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A Pauliceia de 77

Este texto não é de minha autoria. Encontrei-o no jornal O Estado de S. Paulo de 31 de março
de 1937 e seu autor não se identificou, assinou apenas com a inicial “A”. Mas eu achei tão
interessante e curioso que resolvi transcrevê-lo na íntegra, somente atualizando a ortografia.
Espero que gostem.

Seria difícil reconstituir com pormenores a capital de São Paulo no ano de 1877. No entanto, se
algum leitor de oitenta anos, ou mais, quiser acompanhar-nos num passeio através da nossa
cidade tal como ele era há sessenta anos, poderemos ativar-lhe a memória. O triângulo era
constituído pelas ruas São Bento, Direita e Imperatriz, não oferecendo, portanto, grande
alteração. Mas na Rua Direita ainda se via a Igreja da Misericórdia e, da Rua da Imperatriz,
entre os sobradinhos de uma travessa, ainda se viam, em ângulo, a igreja do Colégio e o
Palácio do Governo.

Quem chegava ao Largo do Tesouro e olhava para baixo, via a meio da Rua Municipal, a
estação dos “bondinhos de burro” e, lá embaixo, a chácara do Gasômetro, tendo ao lado o
antigo “Depósito de Imigrantes”. Nesse tempo o Mercado Velho era ainda Mercado Novo, ou
melhor, Praça do Mercado. Na parte alta do sobradinho da Rua da Imperatriz n. 10 havia um
escritório de advocacia que ficou célebre. Não tinha placa, mas São Paulo inteiro o conhecia:
era de Luiz Gama.

Naquele tempo, como durante muitos anos, quer para trás, quer para frente, o delegado de
polícia era o Conselheiro Francisco Maria de Souza Furtado de Mendonça, que morou no Largo
da Glória, em casa que ao tempo tinha o número 40. A Câmara Municipal funcionava no
edifício do Palácio, pavimento inferior, junto à Secretaria Militar e realizava suas sessões às
sextas-feiras, das 10 às 14 horas. Era seu presidente o Dr. Antonio da Silva Prado que morava à
Rua Senador Feijó.

Os viajantes tinham os seguintes hotéis: o Imperial, na Rua do Ouvidor, de propriedade de


Agostinho Pucciarelli; o Grand Hotel de France, na Rua Direita, esquina do Beco da Lapa [sic],
cuja proprietária era Amélia Fretin; no mesmo beco havia ainda o hotel de Ângelo Fenili e o
Hotel Europa à Rua da imperatriz, n. 51 e 56, de Carlos Schorcht. O Albion já existia, era de
propriedade do negociante James Porter; havia também um Hotel de Paris de mme. Rosalie
Boudrot, à Rua São Bento, n. 31.

O Correio Paulistano, de Joaquim Roberto de Azevedo Marques, tinha a sua redação á Rua da
Imperatriz n. 27; o Diário de São Paulo, de Paulo Delphino da Fonseca, à Rua do Carmo, 65; A
Província de S. Paulo, de Francisco Rangel Pestana, Américo de Campos e José Maria Lisboa,
`Rua da Imperatriz, 44; a Sentinela, de João Mendes de Almeida, no Largo de São Gonçalo; a
Tribuna Liberal, de Herculano Marques Inglez de Souza e Joaquim Taques Alvim, à Rua da
Princesa, n. 20; a Revista do Instituto Politécnico, de que era redator-chefe Elias Fausto
Pacheco Jordão. Ainda contava São Paulo com outras publicações literárias e acadêmicas e o
Indicador de Abílio S. Marques.
Os elegantes eram vestidos pelos alfaiates de fama: Bougarde, Hell, Lang & Worms, Guilherme
Krioner e J. Pourraly. Alugavam-se mobílias na casa de José Rubim Cesar, na Rua da Cadeia, n.
45, notadamente cadeiras austríacas para reuniões políticas, récitas particulares e bailes
improvisados. Havia também “armadores de anjos de gala para procissões”, representados por
D. Maria Benta à Rua da Boa Vista e D. Maria do Carmo Silva à Rua da Boa Morte. O bauleiro
da capital era Antonio Peixoto de Carvalho no Largo do Palácio. O paulistano, fora de casa,
tomava banhos no estabelecimento da Ilha dos Amores e na Sereia Paulista de José Fischer, à
Rua São Bento, n. 1. Cortava os cabelos e perfumava-se na casa de Aimeé Quillet, à Travessa
da Quitanda, ou na de Eugênio Husson na Rua São Bento n. 48-A. A primeira aliava à navalha
os frascos de extrato e o segundo um belo mostruário de joias. Mas além dessas, contavam-se
numerosos barbeiros comuns por todos os cantos da cidade.

Para se dar um passeio à Rua da Mooca, que era a Avenida Paulista da época, alugava-se um
cavalo no Adão, à Rua do Comércio, no Miguel Justo à travessa de Santa Tereza, ou então, no
Nicolau Gomes Pereira, à Rua da Esperança. À noite ia-se ao teatro. Mas para isso alugava-se
um tílburi no ponto principal que era o Largo do Colégio, das 9 às 21 horas. Quando não
funcionava o Teatro São José, no Largo de São Gonçalo, ia-se ao Provisório, do desembargador
Bernardo Gavião.

Mas o ponto da rapaziada era mesmo a Escola de Patinação, na Rua da Beneficência, canto da
Rua Alegre. Era um divertimento caro naquele tempo, pois a entrada custava 1$000.Quem não
tinha vitória ou caleça, voltava de bonde para casa, alta noite. Sim, porque debaixo dos
anúncios de teatros lia-se sempre esta frase tranquilizadora: “depois do espetáculo haverá
bondes para todas as linhas”.

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