquanto não chegava a amortização das capelas, e
assim se conservaria até se achar em que fosse empregado, sofrendo

302
entretanto a Caza hum gravissimo encomodo, podendo munto bem
suceder que o Suplicante ou seu filho fosse o Admenistador; e que
nem hum nem outro farião esta reflecção: que tão bem hum
arendamento feito a pagamentos adiantados, não era o que devia
regular o valor da propriedade para se deduzir o seu preço; pois que se
ella fosse (fl. 2) admenistrada por um vigilante Pay de Familias qual se
não mostrava o Suplicante poderia ser outro o seu preço: que tão bem
se devia ponderar que o valor do Reguengo não era só o util, pois que
tão bem devia entrar em conta o onorifico, ao qual posto que não
attende-se o Rendeiro, o devia fazer o Proprietario, o que não
escaparia ao Suplicado. Que o qe tinha acontecido com este Reguengo,
e constava dos documentos, que se juntavão, se via que o Supicante
não entendia dos seus enteresses: que em 1640 se vendera elle por
onze mil cruzados; e em 1700 dera o Antecessor do Suplicante
trezentos mil reis de juro por elle, tirando-o assim do Morgado em que
estava incorporado, sendo serto que naquele tempo se diria que o
Vinculo ficaria utilizado; que hoje porem assim mesmo mal arrendado
produzia novecentos e sincoenta mil reis, sendo tal o aumento
progressivo das riquezas, que não havia probabelidade algua de se
interromper esta ordem de couzas.
Que portanto lhe parecia a elle Informante, que em o Suplicante
requerer hua tal subrogação, dava a mais deceziva prova de desprezar
ou desconhecer os enteresses dos seus secessores.
E sendo tudo visto
Parece à Meza o mesmo que ao Ministro Informante para ser
escuzado o requerimento do Suplicante. Lisboa 17 de Setembro de
1806
Gomes Ribeiro Leite 107

107 Na margem esquerda: Foi voto o Dr. Francisco de Abreu Pereira de Menezes.

303
XXVII
1814, Março 28, s. l.
Auto da medição e de marcação do Rossio d’Além a rogo da
Câmara de Mafra aos lavradores Joaquim de Miranda e
José Freire Amaro
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14,
fl. 7-8v]

[fl. 7] Auto de Medição e de Marcação

Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e


oito centos e quatorze annos aos vinte e oito dias do mês de Março do
dito anno em o sitio de Fonte boa da Brinquoza Regengo (sic) da
Carvoheira e no destrito chamado o Rocio d’alem, junto ao dito lugar
no termo da Villa de Mafra cham (sic) Baldio do Senado da Camera
onde veio o dito Senado servindo de prezidente o Doutor Joze
Joaquim de Abreu Vieira Juis de Fora dos Orfaons sizas e direitos
Reais com Alsada por Sua Real Alteza que Deos guarde e nesta Villa de
Mafra e seu termo com os Veriadores Estevão João de Carvalho
Estevão Gomes Sardinha e o Sindico da Camera e Capitão Manoel
Marques da Cunha no impedimento do Procurador do Conselho
Maximo da Silva e Francisco de Paulla Alcaide e Agostinho Joze
Porteiro com vertude da Provizão retro e seu Cumprasse ser do
tambem prezente o Recorrente Gregorio da Silva mandarão ao [fl. 7v]
dito Porteiro apregoasse pello dito Sitio e suas vezinhanças quem
tivesse que requerer no lugar sobre dito Terreno baldio pertendido
pello recorrente de aforamento comparecesse no dito acto para se lhe
deferir como fose de justiça e sendo prezente os loucrados do Juizo
nomiados pello Senado da Camera Joaquim de Miranda e Joze Amaro
Freire Lavradores o Juis Prezidente lhe deferio o juramento dos
Santos Evangelhos em hum livro delles em que pozerão suas manos
direitas sobre cargo do qual lhe mandou lemiar regote que elles com
boas e saniz Consiencia se o que o Recorrente pertencia seria Baldio
se projedicava o publico ou articular a prezente de Marcação e que
depois de medido e de marcado virem e examinassem e segundo a sua
qualidade e extinção avaliassem tanto o que valia de Capital como de
foro anual tudo com boas e saniz Conciencias sem dollo malicia ou
afeição e sendo por elles Recebido o dito juramento debaixo do mesmo

304
prometerão cumprir na forma que lhe hera emcarregado e
aparessendo o dito Porteiro disse [fl. 8] tinha cumprido na forma
Ordenada e por verdade prestava sua fée de assim o haver executado.
E ajuntando se o Povo do dito lugar e suas vezinhanças Requererão
que aquelle dito Baldio lhe servia de seus logradouros para tender das
suas roupas e para eiras da debulha do seu pão e para pasto de seus
gados por serem os unicos logradouros daquelas vezinhanças e que
por isso é que serviço lhe faria hum potavel perjuizo; Mas sem
embargo disso o Juis Prezidente e mais Veriadores em verdade da
provizão mandarão proseder a medição e a marcação pella forma
seguinte // Principiando o Nascente aonde se emtravou Marquo e
cordeando pella parte do Sul para o Poente onde se meteu Marquo
tem noventa e nove varas e cordeando para o Norte aonde se
emeravou Marquo tem noventa e duas varas e cordeando para o
Nascente onde se emeravou Marquo tem quarenta e quatro varas e
cordeando para o primeiro marquo tem sesenta e quatro varas. E
parte do Norte com baldio, Sul com estrada, Puente com baldio,
Nascente com estrada, e sendo visto examinado o dicto Terreno
demarcado pellos ditos loucrados declararão que valia de capital vinte
mil reis e de foro anual duzentos Reis e para de tudo constar (fl. 8v)
mandarão fazer este auto que dou fé passar os referido na verdade e
todos com o dito Juis Presidente Veriadores asignarao Escrivão da
Camera o escrevi.

Doutor Abreu Carvalho Sardinha Marques


Domingos de Faria Gama
Joze Freira Amaro
Joaquim de Miranda
Francisco de Paula
Agostinho Joze

305
XXVIII

1814, Abril 27, Mafra


Auto da medição do Rossio d’Além executada
por ordem régia
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14,
fl. 6-6v]

[fl. 6] Illustrissimo Senhor

Em observancia a Ordem de Vossa Senhoria lavrada na Copia


da Provizão do Supremo Tribunal do Dezembargo do Paço a favor de
Gregorio da Silva morador no lugar da fonte boa da Brinquosa
Regengo (sic) da Carvoheira passamos ao lugar denominado o Rocio
d’alem termo desta villa a Vertoriar o Terreno Valdio (sic) que o
mesmo Gregorio da Silva requereu a Sua Alteza Real para lhe ser dado
de aforamento e tendo procedido as circunstancias legais e do estilllo
comcorreu o dito sitio Grande multidão de Povo dambos os sexos
requerendo com palavras manças e submissas que não fosse dado
aquele baldio por isso mesmo que era serviço de logradouro que
tenhão os Povos Vezinhos para as pastagens de seus gados, para
lavarem de roupas curas defiados e para faserem suas leyras no tempo
da debulha e alem (fl. 6v) disso porque dentro do mesmo Terreno se
comprehendem duas estradas publicas. Apesar disto satisfazemos com
o nosso dever passando a fazer a medição e achamos serem
verdadeiras as duas reprezentações e por consequencia julgamos que a
tentar as ponderar as cousas que alegão não hé o referido Terreno de
natureza daqueles que se deva incorpurar ao dominio de hum
particular como evidente por juizo de tantos, O mesmo Povo oferese o
requerimento concluzo para que o façamos subir a prezença de Sua
Alteza Real pelo Supremo Tribunal do Dezembargo do Paço e nos
temos a honra de o aprezentar a Vossa Senhoria para que em sua vista
e da nossa Informação delibere o que lhe pareser mais justo. Dirige a
Vossa Senhoria, Mafra em Camera aos 27 de Abril de 1814.

Illustrissimo Senhor Provedor da Comarca de Torres Vedras

Antonio Vicente dos [ilegível]

306
Jose Joaquim d’Abreu Vieira
Estevão Manoel Gomes Sardinha
Estevão João de Carvalho

XXIX

1814, Maio 21, Mafra


Pedido de Gregório da Silva para lhe ser passada uma
atestação em como as suas casas estavam dentro dos
limites do termo da vila de Mafra para fins da sua contenda
relativa ao Rossio d’Além com a respectiva atestação de
Domingos de Faria Guimarães, Escrivão da Câmara de
Mafra
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14,
fl. 15-15v]

XXX

1814, Agosto 8, Fonte Boa da Brincosa


Auto da vistoria realizada ao Rossio d’Além a mando da
Câmara da Vila de Mafra
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14,
fl. 16-17]

[fl. 16] Auto de Vestoria

Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e


oito Centos e quatorze anos aos oito dias de mês de Agosto do dito ano
neste Citio de Fonte Boa de Brincoza no termo da Villa de Mafra
Comarca de Torres Vedras aonde veio o Doutor Antonio Maria
Carneiro e Sá Cavaleiro Profeço na Ordem de Christo, Provedor actual
da Comarca, Comigo Escrivão de seu cargo ao diante nomiado, e bem
assim Joaquim de Miranda e Jose Freire Amaro lovados avaliadores
dos Predios Rusticos pelo Senado da Camera da Vila de Mafra
nomiados e Ajuramentados e todos para efeito de se prosseder a
vectoria no terreno baldio do Concelho, que neste Citio pertende de
Aforamento e Recorrente Gregorio da Silva na forma expecificada no

307
seu Requerimento antepedente, feito A Sua Altesa Real Pella Suprema
Meza do Dezembargo do Paço, e logo o dito Ministro determinou aos
sobreditos lovados, que debaixo do juramento de seus officios e com
boas e sans consciencias e sem dollo malicia ou afeição, procedessem a
Vectorizar, apegar, medeira confrontar o dito terreno pertendido pello
Recorrento, declarando a seu citado actual, e sera susceptivel de
cultura capaz de produzir quão vinho e azeite, dando lhe a seu vallor
intrinseco [fl. 16v] arbitrando lhe o foro que enfectuarem eu
anualmente para o Conselho valia, declarando mais, se da concepção
deste Aforamento resultava ou não perjuizo ao Publico ou particular, o
que sendo ovido e atendido pellos ditos lovados assim o prometerão
cumprir, como lhes tinha sido encarregado. E na presença delle
Ministro e de mim Escrivão procederão à deligencia pela maneira
seguinte = Declarão que este baldio tinha de nascente a puente
noventa e nove varas, e confrontava pello Sul com estrada = De Sul a
norte confrontando pelo poente com baldio noventa e nove varas = De
puente em frente confrontando pello norte com baldio quarenta e
quatro varas = e do norte ao Sul comfrontando pello Nascente com
estrada secenta e quatro varas = todas de sinco palmos cada huma.
Que este terreno se achava inculto e servia de logradoiro para o Povo
do lugar de Fonte boa de Brincoza onde fazia as suas eiras, estendião
as suas ropas, e para mais uzos proprios dos Camponeses. Que era
atravessado por duas estradas que a cruzavão. Que a sua qualidade era
infrior, e de poca produção, más que reduzido a cultura, sempre
produziria, pão e vinho, e azeite, [fl.17] e que atendendo a estas
Raçoens Mandavam o valor de Vinte mil Reis, e de foro anual
emfatueriam para o Concelho duzentos Reis= Que deste Afforamento
algum prejuizo resultava aos Povos dos lugares de Fonte boa da
Brincoza tanto aos moradores do termo de Mafra como do Regengo
(sic) da Carvoeira, por ali fazerem eiras, estenderem ropas, e na saida
dos Gados, a alguma pequena porção de mato que apanhavão, pois o
terreno nem isso produzia com abundancia como se mostrava
vesivelmente. E que desta sorte tinhão dado suas tensoens como
entendião o que elle Ministro bem presensiava. E de tudo o dito elle
ministro mandou fazer este Auto que assignou Comigo Escrivão e
Lovados, e eu Jorge Lourenço Cesar Nunes da Cunha eScrivão da
Provedencia desta Comarca e escrevi e assignei e do seu conteudo
porto minha fé,

308
Carneiro de Sá
Jorge Lourenço
Cesar Nunes de Cunha
Joaquim de Miranda
Joze Freire Amaro

XXXI

1814, Agosto 8, Fonte Boa da Brincosa


Certidão de Jorge Lourenço César Nunes da Cunha,
escrivão da Provedoria da Comarca de Torres Vedras,
atestando que no Auto da Vistoria compareceram muitas
pessoas de ambos os sexos, moradores no lugar de Fonte
Boa da Brincosa, com suas casas no termo de Mafra e
outros na demarcação do Reguengo da Carvoeira que
estavam contra o aforamento pretendido por
Gregória da Silva
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14,
fl. 18]

XXXII

1814, Agosto 8, Fonte Boa da Brincosa


Certidão de Jorge Lourenço César Nunes da Cunha,
escrivão da Provedoria da Comarca de Torres Vedras,
atestando que no Auto da vistoria compareceram muitas
pessoas de ambos os sexos, moradores no lugar de Fonte
Boa da Brincosa, com suas casas no termo de Mafra e
outros na demarcação do Reguengo da Carvoeira que
estavam contra o aforamento pretendido por
Gregório da Silva
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc.
14, fl. 18]

309
XXXIII

1814, Novembro 14, Lisboa


Súplica de João Freire, Manuel Pires e outros moradores
no Reguengo da Carvoeira a Sua Magestade para esta lhe
conceder o aforamento do Rossio de Além visto a sua
utilidade para a comunidade
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14,
fl. 26-26v]

[fl. 26] Senhor 108

Dizem João Freire, e Manoell Pires e mais Povo abaixo


asignados, e Moradores no Reguengo da Carvoeira Comarca de Torres
Vedras, que no cittio denominado o Rocio de Alem termo da Villa de
Mafra costumão fazer os Supplicantes Suas Eiras para adebulha de
Pam, e Estendais de Roupas por não haver naquelles Cittios, outro
igual que possa servir para huma tão grande utilidade Publica,e por
isso ficão tutalmente despervidos quando aquelle terreo se de (sic), e
de Marque a Pessoas que delle se Utilizem, e Cumo a Utilidade dos
Suplicantes redunda a bem do Publico, e à boa Coltura das Suas
Colheiras querem os Supplicantes dever A graça a Vossa Alteza Real
que no ditto Terreno se não de Marque chão a qualquer Pessoa que o
requeira, e que fiquem os Supplicantes na posse delle pagando por
isso o competente Foro ao Concelho da Villa de Mafra lavrando-se a
Competente Escriptura de Aforamento que os dois Supplicantes os
obriguem em Nome de todos á Satisfação do dito Foro e mais
peneoens que lhe forem impostas, e por isso.
Para 109 Vossa Alteza Real que atendendo ao bem util do
Publico Mande que o ditto Chão seja aforado aos Supplicantes por que
de Outra forma he ruina do Povo e os Supplicantes Como ficao
Vassalos, esperão da Iynata piedade de Vossa Alteza Real assim lhes
conseda na forma que lhe Requerem

108 Na margem superior: O Provedor da Comarca informe com seu parecer, ouvindo os
Officiais da Camara Nobreza e Povo, e procedendo as maes deligencias da Ley dos
aforamentos dos bens dos concelhos. Lisboa 14 de Novembro de 1814.
109 Na margem esquerda : Ass. De Manoel Pires e Joao frere.

310
E Receberá Merce

[fl. 26v]
Joze Rodrigues João Alves
Luiz Pires Antonio Alves
Joze Migueis João Batalha

XXXIV

[1814], s. l.
Petição dos moradores de Fonte Boa da Brincosa ao Rei
contra a súplica apresentada por Gregório da Silva sobre o
aforamento do Rossio d’Alem
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14,
fl. 9-12]

[fl. 9] Senhor

Ante o Real Throno de Vossa Alteza dezejavão humildes


prostrar-se todos os moradores de Fonte boa da Brincoza, e
agradecendo primeiramente a Real Benignidade comque Vossa Alteza
os manda ouvir, expor depois os grandes motivos de que estão
assistidos para chamar injusta a pertenção de Gregorio da Silva,
morador do mesmo lugar e a Supplica que fez a Vossa Real Alteza
obrrepticia, e subrrepticia como passão a demonstrar nas Razoens
seguintes.

Primeira

Diz o pretendente em sua supplica = Que aquella porção de


terreno inchulta, e bravia não tem producção alguma, nem presta
algum serviço publico do interesse dos moradores Vezinhos.= assim
como na mesma supplica diz aquer reduzir a Cultura = dos generos
de que for capaz tanto em beneficio do Suplicante como do publico.
Estas expressoens, Senhor, são obrrepticias, e subrrepticias; porque
occultão a Verdade que o impetrante sabe, e querem persuadir hum

311
Zelo de agricultura, e bem publico, que elle nem tem, antes intenta
atacar e offender, porquanto.

Segunda

Aquelle terreno, e que elle dezignou em a Vestoria, e


demarcação [fl. 9v] hé não só hum verdadeiro logradoiro do Povo,
qual dezigna a Ord., liv. 4, tit. 43, §12, mas alem disso comprehende
duas estradas publicas, e geraes para o trafico dos moradores, e outras
Serventias muito necessarias ao uso dos moradores Comprehende as
Eiras de que se servem todos os Lavradores do Reguengo da Carvoeira
para a colheita, e preparo de seos frutos. E comprehende os
estendedoiros para Lavadeiras, que ali corão e ansougão roupas,
meadas e etc. tudo do uzo publico, e que interessa o bem do lugar, e
dos Vizinhos, e da mesma Lisboa a quem as Lavadeiras servem.

Terceira

Esta verdade de tão palpavel, que o impetrante a confessa na


sua suplica. sem talvez o querer nem advertir. Aquelle terreno he
chamado o Roxio d’alem e deste nome se deixa bem convenser, que
aquelle terreno he Logradoiro do Povo: pois que em toda a parte
semelhante denominação sé se da aos lugares mais publicos, e
destinados ao passeio, e dezafogo dos moradores, e que nas
Poveaçoens maiores, e reguladas athe são Praças publicas, come em
Lisboa etc. E não será, Senhor, merecedor o Impetrante da nota de
levar aprezentação de Vossa Real Alteza huma Supplica obrrepticia, e
subrrpticia só pelo que fica apontado! pois elle nem o ignora, nem
pode ignorar! pois ainda mais.

Quarto

Havera quatorze, ou quinze annos, que Manoel Antunes,


morador do mesmo Reguengo alcançou Provizão, que constará dos
Livros da Cammera de Mafra, e sendo huma menor porção de terreno,
e que nem comprehendia as estradas, nem eiras, nem estendedoiros
das Lavadeiras, ainda depois de proceder as deligencias de Vestoria, e
demarcação, na forma da Provizão [fl. 10] dirigida ao Doutor Provedor
da Commarca, ficou inutil a deligencia do Impetrante, e de outros, que

312
tambem pertendião pequenas porçoens, e com outra contemplação
aos necessarios uzos do Povo naquelle Sitio, do que agora pertende o
Requerente Gregorio da Silva.

Quinto

Não pode ignorar o Impetrante que outro do seu nome


Gregorio Gomes dos Salgados, morador em Mafra, e actualmente no
Rio de Janeiro, sendo Creado do Serenissino Senhor Infante D. Pedro
Carlos, e seo favorecido, conseguio Provizão, demarcação, Informação,
e posse de hum terreno no Sitio dos Caeiros do mesmo termo de
Mafra, porem constando a Vossa Real Alteza os incomodos que dali
rezultava aos moradores, foi servido por outra Real provizão mandar
annular a provizão estranhando, que aquelle Gregorio ouzasse valer-se
da Proteção do Senhor Infante para opprimir hum povo, e não só
perdeo a posse, mas igualmente a despeza do fabrico, e sementura de
hum grande Pinhal, que já havia preparado. Este facto constante dos
livros da Commarca de Mafra, e pouco anterior a Retirada de Sua Real
Alteza para o Brazil não só serve para exemplo do prezente mas ainda
augmenta em algumas circonstancias muito atendiveis. Porquanto.

Sexto

Naquelle terreno nem se fexarão estradas, nem Eiras, nem se


prohibia o trafico da Lavage de Roupa, do qual vivem, e se sustentão
muitas familias pobres, e só por Vossa Real Alteza atender, que erão
privadas do uso do dito para os seos quotidianos uzos, foi servido
mandar anullar aquela Provizão, declarando, que não era da Sua Real
Atenção deixar esquecer [fl. 10v] hum particular com incommodo de
muitas familias e Sendo no prezente Cazo não do incommodo, mas a
ruina dos Lavradores, Fazendeiros e geralmente de todo o Povo de
Fonte boa da Brincoza, e Reguengo da Carvoeira deveria ser atendido
este Gregoria da Silva, Não Senhor.

Septimo

Os Suplicantes não temem, Senhor, que o Impetrante possa


offerecer alguma prova em dezabono da Verdade em que fundão a Sua
Respostam e Só poderia Suceder que elle ajudado de algum vintem /

313
Seo, ou alheio / podesse inovar alguma Cultura mais util para si
proprio, porem prijudicial a todos os Suplicantes e portanto ao bem
publico, pois alem dos damnos já apontados, ainda Crecem o de matos
para os moradores nos Seos uzos domesticos, estrumes, e pastagens
oara as Criaçoens de todo o genero de Gado. Eis aqui, Senhor tudo
quanto o Impetrante calhou, e Requereo com falsidade na Prezença de
Vossa Real Alteza com obrregeção, e Subrregeção.

Oitava

Parece ainda digna de Reflexão dos Suplicantes e da Real


Atenção de Vossa Alteza a circunstancia do tempo, que havendo
chegado a Carestia das Carnes ao maior auge, não pode desmerecer
contemplação a industria dos creadores para ser ajudada, e promovida
Igualmente Se pode contemplar a vertigem, ou espirito de ambição
com que em toda a parte do Reyno se tem excitado o dezejo de
aforarm e apropriar Baldios, e outros terrenos para Cultura sem deixar
os necessarios para os gados de Creadores mais pobres, cuja industria
tambem serve ao Estado, e tanto mais quanto pela suas menores
forças são precizos Vender as suas creaçoens por menor preço que os
mais. Finalmente que nem a Ley de 1804 que promoveo a cul [fl. 11]
tura Se pode entender no espirito que agora Se observa, nem podia
advinhar a nova, e lamental decadencia da nossa Agricultura, e gados,
nem ainda mais o que pode acontecer destes novos, e apreçados
Fazendeiros, que augurando vantages aos bem publico na produção
dos Seos Cultivos, podem vir Ser enganados nas colheitas das Suas
imaginaçoens, e isto depois de apossarem-se dos terrenos em que
gastando algum vintém para os possuirem, e vedarem, nem se
utilizem nos annos seguintes a Sim, aos outros, Salvo na Venda dos
mesmos pastos, que já deve Ser acompanhado de odioza uzura, vexam
e dos pobres, e dos mizeraveis, e deminuição do bem publico actual,
que Só Restará para Ser conhecido, e chorado quando não tiver
Remedio.

Nono

He portanto indispensavel, que os Supplicantes tornem a


lembar, que Se as nossa Ordenaçoens tratárão no Livro 4, titulo 43 de
promover a Agricultura com tantas Regras, e Cautelas, como lemos em

314
todo aquelle titulo, tambem acautelárão no § 12 todos os matos, e
matas e outros maninhos, que não forão coutados pelos Senores Reys
Antecessores e São termos de Villas, e Lugares para os haverem como
Seos, e os defederem e coutarem em proveito dos pastos, Criaçoens, e
Logramentos que os moradores dos ditos lugares pertencem. E Como
aquelle terreno tem todas as identicas ciscunstancias como fica
ponderado não pensão os Suplicantes dever Ser mais axtensos,e
enfadonhos a Vossa Real Alteza.

Décimo

Concluindo pois na Confiança da Sua justiça, em tanto mais


na Alta e Regia Prezidencia de Vossa Alteza querendo tambem
demonstrar a Sua [fl. 11v] prompta, e devida obediencia para os
interesses da Coroa, e necessidades do Estado, havendo-se
Consideração que algum pedaço daquelle terreno pode dar interesse
maior sem prejuizo de todos, e sendo preferidos os primeiros, que
obtiverão Provizoens, e dezignavão pequenas porçoens, e sem
incommodo dos mais Vezinhos, todos os moradores sejão collectados
para satisfazer aquella porção que o Impetrante offereer pelo foral,
que intentava. Estes são os sentimentos com que todos assgnão, e que
esperão subão a Prezença de Vossa Real Alteza confirmados, e melhor
expendidos pela Cammera e Nobreza da Villa de Mafra

Pe. Julião Alvares


Luis Duarte
Manoel Rodrigues Jeronimo Francisco
Roberto da Silva Joze Miguez Agostinho
João Duarte Joze Pio
Joze Gomes João Freire
Francisco Roiz Gregorio Francisco
João da Costa Antonio Fernandes Gouveia
Manoel dos [?] Antonio Rodriguez
Antonio Freire Joze Martins
Francisco Antonio Abel Gomes
Antonio Alves

E Receberá Mercê

315
[fl. 12]

Manoel Freire 110


Daniel dos Santos
Antonio Baleia
Boaventura Joze de Fonseca
Manoel Pirreira Capitam
Jose Pirreira
Antonio Joze
Bazilio da Costa
Antonio Duarte
João Francisco
Bernardo Baleia
Anacleto Duarte
Antonio da Saa
Isidoro Antonio
Antonio Freire
Antonio da Costa
Maximianno Simoens
Joze Batalha

XXXV

[1814], s. l.
Nota do Desembargo do Paço para se apurar os conflitos
originados pela colocação dos marcos no dito
Rossio d’Além
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14,
fl. 14]

110Na margem superior : Joze Gorjão Nicolao Alberto 1º Tenente Ajudante do


Batalham de Artilheiros Ordenados de Mafra.

316
XXXVI
1815, Junho 5, Lisboa
Nova súplica de Gregório da Silva pelo seu procurador
Joaquim Alves de Melo para, sem perda de tempo, obter o
aforamento do baldio contíguo a uma das suas
propriedades
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14,
fl. 22]

[fl. 22] Senhor 111

Diz Gergorio [sic] da Silva do Lugar da Fonte boa da Bruncoza


(sic) termo da villa de Mafra comarca de Torres Vedras, que havera
hum anno pelo mais ou menos, que o Supplicante requerera a Vossa
Alteza lhe fizesse a merce de lhe dar de aforamento parte de uma
valdio (sic) que esta contiguo a hua sua propriedade para o retear e
cultivar a cujo requerimento deferio Vossa Alteza benignamente
mandando-lhe medir pelo Doutor Provedor da Comarca de Torres,
que todavia lho marcou e medio, como consta da certidão junta, mas
dipois do Supplicante ter cancelado a obra e ter feito varias despezas
se oppozerão Manoel Pires, Jozé Alvez, e Jozé Freire, e empatarão a
ultimação deste negocio e porque o Supplicante esta parado há muito
tempo, por isso novamente recorre a Vossa Alteza para enfim
demandar expedir ordem ao dito Ministro ou para que ultime o dito
negocio na forma do estillo, ou exponha a Vossa Alteza o motivo
porque o demora informando sem perda de tempo.

Para Vossa Alteza Real se digne assim o mandar.

Com o procurador
Joaquim Alvez de Mello
E Receberá Merce

111 Na margem superior: Remeta ao Ministro Informante Lisboa 5 de Junho de 1815.

317
XXXVII

1815, Junho 5, Lisboa


Mandato régio efectuado por Marcolino Inácio Fernandes
para que a nova súplica de Gregório da Silva pelo seu
procurador Joaquim Alves de Melo, datada do mesmo dia,
seja enviada ao ministro informante
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14,
fl. 22v]

XXXVIII
1815, Junho 14, Torres Vedras
Instrumento de parecer desfavorável do provedor da
Comarca de Torres Vedras ao requerimento apresentado
por Gregório da Silva, morador em Fonte Boa da Brincosa
sobre aforamento de um baldio no Rossio d’Além, no termo
do Reguengo da Carvoeira
[ANTT: Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1210, doc. 14,
fl. 1-1v]

[fl. 1] Senhor

Haja visto ao Processo da Corôa – Lisboa 5 de Julho de 1815

[Rubrica] [Rubrica]

Escuzado. Lisboa 27 de Setembro de 1845

[Rubrica] [Rubrica] [Rubrica] 112

Suplica a Vossa Alteza Real Gregorio da Silva, morador no


Lugar de Fonte Boa da Brincosa termo do Reguengo da Carvoeira,
licença para poder afforar huma porção de terra no Baldio no Rocio
d’Alem junto ao referido lugar, que já fica no termo de Maffra pelos
motivos ponderados em seo Requerimento, o qual Vossa Alteza Real

112 Na margem direita Conformemente com a Informação [Rubrica].

318
manda que eu informe com o meo parecer precedendo nas deligencias
do Estilo.
Como havia huma Petição do Povo de Fonte Boa, que servia
como de impugnação à pertenção do Recorrente julguei deve-lo juntar
por linha ao principal Requerimento por versarem ambos sobre o
mesmo objecto, e poder com mais familiaridade, sendo tudo presente
a Vossa Alteza Real, deliberar o que lhe parecer justo.
Fui ao lugar da contenda ventorirar o Chau na forma do
costume, e achei pelo que se via, e pelo que disserão os louvados, e
experientes do lugar que aconcellão do Baldio do Suplicado era
prejudical (fl. 1v) ao Povo, porque servia o dito Chãu do vio Publico
para Eiras, para as mulheres estenderem roupa, levarem meadas, para
pastar gado, soltar-se a criação, cortar-se algum mato; e finalmente
para misteres e veios indispensaveis dos Povos e pequenos lugares.
Alem disto he o terreno cortado por duas estradas, que serveio de
passagem aos habitantes. Todas estas ponderosas racoens tornão
injusta a pertenção do Recorrente afim.
Parece me indeferivel o seo Requerimento, e attendido o do
Povo de Fonte Boa da Brincosa para que continuem a ficar o Baldio,
como dantes, do veio Publico; porem Vossa Alteza Real mandará o que
fôr servido. Torres Vedras 14 de Junho de 1815

O Provedor da Comarca de Torres Vedras


Antonio Manuel Carneiro e Sá

319
LITERATURA
FERREIRA-DEUSDADO
O D. Sebastião da Vila da Praia 113

Nasceu e recebeu a graça do baptismo depois do meado do


século XVI na vila da Praia da ilha Terceira, Mateus Álvares, celebrado
na história pátria sob o título de Rei da Ericeira. Era filho dum mestre
de obras ou pedreiro. Aprendera a primeira instrução no convento dos
religiosos franciscanos de Nossa Senhora da Conceição, edificado à
beira-mar. No período da revolução de 1832 esse convento passou à
mão de particulares, sendo lançado por terra pelo terramoto de 1841. A
vila da Praia ostenta ao observador um aspecto grandiosamente triste,
e próprio para meditações graves. O painel que se patenteia à vista é
pitoresco e sugestivo. A serra do Facho, do lado do aquilão, a
verdejante planice que a envolve é muito aprazível.
O padre António Cordeiro, citando Gaspar Frutuoso, diz que a
vila da Praia da ilha Terceira era cercada de uma muralha com quatro
baluartes e quatro portas: a do Porto, a do Rossio, a de Nossa Senhora
dos Remédios e a das Chagas, que dentro das muralhas se continham
mais de quinhentos vizinhos e que era cercada de muitas e excelentes
quintas.
O vasto e branco areal em hemiciclo, guarnecido de baluartes e
de fortins é a ante-sala onde a vila recebe fidalgamente os hóspedes,
que veem do reino de Neptuno. Foi aí que assentou arraiais o primeiro
capitão donatário da ilha, campeão da heróica ordem de Nosso Senhor
Jesus Cristo, edificando a povoação segundo a traça da Renascença,
cujo estilo alvorecia no horizonte da nova aurora arquitectónica. Foi aí
que Mateus Álvares passou a sua meninice, nesse solo agitado por
convulsões vulcânicas, contemplando a imensa uniformidade do verde
esmeraldino do oceano. Os vales são taças vulcânicas arrefecidas,
acidente geográfico, que nos Açores chamam caldeiras; guardadas
sempre por altas colinas, que mais parecem gigantes ramalhetes de
verdura e de flores. O sol acariciador cobre-as com o manto louro e
quente da sua luz velada. Raras vezes nas ilhas o céu apresenta a

113 In Quadros Açóricos, Angra do Heroísmo, 1907, p. 110-117.

323
diafaneidade dos dias luso-continentais. A luz solar é mais doce e
menos crua do que a continental.
O mestre de obras vivia na abastança com o salário do seu mister
e queria que o seu Mateus fosse antes homem de ofício do que um
letrado. O rapaz sonhava ambições, ía às aulas do convento, mas muito
cedo sentiu o coração vitimado pelo atropismo duma bela dona. Essa
donzela era filha de Gonçalo Mourato que exercia o ofício de chanceler
da correição na Terceira e ilhas de Baixo. A família Mourato residia na
ilha desde o século XV, época em que os Reis católicos conquistaram o
reino de Granada. Provinha duma nobre tribo moiresca, aparentada
com os abencerragens da corte muçulmana de Granada. Esta família
de astrólogos e de alquimistas tornou-se vantajosamente apreciada em
toda a ilha. Fora convertida à verdadeira religião por um freire de
Cristo.
Zara Mourato, conhecida pela Mouratinho, era o enlevo não só
de peões, mas de cavaleiros. Em verdade nascera linda como as flores
do campo, pura como o orvalho que as refresca, brilhante como a luz
que as colora. Conservava muitos caracteres da raça árabe, e até
possuia a meiga distinção de filha dilecta do emir. Alta, delgada, de
linhas finas e doces, tez desmaiada de tom dorido, olhos negros,
amplos, cabelo sedoso e escuro, as pérolas dos dentes saíam do seu
escrínio de púrpura, quando deixava desabrochar um sorriso. E esse
sorriso era um bálsamo celeste com que são ungidos os anjos. O seu
olhar era tão docemente penetrante que rasgava as cerrações da alma
dos que tinham a fortuna de ser alvejados. Possuía, herdada da avó
mourisca, uma jóia de diamantes em forma de crescente muçulmano,
orlado de flores feitas de outras pedras preciosas, e em cada uma
dessas flores um versículo de surata adequado do Alcorão, aberto em
rubis.
O ruivo filho do pedreiro, jovem ambicioso, via o mundo através
os finos cristais da imaginação poética. Sonhara possuir na encosta
florida dum monte uma branca casinha alegre e meiga como um ninho.
Nessa casinha sentir o hálito perfumado duma filha de Moirisma,
vestida de colóbio branco ou de túnica de côr celeste, redolente a
princesa árabe. Mateus Álvares amava Zara e cada vez que a via,
lançava novos deleites na vaga imensidade do seu sonho. A gramática
latina e o padre-mestre do convento ficavam às vezes esquecidos.
Depois de sucessivas provas negativas, de pungentes amarguras,
viu que não era correspondido. Esse sonho tão longamente acariciado

324
no fundo da sua alma, desfez-se. Reflectiu que ele no mundo era um
triste verme, e que pretendia loucamente colocar-se no caliz duma
esplendente rosa. O seu pungitivo conceito acha-se expresso nestes
versos:

Descia um lúcido raio


Ao seio de certa rosa
A manhã, porque era em Maio,
Podeis ver que era formosa.
A flor sorria nos vales,
E o doce raio do sol,
Achou-lhe dentro do caliz
Um nefando caracol!

De súbito exclama irado:


-Que fazes, podes dizer-me,
Neste seio imaculado
Quando não passas dum verme?!
Eu por mim, sou essa aurora
Que um supremo olhar produz!
-Eu sou um verme que adora
Todo o seio aberto à luz.

Dissipado o nevoeiro da quimera, o espírito de Mateus teve a


consciência de estar acordado, vindo aos rebolões das altas regiões do
sonho. Chamado à realidade concebeu o projecto de vingar-se,
lançando-se altaneiramente ao mar da ambição social. Um dia seria
homem grande, e poderia arrogantemente desdenhar Zara. Esse revés
sofrido não lhe abateria o ânimo, nem lhe quebrantaria o esforço, seria,
ao contrário, um estímulo para a luta. Resolveu, pois, partir para
Lisboa, apenas carinhosamente recomendado pelos frades. O laborioso
e experimentado pedreiro disse-lhe:
- Meu filho, bem pareces apressado ribeiro, que não sentes, nem
o bem que perdes, nem o dano que buscas, pois te ausentas do berço
em que nasces para buscar no mar a sepultura! Deixas a pátria pelas
terras estranhas, o abrigo da fonte que te cria, pelo desabrido das
ondas que te esperam!

325
A adolescência sonhadora e bucólica deste mancebo, vibrou no
cristal transparente da poesia, mas o seu fim trágico repercute-se no
bronze da história.
O palhabote da sua fortuna velejou com vento ao largo até
Lisboa. Entrou como noviço no convento de S. Miguel, junto de
Óbidos, depois passou para o convento da Cortiça na serra de Sintra.
Não querendo submeter-se à austera disciplina monacal, tornou-se
eremita, e foi residir num eremitério junto da Ericeira.
Filipe II de Espanha acabava de ser aclamado Rei de Portugal. A
alma popular abatida pela desventura refugiou-se no maravilhoso.
Acreditava-se que o Rei D. Sebastião não morrera, e que andava pelo
mundo cumprindo penitência por ter arrastado o reino à perdição.
O messianismo sebastianista apoiou-se e fortaleceu-se nos
versos proféticos de dois famosos sapateiros do século XVI: Simão
Gomes e Gonçalo Bandarra.
O encoberto havia de aparecer num dia de nevoeiro.
Mateus Álvares, mancebo gentil, era da mesma altura e da
mesma idade do Rei falecido. Tinha a tez branca, o cabelo e o buço
ruivos, como os príncipes da casa de Áustria. A testa igual à de D.
Sebastião, formava dois espaçosos cantos ou ângulos reentrantes,
divididos pela saliente superfice central de cabelo. Como o soberano
sepultado nas plagas da Mauritânia, Mateus Álvares mostrou-se desde
a adolescência meditativo e silencioso: de inteligência aguda e de
imaginação ardente, arriscando-se a perigos até à temeridade. Tinha
exaltações religiosas e altanerias impróprias do seu humilde
nascimento.
Depois do desastre de Alcácer-Quibir, cria-se ardentemente
existir D. Sebastião, envolto numa nuvem de misteriosa auréola,
lembrando D. Rodrigo, último cabeça do império visigótico.
No eremitério, em todo o reino, não se falava senão em visões
sebastianistas. Mateus Álvares começou a revelar-se com ares
melancólicos e misteriosos que faziam cismar as pessoas que com ele
falavam. Em volta do eremitério principiava a gente a perguntar se não
seria Mateus Álvares, um penitente, expiando culpas, talves o próprio
Rei D. Sebastião? As conjecturas iam-se avolumando. Corria como
certo que se tinha ouvido, no silêncio da noite e na solidão do
eremitério, Mateus Álvares flagelar-se, exclamando, quando julgava
que ninguém o ouvia: “Portugal! a que abismo desceste! Sou eu a causa

326
da tua desgraça! Infeliz Sebastião, com que penitência hás-de expiar as
tuas culpas?”
Pouco a pouco contou-se como assente que naquele humilde
tugúrio vivia encoberto o Rei desejado. Não era unicamente o povo que
acreditava, também a gente da burguesia e da abastança.
O rico proprietário do Rio de Mouro, Pedro Afonso, jurou que
antes do dia de S. João o havia de sentar no trono. Esses rumores
chegaram a Lisboa. O governo ficou sobressaltado, e mandou um
corregedor à Ericeira inquirir do caso. À chegada do corregedor
sumiram-se os partidistas do Rei escondido. Voltou para Lisboa
tranquilo, supondo que o motim desaparecera. Rapidamente e como
por milagre o grupo tornou a formar-se, e Mateus Álvares desvanecido
com a fidelidade dos seus vassalos, começou a distribuir mercês e
títulos. Pedro Afonso foi feito, pelo pretendente, Conde de Monsanto,
senhor da Ericeira e governador de Lisboa. A filha deste importante
vassalo foi escolhida para esposa, e coroada Rainha de Portugal com
um diadema pertencente a uma imagem de Nossa Senhora. O
pretendente permanecia sereno e hábil, enviando mensagens secretas a
diferentes fidalgos, antigos companheiros de armas da infeliz jornada
da África. Teve o ousio (?) de enviar uma carta ao Cardeal Arquiduque
Alberto, ordenando-lhe que saisse do reino. Espalharam-se
proclamações chamando o povo às armas. A insurreição ia-se tornando
séria. Reunira em volta de si mais de mil homens com provisões e
munições. Desembargadores, corregedores e outras autoridades, lá
enviadas, uns foram lançados ao mar das ínvias escarpas da Ericeira e
outros trucidados. Às intimações da autoridade respondiam os
fanáticos sequazes do pretendente com descargas de fuzilaria. Por
último os insurgentes foram derrotados e muitos dos cativos
submetidos à tortura. Houve pelejas renhidas, e recontros aturados,
correndo o sangue a jorros e morrendo muita gente 114.
Não seria este pretendente um alucinado, um fenómeno
psicopático de mudança de personalidade, acreditando-se
sinceramente o próprio Rei?
Mateus Álvares, Rei da Ericeira, entrou em Lisboa, prisioneiro,
dia 12 de Junho de 1585. Sendo-lhe aplicada a tortura, suportou-a com

114
Na parte histórica desta narrativa seguimos a obra Les faux Don Sebastian, de Miguel
d’Antas. Etude sur l’histoire de Portugal, Paris, 1866. É a mesma fonte expositiva neste
capítulo da História de Portugal, de Manuel Pinheiro Chagas.

327
ânimo e dignidade, declarando nobremente que de caso pensado
tomara o nome de D. Sebastião, e que as suas intenções eram concitar
os portugueses contra o jugo castelhano e depois diria. “Estais livres,
escolhei o Rei que vos aprouver”.
A grandiosa simplicidade desta confissão gerou pânico nos
juízes, por verem que uma causa que inspirava tais dedicações, vivia
intensivamente no âmago do coração. A forca, erguida pelos zelosos
corregedores, na Ericeira, em Mafra e em Torres Vedras, ficou
permanente, até que o Arquiduque Alberto comovido lhe pôs termo.
No dia 14 de Junho de 1585, ao D. Sebastião da vila da Praia, foi
cortada a mão direita pelo algoz,mão com que assinara alvarás e
proclamações¸depois enforcado, a cabeça separada do tronco, ficando
durante um mês exposta no pelourinho, e o corpo, retalhado em
pedaços, foi repartido pelas portas da cidade de Lisboa.

*
* *

Os velhos da vila da Praia da Vitória ainda hoje mostram na


ponta da Mamerenda, alongada sobre o mar, a penedia musgosa, onde
o infeliz enamorado de Zara, corroído pela amargura e requeimado
pela vingança, ía solitariamente entre o jantar e a ceia, horas de
merenda, meditar e chorar 115.

115
O fim trágico de Mateus Álvares é rigorosamente histórico. Depois casualmente
lemos o seguinte: O Rei da Ericeira, comédia em três actos, inédita, de Jacinto
Heliodoro de Faria Aguiar de Loureiro, revista, refundida e muito ampliada por Júlio de
Castilho e publicada em folhetins no Correio Nacional, de Lisboa, a começar em 31 de
Dezembro de 1901. O autor ainda vivia em 1859 com 53 anos de idade. Foi jornalista e
dramaturgo pouco conhecido. Esta comédia é uma irritante falsificação histórica de
lesa-arte. Faz o Rei da Ericeira natural de Mafra, com o nome de família de Fernão de
Sá. Cobre-o de zombarias, ultimando a comédia com indultos mentirosos e aviltantes,
fazendo cair de joelhos o altivo Terceirense aos pés dum perdão do governo de Castela.
O engraçado da comédia não vale as odientas injúrias à verdade histórica. Nunca é lícito
tornar uma tragédia grandiosa e real numa farsa desprezível.

328
ALBERTO PIMENTEL
O Rei da Ericeira

- Se ele não for santo, quem o há de ser!


- Já o viste, Thuribia?
- Se o vi? Já até lhe falei. Está metido dentro da sua gruta, de
onde só avista o mar. é como se quisesse ter Deus sempre diante dos
olhos. Figura-te que cheguei à boca da gruta, e chamei, tremendo:
Meu Senhor! meu senhor! De aí a momentos, vejo-o a aparecer: um
lindo homem, muito branco, com os cabelos louros e os olhos azuis,
com um ar de tristeza, que fazia respeito. Mal me viu, perguntou-me:
“ A que vens tu, minha filha?”. estive um instante sem poder
responder-lhe. Mas cobrei alento e disse-lhe: “A ver vos, real senhor”.
E logo caí de joelhos, porque as pernas me tremiam como varas
verdes. Então aquele anjo do céu, estendendo os braços, levantou-me,
passou-me a mão pelo rosto, e disse-me como se estivesse falando à
sua filha: “Ora pois! entra com Deus, e ouvir-te-ei”
- Não sei como tiveste coragem de estar falando a tão alto
senhor!
- Eu andava já há dias para dar tão ousado passo, porque tinha
curiosidade de ver o nosso santo rei D. Sebastião; mas acanhava-me
de o fazer. Outro dia fui à Carvoeira e, quando lá me vi, entrou comigo
a curiosidade. Uma voz cá de dentro dizia-me: “Vai”. Fui. Meti pelo
caminho de S. Julião e procurei a gruta, que me tinham dito ficava à
beira do mar. Lá mesmo o encontrei. O Tio António Simões havia
jurado a meu pai que era aquele em carne e osso el-rei nosso senhor,
que tinha podido escapar aos mouros. Ele que o diz é porque o sabe,
que o Tio António Simões é um homem de bem ás direitas.
- E que te disse el-rei nosso senhor?
- Perguntou-me quem me tinha mandado lá. Contei-lhe a pura
da verdade: o que meu pai ouvira dizer ao Tio António Simões. Vai ele
e sorriu-se. Esteve alguns instantes calado, com os olhos fitos no mar,
e depois disse-me com uma voz tão doce, que parecia música do céu:
“António Simões é um bom homem, mas julga que eu sou quem não

329
sou. Não passo, filha, de um pobre solitário, que já não quer nada do
mundo, e só deseja que o deixem tranquilo para chorar tudo quanto
tinha e perdeu.”
- E tu que lhe disseste?
- O que lhe havia eu de dizer?! Que todo o povo da Ericeira
sabia muito bem quem era aquele grande senhor, por mais que sua
alteza real o quisesse disfarçar. Que não havia palmo de terra onde
não tivessem caído as lágrimas do povo, que chorava a grande
desgraça do seu rei. E nisto, filha, rebentaram-me as lágrimas dos
olhos, a quatro e quatro.
Vai ele e levantou-se, encostou a minha cabeça ao seu peito, e
disse-me: ”Não perdeste o teu tempo, conquanto te enganasses com a
pessoa que procuravas. Eu não sou quem António Simões cuida; sou,
sim, um pobre solitário que se habituou a conversar com Deus, de dia
e de noite, na grandeza das suas obras. Vai-te, e diz ao honrado povo
da Ericeira que eu não sou quem eles erradamente supõem, mas que
nem por isso deixo de ser menos pecador. Pede-lhes que me deixem
em paz, que não procurem avivar no meu espírito pensamentos que
eu desejo afastar. Diz a teu pai e a teus vizinhos isto mesmo, que o
meu maior desejo é fazê-lo saber a este desgraçado povo escravizado”.
Eu tinha relanceado os olhos pela gruta, onde só havia terra e pedra.
Não tive mão em mim que não dissesse: “E estais vós aqui, meu
senhor, sem uma enxerga onde o vosso corpo repouse?!” Aquele
grande senhor sorriu-se e tornou-me: “Perdi tudo o que era do
mundo, filha, não se me dá de agasalhos. António Simões já para aqui
teimou em trazer uma enxerga e uma manta, e eu dei-as ao primeiro
mendigo que por aqui passou. Era um cego - cego dos olhos, que
outros o são do entendimento, mais cegos ainda que os dos olhos,
porque não querem ou não podem ver a sua desgraça. E despedindo-
me deu-me um beijo na testa. A sua boca parecia feita de veludo. Eu
corei, que senti todo o sangue subir-me à cara. E, recuando, saí da
gruta, com o mesmo respeito com que teria saído do Paço da Ribeira.
- Não contaste isso a mais ninguém?
- Ora! não contei eu outra coisa! Vim pela Carvoeira, e logo ali
ficou tudo em pratos limpos. Juntou-se povo assim para ouvir-me - e
juntava os dedos das mãos uns aos outros. Mulheres não havia mais
na povoação. Umas já o tinham ido ver. Tal qual como a mim! diziam
elas quando eu estava contando o que aquele grande senhor me havia
dito.

330
- Não se quer dar a conhecer! bradava uma.
- É o que é! dizia o tio Duarte Gil, que sabe muito bem, por lho
ter confessado o tio António Simões., que aquele santo é a real pessoa
de el-rei D. Sebastião em carne e osso. Outras mulheres vão lá
amanhã pedir-lhe que as deixe beijarem-lhe a mão.
- E tu beijaste-lha?
- Mal pecado! De atarantada que estava, nem lembrança tive de
lhe pedir que me deixasse beijar-lhe a mão. Que falta de respeito que
eu cometi com aquele grande senhor! Mas hei-de lá tornar para lhe
beijar a mão...
- E eu vou contigo também.
- Pois iremos ambas, que tiraremos o medo uma à outra. Que
ele a bem dizer não há pessoa mais bondosa, mas a gente, como sabe
que é el-rei nosso senhor, acobarda-se de lhe falar. É o que é. Quando
queres tu lá ir?
- Vamos para a semana, que tenho menos lida.
- Tens tu lida tamanha que te não dê vagar para anediar as
crenchas? Ou queres por saia de cós de veludo com alforja nas
vasquinhas?
- Sou agora alguma figura de almadraques! Mas para a semana
deve estar pronto o meu gonete de serguilha.

II

Era raro o dia que na gruta de S. Julião não entravam dezenas


de pessoas propelidas pelo desejo de ver de perto o santo rei
desgraçado, que se tinha purificado de todos os seus erros na
catástrofe de Alcácer-Quibir e que, estranho no seu próprio país,
chorava na solidão a perda da coroa real, que recebera de seus avós.
O litoral é retalhado em grandes penedias desconjuntadas, que
tombaram umas sobre as outras, como destroços de uma vasta
edificação arruinada. A negrura do basalto parece retinta nas
labaredas de um incêndio antigo, que o facho de uma destruição
enorme ateou. Aqui e ali uma estreita faixa de areia mitiga a aridez
das ribas, oferecendo-se aos beijos da onda, que umas vezes se
contenta em osculá-la fugitivamente, outras vezes, empinando-se em
vagalhão, arqueia sobre as rochas negras o dorso flexível, quebrando-
se subitamente numa explosão estrondosa de flocos de espuma.

331
Na corda do litoral, avançando para o sul, o Cabo da Roca
alteia-se com a perspectiva de um cubelo longínquo, que fortifica a
extremidade da ampla cordilheira de Sintra, recortada em ondulações
gobosas, dando a impressão de um enorme dromedário petrificado.
Em frente da gruta, o mar, sem limites e sem recifes, imenso
como a ambição dos homens, profundo como a grandeza de Deus.
Era ali, no recesso daquela gruta solitária, que Mateus Álvares
alimentava os seus planos audaciosos, vastos como o oceano, -
espelho de todas as ambições terrenas, porque agora se aquieta por
momentos para logo se revoltar num desespero incansável.
Ele tinha nascido na ilha Terceira, rodeado pelo mar, - pelo
mar que parecia ser o modelo caprichoso do seu destino. Seu pai fora
um pedreiro, um humilde, que não atava às suas tradições de família
um apelido distinto. Uma febre lenta de celebridade devorava em
segredo a alma de Mateus Álvares, enfuriando-o na raiva de se ver tão
humilde como seu pai.
O mar sorria-lhe como uma estrada aberta e provocadora, que
chamava os sonhadores, para os afogar na perfídia de um naufrágio
ou para os revezar numa praia de continente.
Tantas vezes o mar o procurou atrair, que Mateus Álvares
acabou por confiar-se-lhe.
Por única bagagem, a sua ambição. Não tem outra os
ambiciosos que se aventuram.
Veio quase ao acaso para a metrópole, e obteve ingresso num
convento da Estremadura. A sua alma pôde respirar mais desafogada,
porque ele, o filho de um obscuro pedreiro açoriano, conseguira
irmanar-se pelo hábito aos mais ilustres da comunidade. Mas a sua
ambição constituíra uma espécie de indisciplina revoltada, que lhe
tomara insofrível o peso dos cânones. Deliberou, pois, fugir às peias
regulamentares da vida monástica, e continuar a aventurar-se ao
sabor da sua fantasia irreprimível.
Ainda assim trouxera do convento um pecúlio proveitoso de
frases untuosas e de inflexões macias, que não era para desaproveitar.
Para uma viagem incerta todo o viático é prudente. Da ciência
dos frades trouxera apenas essa: a de saber viver para manobrar a
rota de uma ambição indeterminada, mas audaz.
Transitando de povoação em povoação, reconheceu que todo o
burgo era como que uma esponja que absorvia as mais salientes
individualidades. Escolheu pois a solidão para se fixar, porque a

332
solidão dá relevo à excentricidade, quase sempre pretensiosa, do
solitário. E depois melhor é, para os ambiciosos, atrair o burgo do que
ser absorvido por ele.
Uma gruta, não tão solitária que não estivesse encravada entre
duas povoações do litoral, a Ericeira ao norte, S. Julião ao sul, mas
não tão próxima do povoado que o povoado a assoberbasse, foi o
palco escolhido por Mateus Álvares para o drama, que ele entrevia, da
sua existência futura.
Os primeiros dias arrastaram-se estéreis de peripécias, porque
a vida da lavoura desliza sempre no mesmo trilho, sem avidez de
sensações, e ele estava ladeado de camponeses. As primeiras noites
eram profundas, insondáveis nas oscilações vagarosas desse colossal
relógio que se chama céu. A lua, enorme pêndula de prata, baloiçava-
se monotonamente sobre o azul, parecendo marcar as primeiras horas
da eternidade.
E Mateus Álvares, entregues à sua imaginação audaciosa,
pensava, sentado numa pedra da gruta, com o rosto apoiado nas
mãos, os cotovelos apoiados nos joelhos, descaído o lábio inferior, -
como D. Sebastião, diríeis.
Foi na solidão da beira-mar que Mateus Álvares procurou
sondar a sua ambição, interrogá-la e medi-la. O que era que ele
queria, a que ideal aspirava? E então, como se encontra de repente o
conceito de um enigma, reconheceu que tinha seguido o rasto do rei
de Penamacor, o primeiro falso D. Sebastião. Como ele, havia tentado
e abandonado a vida conventual; também como ele se fizera eremita.
Mas o capuz que escondia a fisionomia do rei de Penamacor, bem
pouco semelhante à de D. Sebastião, podia Mateus Álvares dispensá-
lo vantajosamente, porque as suas feições acordavam a reminiscência
das feições do misterioso vencido de Alcácer-Quibir. Era uma
vantagem enorme sobre o seu predecessor. Não a deixaria escapar-se.
Este sonho de grandeza subjugara completamente a sua
ambição; enchera-a. Mateus Álvares erguera-se a meio da gruta, e
com o rosto alto, fitava o mar, onde a lua estirava um tapete de
malhas argênteas. Uma visão grandiosa passara pelo seu espírito,
como na fascinação de um espectáculo fantástico: ouvira o trono de
Portugal gemer debaixo dos seus pés e vira o leão de Castela recuar
diante dos seus chapins dourados.

333
O alvo do seu destino estava, desde essa hora, fixado: mirava-o
com segurança, a despeito da sentença que condenara a galés
perpétuas o rei de Penamacor.
Mas as távolas do jogo de Mateus Álvares eram outras, e
melhores. A sua semelhança com D. Sebastião valorizava o êxito da
empresa. Tinha a mesma idade do rei, a mesma brancura de pele, a
mesma barba aloirada. E depois a opinião pública estava já
impressionada pela credulidade, disposta a admitir como possível o
regresso do vencido de Alcácer-Quibir. O rei de Penamacor havia
preparado o caminho, fora o mártir de uma ideia e, pelo que respeita
às ideias, raras vezes lhes colhe o fruto aquele em cujo espírito elas
primeiro floriram.
Isto pensara Mateus Álvares, e desde essa hora, sonhou-se rei
de Portugal.

III

Traçado o plano, Mateus Álvares começou desde logo a


executá-lo habilmente.
O acaso havia-lhe deparado um poderoso auxiliar na pessoa de
António Simões, abastado proprietário de S. Julião. Foi-lhe fácil
reconhecer a ingenuidade que enchia a alma crédula e boa do
camponês. Exaltou-lhe a imaginação falando-lhe das desgraças que
pesavam sobre Portugal oprimido. Contou-lhe a história do desastre
de Alcácer-Quibir, com grande minudência de informações, umas
exactas outras fantasiosas. Foi até ao ponto de descrever-lhe as
sensações íntimas do rei na hora em que a nacionalidade portuguesa
se englofou febrilmente num abismo de sessenta anos de cativeiro. A
escravidão havia acordado na alma popular o sentimento do
profetismo poético. Bandarra, falecido trinta e cinco anos antes, tinha
acendido nas almas simples o facho da credulidade vidente. O rei
voltaria da ilha encoberta, porque as profecias o prometiam:

Este sonho que sonhei


É verdade muito certa,
Que lá da ilha encoberta
Vos há de chegar este rei.

334
Mateus Álvares, que facilmente conseguira lançar suspeitas no
ânimo de António Simões, acerca da sua misteriosa individualidade,
revelara-lhe contudo, acentuando muito intencionalmente esta
revelação, que tinha chegado dos Açores, de uma ilha, a Terceira. E
recordava-lhe ao mesmo tempo, como entregando-lhe o fio de um
segredo, a trova de Bandarra:

Que lá da ilha encoberta


Vos há de chegar este rei.

D. Sebastião voltaria pois, porque o profeta mais de uma vez o


afirmava com segurança:

Vejo sem abrir os olhos


Tanto ao longe, como ao perto,
Virá do mundo encoberto
Quem mate da águia os polhos.

O sebastianismo, difundido nos campos pelas trovas que se


popularizaram, ao mesmo tempo que robustecia a crença de que o
Encoberto voltaria, cavava abismos de dor no íntimo das almas, que
viam perdida a independência da pátria.
Mateus Álvares não deixou de acentuar o efeito sugestivo de
cada uma das suas meias-palavras, e procurou atear no espírito do
pobre camponês a mágoa que o desastre de Alcácer-Quibir havia
derramado em todos os corações, a sede de repor no trono o rei
cristão que tinha sido vencido pelos infiéis nas plagas de África.
Ensinou-lhe o romance castelhano, que se vulgarizara em
muitas povoações:

Puestos estan frente a frente


Los dos valerosos campos,
Uno es del rey Moluco,
Otro de Sebastiano.

E quando o pronunciou a palavra Sebastiano, o seu corpo


estremeceu numa vibração nervosa, e dos seus olhos rebentaram
lágrimas, que revelavam uma dor muito íntima, muito concentrada
num segredo cheio de personalismo.

335
Mas não passou das meias-palavras, nos primeiros tempos, não
passou das sugestões artificiosas, por gestos ou vocábulos.
António Simões revelou primeiro à mulher, depois ao seu
amigo Pedro Afonso, de Rio de Mouro, o segredo das suas apreensões.
A mulher acreditou logo que o solitário da gruta fosse el-rei D.
Sebastião. Mas Pedro Afonso achou prudente que António Simões
procurasse um meio de levar Mateus Álvares a denunciar a sua
individualidade, a trair o seu disfarce. Combinaram os dois que
António Simões, durante uma dessas entrevistas, chamaria o diálogo
para a pessoa do Rei e, levantando-se de repente para logo cair de
joelhos, beijaria a mão de Mateus Álvares, bradando, inclinado e
reverente:” Meu Senhor! meu senhor!”.
Assim fez. O solitário julgando que já era tempo de vibrar o
golpe de misericórdia, quando António Simões genuflectiu osculando-
lhe efusivamente a mão, levantou-o carinhosamente nos braços,
encostou-o ao peito, que conseguiu fazer arquejar e disse-lhe: ”Pois
bem ! Já que adivinhaste o meu segredo, respeita a minha miséria,
deixa-me acabar na obscuridade uma vida que não soube conservar
no trono”.
António Simões jurou guardar a mais absoluta reserva, para
tranquilizar o espírito do solitário, mas o seu coração transbordava de
felicidade expansiva por ser ele a pessoa a quem coubera a sorte de
restituir à Pátria o rei Desejado e a independência perdida.
Pediu, instou com Mateus Álvares que lhe desse a honra, ainda
que imerecida, de ser seu hóspede. Álvares, já autoritariamente,
intimou-lhe que se abstivesse de insistir no oferecimento.
Requereu submissamente António Simões que ao menos Sua
Alteza real se dignasse aceitar-lhe uma enxerga, para o seu real corpo
repousar, e uma manta, para cobrir o seu corpo real.
Mateus Álvares transigiu, se bem que ainda contrariado, mas
previu que o aceitar a enxerga, para a dar depois a qualquer mendigo,
seria um acto de abnegação que António Simões se apressaria a
capitular de sublimemente evangélico.
Pedro Afonso quis ir, com o seu amigo António Simões, beijar a
mão do rei Encoberto. Mateus Álvares deu a perceber que, sendo
Pedro Afonso íntimo amigo de António Simões, não podia nem devia
reservar de um o segredo que tinha revelado ao outro. Portanto, deu a
dextra a beijar a Pedro Afonso, e tratou-o com tanta maior deferência

336
quanto, desde o primeiro lance de olhos, reconheceu que era esse o
homem enérgico e resoluto que lhe convinha.
Efectivamente, Pedro Afonso conservava o tipo desses chefes
atléticos que nas sociedades grosseiras se impõem ainda pela força.
Uma página de Herbert Spencer na Sociologia assinala que é a força
que constitui ainda o primado entre os bosquímanos, os tapajos, os
beduínos e outros povos selvagens. S. Julião, no séc. XVI, e por
ventura ainda hoje, não variava muito dos costumes dos
bosquímanos, beduínos e quejandos.
Era de elevada estatura, quase um gigante. Cabeça leonina,
peito arqueado, braços musculosos, voz volumosa. Estava habituado a
correr aventuras com as armas na mão. Combatera nos batalhões
populares pela causa do Prior do Crato, o rei mais efémero e também
mais popular que tem havido em Portugal.
Moralmente, partia do princípio de que todos os caminhos
levam a Roma, e para derrubar o governo de Castela, que odiava,
parecia-lhe que todos os meios seriam excelentes contacto que
oferecessem alguma probabilidade de bom êxito.
Mateus Álvares ficou encantado de ouvi-lo, sobretudo quando
Pedro Afonso resolutamente, pôs cartas na mesa e aclarou o jogo.
Tinha uma filha. Esteva disposto a sustentar a causa de el-rei
D. Sebastião, como havia sustentado a do Prior do Crato, por que ele
apenas queria, segundo afirmava, assegurar a independência de
Portugal. Mas era arriscado o jogo, porque os castelhanos não
largariam de boa mente o poder que haviam empolgado. Oferecia-se
como chefe das hostes do Encoberto, deitaria pregão para uma nova
cruzada, recrutaria gentes, reuniria armas, com o auxílio do seu
amigo António Simões, se ficasse estipulado que sua filha viria a ser
rainha de Portugal. Declarou que, se António Simões tivesse uma
filha, não faria semelhante proposta, porque ela, em atenção ao pai,
deveria ser a preferida. Mas como António Simões tinha um filho, que
poderia ser largamente agraciado pelo soberano, não prejudicava os
justos direitos do seu amigo.
O rei concordou. António Simões subscreveu ao pacto, e
ofereceu a Mateus Álvares mais um soldado na pessoa do filho.
Desde essa entrevista, que tomara um carácter decisivo,
Mateus Álvares era, para aqueles dois homens, o rei de Portugal.

337
IV

Em entrevistas ulteriores, Mateus Álvares combinara com


Pedro Afonso e António Simões que, ao passo que eles espalhariam
que finalmente el-rei D. Sebastião havia reaparecido disfarçado em
eremita, ele, por sua vez, lhe daria sibilinamente, isto é, por palavras
duvidosas e vagas a sua qualidade de pessoa real.
Deste modo justificaria o disfarce que havia tomado e
acautelava-se de qualquer represália que o Arquiduque Alberto
pudesse empregar contra ele.
Eram ainda uns assomos de medo e de incerteza pelo impulso
que Pedro Afonso daria ao cometimento.
Mas Pedro Afonso não se importava de correr todo o perigo,
numa empresa cujo bom êxito poderia transformá-lo no segundo
homem de Portugal, sogro do rei e seu braço direito. Badalava por
toda a parte que na gruta de S. Julião estava recolhido o rei de
Portugal, vivendo em miséria extrema; que era preciso repô-lo no
trono, expulsando o estrangeiro intruso; que a conquista da
independência da pátria, estando no coração de toda a gente, apenas
dependia do regresso do rei, a quem o trono pertencia perante a
justiça de Deus e o direito dos homens. “Ora, perorava ele, o rei
voltou, está na gruta de S. Julião. Ide lá vê-lo apresentar-lhe as vossas
homenagens de amor e respeito. Se ele vos quiser fazer persuadir de
que não é D. Sebastião, tomai as suas palavras por uma prova de
humildade cristã e de arrependimento que não podemos consentir”.
A filha de Pedro Afonso, António Simões, sua mulher e seu
filho secundavam-no nesta cruzada patriótica, anunciando aos povos
que o rei D. Sebastião tinha voltado e estava na gruta de S. Julião sem
ter enxerga para deitar-se, nem manta para cobrir-se.
Formigueiros de gente concorriam diariamente a visitar o
Encoberto na sua gruta da beira-mar. As mães levavam-lhe açafates
de fartes, girgiladas e frutas. As filhas, que tinham começado por ir
beijar a mão de Mateus Álvares, acabaram por levar-lhe flores do
campo, que dispunham em tapete dentro e fora da gruta, como fazem
delicadamente certas aves do paraíso, a amblyornis ornata,
principalmente no seu ninho primaveril.
Ele, dando aos olhos azuis uma doce expressão de ternura,
abraçava-as respeitosamente, e procurava palavras com que pudesse

338
negar frouxamente ser o rei D. Sebastião, sem contudo ferir a
credulidade ardente do mulherio exaltado.
Que não era quem elas cuidavam; mas que no seu coração
havia uma inextinguível mágoa pela ruína de Portugal e pela
usurpação feita ao rei lusitano, que ele conhecera muito bem numa
ilha encoberta, como diziam as trovas do profeta de Trancoso.
As velhas respondiam-lhe que não estivesse sua alteza real a
negar a sua hierarquia, e as raparigas curvadas, abraçavam-lhe os
joelhos, procurando beijar-lhe os pés, que graças ao aroma das flores,
podiam disfarçar qualquer exalação menos aromática que a das
flores.
Algumas raparigas, à boca pequena e entre si, queixavam-se da
esperteza ambiciosa umas das outras, citando o nome das que tinham
ido de noite perguntar a el-rei D. Sebastião se ele queria ser alumiado
pela lamparina dos seus olhos.
Quando sentia que fora da gruta o estavam escutando, Mateus
Álvares, fingindo penitenciar-se, batia rijamente com as disciplinas
contra a parede, exclamando lastimosamente: “ Ai de ti, Sebastião,
que toda a penitência é pouca a respeito das tuas culpas” 116. Outras
vezes, simulava estar pensando em voz alta, e dizia interrompendo-se
com repetidas intercalações de suspiros angustiosos: “Portugal!
Portugal, que é de ti? que eu te pus no estado em que estás!” 117
O povo ouvia o monólogo e acreditava-o. Chorava. Mateus
Álvares, para completar o efeito do logro, fingia dobrar o seu próprio
choro.
Os homens, fanatizados por Pedro Afonso, principalmente
arregimentavam-se para defender a sagrada causa do rei D. Sebastião,
e já o alistamento dos voluntários orçava por oitocentos soldados.
Desenvolvendo uma grande actividade, no comando em chefe
da hoste, Pedro Afonso fazia excursões até Torres Vedras afim de
adquirir armas e munições de guerra.
Encontrava, é certo, alguns incrédulos, que lhe lembravam o
caso do malogrado rei de Penamacor. Mas Pedro Afonso, com uma
grande audácia, respondia-lhes que fosse ou não fosse o vencido de
Alcácer-Quibir, Mateus Álvares havia de estar sentado no trono de
Portugal antes do dia de S. João.

116 Ano histórico, tomo 2, p. 470.


117 Avisos do céu, tomo 1, p. 247.

339
Vendo que as adesões eram numerosas, e que o alistamento
engrossava, o que valorizava a empresa, Mateus Álvares julgou ser
chegado o momento oportuno de começar a execução do plano
audacioso a que se havia associado.
Fixou o dia para a solene aclamação e consórcio de sua alteza
real. Alea jacta erat: Mateus Álvares, enquanto arriscasse a pele, não
podia recusar nem retroceder.
No burgo da Ericeira, em plena praça pública, dispuseram-se
os aprestos para as grandes cerimónias, em que o rei, pela primeira
vez depois de repatriado, devia aparecer ao seu povo.
As flores e os estandartes ornamentava galhardamente a praça,
em cujo centro fora levantado o sólio com docel e cadeiras de
espaldar.
Num altar, armado de improviso, a coroa de Nossa Senhora
esperava o momento de descer sobre a cabeça da rainha, a filha de
Pedro Afonso e ninguém se lembrava de perguntar, nem ela mesma se
seria certo que D. Sebastião aborrecia as mulheres, como dizem
alguns escritores fáceis em acreditar coisas pouco verosímeis.
Parecia-lhe à noiva que tal não sucederia.
Em torno da praça, o pequeno exército do rei da Ericeira,
marcialmente equipado, fazia guarda de honra ao trono.
Um vozear atroados e festivo saudou a aparição do cortejo real.
Vinham à frente dois mocetões de Fonte Boa dos Nabos
desempenhando as funções de porteiros da cana.
Seguiam-se os reis de armas, a cavalo e descobertos, e os moços
da estribeira: a fina flor dos rapazes de Odrinhas e Cheleiros.
O cargo de estribeiro-mór era exercido por Pedro Afonso, que
tivera a descrição de se nobilitar com o apelido de Meneses.
A cavalo, e coberto, o seu olhar altivo dominava a multidão.
Com pequeno intervalo, cavalgava o rei, carnavalescamente
majestoso, de elmo e arnês, com o manto de púrpura pendente sobre
as ancas do cavalo branco. A espada nua não era a precisamente de
Afonso Henriques, que D. Sebastião tinha levado para Alcácer-Quibir,
mas não seria menos antiga. A futura rainha, montava também um
cavalo branco, que António Simões, por grande distinção honorífica,
levava de rédea.
O vestido era de fazenda azul celeste, decotado, e com tufos
brancos nas mangas. Na cabeça boné de veludo preto, com pluma
branca e pedras falsas. Punhos de renda cuja brancura contrastava

340
com a negrura das mãos crestadas. Desde a cintura até aos pés um
cordão de retrós amarelo intervalado com esmeraldas de vidro.
Ombros nus, opulentos de carnação sadia, e algum tanto morena. Um
colar de ouro, com um bonso pendurado.
Após as pessoas reais, aglomerava-se multidão de cavaleiros,
sem distinção de lugares e cobertos: as rédeas sofreadas, as cabeças
dos cavalos muito altas, os pés enfiados nos estribos quase até aos
calcanhares.
Hoje poder-se-ia chamar àquilo um círio. No ano da graça de
1585 era a paródia de um cortejo real.

O rei e a rainha descavalgaram à ilharga da praça do Jogo da


Bola e dirigiram-se, a passo mesurado, para o sólio erguido a meio da
praça.
O rei subiu primeiro e conservou-se de pé sobre o trono. Pedro
Afonso, com voz estertorosa, perguntou, do alto do último degrau:
- Não é verdade que reconheceis a presença do nosso senhor e
rei D. Sebastião, que Deus Guarde por muitos e dilatados anos?
- É verdade! é verdade! conclamou a multidão.
Pedro Afonso prosseguiu:
- Não é verdade que de livre vontade o reconheceis como nosso
senhor e rei, a quem de direito pertence a coroa de Portugal?
- É verdade! é verdade! repetiu em coro a multidão.
Então Pedro Afonso subiu ao estrado, tirou delicadamente o
elmo que cingia a cabeça de Mateus Álvares, substituindo-o pela
coroa real, que o capelão da ermida do Espírito Santo lhe entregou
depois de a ter abençoado na presença do povo.
Procedeu-se em seguida ao casamento, sendo a filha de Pedro
Afonso conduzida ao sólio pela mão de António Simões.
O capelão da ermida do Espírito Santo pronunciou em alta voz
as palavras sacramentais, terminando por colocar sobre a cabeça da
rainha a coroa de Nossa Senhora.
Então uma cerrada metralha de flores confeitos e grãos de trigo
cobriu literalmente o sólio, fustigando por várias vezes, as reais faces
dos augustos cônjuges.
Junto à Fonte do Cabo, a mais antiga fonte da povoação,
estrugiram morteiros atroadores.

341
O cortejo desfilou novamente no meio deste estrondoso
charivari, e suas altezas reais foram hospedar-se em casa de António
Simões, que ficou sendo provisoriamente o Paço do rei de Portugal.
Nesse mesmo dia, Mateus Álvares, querendo remunerar tantas
provas de dedicação recebidas, agraciou o seu sogro com os títulos de
Conde de Monsanto, Marquês de Torres Vedras, Senhor da Ericeira e
Governador de Lisboa... in partibus infidelium.
A uma das Valverdes, prima da rainha, nobilitou com o titulo
de Condessa. Criou mais um Duque, e um Marquês, títulos que ainda
hoje se conservam como alcunha nas famílias agraciadas. Também
ainda subsiste o título de rainha em Ana Susana, descendente da filha
de Pedro Afonso.
À noite o burgo da Ericeira iluminou; as suas casas brancas de
um aspecto mourisco, tinham a animação de uma folia do Ramadão
em Marrocos. Havia gente ás janelas e ás portas. Pelas ruas estreitas
formigava a multidão como se a voz do mudden, em pleno Ramadão,
lhe houvesse anunciado a hora do magreb.
E todavia estava-se num país cristão, que então, mais do que
nunca, odiava os mouros causadores da derrota tremenda de Alcácer-
Quibir.
A filha de Pedro Afonso não encontrou no leito nupcial o frio D.
Sebastião descrito por César Cantu e outros historiadores. O que ela
achou foi um D. Sebastião mais perfeito que o das histórias. Histórias!
A comédia da Ericeira teve eco em Lisboa, chegou ao
conhecimento da corte do arquiduque Alberto. Com a primeira
tentativa de mistificação, representada pelo rei de Penamacor,
mostrou-se o arquiduque benevolente. Mas, em vista de uma nova
tentativa, agravada pela reincidência do espírito popular que a
aplaudia, o regente julgou dever proceder com severidade.
Foi enviado à Ericeira o corregedor Diogo da Fonseca, que já
tinha instruído o processo do rei de Penamacor.
À notícia da sua aproximação, os voluntários da hoste de Pedro
Afonso intimidaram-se a ponto de desertar: uns foram esconder-se
nos barrocais do litoral entre a Ericeira e Peniche; outros, os que
eram pescadores, fizeram-se ao mar.
O próprio rei desapareceu com a sua real esposa. E Pedro
Afonso, vendo-se sem soldados, sumiu-se também.
Ficaram apenas as mulheres e as crianças.

342
Que noite aquela, comparada com a da solene aclamação de el-
rei Mateus Álvares! Conquanto se estivesse no estio, soprava um rijo
vento norte, que fazia ulular funebremente os moinhos sobranceiros
ao burgo. As ruas silenciosas e desertas.
As casas lutuosamente fechadas. Só de vez em quando se ouvia
a voz plangente das mulheres que, lastimando-se voltavam-se de ser
inquiridas pelo corregedor.
Relacionados os réus de alta traição, Diogo da Fonseca retirou
para Lisboa, expedindo os respectivos mandados de captura às
justiças de Torres Vedras.
É neste lance que se evidencia a audácia de Pedro Afonso.
Vendo escapar-se-lhe das mãos o seu próprio marquesado e a coroa
real da filha, julgou dever jogar uma última cartada.
Teve artes de aliciar de novo os fugitivos e de os armar para
combate, estimulando o ânimo das mulheres com dizer-lhe que ele,
com as armas na mão, vingaria em Lisboa o ultraje que lhes fora feito
pelo corregedor da corte.
Ao mesmo passo, induzia o genro a proclamar ao país, dando-
se a conhecer como sendo o rei D. Sebastião, convidando o povo a
expulsar o estrangeiro e a reivindicar a coroa para o legítimo rei.
Pedro Afonso ensinou a António Simões, sempre fácil em
acreditá-lo, que o almirante D. Diogo de Sousa, que acompanhara D.
Sebastião a África, tinha tido uma entrevista com Mateus Álvares na
gruta de S. Julião, e o havia reconhecido como sendo o próprio rei.
Esta prova era tão concludente, que António Simões correu a
noticiá-la de povoação em povoação, fazendo grande número de
prosélitos.
Tendo já armado e espiritado o seu exército, Pedro Afonso
julgou dever romper as hostilidades antes que os mandados de
captura chegassem ao seu destino.
Chamou o filho de António Simões e perguntou-lhe se ele
estava disposto a desempenhar uma comissão de honrosa
importância.
- Tudo, respondeu com firmeza o rapaz.
- Pois bem. Vais a Lisboa e entregas ao regente esta carta de sua
alteza real, nosso rei e senhor.
O filho de António Simões deu-se pressa em partir para Sintra,
onde descansou alguns instantes, seguindo logo para Lisboa.

343
Chegado ao Paço da Ribeira, em quinta feira da Ascensão,
perguntou se poderia falar ao cardeal arquiduque Alberto. Disseram-
lhe que o cardeal tinha ido à Sé. Dirigiu-se imediatamente para a Sé e,
avistando o cardeal, que saía da igreja, pôs-se de joelhos diante dele, e
entregou-lhe a carta.
O arquiduque leu. Era um cartel insolente intimando-o a
restituir-lhe sem delongas o governo de Portugal.
Sorriu o cardeal, e mostrou a carta ao corregedor, que o
acompanhava. Diogo da Fonseca indignou-se e ali mesmo interrogou
o portador da missiva:
- De quem é esta carta?
- D’el-rei nosso senhor, que a escreveu de seu punho.
- Ah! vilão, que estás zombando!
- Por Deus, meu senhor, que o solitário da gruta é
propriamente em pessoa el-rei D. Sebastião. Meu pai e minha mãe
conhecem-no como aos seus dedos, e toda a gente lá sabe que é esta a
pura da verdade.
- Que tolice ou que descaramento! exclamou o corregedor.
- Que ingenuidade! replicou ostentosamente o arquiduque.
Deixai ir em paz o muchacho.
- Deixá-lo ir, meu senhor!
- Não demos importância àquilo que de sua natureza a não tem.
Quando os perseguimos, fogem! Que raça de valentes!
E o arquiduque despediu, sorrindo com altivez castelhana, o
filho de António Simões.
Mas o corregedor, recolhendo a casa, mandou oficiar ao seu
colega de Torres Vedras ordenando-lhe que sem demora procedesse à
captura dos sebastianistas da Ericeira.

VI

Pedro Afonso, vendo voltar o filho de António Simões, o que


porventura não esperava, tirou daí argumento para exaltar a
imaginação dos seus voluntários dizendo-lhes que o regente tanto
reconhecia a verdade da carta, que se não atrevera a contestá-la.
Ao mesmo tempo tomava as precauções, cobrindo a
rectaguarda no intuito de marchar sobre Lisboa.
Mafra estava bem policiada, e o litoral era vigiado a todo o
momento. Como reféns, ordenara aos de Mafra que pusessem cerco à

344
casa do doutor Gaspar Pereira, magistrado superior e membro do
conselho real.
O corregedor de Torres Vedras, estimulado pela instância que
lhe fizera o corregedor da corte, dirigira-se à Ericeira.
Mas em Mafra os revoltosos prenderam-no e ameaçaram-no de
morte.
O golpe de mão estava preparado. Na véspera de S. João o
exército sebastianista, comandado por Pedro Afonso, atacaria Lisboa,
forçando a entrada.
Justamente nesta ocasião, chegava a Lisboa uma carta do
jesuíta Leão Henriques, antigo confessor do cardeal-rei, para o
secretário de estado Miguel de Moura, incluindo um exemplar da
proclamação espalhada por Mateus Álvares.
Imediatamente, Miguel de Moura ordenou ao marquês de
Santa Cruz, capitão-general de terra e mar, que pusesse à disposição
do corregedor da corte as forças suficientes para baterem os
revoltosos.
A ordem foi logo cumprida.
Diogo da Fonseca, cinco léguas andadas de Lisboa, soube que o
corregedor de Torres Vedras tinha sido lançado ao mar do alto das
ribas da Ericeira; que o doutor Pereira, um filho e um sobrinho, foram
massacrados pelos revoltosos em Mafra; finalmente, que Pedro
Afonso havia entrado no caminho das mais sangrentas represálias
tripudiando numa orgia de sangue.
Sem mais demora, avançou para a Ericeira, quartel-general dos
sebastianistas.
Aí pelas alturas de Odrinhas, apareceu-lhe uma guarda
avançada de esclarecedores revoltosos. Seriam uns duzentos. Diogo
da Fonseca mandou-os intimar para que se rendessem. Eles
responderam-lhe audaciosamente com uma descarga de arcabuzes. O
combate foi rápido e decisivo. Desmantelados os sebastianistas de
Mateus Álvares, trataram de salvar-se fugindo; mas cerca de oitenta
caíram em poder do corregedor, que lhes arrancou pelo terror ou pela
tortura o segredo do seu plano de campanha.
Soube Diogo da Fonseca que o grosso da guerrilha havia saído
de Torres Vedras na hipótese de oferecer combate às forças
castelhanas, já a esse tempo reforçadas pelas companhias que os
capitães Santo-Esteban e Colantes comandavam.

345
Tendo expedido dois esclarecedores a cavalo, as tropas do
governo espanhol foram avançando para o vale do rio de Cheleiros, e
iam já descendo a vertente meridional do vale quando os
esclarecedores retrocederam, à rédea solta, para anunciar que a
guerrilha dos revoltosos estava à vista.
Desde a Carvoeira, o declive da vertente meridional é
pedregoso e alpestre. Plantas silvestres verdejam palidamente num
ou noutro cômoro, mas o vale, por onde o rio desliza tortuosamente,
escassíssimo de águas no Verão, é ferocíssimo, e os trigos vegetavam
altos e robustos.
Diogo da Fonseca tinha dois meios a seguir. Demorar-se no
topo da vertente, pairando como Fabius Cunctator ou avançar
resolutamente ao encontro da guerrilha.
Como não tinha por inimigo Aníbal ou quem o valesse, e como
estivesse cônscio da força numérica e disciplina militar do exército
que lhe obedecia, não quis desairá-lo a ponto de mostrar receio da
guerrilha. De mais a mais recebera instruções para acabar com a
insurreição fulminantemente. Meteu-se pois ao vale com a intenção
de ganhar a vertente setentrional. Mas, ao atravessá-lo, como se
ouvisse já perto o alarido berberesco da guerrilha, mandou ocultar os
seus arcabuzeiros entre os trigos, e só ele avançou a cavalo,
acompanhado por uma pequena escolta de oficiais de justiça.
A guerrilha vinha chibante, fanfarrona, caminho do vale: à
frente, Pedro Afonso a cavalo, no meio de um estado maior que não
brilhava pelo número. Eram os mesmos pimpões de Fonte Boa dos
Nabos, que tinham precedido o cortejo real no dia da aclamação.
Mal que avistaram o corregedor e a sua pequena escolta, deram
em persegui-lo com grande fúria e grita. Mas o corregedor e os seus
desandaram a galope simulando medo. A guerrilha, chegando ao topo
da encosta, achou deserto o vale, e só avistou ao longo da planície o
corregedor, que fugia à rédea solta contra a corrente do rio.
As tropas regulares viram, de entre os trigos, descer os
sebastianistas, e quando eles desceram, deram a primeira descarga de
arcabuzes, que foi terrivelmente mortífera.
Pedro Afonso, reconhecendo o estratagema, largou a fugir, e a
guerrilha, espavorida e fraccionada, procurava baldadamente ganhar
algumas das vertentes do vale. Muito dos voluntários ficaram
prisioneiros, e não poucos caíram mortos e feridos.

346
Houve porém um grupo de sebastianistas que se portou com
heróica bravura. No vale, a pequena distância da vertente
setentrional, assenta a igreja de Nossa Senhora do Porto, que foi
mesquita, e que denuncia ainda todo o seu cunho de antiguidade
mourisca, conquanto a data mais antiga que hoje se nos depara lá seja
a de 1627.
Os últimos guerrilheiros do rei da Ericeira fortificaram-se
valorosamente no alpendre e nos parapeitos do muro que torneja o
templo. Dali continuaram descarregando os seus arcabuzes até os
derradeiros cartuchos. Não podendo ganhar a vertente, procuraram
morrer com honra.
Este feito militar faz-nos lembrar uma tela, Les derniers
cartouches, em que o pintor Neuville eternizou um episódio
semelhante, ocorrido em Bazeilles, por ocasião da batalha de Sédan.
O que em Sédan fizeram em 1870 os soldados de infantaria de
marinha - que nós cá não temos - realizaram-no, no nosso pequeno
país, em 1585, os guerrilheiros do rei da Ericeira, Mateus Álvares.
E ele, o herói da gruta de S. Julião? Que é feito dele?
Mateus Álvares, avisado da aproximação da sua guerrilha, fora
cautelosamente observá-la do alto de um dos montes que pelo norte
dominam o vale. Chegou a tempo que o corregedor Diogo da Fonseca
e a sua pequena escolta de beleguins fugiam à rédea solta pelo vale
dentro, simulando grande medo. O rei da Ericeira desconcertou-se da
sua gravidade real batendo palmas à fuga do corregedor, que julgava
ser sincera; e com ela aplaudiram também dois ou três próceres
inválidos que o acompanhavam.
Mas quando de entre os trigos explodiu a primeira descarga
dos arcabuzeiros, Mateus Álvares largou a fugir sem se importar com
os próceres inválidos, nem com a dignidade real, nem com os seus
guerrilheiros sacrificados.
Na hipótese de uma invasão das tropas castelhanas pelo sul, a
rainha havia-se aposentado na Ericeira, onde as primas Valverdes e
outras moçoilas nobilitadas lhe assistiam em improvisada corte.
Quando a guerrilha passou na Ericeira para vir tomar o
caminho de Sintra, por onde, segundo o plano de Pedro Afonso, devia
marchar sobre Lisboa, a rainha com as suas donas e donzelas saiu ao
encontro dos voluntários fazendo-lhes festiva recepção e saudando o
pai, que do alto do bucéfalo, como Cid Campeador o poderia fazer de

347
cima do seu famoso Babieca, a cumprimentou inclinando a espada
impoluta.
Pobre rainha saloia! Esperando o pai, não foi tão infeliz como a
filha de Jephté, mas a sua grandeza real estava condenada por horas.
As raparigas do burgo, fanatizadas pela causa do solitário de S.
Julião, ofereciam aos voluntários copinhos de água-ardente e flores.
Sorriam-lhe e aclamavam-nos. Mas dentro de pouco tempo todo este
cenário de ovação patriótica se transmudava no quadro lúgubre de
uma derrota tremenda.
E quem sabe talvez se os heróis que queimaram os seus últimos
cartuchos na igreja de Nossa Senhora do Porto não teriam sido mais
alcoolizados pelo amor do que pelos copinhos de aguardente que
beberam?
O amor é sempre o mesmo impulsor de nobres audácias, seja
nas cidades ou nas aldeias.
Quem hoje afunda o olhar na grande serenidade de vale, por
onde o rio de Cheleiros entra no mar, próximo à Ericeira, mal poderá
reconstituir o episódio guerreiro que ali ocorreu, entre descargas de
arcabuzes atroadores, há trezentos e cinco anos exactos.

VII

O corregedor Diogo da Fonseca marchou, depois da vitória,


sobre Mafra, onde, tendo mandado instaurar uma severa devassa, fez
celebrar honras fúnebres por alma do doutor Gaspar Pereira, seu filho
e sobrinho.
O pobre corregedor de Torres Vedras nem sufrágios teve. A
ingratidão dos governos! Ponde os olhos nisto, ó ingénuos
magistrados do presente e do futuro.
É claro que Diogo da Fonseca tratou, em primeiro lugar, de
haver às mãos o rei da Ericeira e Pedro Afonso.
Mateus Álvares fugindo de serra em serra, pelas terras dentro,
pediu pousada numa locanda. A estalajadeira, sabendo daí a pouco a
notícia da derrota, entrou-se de receios pela responsabilidade que lhe
cabia por dar hospedagem ao solitário de S. Julião, muito conhecido
em dez léguas ao redor. Mas um sentimento bom, de piedade
feminina, acabou por convencê-la a receber na sua casa o pobre rei
duas vezes vencido. Tinha ela razão para recear das represálias do
governo castelhano, bem mais razão por certo do que tivera o

348
marquês de Santa Cruz para mandar reforçar em Lisboa a guarda do
Paço da ribeira, com medo da guerrilha dos sebastianistas. O certo é,
porém, que a piedade pôde mais nela do que o medo, e, acolhendo o
rei fugitivo, ungiu-lhe porventura o corpo fatigado com lágrimas
piedosas.
Dois dias depois, soldados castelhanos cercavam a locanda, e
hóspede e hospedeira caíam nas mãos do corregedor Diogo da
Fonseca.
Mateus Álvares era sem demora enviado para Lisboa, sobre o
dorso de um burro, como Jesus Cristo entrou em Jerusalém. António
Simões e outros graduados sebastianistas, com excepção de Pedro
Afonso, acompanhavam-no custodiados e montados biblicamente,
como ele. As mãos atadas atrás das costas. A gente que transitava
pelas ruas da cidade, e que tinha visto passar pouco antes o
arquiduque Alberto, viu chegar o rei da Ericeira com o seu irrisório
cortejo, chasqueado e apupado pelos transeuntes castelhanos.
A pobre estalajadeira, que dera pousada a Mateus Álvares, foi,
com outras muitas pessoas, justiçada no Alto da Forca, na Ericeira, a
mesma eminência onde o povo daquela vila julga ainda hoje que foi
executado o falso D. Sebastião.
Numa manhã de Setembro deste ano, junto à Igreja de Nossa
Senhora do Porto, perguntava eu ao tio Filipe Gaspar, o mais letrado
camponês da Carvoeira:
- Onde foi então que mataram Mateus Álvares?
E ele respondia com arreigada convicção:
- Na Ericeira, no Alto da Forca.
É uma tradição confusa que emparelha na morte o rei e os seus
partidários. Ali mesmo na Ericeira, onde o povo lançara ao mar o
corregedor de Torres Vedras, e onde Pedro Afonso fizera quartel-
general, era natural que Diogo da Fonseca quisesse dar o espectáculo
de uma severa punição.
Mas era também natural que o governo de Castela quisesse, por
sua vez, mostrar à capital a dureza do castigo com que punia os que
ousavam incomodá-lo.
Mateus Álvares fez declarações categóricas:
- O seu plano, combinado com Pedro Afonso era entrar em
Lisboa na Festa de S. João, quando o povo estivesse reunido nos
folguedos tradicional dessa noite. Dar-se-ia a conhecer como sendo o
rei Encoberto, anunciado nas trovas do Bandarra, e, depois de

349
reconhecido e aceite pelo povo, dir-lhe-ia do alto de um balcão: Eu
não o rei D. Sebastião, mas sou um homem que vos restituiu a
independência da pátria livrando-vos do jugo de Castela.
E o povo reconhecido, não duvidaria aceitá-lo como rei.
Eis o que ele havia pensado nas noites silenciosas da gruta de S.
Julião.
A 14 de Junho, Mateus Álvares foi conduzido ao cadafalso.
Cortaram-lhe primeiro a mão com que ele havia falseado a assinatura
de D. Sebastião; depois enforcaram-no com alguns dos seus
cúmplices; por último cortaram a cabeça ao cadáver, e espetaram-na
num poste, e esquartejaram-lhe o corpo, pregando-lhe os quartos nas
portas da cidade.
Pedro Afonso conseguiu andar a monte durante algum tempo.
Mas acabou por ser denunciado por um dos seus correligionários,
vendido a Castela. Enviado a Lisboa teve a sorte do genro: enforcado e
espostejado.
E a filha, a malograda rainha? Que ele sobreviveu ao desgosto
de perder a coroa, não há dúvida nenhuma, porque deixou
descendência que na Ericeira perpetuou a alcunha de Rainha na sua
família. Provavelmente atiraram-na no primeiro momento para o
fundo de um cárcere, até que se apiedaram dela, e lhe restituíram a
liberdade. Pobre mulher! Ela tudo havia sacrificado ao impostor
Mateus Álvares, tudo...; era justo que lhe dessem alguma
compensação piedosa. De mais a mais, nem o seu sexo, nem a sua
desgraça eram temerosos para o governo de Castela. Perdoando-lhe,
ligavam-lhe menos consideração do que a seu marido, cuja sombra,
vista à distância de léguas, fizera reforçar a guarda do Paço da
Ribeira!
De sinulato rege Sebastiano é o título do poema em que o
Doutor Estevam Rodrigues de Castro contou as façanhas do rei da
Ericeira. Eu, que já estando divorciado do verso, achei que era
preferível a prosa para contar uma história em que o último poeta que
figura é um sapateiro.

Lisboa, 10 de Novembro de 1890

350
SALINAS CALADO e A. BENTO FRANCO
Tia Ana Rainha 118

Meu caro Moura Guedes:

Contaram-me há tempos uma historieta da senhora Ana


Rainha, da Ericeira, velha atontada que um dia num receio que eu
chamei atávico e instintivo, rasgara uns papéis velhos que possuía.
Assim suponho ter ouvido contar ao meu Exmo. amigo e Sr.
Boto de Carvalhosa que tratou com a velha herdeira da realeza
curtíssima da Ericeira, e a quem adquiriu o travesseiro e duas
almofadas que um singelo bordado representa as antigas armas reais e
que teriam feito parte do bragal da rainha D. Mariana, esposa do
Mateus Álvares, o falso D. Sebastião.
De memória do que tinha ouvido e insistindo muito na fonte
onde bebi certos esclarecimentos, compus o meu desinteressante
artigo sobre a senhora Ana Rainha.
O meu amigo Dr. Bento Franco, velho companheiro de colégio e
espírito interessantíssimo, escreveu a carta curiosíssima que lhe peço
licença publicar hoje na Gazeta, de cujas hospitaleiras colunas ainda
me não tinha utilizado, e que é hoje um belo jornal, que faz esquecer
os que eu conheci e que a antecederam, e dos quais, de resto, tenho
saudades, pelo que de nobre e bairrista neles se escreveu e em que
colaborei sempre com tanto gosto.
A carta do meu amigo Dr. Bento Franco estava a pedir logo
publicação!
Porém, não tinha autorização para o fazer; e hoje que me
considero autorizado a publicar a interessantíssima carta, venho fazê-
lo gostosamente, pedindo-lhe para honrar a Gazeta, dando-lhe guarida
nas suas colunas.
O meu velho companheiro e amigo Bento Franco levanta
cavalheiresca e galhardamente a luva pela “Tia Ana Rainha” e faz luz
sobre a localização em que os “alevantados da Ericeira” se bateram por
um Portugal livre.

118 In Gazeta de Torres (11 Nov. 1928).

351
Daqui lhe envio um apertado abraço pela sua atitude, com
sincero reconhecimento pelo saboroso “rebuçado” que com a sua bela
carta me enviou.
Agradecendo-lhe, meu caro Moura Guedes, a publicação destas
duas cartas, sou o seu dedicado.

Am.º M.to Grato


SALINAS CALADO.

***

Ericeira, 27 - VIII - 928.

Meu caro Rafael Calado:

Leio sempre com interesse a Gazeta de Torres, de que sou


assinante, porque me interessa o progresso dessa terra, onde conto
amigos.
No penúltimo número da Gazeta despertou-me uma
curiosidade instintiva o título da tua prosa “A Senhora Ana Rainha”.
No palpite, que tive de entrada, apenas o meu espírito hesitou
por uma questão de dissonância.
Devo dizer-te, esclarecendo, que a personagem, que pelo teu
braço fizeste entrar na História, foi aqui conhecida de contemporâneos
e ainda hoje rememorada por vivos, sob a designação menos nobre
mais “sui generis” de “A Ti’ Ana Rainha”.
A César o que é de César...
Mas se te faço reparos por esta subida de posto, outro ponto há
no teu artigo, que me faz subir à face a indignação, obrigando-me a
esta atitude de magriço, que corre em defesa de uma patrícia. Foi
quando vi em letra redonda, que lhes chamavas “velha atontada”. Nem
tanto ao mar, nem tanto à terra. Tal nem se diz “calado” a uma
senhora e muito menos a uma “Ti’Ana”.
A Tia Ana Rainha era uma velha, o trivial das velhas do seu
tempo. Rabugenta nas horas vagas, possuidora dos seus papeis velhos
e de uma desconfiança ingénua aliás desculpável.
Morreu há mais de 40 anos.
Também não foi a última representante da antiga “corte”
desfeita.

352
Sobreviveram-lhe personagens, que aqui na Ericeira se
rememoram ainda, como o Ti’António Duque, o José Conde de Fonte
Boa, a Marcelina do Conde, as Condessas, etc... descendentes dessa
nobreza efémera de uma corte “mãos rotas” para títulos
nobiliárquicos.
Assediada pela curiosidade persistente e ansiosa de vários
investigadores e rebuscadores de papéis velhos, a Tia Ana Rainha deu
sumiço à papelada, não “por um receio atávico e instintivo”, que se
ligasse ainda com tradições de família, passadas, que eram, pelo
menos 12 gerações, mas muito simplesmente, conforme ela própria
confessou a pessoas de família, porque viu nessa sanha perscrutadora
de papéis velhos... manobra da Repartição de Fazenda.
O aumento de contribuições... eis o espectro.
Como vês, foi o instinto de legítima defesa tributária, que fez a
Tia Ana dar sumiço à papelada.
Atontada não; esperta... lá a seu modo.
Julgando desta forma reabilitada a memória da Tia Ana Rainha,
passemos a outro reparo, mas este a sério.

Dizes tu, que a “tragédia do rei da Ericeira teve o seu epílogo


num ligeiro combate a poucos quilómetros de Torres Vedras, etc.”
Sobre o assunto, rei da Ericeira, muito se tem escrito, mas
principalmente muito se tem romantizado.
A documentação, que aparece, é muito pouca e pouco
detalhada.
Correu sempre por estes sítios a tradição, que teria sido na
várzea da Senhora do Ó do Porto da Carvoeira, junto à capela, a 2
quilómetros ao sul da Ericeira, que se ferira a refrega, que liquidou
Mateus Álvares. Essa tradição referida até actos de valor
demonstrados por 5 valentes, que teriam escolhido o alpendre da
capela, como último reduto, onde morreram sem se entregar
“salvando assim a honra das armas portuguesas” no dizer de Alberto
Pimentel.
Há 3 anos, aproximadamente, o meu amigo e conterrâneo
Jaime d’Oliveira Lobo e Silva, infatigável investigador e hábil
paleógrafo, a pedido de Monsenhor Porfírio Quintela, Prior ao tempo,
na freguesia de S. João das Lampas, foi ali as fim de dar arrumo e

353
ordem ao arquivo paroquial e encontrou no Livro I de Registo de
Óbitos a folha 277, dois registos que vieram derramar alguma luz
sobre o assunto da localização do campo onde se teria ferido a
escaramuça ou combate, como quiseres, que acabou com o rei-
ermitão.
As notas dos registos são do teor seguinte, salvo a ortografia:
“No mesmo mês (Junho de 1585) faleceu P.º Luís, do Arneiro da
Reganha, não fez testamento e foi enterrado no Adro de Nossa
Senhora do Porto. Este morreu na briga dos alevantados do Rei
ermitão de São Gião, o qual Rei morreu enforcado na cidade de Lisboa
por dizer que era Rei; e mais se alevantaram com ele de três mil
homens, mas alguns deles pagaram o desconhecerem o seu verdadeiro
Rei, porque foram alguns também enforcados”.
Na mesma página:
“No mesmo mês faleceu João Roiz, de Cortesia, e foi enterrado
no Adro de Nossa Senhora do Porto, e não fez testamento. Este
morreu na briga dos alevantados”.
Quando li o teu artigo firmei o propósito de te dar nota desta
interessante e relativamente recente documentação, que te deve
interessar o que faço com a devida vénia ao achador, que logo se
prontificou a facultar-me uma cópia.
Estas notas não são inéditas porque já foram publicadas no
Diário de Notícias, há um ano ou ano e meio por pessoa a quem,
visitando S. João das Lampas, o digno Prior as notou por curiosas.
Delas se tira por conclusão: 1º uma suposição muito presumível
sobre a localização da “briga”; 2º que na contenda entraram para mais
de três mil homens; 3º que a área “alevantada” era extensa o Arneiro
da Reganha e Cortesia são muito para o Sul da Ericeira, já no concelho
de Sintra, de onde seriam Pedro Luís e João Rodrigues, dos 25
valentes a que se refere a tradição.
Desculpa-me a brincadeira da primeira parte desta carta e ficas
dispensado de me agradecer a seriedade curiosa da segunda, porque
sei de antemão que és um guloso por estas coisas e meninos gulosos
por via de regra agradecem um só rebuçado, que se lhes dê, e eu destes
não tenho, que te possa dar em série. Este foi por acaso.

Um abraço do teu muito amigo.


A.BENTO FRANCO

354
JOSÉ PATROCÍNIO RIBEIRO
O Rei da Ericeira
Romance Histórico

Primeira Parte
O Ermita de S. Julião

Era numa tarde cálida do mês de Junho de 1588.


Pela janela aberta entrava uma larga fita de luz dourada do Sol
que vinha iluminar a casa toda. Ouvia-se fora um monótono
murmúrio das vagas e a gemebunda melopea dos pescadores alando
os barcos na praia.
Mariquinhas, sentada num escabelo, costurava numa camisa
enfolhada que se empenhava em concluir esmeradamente. Era o
presente de anos que tencionava oferecer-lhe ao pai daí a quinze dias.
A Tia Aurélia, uma velhinha com perto de oitenta anos, sentada
no chão remendava uma rede. Trabalhavam ambas em silêncio. Havia
ali dentro, uma paz doce e calma de felicidade. Dominado os rumores
que vinham do exterior ouvia-se o ruído seco característico, da agulha
de Mariquinhas furando o pano.
Maria, a quem tratavam sempre pelo diminutivo, contava
dezoito anos e era alta e formosa; ela sabia-o e tinha nisso uma certa
vaidade. Era pálida; os cabelos de um ruivo ardente apertava-os em
dois bandós; tinha uns olhos castanhos escuros sedutoramente
adoráveis na ternura lânguida do olhar. Sob o nariz artístico erguiam-
se, suavemente, uns lábios carnudos e vermelhos como pétalas de
rosa. O vestido simples que trajava fazia sobressair cativamente a
beleza e escultural da cabeça.
A Tia Aurélia tinha em toda a sua pessoa o tipo comum das
velhinhas tradicionais das aldeias. Havia naquele rosto com rugas uns
clarões distinguíveis, mas já muito apagados, de uma beleza pretérita,
mas era simpática e boa, como na generalidade é a velhice. Em
ocasiões de jovialidade contava, com uma graça especial, a fazer

355
rebentar de riso os seus ouvintes, as conquistas que tivera na
mocidade. Havia sido em grande número!
- Fiz perder o norte a muitos rapazes! dizia ela orgulhosa
quando lhe puxavam pela língua para a ouvirem tagarelar sobre a
corte de admiradores que tivera.
A sua história era simples; consistia simplesmente na luta
contínua de trabalhar para viver. A eterna história dos pobres. Casará
com um marítimo de viagem de longo curso. Uniram-se no consórcio
por um afecto recíproco, pela linguagem inteligente e muda dos
olhares, sem se dirigirem nunca cartas ridículas de bajulices
amorosas. Ela levou como património a sua beleza e os seus
vestidinhos pobres mas asseados. Ele os seus braços musculosos e a
vontade persistente de angariar o sustento para ambos.
A prosperidade do casal aumentara diariamente. Viveram
felizes durante muitos anos. Um dia Ricardo teve a ideia de fazer uma
viagem à Índia. Era uma viagem lucrativa em que esperava ganhar rios
de dinheiro, e vir por fim aposentar-se, trancando, com o dinheiro
adquirido, a porta da sua existência trabalhosa por onde se haviam
escoado os melhores anos da sua mocidade.
Regressando, esperar então ali em terra, no forte da sua casinha
e na sua feliz companhia da terna esposa a idade fria da velhice. Era
uma ideia que ele acariciara durante tempo e que por fim quisera por
em prática. Porém o destino foi-lhe adverso.
Partira e por lá andou longe da pátria sem se saber dele. Ao
cabo de dois anos regressou um patrício, que fora seu companheiro de
viagem, e contou a terrível verdade. Tinham naufragado em Ceilão
depois de duas noites borrascosas seguidas. O navio desfizera-se de
encontro aos rochedos da costa. Ele salvara-se milagrosamente
agarrado a uma barrica dos destroços. Ricardo era humanitário;
“salvar o semelhante com risco da própria vida”, era o seu lema. Nas
ocasiões de naufrágio o seu coração sensível desprezava o perigo para
só ver o semelhante em luta com a morte.
Esse apego natural à vida que os seres possuem achava ele
muito justo; “viver para trabalhar, salvar o semelhante é um dever”,
dizia muitas vezes. Era Ericeirense, e diz-se tudo. Porém, daquela
ocasião a fatalidade alcançou-o; foi vítima da sua dedicação. Ao
pretender arrancar a uma morte horrível um passageiro velho, este, na
ânsia da luta com a morte, enlaçou de tal maneira o valente

356
marinheiro seu salvador, que lhe tolheu os movimentos e ambos
foram engolidos pelas ondas vorazes.
Aurélia ia morrendo de dor ao saber a triste nova. A sua
existência calma até ali ia mudar bruscamente para um futuro
insondável um futuro de que ela tinha medo.
Os primeiros meses de viuvez foram passados em lágrimas de
saudade pelo esposo querido. Por fim conformou-se coma sua infeliz
sorte e voltando à realidade mediu com horror o abismo da sua
existência de viúva solitária. Apelou de toda a sua energia e quis viver
Pessoas caritativas tendo dó dela de quando em quando davam-
lhe que fazer para poder ganhar alguma coisa.
De carácter lhano (sic), de fino trato, todos simpatizavam com
ela; e um facto em que se expandiu a sua alma bondosa veio fazer dela
uma heroína e captar-lhe maior número de simpatias ainda.
Morrera na vila uma mulher que deixou um filho.
O inocentinho tinha pai ainda vivo mas este era pior que uma
fera; quando a criança nasceu deixara a esposa e nunca mais quisera
saber dela nem do filho; ficava pois a pobre criança ao abandono.
Aurélia, que muitas vezes matara a fome a ambos, condoeu-se
do órfão e adoptou-o. A luta pela existência duplicou então, tinha uma
boca a sua cargo a sustentar; e para acudir à sua subsistência e à da
criança “andava arrastadinha com trabalho” como dizem na
linguagem vulgar da terra. Doida pela criança, julgando-a quase seu
filho, educava-o de uma maneira muito livre, deixando-lhe fazer o que
queria.
Chegaram a censurar-lhe as largas que lhe dava, mas ela sorria
simplesmente e não tratava de domar a vontade teimosa que
principiava a desenvolver-se no rapazito. Os efeitos maus dessa
educação livre sentiu ela mais tarde quando já não havia remédio. O
seu filho adoptivo em vez de reconhecer o bem que lhe tinham feito,
saiu ingrato de uma ingratidão revoltante, dessas ingratidões que
fazem escândalo. O órfão que ela acolhera caridosamente, para não
perecer abandonado, tornara-se víbora e mordia a pobre velha.
Pedro Afonso, um rico proprietário da vila ficara viúvo e com
uma filha de dez anos.
Sabendo dos maus agradecimentos que o filho adoptivo dava à
velhota, que tinha por sua vez de estar às sopas dele, chamou-a para
sua casa para olhar por esta e pela educação de Mariquinhas, mas com

357
restrita condição de o rapazelho não passar do limiar da porta. Foi
pois a tia Aurélia quem concluiu a educação da filha de Pedro Afonso.
Mariquinhas pondo a costura de parte levantou-se e dirigiu-se à
janela.
A casa estava construída sobre “a pedra do sebo”, no extremo
sul do semi-círculo das Ribas. Gozava-se dela uma vista deslumbrante!
Para o norte vêm-se as casas brancas de cal da vila da Ericeira e
a descida ladeirenta que conduz da grande rotunda a praia da Ribeira.
Esta calçada estava pejada como hoje ainda está, pelos barcos da
população laboriosa dos pescadores.
Em baixo, no cais onde as ondas batem com ímpetos de feras na
jaula, viam-se algumas peças de artilharia, abandonadas, cheias de
ferrugem. Haviam pertencido à bagagem bélica do Prior do Crato
quando ali desembarcou numa das suas tentativas infortunadas para
arrancar o reino das garras do leão de Castela. Na praia os pescadores
procediam à faina de puxar os barcos da água para a areia.
Em frente, a perder de vista, estende-se a imensa superfície do
mar de um verde esmeralda. Ao sul, o cabo da Roca prolonga-se pelo
Oceano a fechar o horizonte e sobre aquele, para o lado da terra,
ergue-se o dorso íngreme da Serra de Sintra terminando em picos
agudissímos que se recortam duramente no azul pálido do céu despido
de nuvens.
- Que lindo dia! exclamou Mariquinhas deslumbrada.
A tia Aurélia sem largar a rede que concertava disse:
- Não são nada bons estes dias de tanto calor.
- Porque dizeis vós isso, tia Aurélia? perguntou Mariquinhas.
- Porque trazem quase sempre peste. A última que houve foi
primeiramente anunciada por um calor de cair passarinhos.
Tinha eu então quinze anos; lembro-me bem, foi em vinte e
oito. Morreu com ela meu avô que Deus haja! Os mortos eram levados
às carroçadas para o cemitério do adro da Igreja. Pelas ruas da vila
ardiam barricas de alcatrão para desempestarem o ar. Morria-se como
um passarinho. Dava aquele mal na gente de um momento para o
outro; ía-se muito bem pela rua, de repente, catrapus, caía-se no chão
redondamente nas ânsias da morte...
Mariquinhas voltada para o interior, ouvia aqueles pormenores
com expressão angustiada. A velha suspendera o trabalho e
continuava:

358
-...Foi um castigo que Deus mandou aos homens! Todos os dias
havia procissões de penitência, mas era o mesmo que não vê-las;
ninguém pode aplacar a cólera do céu!
Morriam milhares de pessoas por dia; não só aqui como em
todo o mundo. Famílias inteiras finavam-se numa semana! Um
horror!!
- E como acabou a peste, tia Aurélia? interrogou Mariquinhas
horrorizada.
- Quando Nosso Senhor quis.
Nos meses de Inverno, com o frio, foi acabando pouco a pouco.
Por fim tornou tudo como era antes de haver aquele mal.
- Nosso Senhor permita que não venha agora uma peste como
essa; disse a rapariga atemorizada.
- Que ele te oiça filha! Não à nada pior que um castigo do céu!
Os psíquicos com a sua sabença não valem nada. Em Deus querendo,
não são capazes de curar a gente por mais endrominas que nos façam.
Eu nunca acreditei que um homem fosse capaz de curar uma
pessoa de um mal que a atacasse. Bem sei que o demónio tem muito
poder, mas Nosso Senhor ainda o tem maior e o mafarrico não o
vence.
Falava convicta, impregnada de fanatismo religioso, cheia desse
cepticismo que têm as pessoas idosas das aldeias para com a evolução
da ciência.
Mariquinhas, silenciosa, sentara-se e retomara novamente a
costura. Ouviu-se baterem à porta umas pancadinhas discretas.
- É o seu neto, disse a rapariga vivamente ansiosa por que a
velha mudasse de assunto.
- Deve ser ele, deve. Vem ao cheiro da merenda o guloso, e
gritou-lhe: Abre a porta e entra, rapaz.
Levantaram a aldrava; ouviram-se passos pesados de homem na
casa imediata e momentos depois penetrava no aposento em que
estavam as duas mulheres, um rapagão dos seus vinte e dois anos.
Saudou-as.
- Ora seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo.
- Mais sua mãe Maria Santíssima, responderam ambas em coro.
Naquelas épocas de fanatismo saudava-se desta forma.
A Inquisição assim o havia exigido e assim se cumpria
rigorosamente.

359
O novo personagem, depois de beijar a mão à tia Aurélia,
sentou-se muito sem cerimónia, livremente, sem esperar que o
convidassem a fazê-lo.
Era alto e forte. Tinha um desses rostos triviais dos
malandretes. A barba estava crescida, ao abandono. Os olhos vivos
animados de um fulgor estranho, fixando furtivamente com quem
tratava, eram a exposição plena da sua alma de patife. Chamava-se
Martinho e era o filho adoptivo da tia Aurélia, a quem desde que
soubera a história da sua infância chamava simplesmente avó. Com
muito custo lá aprendera o ofício de calafate.
Foi custoso fazer com que seguisse uma profissão definitiva.
A princípio quisera ser pescador; a velhota arranjou-lhe lugar
numa rasca onde fez duas ou três viagens costeiras; porém a labutação
trabalhosa do marítimo não atraiu o seu folgado. Mostrou então uma
vontade irresistível de seguir o ofício de calafetagem de barcos. A
velha satisfeita com a resolução dele lá foi solicitar a um velho que
tinha aquele mistério para lhe ensinar. O velho era abrutado, e como
tinha conhecimento da má reputação do rapaz, disse logo:
- Sim, ele pode vir que eu ensino-lhe o ofício, mas à primeira
patifaria que me faça racho-o de meio a meio.
Aurélia em casa comunicou a Martinho os receios que lhe
inspirava o mestre e recomendou-lhe:
- Vê lá rapaz, muito juízo. Olha que o que ele bem diz melhor o
faz. Sê sempre muito bem mandado, muito obediente para ele gostar
de ti. Nada de responder-lhe...
Martinho prometeu categoricamente fazer o que ela lhe disse,
porém, o seu sangue exaltado não lhe deixou cumprir a promessa
rigorosamente. Respondia muito ao velho que, diga-se em abono de
verdade, sendo predilecto por vinho não era dos indivíduos mais
pacientes. Duma ocasião em que o malandrete se excedera na
liberdade insolente da sua língua viperina o mestre fora de si atirou-
lhe com um machado que se o apanha-se na cabeça matava-o com
certeza e incontinenti (sic) expulsou-o da oficina.
Angustiada por aquela cena violenta e desolada pela perspectiva
do ofício não acabado, e de resto como o rapaz desde que estava no
aprendizado se mostrasse mais pacato, a velha sacrificou-se a ir ter
com outro mestre para o admitir. Foi-lhe imediatamente satisfeita a
pretensão. O novo mestre tinha pouca idade, contava somente mais
quatro anos que o aprendiz. Faziam uma união diabólica na sua

360
camaradagem de homens - crianças. Se o aprendiz era estouvado o
mestre quase lhe levava vantagem. Faziam partidas escandalosas em
comum que davam que falar semanas seguidas na paz calma dos lares
da terra. O aprendiz e mestre eram dignos um do outro. Foi pois entre
os muito estouvamentos, seus e do mestre, que Martinho fez a sua
aprendizagem. Na época em que principia esta narração sendo já
oficial trabalhava por conta própria, porém raras vezes tinha que fazer
porque sendo demasiado ocioso, poucos o procuravam para o
encarregar de qualquer obra urgente, mas ele naquele pequeno meio
de gente do mar vegetava, sempre satisfeito, mostrando não se
preocupar com o sustento do dia seguinte. Diziam, por boca pequena,
na vila que a avó, pois assim tratavam Aurélia, lhe dava ocultamente
os restos da casa abastada de Pedro Afonso, pois este com o andar dos
tempos, não se opunha já a que o rapaz lhe entrasse em casa, mas
quando o encontrava portas a dentro falava-lhe muito friamente.
Aproveitando essa condescendência do ricaço, Martinho ia amiudadas
vezes a sua casa com o pretexto de visitar a avó. Nessas visitas
começara ele a olhar mais atentamente para Mariquinhas e a reparar
nos encantos desta que era uma perfeita rosa da beira-mar.
A principio brotara nele uma afeição terna, mas com o tempo
essa afeição mudara para paixão, porém tinha que calcar no íntimo do
seu peito a sua paixão pela filha de Pedro Afonso, receoso que o
expulsassem daquela casa se se declarasse. Considerava-se feliz
quando ela lhe falava ou lhe sorria muito naturalmente.
- Então, rapaz, que tens feito? perguntou a velha.
- Estive a trabalhar até agora. Com este sol de rachar pedras não
se pode fazer nada; ataca-nos o suor de tal maneira ... larguei a estopa
e o maço e botei até cá para desenferrujar a língua.
Desculpava-se assim para não se mostrar mandrião diante de
Mariquinhas.
- Quando é o baptizado da focinhada, senhor Martinho?
perguntou a jovem.
Aquela pergunta directa da formosa rapariga, desnorteou o
ralaço.
A suavidade daquela voz doce fez o coração pulsar-lhe
violentamente. A resposta deu-a com voz tremida, perturbado.
- Há de ser para a semana se Deus quiser. Falta só calafetar-lhe
a proa, está quase pronta. Vós, senhora minha, ireis sem dúvida ver a
função, não é verdade? perguntou.

361
- Se o senhor meu pai deixar.
- Deixa sim, filha. Porque não há de deixar? atalhou vivamente a
velhota.
Martinho deu pormenores.
- Há-de ser um baptizado de espavento, segundo me disse o
João (carapau); quer que o baptizado da sua focinhada deixe fama. O
padre prior há-de pregar um sermão na praia. Flores não faltarão. Já
pediu aos patrões das rascas e dos caíques para os embandeirarem
todos nesse dia!
- E põe-lhe um nome santo, Martinho? perguntou a Aurélia.
- Estou que sim, senhora minha avó.
- Ainda bem; fez a velhota satisfeita e continuou: os últimos que
baptizaram puseram-lhe nomes profanos: o “hespanhol” e o “peixe
agulha”. Viu-se a sorte que deram aos seus donos.
Ás vezes vinham os outros carregadinhos de peixe e eles ambos
sem uma escama!
É o que faz falta de religião.
Calou-se. Martinho torcia o gorro entre as mãos e olhava
disfarçadamente, por sob as sobrancelhas para Mariquinhas. Houve
um silencio embaraçoso. A jovem interrompeu-o dizendo:
- São horas da merenda, tia Aurélia.
- Ah! É verdade filha. Já estás com apetite?
- À tanto tempo que jantei...
A velha largou o trabalho, pôs a agulha de emalhar sobre uma
arca próxima e disse para Martinho:
- Ajuda-me a levantar, rapaz. Dá-me a mão que já estou trôpega.
Ele solicito, afectando um grande amor, correu a ajudá-la a
erguer-se do chão a sua posição costumada de trabalhar nas redes.
Depois, Aurélia arrastando os seus velhos chinelos dirigiu-se à
cozinha.
Martinho e Mariquinhas ficaram sós por momentos. Silenciosa
com o rosto voltado para a camisa a rapariga costurava. Martinho
contemplava-a furtivamente com o cérebro cheio de pensamentos
lúbricos.
Uns cabelos que se haviam soltado faziam cócegas na testa da
jovem e esta erguendo a cabeça com um movimento rápido, compô-
los. Neste movimento olhara distraidamente para Martinho que a
fitava; os seus olhares encontraram-se e o embaraço de ambos foi

362
evidente. Perturbada desviou, imediatamente, a vista e ruborizou-se
castamente. Martinho sorriu.
Teriam ficado ali eternamente, silenciosos, absorvidos nos seus
pensamentos se a velha não voltasse da cozinha, livrá-los daquele
embaraço angustioso.
Voltou, finalmente, trazendo pão, facas, um pires com queijos
frescos e outro com azeitonas.
Depois tornou novamente dentro trazendo uma toalha, uns
púcaros e um canjirão de barro vidrado com vinho. Estendeu a toalha
alvíssima sobre a arca e colocou-lhe em cima os objectos que trouxera.
Seguiu-se a merenda. Quando se dispunha a comer, a tia
Aurélia disse ao neto que se conservava afastado, a distância:
- Chega-te para cá, rapaz, e come, que a Mariquinhas dá licença.
- Ora essa! porque não?! fez a rapariga amavelmente.
Martinho não se fez rogado, aceitou logo. O desejo da velha era
dar ao matulão o melhor bocado da merenda mas, a sua posição
naquela casa inibia de fazer tal, ainda que fosse como a mãe de
Mariquinhas esta sempre era a filha do dono da casa.
Descrever a merenda será fastidioso. Durante o tempo que
comeram, pouco falaram; só de quando em quando, uma frase solta a
propósito da qualidade dos géneros: que os queijos estavam um pouco
salgados, que as azeitonas tinham falta de erva, enfim simples
pequenos nadas de que se ocupam os faladores sensíveis nas horas das
refeições. Martinho comia mais do que falava e fez umas honras
especiais ao canjirão que continha um vinhito da Carrasqueira, de
lamber os beiços.
Depois conservou-se para ali a conversar, por minutos sobre
banalidades. Retirou-se, por fim, lançando na despedida a
Mariquinhas um olhar suplicante de paixão que a rapariga
prudentemente fingiu não ver.
O sol ocultara-se já além no longínquo horizonte afogueado.
A luz crepuscular invadia gradualmente o aposento. Ouviram-se
vozes grossas de homens na rua.
- Que Deus vos dê boa noite, senhor Pedro Afonso.!
- Adeus, Tristão! cada vez mais garboso, hei?
- E vós cada vez mais novo, senhor Pedro Afonso!
Este soltou uma gargalhada escarninha.
- Bonito! gosto de ouvir-te! fazes-me a boca doce; não é assim?
Queres uma pinga, não é verdade?

363
- Se for da vossa liberal vontade dar-ma aceito e agradeço-vos.
- Então anda cá.
Pedro Afonso, como dono da casa, meteu a mão à porta, abriu-a
e entrou. A filha correu a pedir-lhe a bênção ...
- Deite-me a sua bênção senhor meu pai.
Beijou-lhe a grossa mão nas costas com humildade e o pai fez
no ar uma cruz com a mão direita aberta.
- Que Deus te abençoe em nome do Pai do Filho e do Espírito
Santo! e beijou-a paternalmente.
Tristão entrara também atrás de Pedro Afonso, e conservava-se
tímido, olhando admiradamente aquele terno quadro comunicativo de
cena doméstica. Aurélia entre portas deu as boas noites ao
proprietário desejando-lhe que:
- “Deus o trouxe em sua Santa guarda”...
O ricaço sobraçava um pequeno molho de canas secas: - “Que
era para fazer uma capoeira às galinhas”, disse e enfiou pela porta da
cozinha para o ir deixar no quintal.
Mariquinhas acendeu uma candeia de azeite que iluminava
baçamente a casa de entrada.
Quando Pedro Afonso voltou, a filha e a velha conversavam
sossegadamente, com Tristão, um pobre pária de terra pequena.
Havia uma grande desigualdade entre aqueles dois homens;
hierárquica e fisicamente.
O dono da casa, Pedro Afonso de Meneses, o seu nome todo, era
homem dos seus cinquenta anos de estatura regular, peito saído de
Hércules, rosto redondo, barbas já grisalhas, crescidas livremente.
As doenças com ele não queriam nada. Ficariam impotentes
ante o seu corpo saudável. Na freguesia todos o cumprimentavam com
uma timidez de inferior para superior. Era rico, bastante e tinha disso
fama; os vinhedos da Carrasqueira, quase lhe pertenciam todos; os
pomares circunvizinhos ao rio da Meã eram dele; a encosta das pretas
com os seus talhões paralelos para a sementeira de trigo tinha-o por
dono. Porém, Pedro Afonso saboreava a superioridade da sua riqueza
mas não era vaidoso. Tratava todos muito amavelmente. Não se
importava mesmo de entrar numa taberna a pagar vinho a um
conhecido nem tinha repugnância em fazer entrar em sua casa um
desgraçado como aquele Tristão, para lhe dar de beber e matar-lhe a
fome. Ás vezes penetrava inesperadamente numa mansarda em que
sabia que a miséria campeava com seus tétricos horrores e à saída

364
deixava sempre sobre um móvel uma esmola avultada para atenuar
em parte a perspectiva dolorosa da fome e do desespero. O seu
coração bondoso granjeava-lhe simpatias inúmeras; o povo estimava-o
pelas suas qualidades.
- É o fogo de São Telmo! diziam os marítimos.
- É o sol na eira! confirmavam os agricultores.
Faziam assim os analfabetos o seu elogio neste laconismo que
pode equiparar-se e que leva vantagem na sua singeleza expressiva às
frases bombásticas de aduladores cultos. A riqueza que possuía, todos
tinham conhecimento de como lhe tinha vindo parar às mãos. Não
fora de modo duvidoso, mas sim do mais positivo modo que dar se
pode. Ele colhera simplesmente o fruto de uma árvore que outro
plantara.
O pai fora marítimo e andara à caça de corsários nos mares do
Oriente. Voltou novo ainda, podre de rico a aposentar-se. E para dar
alarde da sua riqueza mandou construir uma coisa que ninguém ainda
tinha visto na Ericeira. Foi uma casa nova, assoalhada, com primeiro
andar o que ele mandou construir!!
Até então as casas da vila eram térreas, os interiores do chão
simples que o junco colhido nas margens da ribeira de Cheleiros
atapetava para os tornar menos húmidos. Aquela decisão do pai de
Pedro Afonso foi o supremo acontecimento da vila, por aqueles
tempos!
Das cercanias vinham aldeões à missa à Ericeira
propositadamente para terem a glória de admirar com seus próprios
olhos a “majestosa obra”! Aos domingos em torno da casa, ainda em
construção, era uma pasmaceira de gente curiosa de todas as partes a
olhar, a discutir, a admirar! O que é ter um olho na terra de cegos...!!
Pedro Afonso à época contava somente oito anos; o pai meteu-o
na mestra “para aprender a regra do a”. Ainda que fosse analfabeto
teve aquela condescendência para com o filho.
- Meus pais não me mandaram ensinar, dizia ele; não quero que
meu filho possa dizer de mim o que eu digo deles...
E impôs-lhe a condição de não seguir a vida do mar:
- ... Em terra também se come pão. Quando eu morrer ainda cá
te fica muito...
Pedro Afonso cumpriu à risca o que o pai lhe ordenara.
Fez-se lavrador para não levar a existência inteira ociosamente
de papo para o ar a comer o seu património. Encontrou então no

365
caminho da sua vida uma criatura simpática que o atraiu. Helena era
fraca, pálida; os rapazes da vila não simpatizavam com ela; ele achou-
a mais cativante por isso. E namorou-se dela e desposou-a.
A sua felicidade aumentou no primeiro ano de casados:
Helena dera-lhe uma filha.
E viveram por anos contentes ditosos, embebidos na terna
felicidade da sua trindade doméstica. Quando a pequena contava dez
anos a esposa finou-se bruscamente.
Pedro Afonso sofreu imenso com este golpe do destino. O
embate atroz da fatalidade foi-lhe doloríssimo; teria feito uma cena de
desespero se a filha o não detivesse à vida. Teve dó daquela criança e
sacrificou-se por ela. Quando saíu a tumba levando a morta querida
pôs-se a pensar: “à pequena coitada agora ficava dias inteiros só,
quando ele fosse para as fazendas, nem ter já a mãe... ah! a mãe não,
não tinha jeito nenhum ficara a pequena para ali sozinha; tinha que
lhe arranjar uma companheira”.
Segundas núpcias repugnavam-lhe. Lembrou-se então da tia
Aurélia, muito mais velha do que ele, pobre mas de uma honradez
proverbial e chamou-a para sua casa.
Tristão era a perfeita antítese do rico proprietário. Magro, lábio
descaído, olhar vago de beberrão, vestindo andrajos, pés descalços
gretados pelo contínuo caminhar da sua existência errante. A sua
história era uma história tétrica de pária criado ao abandono.
A mãe dele, solteira ainda fora como Eva que comeu
irreflectidamente o fruto proibido e quando se arrependeu já não
havia remédio. Tristão era o caroço amargo do dulcifico pomo da
volúpia. O pai, um D. Juan da aldeia, ao pensar nas terríveis
consequências do mal de que fora causa, sumiu-se de tal maneira que
ninguém lhe pôs mais a vista em cima! A mãe compreendendo a
enormidade da sua falta principiou de olhar menos, envergonhada por
semblantes severos das matronas da terra; reconhecendo indelével a
mancha na sua honra fez-se descarada, de uma petulância inaudita, a
tanto extremo que era citada como exemplo de depravação feminina.
Vendia o corpo por tudo e a todos em tálamos primitivos tais como as
pedras das furnas e a areia das praias!
O vício e a vadiagem entraram nela e ao amamentar a criança ia
também inoculando-lhe a sua existência de desgraça. Entre uma tigela
de vinho e uma obscuridade nasceu Tristão que foi crescendo aos
baldões da sorte.

366
Aos sete anos, morreu-lhe a mãe.
Ficou ao abandono sem que uma alma caridosa que o acolhesse
à sua santa guarda!
Qual?! quem se encarregaria dessa missão espinhosa? Se ele era
filho do pecado, se lhe corria nas veias da cabra que desacreditara a
terra!!
Que vivesse imundo, miserável e desprezível a espiar a falta que
cometera a sua progenitora!
Entre as pragas rudes das tabernas no convívio dos garotinhos
da sua idade na praia sobre a areia de barriga para o ar ao sol, foi onde
Tristão fez a sua aprendizagem do vício e da miséria.
Acostumado à vida airada nunca procurou uma profissão.
Ocupava-se por vezes em fazer o seu recadito e em ajudar na
praia a faina de alar os barcos.
Ocioso por hábito detestava todo o trabalho que necessitasse
maior esforço muscular e por tal motivo fez-se pregoeiro, uma
ocupação pouco rendosa mas também em compensação pouco
trabalhosa; simplesmente pregoar pelas ruas da vila, o peixe, o vinho e
os outros géneros, onde se vendiam e a que preço.
Neste mister de correr as ruas o pregoeiro sabia muitas
novidades e quando alguma circulava mais rapidamente não era raro
ouvir dizer:
- “Quem foi que disse isso?” E respondiam: - “O Tristão”.
Sempre o Tristão, pregoeiro, a gazeta ambulante da terra. Porém ele
explorava a sua qualidade de alvissereiro pois nunca se descosia sem
se ter previamente enchido de vinho ou já lhe haverá aquecido o
estômago com uma boa pratada de sopas.
- Então, seu Tristão, que novidades nos conta hoje? perguntou
Pedro Afonso.
- Poucas ou nenhumas sei, senhor Pedro Afonso; respondeu o
pregoeiro.
- Ora essa! O pregoeiro não saber hoje novidades é um caso raro
e nunca visto!!
- Talvez não fizesse hoje nenhum pregão... interveio a tia
Aurélia.
- Não, ele hoje andou a pregoar. Eu estava no quintal e ouvi-o.
Não é verdade Tristão? disse Mariquinhas.
- É sim, senhora minha, fez ele aparvalhadamente, baboso,
sorrindo para a formosa ericeirense.

367
- Que é isto, Tristão! Estás a sorrir para a cachopa?!
Quererás tu ser meu genro?! gritou-lhe Pedro Afonso.
O pregoeiro respondeu-lhe gargalhando:
- Não senhor. Ah! Ah! Ah! que ideia!
Porquê?! Não és tu um bom moço, não tens tu o teu ofício. Não
foste tu porventura já doze vezes ás Índias, e não trouxeste de lá o teu
pecúlio menos mau?! Eu mesmo velha não se me dava de juntar os
meus trapinhos com os teus. Que dizes, hei?! Queres ou não?
O dono da casa e a filha riam a bandeiras despregadas do elogio
irónico que a velha fizera do pobre diabo que não sabia o que era uma
embarcação flutuar nas aguas da Ericeira quanto mais nas das Índias.
Depois de um silêncio de instantes Pedro Afonso disse:
- Bem, naturalmente se estás esquecido. Vou dar-te de beber
para te recordares das novidades frescas...
Os olhos do pregoeiro brilharam de contentamento, e foi assim
que se descaiu quando já o ricaço tirava de uma prateleira o canjirão.
- Eu ouvi hoje dizer uma coisa mas...
- Ah! sim ! Fez Pedro Afonso sem se voltar, pois hás-de contá-la
que nós queremos saber o que foi.
- É uma novidade muito importante, quase um segredo de...
de...
- Vá homem, desembucha.
- Ai! Não sei como se diz...de...de...
- De estado talvez; lembrou o proprietário.
- Sim, senhor meu, de estado.
- Diz lá, ó Tristão! que há-de ter a sua graça...
- Vá rapaz que a gente quer ouvir...
Pediram as mulheres trocistas, mas curiosas.
O pregoeiro excitante olhava Pedro Afonso, este vazava vinho
numa caneca e disse ao reparar no olhar interrogativo do pobre diabo:
- Então?! as mulheres não podem ouvir?
- Podem, mas...mas...
- Mas...mas, precisas a língua desenferrujada, não é assim? e
passando-lhe para as mãos a caneca com vinho: Pega lá.
Tristão agarrou-a sofregamente, bebeu o conteúdo dum trago e
pousando-a já vazia sobre a mesa, limpou a boca com as costas da
mão, principiou:

368
- O que eu ouvi dizer esta manhã à porta da ermida do Espírito
Santo foi que apareceu um eremita naquela ermidinha para lá da Foz,
em S. Julião.
Calou-se como a observar o efeito das suas palavras.
- E depois? perguntou Pedro Afonso.
- E disseram mais que parece um desses caminheiros libertos
que têm chegado quase todos os dias da Moirama, dessas Áfricas onde
se deu a grande batalha.
- Bem sabemos, continua.
-...E ouvi dizer também que é moço, desempenado...
E em voz mais baixa, misterioso, como que se receasse ser
ouvido por alguém oculto.
-...E que fala com muito acerto das coisas da corte. Sempre que
conta como se deu a batalha grande chora que nem uma criança! e
muito mais baixo ainda olhando em torno: desconfia-se que seja el-rei
D. Sebastião!
- Ai! Ai! fez Pedro Afonso e continuou: Temos outro Rei de
Penamacor ao pé da porta. Saiu-se bem por tempo um falso monarca
temos mais a seguirem-lhe o exemplo. E este como o outro também é
eremita; mas aposto como não há de sair-se tão a salvo como o tal que
foi só condenado a remar nas galés.
- Afinal esse homenzinho não era el-rei D. Sebastião? perguntou
a velha.
- Não senhora tia Aurélia; vocemecê já tem ouvido contar tantas
vezes como isso aconteceu...gritou-lhe Mariquinhas aos ouvidos.
- Mas que queres, filha?! Já estou muito esquecida...nesta idade
não tenho já os teus dezoito anos! Ainda assim as raparigas de agora
são mais esquecidas do que as velhas! Esquecem-se dos seus deveres
de meninas donzelas! disse secamente como uma censura.
- Que dizeis, tia Aurélia?! fez a jovem ofendida.
- Não falo de ti, filha...se todas fossem como tu, era a terra um
céu aberto! mas para mal da terra há muitas doidivanas: eu não sei
onde isto vai parar!... Vai indo, vai indo, até que Deus Nosso
Senhor...Credo! Mãe santíssima! nem me quero lembrar!! e num outro
tom: Pois não me recordo de ouvir o acontecido, não... Se o senhor teu
pai fizesse o favor de relatá-lo outra vez...
- Sim senhora, tia Aurélia. Ora essa!
E Pedro Afonso narrou aos circunstantes um acontecimento que
anos antes alvoraçara o país inteiro.

369
Na vila de Penamacor um homem tomara a iniciativa dos falsos
D. Sebastião que depois se seguiram.
O protagonista era filho de um canteiro da Batalha. Viera muito
novo para Lisboa com um homem que fazia rosários e como este
morresse, meteu-se a frade carmelita, porém em breve se enfastiou do
convento e pediu para se fazer eremita que era uma profissão rendosa.
Fez uma peregrinação pelo reino que terminou junto da vila de
Albuquerque, na fronteira espanhola, num eremiteiro. Era rapaz dos
seus vinte anos, esperto, simpático, e diversos devotos principiaram a
visitá-lo de entre os quais sobressaia pela sua assiduidade numa
senhora viúva de um soldado de Alcácer-Quibir. O eremita pagou as
visitas à piedosa dama e com grande espanto de todos rasgou a capa
da santidade pois que trocou pelos celicios e rezas a guitarra, e as
trovas profanas!
A sua vida escandalosa enojou o prior da freguesia que lhe
ordenou o abandono imediato daquelas cercanias.
Obedeceu-lhe prontamente receando ser preso como membro
deturpador da santidade hipócrita dos ministros da igreja. E então
para ganhar a vida fez-se passar por soldado de Alcácer-Quibir, cativo
de Fez. Como era bom improvisador fazia narrações estupendas da
carnificina da Batalha e dos martírios dos cárceres.
O povo começou a atribuir-lhe a individualidade régia de D.
Sebastião. A princípio desmentira-a mas achando em Penamacor dois
pândegos que se lhe juntaram principiou de explorar a cegueira do
povo. Esses indivíduos assumiram as personalidades simpáticas de
Cristóvão de Távora, o valido de D. Sebastião, e do Bispo da Guarda.
E os três para viverem à larga explorando a credulidade
popular, juntaram-se unidos e amigos! Nas estalagens para não
pagarem a despesa que haviam feito bastava somente o suposto
Cristóvão de Távora, dizer duas palavras ao ouvido dos estalajadeiros.
Os homens confusos e orgulhosos da suposta alta hierarquia dos seus
hóspedes descobriam-se respeitosos sem nada exigirem e ainda faziam
votos pela salvação do seu real Senhor! Essa cenas deram que falar e o
arquiduque Alberto, que regia o reino, ordenou ao juiz de Penamacor
que prendesse os impostores. Sob escolta entraram então em Lisboa, e
foram expostos às grades da cadeia para que o povo vendo-os se
convencesse de que nada se pareciam com as individualidades por que
eram conhecidos. O suposto negou que se fizesse passar por D.
Sebastião e disse que apenas aceitava as homenagens que lhe

370
prestavam. Foi então simplesmente condenado a remar
perpetuamente nas galés. O seus sequazes tiveram menos sorte pois
que sofreram a pena última.
Foi a narração, um tanto deturpada, deste episódio que Pedro
Afonso fez; e a tia Aurélia vendo em tudo que era trágico, avisos do
céu, anotou:
- Sempre o orgulho dos homens pobres em quererem figurar de
grandes senhores. Por isso Nosso Senhor os castiga! Os dois pagaram
com a vida o seu orgulhoso e o outro pode dar-se por muito feliz em
ser só condenado em remar nas galés d’el-rei.
Pedro Afonso, ainda que mostrasse uma certa indiferença
exterior pelo que informara Tristão, no seu íntimo sentia uma
curiosidade em saber o facto mais detalhadamente, e assim
perguntou:
- Mas o tal eremita dá mesmo a entender que é o nosso desejado
rei D. Sebastião?
Isso é que eu não vos posso dizer. Quem estava com esta
conversa eram uns saloios da Carvoeira, e eu muito marralheiro fui
ouvindo o que diziam. Contaram também que de noite se flagela
lastimando-se e que tem ido àqueles lugares em redor (sic) muita
gente visitá-lo.
Hei-de saber isso mais a miúdo.
Tu quando souberes mais alguma coisa vem dizer-ma... ouviste?
- Com todo o gosto vos virei contar o que souber, senhor Pedro
Afonso; e o pregoeiro levantou-se como para se retirar. O proprietário
deu-lhe mais vinho que ele nunca rejeitava e antes que se retirasse
Mariquinhas rindo, trocista, fez-lhe umas propostas amorosas que
encheram de riso o pai e a velhinha.
Quando saíu, Pedro Afonso lastimou-o:
- Pobre moço! Que desgraçado!! O que faz uma mãe ser cabra!
Cada vez está mais ensandecido!
- Aquelas maleitas que ele teve em menino também lhe
transtornaram o juízo; lembrou a tia Aurélia.
Subitamente à porta entreaberta apareceu um pescador
endomingado.
- Ora salve-os Deus!
- Que ele te traga em sua santa guarda, João! respondeu Pedro
Afonso.
- Ó tia Aurélia a minha rede como está?

371
- Quase pronta, rapaz.
- Não me falteis com ela no dia de S. João Baptista, não?
- Não, podes estar descansado que irás lançá-la ao Manjapão
nesse dia.
O pescador satisfeito despediu-se e retirou-se. Aurélia disse
então a Mariquinhas:
- Menina, vamos tratar da ceia que teu pai deve estar moído da
labutação, e deve querer deitar-se.
E foram todos para a cozinha.

II

Naquele ano o dia de S. Pedro caíra ao Domingo.


Desde manhã cedo que ía uma azafama em casa de Pedro
Afonso que fazia anos nesse dia. Esperavam-se visitas: o primo
António Simões, de Rio de Mouro, e a família. Vinham passar o dia à
Ericeira e assistir ao jantar natalício.
O proprietário ericeirense saíra logo de manhã cedo para ir
crestar umas colmeias a um pomar das que possuía no rio da Meã.
Eram oito horas e ainda não voltara.
A formosa Mariquinhas subira e descera a escada inúmeras
vezes para pôr em ordem os aposentos dos primos no andar superior.
E andava alegre, radiante, naquele dia de festa doméstica e de quando
em quando entoava umas modinhas sentimentais que ecoavam numa
harmonia doce em toda a casa impregnada do ambiente salino da
vizinhança do mar e do aroma de alecrim queimado com cascas de
laranjas. Ás nove horas Pedro Afonso regressou trazendo mel.
- Ainda não vieram? perguntou à filha assim que chegou a casa.
- “que não, que ainda não tinham vindo, mas que não poderiam
tardar”, respondeu ela e foi para a cozinha ajudar a tia Aurélia no
arranjo do jantar.
Momentos depois ouviu-se um tropear de cavalgada.
Mariquinhas correu alegremente à porta de entrada e o pai foi pela
cozinha abrir uma outra no quintal que comunicava este com a rua.
Em frente montado num cavalo de raça, vinha António Simões o
morgado de Rio de Mouro. O seu traje e a sua obesidade lembravam
Sileno vestido à saloia, montando um rocinante. Seguia-se a esposa,
uma camponesa corada, comodamente sentada de lado sobre a
albarda de uma jumenta. Atrás de ambos, no couce do cortejo,

372
escarramanchado num outro jericó pavoneava-se orgulhoso das cores
berrantes do seu fato domingueiro o Joaquimzito, o “rapazete” como
lhe chamava o pai.
Esperavam-nos sorridentes no meio da rua Mariquinhas e a tia
Aurélia que correra também à recepção talvez com grande
inconveniente para os guisados que se preparavam na cozinha.
Tinham vindo pelo lado das furnas para não darem tanto nas
vistas da gente curiosa da vila. E distantes ainda, ao descortinar
Mariquinhas, Manuel Simões disse alto esta bestialidade que na sua
boca tinha foros de um alto elogio:
- Lá está a cachorrinha do Pedro! Cada vez mais bonita o démo
da cachopa!!
A mulher, a prima Mécia, risonha, acenava vivamente com a
mão num cumprimento e atrás o “rapazete” ansioso por chegar batia
com o seu pau ferrado desalmadamente nas ancas da jumenta que a
mãe montava berrando numa maneira equívoca: Arre burra!
Quando chegaram acasalou-se com o convidativo cheiro a
refogado que enchia o ar a efusão ruidosa dos cumprimentos de
pessoas que se estimam e se não vêem à muito. Trocavam-se
reciprocamente cumprimentos:
- A sua bênção; padrinho! pediu a jovem.
- Que Deus te faça uma santinha, filha! disse Manuel Simões,
dando-lhe a mão a beijar.
As mulheres abraçavam-se e beijavam-se ternamente e o
rapazete também teve parte naquele festim de beijos. Quando lhe
coube a vez de oscular a prima Mariquinhas, pregou-lhe uma beijoca
tão repenicada que a rapariga corou castamente, envergonhada!
Manuel Simões, estranhando a ausência de Pedro Afonso, e
querendo fazer-se engraçado perguntou “pela criança que tinha
nascido”.
Não tiveram tempo de lhe responderem pois que o proprietário
veio anunciar que o quintal estava aberto para recolherem as
alimárias. Repetiram-se os cumprimentos com ele; fizeram votos para
que contasse muitos anos e felizes. O morgado de Rio de Mouro,
abraçava-se a ele e segredava-lhe baixinho, maroto:
- A minha afilhada está uma moça de truz!
- É a cara da mãe que Deus tem, respondeu-lhe Pedro Afonso,
com o olhar velado por uma sombra de saudade.

373
Depois as mulheres entraram em casa satisfeitas, palrando
sobre banalidades dos pequenos meios e os homens foram recolher os
animais na arribana do quintal.
Manuel Simões, homem enérgico e de acção, primo materno e
compadre de Pedro Afonso orçava pela idade deste e era dono de uma
importante herdade em Rio de Mouro. Rivalizavam ambos na riqueza
porém a maneira como a tinham adquirido diferia muito. Pedro
Afonso tivera a herança paterna; Simões enriquecera-se. De uma
tenacidade teimosa no trabalho ao pegar pela primeira vez na enxada
jurou que só a largaria quando pudesse ter trabalhadores sob as suas
ordens e economizando o mais possível só ao fim de trinta anos de um
trabalho constante é que pôde cumprir o que jurara fazer.
O bom casamento que realizou aumentou em parte a sua
fortuna, e a época em que o conhecemos era um fanático pelo torrão
natal onde vivia uma doce existência burguesa no seu morgado.
Depois de terem desaparelhado os animais e de os haverem
prendido à mangedoura, puseram-lhes à farta feno seco que os pobres
quadrúpedes, cansados e famintos da longa jornada, principiaram de
retraçar vorazmente. O “Russo”, o jumento, montado no qual Pedro
Afonso ia às propriedades, olhava admirado e interrogativo aqueles
intrusos que tão sem cerimónia tinham albergado na sua morada! E
ter-se-ia arreliado certamente se não reparasse numa fêmea da sua
raça que lhe fez afastar repentinamente o mau humor e a quem de
ventas arreganhadas e orelhas hirtas começou zurrando um madrigal
asinino!
Pedro Afonso equivocado com aquele zurrar, disse ao
compadre:
- Vede como todos vos estimam aqui em minha casa. Até o meu
“Russo” vos dá as boas vindas! e afectuosamente, quase com ternura,
foi afagar o pobre “Romeu” orelhudo em quem parecia não ter
reparado sequer a sua “Julieta” de entretida que estava em devorar o
feno!
Atravessando o quintal, Manuel Simões reparou num cevado
que grunhia no cortelho e fez uns elogios rasgados à capoeira das
galinhas artisticamente feita de canas; notou também um montão de
lenha posto ali recentemente.
- É para a fogueira logo à noite; esclareceu o compadre.
Ao entrarem na cozinha deram com a tia Aurélia, de verdasca
na mão, empenhada em perseguir o gato.

374
- Que andais fazendo, mulherzinha? interrogou o dono da casa.
A velhota indeireitou-se.
- Quereis saber? O mafarrico enquanto eu voltei as costas para
provar a panela saltou nos carapaus fritos que estavam em cima da
banca e comeu quatro!!
- Então também os quis provar; tornou Pedro Afonso, rindo.
E a tia Aurélia de braço estendido, empunhando a verdasca,
imprecou o bichano que em cima do muro do quintal lambia os beiços
muito descansado fixando-a com os seus olhos impassíveis.
Na casa de entrada Mariquinhas e a prima Mécia punham a
mesa. Aproximava-se a hora do jantar e todavia não tinha ainda
aparecido um convidado. Era o tio Estêvão Sardinha, um velho lobo
do mar, antigo camarada do pai de Pedro Afonso e a quem este
tributava um respeito filial. Devido áquela demora o dono da casa
fazia conjecturas e fartos de esperar resolveram-se a ir para a mesa. Aí,
segundo o costume da época, a tia Aurélia como pessoa presente mais
idosa rezou “o benedicté que os outros ouviram de pé, mãos postas,
silenciosamente”.
Quando se sentaram:
- Dá-me que pensar esta demora do tio Estêvão Sardinha...disse
Pedro Afonso.
- Não vos apoquenteis senhor Pedro Afonso. Aquele é gaivota
marralheira, não se perde no mar! falou a tia Aurélia.
E como que a confirmar o que dissera a velhota, quando haviam
enchido os pratos de sopa, assomou bruscamente ao postigo o rosto
tisnado e risonho de veterano do mar.
- Vai o vento de feição, hei? Já içaram a vela grande da terrina!
Toca a velejar com vento fresco e cá o mestre ficava em terra! disse na
sua linguagem, típica; e metendo a mão à porta abriu-a e entrou.
- Ora viva lá, e seja bem vindo quem nos fez esperar e
desesperar! exclamou o pai de Mariquinhas.
Estêvão Sardinha desculpou-se.
Detivera-o em casa a visita inesperada de um seu afilhado que
regressara de uma viagem de três anos. Depois cumprimentou os
presentes e mais afectuosamente Manuel Simões e a família que, como
hóspedes tinham direito a uma atenção especial. Antes que tomasse o
seu lugar vago pôs as mãos e rezou baixo para si, o costumado
“benedicté”.

375
A princípio ninguém falou procurando satisfazer os estômagos,
só de vez em quando um ou outro teria elogios à habilidade culinária
da velha e de Mariquinhas.
O jantar era variado, constando de diversos pratos, e Manuel
Simões mostrava particular agrado nos que se compunham de peixe.
Uma rapariguinha, filha de uma vizinha pobre, viera naquele dia
ajudar a faina da cozinha e era quem servia à mesa. A tia Aurélia
ajudava-a porque a pequena fazia o serviço com morosidade, sem
dúvida por não estar acostumada.
Quando os estômagos já estavam um tanto confortados
generalizou-se a conversa, e o Sardinha pregou aos comensais a
estopada narração das suas aventuras de marítimo, talvez repetida
pela vigésima vez! Por um motivo particular narrava as aventuras
mais picarescas onde entravam mulheres e enquanto falava fixava a
momentos a tia Aurélia como procurando alveja-la. Eles lá se
entendiam com os seus botões! O Sardinha votava-lhe um ódio secreto
desses ódios inofensivos das pessoas idosas, porque ela quando nova
acolhera desdenhosamente os seus galanteios. Porém, só quem o
compreendia era a tia Aurélia porque os outros circunstantes “ainda
eram ovas quando ele já era peixe voador” segundo a sua frase
costumada com que designava as pessoas de menos idade que ele. A
velhota encavacando com aquelas ilusões do seu antigo requestador
gritou-lhe num esforço:
- Come rapaz! Por teres o costume de dar tanto à taramela é que
te têm caído os dentes e já andas a modos estampado...
- Estampado? eu?! fez o Sardinha ferido na corda sensível.
- Admiras-te?! já em novo o eras! Todas as moças do nosso
tempo o diziam... nunca foste capaz de te casares por mais que o
tentasses!
O tio Estêvão todo se encrespava na réplica: que, “se não casara
foi porque não quisera, haviam algumas que andavam atrás dele pelo
beiço, doidinhas”! e para provar o que dizia nomeava mulheres que na
maior parte já tinham falecido.
A disputa dos dois velhos divertia imenso os comensais a quem
dava a sensação de estarem num tempo em que ainda não existiam, e
de quando em quando Manuel Simões, divertido também com aquela
cena, intervia tomando partido ora por um ora por outro fazendo-os
acirrar mais, prolongando assim o entretenimento. Percebendo que os
estavam desfrutando o velho marinheiro achou conveniente pôr ponto

376
na discussão, dizendo para a tia Aurélia que na sua qualidade de
mulher não se queria dar por vencida:
- Levanta ferro! O que tu queres é ouvir-me!
E o incidente ficou assim encerrado.
Depois, como que para estabelecer contraste ante aquelas
discussões macrobiais, veio à tela da conversação um assunto
palpitante de interesse, cheio de actualidade!
Subitamente Manuel Simões, interpelou Pedro Afonso:
- É verdade, senhor meu primo e compadre! O que me dizeis de
um certo eremita que está próximo daqui segundo me contaram em
Rio de Mouro?!
- O quê? até chegou lá a nova?!
Safa!! fez o proprietário da Ericeira numa admiração.
É verdade que sim. Toda a gente fala nele. O seu viver
misterioso tem intrigado muitos! Não é verdade Mécia?
É verdade confirmou a mulher, acrescentando: Até dizem que
se parece muitíssimo com D. Sebastião o nosso desejado rei.
- Talvez tanto como o tal tramelga de Penamacor que nem dele
tinha a idade! disse o tio Estêvão.
- Contaram-me essa nova à quinze dias e tenho-a tido de
reserva. Desde então para cá tenho ouvido mais narrações e vou
ajuizando-as de mim para comigo.
Não sei o que supor. Depois de aquele embuste do filho do
canteiro da Batalha não sei o que poderá haver de verdadeiro no
eremita de S. Julião! Enfim não sei o que suponha... o que digo é que
dois D. Sebastião não pode haver agora um...
- Sim há-de haver um com certeza verdadeiro rei de Portugal!
exclamou o morgado de Rio de Mouro.
Há-de haver um?! Dizei, antes houve um, senhor Manuel
Simões, porque eu não creio que ele se escapasse da batalha. Lá tanto
morriam os pobres como os fidalgos, a morte não respeita ninguém...
a morte e o mar, com mil furacões! exclamou o velho e continuou sem
atender a interrupção que queria fazer o morgado.
- Mas olhe lá...
-... Ainda há gente parva que acredita nas palavrinhas falsas de
qualquer peixe tamboril! nem eu que tenho cabelos brancos, e já
naveguei o mar desde a terra dos gaiteiros até a dos chinos, que usam
trança como as mulheres! Tenho enxergado mundo, tenho lobrigado
muita coisa, não velejo de encontro ao canto de uma sereia de barbas!

377
- Mas olhe lá tio Estêvão, pode muito bem ser que D. Sebastião
não perecesse na guerra...
- Porque dizeis isso?! por ser rei...
- Não por isso! Vós sabeis melhor do que eu que o poder de
Deus Senhor Nosso é muito grande! Sim, e em ele querendo nada é
impossível! Ademais D. Sebastião passou-se às Áfricas em defesa da
sua divina causa, em pró da sua doutrina santíssima, para combater
infiéis, cujas almas não estão ainda resgatadas pelas águas do
baptismo, e por isso Deus podia muito bem ter-lhe conservado a vida
para ele poder continuar a sua obra de acarretar almas para o reino do
céu! Não devemos pois duvidar do alto poder de Deus! Não vos façais
aéreo.
- Sim, não devemos duvidar... eu não duvido... mas é de
precisão estar-se de vela por causa dos muitos engazupadores que há
por esse mundo de Cristo!
- Bem sabemos! O que vós não podeis dizer é: se o eremita é ou
não el-rei D. Sebastião, disse Pedro Afonso.
- Seja quem for! Se é garboso e novo o tal eremita, ainda podem
lucrar com isso as cachopas daqueles arredores; tornou o velho
anotado.
- Moço e garboso era el-rei quando eu o vi... lembras-te Mécia?
Parecia uma moçoila bonita vestida de homem! Nunca enxerguei
porte tão esbelto num mancebo! A grenha loira, os olhos azuis...
Agora se Deus não o levou, deve estar muito mudado na sua real
pessoa.
- Então já vistes D. Sebastião?!
- Já, sim, senhor meu primo.
Há-de haver onze anos; um ano antes da fatal batalha, quando o
meu “rapazete” nasceu, em Lisboa, num dia de auto de fé.
Queimaram-se nesse auto seis feiticeiros! Deus me perdoe! É o dia
mais arreliado que tenho na minha vida!
Houve um silêncio de instantes. Um desses silêncios de horror
que sempre se faziam no interior das famílias quando a recordação
terrível das cenas sangrentas do tribunal do Santo Ofício, era atirada
bruscamente para o meio da conversação. Pedro Afonso que ficara
pensativo mais que os outros, perguntou a Manuel Simões:
- E se vísseis hoje D. Sebastião, conhecia-lo? senhor meu
compadre.

378
- Talvez... não digo ao certo. Há onze anos que isto foi...
respondeu o compadre.
- Pois então havemos de ir ambos a S. Julião para termos a
certeza se é el-rei cumprindo penitência ou um engazupador que quer
abusar da boa fé do povo...
- Mas olhe, senhor meu primo, quando há-de ser esse dia se ao
romper do dia de amanhã já estarei em Rio de Mouro?
- Não, não estareis. Eu vos peço que fiqueis o tempo que
quiserdes nesta vossa casa. Brevemente começo a secar o trigo e
necessito dos vossos sábios conselhos para uma prova que entendo
fazer. E depois já tendes lá em cima quartos preparados.
Ficais, não é assim?
Manuel Simões consultou a consorte.
- Que dizes, Mécia?
- Dizei que sim, prima minha; pediu Mariquinhas.
- Como quiseres; respondeu a esposa.
Fiquemos sim senhor meu pai, pediu o Joaquim num
arroubamento: Gosto tanto de ver o mar!
- Pois seja assim; anuiu o morgado. Visto que ficais iremos uma
noite destas a S. Julião. De noite não se dá tanto nas vistas...
- Mas já vos aviso que não poderei demorar-me mais do que três
dias ou uma semana o muito.
- Não importa! Pois amanhã se Deus quiser iremos lá. Manuel
Simões concordou.
- Senhor, meu pai, e primo, deixais-me ir também? pediu o
Joaquimzito.
- Não senhor! Não tens nada que fazer lá, disse o pai secamente.
- Agora isto é necessário que fique entre nós; o que ele for
depois constará. E olhe lá tio Estêvão, peço-vos que não divulgues a
nossa visita lá para fora.
- Podes estar descansado, Pedro. A minha boca será como a
porta da ermida de Nossa Senhora Mãe dos Aflitos desde uma festa à
outra.
Ainda sei guardar segredo apesar de estar “estampado”, como
disse a Aurélia. Podes descansar que da minha boca nada sairá antes
do tempo.
Ia a levantar-se novo incidente entre os dois velhos devido ao
Sardinha ter acentuado claramente a palavra estampado, porém o
dono da casa evitou-o, levantando-se prontamente da mesa. Todos o

379
imitaram. Havia terminado o jantar e, como era costume, ia dar-se
graças a Deus. A tia Aurélia murmurou uma oração de agradecimento
e ao terminá-la todos se benzeram em voz alta.
De repente apareceu ao postigo o rosto magro de Tristão.
- Dais-me licença...
- Penetrai, disse o pai de Mariquinhas.
O pregoeiro entrou e ficou-se imóvel no meio da casa,
constrangido ante aquela gente estranha que naturalmente não
suponha encontrar ali. Lançou uma olhadela rápida para os restos do
jantar sobre a mesa e dirigiu-se a Pedro Afonso, pois sabia que ele
fazia anos.
Vinha desejar-lhe muitas felicidades, fazia votos pela alegria da
sua casa, pela boa sorte da sua filha, a menina Mariquinhas.
Dizia isto rapidamente, de fugida, como uma saudação estudada
fora da porta antes de entrar, mastigada pelo caminho.
Pedro Afonso ouvio-o em silêncio vendo-o a corar dentro dos
seus andrajos, pouco à vontade, ante aquele burguesismo de interior.
Agradeceu-lhe e disse à filha que lhe desse alguma coisa que
comer para beber “uma pinga”, lá dentro, para estar mais à vontade,
sem que a presença daquela gente desconhecida o constrangesse.
E enquanto Tristão, na cozinha, de parceria com o gato
devorava os restos do banquete e a velhota e a rapariguita dos vizinhos
levantavam a mesa e lavavam a loiça, combinaram eles um passeio
“uma vista de olhos pela vila”. De caminho lembrariam os rapazes e
raparigas para o “bailarico” e iriam ao norte, ao cabo da vila, convidar
os Diogos para não faltar música na função disse Pedro Afonso.
Mariquinhas correu lesta ao andar superior a arranjar-se, a
enfeitar-se, impelida por esse “coquetismo” de rapariga solteira.
Quando desceu, saíram todos, depois de dizerem à tia Aurélia:
- “Deus fique convosco!” - ao que ela respondeu da cozinha
entre o ruído característico da loiça chocando-se: - “E que a sua divina
graça vos acompanhe”!
Fora, o rutilante sol de Junho, àquela hora da tarde, tinha uma
carícia tépida.
Adiante caminhavam as duas mulheres, ao lado destas o
“rapazete” empunhando o seu pau ferrado tinha o aspecto singular de
um alabardeiro de barrete. E o seu rosto de garoto impubre, iluminado
por um sorriso provocativo, parecia desafiar alguém invisível,
mudamente numa ameaça:

380
“Aproximai-vos se sois capaz!”
Atrás, um pouco distantes, vinham os homens falando alto,
quase berrando, alardeando a satisfação feliz de pessoas que jantam
bem e bebem melhor! Dos interiores e das portas naquela tarde de dia
santo aquela hora de mexericos, olhavam-nos curiosas as
mulherezinhas palradoras.
Quem visse a Ericeira de então, não reconheceria a Ericeira de
hoje.
A vila tem mudado consideravelmente desde aquela época a
esta parte. O progresso ali é lento mas seguro, porém algumas coisas
se têm conservado inalteráveis, umas na natureza outras na sociologia
do povo. O que era homem é hoje ainda! Na natureza o que o tempo
ainda não evolucionou são: os rochedos das Furnas, o marulho
contínuo do oceano enchendo a atmosfera e o espreguiçar-se da vaga
sobre a areia das praias. O que também não se evolucionou nem se
evolucionara jamais, talvez, são as tardes mexeriqueiras dos dias
santificados; amigas em casa de amigas. Em tais tardes os interiores
decorados por molduras simples, quadriculando santos, impregnados
de um remanso beatífico, toma o aspecto de mercado ou leilão de
reputações. Ali desde a hora do jantar, ao meio dia, até à hora da ceia
criticam-se e caluniam-se factos e indivíduos! Se numa dessas tardes,
por um fenómeno, a atmosfera tornasse mais forte, subitamente, a
precursão da voz humana ouvir-se-iam dezenas de bocas femininas
dizerem somente: “F. é isto, C. aquilo, B. fez isto”! E quando seria
curioso ouvir ecoando distintamente no ar essas frases de soalheiro,
maledicentes!!
Como dizíamos a vila de hoje difere muito da de então. A sua
importância piscatória era mais alongada, porém, em compensação,
não era ainda a Ericeira aprazível estância balnear actual com
habitações de um certo cunho artístico e possuindo ruas alinhadas
com calcetamento.
As ribas não tinham o muro que hoje se vê e as casas não eram
tanto à beira-mar, sendo na maioria térreas toscamente feitas de
madeira, uma aqui outra ali. Os marítimos de então não tinham para
passar as suas horas de ócio o parlatório do forte; onde ele
actualmente se ergue era um terreno baldio onde a erva crescia
livremente e as galinhas vadias depenicavam. Em toda a parte se viam
redes estendidas a enxugar, e a prata viva das conchas dispersas pelo
chão reluzia vivamente quando o sol lhe batia de chapa. Haviam só

381
duas igrejas: uma ao norte, onde é hoje S. Sebastião, e outra no meio
da vila chamada a capela do Espírito Santo, onde é hoje a
Misericórdia. Na do norte venerava-se de ano em ano a imagem de
Nossa Senhora Mãe dos Aflitos, cuja festa e arraial tinham um
brilhantismo fora do comum.
O rancho foi seguindo vagarosamente em direcção ao extremo
norte da vila, e quando eles passavam as portas dos casebres
apareciam rapazes e raparigas atraídos pelo rumor das suas palavras
em voz alta. Pedro Afonso ia avisando a mocidade da vila:
- Ó Clementina não falteis hoje ao meu “bailarico... Ó António lá
vos espero ver logo a bailar”.
E respondiam-lhe: que sim, que não faltariam...
Finalmente chegaram ao cabo da vila a casa dos Diogos. O pai
de Mariquinhas bateu à porta; veio abri-la o filho mais velho, o
Fernão, um afamado tocador de gaita de foles.
Pedro Afonso pediu-lhe que aparecesse na função com o
instrumento; prometeu-lhe que sim que não faltaria e disse que se
quisesse, também iria o irmão mais novo com a charamela para se
renderem, para que a festa não arrefecesse de entusiasmo a falta de
tocadores.
Aplaudiram-lhe a ideia e tomaram todos para o sul da vila tendo
por piso o mesmo solo coalhado de conchas e de redes a enxugar. Ás
vezes atravessava o caminho uma galinha de asas abertas, espantada,
correndo veloz. Ao lançarem uma olhadela pelas portas abertas dos
casebres dos pescadores avaliavam a miséria dessa gente.
À porta de uma dessas habitações da escória da vila, estava
sentada ao sol uma mulher nova, franzida e pálida, pobremente
vestida, amamentando uma criança. No rosto da desgraçada
advinhava-se vestígios nítidos do sofrimento da fome. Era uma dessas
infelizes a quem a primeira falta e o primeiro filho posejado antes do
final da puberdade vieram amargurar-lhe a existência descuidada,
plácida, antes de escorregarem.
Pedro Afonso dirigiu-lhe a palavra numa saudação:
- Que Deus vos salve Rosária!
A rapariga levantou-se cumprimentando. Instintivamente por
um pudor natural, ocultou o seio raquítico. A pobre criança
interrompida assim tão bruscamente seu banquete de leite principiou
a chorar num desespero. As mulheres acercaram-se a afagar o
inocentinho que se calou de súbito, fixando-as de olhinhos muito

382
abertos, muito admirado sem dúvida daquelas meiguices
desconhecidas. E faziam perguntas à mãe a respeito da pobre
criancinha.
- Então o vosso homem? interrogou subitamente o proprietário
da Ericeira.
- Lá está com a outra... não quer saber de mim...
Disse simplesmente numa resignação estóica de consorte
abandonada, numa submissão fiel de cadela batida e posta fora de
casa!
- Aquilo ela deu-lhe coisa má a comer ou beber, tornou Pedro
Afonso num conforto.
- Não sei... era tão meu amigo aquele meu homem...disse a
desgraçada num tom de voz tão emocionante que comoveu toda
aquela gente.
- Pegai-la.. E o ricaço depôs-lhe nas mãos algumas moedas de
bronze. O compadre imitou-o naquele rasgo filantrópico.
E afastaram-se enquanto a mizera balbuciava palavras de
agradecimento.
Distantes à porta de uma taberna, encontraram Martinho que
tomava os últimos raios do sol. O madraço, ao ver aquele estranho
grupo endireitou-se e dirigiu-se a Pedro Afonso, muito cortesmente,
felicitando-o pelo seu dia natalício. O proprietário agradeceu-lhe
quase como indiferente pois que sentia um fundo desprezo por aquele
matulão ocioso e bulhento quando o comparava no seu cérebro com a
tenacidade trabalhadora da velhinha que o acolhera pequenino e
órfão. Ainda assim teve este oferecimento, quase maquinal, na
despedida.
- Se logo quiserdes “bailar” lá tendes a minha função...
Quando chegaram a casa era já sol posto. À porta o tio Estêvão
despediu-se, dizendo trocista, que dali a pouco voltaria para saltar a
fogueira com a Aurélia. E então começou a azáfama de trazer a lenha
do quintal para a rua em frente da casa. A realização daquela festa
nocturna anual era falada. Aquele baile ao ar livre, à luz da fogueira,
era ansiosamente esperado durante o ano. Iniciavam-se neste baile
namoros e ajustavam-se casamentos; e por tal facto tinha sempre
concorrência de gente nova que vinha ali impelida pelo seu desejo
ardente de cumprir o preceito de Cristo: “ crescei e multiplicai-vos!”
Às oito e meia o pai de Mariquinhas acendeu a fogueira cujas
chamas alumiaram vivamente o local. Puseram-se bancos para aqueles

383
que não dançassem gozar o espectáculo. Havia já bastante gente que
tinha vindo cedo demais: marítimos, endomingados, mulheres que
iam vender peixe pelas terras próximas, simples curiosos que vinham
impelidos somente pelo desejo de ver, de dar fé! Por fim o recinto foi
invadido por uma multidão de garotos de pé descalço atrás da qual
vinham os Diogo músicos: um soprando na sua gaita de fole o outro
ferindo os tímpanos com as notas agudas da sua charamélia uma
espécie de flauta muito em uso naquela época. Então começou o
bailarico.
Pedro Afonso e Manuel Simões escolhendo cada um o seu par
de mulheres já pesadas, tomaram também parte no folguêdo geral.
Houve um gargalhar atroador de toda aquela multidão quando o
Estêvão Sardinha puxou, inesperadamente, a tia Aurélia para o meio
do recinto do baile e que começaram ambos a dançar! Fizeram roda
áqueles pândegos idosos batendo-lhes palmas. De quando em quando
tinham que parar, pois que os chinelos da velhinha, descalçando-se,
obrigava-os por momentos a interromper o voltear compassado da
dança!
O Fernão Diogo, o tocador de gaita, tirava do instrumento
acordes que embriagavam de entusiasmo toda aquela gente! As notas
do instrumento na mão dele arrebatavam! às vezes simulavam o ganir
de cães, miar de gatos, o vacilante soluçar ou a hilariedade de pessoas!
outras vezes as notas grossas davam a sensação de uma tempestade
desencadeando-se ao longe! Era um génio da música aquele Fernão!
era como que um Wagner ericeirense!
Aquele talento na impressionável arte auditiva vinha-lhe de
família, era hereditário. A família dos Diogos, desde velhas datas que
soprava gaita de fole nos arraiais fazendo as delícias das multidões! E
talvez terminasse ali aquela geração de assopradores, o que era pena,
pois que Fernão tendo já vinte e cinco anos nunca pensara em casar-
se!
O bailarico continuava em apoteose de mágica! Tinha um
aspecto fébrico aquela festa nocturna à luz vermelha da fogueira!
Mariquinhas dando tréguas à sua vaidade de rapariga formosa e
rica dançava com todos, porém aquela condescendência da filha de
Pedro Afonso alanceava o coração de alguém que também ali estava
no folguedo sem todavia ter ainda tomado parte nele.
Esse alguém que estava como espectador, o que sempre
acontecia em festas idênticas, pois que nenhuma rapariga queria

384
dançar com ele, era Martinho que todo se mordia de ciúmes quando a
cativante jovem era enlaçada pela cintura por algum rapaz e que
volteavam ambos doidamente, vertiginosos, no furor da dança.
Quando Mariquinhas se sentou a descansar, Martinho foi
aproximando-se dela sorrateiramente.
Havia tomado uma resolução.
O seu coração pulsava-lhe com violência, o seu peito parecia-lhe
arder em labaredas, tal era o fogo que sentia nele! O seu enorme
afecto, o seu ardente amor impelia-o a declarar-se ali, doidamente,
sem raciocínio, sem antever as consequências, do passo que ia dar! A
imensidade da sua paixão compelia-o a desabafar desse enorme afecto
que havia tanto tempo já que lhe passara da alma! E o abismo que
havia entre ele e ela o louco de amor não o via naquele momento. O
que era ele com a sua reputação enlameada ante a rica virgem que não
tinha uma mancha a empanar a sua existência?
Ah! mas ele amava-a enormemente, num sonho quimérico,
num desejo ardente que talvez nunca tivesse realização, o sangue da
sua mocidade pedia-lhe os afagos da carne! Ele amava-a com loucura,
adorava-a mesmo. Amor sem esperança aquele! Era como que um
sapo a namorar o sol!
Chegando próximo de Mariquinhas, que ainda não tinha
reparado nele, olhou em torno.
O baile continuava no mesmo entusiasmo crescente. O tocador
de charamela mostrava então as suas aptidões musicais. Pedro Afonso
o compadre e o tio Estêvão ouviam atentamente. Tristão que parecia
dar-lhes esclarecimentos sobre um determinado assunto. Nalguns
grupos namoricava-se. A lenha da fogueira crepitava ardendo, e
grandes labaredas, semelhando cobras de fogo, subiam para o ar
envoltas em rolos de fumo.
Subitamente a rapariga, que conversava com umas amigas, ao
voltar o rosto soltou uma exclamação:
- Ah! estais aqui, senhor Martinho?! Tão perto de mim e eu
ainda sem vos ter visto!
- Cheguei mesmo agora, neste instante... não digo bem, quando
cheguei ao “bailarico” dançáveis vós. Sem dúvida, senhora minha, nos
dá grande prazer esta função?!
- Oh! muito! nem imaginais!
É tão bom a gente folgar... disse ela fixando-o com os seus
ternos olhos castanhos.

385
- Enquanto se pode... Não é verdade? tornou Martinho.
- Pois de certo... que na velhice já não tem graça, direi melhor,
torna-se engraçado para os outros. Não vistes quando a senhora vossa
avó dançou com o tio Estêvão Sardinha como toda esta gente riu?
- Não vi... ainda não estava cá, mentiu Martinho subjugado pelo
encanto da voz da jovem, supondo que ela lhe iria relatar o facto que
ele bem vira. Porém ela disse simplesmente:
- Pois dançaram ambos e todos acharam graça, por isso eu digo
que deve folgar-se na idade moça para que na velhice não tenhamos
inveja da gente nova.
- Dizeis, bem senhora minha, a idade moça é a quadra melhor
da vida! é como o mar de Verão sem um bafo de vento norte a fazer-
lhe velhas... E quando estimamos uma pessoa e que ela nos estima
também? Não há nada melhor do que essa estima de um para o
outro...
Mariquinhas olhava-o, e ele continuava entusiasmado, num
desabafo, patenteando-lhe as escabrosidades da sua alma apaixonada.
- ... É a maior felicidade amar e ser-se amado! Mas ás vezes
ama-os e não sabemos se nos amam, porém, quando não temos a
certeza de sermos correspondidos anima-nos uma esperança que nos
dá alegria; essa esperança é como que uma vela salvadora no meio de
um naufrágio! Ah! e quando amamos uma pessoa com todas as forças
do nosso coração e que essa pessoa ainda não compreendeu o nosso
afecto... a vida é aborrecida, é pesada como um fardo!
- Compreendo-vos, amais e não sois amado... disse a jovem.
- Sim, senhora minha, amo como ninguém ainda amou assim.
Nunca confessei este meu grande amor. Ah! se me amassem também...
- E quem amais? podeis dizer-mo...
- Não advinhasteis ainda?
- Não, juro-vos que não; e olhando em torno do baile,
perguntou: E estará aqui a vossa escolhida?
Aquela interrogação, Martinho estacou. Parecia arrepender-se
de ter avançado tanto, mas era já tarde; os corações apaixonados não
vêem momentos críticos.
E assim baixando somente um pouco a voz, confidencialmente,
disse:
- Está... e eu estou junto dela!
- Eu?! fez a rapariga numa admiração.

386
- Vós sim, senhora minha. Sois vós a escolhida do meu
coração...
E vendo que Mariquinhas se afogueava:
- Perdoai-me se vos ofendi sem querer...
Efectivamente a rapariga ruborisara-se. A sua ingenuidade
achava aquilo patusco. Sentia um formigueiro na garganta.
E de repente, possuída de uma hilaridade súbita que não pode
reprimir, principiou gargalhando tão livremente que as atenções se
voltaram para o lado em que eles estavam.
Martinho corrido, vexado, cheio de vergonha foi-se afastando
disfarçadamente como se nada fosse com ele. As amigas de
Mariquinhas admiradas daquele súbito gargalhar inquiriram:
- Que foi isso?! Porque te ris assim?
E ela ainda toda abalada de riso.
- Quereis saber? O pobrezinho do Martinho ensandeceu... e
contou-lhes o facto acontecido que da parte delas teve mais
gargalhadas ainda.
Martinho afastando-se do ajustamento, com o coração
dilacerado trocista da sua confissão, foi ocultar-se na esquina duma
casa distante por aquele acolhimento, apurando o ouvido. Suponha ir
ao ouvir dali o seu nome repetido por todas aquelas bocas, analisando
o acontecido e troçando-o. Mas enganou-se, o incidente não fôra
escandaloso.
O bailarico continuava, porém menos animado pois já se
retirara bastante gente. Os restantes formando roda cantavam ao
desafio, porque os tocadores fartos de soprar acabaram por ter as
goelas secas e o dono da casa achou prudente levá-los a molhá-las com
um copázio de vinho.
A fogueira já com pouco combustível ameaçava apagar-se.
E no céu estrelado passavam velozes nuvens negras que
ocultavam por momentos a meia lua daquele fim do mês.
Martinho escondido na sombra, arrependido do passo que dera,
analisava os mínimos movimentos que faz a Mariquinhas. Achava-se
possuído do grande receio de que ela fosse contar, ingenuamente, ao
pai a cena passada entre ambos. E da esquina pode ver terminar a
festa depois dos rapazes e raparigas terem saltado o braseiro da
fogueira possuídos de uma alegria louca.

387
E quando se retiravam grupos, e a tia Aurélia veio lançar água
no grande braseiro para o apagar, Martinho estendendo solenemente
o braço direito para o local onde se realizara o bailarico disse alto:
- Hei-de vingar-me desta afronta... eu juro... por vida minha! E,
ocultando-se como sombra das casas, dirigiu-se para a sua morada
próximo da ermida do Espírito Santo, onde vivia solitário e onde
tantas vezes o perturbara a lembrança da formosa Mariquinhas que
acolhera com gargalhadas a confissão sincera do seu imenso amor!

III

O dia seguinte, o último do mês de Junho de 1588, nasceu


ameaçador de aguaceiros.
Mécia, inquieta, logo de manhã disse ao marido:
- Vês! parece que temos chuva... não tem jeito nenhum irem a S.
Julião com um tempo assim!
- Isto não é nada... o dia segura-se, não chove; disse Manuel
Simões na sua larga experiência de homem do campo olhando o céu
carrancudo.
Depois de almoçarem os dois homens e o Joaquimzito partiram
para as fazendas.
Quando regressaram, o dia tinha tomado outro aspecto.
Pedaços de nuvens rotas deixavam ver o céu azul e a instantes o sol
abrasador iluminava a terra.
Depois da ceia, já noite fechada, saíram os compadres. O
“rapazete” muito contrariado por não poder acompanha-los teve de
ficar em casa a ouvir uma história de fadas da tia Aurélia e a ver a mãe
e a prima a costurarem à luz do candeeiro de latão de três bicos.
Simões e Pedro Afonso assim que se acharam no exterior,
começaram caminhando apressadamente em direcção à praia do sul, a
actual “praia” da “baleia”.
Tomaram um caminho que conduzia ao “rio do fundo” e
chegados ali desceram outro muito escabroso que levava à praia.
- Agora sim! fez Manuel Simões com prazer sentindo a areia sob
os pés que se tinham magoado no declive do caminho incómodo.
- É outra coisa este piso, hein? disse Pedro Afonso só para lhe
responder.
Continuaram caminhando sobre a areia onde os seus pés se
enterravam docemente.

388
Era a hora da baixa mar.
No refluxo a água retira-se deixando ficar em seco penedos que
na enchente oculta e a massa negra destes destacava-se com um
grande vigor à claridade pálida da meia lua. Ao longe, sobre o oceano
via-se uma grande toalha de luz tremelitante.
À direita as rochas do “portinho de revés” punham uma mancha
negra no céu de aço polido e no sopé da grande ribanceira terrosa da
esquerda alonga-se a perder de vista a praia, então alva de luar, em
que “a pedra furada” põe um ponto negro ao centro. Nas brumas do
horizonte longínquo prolongasse pelo mar o cabo da Roca.

389
JOSÉ JORGE LETRIA
A Paixão e Morte de Mateus Álvares

PERSONAGENS
Mateus Álvares (jovem, menos de 30 anos, cabelo e pele claros)
Pedro Afonso (homem de meia idade)
Diogo da Fonseca (homem de meia idade)
Voz-off
António Simões
Camareiro
Homem
Mulher
Rainha (jovem, mulher de Mateus Álvares)
Emissário (muito jovem).

A acção da peça decorre em fins de Maio e princípios de Junho de 1585,


tendo como eixo o apoio popular dado, na vila da Ericeira, a um homem de
nome Mateus Álvares, ex-eremita, que se fazia passar por D. Sebastião,
servindo-se da semelhança física com o monarca morto nos campos de
Alcácer-Quibir.
Em torno do impostor, cujas convicções vão enfraquecendo à medida
que se aperta o cerco movido pelas autoridades de Lisboa, movimentam-se
personagens como Pedro Afonso, seu sogro, António Simões, proprietário rural
que dá credibilidade à impostura dizendo que se lembrava de ver passar o rei à
sua porta antes do desaire da expedição militar ao Norte de África, pelo que
podia confirmar a sua identidade, e sua mulher, designada na trama dramática
apenas por Rainha.
Toda a acção política e militar de cerco aos impostores, fortemente
apoiados pela população, é conduzida pelo corregedor Diogo da Fonseca,
magistrado ao serviço dos espanhóis, que já havia dado provas de eficiência e
de capacidade de intervenção no caso do impostor, que ficou conhecido pela
designação de Rei de Penamacor.
O espaço em que se desenrola a acção dramática é marcado por um
quase total despojamento, que contrasta com a densidade da linguagem
poética. Devem predominar os tons sombrios da tragédia anunciada, vendo-se
apenas, como referência simbólica, um trono de madeira pobre e ainda uma
janela, única via de contacto do rei-impostor com a realidade circundante. Por
esse espaço que é, ao mesmo tempo, sala de trono, sala do Paço onde se
maquinam as acções repressivas e caminho de chegada e de partida, circulam

390
personagens dominadas pelos jogos desconcertantes e complexos do poder e
do contra-poder.
É intenção do autor acentuar o registo anti-epopeico do texto, que não
pretende ser instrumento de nenhuma moral colectiva nem de nenhuma
mística mais ou menos patrioteira.
Nota final: o ritmo da acção torna recomendável que o espectáculo
seja feito sem intervalo.

Mateus Álvares - Avanço perigosamente para um trono


talhado na névoa, escavado na sombra. O meu poder é precário, quase
nulo, porque reino sobre coisa nenhuma e o território do meu mando é
escarpado e ermo, como se fosse um deserto à boca do mar. Tenho
coroa, ceptro e súbditos, mas falta-me ver reconhecida a legitimidade
do meu mando. Só no Paço, em Lisboa, alcançarei esse desígnio. Para
onde me encaminho não sei, que os meus passos, apesar da luz forte
que me ilumina e traz em si as mais desejadas revelações, são por vezes
inseguros, titubeantes. Reino sobre as falésias, sobre os rochedos altos
que se inclinam sobre as ondas e sinto uma sede insaciada de infinito.
A minha plenitude há-de ser a minha perdição. Do Altíssimo me vem
um poder que não cabe nas palavras e só me traz desassossego e
inquietação, quando é, afinal, a paz que busco. Mas não a tenho, não a
encontro. Há lá fora vozes que clamam pela minha presença. Tenho
exército, generais e mensageiros, rainha e pagens, conselheiros e
nobres e, contudo, é somente na solidão que encontro companhia, a
mesma que tinha nas celas sombrias do convento de São Miguel e do
convento de São Pedro de Alcântara. É a minha tez clara, a cor de trigo
dos meus cabelos revoltos que me dá esta trágica semelhança com o rei
que nunca voltou. Eu mesmo me interrogo: serei eu o rei? Será que a
ficção que teci em torno das minhas crenças e dos meus sonhos fez de
mim um rei autêntico, credível, legítimo, eterno? É na crença dos
outros que hoje se fortalece a minha crença. E cada vez se dilata mais o
seu número. Chegam de todos os lugares em redor com pedidos de
benesses, de títulos, de milagres, de armas para lutar, de bençãos e de
terras. E tenho tanto e tão pouco para lhes dar. Tenho as palavras, os
sonhos, os delírios e as promessas que, na minha boca, ganham o
fulgor do lume, o tom febril das coisas divinas. Extinga-se esta luz que
me ilumina e estará traçado o destino do meu mundo. Neste momento
sou rei e sinto-me rei.

391
(Mateus Álvares deambula pela cena, retomando, por fim,
lugar no seu trono. Entra em cena Pedro Afonso, com bizarro
uniforme militar).
Pedro Afonso - Não cessa de aumentar, Majestade, o número
dos que se querem juntar ao nosso exército para ver dilatada a força
que já somos dentro desta pátria usurpada. Chegam de todos os
lugares, camponeses uns, peregrinos outros, e trazem chuços e
varapaus, punhais e machados. A pobreza é o que quase todos têm em
comum, mas o que lhes falta em haveres sobra-lhes em fé na nossa
causa. Sob as minhas ordens e a vossa bandeira estão dispostos a
verter o sangue pela reposição no trono daquele que é o seu legítimo
ocupante.
Mateus Álvares - Cativa-me, bem o sabes, o calor das tuas
palavras inflamadas pela crença, mas temo que seja ainda cedo para
lançarmos essas boas almas numa guerra para a qual não estamos por
enquanto preparados.
Pedro Afonso - Compreendo, Majestade, os vossos receios,
que só podem ser ditados pela prudência que sempre acompanha um
homem de Estado, mas não deveis subestimar a capacidade de lutar
destes homens que já sofreram no corpo sevícias, agruras e fomes.
Alguns combateram a meu lado nas fileiras de D. António, Prior do
Crato. São homens de uma imensa bravura, para quem nada se joga ou
se decide fora do destino da pátria. Podemos, pois, contar com eles e
com a sua coragem de soldados e de homens de bem. Nasceu para eles
um novo sol quando lhes chegou a notícia de que o seu rei tinha
sobrevivido ao massacre de Alcácer-Quibir. Foram engrossando, ao
longo dos caminhos, o contingente da nossa esperança e hoje estão
connosco, aqui na Ericeira, para vos levares em triunfo até ao Paço, em
Lisboa, e para darem ao vosso mando a força incontestada de uma lei.
(Pausa) Estão lá fora e esperam que assomeis à janela com uma
palavra de confiança e de estímulo.
Mateus Álvares (encaminhando-se para a janela) - Não os
farei esperar. (Falando para o exterior, depois de ouvir vozes de
aclamação) Que palavras usarei para vos mostrar gratidão pela
bravura que demonstrais? Não vejo em vós somente o exército de um
rei que luta para ver reposta a legitimidade do seu mando; vejo em vós,
também, a força generosa de uma pátria que recusa a usurpação e a
fala estrangeira de quem a quer ver vencida e acocorada, submissa e
humilhada (aclamações). Longo foi o caminho que percorri até chegar

392
a esta terra, onde encontrei acolhimento e paz para me refazer da
mágoa da derrota. Ainda trago nos ouvidos os ecos da batalha, o fragor
da contenda interminável, os gritos dos homens e o troar dos canhões.
Tudo isso me fere a memória e faz renascer em mim a vontade de
começar de novo com as forças que Deus Nosso Senhor quis agrupar
em meu redor, sob o comando do meu general Pedro Afonso
(aclamações). Sei que há, entre vós, jovens e velhos, ricos e pobres,
gente de muitos lugares e de variadas crenças e sei também que só um
sonho vos une: o de verem no trono de Portugal um rei que use a
mesma fala que vós e que tenha no sangue o fogo das grandes, das
imortais convicções (aclamações). Para aqueles que chegam exaustos
da jornada, cobertos de poeira, com os pés em chaga e o corpo alagado
de suor, recomendo repouso e mesa farta, que os dias que se avizinham
serão árduos e esgotantes. Em breve nos voltaremos a ver
(aclamações).
(Mateus Álvares e Pedro Afonso retiram-se. Vem à boca de
cena o corregedor Diogo da Fonseca que, depois de uma prolongada
vénia, presta contas do inquérito que realizou perto da Ericeira).
Diogo da Fonseca - Trago-vos, senhores, notícias da agitação
que vai por aquelas terras inflamadas pela palavra e pela presença de
um homem de nome Mateus Álvares, que se faz passar pelo falecido D.
Sebastião. Quereis saber quem é? Pois dir-vos-ei que não passa do filho
de um talhador de pedra da cidade da Praia, na Ilha Terceira. Apurei,
nas indagações que fiz e de que agora vos dou conta, que ingressou no
Convento de S. Miguel e que depois de uma apagada iniciação religiosa
se juntou aos frades de S. Pedro de Alcântara. Depois do noviciado, fez-
se eremita e encontrou abrigo numa zona escarpada, junto ao mar,
perto da Ericeira.
Voz-off - Pede-nos o Arquiduque Alberto, nosso senhor, que
saibamos de vós o seguinte: como foi que um pobre e desconhecido
eremita conseguiu impor com tal vigor a sua impostura?
Diogo da Fonseca - Com extrema habilidade e persistência,
senhores.
Voz-off - Como assim?
Diogo da Fonseca - Deu-lhe em primeiro lugar credibilidade a
sua semelhança física com o falecido soberano tombado em Alcácer-
Quibir. A idade é sensivelmente a mesma e o cabelo e a pele são claros.
Apurei no local que, a princípio, Mateus Álvares não estava muito
seguro no desempenho do seu novo papel, tal modo que desencorajou

393
seguidores e tentou desarticular o movimento gerado em torno da sua
figura.
Voz-off - E como foi que esse movimento desapontou e ganhou
força?
Diogo da Fonseca - Também esse facto pode ser explicado,
senhores. Para tanto contribuíu um abastado proprietário rural,
António Simões chamado, que assegurou à população ser aquele o
soberano desaparecido, pois muitas vezes o havia visto passar a cavalo
junto às suas terras, a caminho das coutadas onde costumava caçar o
javali, o veado, a lebre e a raposa. Valeu a garantia dada por António
Simões para que essa pobre gente convertesse o seu desejo secreto
numa crença indesmentível.
Voz-off - Quereis com isso dizer que o aparecimento deste
impostor corresponde a um anseio da população?
Diogo da Fonseca (inseguro) - Não foi bem isso, senhores, o
que pretendi dizer. O que se passa, na realidade, é que houve muito
quem incutisse nessa pobre gente, servindo-se do púlpito e da conversa
de albergaria, a convicção de que D. Sebastião se encontra vivo e que é
imperioso trazê-lo de volta ao paço. Foi isto somente o que eu quis
dizer.
Voz-off - Adiante.
Diogo da Fonseca - Mas houve mais, senhores. Avolumaram-
se as vozes dos que asseguravam ter visto e ouvido o impostor, no seu
eremitério, noite alta, a vergastar-se e a gritar em tom febril:
«Portugal! Portugal!» E mais vi eu, senhores, nesta viagem que fiz
pelas bandas da Ericeira.
Voz-off - O quê exactamente?
Diogo da Fonseca - Verifiquei, senhores, que o impostor e
aqueles que o rodeiam, a começar por um tal Pedro Afonso,
proprietário de uma quinta em Rio de Mouro, gozam de um real e
preocupante apoio popular. O que dá pelo nome de Pedro Afonso, foi
combatente nos batalhões populares do Prior do Crato e terá ganho aí a
experiência militar de que hoje faz uso para arregimentar e preparar
homens de armas.
Voz-off - Quereis com isso dizer que o impostor dispõe de um
exército?
Diogo da Fonseca - Precisamente, de um exército,
indisciplinado é certo, mas nem por isso menos perigoso e digno de
atenção por parte das autoridades do reino. Esse exército, conforme

394
me foi dado observar, segue com crença cega os seus chefes, a começar
pelo já citado Pedro Afonso, homens mais movidos pela fé, estou
seguro, do que pela cobiça ou pela sede de poder.
Voz-off - Podemos pois inferir das vossas palavras, senhor
corregedor, que existem razões de sobra para nos acautelarmos e para
tomarmos as medidas que entendermos mais prudentes e adequadas?
Diogo da Fonseca - Eu próprio não tiraria melhor conclusão.
E mais vos digo. Tendo eu sido incumbido de investigar outro processo
de impostura, que ficou há poucos anos conhecido com o nome do Rei
de Penamacor, não hesito em considerar este que agora se me depara
como infinitamente mais ameaçador para a segurança do Estado,
nestas horas tão difíceis que vivemos. O que, no outro caso era
ingenuidade e crença infantil, é aqui premeditação e jogo
conspiratório. Tudo torna, pois, recomendável a adopção de medidas
que funcionem como exemplar punição para potenciais impostores. Ai
do poder que não esteja precavido ante a cobiça dos que nada têm a
perder.
Voz-off - São avisadas e sensatas as vossas palavras, senhor
corregedor, mas deixai que sejamos nós a tirar as conclusões, que para
tanto não nos faltam, graças a Deus, meios e clarividência.
Diogo da Fonseca - Estou certo, senhores, que não vos há-de
faltar a visão larga que quem governa deve ter do tempo e do lugar em
que governa. Creio ter cumprido a minha missão como servidor leal e
dedicado.
Voz-off - Disso não temos dúvida, senhor corregedor. E não foi
esta seguramente a última vez que tivémos de recorrer aos vossos
valiosos préstimos.
(Diogo da Fonseca sai de cena, reentrando Mateus Álvares, que
toma assento no trono, e atrás dele Pedro Afonso e António Simões).
Pedro Afonso (para Mateus Álvares) - Recebi há instantes a
notícia de que o nosso exército já conta com cerca de mil homens.
Mateus Álvares - E que experiência têm eles das coisas da
guerra?
Pedro Afonso - Infelizmente muito escassa. Mas não se
encontre aí razão para desânimo, Majestade, que nem nos batalhões
populares de D. António, Prior do Crato, em que, como sabeis, exerci
funções de comando, encontrei tamanho entusiasmo, tamanho ardor e
uma tão imensa generosidade.

395
António Simões - Concordo convosco, Pedro Afonso. Aqueles
com quem falei a caminho da Ericeira, descansando nas bermas ou
matando a sede à beira das fontes, eram senhores de uma infinita
crença em relação ao destino heróico do seu rei regressando do Norte
de África. Deu-me cuidado, somente, ver que muitos deles são ainda
bastante jovens e portanto ainda sem experiência de combates e da
vida.
Pedro Afonso - A crença é bem mais importante que a
experiência. Dêem-me um mancebo de convicções e farei dele um
herói. Dêem-me um soldado experimentado mas céptico e poderei ter
sob as minhas ordens um cobarde.
Mateus Álvares - Falta-nos agora a decisiva prova de fogo.
Pedro Afonso - Permite-me, Majestade, um ligeiro reparo. A
dúvida que por vezes vos assalta, nas palavras ou no tom carregado do
semblante, não é coisa avisada. De vós esperamos hoje mais do que
nunca, o ânimo renovado e a crença inabalável. Não podeis esquecer
que se tudo correr a nosso contento, pelo S. João, quando o povo
estiver nas ruas, ocupareis em Lisboa o trono que vos pertence,
connosco a vosso lado para vos proteger e aconselhar.
António Simões (para Pedro Afonso) - Deixai que vos diga
que foi extemporâneo o vosso reparo. Quem somos nós para dizer ao
nosso soberano aquilo em que deve ou não deve acreditar? Senhor de
uma sabedoria de raiz divina, constantemente iluminadas pelos seus
santos protectores, há-de o nosso rei saber melhor que ninguém como
há-de e quando há-de dar-nos alento para o combate.
Pedro Afonso (exaltado) - Quem sois vós, senhor, para, na
presença do Senhor D. Sebastião, nosso soberano, quererdes tirar às
minhas palavras a autoridade que o meu posto de combate em chefe
dos exércitos reais lhes confere.
Mateus Álvares (conciliador) - Acalmai-vos, senhores, e
guardai para outros momentos e lugares a vossa ira, que bem precisa
há-de ser. Aqui estamos irmanados por um ideal comum. Vós sois os
meus homens de armas, os meus conselheiros, os pilares da minha
corte. Se vos encontro desavindos, que esperança posso ter no desfecho
desta luta?
Pedro Afonso - Tendes razão, Majestade. Quem sou eu para
comentar a intensidade da vossa crença ou a legitimidade das vossas
dúvidas? Como posso virar contra o senhor António Simões, amigo de
Vossa Majestade a cólera das minhas palavras?

396
António Simões - Também eu peço desculpa a ambos por ter
provocado este desaguisado e o azedume desta troca de palavras.
Mateus Álvares - Fico feliz por ver que o bom-senso prevalece
na minha corte e que os homens de honra que me apoiam reconhecem
a necessidade de estarmos unidos, hoje mais do que nunca. E por ter
falado de corte, recordo-me agora, senhores, que pedi a vossa presença
nos meus aposentos para vos dar conta de decisões recentes que tomei
(bate palmas e entra em cena um camareiro).
Camareiro - Majestade!
Mateus Álvares - Aprontaste o que te pedi?
Camareiro - Tenho tudo em boa ordem, conforme me haveis
solicitado (apresenta ao rei uma pasta com documentos).
Mateus Álvares (para António Simões e Pedro Afonso) - Estão
aqui, nestes decretos que agora vou assinar, as boas notícias de que vos
falei.
Pedro Afonso (curioso) - Podemos saber que notícias são,
Majestade?
António Simões - Hão-de ser, por certo, em benefício do reino
e daqueles que são neste momento o seu suporte moral e político.
Mateus Álvares (assinando os decretos) - Não vos enganeis,
meu bom António Simões. Chegou o momento de fortalecer o meu
poder dando ainda mais força e novas prerrogativas aos meus mais
directos colaboradores. É disso que tratam estes decretos e cartas
patentes a que pela primeira vez irei apôr selo real. (Para Pedro
Afonso) Que há-de ser um rei, soberano de um rei em luta contra os
usurpadores, se não vir um prolongamento do seu mando naqueles que
lhe são fiéis e que estão dispostos a dar por ele o corpo e a alma? Por
isso tomei a decisão de vos nobilitar. Sereis, a contar de hoje, Senhor
Pedro Afonso, meu sogro, Marquês de Torres Vedras, Conde de
Monsanto e Senhor da Ericeira. Em breve vos designarei também
governador de Lisboa, assim sejam vitoriosos os nossos esforços.
Pedro Afonso (comovido) - Onde irei encontrar palavras,
Majestade, para vos mostrar gratidão pela imensa honra que acaba de
me ser concedida? Resta-me, apenas, testemunhar-vos uma vez mais a
minha total lealdade e dedicação e dizer-vos que o empenho que já
sentia se dilatou com as novas responsabilidades e títulos que me são
atribuídos.
Mateus Álvares (para António Simões) - E vós, meu fiel
amigo, a quem tanto devo por terdes ajudado a instalar neste bom

397
povo a crença de que o seu rei tinha regressado vivo de Alcácer-Quibir,
sereis, a contar desta data, Marquês de Alcobaça, Conde de Sintra e
sSnhor de Mafra. Dói-me somente não poder transformar os títulos
que hoje vos confiro na posse plena de terras e outros bens. Mas esse
dia não há-de tardar. Isso está também nas vossas mãos.
António Simões (beijando as mãos a Mateus Álvares) -
Contai connosco, Majestade.
Pedro Afonso - Os vossos desejos são mais do que nunca
ordens, Majestade.
Mateus Álvares - Não servem estes títulos, senhores, para
comprar ou para consolidar a vossa lealdade e, através dela, o meu
poder, mas apenas para vos mostrar o meu reconhecimento pela forma
como tendes defendido a nossa causa (pausa). E agora dizei-me: que
notícias tendes de um tal corregedor Diogo da Fonseca que andou por
estas bandas a inquirir sobre minha popularidade junto da população,
sobre o número de homens do nosso exército e sobre a competência
daqueles que os comandam?
Pedro Afonso (balbuciando) - Andou, com efeito, um
corregedor assim chamado perto da Ericeira a fazer perguntas
inconvenientes, junto da população, sobre o número de homens do
nosso exército e sobre a competência daqueles que os comandam?
Mateus Álvares - Que apurou ele a nosso respeito?
Pedro Afonso - Não sabemos ao certo, Majestade, mas
imaginamos que não tenha levado um grande volume de informações,
porque esta gente vos é fiel e não faz confidências ao primeiro
forasteiro que lhe aparece pela frente.
António Simões - Sei que ele ainda falou com muita gente.
Pedro Afonso - Mas isso não deve constituir motivo de
preocupação, porque os castelhanos, em Lisboa, não se hão-de atrever
a defrontar um exército tão numeroso e convicto como é o nosso.
Mateus Álvares - Devemos estar vigilantes, senhores, porque
temos inimigos de peso e a sua força não pode nem deve ser
subestimada.
António Simões - Concordo inteiramente convosco,
Majestade. Todos os cuidados são poucos e todos os olhos não hão-de
ser de mais para vigiar.
Pedro Afonso - Esse corregedor Fonseca é um traidor à pátria.
Serve os espanhóis com uma dedicação cega, em troca do ouro e das

398
terras que lhe dão por cada missão que cumpre, a contento deles. Já foi
assim em Penamacor…
Mateus Álvares (surpreendido) - Em Penamacor!
Pedro Afonso (hesitante) - Foi, talvez o sabeis, um caso bem
diferente deste. Aí tratou-se de um impostor que se fez passar por vós e
foi castigado pelo seu desmando.
Mateus Álvares - Se foi um caso de impostura, é seguramente
bem diferente deste.
Pedro Afonso (aliviado) - Precisamente, Majestade. O que eu
pretendia dizer é que se trata de um homem experiente e arguto mas
que, nem por isso, deve ser motivo de preocupação.
Mateus Álvares - Fiquemos, porém, vigilantes. Mais: é preciso
estreitar os laços que nos ligam à população desta terra. Dar-lhes-ei
benefícios e privilégios que, uma vez entronizado em Lisboa, se hão-de
concretizar. É preciso aliviá-la dos impostos e dos castigos corporais.
António Simões - Essas medidas, Majestade, irão reforçar a já
grande popularidade de que gozais dessa boa gente.
Mateus Álvares - Disso não me restam dúvidas. É preciso que
se sinta compensada pelo apoio que me tem dado sem nada exigir em
troca.
Pedro Afonso - Essa boa gente, Majestade, tem sido a vossa
guarda avançada.
Mateus Álvares - Bem o sei, bem o sei, e, por isso, tomo agora
esta decisão.
António Simões - Por estarem certos da vossa santidade,
senhor, há camponeses que se encaminham para a Corte em busca da
vossa benção e do poder balsâmico das vossas palavras. Muitos
padecem de doenças dadas como incuráveis, outros foram feridos em
batalhas quando integravam os batalhões populares de D. António. É
gente de bem, Majestade, dedicada e brava, que está disposta a dar a
vida pela vossa causa.
Mateus Álvares - Pela nossa causa.
António Simões - Certamente, pela nossa causa (pausa,
ouvem-se no exterior aclamações e chamamentos da população.
Pedro Afonso encaminha-se para a janela e pede a Mateus Álvares
que se aproxime).
Pedro Afonso (eufórico) - Senhor, são às dezenas e clamam
pela vossa presença. Querem encontrar no calor das vossas palavras o
conforto e o estímulo.

399
Mateus Álvares (dirigindo-se para a janela) - Nada lhes pode
ser negado. (Falando para o exterior) Meu fiel e dedicado povo, neste
momento exaltante para a nossa pátria só uma coisa me ocorre dizer-
vos: a nossa força é a soma dos vossos braços generosos que se unem
para dar corpo a um sonho que é de todos nós. Se queremos recuperar
o trono e a dignidade da nação não podemos vacilar. Precisamos de ser
firmes e abnegados. Os sacrifícios que hoje fizermos serão amanhã
compensados, assim Deus o queira e nos ajude (Aclamações). A voz de
Mateus Álvares vai-se esbatendo. Regressa o corregedor Diogo da
Fonseca).
Diogo da Fonseca - Trago-vos, senhores, notícias frescas do
que se passa para as bandas de Torres Vedras.
Voz off - Sentíamos que já tardavam.
Diogo da Fonseca - À frente de uma coluna de soldados pus
ainda ontem em debandada, às portas da vila, um bando de pés
descalços que me queria fazer frente. Era, senhores, um bando de
maltrapilhos, movido pela crença febril e pela dedicação cega à causa
de um impostor que se atreve a conspirar contra o legítimo poder por
vós personificado.
Voz off - Sairam derrotados?
Diogo da Fonseca - Não diria tanto, senhores, uma vez que se
tratava de um reduzido número de homens, famélicos e mal armados.
Creio, todavia, que os outros não terão maior preparação militar do
que estes, o que nos dá uma ideia do que possa ser esse exército. Da
boca de dois desses homens que trouxemos cativos para Lisboa obtive
uma lista de nomes que já entreguei aos nossos capitães. E soube mais:
os celerados atreveram-se a fazer prisioneiros um magistrado da
Ericeira e o escrivão que o acompanhava, apenas porque se recusaram
a reconhecer a autoridade dos impostores. Julgo saber que os irão
julgar sumariamente a condenar à morte.
Voz off - É imperioso tomar medidas.
Diogo da Fonseca - Mas há mais e mais grave ainda, senhores.
Os homens de Pedro Afonso sequestraram o Dr. Gaspar Pereira,
membro do Conselho Real, na sua quinta, e não sabemos quais as
intenções que têm em relação a ele, ao filho e ao sobrinho que com ele
habitavam. Temo pelas suas vidas.
Voz off - Juntai os homens que forem necessários e
providenciai para que sejam libertados. Haveis apurado mais alguma
coisa?

400
Diogo da Fonseca - Com efeito, senhores, tenho ainda uma
outra notícia para vos dar. Um dos prisioneiros revelou-nos que o
impostor vai enviar ao Arquiduque Alberto um jovem emissário que
não é senão o filho de António Simões.
Voz off - Que traz esse emissário para dizer?
Diogo da Fonseca - Quase não me atrevo a contar-vos, por ser
tão risível.
Voz off - Contai-nos
Diogo da Fonseca - Vem exigir a rendição das tropas de
Espanha e a sua saída deste território no prazo de uma semana.
Voz off (irónico) - E se não quisermos sair, que se propõem eles
fazer?
Diogo da Fonseca - Ameaçam-nos com a invasão de Lisboa e
com o massacre de quem opuser resistência.
Voz off - Embora tudo isso não passe de um acto de insanidade,
ide avisar o Arquiduque Alberto, que, por certo, muito se irá rir quando
vir chegar ao Paço o enviado desses loucos.
Diogo da Fonseca (retirando-se com uma vénia) - Já vou a
caminho, senhores, ansioso por observar a reacção da sua senhoria.
(Homem e mulher do povo, dando mostras de fadiga, sentam-
se a descansar e falam sobre o Rei da Ericeira)
Homem - Ao menos para estas bandas ainda nos prometem
pão e agasalho.
Mulher - Já o viste alguma vez?
Homem - Não, nunca.
Mulher - Será mesmo o rei que julgávamos morto noutras
paragens?
Homem - Juraram-me que sim que é ele mesmo, ou que então
é o Diabo por ele.
Mulher - Credo, cruzes! O Diabo por ele?
Homem - Não sei por que te mostras tão desassossegada
quando te falo no Diabo. Pensas que não sei da tua fama?
Mulher - Que fama, homem?
Homem - A de fazeres bruxedos e feitiçarias.
Mulher (saltando do seu lugar para lhe tapar a boca) - Cala-te
que alguém pode ouvir-te. Enlouqueceste? Sabes que essas aleivosias
bem podem custar-me a vida.
Homem - Desculpa, não quis jogar com a tua vida. Mas quando
te juntaste a mim no caminho disseram-me que, além de teres sido

401
soldadeira nas campanhas do exército real, dominas os segredos mais
ocultos e os mistérios que há por detrás das labaredas do inferno.
Mulher (indignada) - Nada disso é verdade!
Homem - Alguma coisa há-de ser.
Mulher - Apenas posso dizer que não é mentira a tendência que
tenho para adivinhar o destino de cada um, mesmo sem que para isso
tenha de me esforçar. É um dom que nasceu comigo e que poucas vezes
tenho usado, até por que sei que me pode custar a condenação à
fogueira.
Homem (com uma gargalhada) - Descansa, mulher, que não
serei eu a empurrar-te para tão desgraçado fim. E agora diz-me (tenta
abraçar a mulher), que destino iremos ter os dois?
Mulher (libertando-se com esforço) - Quem sou eu para to
dizer? Duma coisa somente estou certa.
Homem (curioso) - De quê mulher?
Mulher - De que tomámos o rumo certo para nos juntarmos a
quem nos dê tecto e pão para comer, e de que horas difíceis esperam
aqueles que nos vão acolher.
Homem - Quem to disse?
Mulher (com ironia) - Não sabes que tenho o poder de
adivinhar?
Homem - E como foi que adivinhaste?
Mulher - Ora, li-o nas estrelas e na dança sombria das nuvens a
taparem a cara do sol.
Homem (céptico) - Como se aí se pudesse ler alguma coisa!
Nem tu nem eu sabemos juntar duas letras.
Mulher - É verdade, mas para ler nos astros que andam no
tabuleiro luminoso do céu não é preciso ter estudos. Bem, é melhor que
me cale se não quero acabar os meios dias no meio das labaredas.
Homem - Já que começaste, acaba. Quero saber o que nos
espera.
Mulher - Não poderei dizer-te o que nos espera, mas receio que
aqueles que agora mandam na terra para onde nos encaminhamos
venham a ter um fim triste.
Homem - Na fogueira?
Mulher - Quem sabe!
Homem - Se esse é o fim que os espera, estarmos do lado deles
bem pode ser também o nosso fim.

402
Mulher - Sempre podemos dizer que estávamos enganados, que
nos fizeram promessas que não foram cumpridas, que estávamos de
boa fé.
Homem - Ah, achas que vão acreditar em nós?
Mulher - Quem não acredita nas palavras de um pobre
mendigo que não tem eira nem beira e nas de uma pobre soldadeira?
Homem - Não sei porquê, mas acredito no que me dizes.
(Apontando para a frente) Vão sendo horas de nos fazermos ao
caminho, que a jornada ainda é longa e não sabemos o que nos espera.
Mulher - Vamos então, que a noite não tarda a chegar e o
tempo para as bandas do mar é muito frio e húmido.
(Saem de cena. Mateus Álvares retoma o seu lugar no trono e
fica durante algum tempo pensativo. Aproxima-se dele a mulher,
Rainha da Ericeira).
Rainha - Que vos apoquenta, meu esposo?
Mateus Álvares - Tanta coisa, tanta coisa.
Rainha - Desabafai comigo.
Mateus Álvares - Há tormentos e preocupações que, de tão
íntimos, não podem ser partilhados com ninguém.
Rainha - Nem comigo que sou vossa mulher?
Mateus Álvares - Claro que não tenho segredos para vós.
Rainha - Falai então.
Mateus Álvares - Estou inquieto com os rumos que a nossa
luta começa a tomar. Há situações que, por mais que tente, não consigo
controlar.
Rainha - Que situações?
Mateus Álvares - Dei aos meus homens, através de vosso pai,
instruções precisas para que mantivessem a prudência e evitassem
actos desmedidos e irreparáveis. Mas não foram atendidas as minhas
recomendações.
Rainha - Desobedeceram-vos?
Mateus Álvares - Sim. Ontem, sem me terem consultado,
lançaram ao mar, das arribas, um magistrado e o seu escrivão, depois
de um julgamento feito quase em segredo.
Rainha - Mas se eles mereciam esse fim ...
Mateus Álvares - Por muito que o merecessem, deveríamos
ter ponderado os perigos de uma sentença tão violenta num momento
em que todas as atenções se concentram sobre nós e que somos o alvo
preferido dos ataques dos espanhóis.

403
Rainha - Que podiam os nossos homens ter feito?
Mateus Álvares - Essa pergunta devia ter-me sido dirigida
antes de tomarem uma decisão tão grave. Agora é tarde. Os nossos
inimigos vão ficar ainda mais encolerizados, e com razão, e vão
transformar o combate que nos movem num assunto de vingança
pessoal. E não desejo que tal aconteça.
Rainha - Mas os homens estão impacientes.
Mateus Álvares - Gostaria que vosso pai os acalmasse.
Rainha - Mas ele faz tudo o que lhe ordenardes.
Mateus Álvares - Não duvido, mas devia dar-me conta de
todas as decisões que toma, mesmo daquelas que lhe parecem
insignificantes. Neste momento tudo o que fizermos há-de ter as suas
consequências, mesmo os actos aparentemente mais inofensivos.
Rainha - Exagerais.
Mateus Álvares - De modo nenhum. Diz-me a minha
experiência que podemos pagar cara qualquer precipitação. Bem sei
que os homens estão sedentos de acção, desejosos de ver chegar a hora
do combate. Mas ainda é cedo. Combateremos quando tivermos forças
para isso. Nunca antes.
Rainha - E não receais que a vossa prudência possa ser
confundida com o medo?
Mateus Álvares - Ofendeis-me!
Rainha - Perdoai-me, que o amor que vos tenho como poderia
querer magoar-vos?
Mateus Álvares - Eu sei que foi essa a vossa intenção. Mas há
instantes em que as palavras ferem, porque trazem dentro o fogo e a
revolta. A vós não me repugna confessar que por vezes sinto medo.
Rainha (indignada) - Medo? Vós, um rei?
Mateus Álvares - Como dizer? Talvez não seja medo, mas
dúvida e sobressalto. Aflige-me pensar no que poderá ser o destino das
centenas de homens que se batem pela minha causa, no destino das
suas mulheres e filhos. Conheço a legitimidade dos seus propósitos e a
matéria de que são feitos os sonhos que trago comigo há tantos anos.
Mas será que todos sonham o mesmo que eu? Será que tenho o direito
de fazer de pobres camponeses mal armados sonhadores como eu e
como vosso pai? Será que a história me irá condenar por aquilo que
hoje sinto ser justo e certo? Será que alguns dos que hoje engrossam as
fileiras do meu exército se juntaram a nós à espera de uma fatia do
poder? Será…

404
Rainha - Tantas perguntas, tantas perguntas, meu pobre
esposo, tantas perguntas inúteis, desnecessárias, quando sabeis que as
respostas, se as houver, apenas vão aumentar o vosso sobressalto e o
vosso desespero. Estou a vosso lado para vos dar força e confiança. É
esse o papel de uma rainha quando se joga o futuro do reino. Tendes
sido bom para todos os que vos rodeiam, dando-vos títulos, terras,
privilégios vários, honrarias com que nunca tinham sonhado. Achais
que é pouco?
Mateus Álvares (abraçando a mulher) - Não imaginais como
agradeço as vossas palavras. Elas são para mim, nestas horas difíceis,
um verdadeiro bálsamo, um bálsamo tão grande como o que encontro
na oração. Mas as interrogações persistem e não quero esquivar-me do
gume afiado com que me perseguem. Sei que avanço perigosamente
para um reino talhado na névoa, escavado na sombra ...
Rainha - Já vos ouvi essas palavras com sabor a presságio
durante o sono e confesso que, ao escutá-las, fico numa grande aflição,
porque não sei que aves de mau agoiro nos viajam dentro dos
pesadelos. Quando isso acontecer, abri depressa os olhos e reparai que
estou a vosso lado para vos dar conforto.
Mateus Álvares - Mais uma vez estou grato pela força que há
nas vossas palavras amigas. Mas que posso eu fazer para combater o
desassossego que me vai pela alma?
Rainha - Buscai em mim a certeza que por vezes vos falta, a
determinação que por vezes se evade das nossas palavras. Eu sou a
vossa rainha, não o podeis esquecer.
(Entra em cena o camareiro real, que anuncia a chegada do
emissário enviado ao Arquiduque Alberto).
Camareiro - O vosso emissário acaba de chegar e vem exausto.
Pede que o recebeis.
Mateus Álvares - Que entre!
Emissário (prostrando de joelhos junto de Mateus Álvares) -
Libertaram-me Majestade. Cumpri as vossas ordens, cumpri as vossas
ordens.
Mateus Álvares - Conta-me o que se passou.
Emissário - Mal cheguei ao paço anunciei ao chefe da guarda
quem era e ao que vinha e ele não tardou a dar-me ordem de prisão.
Mateus Álvares (revoltado) - Prenderam-te?
Emissário - Sim, Majestade, prenderam-me, mas não posso
dizer que tenham sido cruéis no tratamento que me deram. Nessa

405
mesma noite interrogaram-me, sem me torturaram, e não conseguiram
que da minha boca saísse nenhuma das informações que queriam
ouvir.
Mateus Álvares - És corajoso!
Emissário - Ao alvorecer deixaram-me repousar. Depois
voltaram com ameaças.
Mateus Álvares - Que ameaças?
Emissário - Diziam que, se eu não falasse, me haviam de
sujeitar a torturas indescritíveis e depois me haviam de fazer passar
pelas armas. Mas nem assim vacilei.
Mateus Álvares - Serás recompensado pela tua coragem.
Continua!
Emissário - Ao fim desse dia, depois de muitos insultos e
ameaças, conduziram-me à presença de um homem idoso que, vim a
saber, era o Arquiduque Alberto.
Mateus Álvares - Que lhe disseste?
Emissário - Tudo o que haveis ordenado que dissesse. E ele
ouviu-me com atenção.
Mateus Álvares - E que resposta te deu?
Emissário - A pior de todas.
Rainha (ansiosa) - Explica-te!
Emissário - O Arquiduque ouviu tudo o que tinha para dizer e
depois respondeu que só não ria das minhas palavras porque estava
certo de que eu acreditava cegamente no poder que dizia representar.
Rainha - Que atrevimento!
Mateus Álvares (para a rainha) - Deixai-me continuar.
Emissário - E disse mais. Disse que me podia prender ou
mesmo fazer condenar à morte, porque tudo estava dependente dele e
da sua vontade. Eu aí atrevi-me a avisá-la de que a minha morte teria
um preço muito elevado, porque o meu rei e o seu exército não
deixariam ficar essa afronta sem as merecidas represálias. Quando
disse isto ele riu à gargalhada.
Rainha - Que atrevimento! Não há-de ficar sem resposta:
Mateus Álvares (para o emissário) - Continua.
Emissário - Tento lembrar-me exactamente do que o
Arquiduque me disse, e peço desculpa se as minhas palavras
parecerem desrespeitosas, mas foi assim mesmo que ele as proferiu.
Do meu rei e do seu reino afirmou ser uma coisa de loucos que ainda
faria verter muito sangue inocente. Disse de vós, Majestade, e perdoai-

406
me de novo a rudeza das palavras, que o vosso lugar era um hospício e
não um trono e que vos havia de fazer engolir a fanfarronice e pagar no
cadafalso as mortes do magistrado, do escrivão vão e de outros
inocentes e infelizes servidores da coroa.
Rainha (para Mateus Álvares) - É urgente, meu esposo, que o
façais pagar pelo que teve a ousadia de dizer ao vosso emissário. Vós
sois rei e ele apenas Arquiduque.
Mateus Álvares (inquieto) - Deixai-o terminar!
Emissário - Disse depois que me libertava, num acto
magnânimo, para que eu pudesse vir à vossa presença e tentar
demover-nos da ideia de conquistar o trono do rei Filipe. Pediu-me que
apelasse ao vosso bom senso, não porque tencionasse ser clemente
convosco, mas apenas para se poupar a vida de centenas de inocentes.
Rainha - As suas palavras são afrontosas. Terá de pagar pelo
que disse. (Para Mateus Álvares) Não estais de acordo comigo?
Mateus Álvares - A intenção do Arquiduque parece-me ser
precisamente essa: a de me levar a cometer actos impensados. Tenho,
temos que ser mais prudentes que nunca. As forças de que eles
dispõem são muito superiores às nossas. É certo que as nossas fileiras
têm vindo a engrossar nos últimos dias. Mas também é certo, apesar da
confiança que vosso pai me quer transmitir, que é um exército
inexperiente e maltrapilho.
Rainha - São os vossos homens e têm uma fé e uma dedicação
muito superiores às dos soldados do Arquiduque. Disso não deveis
duvidar.
Mateus Álvares - E não duvido. O que penso é temos que ser
cautelosos, avaliando com rigor as nossas possibilidades.
Emissário - Majestade, o Arquiduque sabe que haveis dado
ordens para se comprarem mais provisões e munições em Torres
Vedras e deu ordens para que a caravana que as foi buscar seja
interceptada antes de chegar à Ericeira.
Mateus Álvares (Para o emissário) - Como te sentes agora?
Emissário - Bem, Majestade, muito bem. E sei que se o
Arquiduque me libertou foi por temer a vossa ira e a força do nosso
exército.
Mateus Álvares - Vai descansar, meu jovem amigo, que
precisamos de gente firme, saudável e determinada para as grandes
batalhas que ainda teremos de travar.

407
(Retiram-se de cena a rainha e o emissário e entra de
rompante, com ferimento no rosto, Pedro Afonso).
Mateus Álvares (sobressaltado) - Que foi o que aconteceu?
Pedro Afonso - Eram às centenas, Majestade, às centenas, e
não tivemos condições para os levar de vencida. Tinham um poder de
fogo muito superior ao nosso e estavam emboscados. Mesmo assim, os
nossos homens bateram-se com grande bravura.
Mateus Álvares - Não duvido que assim tenha sido, porque sei
que ninguém vos excede em coragem e que os vossos homens vos
seguem o exemplo. Mas agora acalmai-os e contai-me como tudo se
passou.
Pedro Afonso - Quem os comandava era o corregedor Diogo
da Fonseca, que tinha a seu lado os capitães Santo Estevão e Calderon,
homens fortes do Arquiduque. Eram às centenas e avançaram sobre
nós com o seu imenso poder de fogo. Os nossos homens, depois da
surpresa causada pelo embate inicial, mantiveram-se firmes nas
posições que ocupavam e durante mais de uma hora não lhes cederam
um palmo de terreno. Eu próprio comandei várias cargas e ...
Mateus Álvares - Quantos homens perdemos?
Pedro Afonso (evitando responder) - Não tantos como o
inimigo.
Mateus Álvares - Quantos homens?
Pedro Afonso (visivelmente abatido) - À volta de oitenta.
Mateus Álvares - Uma perda terrível!
Pedro Afonso - Não é assim tão grave, Majestade, porque
ainda temos muitas centenas de homens para combater e todos com
um ânimo inabalável.
Mateus Álvares - Como irão eles receber a notícia da morte de
tantos companheiros seus?
Pedro Afonso - São soldados, Majestade, e sabem, por isso, os
riscos que uma guerra como esta envolve. Pior estaria o seu ânimo se
não tivéssemos aprisionado uma mulher que, esgueirando-se para o
interior da caserna, começou a murmurar loucuras sobre o nosso
destino.
Mateus Álvares - Que disse essa mulher?
Pedro Afonso - Perdoai-me, mas não irei repetir as suas frases
de louca ou de bruxa.
Mateus Álvares - Insisto, que disse ela exactamente?

408
Pedro Afonso - Disparates, Majestade. Disse, e preferia não ter
de o repetir na vossa presença, que tinha lido nos astros os sinais da
vossa total perdição. Claro que a mandei açoitar para que mais
ninguém pudesse escutar as suas palavras febris e alucinadas.
Mateus Álvares - Quero ver essa mulher!
Pedro Afonso - Mas não passa de uma louca, Majestade, e aos
loucos não se deve dar ouvidos.
Mateus Álvares (elevando a voz) - Quero-a imediatamente na
minha presença!
Pedro Afonso (retirando-se) - Cumpra-se o vosso desejo,
Majestade. (Falando para o exterior) Tragam essa mulher à sala do
trono. Tragam-na depressa!
(A mulher entra em desequilíbrio. Cai no chão e ergue-se com
dificuldade, dando-se conta de que está na presença daquele que
todos afirmam ser o rei).
Mulher - Eu não fiz nada. Estou inocente.
Mateus Álvares - Como te chamas?
Mulher - Sou apenas uma pobre mulher a quem nunca
ninguém perguntou o nome. Eu não fiz nada, senhor.
Pedro Afonso (para a mulher) - Mostra respeito pelo teu rei.
Mulher - Eu não fiz nada.
Mateus Álvares - Que foi que disseste aos meus homens sobre
o destino que nos está reservado?
Mulher - Muito pouco, quase nada, senhor. Falei-lhes das
estrelas que há no céu e daquilo que são capazes de nos contar sobre o
nosso futuro.
Mateus Álvares - Que foi que leste nessas estrelas?
Pedro Afonso (para Mateus Álvares) - Disparates, coisas sem
nexo, Majestade.
Mulher (para Mateus Álvares) - Vi uma mancha de sangue a
alastrar no pano negro do céu, uma mancha muito grande. E vi
homens a perderem-se dentro dela como se fosse um mar de
tormentos, um mar sem fim. Vi o vosso rosto e o dos vossos generais e
conselheiros a desaparecerem no centro dessa mancha enorme, dessa
mancha sangrenta como se fossem pequenas nuvens de pó que a brisa
mais suave conseguisse destruir.
Pedro Afonso - Cala-te, mulher! Cala-te! Pagarás com a vida o
teu atrevimento.

409
Mulher (cobrindo o rosto com as mãos) - Mas eu não fiz nada!
Estou inocente! Só contei aquilo que me pediram para contar, nada
mais. Eu não tenho culpa de ter nascido com este dom. Sou assim
mesmo. Que culpa é que tenho de ser assim? Sou uma pobre soldadeira
que se mistura com os soldados para lhes dar umas horas de paz e
alegria. Que mal é que eu fiz? Que mal é que eu fiz?
Mateus Álvares (para Pedro Afonso) - Ordenai que a
libertem!
Pedro Afonso - Se o fizermos, Majestade, as bruxas, as
feiticeiras e os adivinhos cairão no nosso acampamento, nas nossas
cavernas com os seus presságios e mentiras, minando o ânimo dos
nossos bravos soldados. Não podemos correr esse risco. Já foram eles
que andaram por estradas e veredas a anunciar que vós não havíeis de
regressar dos campos de Alcácer-Quibir. E, como se viu, estavam
enganados e só pretendiam afligir o povo. Se libertarmos esta mulher,
outros piores que ela hão-de seguir o seu rasto até se confundirem
connosco e com aqueles que nos dão apoio.
Mateus Álvares (pensativo) - É bem possível que tenhais
razão, mas não quero que esta mulher seja punida. Libertai-a.
Pedro Afonso - Se assim acontecer, hão-de enxamear-nos os
caminhos com as suas palavras sibilinas e ameaçadoras, hão-de
aterrorizar as nossas mulheres com os fantasmas do luto e da solidão,
hão-de roubar o sono aos nossos filhos com as suas imagens sombrias
e graves, hão-de semear a descrença e a dúvida no espírito dos nossos
soldados.
Mateus Álvares - Porque havemos de desperdiçar o nosso
precioso tempo com um assunto de tão pouca importância? Libertai-a.
Pedro Afonso (arrastando a mulher por um braço para fora
da sala) - Se é esse o vosso desejo, será cumprido.
(Mateus Álvares monologa à boca de cena).
Mateus Álvares - Tive um sonho, um sonho aterradoramente
semelhante à descrição feita por esta mulher. Eu estava só no meio de
um imenso território deserto e havia à minha volta pássaros negros,
vorazes, assustadores. Mais adiante estava o meu exército, em cavalos
de sombra, a afastar-se cada vez mais de mim. Eu queria falar com os
meus soldados, transmitir-lhes as minhas ordens, mas já ninguém me
podia ouvir, porque estava aterradoramente só, como se pertencesse a
um outro mundo, ao mundo das vozes imperceptíveis, das imagens
imateriais. Foi então que enxerguei, no meio da bruma, a figura de meu

410
pai esculpindo uma grande cruz de pedra com instrumentos de fogo.
Depois vi-me com as carnes retalhadas pela fúria do chicote sobre o
lajedo frio de um qualquer eremitério onde toda a penitência fosse
permitida. Na minha direcção vi avançar uma enorme mancha
sangrenta ameaçando engolir-me. Acordei sobressaltado e descobri-me
rei, cercado por tantas dúvidas, interrogações e temores que de bom
grado trocaria o ceptro por um cavalo veloz para me evadir de tanto
sofrimento. (Pausa)
(Em alvoroço entra em cena António Simões com notícias para
Mateus Álvares).
António Simões - Majestade, o almirante Diogo de Sousa,
comandante da vossa esquadra, não aceitou o encontro que lhe havíeis
proposto.
Mateus Álvares - Como pôde ele recusar o meu pedido?
António Simões - Segundo consegui apurar, ele pediu a
palavra de ordem que usáveis nas naus da expedição e, como o vosso
emissário não a soubesse, deu a audiência por encerrada. Mas o mais
grave não é isso, Majestade.
Mateus Álvares (impaciente) - Que foi que se passou? Dizei-
me!
António Simões - O almirante mandou a Coimbra um homem
de confiança para se avistar com o padre Leão Henriques.
Mateus Álvares - O confessor de D. Henrique?
António Simões - Ele mesmo. Amigos que temos em Coimbra
fizeram-nos saber que o padre Leão Henriques, com toda a influência
que tem na Companhia de Jesus, tomou imediatamente medidas.
Mateus Álvares - Que medidas? Contai-me!
António Simões - Partiu imediatamente para a capital com a
intenção de avisar Miguel de Moura, secretário de Estado, da vossa
intenção de vos avistardes com o Almirante Diogo de Sousa.
Mateus Álvares - O cerco não cessa de se apertar à nossa volta.
Por toda a parte temos inimigos, gente apostada em derrotar a nossa
causa. Agora, mais do que nunca, temos que ser firmes e determinados.
Já nada temos a perder.
António Simões - Os nossos homens estão impacientes,
querem combater, estão ansiosos por pôr à prova a sua coragem e a sua
fé. Todos eles sonham com uma triunfal entrada em Lisboa e com a
aclamação popular. No dia de S. João haveis de estar no trono,

411
Majestade, e então não hão-de haver conspirações nem traições que
vos possam derrubar.
Mateus Álvares - Como eu gostava de poder partilhar a vossa
confiança e o vosso optimismo. Mas eu sou um político e, por isso,
tenho que ser prudente e hábil. A euforia e a esperança desmedida são
inimigas do bom senso quando se tem de tomar decisões das quais
depende o futuro de uma nação e do seu povo.
António Simões - Tendes razão, Majestade. Mas podeis crer
que a confiança não é excessiva, porque o vosso exército é forte e o que
porventura lhe falta em experiência sobra-lhe em determinação. Tudo
está, neste momento, a nosso favor: a revolta popular, o ânimo elevado
dos soldados e dos seus comandantes, o temor que se apodera do
governo de Lisboa.
Mateus Álvares (céptico) - Como seria bom que tudo isso fosse
verdade.
António Simões - E é, Majestade. Posso garantir-vos, porque
eu ando pelas ruas e pelas praças e sei o que por lá se diz sobre os
impostos, sobre a fama dos espanhóis, sobre a crença no vosso
definitivo regresso.
Mateus Álvares - Não duvido que o povo esteja comigo, mas
temo que a sua adesão seja efémera, sol de pouca dura. A nossa gente é
boa, não o ponho em causa, mas acostumou-se a aceitar, com
resignação e alguma manha, todos os mandos desde que a deixem viver
numa relativa paz.
António Simões - Quero pedir-vos, Majestade, que me
acompanheis até à praça, onde estão os nossos homens. Eles clamam
pela vossa presença, pelo estímulo das vossas palavras.
Mateus Álvares (acompanhando António Simões) - Não os
farei esperar.
(Entra em cena o corregedor Diogo da Fonseca).
Voz-off - Queremos felicitar-vos pelos vossos triunfos recentes,
senhor corregedor. Para além de experiente e hábil magistrado, haveis
provado ser também um destemido homem de armas.
Diogo da Fonseca (com uma vénia) - Exageram, senhores.
Não tenho senão cumprido o meu dever e é essa a minha maior
recompensa. Mas outros factos, somados aos que anteriormente vos
relatei, são para mim motivo de preocupação neste momento.
Voz-off - Que factos?

412
Diogo da Fonseca - Factos graves, senhores. É preciso pôr
cobro à loucura daquela gente. Depois de terem lançado das arribas
para o mar o magistrado da Ericeira e o seu escrivão, massacraram o
Dr. Gaspar Pereira, o filho e o sobrinho que com ele habitavam. É
verdadeiramente indescritível a cena que presenciámos. Por toda a
parte encontrámos vestígios da sanha assassina do impostor e dos seus
homens: corpos esventrados, roupas rasgadas, documentos espalhados
pelo chão, telas retalhadas a golpes de espada. Nunca imaginei que
pudessem chegar a este extremo. Mas o certo é que chegaram e agora
trata-se de pôr cobro à fúria que lhes domina a alma.
Voz-off - Tendes razão, senhor corregedor. Vão ser tomadas
medidas urgentes para se evitarem novas chacinas e desmandos. O
quadro que por vós foi traçado é eloquente. Já havíamos, de resto,
tomado a decisão de ordenar ao marquês de Santa Cruz, capitão-
general das forças de terra e do mar, que ponha à vossa disposição os
meios que achardes convenientes para pôr termo a esta perigosa farsa.
Só será poupado quem tiver mesmo que ser poupado. Chegadas as
coisas a este ponto, arredámos do nosso espírito a preocupação de não
fazer vítimas inocentes. Todos têm a sua culpa e por ela irão responder,
a começar, naturalmente, pelos chefes da rebelião e da sedição.
Diogo da Fonseca - Gostaria ainda de vos revelar, senhores,
que foi tal o desmando dessa gente que roubaram de uma igreja, perto
da Ericeira, o diadema de ouro e rubis para coroarem, numa cerimónia
absurda, aquela que julgam ser a sua rainha. Também por isso deverão
pagar.
Voz-off - Irão pagar. Demos também ordens, senhor
corregedor, para que seja reforçada a guarda ao palácio do Arquiduque
Alberto, não porque temamos uma entrada vitoriosa dessa gente em
Lisboa, mas porque é melhor prevenir e dar, ao mesmo tempo, à
população da capital uma imagem de firmeza e de poderio militar.
Diogo da Fonseca - Acertada medida a vossa, senhores. E
agora, se me permitem, vou dar as minhas ordens e preparar os
homens que estão sob o meu comando para o embate final com as
tropas do impostor, que se prepararam para rumar a Torres Vedras e
daí a Sintra, para depois tomarem o caminho para Lisboa. Antes que o
esperem serão recebidos a ferro e fogo, que outra sorte e destino não
podem merecer.
(Diogo da Fonseca retira-se, regressando à cena Mateus
Álvares acompanhado pela rainha).

413
Rainha - É grande o alvoroço entre os homens da nossa tropa.
Ainda esta manhã, com a claridade forte destes dias de Junho, que
hão-de ser gloriosos para a nossa causa, os vi partir cantando canções
alegres.
Mateus Álvares - Muitos não hão-de regressar.
Rainha - Afastai do vosso espírito essas ideias sombrias. Eles
partiram para vencer e sabem que só a vitória nos pode servir.
Mateus Álvares - De bom grado tomaria o lugar deles no
combate, mas vosso pai e os outros generais não consentiram.
Rainha - E fizeram bem, que o lugar de um rei não é no campo
de batalha mas no paço, delineando estratégias e definindo grandes
objectivos.
Mateus Álvares - Gostava de ter ideias tão límpidas e
definitivas como as vossas, neste momento. Mas confesso que me abala
um certo desânimo, fruto certamente dos pesadelos que me têm
destroçado o sono.
Rainha - Que pesadelos?
Mateus Álvares - Pesadelos terríveis, senhora, tão terríveis
que quase me não atrevo a contá-los. Mas há um, sobretudo, que me
desassossega. Vejo-me sentado num trono gigantesco de chamas e,
lentamente, o trono vai-se transformando em cadafalso. Depois
acercam-se homens possantes, trajando de negro, que me empurrem
para um abismo imenso, para um lugar sem nome no qual deixo de ter
corpo, voz, identidade.
Rainha - Credo, senhor, que sonhos terríveis. Não deveis
preocupar-vos com eles, que nascem certamente da fadiga e da
excitação em que viveis estes dias. Precisais de repousar. Precisa o
vosso corpo e precisa o vosso espírito. Sem um rei forte não pode haver
uma nação forte. Mais do que nunca os vossos homens precisam de vós
e a vossa rainha também.
Mateus Álvares - Nos pesadelos que me têm atormentado,
oiço a todo o instante os ecos de uma batalha próxima, tão próxima
que quase posso tocar os vultos que nela se digladiam.
Rainha - Hão-de ser lembranças dessa batalha tremenda que
travásteis em Alcácer-Quibir. E essas lembranças, todos o sabemos, são
chagas vivas que levam anos a cicatrizar.
Mateus Álvares - É bem possível que tenhais razão, mas o
certo é que não encontro paz nem na oração, nem na fala dos amigos,
nem nos vossos carinhos e desvelos. Posto perante os meus homens,

414
quantas vezes tenho simulado uma crença e uma determinação que já
não existem em mim. Nesses momentos deixo de ser rei e torno-me
comediante. A política transforma-se, para mim, num enorme teatro
onde desempenho quase todos os papéis e onde tenho que saber de cor
o que as personagens que comigo contracenam e preparam para dizer.
É como se estivesse a enlouquecer, não podeis imaginar. É como se
tudo em meu redor fosse uma encenação fantasiosa e como se eu
estivesse fora da realidade, para ser apenas actor de uma peça cujo
final desconheço, embora o pressinta.
Rainha - Compreendo a vossa inquietação, mas insisto que
tudo o que agora vos desassossega o espírito nasce da tensão em que
temos vivido. Eu, ao vosso lado, sinto-me confiante e segura e gostaria
de vos transmitir a mesma sensação.
(Ouvem-se, no exterior, gritos, detonações e o ruído metálico de
espadas contra espadas. Mateus Álvares corre para a janela tentando
inteirar-se do que está a acontecer. A rainha procura acalmá-lo).
Rainha - São, por certo, os nossos homens, os que
permaneceram para vos fazer guarda, a exercitarem-se para a batalha.
Mateus Álvares - E os gritos? E os tiros? E o galope
desenfreado dos cavalos?
Rainha - Há-de ser o vento forte que sopra nestas bandas a
trazer ecos de batalhas distantes.
Mateus Álvares - Mas se estão tão perto... tão perto que quase
posso tocar-lhes!
Rainha - Exagerais. Deixai que vos toque a testa. É bem
possível que seja uma febre trazida do Norte de África.
Mateus Álvares - Sei que não são alucinações. É uma batalha
terrível aqui mesmo junto ao paço. Estamos derrotados. Que havemos
de fazer? Por mim assumirei todas as culpas e todas as
responsabilidades, porque tudo começou em mim e em mim há-de
acabar. Mas tenho medo, um medo igual ao que sentia em criança
quando se avizinhavam ciclones, quando a terra tremia ou quando me
assustavam com o escuro. Eu sempre tive um medo imenso do escuro.
Quando me prenderem não quero ficar às escuras e sozinho numa cela.
Exijo luz e companhia. A treva e a solidão são quanto basta para me
roubar a vida.
Rainha (exaltada) - Se é como dizeis e se eles estão tão perto,
temos de manter a cabeça fria e pensar no que deve ser feito. Temos
bens a salvar, documentos, objectos valiosos. A nossa gente não há-de

415
reprovar-nos se fugirmos, porque é preciso salvar o poder real e
garantir a sobrevivência da nossa causa.
Mateus Álvares (de olhos fixos na janela) - Estou aqui e é
como se não estivesse. Estou a ver o céu azul da minha infância
salpicado de gaivotas. E tenho medo e ao mesmo tempo uma grande
paz, uma paz maior que todos os pesadelos. Será que estou finalmente
em paz comigo mesmo? Será porque se extinguiu a luz que me
iluminava, neste teatro de sombras que é a História? Será porque
alcancei finalmente a solidão que é gémea do poder?
(Mateus Álvares retira-se e entra em cena Diogo da Fonseca,
com notícias da batalha vitoriosa travada contra os rebeldes da
Ericeira).
Diogo da Fonseca - Este dia, senhores, há-de ficar gravado na
história da nossa terra, porque foi hoje, 12 de Junho de 1585, que
derrotámos o impostor que se fazia passar por D. Sebastião. Foi, e não
o digo para realçar o meu feito, uma batalha árdua. Foi preciso recorrer
a artifícios para encurralar as tropas do chamado Rei da Ericeira.
Ordenei aos arcabuzeiros que se emboscassem num trigal, em
condições de dominarem com os olhos e com as armas todo o terreno
em volta, e depois mostrei-me ao inimigo como se quisesse
parlamentar. Vi na minha frente o tal Pedro Afonso, que pelos vistos
trazia a rendição para me propor. Não lhe dei tempo, confesso, para
que pudesse abrir a boca, que com gente daquela laia nada se pode
negociar. Simulámos uma fuga e, mal a encetámos, os nossos homens
abriram fogo sobre aquele numeroso bando de maltrapilhos, pondo-os
em debandada. Montámos a cavalo e perseguimo-los até ao adro de
uma pequena igreja chamada de Nossa Senhora do Porto, onde eles se
entrincheiraram. Aí tivemos de fazer grande mortandade, que os
soldados de Mateus Álvares, embora famintos e mal preparados,
batiam-se com bravura. Valeu-nos, na circunstância, o maior poder de
fogo que tínhamos e também a larga experiência dos nossos militares.
Derrotada essa força que se opunha à nossa entrada na Ericeira,
fizemos grande número de prisioneiros. De caminho para Lisboa,
fizemos o desvio por Mafra, onde foram prestadas honras fúnebres ao
Dr. Gaspar Pereira e àqueles que com ele morreram. Dos muitos
cativos que connosco trouxemos para a capital sei que nenhum vos
dará tanto prazer ouvir e interrogar como este que agora ponho na
vossa presença, senhores.

416
(Recua e traz consigo Mateus Álvares, de pulsos amarrados e
com as roupas rasgadas e manchadas de sangue e terra).
Voz-off - Que tendes a dizer sobre tudo que se passou?
Mateus Álvares - Muito pouco, muito pouco.
Voz-off - Que loucura vos fez conspirar contra o poder legítimo
que governa este reino e o seu povo?
Mateus Álvares - Não foi loucura, mas sonho. O sonho de dar
a este povo um rei português. No princípio, reconheço, tudo foi muito
confuso e impreciso. Mas não faltava gente de boa fé que visse em mim
o rei regressado das agruras da guerra depois de alguns anos de
cativeiro. Passei a acreditar que essa era a única verdade que contava
para mim e pela qual valia a pena bater-me. Muita gente se juntou a
mim, tanto que fiz dela um verdadeiro exército e celebrei com ele um
pacto de lealdade e de bravura. Lamento que muitos tenham caído sob
o fogo dos vossos soldados. Deveria ter sido eu a tombar no lugar deles,
que o sonho foi na minha cabeça que nasceu. Eles só tentaram ajudar-
me a dar-lhe corpo.
Voz-off - E os vossos cúmplices?
Mateus Álvares - Não tive cúmplices, mas sim amigos. E
quando a minha crença começou a fraquejar apeteceu-me contar-lhes
toda a verdade, mas era demasiado tarde, que, para eles, só existia um
rei e uma luta pela qual valia a pena darem a vida.
Voz-off - Qual o vosso objectivo?
Mateus Álvares - A principio, nenhum. Queríamos apenas
mostrar a quem vos governava que havia nesta terra vozes
discordantes, um verdadeiro coro de descontentes. Mas o movimento
ganhou corpo, vida, vontade própria, e quem era eu para decidir travá-
lo?
Voz-off - Se o tivésseis feito, muitas vidas teriam sido
poupadas.
Mateus Álvares - Disso estou seguro e só por isso lamento ter
ido até ao fim neste meu teatro impossível. Perguntáveis qual era o
nosso objectivo. Queríamos entrar em Lisboa com o apoio da
população.
Voz-off - Queríeis, em suma, tomar o poder?
Mateus Álvares - Nunca pensámos verdadeiramente em tomar
o poder, que isso exigia de nós uma sabedoria e uma experiência que
não tínhamos. Para mim o importante era chegar a um sítio onde toda
a gente me pudesse ver e ouvir.

417
Voz-off - E então que faríeis?
Mateus Álvares - Dir-lhes-ia que não era o verdadeiro D.
Sebastião e sim um português honrado que queria libertá-los do jugo
castelhano. Depois havia de me retirar, pedindo-lhes para que, de
mãos livres, escolhessem e proclamassem rei quem encontrassem com
melhores condições para isso.
Voz-off - Quereis fazer-nos crer que foi tudo assim tão simples?
E que não houve intenção de conspirar contra o legítimo poder
constituído?
Mateus Álvares - Precisamente, senhores. Não conspirámos,
apenas praticámos actos que estavam de acordo com a nossa
consciência.
Voz-off - Como o massacre do magistrado, do escrivão, do Dr.
Gaspar Pereira e de familiares seus?
Mateus Álvares - Também por esse acto assumo plena
responsabilidade embora não tenha sido ouvido sobre a sua
oportunidade e conveniência.
Voz-off - Que teríeis feito?
Mateus Álvares - Ter-me-ia oposto.
Voz-off - Dai-vos, então, como culpado?
Mateus Álvares - Se ser culpado é ter lutado por aquilo em que
se acreditou, então sou culpado.
Voz-off - E acreditásteis até ao fim?
Mateus Álvares - Até onde minhas forças permitiram.
Voz-off - Estais arrependido?
Mateus Álvares - Estou arrependido de não ter pensado mais
cedo no destino daqueles que combatiam por mim.
Voz-off (ouve-se em fundo o rufar de tambores) - Estando
provada a culpa do impostor Mateus Álvares, delibera este tribunal,
legítimo representante do poder constituído para governar este reino,
que o impostor e os seus cúmplices mais directos sejam enforcados ao
alvorecer do dia 14 de Junho de 1585. A Mateus Álvares, chefe confesso
da conjura, será ainda, como medida exemplar, cortada a mão direita,
pois foi com ela que assinou decretos, cartas, patentes e proclamações.
Que a lição extraída deste acto condenatório seja compreendida por
todos aqueles que pensam pôr em causa, de forma vil e sediciosa, o
poder do Arquiduque Alberto, representante legítimo, neste reino, de
sua Majestade El-Rei Filipe II de Espanha e I de Portugal. A cabeça e

418
pedaços do seu corpo serão distribuídos pelas várias portas da cidade,
para servirem como exemplo.
(O rufar de tambores aumenta de intensidade e ouvem-se
gritos de mulheres, seguidos de uma música fúnebre. Entram em cena
o homem e a mulher do povo que se haviam juntado às forças de
Mateus Álvares).
Homem - Conseguimos escapar a tempo ao inferno que os
espanhóis por lá criaram.
Mulher - Dizes bem, foi um verdadeiro inferno: sangue,
labaredas altas, e aquele cheiro a pólvora e a carne queimada.
Homem - A mim ainda tentaram apanhar-me, mas eu disse a
um espanhol que me apontou a espada ao peito que não passava de um
pobre mendigo que ali tinha ido parar em busca de tecto e de uma sopa
quente. E não lhe disse mentira nenhuma, que eu, pensando bem,
acabo sempre por estar do lado de quem me enche a barriga. Agora que
vejo o inferno para trás das costas, reparo que nem tentei saber o
verdadeiro nome daqueles que diziam ser o rei de Alcácer-Quibir.
Mulher - Eu cheguei a vê-lo, a falar com ele e fiquei-lhe
reconhecida por me ter mandado libertar. Não era má pessoa. Pareceu-
me ser uma pessoa preocupada, aflita, com muito poucas certezas.
Homem - Mas o mal dos reis e de todos os que mandam,
costuma ser, terem certezas a mais.
Mulher - Este não tinha.
Homem - O que agora me aflige é esta dor nos pés e temos
ainda tanto caminho para fazer até encontrarmos quem nos acolha.
Mulher - E aqui por estas bandas não há-de ser, que, com os
enforcamentos que os espanhóis estão a fazer junto às arribas, no sítio
onde foram atirados ao mar o escrivão e o magistrado, ninguém se
atreve a abrir a porta a desconhecidos.
Homem - Ainda bem que não démos tempo a ninguém para
nos conhecer e para saber os nossos nomes.
Mulher - Que importância têm os nossos nomes? Quem ia
perder tempo a perguntá-los, se nós mesmos, às vezes nem nos
lembramos que os temos. Tu e eu somos dois desgraçados iguais aos
que aparecem em todas as guerras. Nem mais nem menos.
Homem - Exageras. Com as moedas que arrecadaste junto dos
soldados ainda podemos passar umas semanas sem o martírio da fome.
Mulher - Agora estou sem fome e apetece-me meter pernas ao
caminho.

419
Homem - Para seguir que rumo, se não temos casa nem destino
certo?
Mulher - Vamos até onde as forças nos chegarem.
Homem - Porquê tanta pressa, se aqui estamos a salvo do fogo
e dos soldados espanhóis?
Mulher (afastando-se do companheiro) - Se não vieres,
continuo sozinha.
Homem (tentando juntar-se a ela) - Espera que eu vou
contigo, mesmo sem saber para onde.
Mulher - Anda, que a noite é a melhor companhia que podemos
arranjar.

FIM

420
BIBLIOGRAFIA

Manuscritos

ARCHIVO GERAL DE SIMANCAS

Espanha: Estado, legajo 1533, nº 94

ARQUIVO DA CÚRIA PATRIARCAL DE LISBOA

Treslado dos Capitulos de Visita que ficaram nas Igrejas dos Distritos das
Vigararias da Vara de Sintra, Cascais, arruda e parte do termo de Lisboa,
ano de 1760 [ms. 113]
Traslado dos Capitulos da Visita que ficaram nas Igrejas dos Distritos das
Vigararias da Vara de Sintra, Cascais, Arruda e parte do termo de Lisboa,
ano de 1781 [ms. 486]
Livro da Visitação de 1781 [ms. 486-A]

ARQUIVO DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DA ERICEIRA

Escrituras de Venda, Quitação e Distrate (1622.02.21; 1653.01.09;


1661.09.03; 1668.11.21) [E/003/maço 001/ doc. 010]
Várias Escrituras de Venda e Aforamento de umas propriedades em Valbom
(1655.10.14; 1873.09.15; 1675.10.12; 1822.05.27) [E/003/maço 001/ doc. 011]
Escrituras de Aforamento (1759.01.19; 1760.06.16) [E/003/maço 001/doc.
068]
Capela dos Padres - Várias Escrituras de Venda e Aforamento e
Requerimentos [E/019/maço 001/ doc. 001; 003; 007; 010; 017]
Aforamento (1828.03.26) [E/019/ doc. 005]
Requerimentos (ant. 1763.06.20; ant. 1835.06.06; 1839.08.22) [1/002/maço
001/ doc. 007; 023; 033]
Mandado Geral de Penhora do Juiz Ordinário e Órfãos do Reguengo da
Carvoeira (1825.03.11) [1/002/maço 001/doc. 015]

421
ARQUIVO HISTÓRICO MILITAR

Relatório de um reconhecimento militar dos itinerários de Lisboa a Mafra,


Torres Vedras, Ericeira e Peniche, com descrição da praça e vila de Peniche
1808, Janeiro, 27
6 fls. manuscritas. Documento em francês.
[DIV/3/01/03/14]
Oficio do conde de Sampaio, secretário da Regência do Reino, dirigido ao
coronel do Corpo de Engenheiros, Carlos Frederico Bernardo de Caula, para
fazer uma carta topográfica do terreno compreendido entre o cabo da Roca
e Peniche, como serviço do Arquivo Militar.
1808, Janeiro, 27
3 fls. manuscritas. Inclui um documento em francês.
[DIV/3/01/03/15]
Memória da descrição do terreno da costa entre o cabo da Roca e a vila da
Ericeira, com observações sobre a defesa contra um ataque marítimo, pelo
coronel Carlos Frederico de Caula e major Neves do Real Corpo de
Engenheiros
1808, Março, 6
2 fls. manuscritas.
[DIV/3/01/03/16]
Memória com "Reflexão sobre a conservação das linhas de defesa que co-
brem Lisboa"
1814, Janeiro, 27 - Junho, 14
9 fls. manuscritas e 1 mapa (s/esc.). Contém um "mapa do estado completo
das 24 Companhias de Artilheiros Ordenanças destinadas à guarnição das
linhas de defesa que cobrem a capital" assinado por Lourenço da Cunha d'Eça.
[DIV/3/01/05/10]
Ofício do marquês de Campo Maior para Miguel Pereira Forjaz a enviar um
relatório sobre as obras de fortificação das linhas de defesa ao norte do Tejo
1815, Fevereiro, 27 - Abril, 7
6 fls. manuscritas. Inclui relatório da inspecção às obras de fortificação das
linhas de defesa ao norte do Tejo, da autoria de Matias José Dias Azedo.
[DIV/3/01/05/12]
Notas das ruínas existentes nos redutos das 1ª e 2ª linhas de defesa de
Lisboa, localizadas respectivamente nos distritos de Sobral, Torres Vedras,
Alhandra, Montachique, Mafra e Vialonga, da autoria do sargento-mor en-
genheiro Joaquim Norberto Xavier e Brito
1815, Fevereiro, 27
6 fls. manuscritas. Contém notas de ruínas, com suas medidas e respectivas
observações feitas pelo mesmo autor
[DIV/3/01/05/13]
Memória militar com uma descrição sucinta do terreno ao norte de Lisboa,
compreendido entre o Oceano e o Tejo, com observações relativas às duas

422
linhas de defesa que cobrem a capital, da autoria do sargento-mor Joaquim
Norberto Xavier de Brito
1815, Abril, 9
1 caderno com 8 fls. manuscritas
[DIV/3/01/05/15]
Parecer da Comissão de Fortificações, assinado pela totalidade dos seus
membros, sobre as fortificações das 1ª e 2ª linhas de Lisboa que deverão ser
reedificadas e as que deverão ser reparadas e apetrechadas em primeiro
lugar e restantes fortificações marítimas do Tejo.
1823, Maio, 5
2 fls. manuscritas.
[DIV/3/01/06/09]
"Instruções gerais para o fim de obstar ao progresso das ruínas praticadas
nas fortificações das linhas de defesa ao norte de Lisboa pelos habitantes das
povoações vizinhas", de autoria do marechal-de-campo Manuel de Sousa
Ramos, do Real Corpo de Engenheiros
1825, Dezembro, 22 - 1826, Maio, 24
13 fls. manuscritas. Contém: oficio de remessa para o conde de Barbacena
Francisco, de ofícios (cópias) recebidos do capitão José Inácio Dacier, do Real
Corpo de Engenheiros; ofícios do coronel Lourenço Homem da Cunha d'Eça e
marechal Manuel de Sousa Ramos para o conde de Barbacena Francisco;
oficio de José Gorjão Nicolau Alberto, ajudante do Batalhão de Artilharia de
Mafra, para o coronel Lourenço Homem da Cunha d'Eça.
[DIV/3/01/06/13]
Mapas dos fortes e baterias da 1ª e 2ª linhas de defesa ao norte de Lisboa,
assinados pelo coronel engenheiro graduado Lourenço Homem da Cunha
d'Eça
1826, Novembro, 14
4 fls. manuscritas. Contém observações feitas na revista de inspecção passada
nos meses de Agosto e Setembro de 1826.
[DIV/3/01/06/04]
Reconhecimento militar da costa desde a vila da Ericeira até ao forte do
Magoito (cópia), de autoria do tenente-coronel António Anacleto de Seara, do
Real Corpo de Engenheiros
1831, Novembro, 21
2 fls. Manuscritas
[DIV/3/01/06/29]

ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE MAFRA

Tribunal de Mafra
Autos Crimes de Querela acerca do Arrombamento e Roubo na ermida de S.
Julião, 1874 [cota antiga: Tribunal de Mafra, cx. 15, CAR, n. 203]

423
Santa Casa da Misericórdia da Ericeira
Testamentos de João Fernandes, 1764 e 1765

Câmara Municipal da Carvoeira


O fundo do Município da Carvoeira, em virtude da sua extinção em
25 de Novembro de 1836, foi transferido para o Município da
Ericeira, passando em 1855, mercê do Decreto de 25 de Outubro,
para o Município de Mafra e, em 1992, com a criação do Arquivo
Histórico Municipal de Mafra, para a custódia deste serviço.
Reúne documentação produzida no âmbito das suas funções
administrativas, gestão das receitas e património, licenciamento e
fiscalização das actividades económicas, recenseamento eleitoral e
cobrança dos impostos régios e municipais, entre outros.
17 livros, 50 documentos (1690-1836)

Vereação Municipal
Órgão executivo composto pelo conjunto dos Vereadores, eleitos
trienalmente, aos quais competia a elaboração de posturas e demais
regulamentos municipais, administrar os bens próprios do Concelho
e as rendas municipais. A presidência recaía no Juiz Ordinário, eleito
pelo Concelho, o qual desempenhou funções administrativas e
judiciais no Concelho até 1830. Com a promulgação dos Códigos
Administrativos de 1836 e de 1842 a presidência passou a ser da
competência do Vereador eleito por maioria dos votos.
4 livros: actas e correições (1690-1836)

Actas
Actas da vereação municipal, correições gerais, nomeações dos
recebedores da décima, louvados dos prédios urbanos e rústicos,
autos de arrematação, autos de posse de novos oficiais, auto de
aclamação e autos de posse de novas justiças.
3 livros (1820-1836)

Data Cota Actual Cota Antiga


1820-1826 liv.0001 liv. 1
1828-1832 liv.0002 liv. 2
1832-1836 liv.0003 liv. 3

Correições do Concelho
Registo das querelas.
1 livro (1835-1836) [cota actual: liv.0001; cota antiga: liv.4]

424
Secretaria Municipal
Originalmente, designada Cartório do Escrivão, concentrava a gestão
do expediente geral, averbamento de documentação (certidões,
atestados, licenças e fianças), a contabilidade municipal e o
notariado, bem assim como o registo da demais documentação
produzida pela vereação municipal. Ao Escrivão, mais tarde
renomeado Secretário (cargo de serventia vitalícia de acordo as
Ordenações Filipinas, Liv. 1, Tit. 71 e que o Código Administrativo de
1842 havia de confirmar) cabia a responsabilidade de garantir a boa
gestão da Secretaria, do Expediente e do Arquivo. Desempenhava
ainda as funções de Escrivão do Provedor do Concelho.
2 livros: de manifesto do real de água e 50 documentos avulsos, entre ofícios e
circulares (1789-1836)

Expediente
Correspondência expedida e recebida.
50 ofícios e circulares (1834-1836)

Correspondência
Ofícios e circulares relativos a eleições, pagamentos de impostos,
apresentações das contas, nomeações e aplicação de legislação
administrativa e ainda um relatório sobre o Concelho.
50 documentos (1834-1836)

Ofícios e Circulares Expedidos


2 documentos (1836) [cota actual: doc.0001; doc.0002]

Ofícios e Circulares Recebidos


48 documentos (1834-1836)

Data Cota Actual


1834-03-12 doc.0001
1834-05-28 doc.0002
1834-06-24 doc.0003
1834-06-25 doc.0004
1834-06-27 doc.0005
1834-06-27 doc.0006
1834-06-27 doc.0007
1834-06-27 doc.0008
1834-06-30 doc.0009
1834-06-30 doc.0010
1834-07-17 doc.0011
1834-07-17 doc.0012
1834-11-06 doc.0013

425
1834-12-11 doc.0014
1834-12-11 doc.0015
1834-12-11 doc.0016
1835-04-24 doc.0017
1835-04-28 doc.0018
1835-04-28 doc.0019
1835-04-30 doc.0020
1835-05-14 doc.0021
1835-06-30 doc.0022
1835-07-29 doc.0023
1835-08-19 doc.0024
1835-08-28 doc.0025
1835-09-08 doc.0026
1835-09-09 doc.0027
1835-09-18 doc.0028
1835-09-25 doc.0029
1835-09-29 doc.0030
1835-09-29 doc.0031
1835-09-30 doc.0032
1836-01-28 doc.0033
1836-01-29 doc.0034
1836-03-18 doc.0035
1836-06-08 doc.0036
1836-06-08 doc.0037
1836-06-09 doc.0038
1836-06-11 doc.0039
1836-07-13 doc.0040
1836-07-28 doc.0041
1836-10-18 doc.0042
1836-10-18 doc.0043
1836-10-19 doc.0044
1836-10-20 doc.0045
1836-10-26 doc.0046
1836-10-27 doc.0047
1836-10-31 doc.0048

Manifestos do Real de Água


Declarações sobre a produção e/ou venda de produtos agrícolas,
especialmente das carnes verdes para o cálculo do real de água
(imposto régio estabelecido pelo Alvará de 23 de Janeiro 1643), cujas
receitas revertiam para a conservação e a construção de estradas,
caminhos e pontes.
2 livros (1789-1828)

426
Data Cota Actual Cota Original Cota Antiga
1789-1821 liv.0001 liv. 5 liv. 79
1803-1823 liv.0002 liv. 8

Provedoria da Comarca de Torres Vedras


O Provedor era um oficial régio, o magistrado responsável pelas
questões concernentes às capelas, órfãos, confrarias e testamentos,
assim como pelos direitos reais (terças, fintas e sisas) e pela
fiscalização das contas municipais. Após a sua extinção deste ofício,
pela Lei de 3 de Novembro de 1830, as suas funções foram
transferidas para os Juízes de Direito, Juízes de Órfãos e
Administrador do Concelho.
10 livros (1690-1817): manifesto do subsídio literário, contas e terças do
Concelho.

Manifesto do Subsídio Literário


Imposto régio destinado à instrução, criado em 1772 e extinto em
1857.
7 livros (1733; 1789; 1794; 1802; 1809-1811;1815-1817)

Data Cota Actual Cota Antiga


1733 liv.0001 liv. 6
1789 liv.0002 liv. 5
1794 liv.0003 liv. 7
1802 liv.0004 liv. 247
1809-1810 liv.0005 liv. 248
1811 liv.0006 liv. 249
1815-1817 liv.0007 liv. 125

Contas e Terças
Registo das contas anuais do Concelho, cujo cálculo era feito com
base na receita do imposto da terça cobrado no município.
3 livros (1690-1729-1757, 1778-1812)

Data Cota Actual Cota Antiga


1690-1728 liv.0001 liv. 252
1729-1757 liv.0002 liv. 11 F
1778-1812 liv.0003

Juiz Almoxarife da Carvoeira


Ofício de nomeação régia ao qual estavam cometidas diversas
funções, entre as quais as da cobrança dos direitos reais. Apesar do
cargo ser de nomeação ser régia, nas funções relativas à cobrança de
impostos, responde directamente à Casa dos Contos, mais tarde ao

427
Erário Régio, o qual depende hierarquicamente do Conselho da
Fazenda.
1 livro, das quartas (1764-1802)

Registo das Quartas


Registo das cobranças realizadas pelo donatário do Reguengo da
Carvoeira no valor de um quarto sobre as fazendas, nos seguintes
lugares: Carvoeira, Baleia, Valbom, Barril, Pobral, Fonte Boa,
Casalinhos, Ursal, Carrascal, Zambujal, Montesoiros e pessoas do
Termo de Mafra e Ericeira.
1 livro (1764-1802) [cota actual liv.0001; cota antiga: liv. 9]

Irmandade do Santíssimo Sacramento – Carvoeira


1869 - Conta geral da Irmandade do S. Sacramento da freguesia da
Carvoeira de 1868 - 1869
1872 - Idem - 1871 - 1872
1880 a 1913 - Correspondência do Governo Civil de Lisboa dirigida ao
Administrador do Concelho de Mafra (26 doc.)
1889 - Instituições de Piedade e Beneficência - Questionário
1914 - Orçamento geral da receita e despesa da Irmandade do S. Sacramento
da freguesia da Carvoeira para o ano de 1914 a 1915
1915 - Mapa demostrativo da despesa autorizada e da despesa efectuada
durante o ano de 1914 a 1915

Irmandade do Santíssimo Sacramento – Carvoeira


Orçamentos (1888-1892-1899-1900-1902)

Junta de Paróquia
1842 - Correspondência dirigida ao Presidente da Câmara Municipal da
Ericeira
1862 - Exposição do Secretário da Junta de Paróquia àcerca do seu
vencimento - Filipe Gaspar - Carvoeira
1895 e 1896 - Requerimento do sacristão da paróquia àcerca do seu
vencimento (2 doc.)
1884-1896 – Contas de Gerência

Juiz Almoxarife do Reguengo da Carvoeira


2 livros; 135 processos (1635, 1680, 1731, 1754, 1764, 1773, 1777, 1778, 1780,
1795, 1802, 1816, 1819, 1833)

Registo de Querelas – Crime


1 livro (1764 – 1835)

428
Registo de Tutelas
1 livro (1778, 1819)

Inventários
118 processos (1635, 1641, 1680, 1685, 1688, 1696-1698, 1720-1721, 1728-1731,
1733, 1735, 1737-1739, 1744, 1747, 1750, 1752-1755, 1760, 1762-1763, 1765-
1768, 1771-1772, 1774, 1778-1781, 1783-1784, 1787-1789, 1791-1795, 1799, 1801,
1803-1804, 1807, 1809, 1811, 1813-1814, 1817, 1819, 1821-1822, 1824, 1833)

Justificações
1 processo (1731)

Partilhas
9 processos (1795, 1802, 1806, 1809-1811, 1813, 1816, 1829)

Treslados
1 processo (1777)

Sentenças
1 processo (1703)

Petições
2 processos (1754, 1773)

Resíduos
1 processo (1780)

Tombos
1 processo (1682)

Avaliações
1 processo (1815)

Juiz de Paz do Distrito da Freguesia da Carvoeira


1 livro (1835-1837)

ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO

Foral Manuelino do Reguengo da Carvoeira (29 Outubro 1514)


[Livro dos Forais Novos da Estremadura, fl. 137]
Carta de Perdão geral concedido aos rústicos do termo de Sintra (1585)
[Livro 1º das Leis, fl. 102-103v]

429
Mercê a Catarina Leitão viúva de Pedro Serrão, morto a serviço d’el-Rei
pelos alevantados, e ermitão da Ericeira, indo ele acudir a Lobagueira,
termo de Torres Vedras, da feitoria de Malaca com os mais três cargos
anexos pelo tempo de três anos para quem casar com uma das suas filhas
que ela nomear (14 Dezembro 1585)
[Chancelaria de Filipe I, livro 12, fl. 117v]
Memórias Paroquiais da freguesia da Carvoeira (1758)
[v. 31, maço 54, p. 307-310]
Colegiada de Santo André de Mafra, Livro 1, s. n., fl. 31
Desembargo do Paço. Corte, Estremadura e Ilhas, maço 623, doc. 45
[moradores da Carvoeira, 1825]; maço 916, doc. 120 [moradores da Fonte Boa
da Brincosa, 1815]; maço 1210, doc. 14; maço 1216, doc. 29 [1819]; doc. 68
[1817]:doc. 101 [Fonte Boa da Brincosa]; doc. 137 [1823]; maço 1362, doc. 1;
maço 1804, doc. 46 [igreja Nossa Senhora do Porto, 1807]; maço 2132, doc. 32
Convento de S. Domingos de Benfica: maço 4, doc. s/ nº

Paróquia da Carvoeira
9 livros:
Registo de baptismos (1616-1655; 1668-1844)
Registo de casamentos (1617-1712; 1715-1850)
Registo de óbitos (1616-1804)

ARQUIVOS PARTICULARES

Livro de contas da Confraria de S. Sebastião da Carvoeira (1769 - 1899)


Auto da tomada de contas á meza da Confraria de São Julião
2 doc. (1841-1842; 1842-1843)
[Prof. Raúl de Almeida]
[Inquérito dactilografado sobre] O Círio de Ribeira de Pedrulhos

BIBLIOTECA DO CONGRESSO (Washington)

[Miscelânea de Bento Xavier de Magalhaens Correa de Oliveira] Trovas de


Gonsalo Annes Bandarra [P-163, fl. 119r-119v]

CARTÓRIO PAROQUIAL DA ERICEIRA

Livro das Visitações e diversa outra documentação reportando sobretudo ao


período compreendido entre 1939 e 2014

430
JUNTA DE FREGUESIA DA CARVOEIRA

Actas da Junta de Paróquia da freguesia de N. Sra. do Ó do Porto


6 livros (19.02.1871 a 21.02.1892; 18.12.1902 a 01.01.1919; 03.05.1919 a
12.12.1946; 29.12.1946 a 11.1966; 18.12.1966 a 07.04.1977; 07.05.1977 a
10.02.1990)
Copiador da correspondência expedida pela Junta de Paróquia
1 livro (01.01.1889 a 1895)
Actas da Assembleia de Freguesia
1 livro (16.01.1980 a 28.12.2001)

SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE SINTRA

O Provedor e Irmãos da Santa Casa da Misericórdia de Sintra deliberam que


a bandeira da Santa Casa acompanhe os enterros dos revoltosos justiçados
em Mafra, Ericeira e Carvoeira [Livro 5 dos Acórdãos, fl. 256]

Impressos

Generalidades

ADRIÃO, Vitor Manuel, Iniciação martirial no Reguengo da Carvoeira, in


Sintra: Serra Sagrada, capital espiritual da Europa, Lisboa, 2007, p. 311-329
ALVES, Joana Lopes, Roteiro de Pedras das Costas da Ericeira e Cascais pelo
Pescador Fernando Brites, Ericeira, 1999
ANTIGOS Concelhos da Estremadura, in Bol. da Junta de Provincia da
Estremadura, s. 2, n. 13 (Set.-Dez. 1946), p. 247-250
BEIRÃO, Inácio, Freguesia da Carvoeira: aspectos Histórico-Genealógicos,
in O Carrilhão (25 Mar. 1998)
BOAVIDA, Joaquim Gormicho, Roteiro de Pesca de Arrasto da Costa
Continental Portuguesa, Lisboa, 1948, p. 127-131 [Mar da Ericeira]
CÂMARA MUNICIPAL DE MAFRA, Relatório da Gerência de 1955 e Planos
Camarários para 1956, Mafra, 1956
CARDOSO, Luiz, Diccionario Geografico ou Noticia histórica de todas as
cidades, vilas e lugares […], v. 2, Lisboa, Regia Oficina Silviana, 1751
CARÉ JÚNIOR, José, A Adega da Foz do Lizandro, in Boletim Cultural ’98,
Mafra, 1999, p. 582-583
CARTOGRAFIA impressa dos séculos XVI e XVII: imagens de Portugal e
ilhas Atlânticas: exposição, Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, Porto, 1994

431
CARVOEIRA apela ao desenvolvimento, in Suplemento Região Saloia (19
Mai. 1944)
CASTRO, Irene Lima Arrais, Contributos para o estudo de Sintra e o seu
termo entre 1527 e 1878 (Estudo Estatístico), in Vária Escrita, n. 5 (1998), p.
321-391
FERNANDES, Paulo, Almeida / VILAR, Maria do Carmo, Identidades:
património arquitectónico do Concelho de Mafra, Mafra, 2009
FERREIRA, Fernando Mendes, Património Cultural construído do Concelho
de Mafra: freguesia da Carvoeira, [Mafra, 1990]
FREGUESIA da Carvoeira, in Jornal Ilustrado A Hora, a. 3, n. 13 (1934), p.
30
FREIRE, Braamcamp, Povoação da Estremadura no XVI século, in Archivo
Historico Portuguez, v. 6, n. 7 (Jul. 1908), p. 257
[GANDRA, Manuel J.], Mafra: Concelho, commune, county, Mafra, 1994
Idem (coord.), Carta do Património da Freguesia da Carvoeira, Mafra, 198?
Idem, Sabores, cheiros e comeres regionais de Mafra: tradição e
modernidade, Ericeira, 1998
Idem, A Cerâmica Tradicional de Mafra, Ericeira, 1999
Idem, In memoriam dos barristas da região de Mafra, in Boletim Cultural
2002, Mafra, 2003, p. 405
Idem, A Estrutura Simbólica do Monumento de Mafra, entre Heliopolis e o
número 666, in Da Face Oculta do Rosto da Europa: prolegómenos a uma
História Mítica de Portugal, Lisboa, 2009, p. p. 169-223
Idem, Florilégio de Tradições do Concelho de Mafra, Mafra, 2013
GANDRA, Manuel J. / CAETANO, Amélia / VILAR, Maria do Carmo, O
Eterno feminino no aro de Mafra, Mafra, 1994
GIL, João Pedro da Silva Henriques, Casal dos Leitões: uma História de
Família, 1487-1990, Mafra, 2004
GIL, João Pedro da Silva Henriques, Casal dos Leitões: uma História de
Família (1487-1990), Mafra, 2004
GORJÃO, Sérgio, Memórias Paroquiais do Concelho de Mafra (1758)
Memórias de Nossa Senhora da Expectação do Porto de Reguengo da
Carvoeira, in O Carrilhão (15 Fev. 1993)
Idem, Memórias Paroquiais, in Boletim Cultural ’96, Mafra, 1997, p. 307-344
GUERRA, Zulmira, Zambujal – Figuras da Minha Aldeia, in O Carrilhão (1 e
15 Fev.; 1 e 15 Mar. 1998)
GUIA TRILHOS DE MAFRA: passeios pedestres / passeios em BTT, Mafra,
2007
LOPES, Irina Alexandra, Os extintos concelhos da Carvoeira, Cheleiros,
Enxara dos Cavaleiros e Gradil e os seus forais (séculos XII e XVI):
transcrição paleográfica e leitura actualizada, in Boletim Cultural 2006,
Mafra, 2007, p. 101-103

432
Idem, As casas das Câmaras dos extintos concelhos da Azueira, Carvoeira,
Cheleiros, Enxara dos Cavaleiros e Gradil: séculos XVIII a 1855, in Boletim
Cultural 2006, Mafra, 2007, p. 201-203
LUCENA, Armando de, Monografia de Mafra, Mafra, 1986, p. 91-95
MANIQUE, Luis de Pina, Iconografia Sacra do Concelho de Mafra: Santas
Mães, in Bol. Junta de Província da Estremadura, s. 2, n. 11 (Jan.-Abr. 1946),
p. 87-99 e s. 2, n. 12 (Mai.-Ago. 1946), p. 205-206
MARQUES, José Alberto S., Arquivo Histórico da Santa Casa da
Misericórdia: sete séculos de memória: guia, Ericeira, 1998, p. 58-59, 74,
165-168, 177, 225, 228, 230, 233
MATA, António, Demografia histórica do 1º quartel do século XVIII LVII
Freguesia do Regengo da Carvoeira, limite do termo de Sintra no séc. XVIII,
in Jornal de Sintra (197?)
MIRANDA, Cabral, Haverá ouro nas areias de S. Julião?, in O Concelho de
Mafra, n. 578 (Jun. 1953)
MONUMENTOS e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, v. 3, Lisboa, 1963,
p. 15-17
PEREIRA, Domingos Machado, Uma avaliação contra a minuta de
Apelação: apelantes: Manuel Simões, do Casal dos Leitões [e] Martinho
Lopes Ferreira, da Carvoeira; apelado: Marciano Lopes, da Lapa da Serra,
pelo advogado do apelado […], Tribunal da Relação de Lisboa, in Trabalhos
Jurídicos [Mafra, 1931], p- 1-10
PEREIRA, Isaías da Rosa, Subsídios para a História da Diocese de Lisboa do
século XVIII, Lisboa, 1980, p. 145-148, p. 223-225 e p. 286
PESTANA, Maria Eugénia, Relógios de Sol, in Boletim Cultural ’94, Mafra,
1995, p. 327-332
PRATAS, Ana Isabel, O concelho de Mafra: a retabulística das freguesias de
Mafra, Ericeira e Carvoeira: relatório do seminário [do curso de licenciatura
em Património Cultural, Departamento de História, Arqueologia e Património
da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve],
Gambelas, 2009
REAL, Mário Guedes, Pelourinhos dos Extintos Concelhos Estremenhos, in
Bol. Junta de Província da Estremadura, s. 2, n. 29-31 (Jan.-Dez. 1952), p. 17
REIS, Horácio, O Concelho de Mafra (Notas Históricas), in O Concelho de
Mafra (Dez. 1955)
RIBEIRO, Mário de Sampaio, Carta a Guilherme Felgueiras, in Bol. da Junta
de Província da Estremadura, s. 2, n. 12 (Mai.-Ago. 1946), p. 208-209
RODRIGUES, Maria de Lurdes, Inventário preliminar dos Fundos
Municipais do Concelho de Mafra – Séculos XVII-XIX: Câmaras extintas
(Gradil, Carvoeira, Cheleiros, Enxara dos Cavaleiros, Azueira, Ericeira).
Nova proposta classificativa, in Boletim Cultural 2004, Mafra, 2005, p. 505-
508
Idem, Inventário das Câmaras Municipais extintas: Azueira, Carvoeira,
Cheleiros, Enxara dos Cavaleiros eEriceira e Gradil, Mafra, 2008

433
SOARES, Ernesto, História da Gravura Artística em Portugal, v. 2, Lisboa,
1941, p. 707, n.º 2387
VENTURA, Margarida Garcez, A Colegiada de Santo André de Mafra (séculos
XV-XVIII), Mafra, 2002 [doc. LXI, XCI, CXVI, CXVII, CXXIII, CXXVIII,
CXXXIII, CXXXV, etc.]
VILAR, Maria do Carmo, Fontes, Chafarizes e Bicas, in Boletim Cultural ’96,
Mafra, 1997, p. 237
Idem, Lavabos de Sacristia, in Boletim Cultural’97, Mafra, 1998, p. 373-374
Idem, Arquitectura e Escultura Monumental Manuelina na Região de Mafra,
in Boletim Cultural 2000, Mafra, 2001, p. 69

Arqueologia

ARNAUD, José Morais, Relatório dos trabalhos efectuados em 1986 no


Concheiro de S. Julião (Ericeira, Mafra), dact. (5 Mai. 1987)
ARNAUD, José Morais / PEREIRA, Ana Ramos, Mafra: S. Julião, in
Informação Arqueológica, n. 9 (1994), p. 62-63
ARNAUD, José Morais / OLIVEIRA, V. Salgado de / JORGE, V. de Oliveira,
Relatório da Campanha preliminar de escavações no Penedo do Lexim
(Verão de 1970), Lisboa, Jul. 1971
BREUIL, Henri, Contribution à l´étude des terrasses quaternaires au
Portugal, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 17, n. 1-4 (Porto,
1989), p. 9-12
BREUIL, Henri / ZBYSZEWSKI, G., Contribution à l´étude des industries
paléolithiques du Portugal et de leurs rapports avec la géologie du
Quaternaire. Les principaux gisements des plages quaternaires du litoral
d’Estremadura et des terrasses de la vallée du Tage, in Comunicações dos
Serviços Geológicos de Portugal, v. 26 (1945), p. 119-186
BREUIL, Henri / VAULTIER, Maxime / ZBYSZEWSKI, G., Les plages
anciennes portugaises entre le cape D’Espichel et Carvoeiro et leurs
industries paléolithiques, in Bulletin des Études Portugaises, v. 1 (Lisboa,
1942) e in Anais da Faculdade de Ciências do Porto, v. 27 (Porto, 1942), p.
161-167) e in Atlantis (Actas e Memorias de la Sociedad Española de
Anthropologia y Etnografia y Prehistoria, v. 16, n. 3-4 (1942), p. 406-411
BYRNE, Inês Nadal de Sousa, A rede viária da zona Oeste do Município
Olissiponense: Mafra e Sintra, in Al-Madan: arqueologia, património e
história local, s. 2, n. 2 (Jul. 1993), p. 41-47
CHOFFAT, Paul, Le Cretacique dans l’Arrabida et dans la contrée d’Ericeira,
in Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, v. 6 (1904-1907), p. 1-
55
FERREIRA, Octávio da Veiga, Guia descritivo da sala de Arqueologia pré-
histórica do Museu dos Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa, 1977

434
Idem, A Pebble Culture ou Peeble Industry em Portugal – breve síntese da
sua descoberta e estudo, in Ciência Actual (Mar.-Abr. 1984), p. 23-25 e in
Lucerna (Homenagem a D. Domingos de Pinho Brandão), Porto, 1984, p. 17-
24
Idem, Portugal Pré-histórico – seu enquadramento no Mediterrâneo, Lisboa,
s. d. [1981]
GANDRA, Manuel J., Bibliografia Mafrense: I. Arqueologia, Mafra, 1993
Idem, Bibliografia Mafrense: I. Arqueologia (Adenda), in Boletim Cultural
’93. Mafra, 1994, p. 367-374
Idem, Bibliografia Mafrense: I. Arqueologia (Adenda III), in Boletim Cultura
’94. Mafra, 1995, p. 367-374
GANDRA, Manuel J. / CAETANO, Amélia, Subsídios para a Carta
Arqueológica do Concelho de Mafra, in Boletim Cultural ’94. Mafra, 1995, p.
252-255
IDANHA, Eugénio [Manuel J. Gandra], Arqueofactos e Artefactos, in Região
Saloia (10 e 27 Abr., 11 Mai., 17 Jun. 1993)
KALB, Philine, O megalitismo e a neolitização no Oeste da Peninsula Ibérica,
in Arqueologia, n. 20 (Dez. 1989), p. 33-38
JORGE, Susana de Oliveira, A Pré-História – dos últimos caçadores-
recolectores aos primeiros produtores de alimentos, in Nova História de
Portugal, v. 1, cap. 2, Lisboa, 1990, p. 75-101
LAUSTENSACH, Hermann, Portugal na época glacial, Coimbra, 1945
LOPES, Fernando M. Peixoto, Quadros sinópticos e Mapas relativos aos
Subsídios para a Carta Arqueológica do Concelho de Mafra, in Boletim
Cultural ’95, Mafra, 1996, p. 237 e 244-245
MACHADO, João L. Saavedra, Subsídios para a história do Museu Etnológico
do Dr. Leite de Vasconcelos – número 1 (anos 1954-1964), Lisboa, 1965
MEDEIROS, José, Uma ara Romana em S. Miguel de Alcainça, s. l. [Mafra],
s. d. [1984]
MEDEIROS, José / PAULO, Jorge R., A criação do Centro de Estudos
Etnográficos para salvaguarda e recuperação do património da Região de
Mafra, in 1ª Jornadas Luso-Brasileiras do Património Edificado –
comunicações, actas, conclusões, Lisboa, 1984, p. 39-41
[MEDEIROS, Sérgio], Cartas ao Director, in O Carrilhão (15 Mai. 1991)
OLIVEIRA, Luís Filipe / SOUSA, Rogério Luís Manita e, Relatório sobre
Turismo Cultural (Dez. 1988)
PENALVA. Carlos, Ensaio de correlação do fácies lusitaniano com as
indústrias do Marrocos atlântico, in Comunicações dos Serviços Geológicos
de Portugal, v. 63 (1978), p. 521-546
Idem, A Peeble Culture de tradição africana em Portugal, in Comunicações
dos Serviços Geológicos de Portugal, v. 65 (1979), p. 215-223
Idem, Vestígios de ocupação musteriense na praia tirreniana de S. Julião
(Ericeira), in Arqueologia, n. 2 (Dez. 1980), p. 3-6

435
PEREIRA, A. Ramos / CORREIA, E. Borges, Duas gerações de Dunas
consolidadas em S. Julião, Ericeira (Portugal), in Actas da I Reunião do
Quaternário Ibérico, v. 1, Lisboa, 1985, p. 323-337
RIBEIRO, Cardim, O "Culto" das Águas, in Jornal de Sintra (14 a 28 Out.
1983)
[O 2º artigo inclui referência à árula da Ericeira, consagrada por Atilia
Amoena a uma fonte inominada, mas que o autor, acertadamente, identifica
com a nascente medicinal de Santa Marta. O III anota a "fonte milagrosa" de
S. Julião (Carvoeira), cujo uso e sacralização atribui à segunda metade do séc.
XVI]
RIBEIRO, Carlos, Vues de la Côte portugaise entre l’estuaire de la rivière de
maceira et Pedra do Frade à l’Ouest de Sezimbra, in Memórias dos Serviços
Geológicos de Portugal, n. 49 (1949)
RIBEIRO, João Pedro da Cunha, A Pré-História – os primeiros habitantes, in
Nova História de Portugal, v. 1, Lisboa, 1990, p. 15-74
ROTEIROS DA ARQUEOLOGIA PORTUGUESA – 1 Lisboa e arredores,
Lisboa, 1986
SOUSA, Ana Catarina, Gestão de Recursos aquáticos na pré-história de
Mafra: o caso S. Julião C, in Homem, Tempo e Ambiente: a Ericeira em Foco
- Actas do III Curso de Verão da Ericeira, Ericeira, 2002, p. 29-40
Idem (coord.), São Julião: núcleo C do Concheiro Pré-histórico, Mafra, 2004
ZBYSZEWSKI, Georges, Contribution à l’étude du litoral quaternaire au
Portugal, in Publicações do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico
da Faculdade de Ciências do Porto, v. 15 (Porto, 1940) e in Anais da
Faculdade de Ciências do Porto (Porto, 1940)
Idem, Le Quaternaire du Portugal, in Boletim da Sociedade Geológica de
Portugal, v. 12, n. 1-2 (1958)
Idem, Conhecimentos actuais sobre o Paleolítico português, in Arqueologia e
História, v. 2 Lisboa, 1966, p. 109-133
Idem, Carta Geológica dos Arredores de Lisboa na escala 1/50000 – Notícia
explicativa da Folha 1 – Sintra, Lisboa, 1961
ZBYSZEWSKI, G. / LEITÃO, N. / PENALVA, C. / FERREIRA, O. da Veiga,
Paleo-Anthropologie du Wurm au Portugal, in Setúbal Arqueológica, v. 6-7
(Set. 1980-1981), p. 7-23
ZILHÃO, João, O Solutrense da Estremadura Portuguesa – uma proposta de
interpretação paleoantroplógica, Lisboa, 1987, p. 46, fig. 18

Linhas de Torres

CRAVO, Domingos José, 3ª Invasão Francesa – Linhas de Torres, Instituto


de Altos Estudos Militares, 1960
GUERRA, Célia Maria Ferreira, O Forte do Zambujal, Escola do Magistério
das Caldas da Rainha, Maio, 1987

436
NORRIS, A. H. / BREMNER, R. W., The Lines of Torres Vedras: the first
three Lines and Fotifications Souuth of the Tagus, s. l., 1980
PEREIRA, Nuno, As Linhas de Torres Vedras no concelho de Mafra: o estado
de conservação dos redutos, in Boletim Cultural 2001, Mafra, 2002, p. 339-
351
SILVEIRA, Carlos / SILVA, Carlos Guardado da / SOUSA, Ana Catarina
/NUNES, Graça Soares, Rota Histórica das Linhas de Torres - Guia, Maia,
2012
SOUSA, Catarina de (coord.), Projecto de Valorização das Linhas de Torres,
Mafra, 2002 [Relatório]
Idem, Mafra na Guerra Peninsular: a Rota histórica das Linhas de Torres,
Mafra, 2011
VALDEZ, José Joaquim de Ascensão, As fortificações das Linhas de Torres, in
Boletim Cultural ’98, Mafra, 1999, p. 599-606

Dom Sebastião da Ericeira

AAVV, O Sebastianismo: Breve panorama dum mito português, Lisboa, Terra


Livre, 1978, p. 11
AAVV, O Falso Dom Sebastião da Ericeira e o Sebastianismo, Mafra, Câmara
Municipal de Mafra, 1998 [inclui contributos de Manuel J. Gandra, Sebastião
Diniz, António de Herrera, Dom João de Castro, Luís Torres de Lima, Pero Roiz
Soares, José Pereira Baião, Alberto Pimentel, Ferreira Deusdado, Vitaliano
Miranda, Salinas Calado, A. Bento Franco e José Jorge Letria]
ALMEIDA, Delfim de, O Rei de Penamacor. O Rei da Ericeira, in História de
Portugal, Lisboa, 1877, p. 236-246
ANÓNIMO, Ein falscher Don Sebastian. Aus Lissabon vom 15. Juni 1585, in
KLARWILL, Victor (Hrsg.), Fugger-Zeitung. Ungedruck Briefe an das Haus
Fugger aus den Jahren 1568-1608, Viena-Lípsia-Munique, Rikola Verlag,
[1922], p. 79 [breve carta remetida de Lisboa, com data de 15 de Junho de 1585,
na qual é relatado o episódio do falso Dom Sebastião da Ericeira, a quem chama
“Mateus Peres”, informando ainda o destinatário que, antes de ter sido
justiçado, o falso rei confessara que fora instigado pelo “inimigo malvado”,
identificado pelo correspondente como sendo *Dom António, prior do Crato]
ANÓNIMO, Novo Sebastianismo, in Diário de Notícias (Lisboa, 14 Nov. 1910)
ANTAS, Miguel d’, Os falsos D. Sebastião (Introd. e notas de Sales Loureiro),
[Lisboa], Heuris, [1985], p. 42-44
ANTERO, Adriano, Os falsos Príncipes, Porto, Imprensa Moderna, 1927, p. 92-
95
BAIÃO, João Pereira, Portugal cuidadoso, e lastimado com a vida e perda do
senhor rey D. Sebastião, Lisboa, António de Sousa da Silva, 1737, p. 732-734
BAVIA, Luís de, Tercera Parte de la Historia Pontifical y Catolica, Madrid,
1652, 261b-263a

437
BERCÉ, Yves-Marie, Le Roi Caché, Paris, Fayard, 1990, p. 40-41
BRAGA, Paulo Drumond, Torres Vedras no reinado de Filipe II: crime, castigo
e perdão, Torres Vedras, 2009, p. 21
CALADO, Salinas, A Senhora Ana Rainha, in Gazeta de Torres (Torres Vedras,
14 Ago. 1928)
CASTRO, D. João de, Discurso da vida do Rey Dom Sebastiam, (Introd. de
Aníbal Pinto de Castro. Reprodução fac-similada da edição de Paris, 1603),
Lisboa, Inapa, 1994, § 26, p. 34-35 [Col. História da cultura portuguesa]
CASTRO, Estêvão Rodrigues de, De simulato Rege Sebastiano: poemation, in
Obras poéticas de Estêvão Rodrigues de Castro: em Português, Castelhano,
Latim, Italiano (Textos éditos e inéditos coligidos, fixados, prefaciados e
anotados por Giacinto Manupella), Coimbra, Universidade de Coimbra, 1967, p.
489-552 [fac-simile da 1ª ed. do poema, dedicada ao Arquiduque Cardeal
Alberto: Florença, 1638]
CHAGAS, Manuel Pinheiro, História de Portugal: Popular e ilustrada, v. 4,
Lisboa, Empresa da História de Portugal, 1900, p. 427-432
Idem, Diccionario Popular, historico, geographico, mithologico, biographico,
artistico, bibliographico e literario, v. 11, Lisboa, 1876-1884, p. 305-309 [falsos
Dom Sebastião]; idem, Les Faux D. Sébastien, in Novos Ensaios Críticos, Porto,
1867, p. 56-67
COSTA, José da, Mateus Álvares, in Gloriosa Pátria, Angra do Heroísmo, Liv.
Andrade, [1940], p. 27 [poema]
CURTO, Diogo Ramada, O Bastião! O Bastião!, in Portugal: Mitos revisitados
(coord. de Yvette Kace Centeno), Lisboa, Salamandra, 1993, p. 147-151 e 169-170
DEL-MAIA, Arte e Arqueologia: A ermidinha de S. Julião, in O Concelho de
Mafra (Mafra, 5 Jan. 1947)
Idem, Arte e Arqueologia: Ainda a ermidinha de S. Julião, in O Concelho de
Mafra (Mafra, 16 Fev. 1947)
DEUSDADO, Ferreira, O D. Sebastião da Vila da Praia, in Quadros Açóricos,
Angra do Heroismo, [s.n.], 1907, p. 109-117
DINIS, Orlando, O Rei da Ericeira, em Banda Desenhada, Ericeira, 2010 [pré-
publicado in O Ericeira (Jul.-Nov. 2010)]
DINIZ, Sebastião, Ericeira um lugar na Literatura (Pref. de Álvaro Guerra),
Ericeira, Mar de Letras, 1997
Idem, Mateus Álvares, Eremita e Rei – Da Ilha Terceira à Ericeira, in O Falso
D. Sebastião da Ericeira e o Sebastianismo, Mafra, 1998, p. 299-312
Idem, Cinco Notícias alemãs sobre o desventurado Rei da Ericeira, in Boletim
Cultural 2002, Mafra, 2003, p. 31-40
DOM SEBASTIÃO: O Rei da Ericeira de Alberto Pimentel e outros textos
(Introd. de J. M. de Almeida), Lisboa, Acontecimento, 1997, v. 1
DOM SEBASTIÃO: O Rei da Ericeira de Marcelino Mesquita (Introd. de J. M.
de Almeida), Lisboa, Acontecimento, 1998, v. 2

438
DRUMMOND, Francisco Ferreira, Anais da Ilha Terceira, Açores, Governo
Autónomo dos Açores, 1981. p. 377 [reimpressão fac-similada da edição de
1850]
FARIA, Jorge de, Estêvão Rodrigues de Castro, in Feira da Ladra, v. 5 (1932),
p. 116-117
FONSECA, António Belard da, Dom Sebastião antes e depois de Alcácer-
Quibir, v. 2, Lisboa, A. B. F., 1978, p. 35-38
FRANCISCO DE SANTA MARIA, frei, Anno historico, diario portuguez, noticia
abreviada de pessoas grandes, e cousas notaveis de Portugal, Lisboa, Oficina
de Domingos Gonsalves, tomo 2, p. 469-470
FRANCO, António Bento, Arte e Arqueologia, in O Concelho de Mafra, (Mafra,
2 Fev. 1947)
dem, Tia Ana Rainha, in Gazeta de Torres (Torres Vedras, 11 Nov. 1928)
FRANCO, António Cândido, Vida de Sebastião Rei de Portugal, Mem Martins,
Europa-América, 1993, p. 170-171
FREIRE, Maria Teresa Geraldes, O poema “De simulato Rege Sebastiano”, de
Estêvão Rodrigues de Castro, in Biblos, v. 58 (Coimbra, 1992), p. 27-47
GANDRA, Manuel, Mateus Álvares, in Da Vida, da Morte e do Além: aspectos
do sagrado na região de Mafra: roteiro monográfico, Mafra, Câmara
Municipal de Mafra, 1996, p. 204-205
Idem, Mateus Álvares, in Dicionário do Milénio Lusíada, Lisboa, 2003, p. 311-
317
GEBAUER, Georg Christian, Der Portugiesische Geschichte von der
Vereinigung dieses Reiches mit Spanien bis auf die itzige Zeiten, v. 2, Lípsia,
1759, p. 16 [escamoteia a dimensão patriótica do episódio]
GRUNDLING, Nicolaus Hieronimus, Ausführlicher Discours über den ietzigen
Zustand Der Europäischen Staaten [...], Francoforte e Lípsia, 1733 [a p. 398-
400, brevíssima referência a Mateus Álvares, a propósito dos “pseudo
Sebastiões”]
HERRERA, Antonio de, Segunda Parte de la Historia General del Mundo,
Madrid, 1601, p. 448-450
[KORN, Christoph Heinrich], Merckwürdigkeiten von Portugal oder
kurzgefasste Nachricht von der Beschaffenheit des Landes, dem Karakter der
Einwohner, und den vielfältigen Staatsveränderungen dieses Königreichs [...],
Francoforte e Lípsia, 1777, p. 34-36 [no terceiro capítulo, dedicado a Filipe I, ao
relatar pormenorizadamente os diversos episódios protagonizados pelos falsos
Dom Sebastião, não omite o de Mateus Álvares a quem chama Gonsalvo
Álvares]
JUAN ATIENZA, G., El Sebastianismo portugués y la tradición del Rey del
Mundo, in La cara oculta de Felipe II: Alquimia y magia en la España del
Imperio, Barcelona, Ediciones Martínez Roca, 1998, p. 211-224
LEITE, Duarte, Os Encobertos, in O Primeiro de Janeiro (Porto, 27 Jan. 1947)

439
LETRIA, José Jorge, Paixão e morte de Mateus Álvares, Lisboa, Inatel, 1992.
[col. Teatro. Novos textos: 2º classificado no concurso Teatro Novos Textos,
1991]
LIMA, Durval Pires de, O ataque dos ingleses a Lisboa em 1598 contado por
uma testemunha, in Lisboa e seu termo: Estudos e documentos, Lisboa,
Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1948, p. 255 e 258
LIMA, Luís de Torres de, Compêndio das mais notáveis cousas, que no Reino
de Portugal aconteceram desde a perda Del-Rey D. Sebastião até ao ano de
1627, Lisboa Ocidental, Oficina de Pascoal da Silva, 1722, cap. 44, p. 379-384
LOUREIRO, Jacinto Heliodoro de Faria de Aguiar / CASTILHO, Júlio de, O Rei
da Ericeira, in Correio Nacional (Lisboa, 31 Dez. 1901 a 4 Mar. 1902)
LOUREIRO, Francisco Sales, D. Sebastião antes e depois de Alcácer Quibir,
Lisboa, Vega, 1978, p. 231 e 233-234
MARQUES, João Martins da Silva, Sintra, estudos históricos-VI: O Rei da
Ericeira e os seus partidários: 1585, in Jornal de Sintra (Sintra, 5 Set. 1937)
MARTINS, Oliveira, História de Portugal, Lisboa, Guimarães Editores, 1972
(15ª ed.), p. 369-370
MARTINS, Rocha, O Rei da Ericeira, in O fantasma de D. Sebastião, v. 2,
Lisboa, 1928, p. 19-32 [ilustração da capa por Raquel Gameiro Ottolini]; idem,
Os Fantasmas de D. Sebastião, in Ver e Crer, n. 40 (1948), p. 25-28
MEDINA, João, O Sebastianismo: exame crítico dum mito português, in
História de Portugal, v. 6, Amadora, Clube Internacional do Livro, 1995, p. 287-
288
MELO, António Craesbeck de, Suplemento a Pedro de Mariz, Diálogos de
Vária História, Lisboa, 1674, p. 527
MESQUITA, Marcelino, O Rei da Ericeira, in Os quatro reis impostores:
Romance da história, Lisboa, José Bastos e C.ª, 1908, p. 197-384
METELLO, Manuel Arnao, Os Vasas em Portugal – Família do Oeste de
origem talvez sueca, in Raízes e Memórias, n. 13 (Out. 1997), p. 53-74
MIRANDA, Vitaliano, Algumas notas da Ericeira, em verso, in O Liberal
(Mafra, 16 Mar. 1924); idem, A história da Ericeira em verso, in O Liberal
(Mafra, 15 Jun. 1924)
PEREIRA, Gabriel, O Rei da Ericeira, in A Vila da Ericeira, Lisboa, Oficina
Tipográfica, 1905, p. 12-15
PERES, Damião (dir.), História de Portugal, v. 5, Barcelos, Portucalense
Editora, 1933, p. 256-257
PIMENTEL, Alberto, O Rei da Ericeira, in Brinde aos Senhores Assinantes do
Diário de Notícias, Lisboa, Tipografia Universal, 1890, p. 115- 148 e in Castelos
de cartas, Lisboa, Libânio & Cunha, 1898, p. 99-138 [Inclui 2 desenhos: Igreja
de Nossa Senhora do Ó e Alto da Forca]
PIRES, António Machado, D. Sebastião e o Encoberto, Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1982 (2ª ed.), p. 61-62

440
RAMALHEIRA, Ana Maria Pinhão, Alcácer Quibir e D. Sebastião na Alemanha
- Representações Historiográficas e Literárias (1578-ca. 1800), Coimbra,
2002, p. 191-195, 450, 477, 514-515, 528 e 557
REGO, Yvonne Cunha (ed.), Miscelânea curiosa de sucessos vários, in
Feiticeiros, profetas e visionários: textos antigos portugueses, Lisboa,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Biblioteca Nacional, 1981, p. 181-244
RIBEIRO, José do Patrocínio, O Rei da Ericeira: Romance histórico, in O
Correio de Mafra, (Mafra, 19, 24 Dez. 1901; 9, 16, 23 e 30 Jan.; 6, 13, 20 e 27
Fev.; 6, 13, 20 e 27 Mar.; 3 e 10 Abr.; 15, 22 e 29 Mai. 1902) [incompleto, tendo
sido publicada apenas a primeira parte (19 folhetins), intitulada “O Ermita de S.
Julião”]
SARAIVA, José Hermano, Ericeira e sebastianismo, in Itinerário português: O
tempo e a alma, Lisboa, Gradiva, 1987, p. 274-278
SCHMAUSS, Johann Jacob, Der neueste Staat des Königreichs Portugall, und
der darzu gehörigen Länder inn- und ausserhalb Europa [...], Magdeburgo,
1714, p. 562 [chama Gonsalvus Alvarez a Mateus Álvares, eremita na Hizera, i.
e., na Ericeira, que decidiu “representar a comédia”, porque, como havia
chegado ali de barco, a população local acreditando que se tratava de Dom
Sebastião, começara a tratá-lo com grandes mordomias] SERRÃO, Joaquim
Veríssimo, História de Portugal, v. 4, Lisboa, Verbo, 1990 (2ª edição rev. e
melhorada). p. 389
SILVA, César da Silva, A Corte da Ericeira (Folhetim), in SILVA, J. d’Oliveira e,
Anais da Vila da Ericeira: Registo cronológico de acontecimentos referentes à
mesma Vila, desde 1229 até 1932, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933, p.
21 e 109-110
SILVA, Luís Augusto Rebelo da, História de Portugal nos séculos XVII e XVIII,
v. 3, Lisboa, Imprensa Nacional, 1867, p. 100-103
SOARES, Pero Roiz, Memorial (Leitura e revisão de Manuel Lopes de
Almeida), Coimbra, Universidade de Coimbra, 1953, p. 224-228
TEIXEIRA, José, Adventure Admirable par dessus toutes autres des siècles
passez et presents. Qui contient un discours touchant les succez du Roy de
Portugal, Don Sebastien... [s. l.], 1601, p. 33 VALENSI, Lucette, Fábulas da
Memória: A gloriosa batalha dos três reis, Porto, Edições Asa, 1996, p. 146-147
VALENSI, Lucette, Fábulas da Memória: A gloriosa batalha dos três reis,
Porto, Edições Asa, 1996, p. 146-147
VENTURA, Margarida Garcez, O “rei da Ericeira”: um entremez de várias
esperanças, in Colóquio O Sebastianismo: política, doutrina e mito (séc. XVI-
XIX), Lisboa, 2004, p. 214-247

Religião

ALMEIDA, Raúl de, A Ermidinha de S. Julião: Os Círios, in Bol. da Junta de


Provincia da Estremadura, n. 23 (1950), p. 77-78

441
ANÓNIMO, O Scisma religioso em Mafra ou a grave desintelligencia entre os
povos d’aquela freguezia e o seu parocho encomendado, Lisboa, 1877
COMPROMISSO da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra. Do
logar da Carvoeira, freguezia de N. S. do Ó do Porto, concelho de Mafra,
Mafra, Typografia Mafrense, 1867
GANDRA, Manuel J., Achegas para o estabelecimento do Corpus das Loas da
Senhora da Nazaré no concelho de Mafra, in Boletim Cultural 2001, Mafra,
2002, p. 551-552

Loas do Círio da Prata Grande (por ordem cronológica)

Expressões do puro contentamento de que estão penetrados os festeiros da


freguezia de Nossa Senhora do Porto, quando recebem das mãos dos da
Ericeira Nossa Senhora da Nazareth (1813), Lisboa, Imp. Regia, 1813 [BN: L
600 A]
Hymnos devotos que os festeiros da freguezia de N. Senhora do Porto
consagrão á Senhora da Nazareth quando vão receber a sua bandeira,
Lisboa, Imp. de A. L. d'Oliveira, 1830 [BN: L 600 A]
Hymnos Devotos que os mordomos festeiros da Freguezia de Nossa Senhora
do Porto consagrão á Senhora da Nazaré, No Anno de 1831, Lisboa,
Impressão Régia, 1831.
Vivas demonstrações de jubilo, com que os festeiros da freguesia de Nossa
Senhora do Ó, do Porto, vão receber a Bandeira de Nossa Senhora da
Nazareth, Lisboa, Typ. de Mathias José Marques da Silva, Rua do Ouro nº5,
1847 [BN: L 1138 A]
Hymnos de louvor com que es festeiros de N. Senhora do O' do Porto,
cenduzem a imagem de N. Senhora da Nazareth [...], Lisboa, Typ. José
Marques da Silva, 1848 [BN: L 1138 A]
Canticos on hymnos sacros com que os festeiros de N. S. do Porto da
Carvoeira recebem a bandeira da Virgem da Nazareth, Lisboa, Typ.
Universal, 1882 [BN: L. 600 A]
MAGALHÃES, António Pedro Barreiros, Piedosos canticos Com que os
devotos festeiros de Nossa Senhora do Porto da Carvoeira recebem a
Bandeira de Nossa Senhora da Nazareth e sua Milagrosa Imagem na Villa
da Ericeira E a conduzem á sua freguezia, onde lhe rendem cultos solemnes
de Devoção e Piedade, no dia 9 de Outubro de 1898, Lisboa, Typ. de F. Silva,
Rua de Santo Antão, 89 e 91.
Idem, Piedosos canticos a Nossa Senhora da Nazareth offerecidos em sua
honra pelos Devotos festeiros da freguezia do Porto da Carvoeira por
occasião das festas celebradas nos dias 20 e 27 de Agosto de 1899; Da
romaria ao Real Templo da Nazareth; E da entrega da bandeira aos
mordomos de Alcainça em Setembro do mesmo anno, Lisboa, Liv. e Typ. de
F. Silva, 89, Rua de Santo Antão, 91, 1899.

442
[SILVA, Martinho Lopo da], Hymnos Sacros recitados na recepção da
veneranda imagem de Nossa Senhora de Nazareth, Na freguezia da Senhora
do Ó do Porto da Carvoeira, No dia 10 de Outubro do anno de 1915.
Hymnos Sacros com que os devotos festeiros de Nossa Senhora do Ó do
Porto da Carvoeira festejam a veneranda imagem de Nossa Senhora de
Nazareth, No dia 20 de Agosto do anno de 1916.
Hinos Sacros recitados na recepção da veneranda imagem de Nossa
Senhora da Nazaré da Freguezia da Senhora do Ó do Porto da Carvoeira, no
dia 13 de Setembro do ano de 1932, Mafra, Tip. Liberty.
MARÇALO, Francisco, Hinos Sacros com que os devotos festeiros de Nossa
Senhora do Ó do Porto da Carvoeira festejam a veneranda imagem de Nossa
Senhora da Nazaré, No dia 27 de Agosto do ano de 1933. Compostos por […],
do lugar da Baleia, Mafra, Tipografia Liberty.
Idem (da Baleia), Hinos Sacros recitados na recepção da milagrosa imagem
de Nossa Senhora da Nazaré em S. Pedro da Ericeira e na sua condução
processional para a Freguesia de Nossa Senhora do Ó do Porto da Carvoeira
No dia 17 de Setembro de 1949.
Idem, Hinos sacros em honra da Veneranda Imagem de Nossa Senhora da
Nazaré Na freguesia de Nossa Senhora do Ó do Porto da Carvoeira no dia 10
de Setembro de 1950. Typ. Liberty, Mafra, 1950.
Idem, Loas dedicadas a Nossa Senhora da Nazaré pelos festeiros da
Freguesia de Nossa Senhora do Ó do Porto da Carvoeira, Setembro de 1966,
Mafra, Elo.
Loas a Nossa Senhora da Nazaré dedicadas pelo Povo da Freguesia da
Senhora do Ó do Porto da Carvoeira, Carvoeira, Setembro [aliás, Agosto] de
1967, [Mafra], Elo, 18/8/1967.
LEITÃO, João de Sousa, Carvoeira Nossa Senhora do Ó: Loas que a
Freguesia da Carvoeira dedica à Veneranda Imagem de Nossa Senhora da
Nazaré, Setembro/1983.
PEDROSO, Inácio (Igreja Nova), Carvoeira Nossa Senhora do Ó: Cânticos de
Louvor, Cantados pelos Anjos da Freguesia de N. Senhora do Ó da
Carvoeira, em louvor a Nossa Senhora da Nazaré nas festas do dia 2 de
Setembro de 1984 e na entrega da veneranda Imagem à Freguesia de S.
Miguel da Alcainça Grande, em 15 de Setembro de 1984.
FONSECA, José da (Baleia) /GASPAR, Afonso Batalha (Carvoeira), Freguesia
da Carvoeira – Loas a Nossa Senhora da Nazaré: dedicadas pelos festeiros
da Paróquia de Nossa Senhora do Porto (Srª do Ó), ao receber a veneranda
imagem em 16 de Setembro do ano 2000, [Carvoeira], 2000
FONSECA, José da, Loas a Nossa Senhora da Nazaré: freguesia da
Carvoeira: dedicadas pelos festeiros da Paróquia de Nossa Senhora do Porto
(Srª do Ó), na festa de 25 de Agosto de 2001, na ida ao Santuário da Nazaré
em 9 de Setembro de 2001 e na entrega da Veneranda Imagem aos festeiros
de Alcainça, em 15 de Setembro de 2001, Sobreiro, Gráfica Sobreirense,
[2001]

443
Manuel J. Gandra

Licenciado em Filosofia (Faculdade de Letras – Universidade Clássica


de Lisboa). Enquanto Investigador, tem-se consagrado à investigação
da História e da Geografia Míticas de Portugal (nomeadamente no que
concerne às Ordens do Templo e de Cristo, ao Culto do Império do
Divino Espírito Santo, ao Sebastianismo e ao Hermetismo), da
iconologia da Arte portuguesa e da Circunstância Mafrense, temas
sobre os quais se tem debruçado em publicações, colóquios,
seminários, encontros, conferências, palestras, visitas guiadas e
programas televisivos. Foi professor dos ensinos preparatório e
secundário, tendo lecionado na Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa e no IADE. Entre 1990 e
31 de Agosto de 1999, foi Coordenador dos Serviços de Cultura da
Câmara Municipal de Mafra. Actualmente, é Professor na Escola
Superior de Design do IADE-U. Coordenador Científico da Biblioteca
António Quadros (IADE-U). Investigador do CLEPUL (Faculdade de
Letras de Lisboa), Colaborador da UNIDCOM (IADE-U) e das
Revistas Nova-Águia e Identidades Oceânicas. Membro do Conselho
Consultivo do MIL e da Associação Identidades Oceânicas (IDEO,
Brasil) e Director do Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica

445
[www.cesdies.net] que fundou em 19 de Abril de 1997, com sede em
Mafra e actuando no Rio de Janeiro-Brasil, mediante uma parceria
institucional com o Instituto Mukharajj Brasilan.

Autor de artigos, opúsculos e obras versando a História e a Geografia Míticas


de Portugal, nomeadamente:

Portugal: Terra lúcida, Porto do Graal (1986); Bibliografia crítica das fontes e
estudos respeitantes ao Hermetismo em Portugal: Alquimia (1993); Carrilhões
de Mafra (1993); Apocalipse de Esdras: ecos nas letras e na arte portuguesas
(1994); Cheiros, Sabores e Comeres regionais de Mafra: tradição e
modernidade (1998); Regra Primitiva da Ordem do Templo (1998); A
Cerâmica Tradicional de Mafra (1999); Joaquim de Fiore, Joaquimismo e
Esperança Sebástica (1999); Os Templários na Literatura (2000); O Império
do Espírito Santo na Região de Tomar e dos Templários (2000); Colecção
Maçónica Pisani Burnay: catálogo (2000); O Monumento de Mafra de A a Z,
v. 1 (2002); A Cristofania de Ourique: mito e profecia (2002); Dicionário do
Milénio Lusíada (2003); A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (2004); O
Projecto Templário e o Evangelho Português (2006); Portugal Sobrenatural
(2007); Da Face Oculta do rosto da Europa (2009), 2ª ed.; Astrologia em
Portugal – Dicionário Histórico-Filosófico (2010); Iconografia e Iconologia:
estudos, notas e fontes de cultura visionária (2012); Livro das Profecias de
Cristóbal Colón (2013); Amuletos da Tradição Luso-Afro-Brasileira (2013);
Florilégio de Tradições do Concelho de Mafra (2013); O Anjo da Saudade: da
Hierarquia Celeste e do Custódio de Portugal (2013); O Projecto Templário e
o Evangelho Português (2013), 2ª ed. revista e ampliada; Fernando Pessoa:
Hermetismo, Iniciação, Heteronímia (2013); Mafra, do ocaso da Monarquia,
ao advento da República (2013); Itinerários da Monarquia Constitucional
em Mafra (2013); Hagiografia de D. Sebastião: de desejado a encoberto
(2014); Cátaros para um Languedoque Português (2014); António Augusto
Carvalho Monteiro: imaginário e legado (2014); Palácio Quintela:
Iconologia do Programa Pictórico (2014); As Ilhas Míticas do Imaginário
Luso: fontes e iconografia (2014); Os Templários na Literatura de Língua
Portuguesa (2014); etc.

Contactos:
Site: www.cesdies.net
Email: manueljgandra@gmail.com

446

Você também pode gostar