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DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO*
2. ··A feudalidade não lruida Já completamente elaborada da Alem,tnha, mas
teve sua origem, do lado dos conquistadores, na organização militar do
exército durante a mesma conqui�ta: est.1 organização dcl><!nvolvcu-se de
pois da conqui.sta, MJb o cfei10 das forças produllvru, encontrada:-. nos paf
PIERRE VILAR
_
sc� conquistado� e �omcntc então converteu-se na feudalidade propria
men1e dira•· K. Marx. r�. Engels, L'ldrolog,e Al/enumtle, primeira parte:
"Fcuerbach". Écl1tion Soc1ale!>, Parn., 1968. pág.. 101.
3. Carta de 22 de dezembro de 1882.
4. /bidt'm
º
5. Um dos primc1n>s "c6d1gos" que reúne os usos feudaJ.s, os "UTSAGES '
de Barcelona (1008), d11: "As calçada� e via.s públicas. as ,lguaJ> correntes e
as fontes vivas, os prados, os can1rx,s de pa.,uigem, O!> bosqucli e as ro
ch:15 ... são dos senhores não porque os tenham em 11/âdio (ou SCJU, cm pro A passagem q�1/itativa da sociedade feudal à sociedade capi
pnedade absoluta) ou os tenham cm seu senhorio, ma.s para que cm lodos tnltsta não deve ser colocada de uma maneira acabada (existem va
os momentos seu desfrute passe a seu povo." riações segundo os diversos países): mas nilo deixa de ser útil assi
6. K. Marx, Le Capital, livro Ili. 1. VJ, cap. XVIII, 2 nalar desde seu aparecimento os fatores que preparam. desde longo
7 K. Marll.. Le Capital, Paris. Éd1t1ons Socmle,;. 1967. hvro 111, t. VJII,cap. 1empo, essa mudança de nature,a.
XI VIII. 5, plig. 186. Temos de imediato que todo elemento contrário ao princípio do
8. Um exemplo particularmente e�clarcce<lor encontro-'><! rcprodu,ido por G modo de produção feudal prepam .sua destruição. Este princ!pio é a
Lcfeb,.•re, Quesrio11.1 agraire au lt·11,ps de la Terrmr. 1932. p.íg. 193. Um
prnpricdadc da terra em diferentes gr.ius, e a propriedade limitad.i
memorial enviado pela munic1pa1Jdack de Mornand (departamento Jo
Loire) e a.<;,inado pelos habitantes de outras comuna�. 5 de \Clcmb ro de sohre as pcsso:1c;. daí resultando um circuito quase totalmente fecha
1790, ex.plica que aquilo que o parceiro ou gr..mjciro rC(;ofhe "não é para do entre o produto agrícola e o consumo conjugado das classes cam
ele �não um mót.hco e cruel salário, penosamente encontra aqui uma alt poncsas l' tias classes feudais.
mentaçâo -� ros.,eira: o �-ús gro��ciro pão, un,a úgua pútrida, alguns lcgu As trocas extcriore.<; perturbam este circuito, a circulação mo
m,'s e quc1Jo: ainda lhe llram tudo o 4ue podem de.qcs dob. úfumm artigos. netária dcscnvolve-se, a propriedade absoluta progride (em lugar de
que \âO para ele bastante necci..-.á.rios: se ele não pos!>ui o que lhe pede o �l11K·,.•dcr) diante da propriedade feudal. os homens livres (ricos ou
arrc:ndamcnto, é rrcd:,o 4uc o compre. nssim como os ovos e as aves do� pobres) s.to ca<ln vez mais numerosos que aqueles ainda vinculados
m6ticas que são para clé como o fruto pro1bidn"' Os granJC1ros que têm ;ts relações feudais, a cidade adquire uma grande importância ao la
J>one devem. ud1antado, 800 ltbras pelo mcno:., que recebem de seu pai ou <lo dos campos. constituem-se fortunas mobiliárias, os impostos do
que economizam. Também a municipalidade vê os gr.injciros como " se rvi I·stado vêm compelir com os tributos senhoriais: todos estes atos são
dores domésticos. m, primeiros valets de /ubour. bem menos assalariados e
ameaças à pureza do regime feudal e preparam sua desagregação.
com mu110 mais rio;c<k- que aqueles a quem (os senhores) dão. com este
nome, um salúno de criados bc_!l1 mais seguro". Alguns deles aparecem desde o século Xl, daí sucedendo que, lo
9. K. Marx. Le Capuat, Pari.s, Editions Socialés, 1969, Uvro 1. t. JJJ. cap. calmente, pode ser esboçado um modo de produção capitalista. Marx
XXIX . o admite paro algumas cidades itaJjanas no século XIV.
Ma-. estes esboços isolados retrocedem em seguida, e não po
demos falar de verdadeira passagem ao capitalismo senão quando
r'-·g,úcs ,ulic1cntemcntc extensas vivem sob um regime social com
pletamente novo . A passagem somente é decisiva quando as revolu
Tradução: Theo Sanüago c,ocs polít1cas snnc,onam juridicamente as mudanças de estrutura, e
lfuando novas cla-.'ies dominam o Estado. Por isso a evolução dura
v:írio, séculos. Ao final, é acelerada pela ação consciente da bur
gucsi:1 Portanto, a instalação do capitaUsmo será no final imis rápi
<la que.: H do lcudalismo, da mesma forma que a instaJação do socia-
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40 PIERRE VILAR
A TRANSIÇÃO DO FEUDALISM O AO CAPJTALISMO 41
Flandres. a produção t�xtiJ desunada à e1tportação adquire, excep
têxtil f:v com que na Inglaterra e cm Castela a criação de came�s
cionalmente, aspectos de esboço maí,; próximo do capitalismo2, roas concorra com n agricultura e despovoe os campos. f: uma cspec1al1-
que, historicamente, não é detennínante.
wçiio que vai no sentido do cap1ta.li<;mo (produção para o grande
Com efeito, vemos que se a crise geral do feudalismo, nos sé comércio. êxodo rural com vantagem para as cidades, prolctarização
culos XIV e XV. deixa que flutuem algumas ilustres prosperidades do campesinato), mas que contribua para a diminuição da massa de
urbanas, algumas bril�antes fortunas mercantis, isto é mais apa alimentos disponível par.i a população. Contudo, em outros lugares
rência que realidade. E o rempo do luxo, dà.s grandes \:Onstruçóes, como na França, as terra.� abandonadas quando da fome do século
dos mecenas das artes, mas não é o do auge produuvo •\s grandes X IV e <lur,rnlc as guerras, recuperam-se a partir do<; anos
burguesias enriquecidas vivem daí cm diante de renda.,, ou compram t460-1470, correspondendo a um aumento demográfico. que desem
terras feudais; imitam os grandes �nhores São ela., que sustent am penha durante ccno tempo o papel de um progresso das forças de
sempre os senhores quando se produzem a<; guerra.,; camponesas. No pro<lução .
interior das comunidades, as lutas de classe agravam-se e os siste E.,;te 11npul,o mJemr, foi finalmente interrompido a partir dos
ma!> represenmtivos, que sempre foram olig�rqu1cos, tmn�fonnam-sc
lll11mos anos t.lo século XV, por uma injeção de riqueza e.\ltnor dc
cm "tiranias". ,.ido à expan,ão maríuma e colonial.
Por último, as cidades do Mcditerranco que haviam realizado A circunnvcgaçfio ,J:l África, o descobrimento da rota t.la.s Ín
as mais importantes "repúblicas mercantis". caem em decadência, dias por Vusco d; Galll3, o da América por Colombo e a volra ao
pelo rnenm; relativa. devido à conquista t.lo Oriente pelos rurcos e mundo por Magalhães elevaram o nível científico e amplia.mm a
diante do triunfo dac; rotas comerciais do Atlântico. Scri agora em
concepção do mundo na Europa.
Flandres. na [nglatemi, cm Portugal e Esrmnha que aparecerão as
Ma,; uo mc,.mo tcmpo o grande comércio de produt0s cxócic()s,
novidades decisivas par.1 a tran.;formação do Ocidente europeu.
de cscrnvos e metais preciosos - a verdadeira finalidade dos .. des
De fato, a primeira etapa da fonnac;ãn do cap1tafümo, depois cuhmlorc, ·' - voltava a ,;er aberto e exO"aordinariamcnte runpliado
da crise dos séculos XIV e XV. nfio poderia íundar-:sc senã('I por um
Um,1 nova cr.i abria-se para o capital mercantil, mais fecunda que a
avanço das forças produtivas. que ocorreu entre meados do século
elas ro..·p1íhl1�·:ts meditcmineas da Idade Média, porque t.lc,ui vc1
XV e XVI
consrituía-sc um mcn."ado mundial e ,;eu impulso afetava roto o st.\•
1c:nk1 prr__'<lwivo ,·urof""''· ç porque grandes E,,;1;1dos, e náll IT:\is sim
plc,. cidades, daí iriam 11prnve1tar-se para se constitu(rem.
SÉCUWS XV-XVI. AS FORÇAS PRODUTIVAS.
INVENÇÕES E DESCOBRJME.l'vl'OS
1\ ACUMUIAÇÃO PR/MrTNA Df CAPrTAL
Foi precisamente ao longo da crise geral do feut.lalLsmo (como
Os ccunomi,tas burgueses, ao fa1erem do capital a origem t.la
reação a ela) que numerosas invcnçf>cs vier..un modificar o nível das
pro<luç:\o, vi:un-,;c com t.lificuldaJcs para Cllplicar, por q.ia ve,.
forças de produção. Recentes estudos precisaram que no século XV a on}:<"lll tio capital. Marx ridicularizou esta evasiva diarte deste
o número de inventos foi maior que no século XVJJ. O uso da arll
"p,.-i:ado original"' e ,ua idílica e�plicação a partir do c-;rírito de
lhuria obrigou a impulsionar a produção de metal. O primeiro alto p1111pan,a do, hoM e o cspírico pcrdultirio dos maus. Max Weber, ªº
forno data do século XV. A difusão do pensamento humano, com .
,11rilmtr c,tl' l'<i f)Ínto de poupança ao protc4-tanusmo. niío IC7 mais
a invenção da impren'>a, o progresso da c1êm.:ia da navciação, de lJlll' ,omar 11111 no,·o mito à velha ftibula apologl!taca.
sempenharam um papel não menos importante. Pela pnmeira vel,
Man. tkmonstmu magistralmente 1 que, ,e o capital se repro<lu,
técnicas tndu'itriais e técnica,; de comunicação ultrapassam a técnica l' !><.' acumula som,·ntc pelo hvrc Jogo da<; força� econôrn cas. foi
agrícola. É o começo de um processo que colocará a .indústria no pi,·t'i"l, t'nln:lilnhl, qul' ,ua acw1111/t1ção primtti'I-·" se h1css,! graças
primeiro plano do progre%o. Na agricultura, a hort icultura (Jlália, hs "i,c:-., a, v1olênc ,,...,, aos dc,cqutlíbrio.,, ao� aç:1rnharcarrll'.!ntos e
vale do Loire) e talvel a viticultura, conhecem algumas melhoras r,s u�uras 4ut· man:aram n fim do regame feudal e a cxpan,ão dos cu•
Mas o rendimento dos grãos não ira senar um progres-.o antes do sé 1,,1x:u" auuv\!, do mundo. Dcve1l'O'i a,sinalar aqui .'iua, pnncipa1'
culo XVlU, e as colheitas conunuarão a ser irregulares, com carc<; 1111>il,1lid,nk,, que ho.Jé a h1stüna econômica curop6a dcf'1,rma cm
tias periódit·a,;. Em e<mtrapart1da, o apelo comercial da indústria 11111110" t"aso, (Mo>. Weber e Keync� conservam uma inílul'�cia nc-
A TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO AO CAPJTALISMO 43
42 PIERRE VILAR uma proletarização. O número dos Lrabalhadores qu� di spõem �e
_
seuc; meios de produção chegou a ser ínfimo. O cap1taJismo mais
f �ta): _mas sobre as quais investigações históricas majs profundas
avançado expropriou completamente o camponês, fazendo o que
nao deixam de trazer complementos e confirmações dos geniais es
finge reprovar no socialismo.
boços que Marx traçou, confirmações que nem sequer os historiado
1
res mais honestos preocupam-se em colocar cla.ramen1e. b) Saque e exploração colonial.
Diversos aspectos de suas conseqüências
a) Expropriação agrária e proletarização das massas rnrais
A coloniwção eu ropéia em escala mundial determina outro as
Na Inglaterra, a pequena propriedade e o goL.o dos direitos pecto da acumulação primitiva, realtzando-a por mecanismos bas
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contnbufram para desenvolver, a partir do século XIV uma classe tante variados:
ruraJ precocemente comprometjda na produção artesanai' e na comer
ciaJi �ç â<? dos produtos. Po� esta �sma ra?ão, a diferenciação entre Os saques. Delicadas jóias arrebatadas dos índios das ilhas,
aJdeaos ncoo; e pobres e o rncenttvo de grandes lucros conseguidos imensos tesouros dos príncipes mexicanos e incas: tudo foi direta
sobre os campos de pastagem. devido à exten�ão da indústria de lã, mente transfondo para a Europa. É correto que os "conquistadores"
tro �xeram como conseqüência uma expulsão em massa dos pequenos espanhóis e o imperador Carlos V de<licaram cssen�ialmente e:.tes
agncultores durante os séculos XV e XVI e uma apropnação siste primeiros lucros a suas empresas militares ou suntuárias, mas o o�ro
_
mática de sua� parcelas, bem como das terras comunais pelos gran passou às mãos tios me rcadores, dos banqueiros que, como os Fug
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<1:s propn _etários. O despovoam�nto, o empobrecimento dos campos gcr ou os Welscr. converteram-se nos intennediários da aventura
sao dcscntos de forma dramática pelos conlcmporãneos. Thomas colonial.
Morus, em Utopia, fala do pafs "onde os carneiros devoram os ho É claro que uma economia não pode basear-se durante muito
me ns". A legislação foi impotente contta este movi me nto. E foi tempo no simples e puro sa�ue. Mas tan1pouco deven:os ci:er que se
contra os pobres, desocupados e vagabundos que a lei acabou vol tratou de um breve episódio. Os holandeses, que d1fundiram urna
tando suas armas. A pnrneira "lei dos pobres'', no reino de Eliza vl'rsüo haMantc m:gra das crueldade,; espanholas na América, não
bclh. preparou, sob o pretexto de ajuda obrigatória, cs ..as futuras foram menos cru�is nas ilhas do Extremo Oriente, as quais ocuparam
"casas de trabalho .. onde o pobre "que niio tinha on<lc cair morto·• 110 sfrulo X VJI, nem os ingleses na Índia (século XVIIl). Al<!m do
.sena colocado à disposição do produtor industrial. que. desde o 1empo de Elit.abeth, uma das grandes fontes de enn
Expropriação-proJetariz.ação são os dois 1cm1os di! "acumula qut·cimcnto da corte real inglesa fora a piralaria, a pilhagem direta
çJo pnnuuv _a.. no estado puro, a perfeita separação. mediante a vio dos carregamentos c,;panhóis. A esta economia de pilhagem, a colo
lencia legalizada, do produtor de seus mcms de produção. Por isto nu.ação a seguir acrescenta uma exploração contínua e sistemática.
Ma.n: elegeu o exemplo inglês dos ,;�cu los XV e XVI como símbolo.
Para dizer a verdade, teremoc; que esperar o século XVHI para que o Exploração coloninl e alta de preços nn Europa. Muitos histo
_ nadorcs contentam-se em constatar: é produzida, na Europa no sé
processo seJa concluído, e <,omcntc na Inglatcrra "cumpriu-se de
uma maneira radical": cu lo XVI. uma chegada em massa de ouro. e sobretudo de prata. Isto
desencadeia uma .. revolução nos preços": o preço dos produtos eu
Mas _cm todos os pali,cs da Europa Ocidc1110l produ1-sc O mesmo wpcus sobe, por vezes, numa proporção de 1 a 4. Como os salários
movimento, ainda que, mcd1an1c ro meio, mude de cor local ou en -;obcm muito menos. produz-se uma ''inflação de lucros", e o pri
cerre-se num cín:ulo m.1h cstrc1to. ou apre,cntc um caratcr menos nll!im grande episódio de criação capi1a)jsta.
pronunciado ou siga uma ordem de :o,ucc,,.io d1 fcrcn11•4. O esqucmà não é faJso, e Marx foi o primeiro a descrevê-lo em
1847 no Trabalho assalariado e capital:
Na RLíssia, por exemplo, Lênrn descreve o movimento de cx.
propriação--pmlctarização c01110 conc;cqüência da libcrtaçito do,; ,;cr No ,éculo XVI, a quantidade de ouro em circulação na l::uropa
vos em 1861. "Ja :rança, onde é mantida a pmpnetlade cm pequena,; aumentou ror con�üência do descobrimento das mmas am!rica
na\, mais ricas e f:iccis de explorar. O resultado foi que<> valor do
parcc !as. com a aiuda da legislação dcgaullista, prossegue-se à cx
ouro e da prata diminuiu cm relação ao de outros artigos de ct�n
propnação-prolctari;r.ação do camponêc; Nos Estado,; Unidos. con<;i .>l11110. Conlmuava-M! a pagar aos trabalhadores os mesmos stlános
dera- �c que a baixa percentagem da população ocupada na agricultu
ra scy\ um sinaJ de "desenvolvimento": isto é lamh�m a medida de
A TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO 45
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!à.,
l A CRJSE GERAL DA ECONOMIA EUROPÉIA 79
A CRISE GERAL PROVAS DE UMA CRISE GERAL
DA ECONOMIA EUROPÉIA NO SÉCUW XVII*
lfá uma grande quantidade de provas sobre a "crise gerar. No
entanto. deve-se evitar a tese segundo a qual uma crise geral
equivale a uma regressão econômica, idéia que esteve presente em
ERIC HOBSBA WM
toda a discussão sobre a "crise feudal" dos séculos XN e XV. É
evidente que houve uma regressão considerável durante o século
XVII. PeJa primeira vc7. na história, o Mediterrâneo deixou de ser o
centro mais unportantc de influência econômica e política e,
eventualmente, cultural, tendo se transformado num mar estagnado
e empobrecido. As potências ibéricas, a Itália e a Turquia
apresentavam um evidente n.:1roccsso. Quanto a Venew,
Neste artigo pretendo mostrar que a economia européia passou encontrava-se a ponto de transfoanar..,c num centro turístico. Com
por uma ..crise geral" durante o século XVU, última fase da transi exceção de alguns lugares dependentes do, estados do noroeste (cm
ção geral de uma econonia feudal para uma economia capitaJista. geral porto s Livres) e da metrópole pirata de Argel, que também
Por volta de 1300, quando se tomou evidente que a sociedade feudal agia no Medilerrãneo3. havia pouco de!ó,(·11volv11ncnto. Mais ao
eu"?péia I enfrentava graves problemas, certa<: regiões da Europa em norte, o declínio da Alemanha era evidente, cmhom de fonna
várias ocasiões pareciam encontrar-se à beira do capicalismo. Tosca alguma irremediável. Na Polônia báltica, a Dinamarcu e a l lansa
na e Flandres no século XIV e a Alemanha do infeto do século XV[ declinavam. Embora o poder e a iníluência doe; 11:ihshurgos
tinham um clima de revolução "burguesa'' e "industriar·. No en auslríacos aumentassem (em parte talvez devido ao ded 11110 tão
tanto, apenas em meados do século XVII esse cJima se transformou dramático dos outros) seus recursos continuavam sendo c,cassos e
em algo além de um quadro essencialmente medieval ou feudal. As sua estrutura política e militar era fraca, mesmo durante o pc:rfouo de
primitivas sociedades urbanas nunca obtiveram um êxito total nas sua maior glória, no início do século XVUI. Por outro lado, as
revoluções que prenunciaram. Não obstante, desde n início do sé potências marítimas e suas dependências - Inglaterra, Prov1t1t·1nc;
culo XVIl. a c;ociedade "burguesa" avançou. sem encontrar grandes Unidac;, Suécia - asc;tm como a Rússia e outras regiões menon.•..,
_
obstáculos. A cnse do século XVI[ difere. portanto, das que a pre corno a Suíça, pareciam se desenvolver ao invés de estagnar.
�eram no fato de que levou à solução dos problemas que se ha Quanto à lnglatcrm. encontrava-se em pleno avanç o. A França
viam apresentado anteriormente a o triunfo do capitalismo, de um se cm.:ontri.lva numa situação intermediána. embora seu triunfo
modo tã? fundamental quanto esse sistema o permitia. O objetivo poHóco 11:ao se tenha feito acompanhar por um grande progresso
deste a.rugo é ordenar parte das provas que demonstram a existência econômico a não ser no final do século, e mesmo assim de forma
� uma crise geral - ainda muito discutida - e propor uma explica intermitente. Na rculidadc, depois de 1680, impera nas discussões
çao para a mesma. Pretendo discutir em outro artigo algumas das wna atmosfera ,omhna e crítica, embora as condições durante a
transformações d_ecorrentes dessa crise, bem como a fonna como fo primeira metade do ..,1iculo fossem excelentes. (Talvez a grande
�am s �perada�. E muito provável que dur.mtc os próximos anos se catástrofe de 1693-94 o cxpliquc)4• Foi no século XVI e não no
Jam feitos vários trabalhos históricos sobre este tema e este período. século XVII que os invasorc, mercenários se deram conta de
Na reaJidade, vários historiadores têm se referido à hipotética exis quanto
o período havia
de Ipara saquear
lcnriquc na !•rança.
IV como e os de
uma época indivíduos da épocaque
ouro. É possível de
tência dessa "paralisação geral do desenvolvimento econômico" ou Richelieualguma,;
durante e Colbert encaravam
décadas, em meados do século, os lucros obtidos no
crise geral. de que tratamos neste artigo2. Convém, portanto, apre Atlântico não fossem suficientes para compensar os prejuízos no
sentar antes uma visão geral do problema e fazer algumas especula Mctlilcm1nco, Europa Central e Báltico, cuja produção encontrava
ções so� re hipóteses de trabalho nesse campo, quanto mais não seja se c,;tagnada ou talvc7 cm declínio. No entanto, o que interessa é o
para estimular novos estudos sobre o assunto. dc:l'1-.ivo avanço verificado no progresso do capitalismo.
Os dados isolados sobre a pop1,lação européia sugerem, no
* Hobsba��· E. ''Thc general crisis of thc EuropC<tn cconomy m the 17th pior Jo,; casos. um declínio de fato; e no melhor dos casos, um ni
century , m PcMI and Present. A Joun:(1/ of hi.11,mcal .11uúw,, n� 5 e 6, maio velamento ou ligeira elevac;ão em meio às oscilações da curva po
e novembro de 1954. Thc Past and Prcscn1 Soc.1ct)', Corpus Christi pulac.:ional ôo final do século XVI até o século XVJTl. À exceção
College, Oxford. Reprodução autoriiada pelo autor e por Thc Past and
Present Society.
ER IC li08SHJ\ W\I
A CRISii Gr!RAI. DJ\ I.:.COI\OJ\tlA EUROPÉIA X5
1670. embora não se possa estabélcccr datas precisas numa dis
cussão sobre movimentos económ1cos de longa <lumção. A partir AS CAUSAS DA CRISE
d,1(, os dados são contraditórios. É possívi.:I que os sintomas de
renascimento tenham superado os de crise não só (evidentemente) Ao discutir a cn ..c do séc:ulo XVIf levantamos um dos proble
nos Estados marítimos como também em outra" rc!?i<'les. No entanto, ma� lumlamcnt a1, <obre a asccn.. iio do capitalismo: por que a expan
as violentas oscilações de alta e depressão. a fome, as n;voltas. ept -.:í11 do l111al dos séculos X\' e XVI não levou diretamente à Rcvolu
demius e outros sintomas de profundos trnnsrnmos econômico" no çfio lndm.trial dos ,éculos XVIIJ e XIX'! Em outras palavras: quais
período de 168� 1720 deveriam servir par..i nos alertar a fim de não lora111 os obsrúculos à cxp;msáo capitalista'! Convém adiantar que as
anteciparmos o período de recupemção total. Emhom a tendência n.·,posra, sfiu tanto gerai-. como particulares.
fosse asci.:ndcntc. talvez. desde a década de 1680 - e mesmo antes O �1cmdnio geral pode ser resumido no seguinte: para qui.: o
em pa(-.cs isolados - encontrava-se ainda sujeita a flutuações desas c.,pitali,mo se implante. a estrutur.i da -.ocicdadc feudal ou agnúia
trosas. deve pa,sar r>or uma revolução. A divisão sociaJ do tmbalho tcr.1 de
,cr mu11<1 elahorada, caso se deseje incrementar a pmdull vidaclc. e a
No entanto, o que se poderia argumentar. é que aquilo que força S<x-ial de trnhalho deve ser radicalmente redistribuída - pas
descrevi como sendo uma ··crise geral" não foi senão resultado das sandü cfa agricullttm pam I inJústria - Llurantc esse processo. A
guerras do sJculo XVII. ec;pccialmentc da Guerra do-. Trint.i ,\nos pmporçfto de pnklução negocrnda no mcn:ado ..upr,ilocnl deverá
(1618-1648). uumcntnr nip1damcn1e. Enquanto não hnuvcr uma grdJldc quantidade
de trnhalhad,)re, assalariados. en4uanto os homens satisfizerem sua.,
No pas,;ado. os historiadores costumavam adotar (ou melhor,
ncccssid,1des ntrnvé de sua própria produçiiú ou at.rav.:s do inter
tornar corno certo) esse pomo de vista \fo entanto a crise aictou vá
ria-. rcgioos da Europa que não tinham sido devastmfas por generais cúmbm cm numem\OS mcr�11dos locais mais ou menos autár4uicos.
e intendentes do exército. Alguns trndicicmais "barris de pólvora" mnd,1 cx1stcnres na soc:ie<l.iues primitiv�L'-, existirá um limite para
da Europa (comn a Saxónia e os Paí.se<; Baixos) estive� pelo o luc,o cap1r:il1sta e poucos im·,mtivos paro se Pª""ar ao que poderia
contrário. cm melhore-. condições que oulr.i'- rcgiõc, mais tmnquilas. sei, de uma 11mnc1r:, muito geral. denominado de produçiio em massa
Além dis'4l, manifestou-se uma tendência pcrsistcnlc cm exa gerar o (base cio cksenvu]vimcnto c;,pitali,w industrial). Historicamente nem
contínuo e prolongado prejuízo c-ausauo pch.1s gucrr..t.., do !iéculo c111prc é possível ..cpar.tr C'>lC.'- processos. Podemo-. falar de "cria
..
XVII. Atualmente. sahemos que (pennancccndo os outros fatores ,.,o do merendo interno cap11alista ou da sr..:parnção entre os rro
semelhantes) a diminuição de população, produção e capital decor dut,>rc� e os meios ele pm<lução. que Marx denominou "acumulaçfü.>
rente das guerra<; do século XX. cuja capacidade dc1;trutiva é muito prinu11vn"24; 11 criac;ão de um mercado amplo e em c,cpan,;ão para os
maior, pode ser recuperada cm 20 ou 25 anos. Se o mesmo não se hens e um., força Llc trnbalho livre. ampla e disponível são duas cm
verificou no século XVH foi porque a<. gucrr..i,; agravaram as ten ,,, que vem ,emprc Junta". �fio dois aspecto-. <.lifcrcntes de um mes
dências de crise Já custentcs. Isto não significa m!gar sua importân mo pro<:csso.
cia. embora seu.., efeitos tenham sido mais complexos do que poderia J>or vc.1cs considera-se que o desenvolvimento de uma .. classe
.
parecer à primeira vista. Assim. às devaslaÇÕC!-> causadas pela Guerra l',tp1tahsr:i . e tios clcnll.!ntos da fonrui ct1pitalista de produção dcntro
dos Trinta Anos, em parte da Eurona Central. devemos onor o estí de uma S\>C1l·d.1dc feut.lul lev.1m. autonU1licamcntc. a estas condiçõe�.
mulo que a guerra representou pam a mineniçi.io e a metalurgia em l�rum <lc uma pcn.pc�·tiva mais geral e a longo prazo. "e considc-
geral, bem como sua rc,;ponsabilidad1: na alta temporária Jc preços 1tinno� os sl�l'ulns incluídos entro o ano 1000 e 1800. u atinnaçúo
nos países não beligerantes (seu benefício ll!mrx1rário para Carlos (, trnten11r lomn-sc v:íliua. Nn cnt:mto, n mcsrno n5o !'>C verific.i a curto
durante a década de 1630). Tamhé111 é prov�vcl qm• se nüo fosse is pr.i;,o Cnso na,, cxi,twn ccrtns condições - e ninda não esLão clarm,
. ljll.11:s s:io c.ss.1s condi<;tl('S o raio de expansão capitali,ta será limi-
so. o grande "aumento dos preços. teria rido tim na décélda de 1610
e não na <.lc 1640. Pode-se ter quase como certo que a guerra des 1,1110 1.icl,1 pr,·dornrn5ncia gemi da t•stnllurn feudal Lia �cicda<lc. 1,to
viou ., inddência da crise e. no geral. a agiavuu. Finalmente. con é. pcl.1 st·1,1r rurnl dnmurnnte ou t:ih.cz ptff ,tlguma outra cstnaturn,
vém c..·onsidcrar se a crise levou, de certa forma. u urna situação que comu n pn.•dom111il111:i.1 cio espírito trihal ou da prcxlu.,-50 de mcn:mlo-
precipitou ou prolongou a guerra No cntanro. este p<mto não é es 1 i.1s 1m.:11on:s lJlll' "imohilizL· • tanto a lor�a de trtthalho porcncial L' o
C>,;cc,k111c p1Jl�11 inl do, m, c.... umcnto� pmdutivos qu.u110 .1 ch:rnandu
sencial para nosso argumento e talvez leve a di.:masi.ida CSpéculação,
tugindo ao nosso tema. po1c11crnl do .. bcn produz1dl, de lonn:i c,1pi1,1lista De11tru dessas
ou11d1çoes, C<llllO M,tn, demonstrou no ca"o <1.1 cmp,csa mcrcanrilio;-