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As Quatro

Nobres Verdades
eo
Caminho Óctuplo

Enio Burgos

BODIGAYA
As Quatro Nobres Verdades
e o Caminho Óctuplo
Copyright 2007 © Enio Burgos
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Autor:
Enio Burgos

Revisão:
Lígia Margaret Hertzer

Este livro eletrônico não gera dano ecológico.


Ainda assim, ao ler um livro, plante uma árvore.

Produzido no Brasil - março de 2007


As Quatro Nobres Verdades
e o Caminho Óctuplo

As chamadas “Quatro Nobres Ver-


dades” constituem uma fabulosa e im-
pressionante síntese do Darma, os
ensinamentos proferidos pelo Buda
Sakiamuni. Curiosa e infelizmente, no
entanto, a maioria das pessoas quase des-
conhece (ou conhece superficial e incom-
pletamente) este ensinamento tão funda-
mental.
Vivo comentando que os ensina-
mentos e orientações contidos nos Sutras,
no fundo, fazem-nos penetrar numa
imensa sala de espelhos e, em geral, as
pessoas correm um sério risco de, exa-
minando o conteúdo da sala, saírem dali
desencantadas, sem terem encontrado o
que desejavam e procuravam tanto... En-
tão, precocemente, elas tendem a concluir
que o Darma não pode promover qual-
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

quer benefício, ou que não tem “utilida-


de no mundo em que vivemos”. Diga-
se, de passagem, que alguns indivíduos
mais atilados, mesmo dentro de escolas
e linhagens budistas estabelecidas, po-
dem descobrir maneiras diversas de se
beneficiarem e de tornarem o Darma, de
algum modo, rentável aos seus propósi-
tos mundanos, mas isso só confirma o
fato de estarem vendo, ali, a sua própria
mente ordinária. Tais atitudes impressi-
onantes apenas demonstram e confir-
mam o fato de que a mente é mesmo a
poderosa jóia realizadora dos desejos,
sejam eles quais forem...
Um outro claro exemplo do efeito
“especular” dos ensinamentos transpa-
rece, geralmente, quando um tradutor
cristão, ao ler um determinado Sutra, en-
xerga ali um “cristianismo muito eleva-
do”. Um tradutor espírita, ao ler o mes-
mo Sutra, enxerga ali um “espiritismo
muito elevado” e assim por diante. E os
Sutras sequer tratam de religião! Mesmo

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Enio Burgos

um tradutor ateu, por sua vez, ao


examiná-los, enxerga neles o “ateísmo
mais elevado”! Por conseguinte, os
Sutras operam como se fossem espelhos
extremamente sutis daquela mente que
os lê e devem ser abordados e aprecia-
dos com plena consciência disso, sob
pena de sua função precípua ser
desperdiçada, perdida, pois as pessoas
não estão conscientes de que, quando
examinam o Darma, olham para dentro
de si mesmas. Elas observam, mas, não
percebendo o que, de fato, está ocorren-
do, deixam de persistir pelo tempo mí-
nimo necessário para que sua prática de
meditação realmente “aconteça”. As en-
trelinhas, os bastidores das suas corren-
tezas mais profundas, deixam de ser
acessados e reconhecidos. Nenhum des-
pertar é atingido. Portanto, a maioria aca-
ba perdendo a chance potencial de
autoconsciência e auto-realização, laten-
tes e verdadeiramente presentes ali – ou
de realizarem um encontro com sua “es-

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

sência feliz”. Então, veremos aqui que o


Darma do Buda atua numa dimensão ex-
tremamente sutil, imaterial, qual seja: a
mente. Poucos são os que chegam, algum
dia, a flagrar-se diante desse incrível es-
pelho, especialmente quando não com-
binam, junto à leitura, ou ao estudo aca-
dêmico, a prática meditativa necessaria-
mente associada. Espero contribuir para
melhorar tal processo.
Mesmo os assim considerados
“conselhos externos”, como os Cinco Pre-
ceitos, por exemplo, apesar de parecerem,
não são meras normas de boa conduta e
comportamento ético. São vistos assim
pelas pessoas, ou seja, como um conjun-
to de normas práticas de boa convivên-
cia a ser empregado no trato com os de-
mais. Claro que isso é extremamente po-
sitivo, especialmente num mundo cada
vez mais populoso, egoísta e violento,
mas não é suficiente, nem se restringe a
isso. Quando realmente considerados e
corporificados pela pessoa, tais “conse-

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Enio Burgos

lhos”, na verdade, atuam conservando e


redirecionando uma energia mental (que
se torna “extra”, adicional, e de qualida-
de incomum) que é capaz de impulsio-
nar o praticante através de novos e sur-
preendentes estados mentais, mais sutis
e elevados, antes completamente inaces-
síveis, inalcançáveis e até mesmo invisí-
veis e indescritíveis. A “função” que o
Darma exerce e que se realiza
subjacentemente, é a ampliação da liber-
dade e domínio no único âmbito em que
isso pode ser efetivo, verdadeiro e real,
qual seja, no âmbito interno. Por mais que
desejemos obter mais liberdade exterior,
por exemplo, de ir e vir num mundo sem
fronteiras, isso seria uma quimera, pois,
em última instância, mesmo que vivês-
semos num mundo sem cárceres, ainda
assim, estaríamos presos ao nosso corpo
e, sobretudo às demandas, limites e res-
trições impostos por nossa mente ordi-
nária e seu carma associado. Uma mera
liberdade exterior, sem limites geo-polí-

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

ticos ou econômicos, sonho que tantos


acalentam, proclamam e enaltecem, é só
uma fantasia de quem não percebe, ou
não tem sequer noção da verdadeira “pri-
são mental” em que vive e habita. As
pessoas querem ser boas, fazer o bem e
evitar o mal, mas sua mente não as deixa
realizar isso. Mesmo num mundo sem
fronteiras, quem estaria livre da sua men-
te obssessivo-compulsiva, que arrasta,
faz arder e acorrenta a todos no sofrimen-
to? Sofrendo, espalhamos mais sofrimen-
to. Sofrendo, fazemos os outros sofrerem
por nossa causa, e este é um efeito que se
propaga além das nossas vidas, pelas ge-
rações sem fim, num ciclo vicioso
atemporal e incessantemente. (Aliás, so-
bre este prisma e base de análise, eu gos-
taria muito de tentar reescrever e dar
nova luz à “influência espiritual”
estabelecida no famoso Livro dos Espíri-
tos, de A. Kardec, pois penso que ele,
involuntariamente, equivocou-se, to-
mando, digamos assim, a sombra do pás-

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Enio Burgos

saro como se fosse o próprio pássaro –


mais detalhes em Medicina Interior, A
Medicina do Coração e da Mente, segun-
da edição, Enio Burgos, Ed. Bodigaya,
2006 ).
Sem termos consciência, vivemos
aderidos à nossa mente, escravos dos
nossos pensamentos compulsivos, presos
e algemados ao viés de observação e in-
terpretação que fazemos acerca de tudo
o que vivenciamos. As energias de hábi-
to que cultivamos diuturnamente, nos
dominam por completo. Nem fazemos
uso do “direito de espernear”, pois obe-
decemos aos reclames da mente como
fantoches ou marionetes. Nossa mente é
todo o problema. Todos os obstáculos e
empecilhos verdadeiros que enfrentamos
são imateriais e estão dentro de nós. Não
há obstáculos exteriores verdadeiros, as
“grades” não existem no mundo mesmo,
pois são subprodutos da mente, por mais
que nosso dedo indicador insista em
apontar para algum responsável “fora”

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

de nós mesmos. Os reais problemas, di-


ficuldades, limitações e inimigos são
“fantasmas” criados e sustentados ape-
nas pela nossa própria imaginação e
criatividade descontrolada. Nossa men-
te reina absoluta, incontestada. Diante
dela, somos como crianças indefesas. Ela
nos seqüestra e, usando seu pleno poder,
faz-nos cumprir a todas as suas exigên-
cias e caprichos, por mais insanos e he-
diondos que possam ser. Tente, apenas
como um exercício, por exemplo, imagi-
nar o que seria “ir contra a sua mente”, e
já terá uma noção do tamanho do “pon-
to cego” ao qual estamos atrelados. (Tudo
o que você pensar em realizar para “ir
contra” ela, ainda será a sua mente co-
mandando e decidindo o que você deve
fazer!) Simplesmente nos parece impos-
sível deixá-la de lado, falando e ordenan-
do sozinha, por um instante sequer, qui-
çá abandoná-la em seu tagarelar inces-
sante, pois ela nos agarra e subjuga com
uma força terrível, mas..., felizmente, não

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Enio Burgos

completamente irresistível.
Quando Simbad, o marujo,
aportou numa ilha que lhe era totalmen-
te desconhecida e misteriosa, resolveu
dormir um pouco para descansar. Porém,
isso lhe custou caro. No momento em que
acordou, havia um ser demoníaco, um
animal muito estranho, monstruoso,
meio macaco, meio cabra, meio javali,
meio gente, fortemente agarrado ao seu
pescoço pelas patas traseiras e rabo.
Quando Simbad levantou, tentando li-
vrar-se, tinha o animal bem sentado em
seus ombros, agarrado à sua cabeça, sem
que nada pudesse fazer... Ao menor si-
nal de reação, as pernas do monstro es-
trangulavam Simbad como um tornique-
te fortíssimo e irresistível. Então, o ho-
mem viu-se completamente refém, à mer-
cê, como se fosse um verdadeiro “cavalo
humano”, tendo de obedecer a todas as
ordens da fera e realizar seus desejos:
“Faça isso! Vá por aqui! Quero comida! Ago-
ra, água! Ande! Vamos! Quero mais! Quero

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

Maaaiiiss!!!” Caso ele se negasse a cum-


prir, era imediatamente estrangulado,
sufocado... Esta é uma estória muito in-
teressante! Porém, mais interessante ain-
da, foi a maneira como Simbad conseguiu
libertar-se. Certo dia, enquanto a besta o
fazia desbravar o lugar em busca de di-
versão e alimentos, Simbad avistou uma
parreira carregada de uvas num canto da
ilha e teve uma grande idéia: disse ao
“seu amo” que sabia fazer um bebida
deliciosíssima, maravilhosa, com aque-
las frutas. A princípio, o monstro recu-
sou, mas, diante dos incríveis elogios fei-
tos à bebida, finalmente concordou que
ela fosse preparada. Então, deixando fer-
mentar bastante o suco extraído das uvas,
Simbad preparou o vinho mais forte de
sua vida, uma bebida encorpada que,
para sua sorte, era desconhecida daque-
le ser. Tendo adorado o sabor e o efeito,
totalmente embriagado, o parasita
quedou para um lado, inconsciente, qua-
se em coma alcoólico, e Simbad aprovei-

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Enio Burgos

tou para escapulir dali rapidamente...


Muito interessante, não? Este método, ali-
ás, é bem semelhante ao que muitos de
nós utilizamos quando um sofrimento
muito agudo invade nossas vidas. Sufo-
cados por nossa própria mente, procura-
mos uma “saída de emergência”... No
nosso caso, é raríssimo encontrar alguém
consciente de que já está dominado, escra-
vizado, refém, pois o “monstro insaciável”
está “instalado” por dentro, naquilo que
denominamos de “minha mente”, e não
agarrado externamente ao nosso corpo.
Isso é muito interessante, não? Tentamos
nos livrar da mente (samsárica), usando
todos os meios e artifícios, “amortecen-
do” nossas faculdades psíquicas, nosso
discernimento e juízo, com todo tipo de
substâncias e expedientes. Colocamos o
cérebro em “stand by”, como se isso fos-
se solucionar nossas mazelas ou, enfim,
pudesse aplacar ou apagar a dor psico-
lógica que sentimos. Tentamos calar a voz
tagarelante que nos aflige dia e noite.

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

Nossa mente nos reprime, adula, xinga,


pragueja, perturba, inquieta e, sobretu-
do, deseja e demanda, ordena e exige,
incontrolável e livremente, sem freios
nem limites, exatamente como a fera da
estória de Simbad. Porém, mesmo em-
pregando todos os expedientes possíveis
e imagináveis – geralmente muito noci-
vos, como beber, fumar, ingerir calman-
tes, antidepressivos, ou, então, entregar-
se à autogratificação ou, igualmente, à
autopunição– descobrimos, a duras pe-
nas, que nada disso resolve! Os proble-
mas não diminuem nem desaparecem e
até se ampliam. Nossa dor e desespero
permanecem, e ainda ficamos presos a
medicamentos, compulsões, neuroses e
hábitos que afetam nossa atenção, saúde
e equilíbrio psíquico. A nossa lucidez e
capacidade natural de ver e compreen-
der ficam obliteradas. Em resumo, adia-
mos a paz e a felicidade que almejamos.
Atuamos sempre “fora de nós”, na “pe-
riferia”, como se a fonte ou a causa de

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Enio Burgos

nossas dificuldades estivesse exclusiva-


mente no mundo exterior. Temos a ilu-
são de que devemos “mudar o mundo”,
transformar as pessoas, quando a nossa
verdadeira tarefa seria a de prospectar o
“centro” do nosso ser com plena atenção;
até “desvendá-lo”, ou seja, até “desatar
a venda que recobre nossos olhos” o que
nos faria acordar do pesado sono da nos-
sa ignorância e estupidez. Uma única ta-
refa para uma única pessoa. A quantida-
de de energia gasta nisso seria apenas
uma fração da que já empregamos para
manter nosso sofrimento e mergulho na
existência condicionada. Jesus e Buda
atuaram sobre si mesmos, eles não pre-
tendiam mudar o mundo exteriormente,
mas até hoje, milhares de anos depois,
milhares de pessoas ainda são transfor-
madas e influenciadas pelo exemplo de-
les. Mas, como perceber isso se nem sus-
peitamos de que uma “instalação artifi-
cial e egóica” opera nos bastidores, “por
trás dos olhos” e não na frente deles? Re-

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

quer muita maturidade ver, aceitar, com-


preender e buscar meios de liberacão real,
diante dessa constatação. É apenas bom
senso, não religião.
É no “sutil” que devemos procu-
rar a verdade, o real e o causal. É na men-
te que se engendram todas as situações.
Ali elas principiam, definem-se e termi-
nam. É ali que todos os eventos de nossa
vida nascem, crescem e morrem. É ali que
eles aparecem, perduram e desaparecem.
O mundo material é tão concreto e real
quanto um arco-íris ou uma aurora
boreal. Devido a certas causas e condi-
ções, ele surge, mantém-se por certo tem-
po, para desaparecer em seguida. O mun-
do material é um reflexo, uma aparição
fantasmagórica mais densa, aparente, o
fenótipo que expressa a base ou o “chão
sutil” subterrâneo, subjacente– e que, in-
felizmente, escapa à visão embaçada e
contaminada. Se você assiste a uma pes-
soa beijando outra na rua, a cena pode
ser tocante e linda, mas quem garante a

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Enio Burgos

intenção, o que está acontecendo inter-


namente, sutilmente? Será um beijo de
amor puro e verdadeiro? Um beijo fingi-
do? Um beijo fatal? Você vê uma mulher
oferecendo uma maçã para uma criança
pobre. A cena é tocante, mas, pode ser
uma traficante tentando viciar mais um
inocente, tentando roubar mais uma
consciência e um dos nossos filhos... É na
dimensão sutil, invisível, interior, que
está a realidade e a verdade do que está
se desenrolando externamente... O que
vai na mente é o que importa. É ali que
se fixam as nossas verdadeiras raízes e
onde se arquiteta o carma.
Quando se atua nessa dimensão
sutil, a “vida externa” da pessoa, em si,
pode não apresentar nenhum sinal de
“melhora” no sentido mundano– e bus-
car alívio financeiro, material, ou mesmo
psícológico não significa, de fato, melho-
ra alguma no que se refere ao
supramundano. Isso seria apenas mais
ilusão, ou a prática já consumada e dis-

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

seminada de “estelionato espiritual”.


Sim, talvez essa tenha sido, exatamente,
a motivação maior para que fossem da-
dos os primeiros passos até os portais do
Darma... o desejo de que o sofrimento e
as agruras materiais da existência se ar-
refeçam... mas, voltar a mente para o
Darma, buscar este contato auspicioso,
conduz a uma realidade que pode dife-
rir muito do reino dos desejos munda-
nos. O fluxo da verdade maior pode ser
indecifrável, insondável, decepcionante
e irritantemente impessoal.
Mesmo o praticante sincero pode
desalentar-se, desencantar-se e desistir
rapidamente da sua prática se tiver obje-
tivos, desejos sutis (ter mais calma, paci-
ência e sabedoria no cotidiano) ou con-
cretos, como conquistar transformações
objetivas, “dentro do mundo”. Olhando
para a sua situação, a pessoa pode sen-
tir-se muito frustrada. Talvez o(a)
namorado(a) pudesse tornar-se mais
atencioso(a), talvez os pais pudessem tor-

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Enio Burgos

nar-se menos exigentes e autoritários, tal-


vez o custo de vida devesse cair; talvez
não devesse ser despedido(a), talvez de-
vesse ganhar na loteria, ou deixar de sen-
tir-se sempre deprimida, desanimada,
estressada e cansada de tudo... afinal, ela
está meditando e tentando controlar-se
como nunca! As condições podem até pi-
orar! No Damapada, o Buda diz, com to-
das as letras, que o caminho é fácil para
o corrupto, o enganador, mas não o é para
aquele que persevera na senda da virtu-
de. Mas, o corrupto, em sua avidez, co-
lhe frutos verdes demais e provará seu
sabor mais adiante, quando eles mostra-
rão o seu intenso amargor... É importan-
tíssimo dizer, especialmente num mo-
mento em que proliferam “líderes” e
“gurus”, que nenhum ensinamento ver-
dadeiro jamais vinculou a realização in-
terior a conquistas financeiras, estabili-
dade econômica, viver em palacetes, ob-
ter fama, reconhecimento, ou outras van-
tagens dentro do mundo convencional,

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

muito antes pelo contrário. Buda e Jesus


sempre apontavam para a
insubstancialidade, para a qualidade
onírica desse mundo e dos apegos que
os homens tendem a estabelecer com
aquilo que é efêmero e provisório. Buda
e Jesus não acreditavam na “concretude
absoluta” do mundo, seus objetos e coi-
sas. A “concretude” que o mundo possui
é aquela atribuída a ele pela mente que o
vê. A realidade última, por seu turno,
possui apenas qualidades e “riquezas”
que não são palpáveis nem passíveis de
serem guardadas em cofres. Buda prefe-
riu palmilhar as empoeiradas estradas a
viver nos palácios de seu pai ou nos que
lhe eram ofertados. Jesus disse-nos para
dar a “César o que é de César”...
Por conseguinte, diante das pres-
sões e reclames da sociedade, diante das
necessidades objetivas de subsistência
que se impõem ao homem na atualida-
de, à primeira vista, o caminho prescrito
pelo Buda pode assemelhar-se mais a um

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Enio Burgos

grave empecilho, a um estorvo ou retro-


cesso, do que a via de liberação. Incapaz
de olhar internamente, depois de algum
tempo, o ocidental comum pode sofrer
uma grande desilusão ao concluir que
nem o Darma pode ajudá-lo... Infeliz-
mente, essa é uma situação cada vez mais
freqüente e uma das razões que levam
as pessoas a estancarem, não avançarem
suficientemente e, por fim, desistirem.

Dificuldades dessa ordem estão


ocorrendo com muitas pessoas que en-
tram em contato com o Darma sem a pre-
paração adequada.
Ressalvo que exceções ocorrerão
devido à extrema compaixão do Buda,
gritante nos Sutras. Quando o intelecto
exaure suas forças diante da “porta” do
Darma, exatamente essa “pausa” nos
pensamentos fará com que a pessoa per-
ca as “chaves”, às quais tanto se apega-
va, e resolva simplesmente bater... Então,
o Buda intrínseco virá abri-la graciosa-

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

mente e sem esforço...


Você pode ser incrivelmente mise-
rável e desejar ardentemente possuir
bens, ser rico, mas se não tem qualquer
noção do que seja o ouro, ainda que te-
nha a sorte de encontrar uma pepita ma-
ravilhosa, pode simplesmente jogá-la
fora como uma pedra qualquer, e ainda
está sujeito a ser enganado por alguém
que lhe ofereça ouro falso. S. S. o Dalai
Lama vive afirmando que o propósito da
vida é a felicidade. Todos os seres bus-
cam a felicidade, mas nunca a encontram,
pois não sabem no que ela consiste, o que
é, quais as suas verdadeiras causas, nem
onde ou como encontrá-la. Este é o tema
central aqui, mas o estudo meramente
acadêmico, lógico-filosófico do Darma,
por si só, não conduz à sua essência, nem
à realização daquilo que ele expressa,
nem faz com que o estudante encontre o
ensinamento verdadeiro e intríseco den-
tro de “si” (o que, após profunda assimi-
lação e amadurecimento, tornaria estu-

22
Enio Burgos

do e prática totalmente dispensáveis!).


É claro que o estudo do Darma é
muito importante e necessário. Contudo,
sem o aprofundamento da prática medi-
tativa e da Mente Atenta, concomi-
tantemente, não podemos esperar alcan-
çar aquilo que subjaz às palavras conti-
das nos diversos e, às vezes, “abissais”
discursos do Buda. Vivo insistindo em
que os ensinamentos do verdadeiro
Darma são absolutamente infalíveis, mas
apenas se praticados. Sem a prática, o
Darma não faz sentido algum e pode ter
efeitos adversos sobre os indivíduos in-
cautos. O caminho do coração depende
da união entre prática e estudo, compai-
xão e sabedoria, unidas a um grande
discernimento e capacidade de caminhar
com os próprios pés, sem externos falsos
mestres.

As Quatro Nobres Verdades

Os comentários a seguir têm a in-

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

tenção de que o praticante sincero não se


esqueça de adotar uma ampla e aberta
perspectiva do Darma, sem permitir que
a mente ordinária (“gosto disso-não gos-
to daquilo”) discrimine este ou aquele
ensinamento em particular. Espero que
esta abordagem possa ser útil – auxilian-
do no sentido de uma visão mais coesa e
integrada entre os vários pontos do
Darma – tanto aos leigos interessados
quanto aos praticantes mais adiantados.
Antes de mais nada, o leitor deve
lembrar que a transmissão dos
ensinamentos ocorreu oralmente. O Buda
jamais escreveu seus discursos ou Sutras,
de modo que a tradição oral usou de um
método mnemônico bastante simples
para garantir que cada ponto pudesse ser
sempre evocado e recuperado completa-
mente; ela utilizou-se da enumeração ou
quantificação dos ensinamentos. Deste
modo, os monges tinham de lembrar de
quatro nobres verdades, oito passos do ca-
minho, cinco preceitos, seis (ou dez) per-

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Enio Burgos

feições, doze elos da originação


interdependente, cinco desejos humanos,
e assim sucessivamente. Se o monge lem-
brasse de apenas três nobres verdades,
ou de apenas cinco passos do caminho
óctuplo, naturalmente o ensinamento es-
taria incompleto. Por esta razão, o Darma
está cheio de enumerações e, também por
isso, permaneceu relativamente íntegro,
passando de geração à geração, durante
vários séculos.
As Quatro Nobres Verdades são:

1. A verdade (acerca) da Existência do


Sofrimento.
2. A verdade (acerca) da Causa do Sofri-
mento.
3. A verdade (acerca) da Cessação do So-
frimento.
4. A verdade (acerca) do Caminho que
conduz à cessacão do Sofrimento.
A seguir, vamos olhar cada uma
delas mais de perto.

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

1. A “Existência” do sofrimento

Muitos afirmam que o ensina-


mento do Buda seria um tanto “maso-
quista”, ou teria um caráter “negativista”,
triste, deprimente, pois se detém a exa-
minar os pormenores do sofrimento. A
resposta para tal crítica vem com uma ou-
tra pergunta: Como superar algo que des-
conhecemos completamente? Como po-
deríamos imaginar a remoção do nosso
próprio sofrimento sem reconhecermos
a sua existência, sem sabermos no que
ele consiste, quais elementos o compõem,
como o sofrimento surge ou é “tecido”,
construído, enfim, como e por que se ins-
tala? Como seria possível vencê-lo se não
conhecemos quais são as suas causas, a
sua origem ou raiz última, ou mais fun-
damental? Em uma guerra, qualquer
bom general sabe que deve obter o má-
ximo de informações (se possível todas)
sobre o inimigo a fim de traçar uma es-
tratégia que possa derrotá-lo. Qualquer

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Enio Burgos

bom general sabe que, sem um conjunto


completo de informações muito precisas
e meticulosas, pode ser muito arriscado
deflagrar uma guerra. Agentes secretos,
espiões, escutas telefônicas, fotos de sa-
télites, inspeções por terra, e etc., enfim,
um tremendo aparato é utilizado com
esse cuidado inicial e cuja finalidade é
crucial e decisiva.
Sem conhecer profundamente o so-
frimento, suas causas e origem, é impos-
sível imaginar que possamos eliminá-lo
e é justamente por isso que o sofrimento
permeia todos os confins desse mundo.
Por conseguinte, a primeira Nobre
Verdade afirma a existência do sofrimen-
to. Pode parecer uma afirmação óbvia
demais, mas não é. A grande maioria dos
seres não enxerga o próprio sofrimento
e, quando o percebe e vê, não o compre-
ende em profundidade. É uma visão
muito superficial.
Para o ser que sofre, a experiência
do sofrimento é real. Não se pode alcan-

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

çar a liberação do sofrimento ignorando


indefinidamente a sua existência e a sua
natureza. Reconhecendo a sua existência
e compreendendo profundamente a sua
natureza, o sofrimento pode ser final-
mente eliminado, removido e, conse-
qüentemente, podemos alcançar a verda-
deira liberação.
Para iniciarmo-nos nesta arte de
dissecar o sofrimento, podemos apontar
nele, algumas características gerais:

a) O sofrimento sempre pode aumentar ou


ampliar-se.

O sofrimento nunca deve ser su-


bestimado. Ou seja, você pode ter um dia
bem ruim no trabalho, perdendo negóci-
os importantes e, descobre que foi des-
pedido. Quando vai para casa, sofre um
acidente de carro. Quando pensa que o
pior já passou, descobre que sua esposa
o abandonou e foi para a casa da sogra...
Muitas comédias cinematográficas são

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Enio Burgos

feitas em cima desta característica básica


do sofrimento.
Por conseguinte, se nada for feito,
se negligenciarmos completamente sua
existência, características e bases, o sofri-
mento permanecerá nos afligindo e cer-
tamente se ampliará e se espalhará, to-
mando conta de nossas vidas. Devido a
esta característica, muitas pessoas, ao lon-
go da vida, desenvolvem a “indiferença”,
imaginando que, assim, podem livrar-se
ou afastar o sofrimento das suas vidas.
Todavia, a “indiferença” é também uma
emoção aflitiva muito prejudicial e um
grave obstáculo à felicidade verdadeira.

b) O sofrimento pode não estar aparente, mas


existe mesmo que não estejamos conscientes
dele.

Há muitas pessoas que desfrutam


de uma vida muito confortável, muito fa-
vorável, sem atribulações, sem proble-
mas financeiros, e que vivem suas vidas

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

sem levar em conta a existência do sofri-


mento. Essas pessoas não atinam quanto
ao sofrimento delas mesmas nem dos
outros e, estando tudo indo tão maravi-
lhosamente bem, não lhes ocorre fazer
qualquer coisa a respeito, nem preparar-
se para quando tiverem de enfrentá-lo,
ou conhecê-lo melhor, ou em maior pro-
fundidade. Algumas chegam a dar as
costas ao sofrimento alheio, pois têm a
superstição de que envolver-se com a dor
dos outros possa “contaminar” a vida
“perfeita” que levam. Então, quando o
sofrimento finalmente apresentar-se,
quando mostrar a sua face, elas serão pe-
gas de surpresa, e a natural troca de con-
dição privilegiada será vivenciada como
um sofrimento muito excruciante.

c) O sofrimento depende da “visão” da men-


te que o experimenta, depende da “interpre-
tação” dada a ele. Portanto, o sofrimento é
relativo, não absoluto.

30
Enio Burgos

Aquilo que perturba sobremanei-


ra uma determinada pessoa é visto natu-
ralmente por outra. As pessoas podem
reagir de modo bastante diferente dian-
te das mesmas circunstâncias, pois cada
uma interpreta a sua situação a partir de
um prisma psíquico particular. Uma pes-
soa pode atravessar uma grave doença e
vê-la sob uma perspectiva espiritual e
positiva, enquanto outra vê um simples
resfriado muito negativamente, sofrendo
muito mais... Uma pessoa perde o em-
prego e vê nisso uma oportunidade de
fazer mudanças necessárias em sua vida.
Outra, perde o emprego e pensa em sui-
cídio... Algo semelhante pode ocorrer
quando se trata de relacionamentos en-
tre pessoas: alguém perde um ente que-
rido e aquiesce; uma outra pessoa, ao per-
der alguém, torna-se melancólica pelo
resto de sua vida.
O modo como lidamos com o so-
frimento depende do estado mental e da
visão que cultivamos. Se você está mui-

31
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

to deprimido, até o canto dos pássaros


pode deixá-lo mais irritado. A comida
mais saborosa perde o gosto e o dia mais
lindo pode ser muito aborrecido. Se você
cultiva uma mente com uma visão pací-
fica e aberta, mesmo grandes obstáculos
podem ser enfrentados com disposição
e alegria. Um grande lama tibetano,
Jamgon Kongtrul Rimpochê, disse que “as
pessoas pretendem não sofrer evitando
as situações que provocam sofrimento, como
se o sofrimento fosse uma causa em si
mesmo, o que absolutamente não é ver-
dade. Tal comportamento não funciona.
A causa do sofrimento é o carma, os
obscurecimentos (cognitivos e emocionais) e
as ações não-virtuosas.” Ou seja, enquanto
a causa não for tratada, removida, o so-
frimento encontrará as pessoas onde quer
que estejam – ou pretendam esconder-se. O
sofrimento as acompanhará estejam elas vi-
vas ou mesmo mortas...
Devido ao fato de não estarmos ilu-
minados, a escuridão provocada por nos-

32
Enio Burgos

sa ignorância básica nos faz correr atrás das


coisas por apego, largá-las por aversão e,
em seguida, recairmos na indiferença.
Nosso apego bloqueia ou distorce a vi-
são dos defeitos ou falhas dos objetos do
nosso desejo, enquanto só vemos neles
“qualidades”. Nossa aversão (raiva, ódio,
irritação) bloqueia ou distorce a visão das
boas qualidades dos objetos da nossa
aversão. Já a indiferença impede ou
distorce nossa visão em ambos os senti-
dos. É sobre a égide da ignorância que
vivemos nossa vida nesse mundo e nos
demais. (Maiores detalhes no livro “Me-
dicina Interior, a Medicina do Coração e
da Mente”).
Esta característica mostra a base
sutil sobre a qual o sofrimento se apóia e
da qual se nutre, bem como o espaço
onde ele pode ser dissecado e tratado.

d) O sofrimento também é impermanente.

A maior parte do sofrimento que

33
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

experimentamos advém do fato de que


tudo nesse mundo é transitório, provi-
sório, efêmero. Suponha que você está fa-
minto e tem um saboroso banquete à sua
inteira disposição. Você saliva, sente in-
tenso impulso por comer. As primeiras
garfadas são indescritivelmente saboro-
sas. Porém, depois de algum tempo, cada
garfada já não é tão estupenda assim...
até que a última, depois de várias repeti-
ções, pode ser até repugnante. Se você for
forçado a prosseguir comendo, verá
como tudo muda. Todo deleite e atração
iniciais dão lugar a uma sensação de en-
jôo, asco, e provocam vômito! De um mo-
mento para o outro, aquilo que era
irresistível, torna-se totalmente repulsi-
vo.
Assim, devido à impermanência, o
momento seguinte de nossas vidas é uma
incógnita, pois tudo muda, tudo se trans-
forma incessantemente, enquanto, no re-
côndito de nossas mentes, desejamos que
as coisas sejam perenes, ou durem para

34
Enio Burgos

sempre. E, certamente, isso inclui a nós


mesmos...
Entretanto, não podemos esquecer
que, por mais difícil e insuportável que
seja a nossa situação atual de sofrimen-
to, ela também irá mudar e transformar-
se um dia. Um ditado muito sábio diz:
“Não há bem que sempre dure nem mal
que não se acabe”. Graças à imperma-
nência, podemos ter certeza de que a nos-
sa condição atual, seja ela qual for, será
ultrapassada. Ela se transformará
inexoravelmente. Logo, a imperma-
nência não é fonte de sofrimento apenas.
Ela pode nos ajudar na liberação também.
Neste ponto, toda a questão é sa-
ber se temos, ou não, consciência de para
onde nossa mente, caprichosamente, está
nos conduzindo, e se vamos, ou não, ten-
tar alcançar pleno domínio e liberdade
diante dela. Portanto, também não basta
ficarmos esperando que o nosso sofri-
mento se acabe (por si), ou que a situa-
ção mude para podermos, então, ser fe-

35
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

lizes. Na verdade, podemos e precisamos


agir de modo a criar as verdadeiras con-
dições que promoverão o afloramento e
o encontro com a nossa essência feliz. Se
você quer uma maçã, precisa plantar e
cultivar uma boa semente de maçã. Se-
não...

Os Oito Sofrimentos

Podemos listar os diferentes tipos


de sofrimento aos quais estamos subme-
tidos. Quatro deles se referem ao fato de
possuirmos ou sermos dotados de um
corpo físico, ou seja, são relacionados ao
nascimento, ao adoecimento, ao envelhe-
cimento e à morte. Nestas quatro situa-
ções, experimentamos algum tipo de des-
conforto ou dor física. Os outros quatro
sofrimentos se referem ao fato de possuir-
mos ou sermos dotados de uma mente.
São eles: estarmos separados daqueles a
quem amamos; estarmos na presença da-
queles a quem detestamos; não conse-

36
Enio Burgos

guirmos obter aquilo que desejamos e,


finalmente, a dissolução dos elementos
da nossa mente durante o processo do
morrer. (Não vou me deter no exame
desses pontos, pois já estão no livro “Me-
dicina Interior, a Medicina do Coração e
da Mente” e não haveria espaço para
isso num pequeno livreto como esse).
Portanto, pelo fato de sermos cria-
turas dotadas de um corpo e de uma
mente, vamos experimentar (todos ou
quase todos, pois, se morrermos preco-
cemente, não passaremos pela velhice,
por exemplo) os oito sofrimentos, quer
queiramos ou não. Esta é a primeira No-
bre Verdade, ou a verdade acerca da
“existência” do sofrimento em nossas vi-
das. O caminho do Buda, o Nobre Cami-
nho Óctuplo, assim como também o ver-
dadeiro e nobre caminho ensinado por
Jesus (não pelas seitas, igrejas e institui-
ções que se estabelecem em seu nome),
representam justamente o antídoto para
essa nossa condição aparentemente inso-

37
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

lúvel, sem saída.

2. A “Causa” do Sofrimento

Muito resumidamente, podemos


dizer que o Buda constatou que os seres
estão em “samsara” (na existência cíclica
e no sofrimento) devido à Ignorância com
relação a sua verdadeira natureza (ple-
namente iluminada), ou “Natureza de
Buda”. Todos os seres são inerentemen-
te dotados dessa condição imaculada,
perfeita e essencial. Não importa se você
tem um corpo ou não, qual a forma do
corpo que você possui, ou se está velho,
doente, vivo ou morto. Não importa se
você é depressivo, neurótico, esquizo-
frênico, excepcional, oligofrênico, louco
ou não. Não importa se você está em
coma ou não. Não importa se você é bom
ou mau, se mente ou diz a verdade, se é
ladrão, estelionatário, se “presta” ou “não
é flor que se cheire”. Em todo e qualquer
caso, bem lá no fundo, sem ter plena

38
Enio Burgos

consciência disso, saiba que você e todos


os seres possuem uma “Natureza Ilumi-
nada”, sábia, intacta e perfeita. Ela não
pode ser tocada nem maculada por mal-
dades, vícios ou desvios. Mesmo Osama
Bin Laden ou George W. Bush, nas
profundezas, são portadores de uma “Se-
mente Feliz” intocada por suas malda-
des. Porém, eles desconhecem isso e não
conseguem ter nenhum contato ou
“acessar” esse núcleo essencial. O que os
impede, bloqueia, é a densa escuridão da
própria ignorância. Ou seja, por não ve-
rem, não perceberem, não reconhecerem,
não lembrarem, por desconhecerem e
não conseguirem dar-se conta da sua ver-
dadeira essência, espontaneamente pací-
fica, sábia e feliz, os seres se distraem e
se perdem, atraídos pelo falso brilho das
aparências, e se afastam cada vez mais
do caminho da felicidade suprema. Ali-
ás, é exatamente por ser dotado, em últi-
ma instância, de uma Natureza de Buda,
que mesmo o pior assassino, ainda que

39
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

nunca seja flagrado ou se sinta envergo-


nhado (publicamente), no foro mais ínti-
mo do seu ser, ele sabe exatamente o que
cometeu. Por mais que justifique suas
ações, ele sabe a verdade e, embora con-
siga obter tudo aquilo que deseja, ele não
consegue sentir-se feliz, pois age em de-
sacordo e descompasso com sua essên-
cia e verdade maior. Você vê? Você com-
preende a importância disso? Mesmo o
político mais ardiloso, no auge financei-
ro das suas falcatruas, no fundo, por mais
que possa se rir dos demais, não é feliz,
não tem paz intimamente! O resumo de
todo este artigo talvez pudesse ser: A fe-
licidade é impossível para aquele que age
sem ouvir a sua voz mais profunda, ori-
ginal e interior, proveniente da nossa ver-
dadeira natureza ou Essência Feliz. Se
você não se sente feliz, precisa contactá-
la urgentemente, e engajar-se em ações
virtuosas. O “crime não compensa”, não
porque um dia pode ser descoberto, ou
os responsáveis, punidos de acordo com

40
Enio Burgos

a lei dos homens. Sempre que nossas


ações estiverem em desacordo com a nos-
sa verdadeira natureza, que é sábia, lu-
minosa e imaculada, estaremos plantan-
do as amargas sementes da infelicidade.
Ninguém é infeliz ou amaldiçoado por-
que desagradou aos pais, a Deus (ou a
alguma concepção de Deus), à Igreja, à
sociedade ou a qualquer coisa ou força
externa, mas sim, se pensa, sente, fala e
age em desarmonia com sua “centelha ou
chama interior”. Nossa “essência búdica”
tem critérios, às vezes, discordantes dos
critérios humanos, ou dos tantos “deu-
ses” que criamos...
Nós possuímos, nas águas mais
profundas do nosso coração, uma essên-
cia pura, feliz, sábia e luminescente, ca-
paz de dissolver toda ignorância. Ela con-
tém, em si mesma, o remédio para todos
os nossos males e também o caminho que
conduz à sanidade e felicidade verdadei-
ras. Por causa dessa Natureza de Buda,
nós podemos ter esperança, podemos

41
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

crer em nossa completa e total recupera-


ção, podemos estar certos da superação
do sofrimento, nessa ou noutra vida, seja
qual for a nossa dificuldade, física ou psi-
cológica, ou por mais que tenhamos nos
perdido, desviado ou afastado do cami-
nho. No nosso centro, a pureza, a beleza
e a verdade ainda estão vivas. A chama
permanece acesa. Não se desespere, per-
severe, pois você pode atravessar o oce-
ano do sofrimento com os pés firmes no
chão.
O Buda soube ilustrar de diversos
modos, através de muitas parábolas, essa
verdade. Uma das mais conhecidas é
aquela em que o Buda afirma que a con-
dição dos homens é como a de um men-
digo que possuía uma pepita de ouro es-
condida no forro de seu casaco, mas, ig-
norando isso, levava uma vida miserá-
vel, lamentando-se o tempo todo, aonde
quer que fosse... Noutra situação, a “Na-
tureza de Buda” ou Condição Iluminada
da Mente é comparada ao mel numa col-

42
Enio Burgos

méia de abelhas. As abelhas e a estrutu-


ra (favos) da colméia representam, res-
pectivamente, as nossas energias aflitivas
(raiva, ódio, irritação, apego, etc.) e a ig-
norância, que escondem e impedem o
acesso ao interior da colméia (como uma
casca). Mas, no centro, há o mel. Para che-
gar até ele, precisamos superar as emo-
ções aflitivas e, também, dissipar a nos-
sa ignorância.
Assim, ele identificou a causa mais
sutil, mais profunda e fundamental para
o nosso estado de sofrimento cíclico e in-
cessante, ou “samsara”. A “causa” dos
nossos males e padecimentos é a nossa
própria Ignorância. Sim, é uma afirma-
ção dura, severa, mas profundamente ilu-
minada e sábia. Com esta asserção, o
Buda retira de nós as costumeiras des-
culpas e justificativas esfarrapadas, quan-
do culpamos os outros ou as circunstân-
cias externas pelo nosso sofrer. Sartre afir-
mou com sarcasmo: “O inferno são os ou-
tros!”.

43
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

Justamente porque experimenta-


mos o sofrimento desse modo, precisa-
mos urgentemente remover a nossa Ig-
norância, pois é ela que nubla, obstrui,
impede que alcancemos a visão clara,
límpida e desobstruída, a visão da nossa
verdadeira condição feliz e livre. Não po-
demos remover a Ignorância alheia, mas
sim, a nossa própria e, sem dúvida, esse
é o verdadeiro trabalho e sentido dessa
nossa vida. Devido à Ignorância presen-
te em nossas mentes, sequer nos damos
conta do modo como construímos, como
fabricamos, passo a passo, o nosso pró-
prio sofrimento e o daqueles que nos ro-
deiam, além de não vermos, também, o
quanto nos apegamos ao nosso sofrer.
Devido à escuridão da Ignorância, não
nos ocorre que a capacidade que demons-
tramos ao criar tantas formas de sofri-
mento, de modo tão concreto, amplo e
completo é, em si mesma, a prova cabal
da extraordiária força e poder existentes
e disponíveis dentro de nós. E, ainda, que

44
Enio Burgos

tal poder advém (do mau emprego ou


uso que fazemos) das qualidades insu-
peráveis e ilimitadas da nossa verdadei-
ra natureza...

3. A Cessação do Sofrimento

A terceira Nobre Verdade pode


parecer algo muito óbvio e simples, pois
apenas nos diz que o sofrimento pode
cessar. Contudo, neste ponto o Buda nos
transmite uma paz e uma confiança real-
mente importantes. Olhando para tudo
o que vemos e sofremos enquanto vive-
mos nossa vida samsárica, muitos de nós
sentimos que talvez não haja saída algu-
ma. Para muitas pessoas, de tantos pa-
decimentos, o sofrimento lhes parece
algo totalmente insuperável. Elas imagi-
nam que estão condenadas ao sofrimen-
to de modo eterno. Infelizmente, esta é
uma conclusão muito fácil de ser feita, e
muitos são os que desistem de buscar
uma solução para seus dilemas existen-

45
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

ciais. Isso amplia ainda mais o sofrimen-


to. Então, um ser desperto como o Buda,
do centro de sua pura e plena compai-
xão, profere palavras assim tão singelas.
Aqui o Buda usa as palavras como uma
chuva de bênçãos sobre aqueles tantos se-
res que possam ter exaurido suas forças
e se entregado, de pura exaustão, ao seu
sofrer. Ele vem até nós, toca em nosso
ombro com uma das mãos e nos assegu-
ra, com os olhos e o coração de quem vê
além do horizonte, que podemos descan-
sar, revigorar e renovar nossas forças e
esperanças, pois, seja qual for o proble-
ma, será superado. Nosso sofrimento
pode ser vencido e derrotado completa-
mente. Esta nobre verdade é como um
elixir para aliviar nossas dores,
ferimentos e cansaço existencial. Ela nos
encoraja, nos dá a energia que pensáva-
mos não possuir mais. Ela nos enche de
coragem e alegria, pois alguém muito sá-
bio, olhando e examinando com muita
ternura e atenção a nossa condição, diz

46
Enio Burgos

que, com certeza absoluta, nós ainda te-


mos uma chance. Nada está perdido, por
pior que pareça. Assim, esta Nobre Ver-
dade é como um maravilhoso bálsamo
para todos os que estão desesperançados
e desvalidos. Não importa quanto você
sofra ou tenha já sofrido, nunca desista:
você ainda pode ser feliz! Esta Nobre Ver-
dade, aparentemente assim tão sem im-
portância, é crucial. Ela ressoa em nos-
sas mentes como o arauto de uma gran-
de boa nova. Podemos não confiar em
nosso discernimento, mas podemos con-
fiar no discernimento de um grande sá-
bio. E ele nos brinda com uma notícia
magnífica. Como médico, vivi situações
muito semelhantes a essa e gostaria de
dar um exemplo que nos dê uma idéia
disso. Certa vez, eu tive sob meus cuida-
dos uma menina de onze anos de idade.
Era uma menina encantadora, meiga, in-
teligente e linda. Seus pais a amavam
profundamente e demonstravam isso em
seu olhar e maneiras para com ela. Ela

47
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

retribuía o amor de seus pais, pois


espelhava isso em seu sorriso. Ela era
doce e educada, mas também delicada e
frágil como um pequeno cervo. Estava
magra e quase sem vida. Seus pais esta-
vam tremendamente preocupados, pois
a menina estava muito, muito doente. A
vida dela se esvaía rápido, pois, infeliz-
mente, seu corpo estava sendo devora-
do por um câncer terrível. Ele espalhou-
se por vários órgãos, pois demoraram
bastante a diagnosticar sua presença no
corpo dela (que era praticamente só “pele
e osso”). Os médicos já haviam tentado
vários tratamentos infrutíferos e ela fora,
então, “desenganada”. Desse modo,
quando chegaram até mim, eu simples-
mente não sabia o que fazer e só orava
por ela e por seus pais. Procurei toda aju-
da que pude, pois a medicina está sem-
pre avançando... Entramos em contato
com um dos melhores centros de
oncologia do país e, então, muitos exa-
mes foram refeitos, além de novos exa-

48
Enio Burgos

mes também. Havia toneladas de apre-


ensão e ansiedade a cada segundo, mi-
nuto e a cada hora... Todos que se envol-
viam com aquilo sentiam um grande
peso sobre os ombros, como se estives-
sem sendo espremidos dos pés à cabeça
por uma prensa gigantesca. Era
dilacerante olhar nos olhos daquela me-
nina. Entrementes, um certo dia, o resul-
tado de um exame chamou a atenção de
um dos especialistas e ele, reunindo-se
aos pais da menina, disse: “Depois de es-
tudarmos meticulosamente a situação,
nossa equipe concluiu que o câncer em
sua filha, apesar de muito avançado, tem
ainda uma pequena chance de ser remo-
vido. Não será nem um pouco fácil. Ela
ainda corre grande risco de morte, mas
acreditamos que devemos tentar salvá-
la.” Os pais daquela criança tinham re-
cebido muitas negativas e, internamen-
te, estavam sem esperanças, de modo que
aquelas palavras brilharam em suas
mentes como o sol que penetra por uma

49
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

fresta na escuridão. Eles choraram mui-


to ao ouvir aquilo, mas sorriram também,
pois representava muito. Finalmente, de-
pois de tanta dor e sacrifício, a menina
ficou curada. Esta história ilustra muito
bem o que significa a terceria Nobre Ver-
dade proferida pelo Buda. Mas, talvez só
saibamos o que ela significa quando te-
mos plena consciência acerca do sofri-
mento, não é?
Tendo encontrado e definido, com
exatidão e clareza, a existência e a causa
do sofrimento, o Buda nos diz que pode-
mos confiar na sua cessação, pois é pos-
sível dissipar as trevas da nossa Ignorân-
cia. A conclusão do Buda é, seguramen-
te, um maravilhoso alívio, mas não bas-
ta sabermos que há um remédio eficaz
para nossa enfermidade. É necessário, so-
bretudo, tomá-lo.

50
Enio Burgos

4. O Caminho para a Cessação do Sofri-


mento (o Caminho Óctuplo)

Se estamos doentes, precisamos de


um médico que possa diagnosticar o pro-
blema e prescrever o remédio ou trata-
mento correto. Para recuperarmos a nos-
sa saúde, o médico precisa ser competen-
te e o medicamento deve ser eficaz. Sem
um médico competente e um remédio efi-
caz, o tratamento não funcionará. Porém,
ainda que tenhamos encontrado um mé-
dico competente e um remédio plena-
mente eficaz, ainda assim temos de se-
guir adequadamente todas as recomen-
dações, sob pena de desperdiçarmos a
oportunidade da cura. Se não seguirmos
a dieta recomendada, os horários corre-
tos da medicação e as doses prescritas,
poderemos pôr tudo a perder. Qualquer
pessoa compreende isso. No nosso caso,
podemos imaginar o Buda como sendo
o nosso médico competente. O medica-
mento eficaz para nossa doença, a escu-

51
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

ridão provocada pela Ignorância, prescri-


to por nosso médico, é chamado Darma,
mais especificamente, o Caminho
Óctuplo. Por conseguinte, temos de se-
guir o tratamento adequadamente, caso
contrário, não poderemos ser beneficia-
dos pelas descobertas que o Buda fez.
O Buda prescreveu o Caminho
Óctuplo salientando que cada um dos
oito passos do caminho deveria ser visto
como mutuamente dependente em rela-
ção aos demais. Então, cada passo se re-
laciona intimamente a todos os demais.
Eles não existem separadamente. Por
isso, prefiro representar o Caminho
Óctuplo na forma de um círculo, sem co-
meço, meio, ou fim, pois é desta maneira
que precisamos visualizá-lo, compre-
endê-lo e percorrê-lo, num andar contí-
nuo e infinito. Percorremos cada um dos
oito passos de modo que, a cada volta no
círculo, paulatinamente, ampliamos e
aprofundamos nossa visão e compreen-
são. Se examinarmos bem o Caminho

52
Enio Burgos

Óctuplo, poderemos tirar várias conclu-


sões muito interessantes. Vejamos:

O Caminho Óctuplo

1. Visão
(mental)

8. Meditação 2.Pensamento

7. Mente
Atenta 3. Fala

6. Esforço 4. Ação

5, Modo
de Vida

53
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

Em primeiro lugar, é preciso que o


Buda não criou nada além daquilo que
ocorre naturalmente, ou seja, já se mani-
festa corriqueiramente. Ele compreen-
deu, com sua mente plenamente desper-
ta, o caminho exato que os seres normal-
mente percorrem para penetrar em
samsara, desde a Ignorância até o sofri-
mento. Segundo esse caminho (acompa-
nhe os passos de um a oito na figura aci-
ma), vamos examinar a nossa visão men-
tal habitual. Certamente que não estamos
iluminados ainda, portanto, nossa visão
não é clara, nítida, iluminada ou desobs-
truída. Ela se encontra contaminada, obs-
curecida, nublada, velada, obstruída por
nossa Ignorância. Se a nossa mente não
se encontra clara, limpa, desobstruída, a
nossa visão acerca de qualquer coisa é
igualmente assim também. Em outras
palavras, enquanto não alcançamos a ilu-
minação, nossa visão se encontra equi-
vocada, iludida, não é nítida, a respeito
de qualquer coisa. Por exemplo, pode-

54
Enio Burgos

mos considerar que o uso de drogas seja


bom de algum modo, que a vingança seja
aceitável, ou que roubar, ou mentir, pos-
sa ser positivo. Estes são apenas exem-
plos simples e concretos para se ter uma
idéia clara do que estamos falando quan-
do empregamos o termo “visão equivo-
cada, iludida”. A visão mental que pos-
suímos é muito importante, vamos
considerá-la como sendo o primeiro pas-
so do caminho. Se temos pouca visão, ou
esta se encontra “obscurecida”, “confu-
sa” ou “equivocada”, conseqüentemen-
te, o passo seguinte será emitirmos pen-
samentos naturalmente confusos, iludi-
dos, equivocados... Seguindo os passos,
vamos concluir facilmente que, tendo vi-
são e pensamentos contaminados, nossa
fala (passo 3) será contaminada, nossa
ação será contaminada (passo 4), nosso
modo de vida se contaminará (passo 5),
sucessivamente... cada passo seguinte,
sendo dependente do anterior, será igual-
mente contaminado, iludido e equivoca-

55
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

do. É semelhante à propagacão de erros


numa cadeia seqüencial, compreende?
Conseqüentemente, todos os nossos es-
forços (passo 6) serão ilusórios, sem sen-
tido, vãos, contraproducentes, pois se ba-
seiam na visão iludida, contaminada,
desde o princípio; (mas, infelizmente,
não temos consciência clara disso)... Em
seguida, vem a Mente Atenta (passo 7);
neste ponto, percebemos que, se a visão
for estreita, obtusa, ignorante, totalmen-
te presa e iludida com aparências mun-
danas, etc., para uma tal mente jamais
ocorrerá a idéia, ou a concepção de pra-
ticar plena atenção quer aos processos
internos da mente, quer ao momento pre-
sente! Tal sutileza só é concebida ou ima-
ginada por mentes mais amadurecidas e
avançadas. A mente ordinária, comum,
sob circunstâncias normais, sequer ima-
gina tal coisa e, portanto, muito dificil-
mente praticará, por livre e espontânea
vontade, coisas como a autoconsciência,
a introspecção, a concentração, ou a ple-

56
Enio Burgos

na atenção. Lembre-se sempre da estória


de Simbad: ele foi agarrado pelo demô-
nio apenas porque distraiu-se e adorme-
ceu. Sem Mente Atenta aos eventos que
se processam em nossa mente, “adorme-
cemos” e viramos reféns. A ignorância se
instala, e sua escuridão domina. Praticar
Mente Atenta é como entrar na escuri-
dão da mente com uma lanterna acesa
nas mãos! Através dela, começamos a
discernir, a ver e a dissipar a escuridão.
Sem praticar Mente Atenta (passo
7), é muito difícil que ocorra a alguém
praticar, assídua e adequadamente, a
meditação (passo 8). Quantas pessoas
você conhece que praticam meditação?
E quantas praticam meditação sob con-
dições e orientação adequadas? Muito
freqüentemente, a meditação é preconi-
zada e praticada por escolas religiosas,
culturais e filosóficas que tentam incutir
dogmas e doutrinas particulares em seus
adeptos. Tal prática, em si mesma, não
pode ser considerada adequada. O Buda

57
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

nunca prescreveu tal coisa aos seus ou-


vintes. Praticada adequadamente, a me-
ditação dissolve os nós cármicos, as ener-
gias de hábito instaladas desde muitas
vidas e faz com que toda a penumbra
provocada pela Ignorância se desvane-
ça, ampliando a nossa capacidade de vi-
são que se torna, então, menos obscure-
cida (passo 1).
Examinando estes fatos todos, po-
demos ter uma idéia do quanto é
incomum que, baseadas numa visão ilu-
dida, equivocada, obstruída desde o
princípio, as pessoas pratiquem um ca-
minho verdadeiro. Em geral, as pessoas
estão bastante perdidas nesse mundo.
Elas não seguem o caminho preconiza-
do pelo Buda; elas seguem na direção e
no sentido da ampliação da sua confu-
são. Sem praticar (os passos 7 e 8) Mente
Atenta e, conseqüentemente, sem medi-
tar adquadamente, voltamos ao primei-
ro passo, ou seja, a visão se torna ainda
mais turva! Assim, sucessivamente,

58
Enio Burgos

samsara vai se tornando mais denso. A


escuridão se aprofunda. As pessoas so-
frem sem saber por quê... Não é de se ad-
mirar que o mundo esteja na situação em
que se encontra!
Portanto, na verdade, se você pu-
der olhar bem para esse Caminho
Óctuplo, verá que, nele, o Buda não criou
nada de extraordinário ou especial. Esse
caminho não é nenhuma “revelação so-
brenatural”. Nada disso. É algo muito
palpável e visível nesse mundo em que
vivemos. É algo de extremo bom senso.
Ele constatou que as pessoas seguiam um
“caminho óctuplo” na direcão e no sen-
tido do “afundamento” em samsara (o
ciclo condicionado de existência), ou no
sentido da ampliação da ilusão e do so-
frimento. Para sair de tal condição, de-
vem as pessoas inverter o “sentido” do
percurso e, incluindo os dois passos au-
sentes, praticar de modo completo, na di-
reção da iluminação de suas próprias
mentes. Se uma pessoa tomar a firme de-

59
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

cisão, o firme propósito, de praticar coti-


dianamente os passos não efetuados em
samsara (Mente Atenta e meditação),
seus obscurecimentos irão se dissolver.
Com o passar do tempo, a mente do pra-
ticante começa a tornar-se, paulatina-
mente, mais clara. Assim, a visão come-
ça a ficar também mais iluminada. Por
conseguinte, os pensamentos também
serão mais iluminados. Sendo a visão e
os pensamentos mais iluminados, a fala,
a ação, o modo de vida, também o serão.
Os esforços serão mais efetivos, aplica-
dos no “lado certo da alavanca”... bem,
creio que o leitor já compreendeu. A vida
começa a espelhar a iluminação
gradativamente, de modo que a escuri-
dão da Ignorância vai sendo dissipada
pelo brilho cada vez mais radiante da
nossa Natureza de Buda (ou Jesus). O
contato com a essência feliz (ou talvez
com o “espírito santo”) que há em nós,
foi restabelecido. Finalmente acordamos
dos nossos tantos pesadelos, enquanto fe-

60
Enio Burgos

licidade, paz, amor e compaixão genuí-


nas eclodem das profundezas do nosso
coração mais original, agora tão leve, se-
reno e liberto, como se fossem a água
pura e cristalina a jorrar de uma fonte
inexaurível...

61
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

Lançamentos especiais da
Editora Bodigaya:

1. Distinguindo Darma e Darmata de Buda


Maitréya.
Comentado por Khenchen Thrangu Rimpochê
Traduzido por Fernanda Ferreira de Ferreira e Enio
Burgos

Distinguindo Darma e Darmata representa a


continuidade dos ensinamentos budistas iniciados no
Uttaratantra ou “Natureza de Buda”, composto por
Arya Asanga, no quarto século da era cristã, por
inspiração direta deste que foi denominado “O Buda
Amoroso e Vindouro”. O texto traduz para o leitor a
diferença entre as aparências (ilusões) e o ser puro,
apresentando o caminho para a compreensão da
vacuidade e, conseqüentemente, da transformação de
Darma em Darmata. É considerado um ensinamento
da “transmissão oral” e serviu de inspiração para todos
os grandes mestres de todas as tradições e escolas do
budismo.
Os versos originais são seguidos dos preciosos
comentários de Ven. Thrangu Rimpochê, o superior
da linhagem Karma Kagyu e um dos mais eruditos
mestres tibetanos da atualidade. S.S. o Dalai Lama
costuma encarregá-lo de ser o preceptor dos mais
elevados reencarnados (tulkus), como o décimo sétimo
Karmapa.
Aqui se revela o caminho meditativo para a
verdadeira natureza da mente.
Estudar e meditar sobre o significado deste
tratado servirá como uma causa para o incremento da
felicidade e da sabedoria.

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Enio Burgos

2. As Sete Chaves do Código Galileu Galilei


Autor: A. Z. Adonai
256 páginas

Muito além de uma bela aventura, onde bem e


mal se confundem, ou de um livro sobre a história
secreta da Igreja Católica – seus dogmas; a
desmistificação da Bíblia; os Evangelhos Apócrifos; o
Tribunal do Santo Ofício da Inquisição; as heresias; O
Martelo das Feiticeiras; a vida, a obra e os processos
contra Galileu Galilei e Giordano Bruno; a vida íntima
dos papas e seus filhos; a Companhia de Jesus e a
Mônita Secreta ou o manual interno dos jesuítas para
a expansão e a dominação mundial; os Templários e
seus invejáveis tesouros; as Cruzadas e “guerras santas”;
o Opus Dei; o Vaticano, seu Banco e suas riquezas
acumuladas, entre vários outros temas –, esta obra é,
na verdade, uma homenagem dedicada ao gênio italiano
Galileu Galilei, especialmente ao que sua mensagem
de vida representa e ensina às futuras gerações.

“Este livro é o maior avanço desde o Código da Vinci.”


Enio Burgos

3. Medicina Interior - A Medicina do Coração e


da Mente

O Caminho pelo qual pensamentos e emoções


causam as doenças e as dificuldades da vida.
(2ªEdição revista e ampliada)

Autor: Enio Burgos


256 páginas

63
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

Medicina Interior, A Medicina do Coração e da


Mente, detalha todos os aspectos do caminho através
do qual pensamentos e emoções geram os desequilíbrios
psíquicos que apresentamos, assim como as doenças
que desenvolvemos. Este livro funciona como um
espelho, no qual podemos ver refletidas as sutilezas da
mente, em especial as energias associadas ao apego,
raiva, indiferença, orgulho, inveja, e suas conseqüências
sobre o nosso bem-estar. A partir de um maior
autoconhecimento, vemos como transformar as
emoções perturbadoras em sabedoria e plenitude de
vida.
Através do reconhecido poder de
medicamentos sutis e práticas meditativas curativas,
podemos prevenir ou superar enfermidades, alcançando
um estado de maior compreensão, saúde, felicidade e
harmonia.

4. Paisagem de Pessoa

Autor: Paulo Emmel


64 páginas

Paisagem de Pessoa traz os versos mais


representativos do autor. São poemas repletos de
imagens fulgurantes, que levam o leitor por uma viagem
multifacetada de sentimentos e novas percepções da
realidade.
Paulo Emmel nasceu em Santa Cruz do Sul/
RS. Freqüentou os círculos universitários ligados aos
cursos de jornalismo, ciências sociais e letras. Buscou
novos caminhos experimentando a biodança, a
meditação, a introspecção e o autoconhecimento.

64
Enio Burgos

Todas estas atividades ajudaram-no em seu


caminho, que culmina agora com a publicação desta
bela obra.

5. A Bússola do Zen - A Essência da


Espiritualidade para o Mundo Atual

Autor: Seung Sanh


432 páginas

Este é o livro mais completo sobre os


ensinamentos Zen-budistas já publicado no Brasil.
Com seu estilo bem-humorado, lúcido e brilhante, o
autor, mestre zen coreano da linhagem rinzai, esclarece
praticamente todos os Sutras do Darma ensinado pelo
Buda Shakiamuni.
A Bússola do Zen é o livro que mais se aproxima
de uma bíblia budista.

Próximo Lançamento Especial


Editora Bodigaya

Velho Caminho,
Nuvens Brancas
Seguindo as Pegadas do
BUDA

BUDA - O FILME

Em 22 de maio de 2006, em Cannes, foi


assinado o contrato que possibilitará a filmagem
65
As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

“hollywoodiana” da vida do Buda Shakiamuni, com


lançamento mundial previsto para 2008. Tudo leva
a crer tratar-se da maior obra cinematográfica jamais
produzida em torno da vida de um ser humano.

O filme será baseado no best-seller


internacional de Thich Nhat Hanh, “Old Path White
Clouds” – um milhão de exemplares vendidos só nos
EUA, isso sem toda a publicidade que,
naturalmente, cercará o lançamento, quando estiver
em cartaz – considerado o melhor livro já escrito
sobre a vida e os ensinamentos do Buda. Neste
momento, o filme está em processo de preparação
do roteiro, com a supervisão direta do autor, e terá
o título adaptado para “Buddha” (“Buda”).
O projeto recebeu as bênçãos de S.S. o Dalai
Lama, que juntamente com Thich Nhat Hanh,
examinou o mérito da produção em todos os seus
detalhes.
Até agora, os produtores executivos
escolhidos para o filme são Michel Shane e Anthony
Romano (“Eu Robô” e “Pegue-me se for capaz”).
Seus idealizadores e apoiadores (foram doados
cento e vinte milhões de dólares!), especialmente o
milionário indiano, Dr. Bhupendra Kumar Modi –
que afirma ter tido sua vida transformada pela
leitura da obra, por isso seu desejo de que mais
pessoas sejam beneficiadas – confiam no pleno
sucesso.
Thich Nhat Hanh doou para entidades que
cuidam de crianças órfãs e menores abandonados,
todos os seus direitos sobre filme e livro, fazendo a
única exigência de que as pessoas envolvidas de
alguma forma no projeto, atores, diretores, etc.,
passem por duas semanas em contato direto com a
vida monástica de Plumm Village (França).
No Brasil, os direitos sobre as 600 páginas
da magnífica obra foram reservados e destinados à

66
Enio Burgos

Editora Bodigaya, que já os havia solicitado há quase


dez anos, sendo a primeira editora nacional a
reconhecer o valor inestimável do texto. Teremos a
imensa honra, portanto, de traduzir e publicar
fielmente o texto original, na íntegra, para o público
brasileiro.
É, um trabalho de “fôlego”, muito além da
capacidade financeira e estrutural da Editora
Bodigaya. Nosso editor, Enio Burgos, ao considerar
tais dificuldades, declarou: “Os Budas sabem o que
fazem. Se nos confiaram tal tarefa, na verdade, um
desafio maravilhoso, é nosso dever buscar meios
para cumpri-lo dignamente. Que os Budas nos
ajudem...”.
As pessoas que acharem por bem auxiliar
na publicação do livro, podem adquirir exemplares
antecipadamente, em pré-venda, através do site
www.bodigaya.com.br.
Do fundo do coração, somos imensamente
gratos pela ajuda inestimável.

Todos os lançamentos apresentados neste livro,


entre outros títulos, podem ser
encontrados no site:

www.bodigaya.com.br

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As Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo

Sobre a Editora Bodigaya:

A Editora Bodigaya publica obras que visam


à difusão da paz, do amor, do entendimento e da
compreensão, da ampliação da consciência e da har-
monia dos homens entre si, com os animais, plantas
e com o meio ambiente neste nosso maravilhoso pla-
neta azul. Para maiores informações sobre os nos-
sos livros e sobre a Revista Bodigaya (Meditação, Bu-
dismo, Saúde e Ecologia), visite nosso site na
Internet, ou envie-nos um e-mail:

www.bodigaya.com.br
bodigaya@bodigaya.com.br

Sobre o Autor:

Enio Burgos nasceu em Porto Alegre, Brasil,


em 1962. Como médico, desenvolveu o centro espe-
cializado no atendimento de portadores e doentes
de Aids em Santa Cruz do Sul - RS (CEMAS/SAE).
É físico, compositor, editor e escritor, autor dos li-
vros “O Buda nos Jardins de Jetavana”, “Autoencontro
– Vida em Pleno Contentamento”, “Fundamentos da
Prática de Meditação”, “Medicina Interior, A Medicina
do Coração e da Mente” e “Escolhendo o Amanhã, As
Cinco Renúncias da Mente Atenta”, publicados pela
Editora Bodigaya. Praticante de meditação há cerca
de vinte anos, fundou a Editora Bodigaya e a Asso-
ciação Meditar, entidades criadas com o propósito
de difundir ensinamentos universais e a prática da
meditação. Facilitador da Unipaz, é palestrante e
orientador de práticas nos retiros promovidos peri-
odicamente pela Associação Meditar.

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