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SEGUNDO CANTO:

Não interessa o tamanho


Não se é grande nem pequeno
Senão no halo que exala.

Vibração ritmo arreganho


De um amor forte e sereno
Pela língua que se fala.

E dessa língua o embalo


Maternal de profetiza
Fica a doce emanescência.

É disso que agora falo


Realmente não precisa
De uma grande eloquência.

De verso qualificado
Na popular cantoria
Ressoa a voz do destino.

Não int’ressa se tem estado


Polícia ou burocracia
Na pátria que eu imagino.

II

Int’ressa que tem um som


Em que se acumula e canta
Nos interstícios da história.

Desse canto vem o tom


Que nesse tempo levanta
Uma linha divisória.

Entre o que é plácido e chão


E o que se espalha no vento
Violetas malvasias.

Total configuração
Ritmo som e pensamento
Que da vida leva os dias.

Assim se faz a memória


Sonhos mordaças apelos
Que ficam tingindo o ar.

1
Tudo o mais é da vanglória
Dos horrores e desmazelos
Em quem se queira mandar.

III

Minha avó fazia azeite


Colecionava quebrantos
Catava amêndoas e figo.

Bocejava no deleite
Da dobra dos seus encantos
Fez até isso comigo.

Passei pelos calendários


Dos anos que a vida passa
Sempre gostei do Setembro.

De alguns Agostos de vários


Tinha sempre muita pressa
E dos outros não me lembro.

Tudo é encanto e lira


Tudo se arruma por fim
O que fica é só o tento.

A semente que se atira


Ao vento que existe em mim
Dissolvendo o pensamento.

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XXXVII

Um lugar que permanece


E o lugar é sempre esse
Plantado como um cipó.

Onde tudo o que acontece


É como se acontecesse
Na casa da minha avó.

Onde a rua larga é estreita


E a estreita é pavimentada
E o adro da igreja.

P’ra que da pessoa inteira


Quando acesa e empolgada
A inteireza se veja.

Existe um lugar assim


Onde o que se diz atinge
Os confins do universo.

Uma torre de marfim


Um labirinto uma esfinge
Em que o sonho vive imerso.

XXXVIII

E onde tudo o que se faz


Se diz acontece ou há
É maior que o pensamento.

Nada mais a vida traz


E a alma quer mais quiçá
Mais augúrio mais momento.

Rói do tempo as engrenagens


Procurando uma resposta
P’ra perguntas já esquecidas.

Mais distâncias mais paisagens


Navegando costa a costa
As rotas de muitas vidas.

E quando a saudade assalta

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Reminiscência ou vontade
Lembra-se o lugar dilecto.

Onde existe toda a malta


E gargalhada e verdade
Dessa que eu já tenho dito.

XXXIX

Existe esse lugar onde


Um patamar se imagina
Delirante e iconoclasta.

Se diz que já tem avonde


Onde se vive da sina
De a vida lhe ser madrasta.

Sempre estando agora e indo


Nesse lugar perifrástico
Onde onde se torna quando.

Onde o sol vive sorrindo


E o céu de um azul fantástico
Adormece se encantando.

De clamor forte e fecundo


Tem um sol no coração
Tem cobra tem javali.

Existe um lugar no mundo


Bem perto da imensidão
Que é o lugar onde eu nasci.

XL

A pátria é um eco cavo


São da praia ainda os limos
De uma pesca generosa.

A pátria que aqui descrevo


São as palavras que ouvimos
Da boca da mãe extremosa.

Vogando sobre os compassos


De uma canção infinita
E de bem-aventurança.

Num desenho em cujos traços


A cor da loucura grita
E onde a dor é sempre mansa.

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Para chão um promontório
Fome e vontade de ser
De uma existência longínqua.

Mar e céu por território


Se mais pátria não houver
A minha pátria é a língua.

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