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O SERVIÇO SOCIAL COMO TRABALHO: AFIRMAÇÃO QUE AINDA

PROVOCA DEBATES NO INTERIOR DA PROFISSÃO

Márcia Helena de Carvalho1

RESUMO

Este artigo discute o argumento central da Professora Marilda Vilela Iamamoto no livro
que escreveu com o professor Raul de Carvalho em 1982 – “Relações Sociais e Serviço
Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórica metodológica” – de que o
Serviço Social é uma especialização do trabalho no capitalismo e encontra-se inserido
em processos de trabalho. Embora os princípios desta afirmação tenham sido
incorporados ao currículo mínimo da profissão em 1996, tornou-se uma das maiores
polêmicas no interior da profissão. Dentre os principais oponentes à tese defendida por
Iamamoto encontra-se o professor Sergio Lessa que argumenta que o Serviço Social não
poderia ser trabalho porque não transforma a natureza. Apesar da seriedade teórica do
debate, não se trata de uma divisão no interior da categoria entre aqueles que afirmam e
aqueles que negam, ao contrário, a discussão instaurada procura afirmar a natureza da
profissão e suas finalidades. Tanto defensores como opositores destas afirmações são
assistentes sociais comprometidos com a profissão, que se fundamentados na teoria
marxista procuram demonstrar o significado histórico desta profissão.

Palavras chave: Serviço Social, trabalho, atividade.

1
Mestre em Serviço Social pela UERJ. Docente do Curso de Serviço Social e Direito da Faculdade de Ciências
Gerenciais (FACIG) de Manhuaçu-MG.

1
INTRODUÇÃO:
A pretensão deste artigo é fazer uma aproximação ao debate instaurado no
interior da categoria profissional de que o Serviço Social é trabalho de forma a
explicitar a controvérsia que a envolve, evidenciando as divergências e convergências
entre os dois conceituados autores que se posicionam.
Em relação a esta polêmica, Lessa (2000) afirma:
O debate acerca da relação entre trabalho e Serviço Social é sinal do
crescimento e intensificação da produção no Serviço Social, das
investigações teóricas de que necessita e, ao mesmo tempo, indica o
desenvolvimento de uma relação mais rica e dinâmica com o conjunto das
Ciências Humanas. Sem termos isto em mente, poderemos deixar escapar
algumas das mais dinâmicas potencialidades do debate em curso (LESSA
2000, p. 37).

Assim, o debate expressa o avanço obtido, no marco da renovação crítica do


Serviço Social brasileiro, referente a natureza da profissão e o seu significado social, de
tal forma que Iamamoto (2008), em relação a divergência de opiniões, se dirige as seus
interlocutores de maneira fraterna como parceiros ─ e não opositores, pois entende que
estão no interior de um mesmo universo teórico soldado pela teoria social crítica ─ ou
em áreas fronteiriças que se aproximam no campo político. E sinaliza que,
O ponto de partida do debate é, certamente, a concepção da profissão
elaborada pela autora na década de 80. A hipótese é que essa análise da
profissão inserida na divisão sociotécnica do trabalho foi largamente
incorporada pela categoria profissional, tornando-se domínio público, o
mesmo não ocorrendo com seus fundamentos referentes ao processo de
produção e reprodução das relações sociais (IAMAMOTO 2008, p. 213).

Incontestavelmente o entendimento do Serviço Social como uma forma de


trabalho, foi formulado pela primeira vez em 1982, por Iamamoto e Carvalho, no livro
“Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-
metodológica”, no qual apresenta o Serviço Social como trabalho com base numa
leitura de Marx. Porém o debate se intensificou, principalmente, após a aprovação pela
Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social - ABESS do currículo mínimo para
os Cursos de Graduação em Serviço Social, em 19962, no qual o Serviço Social aparece
como uma especialização do trabalho, sendo sua prática definida como um processo de
trabalho que possui como objeto “as múltiplas expressões da questão social”. Estes dois
pontos foram as grandes inovações introduzidas pela revisão curricular.

2
A ABESS, reconhecendo as dificuldades de implementação da proposta crítica de 1982, deflagrou o
processo da revisão curricular, que teve início em 1993. O novo currículo mínimo deveria manter a
orientação político-ideológica aprovada em 1982, e avançar na formulação dos modos operativos
adequados àquela orientação. O novo currículo mínimo foi aprovado na Convenção do Rio de Janeiro de
1996, e foi nela que se incorporou de maneira explicita a ideia de que o Serviço Social era uma forma de
trabalho social.
2
Assim, embora a revisão curricular fosse reconhecidamente necessária, suas
modificações não foram consensuais no meio acadêmico e no âmbito profissional.
Neste dissenso, Iamamoto põe a discussão do Serviço Social sob a perspectiva do
trabalho, declarando utilizar, para isso, a matriz teórica e metodológica marxista. Para
esta autora,
O Serviço Social contribui para a produção e reprodução desta sociedade, ele
participa deste processo enquanto trabalhador coletivo que, por meio de seu
trabalho, garante a sobrevivência e a reprodução da força de trabalho. É desta
forma, uma profissão socialmente necessária "[...] por que ela atua sobre
questões que dizem respeito à sobrevivência social e material dos setores
majoritários da população trabalhadora" (IAMAMOTO, 2000, p. 67).

A autora aponta o aspecto inovador da proposta curricular da ABESS no que se


refere ao reconhecimento da “'prática profissional' como trabalho e o exercício
profissional inscrito em um processo de trabalho" (IAMAMOTO, 2000, p. 57). No
entanto, neste mesmo livro, apresenta uma compreensão diferente da expressa na
referida proposta curricular, pois afirma que “o exercício profissional está inscrito em
processos de trabalho” (IAMAMOTO, 2000, p. 262). Dito de outra forma, o exercício
profissional do assistente social não possuiria seu próprio processo de trabalho3, mas se
inseriria em processos pré-estabelecidos.
Critica também a colocação, neste mesmo documento, do processo de trabalho
como sendo do Serviço Social "[...] uma vez que o trabalho é atividade do sujeito e não
da profissão, como instituição" (IAMAMOTO, 2000, p. 107). Assim, a autora também
nega ao Serviço Social uma especificidade, um processo de trabalho próprio, ao afirmar
que se insere em processos de trabalho pré-estabelecidos.
Em contraponto ao pensamento de Iamamoto, temos a concepção defendida por
Lessa (2006). Divergente dela, o autor é enfático ao afirmar que o Serviço Social não
pode ser considerado trabalho, pelo simples fato de não transformar a natureza.
Em primeiro lugar, e antes de qualquer coisa, porque o Serviço Social não
realiza a transformação da natureza nos bens materiais necessários à
reprodução social. Não cumpre ele a função mediadora entre os homens e a
natureza; pelo contrário, atua nas relações puramente sociais, nas relações
entre os homens (LESSA, 2006, p. 18).
Para este autor, a identificação entre a práxis dos assistentes sociais e o trabalho
é incompatível com a centralidade ontológica do trabalho tal como descoberta por
Marx. E adverte que em se tratando do atual debate no interior do Serviço Social,

3
A partir do pressuposto de que a instituição empregadora organiza o processo de trabalho do assistente
social, Iamamoto afirma que este profissional não tem um único processo de trabalho, este variaria de
acordo com o campo no qual atua o profissional, o que há são processos de trabalho no qual se insere o
assistente social (IAMAMOTO, 2000, p. 106).
3
algumas formulações implicam que repensemos a relação da prática profissional do
Serviço Social com o trabalho devido as suas implicações:
De uma relação fundante/fundado passaríamos a uma relação de identidade.
Identificaríamos, então, produção e organização; transformaríamos uma
relação de necessidade entre esferas distintas da práxis (não há produção sem
organização, nem organização que não atenda às necessidades da produção)
em uma relação de identidade. Esta identidade é afirmada diluindo-se a
diferença entre trabalho e sociabilidade ou, então, convertendo todas as
práxis sociais em "produtivas". Qualquer que seja o caso, estamos em um
terreno ideológico e filosófico distinto do de Marx. A segunda consequência
da identificação entre Serviço Social e trabalho é mais diretamente
sociológica e política. Se identificarmos as práxis voltadas à organização da
sociedade com a produção material, ou seja, se identificamos todas as outras
formas de práxis (inclusive o Serviço Social) ao trabalho, não nos resta
alternativa senão identificarmos como trabalhadores todos aqueles que
realizam toda e qualquer atividade social (LESSA, 2006, p.22).

Em sua concepção, se igualarmos todas as práxis sociais ao trabalho,


transformamos todos os indivíduos em operários e, assim, cancelamos a distinção entre
as classes sociais. Desta forma, para este autor, a tese que postula a identidade entre
trabalho e Serviço Social coloca em cheque o fundamental da concepção marxiana. E
segundo ele, é neste terreno que hoje se põe o debate político no interior da profissão.
Diante deste impasse – se o Serviço Social é ou não trabalho–, pretendo discutir
os argumentos destes dois autores, visando entender melhor este debate. Como
Iamamoto e Lessa afirmam que suas teses estão embasadas na interpretação que Marx
confere ao trabalho, antes de adentrarmos no debate, é necessário revisarmos a teoria
Marxiana acerca desta categoria e entender as novas configurações do trabalho na
contemporaneidade.

1- Serviço Social como trabalho: uma tese em constante debate


A polêmica em torno do Serviço Social como trabalho só se tornou possível após
a aproximação da profissão com o referencial marxista. Segundo Granemann (1999,
p.155) é de Iamamato o mérito de ter estabelecido a interlocução como os textos de
Marx no Serviço Social.
No livro Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma
interpretação metodologica, os autores afirmam que o Serviço Social é uma
especialização na divisão sociotécnica do trabalho, que se gesta e desenvolve no
capitalismo, especificamente, na idade dos monopólios. Posteriormente, José Paulo
Netto, no livro Capitalismo Monopolista e Serviço Social concordará com essa
afirmativa, acrescentando:

4
É somente na ordem societária comandada pelo monopólio que se gestam as
condições histórico-sociais para que, na divisão social (e técnica) do trabalho,
constitua-se um espaço em que se possam mover práticas profissionais como
as do assistente social. A profissionalização do Serviço Social não se
relaciona decisivamente com a “evolução da ajuda”, a “racionalização da
filantropia” nem a “organização da caridade”, vincula-se, com a dinâmica da
ordem monopólica (NETTO, 2006, p.73).

Assim, há que se evidenciar que o espaço sócio ocupacional de qualquer


profissão, neste caso do Serviço Social, é criado pela existência das necessidades sociais
(que se traduzem em demandas) e que historicamente a profissão adquire este espaço
quando o Estado passa a intervir sistematicamente na questão social (de conteúdo
fundamentalmente econômico e político), através de uma modalidade de atendimento,
qual seja, as políticas sociais (GUERRA, 2000, p. 17).
Em se tratando do Serviço Social, para Iamamoto (2005), a profissão mesmo não
se dedicando preferencialmente, ao desempenho de funções diretamente produtivas,
pode ser caracterizada como um trabalho improdutivo4, participando, ao lado de outras
profissões, da tarefa de implementar as condições necessárias ao processo de
reprodução.
Compreende-se então que àquele sentido social imprimido ao trabalho do
assistente social no processo de dominação burguesa é sobreposto o próprio
significado social do trabalho capitalista subordinado ao processo de
valorização, não como trabalho individual de uma categoria laborativa ou
unidade produtiva, mas como trabalho coletivo, produto da agregação das
diferentes atividades (BARBOSA; CARDOSO; ALMEIDA, 1998, p.115).

Neste sentido, podemos afirmar que é baseado na concepção de trabalho em


Marx que Iamamoto sustenta a tese de que o Serviço Social é trabalho, abstrato5 e
improdutivo. E como os elementos constitutivos do processo de trabalho em Marx, são:
objeto ou matéria prima, instrumentos e o trabalho em si (MARX, 1985 a, p. 53). A
autora afirma ser o objeto de trabalho do Serviço Social a questão social em suas
múltiplas expressões.
Quanto aos instrumentos de trabalho, reconhece que pelo fato do Serviço Social
ser uma especialização do trabalho estabelecida em profissão e regulamentada enquanto
tal, o conhecimento (base teórico-metodológica e o acumulo técnico operativo) deve ser
tomado como meio particular de trabalho.
Ou seja, não é um trabalho que prescinde de formação intelectual, como é o
caso daquele de perfil manual. Ao contrário, exige diplomação superior, é
legislado e fiscalizado por órgãos públicos e associações dos próprios pares.

4
Segundo Iamamoto, o trabalho improdutivo seria “aquele que não se troca por capital, mas diretamente
por renda, salário ou lucro”.
5
Assim denomina-se todo e qualquer tipo de trabalho, posto em sua realização há dispêndio da força de
trabalho humana- física e/ou intelectual- no sentido fisiológico, e que desta forma, embora muito
diferente, podem ser considerados iguais (GRANEMANN, 1999, p.163).
5
É uma profissão. Isto significa, em termos clássicos, competência técnica
especializada e cientificamente reconhecida, deontologia de serviço e
utilidade pública e consequentemente autonomia técnica (BARBOSA;
CARDOSO; ALMEIDA, 1998, p.117).

Porém, Iamamoto ressalta que os assistentes sociais não detêm todos os meios
para efetivar seu trabalho [...] dependem de recursos previstos nos programas e projetos
da instituição que o requisita e o contrata (IAMAMOTO, 1998, p.63).
No tocante ao trabalho enquanto atividade, como dispêndio da força física e
expressão de “sujeitos de classe”, argumenta que os assistentes sociais são marcados
pelo recorte de gênero, pelo traço de subalternidade com que interagem com outras
profissões, pela marca concreta do componente cultural da tradição católica e, por fim,
pelos valores humanistas com os quais se compromete (IAMAMOTO, 1998, p. 64 apud
ARAÚJO 2008, p. 16).
Diante destas afirmações, conclui que o efeito útil do trabalho do assistente
social incide sobre as condições materiais e sociais daqueles que são objeto de sua ação,
“cuja sobrevivência depende do trabalho”. E reconhece que o assistente social é um
desses profissionais que atua “na criação de consensos”. Sua intervenção é polarizada
pelos interesses de classes sociais antagônicas.
[...] Responde tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode
fortalecer um ou outro polo pela mediação de seu oposto. Participa tanto dos
mecanismos de dominação e exploração como, ao mesmo tempo e pela
mesma atividade, da resposta às necessidades de sobrevivência da classe
trabalhadora e da reprodução do antagonismo nesses interesses sociais,
reforçando as contradições que constituem o móvel básico da história
(IAMAMOTO e CARVALHO, 1985, p. 75).

O Serviço Social se explica no âmbito das próprias relações de poder na


sociedade, e seu exercício profissional assume, inevitavelmente, posições hegemônicas
ou contra hegemônicas. São atividades diretamente vinculadas ao controle político-
ideológico e/ou repressivo e à modernização do aparato burocrático do Estado,
necessários à garantia do domínio de classe.
O assistente social, ao atuar na intermediação entre as demandas da
população usuária e o acesso aos serviços sociais, coloca-se na linha de
intersecção das esferas públicas e privadas, como um dos agentes pelo qual o
Estado intervem no espaço doméstico dos conflito, presentes no cotidiano das
relações sociais. Tem-se aí um dupla possibilidade. De um lado, a atuação do
assistente social, pode representar uma “invasão da privacidade” através de
condutas autoritárias e burocráticas, como extensão do braço coercitivo do
Estado ou da empresa. De outro lado, ao desvelar a vida dos indivíduos,
pode, em contrapartida, abrir possibilidades para o acesso das famílias a
recursos e serviços, além de acumular um conjunto de estudos sociais. O
Serviço Social atua numa zona de fronteira entre o público e o privado(
IAMAMOTO, 2008, p. 357).

6
Para esta autora, o assistente social é um executor direto das políticas sociais, as
quais têm como objetivo, a manutenção e o controle da força de trabalho, e, ao mesmo
tempo e pela mesma atividade, suprir algumas das necessidades dos trabalhadores. Esse
caráter não decorre exclusivamente das intenções profissionais, pois sua intervenção
sofre condicionamentos objetivos dos contextos onde atuam, consequentemente,
desenvolve atividades e cumpre funções que estão além de sua vontade ou intensão,
assim como qualquer trabalhador assalariado.
Sendo um trabalhador assalariado, vende sua força de trabalho especializada
aos empregadores, em troca de um equivalente expresso em forma monetária
(...). Em decorrência o caráter social desse trabalho assume uma dupla
dimensão: a) enquanto trabalho útil assume as necessidades sociais e efetiva-
se através de relações com outros homens, incorporando o legado material e
intelectual de gerações passadas (...); b), mas só pode atender às necessidades
sociais se seu trabalho puder ser igualado a qualquer outro, enquanto trabalho
abstrato. (IAMAMOTO, 2008, p. 421)

Esta subordinação do Serviço Social aos interesses dos empregadores ocorre


pela sua condição de assalariado. Pois, embora o Serviço Social seja uma profissão
regulamentada na sociedade como liberal, na prática, não se conforma assim.
O Serviço Social sendo um trabalho, e como tal de natureza não liberal, tem
na questão social a base de sustentação da sua profissionalização e sua
intervenção se realiza pela mediação organizacional de instituições públicas,
privadas ou entidades de cunho filantrópico (GUERRA, 200, p.18).

Em outras palavras, o assistente social não dispõe de todos dos meios


necessários à realização do seu trabalho, ou seja, não possui processo de trabalho
próprio, mas se insere em processos pré-estabelecidos pela instituição empregadora. Em
cada espaço ocupacional, terá uma demanda ─ expressão da questão social ─ diferente a
enfrentar, precisará de um arsenal de conhecimentos específico em cada política
setorial, e instrumentos particulares de trabalho de acordo com cada campo. Além disso,
Ainda que disponha de relativa autonomia na efetivação de seu trabalho, o
assistente social depende, na organização da atividade, do Estado, da
empresa, entidades não governamentais que viabilizam aos usuários o acesso
a seus serviços, fornecem meios e recursos para sua realização, estabelecem
prioridades a serem cumpridas, interferem na definição de papéis, e funções
que compõem o cotidiano do trabalho institucional. Ora, se assim é, a
instituição não é um condicionante a mais do trabalho do assistente social.
Ela organiza o trabalho do qual ele participa. (IAMAMOTO, 2005 p. 63).

Porém, a forma como estas instituições organizam o processo de trabalho do


Assistente Social esta dentro de uma lógica capitalista de organização e controle do
processo de trabalho nos tempos modernos, porque asseguram a real subordinação do
trabalho e a sua desqualificação, além de engendrarem modos de obter um
comportamento desejado no trabalho. Desta forma verifica-se que,

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A conjuntura atual coloca desafios mais complexos ao mundo do trabalho. O
assistente como trabalhador só se realiza quando sua força de trabalho é
vendida no mercado por intermédio de determinadas condições e relações de
trabalho. Meios e mediações tais como: um contrato (formal ou informal) que
define as bases nas quais se dará o exercício profissional do assistente social
(em termos de jornada de trabalho, funções, atribuições etc.), além de
normas, rotinas, enfim, pela legislação trabalhista vigente. Estas definem o
tipo de relação existente entre o profissional e a instituição, bem como
determina as atividades/projetos para as quais é contratado, limita a sua
autonomia que será sempre relativa ao contexto sócio histórico e à
capacidade estratégica do profissional(GUERRA, 2008, p. 06).
Por outro lado, considerar o Serviço Social apenas como trabalhador é uma das
exigências mínimas para se compreender a relação profissional, mas reduzir a
intervenção profissional à relação patrão/empregado e a intervenção ao esquema
althusseriano de: objeto-instrumento-resultado é empobrecer toda prática profissional
que implica um multilateralidade de relações, além da relação trabalhador /patrão
(FALEIROS, 2000, p.168 apud ARAÚJO, 2008, p.20).
Por isso, Sara Granemann (1999, p. 161) afirma que a primeira indicação
importante a fazer é a de que o Serviço Social, como profissão inserida na divisão
sociotécnica do trabalho, não se auto determina. Isto quer dizer que esta profissão, como
qualquer outra, não pode prescindir de uma análise da sociedade em sua auto
compreensão. O trabalho do assistente social não se desenvolve independentemente das
circunstancias históricas e sociais que o determinam.
A não consideração desse processo de subordinação, aliada a uma frágil
discussão sobre as particularidades da prática profissional nos diferentes
espaços sócio ocupacionais, constituem uma das variáveis que interferem na
tensão existente entre as exigências do mercado e a idealização dos
profissionais sobre as suas ações profissionais (COSTA, 2000, p. 63).

Baseada nesta compreensão, Marilda Iamamoto no livro “Serviço Social em


tempo de capital fetiche”, argumenta ser o trabalho desse profissional perpassado por
tensas relações entre projeto ético político profissional e estatuto assalariado. Essa
tensão decorre da dimensão de trabalho útil e ao mesmo tempo abstrato que marca essa
atividade. Tal dilema, segundo a autora, por um lado, comprova a relativa autonomia
desse profissional na condução de suas ações, legitimada pela formação acadêmica e
pelo aparato legal e organizativo que regulam o seu exercício (Conselhos Profissionais);
por outro lado, por esse exercício ser realizado pela mediação do trabalho assalariado,
ele é subordinado aos ditames do trabalho abstrato, que o impõe condicionantes
socialmente objetivos à sua autonomia profissional e à “integral implementação do
projeto profissional”.
De posse da compreensão dessa dinâmica social contraditória, o assistente
social, mesmo dispondo de relativa autonomia no exercício de suas funções
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institucionais, durante a realização de suas atribuições profissionais – que o coloca
diretamente em contato com o usuário–, tem a possibilidade de redefinir os rumos da
sua ação profissional, conforme seu posicionamento teórico-metodológico face às
transformações ocorridas na estrutura da sociedade, ultrapassando, assim, os limites
institucionais impostos, a favor da camada subalterna. Desse modo, ele pode contribuir
para a manutenção e reprodução de uma forma de sociabilidade contraditória pautada
nas desigualdades sociais, assim como, sinalizar alternativas mobilizadoras de
transformação do regime de produção vigente. É nesse entendimento, que se constrói
projetos profissionais críticos ─ os quais, segundo Guerra,
Constitui-se como uma guia para a ação, posto que estabelece finalidades
ideias para o exercício profissional e as formas de concretizá-lo. Seu âmbito é
de sistematização em nível da consciência que se tem sobre os processos e
práticas sociais, das finalidades propostas e dos meios para a sua realização.
Para tanto, faz-se necessária uma problematização crítica sobre as tendências
e perspectivas teóricas, metodológicas, éticas, políticas e operativas
existentes no interior da profissão (GUERRA, 2008, p. 22).

Considerando o potencial crítico e a relativa autonomia teórica, ética do


assistente social, é possível direcionar o exercício profissional para os interesses
fundamentais dos trabalhadores, em contraposição aos interesses de lucratividade e
rentabilidade dos empresários no circuito da reestruturação capitalista, trabalhando o
campo de mediações presentes na ordem burguesa, necessário à identificação de
estratégias de ação que se articula ao projeto ético-político (CESAR; AMARAL, 2009,
p. 425). Nesse sentido, é válido lembrar que um projeto profissional,

Apresenta a autoimagem de uma profissão, elege os valores que a legitimam


socialmente, delimita e prioriza os seus objetivos e funções, formula os
requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescreve
normas para o comportamento dos profissionais e estabelece as balizas da sua
relação com os usuários dos seus serviços, com as outras profissões e com as
organizações e instituições sociais privadas e públicas (dentre estas, também
e destacadamente com o Estado, ao qual coube, historicamente, o
reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais (NETTO, 1999, p.95).

É nesta perspectiva de análise, que Iamamoto desenvolve a tese de que o Serviço


Social é trabalho, sendo duplamente determinado (trabalho útil e abstrato). Porém
conforme já foi dito anteriormente, sua produção foi alvo de polêmicas no interior da
categoria, sobretudo a partir da aprovação das diretrizes curriculares para o curso de
Serviço Social.
Em fevereiro de 1999 foi defendida por Gilmaísa Macedo da Costa uma
Dissertação de Mestrado, no Programa de Pós Graduação em Serviço Social
da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), intitulada Trabalho e
Serviço Social: debate sobre a concepção de Serviço Social como processo
9
de trabalho com base na Ontologia de Georg Lukács. Este estudo, bastante
denso e de inegável qualidade, foi responsável por divulgar mais abertamente
uma controvérsia, entre a intelectualidade do Serviço Social, e provavelmente
não demora a chegar ao debate mais geral, envolvendo também profissionais
da “prática” (ARAÚJO, 2008, p. 21).

Neste estudo a autora afirma que há uma “imprecisão teórica na concepção de


Serviço Social como trabalho”. É válido lembrar que sua concepção se apoia na
ontologia lukacsiana, para ela, por operar sobre objetos de naturezas inteiramente
distintas ─ enquanto o processo de trabalho em sentido ontológico opera sobre uma
matéria natural, o objeto da ação do assistente social é de uma natureza social─ o
Serviço Social não pode ser caracterizado como um processo de trabalho, pois não
interage com a natureza mediante a qual o ser social satisfaz as suas necessidades
realizando objetivações.
A autora procura demostrar que o Serviço Social não poderia ser tomado como
trabalho, nem tampouco pretender objetivar-se por meio de processos de trabalho, visto
que sua indiscutível fundação junto à “questão social”, “[destinando-se] a ação sobre a
consciência dos indivíduos” e vinculado às ações do Estado, são indícios muito fortes
na caracterização do Serviço Social como complexo ideológico restrito (COSTA, 1999,
p. 101 apud ARAÚJO, 2008, p.23).
Segundo esta mesma autora, a tentativa de tratar o Serviço Social como trabalho
a partir da transferência das categorias internas do trabalho para o fazer profissional, –
isto é, portador de uma ação, que incide sobre um objeto, provedor de meios, definidor
de objetivos e produtor de novos objetos –, não se sustentaria, por não ser a forma pela
qual se realiza o trabalho a determinante pela qual o trabalho se institui enquanto
categoria do ser social. Ainda segundo a mesma, “Com isto estaríamos correndo o risco
de, no plano abstrato, reduzir todo ato humano ao trabalho” (COSTA, 1999, p. 16).
Neste mesma direção de análise, Sérgio Lessa (2007a) se destaca ao defender o
argumento de que o Serviço Social não é trabalho e sim complexo ideológico. Em uma
publicação denominada Adeus ao proletariado no Brasil, desenvolve pesadas críticas à
tese defendida por Iamamoto sobre o Serviço Social ser uma especialização do trabalho.
Embora sejam muitas as considerações destacadas pelo autor, atenho-me aqui às que
considero mais importante, mesmo porque desenvolver todas exigira outro artigo.
Quanto ao produto do trabalho do assistente social, Iamamoto escreve: “O
Serviço Social é um trabalho especializado, expresso sob a forma de serviços, que tem
produtos” (1998, p.64). Por ter afirmado que o trabalho do assistente social se expressa
também sob a forma de serviços, e, portanto se enquadraria naqueles trabalhos que não

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se transformam em produtos separáveis da existência daqueles que lhes executam
quando desfrutados. Lessa vê nessa definição uma contradição que culminará numa
dualidade ontológica.
Isso porque, primeiramente, o produto da atividade teria uma materialidade –
interferir na reprodução da força de trabalho – e também uma não
materialidade (por se expressar sob a forma de serviços). Ele considera isso
uma dualidade ontológica e chega a afirmar que segundo esse entendimento
“Haveria no ser social uma porção material e, outra, não material”, depois
questiona como o Serviço Social disporia de uma interferência na
“reprodução material” sendo ele “não material” (CASTRO, 2012, p.17).

Outro problema apontado por Lessa (2007a) encontra-se na seguinte frase: “O


trabalho é uma atividade humana exercida por sujeitos de classes” (IAMAMOTO, 1988,
p. 64). Na opinião do autor, ela sintetiza o conjunto de tensões e imprecisões que
permeia todo o texto. Na sua leitura dessa frase “seguir-se-ia que as sociedades sem
classes não conhecem o trabalho” e disso, como consequência direta, “não poderia ser
ele a categoria fundante do mundo dos homens, a ‘condição eterna’ [...] da vida social”
(p. 104). Mas o autor também não desconsidera essa hipótese, e desenvolve a ideia dela
estar falando do trabalho abstrato. Esta hipótese, no entanto, seria na verdade fonte de
contradição e se chocaria diretamente com o núcleo da sua tese: a práxis do assistente
social ser trabalho igualmente a práxis do proletário. O seu raciocínio ancora-se no
termo “sujeitos de classes”, no plural. Ao diferenciar esses sujeitos que realizam
trabalho em classes, a autora estaria diferenciando a práxis daqueles que trabalham, a do
proletário e a do assalariado “não proletário”, ou, de acordo com o nosso caso, a do
operário com a do “assistente social”. Em outros termos, a tese da autora entraria em
contradição consigo mesma caso a afirmação do trabalho ser “exercido por sujeitos de
classes” estivesse, portanto no sentido do trabalho abstrato. Se seria essa a intenção ou
não – ou mesmo que tenha sido um deslize –, ficaria nos devendo esse esclarecimento a
autora, como coloca o próprio.
Ao buscar na tese da autora a resposta sobre em qual classe então se
enquadraria o assistente social, Lessa conclui que a sua resposta não vai
muito além daquelas outras (citando autores como Antunes, Castel, Lojkine,
Belleville) que ao cancelarem a distinção ontológica oriunda da estrutura
produtiva do modo de produção capitalista acabam por cancelar a função
social desempenhada pelo operariado como classe distinta dos assalariados
(CASTRO, 2012, p. 18).

Para este autor, a tese da identidade entre trabalho e Serviço Social termina
perdendo – o sujeito revolucionário– ao cancelar o intercâmbio orgânico com a natureza
(o trabalho) como o complexo fundante do ser social (LESSA, 2007a: 105).

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As considerações do autor se justificam, pelo fato do mesmo ter uma
perspectiva de análise reducionista, diferente de Iamamoto, Lessa assim como Gilmaísa
baseiam suas análises sobre o mundo do trabalho em Luckács. Assim, para Lessa “o
trabalho é um processo exclusivo entre homem e a natureza, ou seja, só constitui o
trabalhador coletivo, aqueles trabalhadores produtivos que transformam a natureza”
(LESSA, 2005). Sendo assim, o objeto de trabalho só pode ser a própria natureza, em
seu estado bruto, ou transformada em matéria-prima. E os meios de trabalho, são
elementos da natureza que o homem emprega na transformação da natureza, são "[...] as
propriedades mecânicas, físicas, químicas [...]." (MARX apud LESSA, 2005, p. 10) que
o homem utiliza para converter a natureza nos meios de produção e de subsistência
necessários à reprodução social. O autor conclui que "[...] nas relações entre os homens,
não temos, para Marx, nem a presença de matéria-prima nem o emprego de 'meios de
trabalho" (LESSA, 2005, p.10). Com isso, o autor defende que o Serviço Social não é
trabalho.
O Serviço Social, para este autor, se insere na organização humana e não no
trabalho em si. Ou seja, atua nas relações puramente sociais. Esta atuação profissional
tem como objetivo mediar as relações entre os homens ─ influenciando
ideologicamente ─, e não a transformação da natureza. E por operar na sociedade, onde
os indivíduos singulares estão sujeitos aos complexos ideológicos, o Serviço Social não
pode ser considerado trabalho. Baseado nesta interpretação, afirma, que os assistentes
sociais constituem parte daqueles estratos chamados de “classes de transição”6;
diferente da burguesia, que se apropria no capitalismo da grande parcela do excedente
de produção, estas classes ficam com parcelas menores desse “conteúdo material da
riqueza” que é produzido pelos operários com o seu trabalho (LESSA, 2007; 2007a).
Lessa distingue o lugar ocupado pelos indivíduos enquanto classe na estrutura
produtiva ─ enquanto uns produzem o “conteúdo material da riqueza”, os demais são
assalariados que compõem a chamada classe parasitária que sobrevive do “conteúdo
material da riqueza” produzido pelo proletariado. Neste segundo, entre tantos outros
profissionais, se encontra os assistentes sociais.
O estatuto de trabalho abstrato decorrente da condição de componente do
trabalhador coletivo não autoriza a identificação da categoria dos assistentes sociais
com a classe operária, não cancela ou dilui diferenças que são próprias das funções
peculiares aos diversos assalariados no processo de produção e reprodução da vida
6
A denominação é apontada por ele à Marx, que teria feito referência no capitalismo maduro a essas classes
intermediárias, a qual chamou de “classes de transição”. Teria sido feita essa afirmativa em O 18 Brumário (op. cit.: p.
70).
12
social. Por isso, Lessa considera inadequada a afirmação de que o exercício profissional
dos assistentes sociais seria portador de objeto, matéria-prima, meios de trabalho e
produto tal como o próprio trabalho.
Lessa argumenta também, que todas as profissões têm origem na divisão sócio
técnica do trabalho. Tais profissões surgem em decorrência do desenvolvimento do
modo de produção, no caso o capitalista, mas isso não significa que sejam trabalho.
Assim, temos práxis que não são trabalho, mas que contribuem para a reprodução do
capital, fazendo parte da divisão sócio técnica do trabalho, ou seja, produzindo mais-
valia. Dito de outra forma, para Lessa, participar da reprodução social, não faz com que
o Serviço Social seja trabalho, pois somente a transformação da natureza pelo homem,
nos bens materiais necessários à reprodução social pode ser considerada trabalho. Para
ele, a condição de trabalhador assalariado é a única semelhança existente entre o
trabalho do assistente social e o trabalho operário – aquele que transforma a natureza em
meios de subsistência e de produção, ou mesmo quando opera sobre uma “matéria-
prima”.
Partindo desta análise, Lessa refuta o que denomina de “argumento da
necessidade”, que consiste em afirmar que a práxis do assistente social é trabalho
porque é necessário ao capital, fazendo parte do trabalhador coletivo. Para este autor,
incluir o assistente social no trabalhador coletivo, tendo como justificativa, o
“argumento da necessidade” implicaria em aceitar que todas as atividades são trabalho,
pois, sem elas, a reprodução da sociedade se daria de modo diferente, e ainda, teríamos
que admitir que o próprio capital é necessário à reprodução da sociedade.
Ao contrário disso, Lessa afirma que o Serviço Social é uma profissão típica da
sociedade capitalista, e como tal, pode ser explorada por este sistema de produção, mas,
sua ação incide nas relações sociais, entendidas enquanto complexo ideológico. Assim,
por não atribuir transformação na natureza, por não produzir um conteúdo novo à
riqueza material, não é trabalho. Ou seja, seu exercício profissional possibilitará ao
capitalista, somente se apropriar da riqueza já produzida pelo operário. É por isso, que a
práxis do assistente social – do mesmo modo que a práxis de outras profissões
assalariadas – mesmo sendo explorada pelo sistema e gerando mais-valia, não é
trabalho. Assim, em relação à geração de mais valia, Lessa (2005) afirma,
Há duas consequências possíveis da geração da mais-valia. Quando a mais-
valia é produzida pela conversão da natureza no ‘conteúdo material da
riqueza’, a riqueza social total é acrescida pelo tempo de trabalho que o
proletário plasmou na nova mercadoria. Todavia, quando a mais-valia é
produzida fora da relação com a natureza, o que temos é um processo em que
um dado montante de riqueza social já produzida pelo proletário, [...] é

13
transferido para o dono da escola, em seguida, parte é transferido ao
professor sob a forma de salário (LESSA, 2005, p. 22).

Esta fragmentação do trabalho coletivo - entre aqueles que manipulam a


natureza e aqueles que não, distorce o pensamento de Marx, segundo o qual o
trabalhador não deve ser analisado individualmente quanto à transformação da natureza,
mas sim na coletividade. Ou seja,
A determinação original [...] de trabalho produtivo, derivada da própria
natureza da produção material, permanece sempre verdadeira para o
trabalhador coletivo, considerado como coletividade. Mas ela já não é válida
para cada um de seus membros, tomados isoladamente. (MARX, 1985,
p.105).

Nesta citação aparece o que Marx entende por trabalhador coletivo. Nada se diz
aqui de “diferenciações” dentro do trabalhador coletivo como quer Lessa. Todo o
contrário. Marx explicita a absoluta indiferença de “... que a função deste ou daquele
trabalhador, mero elo deste trabalhador coletivo, esteja mais próxima ou mais distante
do trabalho manual direto”. Mais ainda, o que Marx destaca, e isso nos parece
decisivo, é o atributo essencial do trabalho coletivo. Qual seja, o de valorizar capital
pelo seu consumo direto.
Para Iamamoto, há uma frequente tendência em se separar a esfera da produção
da esfera da reprodução, aprisionando a primeira aos muros fabris e reduzindo a
segunda apenas “à reprodução de um dos elementos da produção, o seu componente
subjetivo, a força de trabalho, pela via do consumo de bens e serviços”. E conclui: “Daí
a reiterada afirmativa de que o ‘Serviço Social se situa na esfera da reprodução’” (2007,
p. 247), consequência, para ela, de uma interpretação empobrecida das categorias
analíticas marxianas.
Para Lessa (2000) a polêmica posta no interior do debate atual não traz essa
muralha entre as esferas da produção e da reprodução social, conforme assegura
Iamamoto, mas expressa uma cuidadosa demonstração, tomando Marx e Lukács como
referências centrais, em não atribuir ao Serviço Social as categorias marxianas do
trabalho tais como: matéria-prima, meios de trabalho, produto do trabalho, o que acaba
por “generalizar a todas as práxis sociais o que é específico do trabalho”, por um lado e,
por outro, conduz a “cancelar o que o trabalho tem de específico e que o distingue,
enquanto categoria fundante, de todas as demais categorias sociais” (LESSA, 2007b, p.
92).

Considerações finais

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Procurou-se demostrar aqui, a existência de um caloroso debate teórico no
interior da categoria profissional quando o assunto é vínculo existente entre Serviço
Social e a categoria trabalho em Marx. Cabe salientar, no entanto, que “ambas as
perspectivas fundamentam se no que há de mais profícuo na tradição intelectual
progressista de caráter ontológico” (ARAÚJO, 2008, p.25). Tanto Marilda Iamamoto
quanto Sérgio Lessa contribui significamente com a profissão na medida em que
influenciam dois blocos diferentes de interpretação acerca da natureza e funcionalidade
do Serviço Social. A partir deles, vários profissionais se vêm “desestabilizados” e
provocados a assumir seu posicionamento, motivando assim produções acadêmicas que
visam aprofundar o tema. Apesar, disso, tal debate não se faz suficientemente conhecido
entre a categoria dos Assistentes Sociais, sobretudo, entre aqueles que estão diretamente
ligados à “prática”.
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