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| E-ISSN 1808-2599 |
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.20, n.1, jan./abr. 2017.
as disputas em torno de um episódio específico
haitianos no Brasil, buscando compreender os
envolvendo a produção e publicação “não
consentida” da foto de um imigrante haitiano pelos impactos dessa visibilidade nos seus processos
jornais Agora e Folha de S. Paulo. Orientados
de inserção e cidadania no novo contexto de
teoricamente pelas noções de imagem, visibilidade
e cidadania, os resultados obtidos problematizam imigração. Para isso, analisamos um episódio
as relações entre estética e política na ordem de específico envolvendo a produção e difusão, em
visualidades das migrações contemporâneas e os
impactos de uma visibilidade midiática compulsória,
2015, da foto de um imigrante haitiano procedente
a qual destitui de agência os imigrantes e do estado do Acre, recém-chegado em ônibus à
descontextualiza os processos migratórios.
cidade de São Paulo juntamente com um grupo de
Palavras-Chave
imigrantes da mesma nacionalidade.
Mídia. Imigração. Haiti. Visibilidade. Cidadania.
Figura 1: Capa da versão impressa do Jornal Agora, onde foi publicada a foto premiada do imigrante haitiano
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Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.20, n.1, jan./abr. 2017.
Fonte: Jornal Agora, 19 de maio de 2015.
1 Versão revisada de artigo apresentado no GT Comunicação e Cidadania do 25º Congresso Nacional da Compós
(Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação), realizado de 07 a 10 de junho de 2016, no
campus da UFGF, em Goiânia. Artigo resultante de projeto de pesquisa financiado pelo CNPq (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
2 http://www.premiovladimirherzog.org.br/busca-midia.asp?cat=fotos
3 A expressão “foto roubada” foi utilizada em mensagem de divulgação de petição online contra a publicação da foto que
circulou na lista de e-mails da Associação de Estrangeiros e Imigrantes no Brasil. Ver https://br.groups.yahoo.com/neo/
groups/estrangeiros_ANEIB/info
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–, integrantes de redes migratórias e de outras da grande mídia, sites, redes sociais, blogs,
organizações de apoio às migrações do Brasil, etc.), evidenciaram e compuseram o conjunto
comunicadores de mídias alternativas,4 assim de percepções, posicionamentos e disputas de
como indivíduos que interagiram nos espaços atores que instauraram, nas mídias, um debate
digitais de compartilhamento da imagem. em torno da publicação “não consentida” da foto
do imigrante haitiano.
Compreendemos essas disputas em torno da
publicação da imagem do imigrante haitiano Imagem, visibilidade midiática
como um episódio não isolado, mas revelador, de e cidadania das migrações
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modo mais amplo, de alguns dilemas relacionados
aos imbricamentos entre estética e política que Desde a modernidade, as sociedades
demarcam os novos regimes de visualidade da contemporâneas vêm experimentando
sociedade contemporânea, os quais têm tido reconfigurações na ordem do intelectivo e do
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incidência nos processos de visibilidade midiática sensível a partir da instauração de um regime de
das chamadas minorias, especialmente dos novos visualidades ancorado na profusão, no excesso e,
grupos migratórios internacionais que chegaram em alguns casos, na espetacularização, que, em
ao Brasil a partir de 2008. O episódio é indicativo grande medida, decorrem da própria centralidade
igualmente da emergência de agenciamentos assumida pelas mídias na vida social. Segundo
e ativismos por parte de imigrantes haitianos sintetiza Rocha (2009, p. 35), “[...] excesso rima
e suas redes e organizações na perspectiva de aqui com anestésico [...] A cultura da visualidade,
reivindicarem o direito de intervenção individual encantada pela potência da externalização da
e/ou coletiva nos modos de produção midiática produção imaginária, pode colocar em risco parte
de imagens e narrativas sobre suas experiências de seu magma de subjetivação e de memória”.
migratórias e produção de suas próprias políticas
de visibilidade midiática. Diferentes teorias do social, conforme retoma
García Canclini (2010), reconhecem que os
Em termos metodológicos, a reflexão aqui imaginários que derivam da produção, circulação
proposta se constrói a partir da observação, e apropriação das imagens também representam
coleta e análise, no período entre maio e e instituem o social. Conformamos, através
outubro de 2015, de narrativas que, em das imagens, nossa vida em sociedade e nossa
diferentes espaços digitais da internet (portais relação com o Outro, o que faz com que “não nos
4 Especialmente o blog Migramundo, lançado em outubro de 2012, com o objetivo de ser um espaço de abordagem da
migração como um direito humano e debater as múltiplas facetas que constituem a realidade migratória no Brasil e no
mundo. Ver http://migramundo.com/sobre-o-blog-migramundo/
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se, na visão do autor, em maneiras de organizar o realidade e não existe fora dela, mas precisamente
sensível, ou seja, “de dar a entender, de dar a ver, nela” (MACHADO, 2015, p. 48).
de construir a visibilidade e a inteligibilidade dos
acontecimentos”.5 Ao lembrar que a câmera nunca é passiva diante
de seu objeto, o autor preocupa-se, ainda,
A ideia de que a política tem sempre uma em enfatizar os arranjos e as configurações
dimensão estética, assim como são estéticas que se produzem em função de sua presença,
as formas de exercício de poder na sociedade, evidenciando que “toda a fotografia, seja qual for o
reposiciona o próprio debate em torno da referente que a motiva, é sempre um retângulo que
dissociação entre ética e estética no campo da recorta o visível [...] evidentemente essa escolha,
produção midiática e jornalística, o qual também esse recorte, não são nunca inocentes, nem
irá demarcar o episódio aqui focalizado de gratuitos” (MACHADO, 2015, p. 90).
publicação da foto do imigrante haitiano.
No caso específico da fotografia jornalística,
Assim, o (re)estabelecimento do vínculo entre Machado observa, também, que grande parte de
estética e política nos informa que não há seu efeito de “distância” e “objetividade” decorre
isenção ou neutralidade possível no processo de do ângulo de visão privilegiada assumido pela
produção de visibilidades (BRASIL, MIGLIORIN, câmera em relação ao objeto fotografado, ou
5 http://www.ihu.unisinos.br/noticias/25567-a-partilha-do-sensivel-entrevista-com-jacques-ranciere
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seja, de seu lugar panóptico. Somente esse lugar, possíveis apropriações e interpretações que
de acordo com o autor, “é capaz de resolver um se desenrolam na instância do consumo e da
problema duplo: possibilitar uma visão abrangente recepção das imagens.6
e integral do evento e ao mesmo tempo simular
uma posição externa ao evento, como a de um “Certas imagens fotográficas parecem injuriar
turista visitando a realidade alheia” (MACHADO, certas pessoas e não outras”,7 sintetiza Jorge
2015, p. 121). Pedro Sousa, na perspectiva de reiterar que a
inevitável polissemia da imagem, sua ambiguidade
Ainda no caso específico da imagem fotográfica, e pluralidade conceituais, faz com que o sentido
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nos valemos da síntese de Rancière (2012) último de uma imagem publicada por meios
quando analisa a dupla poética que emerge da jornalísticos dependa sempre do consumidor
fotografia como arte e recurso técnico, conforme da mesma (SOUSA, 2002, p. 136). A dificuldade
nos sugere o próprio episódio de publicação da de interpretar a conotação fotográfica; o
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imagem do imigrante haitiano aqui apresentado. direcionamento da interpretação da foto pelo
Ou seja, quando a fotografia se torna uma arte e contexto em que é apresentada; a tendência
“faz falar duas vezes o rosto dos anônimos”, por um de o observador enxergar nas fotografias suas
lado, “como testemunhas mudas de uma condição próprias projeções, a separação entre fotógrafos
inscrita diretamente em seus traços, suas roupas, e observadores são aspectos que, elencados por
seus modos de vida”; e, por outro, “como detentores Sousa, concorrem, no campo de interpretação
de um segundo que nunca iremos saber, um segredo da fotografia jornalística. Isso, no entanto, não
roubado pela imagem mesma que nos traz esses eximiria de responsabilidade profissional e social
rostos” (RANCIÈRE, 2012, p. 23-24). os jornalistas ou trabalhadores da mídia que
atuam na área da imagem.
No entanto, o atual regime de visualidades das
sociedades contemporâneas fundado na profusão No próprio episódio da imagem do imigrante aqui
das imagens – e que torna o tema da ética e do analisada, essa polissemia no âmbito do consumo
direito à imagem das chamadas minorias ainda de imagens pode ser evidenciada em postagens
mais sensível – alude não apenas ao campo da que acompanharam a publicação da foto nas
produção, mas também está condicionado pelas redes sociais e no blog Migramundo. “Não é a
6 O que não significa aqui consentir com ideia de que uma imagem seja infinitamente aberta em termos de interpretação,
mas sim que, conforme os contextos de produção e circulação, ela admite múltiplas e, às vezes, contraditórias leituras.
7 Poderíamos acrescentar que isso se observa ainda mais em relação às imagens que reportam situações humanitárias,
como é o caso da fotografia aqui analisada.
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foto que é desumana. São as condições deles. Se pelas mídias, das migrações transnacionais, a
a foto incomodou os pobres olhos sensíveis de qual parece guardar uma pretensão narrativa
vocês, talvez tenha atingido o objetivo principal”, unificadora ao enunciarem, de modo dominante,
se pode ler em uma das postagens na fotografia essa imigração associada a problema, conflito e
do haitiano compartilhada no perfil da Folha ameaça e a partir predominantemente de estéticas
de S. Paulo no Facebook.8 No blog Migramundo, da espetacularização e do flagrante.11
em comentário à entrevista concedida pelo
fotógrafo, autor da imagem, um leitor9 considera Essa hipervisibilidade tem gerado, no Brasil,
“lamentável” o fotógrafo ter concluído que “os um conjunto de reflexões e debates acerca
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direitos humanos não estavam sendo respeitados da dimensão política que demarca esse
(não por negligência da Entidade)10 e, sem fluxo de imagens e, ao mesmo tempo, sobre
sensibilidade nenhuma, desrespeitou ainda mais as relações entre estética e política na
ferindo o imigrante na sua dignidade”. O leitor produção midiática a respeito das migrações
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destaca, ainda, o fato de o fotógrafo ter entrado no transnacionais. Imigrantes e suas redes, assim
ambiente “invadindo a privacidade” do imigrante como organizações de apoio às migrações e
e “ousando fotografá-lo num momento singular pesquisadores dedicados à temática têm, por
e sagrado de sua intimidade, a sua higiene, exemplo, se mobilizado para a denúncia pública
completando o desrespeito que julgou ter visto, e desconstituição de imagens criminalizadoras
mesmo sabendo de toda a situação e da casa das migrações e para a sensibilização e
lotada, incapaz de atendê-los”. o comprometimento dos profissionais da
comunicação com a ética envolvendo a
As pesquisas sobre mídia, migrações visibilidade midiática dos imigrantes.
transnacionais e cidadania que temos
desenvolvido vêm nos possibilitando observar Dessas mobilizações, têm resultado, dentre
a materialização dessa ordem contemporânea outras, iniciativas orientadas à problematização
das visualidades em uma hipervisibilização, da visibilidade midiática das migrações como
11 Exemplo recente foi a replicação exaustiva da imagem do corpo do menino refugiado sírio Alan al-Kurdi, de três anos
de idade, que foi encontrado morto em uma praia da Turquia ao cruzar o Mar Mediterrâneo com a família na tentativa
de ingressar na Europa. Ver https://en.wikipedia.org/wiki/Death_of_Alan_Kurdi
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e comunicadores brasileiros para o tema das esferas públicas transnacionais. São espaços
migrações (COGO, BADET, 2013). nos quais, como destaca Navarro García (2014),
os grupos migrantes e não migrantes podem se
Além disso, tem sido possível observar a reencontrar, compartilhar interesses e valores
instauração, por parte dos próprios imigrantes, comuns, assim como propor mobilizações e ações
de dinâmicas de exercício de uma cidadania coletivas, conforme foi possível observar no caso
comunicativa a partir de iniciativas de criação de da “foto roubada”, em que imigrantes haitianos
espaços comunicacionais contradiscursivos de e a Organização de Haitianos de São Paulo
enunciação de suas experiências migratórias. É intervieram ativamente no debate travado tanto
o caso dos imigrantes haitianos que, em distintos em espaços das mídias como fora dela.
espaços da internet (blogs, sites, redes sociais,
etc.), têm se mobilizado para atribuir visibilidade a Essas intervenções podem ser situadas, de modo
suas demandas por cidadania, as quais abrangem, mais amplo, no escopo de um ativismo crescente
dentre outras, questões vinculadas a processos de que, no campo das mídias, vem sendo construído
regularização jurídica, acesso à moradia, saúde, pelos imigrantes haitianos desde sua chegada
14 http://falanegaofalamulher. blogspot.com.br/2013/05/organizacoes-lancam-manifesto-pela.html
15 http://observatoriodaimprensa.com.br/news/imprimir/58080
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16 Esse ativismo tem se estendido também a grupos migratórios de outras nacionalidades também presentes no Brasil.
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Em março de 2014, os haitianos também fizeram No marco desse cenário de ocupação de espaços
uso da internet para realizar uma conferência da mídia, debates e disputas políticas por
online17 em preparação à I Conferência Nacional visibilidade envolvendo imigrantes haitianos,
de Migração e Refúgio (I COMIGRAR), promovida suas redes e organizações de apoio, passamos
pelo governo brasileiro em São Paulo no mês de a analisar o episódio da publicação da “foto
maio do mesmo ano. Iniciativa da Associação dos roubada”. Propomos, inicialmente, uma breve
Imigrantes Haitianos no Brasil, a conferência contextualização da imigração haitiana no
levantou propostas, apresentadas posteriormente Brasil na perspectiva de situar os processos de
na I COMIGRAR, em torno de três eixos: igualdade visibilidade midiática dessa imigração, para,
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de tratamento e acesso aos serviços; direitos, então, reconstituir e analisar o confronto entre
inserção social, econômica e popular; e abordagem posicionamentos e atores que demarcou o
de violação de direitos e meios de vinculação e episódio de publicação da imagem.
proteção (COGO, 2014).
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Imigração haitiana no Brasil:
Recentemente, foi criado, ainda, o site http:// breve contextualização
haitiaqui.com/, uma iniciativa da ONG Viva
Rio. Com sede na cidade do Rio de Janeiro e No ano de 2010, após o terremoto que atingiu
atuação direta no Haiti, o site é produzido em o Haiti, o Brasil começa a se consolidar como
português, francês e creole,18 e tem como objetivo, destino da imigração haitiana, a partir do
dentre outros, disponibilizar informações e ingresso de imigrantes, sobretudo pela região
oferecer orientações aos imigrantes no âmbito norte do país, mais especificamente pelas
administrativo, assim como colaborar na tríplices fronteiras Brasil-Peru-Colômbia e Brasil-
capacitação e oferta de trabalho dos imigrantes. Bolívia-Peru.19 Desde então, a chegada ao país
No âmbito da mesma ONG, é produzido, por de fluxos migratórios oriundos do Haiti tornou-
imigrantes haitianos, o programa “Voz do Haiti”, se regular e permanente, especialmente de
transmitido pela Rádio Viva Rio e apresentado em imigrantes homens, jovens, entre os 25 e 34 anos,
diversos idiomas. ainda que, a partir de 2013, seja possível observar
17 A conferência, da qual participou a coautora deste artigo, desenvolveu-se na plataforma da COMIGRAR: http://www.
participa.br/comigrar/conferencia-virtual-da-associacao-dos-imigrantes-haitianos-no-brasil-aihb#.U2QooPldVQF.
19 Através de rotas que incluem o deslocamento aéreo da República Dominicana ou de Porto Príncipe para o Equador e,
em alguns casos, por via terrestre para o Peru. Esse trajeto é seguido de um percurso, também terrestre, até as
cidades de Assis Brasil, Epitaciolândia e Brasiléia (no estado do Acre) e Tabatinga (no estado do Amazonas). Em alguns
casos, os imigrantes chegam também pela cidade de Corumbá, Mato Grosso do Sul, ou, ainda, por aeroportos de
grandes cidades brasileiras, como São Paulo (XIMENES; ALMEIDA, 2014, p. 31).
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vinculadas ao universo das migrações têm
O terremoto dinamizou o que era uma prática
conhecida da sociedade haitiana, a emigração,
buscado identificar e atualizar a presença de
e o Brasil entrou na rota migratória por fatores haitianos no país20. Em sua tese de doutorado
diversos, como a rigidez para a entrada dessas
sobre as dinâmicas da mobilidade haitiana no
pessoas em países como Estados Unidos, Cana-
dá, França, além do agravamento de questões Brasil, no Suriname e na Guiana Francesa,
étnicas com a vizinha República Dominicana. O
Joseph Handerson (2015) estima a existência
discurso de uma economia em alta e a possibili-
dade de empregos com a realização da Copa do no Brasil de uma população entre 35 mil e 40
Mundo de 2014, somadas à relativa facilidade mil haitianos. Em maio de 2015, o Embaixador
de transpor a fronteira do Brasil são elementos
que contribuíram para essa imigração (COTIN-
do Haiti no Brasil afirmou que, até dezembro de
GUIBA; PIMENTEL, 2014, p.80). 2014,21 53 mil haitianos haviam ingressado no
país, 20 mil dos quais regularizados através de
Estudo realizado entre 2013 e 2014 pelo Grupo vistos humanitários.22 Em novembro de 2015,
de Pesquisa Mundos do Trabalho na Amazônia, o governo brasileiro anunciou a concessão
20 Cabe lembrar que a falta de convergência nas estimativas sobre a presença da imigração haitiana no Brasil pode
ser atribuída tanto à escassez na produção de indicadores governamentais sobre a imigração internacional, como a
tendência à não inclusão, nos indicadores existentes, dos imigrantes sem regularização jurídica.
21 Dados apresentados pelo embaixador do Haiti no Brasil, Madsen Chérubin, na mesa “Haiti Aqui”, promovida pela ONG
Viva Rio, em 21 de maio de 2015, na Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo.
22 Por meio do Conselho Nacional de Imigração – CNIg, o governo brasileiro promulgou, em 12 de janeiro, a Resolução
Normativa nº 97/201, criando um visto humanitário até então não existente na legislação brasileira. Segundo
destaca Handerson (2015, p. 34), inicialmente a Resolução permitia duas leituras: a produção de uma possibilidade de
legalização dos haitianos no país e, ao mesmo tempo, a restrição da chegada de novos imigrantes.
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observamos, ainda, o quanto a mídia vem se presença haitiana no país são disputados por
ocupando, de maneira crescente, em enunciar diferentes atores que, nesse caso, colaboraram
e atribuir visibilidade a essa nova imigração, para impulsionar também o debate em torno da
propondo e instaurando disputas em torno dos política migratória brasileira e a necessidade de sua
modos de vivenciar a alteridade representada atualização. Nessa perspectiva de disputa de atores
pelos haitianos e impactando fortemente a e posicionamentos, situa-se também o caso da “foto
constituição dos processos de inserção e roubada” que passamos a analisar na sequência.
cidadania de haitianos no Brasil.
A “foto roubada”: atores,
Ao analisarmos, em artigo recente (COGO; SILVA, posicionamentos e debate público
2016), o tratamento da imigração de haitianos
na mídia noticiosa brasileira nos primeiros anos No artigo mencionado anteriormente sobre
da presença da diáspora haitiana no Brasil (2011- o tratamento dado à imigração haitiana pela
23 Ver http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/11/governo-concede-visto-de-permanencia-no-brasil-a-43-781-
haitianos-4900150.html.
24 Considerando os 40 mil haitianos que viviam no Brasil em 2014, cerca de 80% deles economicamente ativos, o
envio individual de remessas somaria, em um ano, um total de US$ 76,8 milhões – 5% do total de remessas
externas recebidas pelo Haiti. Ver http:// oglobo.globo.com/brasil/em-20-anos-remessa-de-dinheiro-de-trabalhadores-
estrangeiros-aoexterior-aumentou-10-vezes-13749063
25 O artigo baseou-se na coleta e análise de um corpus de 162 materiais midiáticos, em versão digital, sobre a imigração
haitiana publicados em portais, jornais, revistas, blogs, sites de redes sociais, vinculados a organizações midiáticas
públicas e privadas, assim como em publicações mantidas por instituições públicas, privadas e sem fins lucrativos.
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nacionais, tem produzido, na história das haitiano. A postagem, em que o internauta afirma
migrações e, especialmente, de midiatização que “É lamentável e triste ver o ser humano
dessas migrações, um amplo espectro de imagens sendo tratado dessa forma”, é seguida de diversos
que narram, representam, visibilizam e produzem comentários com manifestações de apoio. Em
uma memória imagética contemporânea da direção similar, outros internautas classificam
mobilidade humana, evocando essa imigração a imagem como “humilhante e degradante”,
associada especialmente a risco, ameaça, expressam “compaixão pelo imigrante
descontrole, chegada massiva, invasão. fotografado”; acusam a imagem de gerar
“discriminação, racismo e agressão aos direitos
É justamente um desses episódios – o da chegada humanos”. Em outro bloco de comentários,
à Missão Paz em São Paulo de diversos ônibus leitores enfatizam a necessidade de proteção das
oriundos do Acre trazendo 968 imigrantes fronteiras nacionais e criticam a fragilidade da
haitianos26 – que desencadeia a produção e política migratória brasileira, especialmente de
publicação da fotografia do imigrante aqui acolhida e inserção dos imigrantes que chegam ao
analisada e o debate público posterior que irá se país.
26 Na época, o governo acreano decidiu enviar os migrantes em ônibus para outros estados, entre eles, São Paulo.
28 A foto publicada pelo jornal no Facebook obteve 5.344 curtidas, 1567 compartilhamentos e 1.563 comentários,
divididos entre comentários diretos à reportagem e a outros comentários já existentes.
Há, por fim, um conjunto de comentários que “o objetivo da foto é esse mesmo: chocar
de internautas que manifestam repúdio não e chamar atenção para situação humilhante
especificamente à publicação da foto, mas dos imigrantes haitianos”, visão compartilhada
à imigração haitiana de modo mais amplo, por vários outros internautas. Isso sugere que
associando-a a diversos fins, tais como políticos, o debate e a crítica em torno dos impactos da
militares e até mesmo religiosos terroristas. visibilidade midiática da imigração haitiana e
Alguns deles buscam relacionar o fluxo migratório de sua dimensão ética e política parecem ter
de haitianos ao Brasil com o Partido dos mobilizado menos o campo de ressignificações
Trabalhadores, responsabilizando o partido pela sobre a imagem nesse espaço do Facebook.
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vinda dos imigrantes, pela divulgação da imagem
e da reportagem. Dentre os motivos listados pelos No mesmo dia de sua publicação, a foto gerou
internautas, estaria a contribuição para as novas também manifestações por parte da coordenação
eleições30, sobretudo para uma ação política: da Missão Paz, através da divulgação de uma
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“Soldados de uma possível causa política. O PT “Nota de repúdio ao jornalismo sensacionalista”,
estaria financiando a vinda dos imigrantes para ressaltando as condições de vulnerabilidade que
o Brasil”.31 demarcam os processos de chegada e inserção dos
imigrantes na cidade de São Paulo e que estariam
Do total de comentários analisados, chamou relacionadas à ausência da família e assistência
a atenção o fato de poucos conterem do Estado.32 A nota já acena para dimensões das
questionamentos ou críticas relacionadas ao modo relações entre estética e política que se tornariam
de produção e à divulgação da imagem pelo jornal. centrais no debate instaurado posteriormente.
Uma das poucas internautas que levanta esse Dimensões relativas à responsabilidade da mídia e
aspecto, Camila Coelho, a partir da indagação “Só de seus profissionais nos processos de produção
eu que achei essa foto desumana, fotografando a de imagens públicas das migrações que chegam
pessoa tomando banho nessas condições?”, recebe ao Brasil, assim como a repercussão, nos direitos
um pequeno número de “curtidas”, (124), e gera humanos e cidadania dos imigrantes haitianos, de
menos discussões que as tematizações anteriores. um tipo de visibilidade midiática demarcada pelo
Outro comentário chega a reiterar, inclusive, “sensacionalismo”, pelo seu caráter de “invasão”
30 Cabe lembrar que os imigrantes, mesmo com residência permanente, não têm direito a voto no Brasil. Apenas os
estrangeiros naturalizados possuem esse direito, da mesma forma que os portugueses que, mesmo não naturalizados,
adquiriram a igualdade/gozo de direitos em relação aos brasileiros, conforme previsto na Constituição. Ver http://tre-ro.j
usbrasil.com.br/noticias/2550818/o-estrangeiro-pode-votar-no-brasil
32 A nota foi replicada por diversos indivíduos e coletivos, como o blog Migramundo e o Jornalistas Livres.
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à vida privada do imigrante, e produzida sem a do prêmio à foto e o pedido de que a entidade
participação desses próprios imigrantes e a partir reveja a premiação. Argumentos, já levantados na
de posições assimétricas ocupadas pelo produtor época da publicação da fotografia pelos jornais
(o fotógrafo) e o fotografado (o imigrante recém- Folha de S. Paulo e Agora, são retomados tanto
chegado à cidade de São Paulo). em uma petição pública na qual a Missão Paz
questiona a concessão do prêmio35 como em uma
A Missão Paz vem a público apresentar esta
nota de repúdio contra a veiculação de fotos
carta assinada pela Organização de Haitianos de
reprováveis e sensacionalistas publicada pe- São Paulo.36
los jornais “Agora São Paulo” e “Folha de São
Paulo”. Nenhum cidadão pode ter sua imagem
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violada de forma leviana e irresponsável sem A Missão Paz expressa na petição online
que sejam realizadas diligências mínimas sobre
“indignação e repúdio sobre a foto degradante
os acontecimentos. Os imigrantes haitianos que
aqui chegam encontram-se em situação vulne- feita com um haitiano que tomava banho
rável, sem família ou apoio do governo. Algumas em condições precárias, emergenciais”. No
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reportagens se aproveitam dessa situação para
invadir a privacidade alheia, expondo-os sem
texto, a organização de apoio aos imigrantes
sua autorização de forma que as imagens des- reitera o fato da imagem publicada, a qual
sas pessoas acabam se tornando um produto a
classifica novamente de “sensacionalista”,
ser comercializado de maneira totalmente de-
sumana. O objetivo da mídia em meio a essas não ter respeitado “os direitos humanos nem
crises é pressionar o Estado para tomar uma
do haitiano fotografado, nem da comunidade
atitude, e não constranger aqueles que mais
precisam de assistência.33 haitiana como um todo”.
Em outubro de 2015, após a escolha da imagem A Missão Paz questiona, ainda, o compromisso
“Haitiano toma banho em mictório” como público de um prêmio orientado aos direitos
vencedora na categoria Fotografia do Prêmio humanos que opta por uma premiação que
Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos poderia abrir precedente perigoso, ou seja, “o
Humanos,34 posicionamentos voltam a irromper, do reconhecimento social de trabalhos que,
em espaços da internet, para conformar um novo inadvertidamente ou impetuosamente, não
debate que tem como foco o repúdio à concessão consideram a ética sobre os meios utilizados
34 http://www.premiovladimirherzog.org.br/busca-resultado-autor-integra.asp?cd_trabalho=566
35 http://www.missaonspaz.org/#!Indigna%C3%A7%C3%A3o-e-rep%C3%BAdio-para-a-foto-premiada-
na-edi%C3%A7%C3%A3o-de-2015-do-Pr%C3%AAmio-Vladimir-Herzog-de-Direitos-Humanos/cu8s/
5627fa640cf2a9c7a2b943ee
36 A carta circulou na lista de discussão do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios, do Rio de Janeiro (niem_rj@
yahoogrupos.com.br).
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para chegar aos seus fins”..37 Ao indagar se “[...] torno da questão da imagem como “retrato fiel da
o que mais importa: uma foto em si ou os direitos realidade”, o qual referimos anteriormente a partir
humanos do fotografado?”, a petição da entidade das reflexões de Machado (2015).
aponta para o predomínio, entre as diretrizes de
concessão do prêmio, de um critério estético Na mesma entrevista, a Comissão do prêmio
(obtenção de uma imagem de qualidade técnica afirma, também, que os critérios gerais para
e jornalística, e de impacto público) e de um atribuição do Prêmio Vladimir Herzog se
viés mercadológico (o imediatismo na captação baseiam “nos valores da democracia, cidadania
e publicação da foto) sobre a preocupação e direitos humanos e sociais”, os quais constam
15/23
com a dimensão ética e política que envolve a no seu regulamento publicado no site www.
produção de uma imagem orientada à defesa premiovladimirherzog.org.br. Na entrevista, a
dos direitos humanos. Comissão lembra ainda que o julgamento do
prêmio esteve a cargo, em 2015, de integrantes
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Em direção similar, o argumento da organização de um grupo de 24 profissionais de imprensa,
gestora do Prêmio Vladimir Herzog, divulgado professores e estudiosos de comunicação de
em entrevista ao blog Migramundo, parece vários estados do Brasil. A escolha da foto do
indicar, igualmente, a relevância da técnica e da imigrante haitiano pelo júri teria sido referendada
estética como critérios que pautam a escolha das pelos 11 membros da Comissão Organizadora do
fotos premiadas, ambas ancoradas na ideia de prêmio, em reunião pública realizada no dia 30 de
“impacto” e “denúncia”. “Na categoria fotografia, setembro de 2015.
são critérios específicos de premiação a qualidade
técnica e enquadramento, correspondência O “não consentimento” ou “não autorização” do
com os fatos, o impacto estético da peça, imigrante para a captação da imagem é outro
inteligibilidade e grau de denúncia de violação de dos argumentos centrais que se destaca tanto na
direitos humanos”.38 A entrevista publicada pelo petição da Missão Paz como na carta elaborada
blog Migramundo não oferece referências sobre pela Organização dos Haitianos de São Paulo, em
a compreensão que teria a entidade em relação que se evidencia o que já havia sido focalizado
à “correspondência da imagem com os fatos”, o pelo outro manifesto da Missão Paz divulgado no
que, em certo sentido, se vincularia ao debate em momento da publicação da foto, em maio de 2015:
37 A esse respeito, em sua petição, a Missão Paz não deixa de reconhecer, ainda, que “O Prêmio Vladimir Herzog tem
contribuído para a formação e para a luta em prol dos direitos humanos em todo o país, cumprindo a finalidade social de
informar, sensibilizar e chamar a atenção da mídia e da sociedade brasileira para importantes temáticas de direitos humanos”.
38 Ver http://migramundo.com/2015/10/23/comissao-do-vladimir-herzog-defende-entrega-de-premio-a-foto-de-haitiano-
tomando-banho
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as assimetrias de posições ocupadas, no processo nar tal invasão por parte de um fotógrafo. Além
disso, os haitianos, logo quando chegam, não
de produção jornalística, pelo profissional da falam o português e não têm conhecimento da
mídia e o imigrante fotografado recém-chegado à legislação brasileira. Dessa forma, como pode-
ria essa pessoa proteger seus direitos contra tal
cidade de São Paulo.
ato reprovável?40
A Organização dos Haitianos afirma na carta que Os dois documentos (petição e carta) agregam,
“conversamos com os haitianos que estavam no ainda, outra informação relevante, não levantada
salão da igreja quando o fotógrafo bateu as fotos. no momento da publicação da foto, e que aludem
Ele não pediu autorização. Muito mal educado, aos desdobramentos dessa publicação na
16/23
entrou no banheiro e bateu as fotos”.39 No caso da trajetória individual do imigrante fotografado. A
Missão Paz, o manifesto chama a atenção, a esse Carta da Organização dos Haitianos em São Paulo
respeito, para as condições de vulnerabilidade faz referência ao fato de o “haitiano ter ido embora
do imigrante recém-chegado, que o colocaria em de São Paulo com muita vergonha”, ao passo que
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situação desigual frente ao fotógrafo no que se o manifesto da Missão Paz revela que o haitiano
e da legislação brasileira, ao funcionamento das que sofreu. No dia seguinte, por vergonha, foi
organizações midiáticas brasileiras, e em relação embora para outra cidade”.41 A esse respeito,
39 Trecho da carta da Organização de Haitianos em São Paulo difundida na lista de discussão do NIEM-RJ e reproduzida
parcialmente pelo blog Migramundo em http://migramundo.com/2015/10/22/imagem-de-haitiano-tomando-banho-
ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-humanos-entidades-repudiam-e fotografo-argumenta/
40 http://migramundo.com/2015/10/22/imagem-de-haitiano-tomando-banho-ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-
humanos-entidades-repudiam-e fotografo-argumenta/
41 http://migramundo.com/2015/10/22/imagem-de-haitiano-tomando-banho-ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-
humanos-entidades-repudiam-e fotografo-argumenta/
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não concedido pelos jornais que produziram e (imagem não divulgada)”43. Em nenhum momento,
divulgaram a imagem ou mesmo por outras mídias. ainda, de acordo com o relato de Ronny Santos,
o imigrante teria feito menção de proibir as
[...] Quando saiu aquela foto, encontramos Edu-
ardo Suplicy na igreja e denunciamos o que
fotografias ou teria usado as mãos ou os braços
tinha acontecido. Naquela ocasião, tinha um para indicar que não queria ser fotografado,
monte de jornalistas. Denunciamos e ninguém
uma vez que o imigrante continuou tomando seu
mandou ao ar nossa denúncia. Nem na televi-
são, nem nos jornais. Comentamos aos fotó- banho, mesmo sabendo que as fotografias estavam
grafos e jornalistas “se gostariam que alguém
sendo tiradas e após a saída do fotógrafo do local.
entrasse em sua casa e fizesse fotos enquanto
tomavam banho!”42
[...] Cheguei ao local por volta das 20h. Havia 17/23
um homem, brasileiro, voluntário da igreja,
A polêmica em torno do prêmio concedido à no portão controlando a entrada das pessoas.
Passei com a máquina fotográfica por ele, que
foto do haitiano trouxe a público, também, os
olhou e não falou nada. Já havia uma equipe de
posicionamentos do fotógrafo do jornal Agora, televisão no local, ou seja, o salão estava aberto
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à imprensa. Fiquei no local por mais de meia
Ronny Santos, autor da imagem, a partir de
hora. Circulei por vários cômodos, fui visto tra-
entrevista concedida ao blog Migramundo. Os balhando por voluntários e haitianos. Ninguém
posicionamentos do profissional centram-se em me abordou enquanto fazia as fotografias.
Entrei em um dos banheiros e vi o haitiano se
dois aspectos: da confirmação do consentimento ensaboando com água do mictório. Nesse mo-
(autorização), por parte do imigrante, para a mento, não fiz fotos. O haitiano se escondeu
atrás de uma porta expressa, clara, de que eu
captação da imagem, e o da não possibilidade de
poderia fazer as fotos naquele momento44. Ele
identificação na imagem publicada do rosto do olhou para mim e falou alguma coisa que não
entendi, e logo depois fez um sinal com as mãos
haitiano fotografado.
facilmente compreensível: “sem problema” ou
“tudo bem”. E voltou a tomar banho comigo ali.
No que se refere ao processo de produção da Foi quando comecei a fazer as fotos45.
42 http://migramundo.com/imagem-de-haitiano-tomando-banho-ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-humanos-
entidades-repudiam-e-fotografo-argumenta/
43 http://migramundo.com/imagem-de-haitiano-tomando-banho-ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-humanos-
entidades-repudiam-e-fotografo-argumenta//
44 http://migramundo.com/imagem-de-haitiano-tomando-banho-ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-humanos-
entidades-repudiam-e-fotografo-argumenta//
45 http://migramundo.com/imagem-de-haitiano-tomando-banho-ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-humanos-
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lar. Muito triste premiarem isso50
publicar fotos com o rosto do personagem nem
dar qualquer identificação dele, com o objetivo No percurso de captação dos materiais para
de preservar sua identidade”.48 A Comissão do nossa análise, constatamos também essa
prêmio reitera igualmente na entrevista que “não possibilidade de identificação do rosto do
foi publicada a foto do rosto do homem que se haitiano, especialmente no primeiro álbum
banhava – nem seu nome – para evitar que ele se (FIG. 3) publicado na versão digital da Folha de
constrangesse com a publicação”.49 S. Paulo em 19 de maio de 2015, ilustrando a
reportagem “Nova onda de imigrantes haitianos
Em contrapartida, um dos comentários de causa superlotação em paróquia”. Nesse álbum
um leitor à entrevista com a Organização do (FIG. 3), em que não foi publicada a foto que
Prêmio, publicada pelo blog Migramundo, seria premiada, consta uma foto do haitiano
46 http://migramundo.com/imagem-de-haitiano-tomando-banho-ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-humanos-
entidades-repudiam-e-fotografo-argumenta/
47 http://migramundo.com/imagem-de-haitiano-tomando-banho-ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-humanos-
entidades-repudiam-e-fotografo-argumenta/
48 http://migramundo.com/imagem-de-haitiano-tomando-banho-ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-humanos-
entidades-repudiam-e-fotografo-argumenta/
49 http://migramundo.com/imagem-de-haitiano-tomando-banho-ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-humanos-
entidades-repudiam-e-fotografo-argumenta/
50 http://migramundo.com/imagem-de-haitiano-tomando-banho-ganha-premio-vladimir-herzog-de-direitos-humanos-
entidades-repudiam-e-fotografo-argumenta/
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espiando pela porta do banheiro com a cabeça Posteriormente à premiação da foto, quando se
ensaboada, justamente a imagem que mais instaura a polêmica aqui abordada, na versão
permite a identificação do rosto do haitiano e digital da Folha de S. Paulo (FIG. 4), o link para
à qual parece aludir justamente o comentário acesso ao álbum fica indisponível e, quando volta a
do leitor do blog Migramundo. Além disso, ser disponibilizado, é possível constatar que a foto
essa foto poderia sugerir que o imigrante do haitiano atrás da porta foi excluída e, em seu
estivesse tomando banho e, ao ver o fotógrafo, lugar, foi inserida outra imagem muito semelhante
ter se escondido atrás da porta para evitar ser à foto premiada (a do imigrante jogando água na
fotografado. cabeça ensaboada com uma lata de cerveja).51
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Figura 2: Álbum da versão digital da reportagem da Folha de S. Paulo com a foto do haitiano na porta
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Fonte: Folha de S. Paulo, 20 de maio de 2015.
Figura 3: Álbum da versão digital da reportagem da Folha de S. Paulo com a foto substituída
51 Esse é o álbum que se encontra disponível, atualmente, no link da reportagem do site do jornal Folha de S. Paulo,
conforme referido no comentário do leitor mencionado anteriormente. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/
cotidiano/2015/05/1631279-nova-onda-de-imigrantes-haitianos-causa superlotacao-em-paroquia.shtml
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haitianos aqui focalizados, têm buscado, de CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Antonio Tadeu;
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modo crescente, se apropriarem de espaços TONHATI, Tânia. (Orgs.). A Inserção dos Imigrantes
comunicacionais, sobretudo da internet, para no Mercado de Trabalho Brasileiro. Brasília:
2014. (Cadernos do Observatório das Migrações
mobilizar e dar visibilidade às suas demandas
Internacionais).
por cidadania e, em certo sentido, ainda que
COGO, Denise. Comunicação e migrações
de forma fragmentada, negociar e constituir
transnacionais: o Brasil (re)significado em redes
políticas próprias de visibilidade midiática.
migratórias de haitianos”. Revista de Estudos
Universitários. Nº 40, v 2, p. 233-257, dez. 2014.
Ambos os modos de intervenção têm contribuído Disponível em: < http://periodicos.uniso.br/ojs/index.
mídia, cultura e tecnologia. v. 23, nº 1, p. jan.-abril RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Rio de
2016. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs. Janeiro: Contraponto, 2012.
br/ojs/index.php/revistafamecos/issue/view/981 >
ROCHA, Rose M. É a partir das imagens que falamos de
Acesso em: 31 jul. 2016.
consumo: reflexões sobre fluxos visuais e comunicação
COTINGUIBA, Geraldo. C. Imigração haitiana para midiática. In: CASTRO, Gisela Granjeiro da Silva;
o Brasil – a relação entre trabalho e processos BACCEGA, Maria Aparecida (Orgs). Comunicação e
migratórios. 2014. 154f. Dissertação (Programa de consumo nas culturas locais e global. São Paulo:
Pós-graduação em História e Estudos Culturais da ESPM, 2009, p. 268-293.
Universidade Federal de Rondônia – Unir/Porto Velho).
SOUSA, José. P. Fotojornalismo. Uma introdução à
COTINGUIBA, Geraldo. C.; PIMENTEL, Marília. L. história, às técnicas e à linguagem da fotografia
na imprensa. Bocc: Porto, 2002. Disponível em: http:// 21/23
Apontamentos sobre o processo de inserção social dos
haitianos em Porto Velho. Travessia (São Paulo), v. 70, www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-fotojornalismo.
p. 99-106, 2012. pdf Acesso em: 15 fev. 2016.
DE LA HABA, Juan; SANTAMARÍA, Enrique. Entrevista XIMENES, Dimas; ALMEIDA, Guillherme. Brasil de
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.20, n.1, jan./abr. 2017.
a Néstor García Canclini. 2001. Disponível em: volta ao imaginário de imigrantes. Labor - Revista do
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.20, n.1, jan./abr. 2017.
between aesthetics and politics in the order of the las relaciones entre ética y estética el en orden de
contemporary migrations´ visual images and the visualidades de las migraciones contemporáneas y los
impact of a compulsory media visibility that deposes impactos de una visibilidad mediática compulsoria
agency from immigrants and decontextualizes the que destituye de agencia a los inmigrantes y
migration processes. descontextualiza los procesos migratorios.
CONSELHO EDITORIAL José Luiz Aidar Prado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Alda Cristina Silva da Costa, Universidade Federal do Pará, Brasil Juçara Gorski Brittes, Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
Alfredo Luiz Paes de Oliveira Suppia, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Laura Loguercio Cánepa, Universidade Anhembi Morumbi, Brasil
Álvaro Larangeira, Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil Liziane Soares Guazina, Universidade de Brasília, Brasil
Ana Carolina D. Escosteguy, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Luíza Mônica Assis da Silva, Universidade Católica de Brasília, Brasil
Ana Regina Barros Rego Leal, Universidade Federal do Piauí, Brasil Maria Ataide Malcher, Universidade Federal do Pará, Brasil
Ana Carolina Rocha Pessôa Temer, Universidade Federal de Goiás, Brasil Maria Elisabete Antonioli, Escola Superior de Propaganda e Marketing - SP, Brasil 23/23
Andrea França, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil Maria das Graças Pinto Coelho, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
André Luiz Martins Lemos, Universidade Federal da Bahia, Brasil Marcel Vieira Barreto Silva, Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Angela Cristina Salgueiro Marques, Faculdade Cásper Líbero, Brasil Marcia Tondato, Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Ângela Freire Prysthon, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Marli Santos, Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
Antonio Carlos Hohlfeldt, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Márcio Souza Gonçalves, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Arthur Ituassu, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil Mauricio Mario Monteiro, Universidade Anhembi Morumbi, Brasil
Bruno Campanella, Universidade Federal Fluminense, Brasil
Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.20, n.1, jan./abr. 2017.
Mauricio Ribeiro da Silva, Universidade Paulista, Brasil
Cláudio Novaes Pinto Coelho, Faculdade Cásper Líbero, Brasil Mauro de Souza Ventura, Universidade Estadual Paulista, Brasil
Carlos Eduardo Franciscato, Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Mayka Castellano, Universidade Federal Fluminense, Brasil
Denise Tavares da Silva, Universidade Federal Fluminense, Brasil
Micael Maiolino Herschmann, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Eduardo Vicente, Universidade de São Paulo, Brasil
Mozahir Salomão Bruck, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil
Eliza Bachega Casadei, Escola Superior de Propaganda e Marketing - SP, Brasil
Nísia Martins Rosario, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Elizabeth Nicolau Saad Corrêa, Universidade de São Paulo, Brasil
Potiguara Mendes Silveira Jr, Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
Erick Felinto de Oliveira, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Raquel Ritter Longhi, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Erly Vieira Júnior, Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Regiane Regina Ribeiro, Universidade Federal do Paraná, Brasil
Francisco de Assis, FIAM-FAAM Centro Universitário, Brasil
Francisco Elinaldo Teixeira, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Roberto Elísio dos Santos, Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Brasil
Frederico de Mello Brandão Tavares, Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Rodolfo Rorato Londero, Universidade Estadual de Londrina, Brasil
Gabriela Reinaldo, Universidade Federal do Ceará, Brasil Sérgio Luiz Gadini, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Gilson Vieira Monteiro, Universidade Federal do Amazonas, Brasil Simone Maria Andrade Pereira de Sá, Universidade Federal Fluminense, Brasil
Gustavo Daudt Fischer, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Simone Maria Rocha, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Igor Sacramento, Fundação Oswaldo Cruz, Brasil Suzana Reck Miranda, Universidade Federal de São Carlos, Brasil
Itania Maria Mota Gomes, Universidade Federal da Bahia, Brasil Tarcyanie Cajueiro Santos, Universidade de Sorocaba, Brasil
Jiani Adriana Bonin, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Tatiana Oliveira Siciliano, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
José Afonso da Silva Junior, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Veneza Mayora Ronsini, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil