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Se é que eu sei o que é Yoga

ATENÇÃO: O texto a seguir faz parte de lugares da minha mente de macaco que vez em quando se
concentra por tempo suficiente para organizar ideias e sentimentos em palavras.

Um dia me perguntei: “O que será que eu fiz de tão ruim nas vidas passadas para nascer no mundo de
hoje?”. Também pensei em que época então eu deveria ter nascido se tivesse sido uma “pessoa boa”.
Imediatamente pensei que poderia ter nascido em qualquer tempo desde que no grupo certo de
pessoas privilegiadas. Mas logo pensei que o Eu que eu sou dentro desse corpo físico não seria
necessariamente feliz, porque Eu não estaria cumprindo meu Dharma.

Pensei então que deveria nascer em algum tempo futuro, onde não houvesse mais dinheiro,
desigualdade social, machismo, racismo, gente que acredita em meritocracia, fascismo, homofobia e o
que mais de pré-conceito possa existir. Num futuro, onde eu fosse natureza tanto quanto a floresta que
a gente “imagina” quando pensa em natureza. Nesse futuro haveria frutas nos quintais, cursos d’agua
limpos pra nadar, beber, regar. Casas todas diferentes umas das outras, feitas pelas mãos de quem ali
faz morada com a cara, o cheiro, o gosto de quem as fez.

Nesse futuro, todo mundo poderia ser o que lhes faz feliz não importa se médico ou cozinheira.
Artista de música ou de cabelo. Todo mundo poderia atender o chamado da alma e não faltaria nada
pra ninguém, porque para cada chamado de artista plástico haveria outros chamados para cientistas,
pediatras, cuidadores da terra. Nenhum de nós teria que escolher uma profissão baseando-se na
promessa futura de pagar as contas e acumular matéria.

O que eu seria nesse futuro? Não sei, mas acho que seria muitas coisas. Seria todas as coisas que eu
sou, mas que coloco de lado, pois tenho que escolher a mais rentável. Seria um mundo lindo.

Mas então pensei: “Se todas as pessoas “boas” tivessem reencarnado nesse momento quem teria
preparado o passado para haver um futuro assim?”. E então “caiu a ficha”, ou melhor, as fichas, a
primeira foi o questionamento sobre se realmente há pessoas boas e outras más.

E a segunda, é de que é preciso gente “boa” nos tempos mais sombrios para que seja possível cultivar
a luz. São essas pessoas que vão quebrar a barreira de concreto e deixar que a vida saia por entre as
brechas e cresça em direção a luz.

Talvez eu seja uma dessas pessoas, embora me sinta mal em me autodenominar boa. E se eu não for?
E se na verdade eu estiver fazendo mal a alguém? E quem pode me responder se eu sou ou não, ou se
existe isso de bom e mau? Mas SE eu aceitar que sou uma pessoa boa não acho que adianta ser boa e
não fazer nada com isso. Ser boa e infeliz de nada serve. E infelizmente, tenho me deixado ser infeliz.

Um dia aprendi num certo curso de yoga que fiz por aí, que existe uma coisa chamada Dharma e
existe o Dharma “universal” e existe o Dharma “pessoal”, mas que no fim são a mesma coisa porque
cada um é um universo e você é seu Dharma e o Dharma é você.

Simples? Não muito e não sei se aprendi direito, mas eis o que eu tirei de tudo isso: O Dharma é o
propósito, a lei universal. O que sustenta a existência de tudo e de todos e que tem que ser cumprido
para conseguir continuar sustentando. Para que esse Dharma seja cumprido cada um tem que cumprir
seu próprio Dharma, que seria “a sua missão no mundo”, mas que pra mim pode ser interpretado, de
uma maneira mais sensível, como “aquilo que te faz feliz” e que só se conhece quando se conhece a si
mesmo.

Dessa forma, gente infeliz não ajuda no cumprimento do Dharma. Seja eu boa ou m, infeliz eu não
ajudo em nada. Dando uma “olhada” na sociedade, comunidade e humanidade em que estou inserida
hoje, ouso dizer que há mais gente infeliz do que feliz. Gente vendendo seu tempo de vida para um
trabalho que não alimenta o espírito.

Antes de concluir essa ideia, esclareço que quem é feliz, mas adharmico também não contribui para a
evolução espiritual do todo. Se o que você faz é propositalmente contra o sustento de todos os seres
que dividem a terra com você e isso te faz feliz, algo não está certo. Tive o cuidado de dizer
“propositalmente” porque no nosso dia-a-dia fazemos muitas coisas nocivas ao planeta mesmo sem
querer, mesmo com toda a intenção de cuidá-lo porque a sociedade moderna carrega o fardo de ter se
esquecido como ser parte inseparável do todo não-humano.

Aqui me detenho para lembrar a todos que existem ainda os seres humanos que sabem cuidar e ouvir
a terra e a Terra. E que embora eles tenham sido assassinados, silenciados e agora marginalizados,
eles resistem e tem muito a ensinar. No Livro “Mundurukando 2” de Daniel Munduruku, existem
várias passagens que mostram como os povos originários brasileiros já sabem a muitas gerações isso
que agora virou “moda” nas sociedades ocidentais e que é baseada nos saberes originais da região que
chamamos de Ásia. Seguem aqui, algumas delas:

“A vergonha estava em não saber obedecer à tradição que alimentava o corpo, a mente e o espírito”.

“O corpo é um adereço necessário à alma”

“Tempo e trabalho não são sinônimos. Trabalho e dinheiro também não. Trabalho não dignifica se ele
escraviza. Trabalho demais nos dá tempo de menos. E tempo de menos tira da gente a alegria do
encontro com os pais, com os filhos, com os amigos. Só o presente é um presente. O futuro é
promessa que pode nunca chegar. Os indígenas sabem disso. Por isso vivem o momento.”

“E que queria dizer que é muito mais difícil viver o presente. Exige muito mais de cada um. O sonho
– o futuro – nos desobriga a olhar para o lado e ver a necessidade diária do outro. O Futuro nos torna
egoístas e mesquinhos. Só o presente nos compromete”.

De qualquer forma essa “nova moda” na sociedade ocidental é muito válida, vide que sou fruto dela
também, mas fiquemos atentos a um recorte de raça e classe no acesso dessas práticas e informações e
que valorizemos a origem desses saberes, indígenas, indianos, chineses, etc. e todos os saberes
ancestrais.

Voltando ao “cumprimento do dharma pessoal”, me vejo tomada pela responsabilidade de contribuir


para a existência de um futuro como aquele que sonhei. Mas partindo da sabedoria de muitos povos
ancestrais, de que só existe o presente me vejo tomada por um desespero de ter que ser o sonho no
agora. Não me sinto responsável, me sinto pressionada, sinto um aperto no peito fisicamente!

Convenhamos parece muito para se fazer em tão pouco tempo e sem saber nem por onde começar.
Como eu posso fazer o que eu amo se ninguém vai me pagar para isso e eu preciso pagar minhas
contas? Gostaria de ter nascido no tempo das pessoas que só iriam desfrutar de um mundo Dhármico,
harmonioso, saudável e feliz e não ter que me preocupar em ser dhármica, harmoniosa, saudável e
feliz num mundo que é o oposto.
Assim, depois de quase três páginas eu cheguei ao ponto que queria tocar nesse escrito que vem
saindo aos trancos de dentro de mim como um desabafo da alma, qual o KARMA a ser seguido
agora? Karma é ação, toda e qualquer ação, não se engane pelo conceito de “Lei do retorno”
comumente associado ao Karma. Como e o que eu (nós) devo (devemos) fazer agora para cumprir o
propósito universal e criar meu próprio Satya Yuga dentro de um talvez Kali Yuga?

O primeiro caminho para isso que surgiu na minha vida foi o Yoga, afinal yoga é tudo e sempre foi
tudo, eu só não dava nome a esse todo antes. O yoga veio para mim com a “moda”, aquela que citei
anteriormente, mas no meu caso foi uma moda que realmente fazia sentido e o yoga foi à morada do
início do meu despertar.

Num primeiro momento o yoga me trouxe uma consciência pessoal muito importante, me libertei do
julgamento alheio, me libertei da crença de eu, Georgia- Ariana com Lua em escorpião, não poderia
ser uma pessoa “calma” e de muitas outras crenças limitantes sobre mim e meu corpo. Também foi
um espaço de abertura para o amor, cultivando amigos queridos, coisa difícil para mim que tenho
ascendente em câncer e mercúrio em peixes. O yoga foi esse primeiro vislumbre da luz, mas que
depois foi apagada quando “voltei a minha realidade” e aos poucos fui me perdendo dela e até hoje
tento reencontrá-la.

De qualquer forma, eu recomendo o yoga para qualquer um. Se alguém me perguntar, eu digo “faça
yoga sim! Yoga é pra todo mundo porque nada de ruim pode vir dele. O yoga é só outra palavra para
o amor e se yoga for acessível para você, então que tudo comece pelo yoga”. Dito isso, é muito
importante entender o que é o yoga afinal: Yoga é tudo, não é só ficar de cabeça pra baixo e tirar foto
pro instagram.

Você pode fazer yoga dedicando-se ao saber (Jñana yoga), pode ser um yogi se devocionando a algo
(Bhakti yoga) ou através de suas ações e relações diárias (Karma yoga), assim como fazendo práticas
físicas (Raja e hatha yoga) mas essas práticas não se desprendem de conceitos morais, éticos,
energéticos, mentais, espirituais e transcendentais. É uma versão daquele meme: “não adianta fazer
yoga, meditação, ser vegano, ter uma horta, etc. se você não dá bom dia para o porteiro”.

O yoga real (raja yoga), o yoga de verdade é uma educação libertária! O yoga libertou a minha mente
e me fez a “hippie” que a minha mãe conhece hoje. Se o yoga como conhecemos na sociedade
moderna não lhe ensinar tudo, ele pelo menos vai te dar as ferramentas para encontrar o que mais lhe
faltar. O yoga não deve te prender a nada nem ninguém, desapego é um de seus preceitos básicos.

Então lhes conto agora, meus aprendizados favoritos do yoga que pouco, ou quase nada, tem a ver
com prática física.

“Você já é tudo aquilo que você busca”

“A realidade interior é que vai mudar a realidade exterior”

“A palavra só deve ser dita quando for mais nobre que o silêncio”

“A humildade é a porta de entrada para o caminho do yoga”

“Humus = terra = humildade = humano”

“Se a educação não for libertária, o sonho do oprimido será de se tornar o opressor” –(Bom, essa foi
Paulo Freire, mas faz todo o sentido aqui) e com essa ideia, por fim, podemos nos libertar desse ciclo
vicioso (Samsara) e da ilusão (Maya) e finalmente, mudar o presente libertando todos os seres da
opressão, da subjugação, do medo e do capital.

Se você se entregar e confiar no Yoga, você será isso tudo que você já é no seu Eu verdadeiro. Mas
para aqueles que como eu, são teimosos, desconfiados, irritados, calejados pelos caminhos tortos da
vida e ainda não dominaram a arte de “Tapas” (Disciplina) e só o Yoga não estiver te convencendo,
abra sua mente para outras coisas que também são Yoga e você não sabia.

Aprenda com a terra, com as plantas, com os pássaros, com o vento, com a resiliência dos rios e das
matas, com o potencial infinito dentro de uma semente de sumaumeira, com a imensidão de vida
dentro de uma pétala de um dente de leão.

Aprenda com as histórias dos velhos, dos novos, dos povos, das gentes, das mulheres, dos homens,
dos brancos, dos negros, dos que amam as mulheres, dos que amam os homens, dos que não são
homens nem mulheres, dos que são os dois ao mesmo tempo. Aprenda com os cantos sagrados de
todas as crenças que você encontrar, aprenda com os versos das poesias e com cada nota de uma
melodia. Aprenda ouvindo.

Aprenda com o alimento, com o calor do fogo, o gelado da terra, o movimento das águas, o som do
vento, o gosto do ar, aprenda com seu corpo, ele não foi te dado à toa. Ele é o veículo da alma, deve
ser cuidado e preparado para o Despertar.

Com tudo isso há de se aprender uma coisa essencial, que eu ainda não domino também, que é a
calma. A calma de viver sabendo que não há fim e que o tempo é infinito. Sinto que fomos treinados,
pelo menos a minha geração, a ter pressa, a querer que tudo já esteja pronto antes mesmo de
começarmos. Hoje sentimos as consequências disso quando nos vemos com quase 30 anos sem a casa,
o carro, o trabalho e a família que nós já “deveríamos” ter a essa altura da vida. Engraçado ninguém
ter falado em felicidade nessa altura da vida também...

Então hoje, me sinto atrasada, me sinto inútil, impotente e preguiçosa embora no fundo eu ache que
não esteja fazendo nada errado. Posso até ter fechado os olhos para algumas oportunidades, mas para
o resto estou fazendo tudo no meu tempo, o problema é que parece que meu tempo, nosso tempo, não
é rápido o suficiente e assim caímos no ciclo infinito de ansiedade, medo, depressão, angústia,
insegurança e infelicidade.

Nos meus momentos mais lúcidos eu penso “e se o problema não for eu? E se o problema for esse
“tempo” dos outros?”. Talvez tenham tentado treinar nossa geração para a produção em detrimento do
bem-estar e felicidade, e para muitos, infelizmente, o treinamento foi efetivo, mas alguns, que já
tinham uma pontinha de luz dentro do peito, não conseguiram se adequar, a lavagem cerebral não
funcionou. O que por um lado é libertador, mas por outro nos isola, parece que tira de nós a esperança
e as possibilidades.

Outra coisa que podemos aprender com as plantas, animais, rios e gentes é que cada um é um ser
único. A lavanda é a lavanda, o tomilho é o tomilho, o assum-preto é o assum-preto, o São Francisco é
o São Francisco e nós somos nós. Tentar ser o que não é, é receita para a infelicidade. A lavanda não
tenta ser bananeira só porque disseram a ela que bananeira é mais legal. A floresta não tenta ser
shopping Center porque as pessoas estão sempre por lá. Se querem te fazer alecrim, mas por dentro
você é Jiló, seja jiló, tem gente que ama jiló. Tentar ser o que não se é nada vai resolver, na verdade,
vai piorar tudo e te afastar do seu Dharma.
E isso vai acontecer, o mundo tenta nos afastar do auto-conhecimento, o capitalismo teme que você
descubra que quer ser bailarino ao invés de engenheiro eletricista. Ele quer que você não descubra que
existe outra opção que não seja trabalhar sentado 8 horas por dia 5 dias por semana. Que você não
precisa esperar o fim de semana para ser feliz ou suas férias para relaxar. Então, passe um tempo com
a terra, com o vento, o planeta pulsando embaixo de seus pés e ouça dele a verdade. Isso é Yoga.

Para quem tem a mente aberta, o ouvido atento e a visão aguçada o despertar há de chegar, mas ele
vai vir sem pressa porque sabe que nossa existência não termina quando a validade do corpo expira.
Cabe a nós agora saber como fazer para caminhar até o despertar protegido contra as armadilhas de
Maya.

Primeiro ser para depois ter. Quando você for o seu Eu mais sincero, você terá tudo que precisa.
Assim, a caminhada deve ter o objetivo de SER primeiro, seja na medida do possível, aos poucos cada
dia mais você. Deixando de lado, pedacinho por pedacinho, o que não te pertence, o que não te
abraça, o que não te faz feliz. Tudo bem ser aos pouquinhos, não precisa largar o emprego de um dia
pro outro se isso te apavora. Qualquer passo em direção ao Eu é válido, seja ele grande ou pequeno.

Isso tudo é yoga. Foi isso que eu aprendi e é isso que me conforta quando os tempos estão muito
difíceis como agora. Yoga traz minha mente para o presente, para o que eu posso controlar para o que
eu posso fazer para meu Dharma. Se tem outra coisa que eu recomendo, a todos que tiverem o
privilégio de poder arcar com os custos, é a terapia, na minha última sessão recebi o seguinte
ensinamento que quero compartilhar aqui para finalizar meus devaneios:

“Não é egoísmo, nem fraqueza abrir mão daquilo que te machuca, que te pesa e que suga sua energia.
Quando você abandona isso para ir atrás do que você realmente quer você está sendo tudo, menos
egoísta, você está finalmente ajudando o mundo por estar sendo feliz. É de gente feliz que o mundo
precisa, para que a energia se propague e mais e mais pessoas vejam que isso é possível e necessário”.

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