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Sumário
1 – Introdução………………………………………………………………………… 2
2 – Questão central e objetivos……………………………………………………….. 5
3 – Metodologia proposta……………………………………………………………... 7
4 – Proposta de sumário………………………………………………………………. 16
5 – Cronograma……………………………………………………………………….. 17
6 – Desenvolvimento do capítulo 1: O Capitalismo e a (Re) Produção do Espaço…... 18
7 – Referências………………………………………………………………………... 30
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1. Introdução

Este projeto, e consequente pesquisa, intitulado “A produção dos espaços de consumo em


Campo Grande, Rio de Janeiro” é uma continuidade de pesquisas elaboradas dentro do
Instituto de Geografia da Uerj. O seu ponto de partida foi a monografia elaborada para atender
as exigências do curso de especialização em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A monografia intitulada “A Expansão do
Mercado Imobiliário na Cidade do Rio de Janeiro: A Dinâmica Socioespacial
Campograndense” foi aprovada no primeiro semestre do ano de 2009. O desdobramento foi a
pesquisa de mestrado “O Estado capitalista e a produção desigual do espaço no bairro de
Campo Grande, Rio de Janeiro” aprovada sem alterações no segundo semestre de 2012
realizada no PPGEO/Uerj. Ambas foram concretizadas sob a orientação da Professora Susana
Mara Miranda Pacheco do Instituto de Geografia da mesma instituição de ensino superior. Ou
seja, é um recorte espacial já conhecido pelo pesquisador e que ainda desperta o interesse em
relação aos seus processos espaciais complexos e dinâmicos. Partimos das bases
possibilitadas pela conclusão de pesquisas anteriores para dar continuidade ao desvelamento
de outros aspectos do bairro.

Campo Grande, ao longo do tempo, veio a se tornar um importante subcentro de


comércio e serviços no contexto da cidade do Rio de Janeiro. O Portal Georio disponibiliza
dados sobre os estabelecimentos varejistas abertos por ano e os postos de trabalho no
comércio. Sobre os dois indicadores econômicos, no biênio 2015-2016, Campo Grande
registrou a abertura de 145 novos estabelecimentos de varejo e 23.658 postos de trabalho
ativos no comércio, sendo o terceiro bairro da cidade com maior número de postos abertos
ligados a atividade comercial, atrás apenas da Barra da Tijuca e Centro. Segundo
informações de diversas fontes, Campo Grande vem sendo um dos maiores arrecadadores de
ICMS para a cidade. Segundo a Nota Técnica número 3 – “Campo Grande: Onde o rural e o
urbano convivem” – elaborada pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro à época do Plano
Estratégico II – As cidades da cidade, na região de Campo Grande (que compreende outros
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bairros como Santíssimo, Paciência e Cosmos, por exemplo),

A atividade econômica local é composta por cerca de 3.700


estabelecimentos, 87,2% dos quais são do segmento de comércio e
serviços, empregando aproximadamente 49 mil pessoas. O volume de
negócios gera R$ 256,8 milhões de ICMS, sexta arrecadação da
Cidade. (RIOESTUDOS, 2003, p.15)

Dados mais atualizados, do ano de 2016, apontam para a continuidade desse papel de
importante arrecadador de impostos. Informações da Associação Comercial e Industrial de
Campo Grande (ACIG) estimam que o ICMS arrecadado no bairro de Campo Grande seja da
ordem de um bilhão de reais anuais. O estado do Rio de Janeiro arrecadou 34 bilhões de reais
em 2015. Na capital, o bairro perde para Centro, Botafogo, Zona Portuária, Barra da Tijuca e
Santa Cruz. A ACIG quando aplica a lógica do ICMS ao conjunto das riquezas geradas,
estima que o PIB do bairro atingiu algo em torno de 18 bilhões. Caso fosse uma cidade estaria
na sexta colocação do estado, atrás de Rio de Janeiro, Campos, Duque de Caxias, Niterói e
Macaé e à frente de São Gonçalo e Nova Iguaçu, cidades maiores que Campo Grande.
A grandiosidade do volume de negócios desse espaço comercial é conhecida, contudo
há uma lacuna no entendimento das suas dinâmicas e relações das atividades terciárias com a
produção do espaço. Pesquisas sobre o espaço comercial em Campo Grande limitam-se ao
tradicional centro comercial de rua, concebido por Moacyr Bastos, conhecido como
“Calçadão de Campo Grande” ou na influência do centro comercial planejado “West
Shopping”. É necessário quebrar a dicotomia dessa análise, que ao estudar uma forma
comercial exclui a outra do escopo da pesquisa, e buscarmos entender suas relações, a partir
da compreensão do seu surgimento como formas comerciais e a formação de uma estrutura
espacial importante para a cidade.
Visto como área de carências e ausências de políticas públicas voltadas
especificamente para esse espaço, tendo sido construída a imagem de espaço periférico nos
moldes tradicionais e concebidos historicamente na cidade do Rio de Janeiro, urge-se a
questão da quebra dessa visão limitante e obsoleta sobre esse recorte espacial. Esse projeto
apresenta a intenção de realizarmos mais uma contribuição para a análise sobre o espaço
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comercial do recorte, que possa iluminar ações ainda pouco exploradas. Deseja-se
compreender a relação constituída entre as leis gerais do capitalismo - seu processo de (re)
criação dos espaços, e seus distintos modos de produção coadunados aos agentes da produção
do espaço – materializados no Estado e nos empreendedores imobiliários, que produzem
formas comerciais em tempos distintos e coexistem na atualidade.
A análise do espaço se impõe para compreender as forças que interagem e sobrepõem-
se formatando o espaço de acordo com seus anseios. Grupos capitalistas precisam do poder
estatal e seu arcabouço jurídico para dar vazão aos seus anseios. Por isso, as questões das
políticas públicas são postas à baila como meio de fornecer subsídios para o entendimento da
conjunção de forças que levam aos eventos de (re) construção constante do espaço. Nesse
sentido, estamos tratando de um espaço controlado por forças tão dinâmicas como as do
capital, que passam por rearranjos espaciais a fim de serem moldadas de acordo com o
momento específico da produção capitalista do espaço.
O Projeto de Estruturação Urbana (PEU) de Campo Grande (Lei complementar 72 de
27/07/04) estabelece zoneamento com legislação específica para áreas residenciais e
comerciais, por exemplo. O recorte espacial para essa pesquisa compreende áreas específicas
do bairro de Campo Grande delimitadas pelo PEU, especialmente as Zonas Comerciais 1 e 2.
Entretanto, devido a maneira como o espaço comercial está sendo produzido no bairro,
devemos considerar a inclusão das Zonas Residenciais 3 e 4 como parte do recorte. Barata
(2009) ao abordar o crescimento imobiliário do bairro menciona a expansão do bairro pelos
seus eixos rodoviários. Lourenço (2009) destaca a dinamização comercial do eixo que
compreende o espaço entre o fixo West Shopping e o Centro do bairro de Campo Grande.
Cassemiro (2011) delimita e denomina os principais eixos de crescimento do bairro como
Eixo Central, Eixo Mendanha-Posse e Eixo Monteiro-Cachamorra. Barata (2012) retoma a
análise de sua pesquisa prévia e utiliza os estudos de Cassemiro como instrumento para
desenvolver a análise sobre o eixo batizado por Barata como eixo Mendanha-Monteiro. A
junção desses dois eixos rodoviários revelaria um recorte que abrigaria uma efervescente
dinamização das atividades comerciais no cenário campo-grandense, abrigando distintas e
importantes formas comerciais. Cassemiro (2011), Barata (2012) e Santos (2014) delimitam
esse eixo (Mendanha-Monteiro) a partir da presença de shopping centers nas duas pontas,
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West Shopping e o Park Shopping, e o Passeio Shopping próximo a Rua Coronel Agostinho
(conhecido como Calçadão de Campo Grande), localizados no Eixo Central.
O recorte temporal estabelecido compreende o período da implantação do Calçadão de
Campo Grande, na extensão da Rua Coronel Agostinho, na década de 1970 até o ano de 2017
– para que possamos analisar o processo de produção da estrutura comercial ao longo desse
período.

Fonte: Barata, 2012

2. Questão central e objetivos da pesquisa

Em pesquisas anteriores nos debruçamos na análise da produção do espaço desse


recorte a partir da sua inserção no mercado imobiliário e nas políticas públicas que produzem
seu desenvolvimento geográfico desigual. A complexidade da dinâmica espacial do espaço do
bairro de Campo Grande e sua posição como um dos principais espaços terciários da cidade
do Rio de Janeiro o torna um recorte passível de múltiplas abordagens e apreensões. Na
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pesquisa corrente, os objetivos a partir dos quais intencionamos investigar a temática proposta
são:

- O objetivo geral visa a partir da conjunção da Lei Geral da Acumulação Capitalista de Karl
Marx e do conceito da destruição criadora de Joseph Schumpeter, sendo mediatizados por
David Harvey aplicando-os na análise do espaço campo-grandense, relacionar a passagem dos
diferentes regimes de acumulação do capitalismo (fordismo e acumulação flexível) com a
mudança do padrão de produção dos espaços comerciais, apropriação e do seu consumo. Os
objetivos específicos seguem:

- Compreender a produção das formas comerciais, a tradicional rua comercial e os modernos


shopping centeres, para atender as necessidades de produção de espaços de consumo, a partir
da análise da ação dos agentes privados.

- Identificar e relacionar as políticas públicas de fomento e ordenamento nos diferentes


momentos da produção do espaço comercial tradicional, materializado no Calçadão de Campo
Grande e adjacências, e os novos espaços comerciais de Campo Grande, erguidos como
shopping centers, para entender o papel do Estado em conjunto com o capital privado na (re)
criação de espaços voltados para o consumo.

- Compreender a lógica da coexistência das formas comerciais de tempos diferentes no


momento atual, formando um espaço marcado pelo ciclo da produção da ordem e da
desordem, no intuito de revelar suas relações de complementaridade e concorrência e a
necessidade de recriação e renovação na busca de adaptação às novas tendências da
acumulação capitalista.

Esses objetivos levaram a questionamentos, dentre os quais se destacam aqueles


relacionados à produção do espaço comercial e as relações dos agentes interessados e
responsáveis por tal (re) produção. A continuidade das pesquisas sobre o referido recorte
espacial torna imperativa a indagação: A sociedade é regida pela lei geral de acumulação
capitalista, que coadunada ao conceito de destruição criadora, constrói, destrói e reconstrói
novos lugares para o consumo, materializada em formas comerciais, que são (re) criados de
acordo com as necessidades da reprodução do capital em cada momento histórico. Com a
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necessidade do sistema em realizar mudanças no modo de produção capitalista e seus


desdobramentos na produção do espaço, qual é a estrutura comercial materializada ao longo
do tempo, no recorte temporal que compreende o período de 1970 a 2017, em um espaço com
as especificidades da formação de Campo Grande, Rio de Janeiro? Quais são as principais e
distintas formas que compõem esse espaço comercial? Como os agentes capitalistas, ligados
ao Estado e o mercado imobiliário, produzem e consomem esse espaço comercial?

3. Metodologia proposta

A prática científica sob o ponto de vista metodológico é concebida como “a


articulação de diferentes instâncias, de diferentes polos que determinam um espaço no qual a
pesquisa se apresenta como apanhada num campo de forças, submetida a determinados fluxos
e a determinadas exigências internas” (BRUYNE,1991, p.34). A prática científica pode ser
distinguida em quatro polos metodológicos (epistemológico, teórico, morfológico e técnico),
que não podem ser cartesianamente separados por serem interdependentes na produção do
conhecimento. Os polos asseguram o rigor no fazer científico. Nesse momento não
dissertaremos sobre os polos em si, mas ressaltamos que somos conscientes da sua existência
e necessidade de os considerarmos para a adequada realização da pesquisa. Então, indicamos
que, em consonância com a proposta de pesquisa, estamos apoiados no polo epistemológico
da dialética e no polo teórico da compreensão. Mas sem desconsiderar o polo morfológico, ao
qual recorreremos para aplicar a tipologia na análise do espaço comercial do bairro.
A Geografia dispõe de uma base metodológica própria desenvolvida a partir da sua
evolução como ciência. Da mesma maneira que uma área do conhecimento se vale de cabedal
teórico-conceitual e metodológica de outras as adaptando ou mesmo transformando no intuito
de atender seus objetivos, na Geografia o mesmo ocorre entre as diversas disciplinas que
compõe seu corpo disciplinar.
A pesquisa em tela não é um esforço na área da Geografia Histórica, mas busca nesse
campo ferramentas metodológicas para conferir sustentação científica para atingir parte de
seus objetivos. Para entender a produção dos espaços comerciais, o recorte temporal da
pesquisa é amplo, perpassando os limites do tempo presente e intencionando reconstruir
momentos específicos do processo de estruturação do espaço comercial do nosso recorte
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espacial. Partimos do princípio que podemos estudar espaços pretéritos a partir do arcabouço
teórico-conceitual de hoje, que nos auxilie na produção de um entendimento do passado e de
padrões espaciais ao longo do tempo (ALVES, 2010). Mesmo que a estrutura esteja
materializada no tempo presente, na coexistência dos objetos que se acumularam ao longo do
tempo, é forçoso que nos livremos das amarras da “ditadura do presente” para estabelecermos
as conexões temporais-espaciais e ampliar o entendimento do movimento único, contínuo e
incessante engendrado pelas forças do capital na produção do espaço.
Santos (2009) tece críticas a disciplina ao dizer que “em vez de mostrar a coerência
simultaneamente espacial e temporal de um mesmo momento, apenas reúne instantes
disparatados e distantes da mesma flecha do tempo” (SANTOS, 2009, p.51). Por outro viés,
Richard Hartshorne (1959, p.114-115, apud ALVES, 2009, p.632) aponta que

Os geógrafos estudam o passado não só como “chave do presente”,


mas também em função do seu próprio conteúdo geográfico. Cada
período passado possui uma geografia “presente”, e o estudo
comparativo das diferentes geografias através de sucessivos períodos
de tempo oferece um quadro da geografia em mudança de uma
determinada área.

Apesar de suas críticas a Geografia Histórica, é inegável a existência de importantes


reflexões e contribuições para pensar o tempo na obra de Milton Santos. São pensamentos
que subsidiam a abordagem que desejamos implementar na nossa pesquisa. Santos (2009) ao
construir sua metodologia para a análise do espaço considera o tempo como variável
indispensável. Ao recorrer às elucubrações de outros teóricos, Santos define a palavra evento
como portadora de significados que expressam a junção do tempo-espaço materializado em
dado instante e lugar. Em outras palavras, os eventos seriam a matriz do tempo e do espaço.
Cada evento seria singular, pois nunca as circunstâncias seriam as mesmas e, portanto, cada
ato difere do precedente e do seguinte. Logo, todo evento carregaria um conteúdo de
novidade, pois quando surgem propõem uma nova história, que alteraria os objetos e seus
conteúdos, conferindo-os de novas características e significados.
Na atuação dos agentes produtores na produção do espaço, o significante ação - que
contém um significado que nos interessa – surge de maneira espontânea e, na verdade, o seu
não uso seria um erro grave, pois, a palavra “produção” expressa o trabalho, o ato de produzir.
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Uma ação, enfim. A ação é própria do homem, porque há nela contida uma finalidade, um
objetivo a ser atingido – como as dos agentes produtores que a racionalizam almejando
objetivos comuns. Os eventos seriam atrelados à existência de agentes, pois os eventos
supõem a ação humana. Evento e ação são sinônimos. Por isso, eventos não são apenas fatos,
mas a realização de ideias e sua materialização no espaço. A inovação, por exemplo, seria
“um caso especial de evento, caracterizada pelo aporte a um dado ponto, no tempo e no
espaço, de um dado que nele renova um modo de fazer, de organizar ou de entender a
realidade” (SANTOS, 2009, p.146). Esse exemplo é mostra inequívoca da intencionalidade
das ações, de um evento planejado por agentes para a transformação de dado contexto
socioespacial, que pode ter curta ou longa duração. Santos (2009) continua a reflexão
asseverando que apesar de o evento ser sempre presente, o presente não é o instantâneo, não
se resumiria a duração imediatista, e sim corresponde a um lapso do tempo que esse evento
conservaria suas características constitucionais e mantendo a eficácia da sua ação. O evento
pode ter sua existência reduzida ou amplificada pelo ordenamento no qual foi criado e se
insere. Os seus impactos seriam direcionados ao sabor da ordem estabelecida, a partir dos
anseios de determinado sistema que o programa e o controla.
Os eventos não se dão isoladamente, mas em conjuntos sistêmicos – verdadeiras
“situações” – que são cada vez mais o objeto de organização: na sua instalação, no seu
funcionamento e no respectivo controle e regulação. Dessa organização vão depender, ao
mesmo tempo, a duração e a amplitude do evento (SANTOS, 2009, p.149). Retomando a
ideia de Santos (2009) que evento e ação são sinônimos podemos afirmar que a ação “é um
deslocamento visível do ser no espaço, criando uma alteração, uma modificação do meio. Um
dos resultados da ação é, pois, alterar, modificar a situação em que se insere” (SANTOS,
2009, p.78). As ações são intervenções reais, planejadas, que se inserem num processo
contínuo de acontecimentos. Estão intimamente ligadas as necessidades (naturais ou criadas)
que conduzem a humanidade a agir em busca de sua autorrealização. As ações não são
descoordenadas, não se localizam aleatoriamente porque a humanidade não as coordena
desprovidas de intencionalidade.
Sendo os eventos (e as ações) matrizes da produção do espaço-tempo, reunindo as
categorias de processo e estrutura, como analisá-los para obtermos a leitura correta sobre a
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produção dos espaços?


Nas palavras de Santos (2009, p.159) “o entendimento dos lugares, em sua situação
atual e em sua evolução, depende da consideração do eixo das sucessões e do eixo das
coexistências”. Ainda de acordo com Santos (2009), o eixo das sucessões é definido por
sistemas sucessivos do acontecer social que distinguem períodos diferentes, permitindo falar
de ontem e de hoje. O eixo das coexistências é formado por eventos que não são sucessivos,
mas concomitantes, pois o tempo das diversões ações e dos diversos atores e a maneira como
utilizam o tempo não são os mesmos. Esses eixos temporais de Milton Santos são baseados
nos momentos do tempo histórico conhecidos como diacronia e sincronia, respectivamente.
Tendo em mente que as contribuições de Milton Santos, anteriormente citadas, somam
e não buscamos confrontá-las para promover a sua negação, buscamos mais fontes para o
embasamento desse caminho metodológico. Alves (2010) aponta a base teórica fornecida por
Lawrence Estaville Jr. como importante para a organização do tempo para a Geografia
Histórica, e por conseguinte, para a Geografia. Segundo Estaville Jr. (1991), a Geografia
desenvolveu um arcabouço de estratégias de organização espaço-temporais para investigar
padrões e processos espaciais do passado. Focaremos em duas dessas estratégias para mostrar
suas vantagens e, principalmente, suas limitações e, posteriormente, indicar o caminho que
seguiremos para a transposição dessas barreiras metodológicas.
Pela sincronia, o recorte temporal transversal é fatiado horizontalmente e
sucessivamente e pode ser feito progressivamente (do passado para o presente) ou
retroprogressivamente (do presente para o passado). Cada recorte corresponde a um momento
do tempo, retratando a estrutura estabelecida no passado. Quanto maior é o número de
recortes temporais efetuados, maior é a possibilidade de análise dos fenômenos, dos processos
e comparação entre e em cada seção temporal. No entanto, como um fator de desvantagem
para essa estratégia, se o foco recai sobre a estrutura do espaço em dado recorte temporal, o
estudo do processo seria empobrecido. No recorte espacial sob a lupa de análise, ou em
qualquer outro recorte, os espaços não nascem prontos, nem se encontram cristalizados,
inalcançáveis das ações contínuas das forças modeladoras do espaço. Portanto, para
efetivamente compreendermos o momento atual das coexistências, é necessário levar em
consideração o seu processo de construção ao longo do tempo.
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Na diacronia o recorte temporal transversal é cortado no sentido longitudinal seguindo


o eixo do tempo dando ênfase ao processo, pois “são utilizados quando se pretende isolar
relações espaciais de um fenômeno particular a partir de um fluxo contínuo de tempo”
(ALVES, 2010, p. 638) e podem ser utilizados progressivamente ou retroprogressivamente,
também. Se o processo é favorecido por esse viés de análise, o entendimento da estrutura
espacial é empobrecido.
Comparando os eixos das coexistências e sucessões com a sincronia e diacronia,
respectivamente, torna-se claro que o emprego de um eixo ou de um momento isoladamente
seria um equívoco para desvelar o par processo-estrutura da produção do espaço de
determinado recorte espaço-temporal. Enfim, tanto a sincronia, definida por Santos (2009)
eixo de coexistências, quanto a diacronia, eixo de sucessões, apresentam limitações à análise
espaço-temporal. Dessa maneira, a solução apontada é a integração da sincronia e
diacronia resultando na abordagem sincrônica-diacrônica.
Ao aplicar essa abordagem à nossa pesquisa, a diacronia atenta ao processo de
produção dos espaços comerciais e estabelecemos, pelo menos, três cortes temporais
sincrônicos: a abertura do chamado “Calçadão”, na rua Coronel Agostinho, no período
fordista, que torna-se a fagulha para a organização da estrutura comercial do recorte, o
surgimento dos centros comerciais planejados com a transição e consolidação da acumulação
flexível como propulsora da produção do espaço urbano, buscando a padronização dos
espaços de consumo e o atendimento a necessidade de seletivização do consumo e do
consumidor no e do espaço e, finalmente, a conjunção desses diferentes tempos na estrutura
atual do bairro. A conjunção sincrônica-diacrônica progressiva permite a reconstrução do
processo e da estrutura que resulta atualmente no mais significativo espaço comercial do
bairro de Campo Grande.

Objetos diferentes, produzidos em tempos diferentes e por regimes urbanos com


regulações específicas constituem o espaço comercial do bairro no tempo presente. A
complexidade da estrutura espacial do recorte nos guia para a compreensão da ordem (e da
desordem) estabelecida na produção desse espaço ao longo do tempo. Qual(is) é (são) a(s)
ordem(ns) estabelecida(s) no mosaico espaço-temporal que está materializado como espaço
comercial campo-grandense?
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Para responder a essa questão Morin (2005) nos subsidia com suas reflexões acerca da
ordem e da desordem na produção de sistemas complexos. A ordem carrega diversas ideias
como estabilidade, constância, regularidade, repetição e estrutura. A ordem estabelecida
produz e comporta uma organização, que ao gerar constância garante a estabilização de uma
estrutura que se reproduz. Por isso, a estabilização de um sistema por um longo período
levaria a estagnação do mesmo, interrompendo o processo de reinvenção vital para a
continuidade de um sistema como o capitalismo. Nesse contexto, a existência da desordem,
como o par aparentemente contraditório, é condição primária para a manutenção do sistema.
A desordem é a primeira vista oposta da ordem, entretanto coopera como elemento
gerador da organização. Os eventos aleatórios gerados pela desordem causam o aparecimento
de novas ordens, novas possibilidades não visualizadas ou planejadas que abrem caminhos
para reorganizações dos sistemas. Buscando outros termos, a desordem é necessária para a
(re) criação e evolução de sistemas ordenados e estabilizados no tempo-espaço.
Ordem e desordem são faces da mesma moeda e a ininteligibilidade do mundo está na
compreensão do seu funcionamento em conjunto. A ordem se manifesta sob as anteriormente
citadas constância, de estabilidade, de regularidade e de repetição, que são condições para o
funcionamento de dada organização, enquanto a desordem contém desvios que podem
perturbar as regulações organizacionais e, mais amplamente, ela diz respeito a qualquer
fenômeno que acarrete ou constitua a desorganização (MORIN, 2005). O aparente
contraponto entre ordem e desordem, na verdade, se constitui uma complementaridade. É a
partir desse constante ciclo de interação e desorganização que o capitalismo constrói –
aniquila – reconstrói os espaços e prolonga a sua existência e logra em realizar a acumulação.
As ideias citadas de ordem nos conduzirão pela análise do momento de cada regime
urbano que produziu e produz o espaço comercial campo-grandense. O tempo para a
passagem do regime não é congelado no tempo, mas tende a um compasso temporal suave.
Quase imperceptível aos olhares menos treinados. O regime é uma constante, que tende a
estabilidade, mantendo uma regularidade do acontecimento de eventos, sendo possível a
verificação da repetição de padrões, para formar uma estrutura singular no tempo-espaço.
A desordem abre o caminho para nos possibilitar o entendimento do momento no qual
se inicia a desestabilização da ordem constituída. Em palavras mais relacionadas ao nosso
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objeto de estudo, a desordem nos dará a base para apontar o processo de quebra do regime
fordista, e os seus consequentes regime e regulação urbana, e a tomada de posição por parte
do regime de acumulação flexível, modificando o regime urbano e a regulação urbana
correspondente.
Quando associamos a teoria do complexo de Morin com pensamento marxista, talvez
pudéssemos afirmar que a ordem e desordem constituem-se como a tese e a antítese cuja
síntese é a produção incessante de um novo espaço.
À primeira vista a utilização de autores que se baseiam em métodos e teorias distintas
como David Harvey apoiado em Karl Marx e o seu método materialista-histórico dialético –
cuja aplicação ilumina o caminho da pesquisa, Joseph Schumpeter, que termina se
aproximando com o método de Marx para tecer análises, e Edgar Morin, com a teoria do
complexo. Entretanto, a partir do momento no qual se percebe a necessidade da aplicação de
mais de um método que nos possibilite a melhor compreensão do objeto de estudo, podemos
recorrer a complementaridade entre métodos diferentes. Cada método pode nos auxiliar em
pontos que se constituem como sua força e vantagem sobre o outro. Ou em palavras mais
esclarecedoras, estamos recorrendo ao pluralismo metodológico caminhando pela trilha do
pluralismo externo. O pluralismo externo tem como mérito

"incorporar criticamente novas contribuições a uma postura


teórica e metodológica inicial, que em constantes reelaborações, fruto
do intenso diálogo, determinará os caminhos, decisões e apostas
intelectuais (OLIVEIRA FILHO, 1995, p. 268).
Apesar de aparentemente distante do método dialético de Marx, o pensamento
complexo de Morin foi construído com bases nas inspirações do método do filósofo alemão.
Há uma validação nas palavras do próprio Edgar Morin em relação a essa ligação da sua
teoria do complexo ao pensamento de Marx

Marx reuniu uma teoria materialista e dialética do real, uma


teoria do devir histórico da humanidade, uma teoria da práxis, isto é,
da relação entre a teoria, o pensamento, a ação e a realidade (...) o
núcleo marxiano não é uma ideia, porém um conjunto de articulações,
com diversas partes, todas elas interdependentes no sistema de Marx.
O pensamento de Marx é um complexo, e de resto, os marxismos
diferenciam-se ou se petrificam na medida em que cada um escolhe
uma parte do pensamento de Marx e deixa outra na sombra (MORIN,
2004, p. 87).
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Por ser uma pesquisa, preponderantemente, de base qualitativa, utilizaremos as fontes


bibliográficas existentes sobre o bairro e aquelas que abordam conceitos e a temática em
questão (cidade e comércio). Há duas dissertações de vital importância para a compreensão do
espaço campo-grandense: a primeira de Alexandre Lourenço, aluno do PPGEO/Uerj,
intitulada “O Bairro de Campo Grande: Representações, Impasses, Perspectivas e
Particularidades” e a segunda da Professora Doutora Vânia Regina Jorge da Silva, docente da
Uerj/ FEBEF que também produziu material acadêmico na forma de artigos sobre o bairro,
intitulada “Examinando os processos de segregação e descentralização através do transporte
público na cidade do Rio de Janeiro - o exemplo de Campo Grande - RJ, 1990-2009,”. Além
da Geografia, há a produção do historiador William de Souza Vieira na forma de dissertação e
artigos sobre recortes históricos da nossa área de estudo. Essas contribuições serão úteis para
distintos fins.
A dissertação de Lourenço (2009) lança seu foco nas relações de poder constituídas
por e entre grupos políticos locais cujo estabelecimento como elite política e econômica local
em momentos temporais distintos possibilita a infiltração no poder estatal permitindo a
realização da produção do espaço segundo suas determinações e anseios. Silva (2009)
examina os processos de segregação e descentralização no bairro a partir da análise do
transporte rodoviário no recorte temporal que se estende de 1990 a 2009, coincidindo com o
aporte do neoliberalismo (que carrega o regime de acumulação flexível embutido no seu
ideário) no Brasil. Essa coincidência de objeto e recorte temporal nos permitirá entender a
inclinação e os objetivos das políticas públicas voltadas para o bairro. Vieira (2009) com sua
dissertação “Cenas da Cidade: De Cinema a Igreja: A memória do Cine Palácio Campo Grande”
contribui com o resgate de momentos iniciais da produção do espaço urbano campo-grandense e
reconstrói o processo de modificação e refuncionalização das formas do bairro, partindo do exemplo do
antigo Cine Palácio. No campo da geografia do comércio, que nos auxilia no entendimento dos porquês
da existência das formas comerciais e a formação da estrutura espacial a partir do comércio, recorremos
as obras “ Do Comércio à Distribuição: Roteiro de uma Mudança” de Teresa Barata Salgueiro que
investiga a profunda transformação comercial causando desdobramentos no tecido socioespacial, pois a
evolução faz surgir “novas técnicas de venda e exposição dos artigos, outros tipos de estabelecimentos
com padrões locativos diferentes do tradicional, acompanhando a reestruturação funcional das áreas
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urbanas e metrópoles policêntricas. (BARATA SALGUEIRO, 1996, p.1)”. Outra obra na área da
geografia do comércio, a contribuir com o debate sobre uma das formas tradicionais – a rua
comercial, é “ Cidade e Comércio: a rua comercial na perspectiva internacional” organizada
por Carreras & Pacheco (2009), que reúne diversas apreensões e usos dessa forma, que serão
úteis para a leitura de uma parte do nosso objeto.
A tese de Madalena Grimaldi Carvalho, defendida no IPPUR / UFRJ em 2005, com o
título “A difusão e a Integração dos shopping centers na cidade - As particularidades do Rio
de Janeiro” contribui com a fundamentação da análise dessa forma comercial como
transformador do espaço urbano ligado às mudanças de hábitos da sociedade capitalista e
elemento gerador de novas centralidades ao descentralizarem uma gama de comércio e
serviços públicos e privados. Outros estudiosos importantes que subsidiarão nossa pesquisa na
temática citada são, por exemplo, Carles Carreras no artigo “Os novos espaços de consumo de
Barcelona” e Herculano Cachinho “O Comércio a Retalho na Cidade de Lisboa:
Reestruturação econômica e dinâmicas territoriais”.
Em pesquisas anteriores, consultas à base das políticas públicas registradas nos sítios
eletrônicos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, como o Portal GeoRio e o Armazém de
Dados, em busca de leis, decretos, programas da cidade - na forma de Planejamento
Estratégico, Projetos de Estrutura Urbana e Planos Diretores e a legislação federal sobre a
política urbana e se mostraram bastante valiosas. Além disso, reportagens relacionadas ao
bairro e as relações político - empresariais foram de grande valia para o entendimento das
relações entre os agentes privados e o poder estatal para a produção dos espaços do local. As
reportagens, especialmente aquelas veiculadas pelo Caderno Zona Oeste dos jornais O Globo
e Extra, representaram uma fonte ágil de informação dos processos que transcorriam nesse
recorte espacial. Ainda, a consulta a oferta imobiliária no caderno Morar Bem dos mesmos
veículos nos permitir ter acesso a ideologia propagada pelo marketing na oferta ideológica e
mercadológica das novas e antigas formas comerciais. Os relatórios mensais e semestrais da
Ademi-RJ, foram essenciais para a compreensão e tradução dos números em textos
geográficos que registrassem os números oficiais da produção imobiliária nesse espaço. Logo,
Acreditamos que essas ações possam contribuir para o entendimento do todo e das suas partes
e como foram construídas ao longo do tempo.
16

Trabalhos de campo fazem parte de outra ação metodológica a ser utilizada para
levantamento de dados e entrevistas com os agentes produtores do espaço (como
comerciantes e membros da Associação Comercial de Campo Grande). O levantamento
fotográfico e a visita aos sítios nos quais a produção do espaço ocorre serão úteis para termos
o registro dos momentos de construção e modificação dos espaços, para posteriores
comparações, e no maior entendimento do uso e apropriação desses espaços e de suas
posições relativas dentro do contexto maior, o contexto da totalidade na qual se inseriam e se
inserem.

4. Proposta de Sumário

1 – O capitalismo e a (re) produção do espaço


2 – Os agentes capitalistas e a produção dos espaços comerciais

2.1 – As políticas públicas na estruturação do espaço comercial de Campo Grande, RJ


2.2. – Os agentes privados: a produção e consumo dos espaços comerciais de Campo Grande,
RJ

3 – Os diferentes tempos da produção do espaço comercial de Campo Grande, RJ

3.1 – A rua comercial: o “Calçadão” de Campo Grande


3.2 – Shopping Centers e a produção recente dos espaços comerciais
3.3 – O tempo presente: permanências e inovações das formas comerciais
17

5. Cronograma

2017-2018 2019

Atividades Trimestre (Dez - Trimestre Trimestre Trimestre Trimestre


Fev) (Mar - Mai) (Jun - Ago) (Set-Nov) (Dez - Fev)

Redação do X
primeiro capítulo da
tese

Entrevistas e análise X
de dados nas bases
públicas e privadas

Redação do X X
segundo capítulo da
tese

Redação do terceiro X X
capítulo da tese

Revisão da tese e X
defesa
18

6. Capítulo 1: O Capitalismo e a (Re) Produção do Espaço

Entender o capitalismo e seu processo de constante reinvenção é basilar para


compreender as alterações da estrutura espacial que o comporta e o influencia reciprocamente.
Nesse capítulo com base na Lei Geral da Acumulação Capitalista, a partir da aplicação ao
espaço por David Harvey, entrelaçada as ideias de Destruição Criadora, que também foi
apropriada pelo geógrafo inglês, debateremos a produção do espaço capitalista, como foco na
estrutura comercial, em diferentes regimes de acumulação para delimitar o nosso objeto: as
formas e estrutura comercial do bairro de Campo Grande, Rio de Janeiro.
O espaço produzido pela humanidade não tende a constância. As mudanças em
diversos aspectos da sociedade desdobram-se sobre o espaço produzido e, dialeticamente, o
espaço condiciona as transformações da sociedade que o produz. Em outras palavras, os
objetos espaciais socialmente produzidos possuem papel relevante na reprodução
socioespacial, pois possuem funções que são demandadas do movimento da sociedade e
direcionam sua própria (re) produção posterior (CORRÊA, 1989).
Os movimentos da sociedade não acontecem pela aleatoriedade. A estrutura social e,
por consequência, o tecido socioespacial seria alicerçado a partir de ações objetivas,
planejadas, para atingir determinada finalidade. A sociedade capitalista como um todo,
especialmente no contexto vivido, produz o espaço tendo como finalidade a acumulação do
capital, pois “ainda vivemos uma sociedade em que a produção em função de lucros
permanece como o princípio organizador básica da vida econômica” (HARVEY, 2008,
p.117).
O capitalismo é devido a sua natureza uma força em constante revolução, incessante e
constantemente reformando o mundo, que não pode ser estacionário devido ao caráter
evolutivo do seu processo que transcorre em um meio natural e social em contínua
modificação e que, em virtude dessa mesma transformação, altera a situação econômica
(HARVEY, 2006; SCHUMPETER, 1961). Para continuar a crescer e se expandir
espacialmente, e modificar os locais nos quais já atua com vigor, o capital precisa
periodicamente ser reinventado. Apesar das regras básicas do modo capitalista de produção
continuarem as mesmas, invariantes do desenvolvimento histórico-geográfico, as estratégias
de produção e consumo típicas do capitalismo passaram por mudanças consideráveis ao longo
19

do tempo (HARVEY, 2008). O capitalismo industrial inglês do século XIX apresenta diversos
pontos contrastantes com o capitalismo praticado por Henry Ford no começo do século XX. A
comparação daqueles momentos com o predominante capitalismo financeiro praticado
atualmente no século XXI, baseado na “produção do dinheiro pelo dinheiro”, são exemplos
mais óbvios de tais mudanças da sua forma.
Esses movimentos de reinvenção do capitalismo remetem tanto a Lei Geral de
Acumulação Capitalista, como analisado por Karl Marx, cujos princípios se baseiam na
criação de novos desejos e necessidades na forma de produtos e apostava na expansão
geográfica (criação de novos espaços) para a sua reprodução, quanto no conceito de
Destruição Criadora, de Joseph Schumpeter.
O conceito schumpeteriano fundamenta-se no empreendedorismo, símbolo máximo do
discurso liberal-capitalista e ideário basilar da produção do espaço urbano no final do século
XX e começo do século XXI, a competição e a inovação técnica, que marca a transição entre
os regimes de acumulação, como essenciais para a reprodução do capital.
Devido a sua necessidade de reinvenção, o capitalismo, como verificado por
Schumpeter, altera o seu modus operandi adotando novas estratégias de (re) produção que
terão impacto socioespacial evidente. Em outras palavras, a (re) criação dos espaços que
reconfiguram a forma urbana são essenciais para a continuidade do capitalismo. Sempre que a
organização geográfica não atender às necessidades do capital móvel, o espaço será
reconstruído e reorganizado via a produção de lugares fixos que materializam as modificações
concernentes à produção, distribuição e consumo e garantam a livre movimentação de
diversos fluxos materiais e imateriais. Afinal, a mutabilidade do capital impacta na
necessidade de constante modificação da estrutura espacial na qual o sistema opera para
realização da acumulação, pois o capital uma vez materializado em objetos não pode ser
movimentado sem causar destruição. Ao longo do curso do tempo o capitalismo tende a
aniquilação e reconstrução dos espaços através de ataques ferozes de destruição criadora. Esse
processo de (re) criação constitui o funcionamento básico do capitalismo e é a ele que todo
capitalista deve se adaptar para sobreviver. Logo, em vez de estudar apenas a maneira como o
capitalismo administra a estrutura existente, devemos nos debruçar sobre como o capital cria e
destrói essas estruturas (HARVEY, 2011; SCHUMPETER, 1961).
20

Ao longo do século XX, a reinvenção do capitalismo foi realizada pela adoção de dois
regimes de acumulação, e o modo de regulamentação social e política a eles associados, que
alteraram determinadas características do sistema. O fordismo e a acumulação flexível foram
estabelecidos como regime de acumulação que são definidos como

“a estabilização, por um longo período, da alocação do


produto líquido entre consumo e acumulação; ele implica alguma
correspondência entre a transformação tanto das condições de
produção como das condições de reprodução de assalariado (...) que
toma a forma de normas, hábitos, leis, redes de regulamentação etc.
que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência apropriada
entre comportamentos individuais e o esquema de reprodução. Esse
corpo de regras e processos sociais interiorizados têm o nome de
modo de regulamentação (LIPIETZ, 1986 apud HARVEY, 2008,
p.188).

Apesar de ser iniciado como modo de produção industrial antes de 1920, o fordismo,
que foi transformado em regulação a partir da sua conjunção com as políticas keynesianas,
teve o seu ápice de adoção no período de 1945-1973. O seu declínio deu passagem à
acumulação flexível, que vigora até o momento atual. Com base na escola francesa de
regulação, como citada anteriormente em Lipietz, parte-se do pressuposto que as relações
sociais decorrentes da produção capitalista modificam suas formas históricas e geográficas ao
longo da história do capital e são manifestadas nas maneiras e nas formas de organização e
distribuição da produção comandada pela valorização capitalista. O espaço materializa as
mudanças decorrentes da passagem de um regime de acumulação para outro, pois o
capitalismo se articula com a estrutura urbana e na maneira que essa estrutura é produzida
(ABRAMO, 1995). São essas alterações na produção do espaço urbano, engendradas pelo
capitalismo, que produziram períodos particulares da produção capitalista do espaço urbano
os quais, baseados na terminologia “regulacionista”, são chamados de “regimes urbanos”.

Os “regimes urbanos” identificariam fases particulares da


relação do capital e da estrutura urbana. A “funcionalidade” da
estrutura urbana em relação ao processo de valorização do capital
muda ao longo do tempo e do espaço, em função das características
particulares do regime de acumulação em vigor. (...) Se a dinâmica da
valorização do capital se estrutura a partir do consumo de massa
(fordismo) ou de um consumo direcionado e/ou restrito
(especialização flexível ou fordismo periférico), as características do
ambiente construído urbano, que configuram o que chamaremos de
21

“funcionalidade da cidade”, serão diferentes de um caso para outro.


(...) As características de cada regime de acumulação particular
inscrevem na espacialidade urbana e sua particularidade histórica e
geográfica, sob a forma dos “regimes urbanos” (ABRAMO, 1995,
p.511).

O “regime urbano” é um elemento do par associado a “regulação urbana”, “formada


pelas características particulares do processo de produção da espacialidade construída e dos
mecanismos que garantem a sua reprodutibilidade (idem)”. Em outras palavras, o regime
urbano é possibilitado pela regulação urbana quando essa última permite a formulação de
mecanismos econômicos e institucionais que permitem a sua reprodução.
Existiram mudanças em diversos aspectos, evidenciando rupturas e tensões entre o
fordismo e a acumulação flexível, pelas quais o capitalismo se reinventou e inovou para
garantir a continuidade da sua existência. As mudanças na utilização do espaço, no papel do
Estado e no viés ideológico comportamental (que envolve o consumo dos espaços) foram
apontados por Swyngedouw (1986 apud HARVEY, 1996), e já citados por Abramo (1995),
ao contrastar a produção fordista com a produção just-in-time (acumulação flexível).
22

Quadro 1 Produção das formas comerciais em Campo Grande entre o fordismo e a acumulação flexível

Produção fordista Desdobramento no recorte espacial Produção just-in-time Desdobramento no recorte espacial

ESPAÇO Especialização espacial funcional - Formação da rua comercial Agregação e aglomeração espaciais - Implantação de centros comerciais
(centralização / descentralização) planejados e comércio complementar no
entorno

ESTADO Regulamentação - Criação do Calçadão na Rua Coronel Desregulamentação / re-regulamentação - Nova legislação (Projeto de
Agostinho via poder público. Estruturação Urbana - PEU) que re-
regulamenta o uso do solo.

Rigidez - Delimitação da Rua Coronel Flexibilidade Modificação dos padrões de uso do solo
Agostinho como área comercial possibilitado o uso comercial de outros
espaços do recorte espacial.

Centralização - Estado ordena e concentra a atividade Descentralização e agudização da - Descentralização das formas
comercial para controle do espaço. competição inter-regional / interurbana comerciais pelo bairro em áreas
refuncionalizadas para o comércio.

- Atuação de empreendedores de
diferentes escalas de operação que
atuam em diferentes pontos do território.

IDEOLOGIA Consumo de massa de bens duráveis: a - Rua comercial destinado a massa de Consumo individualizado - Produção e consumo segmentados a
sociedade do consumo consumidores como um todo. nichos e espaços específicos.

Totalidade / reforma estrutural - Inserção pelo consumo Especifidade / adaptação - Espaços de consumo construídos e
direcionados a nichos estratos sociais
- Cidadania pelo consumo muda a específicos. - Novas
estrutura social, mudança do padrão de ideologias que são postas como
consumo necessidades gerando a produção e o
consumo de novos espaços comerciais.

Fonte: Swyngedouw (1986 apud HARVEY, 1996). Adaptado por Barata (2017)
23

Esses diferentes momentos da acumulação foram desdobrados no nosso recorte


espacial com o surgimento de formas condizentes para o momento em congruência com
a política e ideologia vigente, que foram alterados à medida que os regimes foram
transicionados. Pois, há uma relação dialética entre a estrutura econômica e a sua base
estrutural, uma vez que há implicações nas alterações de um dos pares que é refletido no
outro. Nas palavras de Pires (2003) “se a estrutura econômica se altera, a base territorial
também se altera. Já que a base territorial se alterou, pode-se admitir por conseguinte
que, novamente, a estrutura econômica também tende a se alterar e assim por diante
(...)”.
O quadro destaca uma alteração que está intrinsecamente ligada à mudança da
produção de formas comerciais nos dois momentos de acumulação capitalista. No
momento fordista da produção do espaço havia uma tendência à especialização espacial
funcional, que tornava a estrutura urbana rígida e centralizava os fluxos para o mesmo
ponto de determinado recorte espacial. No entanto, novas formas comerciais
coadunadas ao processo de fragmentação do espaço urbano tornaram as cidades
polinucleadas. As formas comerciais possuem força para se constituírem como
centralidades, e se anteriormente novas centralidades acompanhavam o movimento da
expansão urbana, atualmente as formas comerciais, como shopping centers, são capazes
de criar sua própria centralidade e antecedem a própria expansão da cidade. A partir
desse movimento, o tecido espacial torna-se constituído por diferentes centralidades,
desiguais e atendendo a diferentes segmentos sociais (PINTAUDI, 2009).
As formas comerciais influenciam na mudança da forma urbana que se adéqua
às necessidades da reprodução do capital em cada momento. O entendimento da
existência dessas formas (que coadunam as categorias de estrutura e função) implica na
pré-existência do espaço, e sua produção uma concepção, uma técnica, a partir da
inovação, capaz de torná-lo material.

O espaço onde se realiza o comércio, a forma de troca


que uma sociedade faz uso para se reproduzir, é de natureza
social e, portanto, não é possível analisá-lo apenas como um
suporte que não interfere, que não transforma a sociedade. Para
isso basta um rápido olhar para o que aconteceu com os espaços
comerciais nos últimos 50 anos (…). Novas tecnologias foram
se incorporando em todos os setores econômicos e não só
ocasionam novas formas de produzir, mas também de distribuir
mercadorias, o que intervém muito na maneira como nos
relacionamos em sociedade. (…) É, portanto, necessário
considerar a forma e o seu diálogo com as outras formas,
24

porque cada forma comercial permite a reprodução de relações


específicas porque são produzidas num momento da história
(PINTAUDI, 2009, p.59)

Existem diferentes formas comerciais que estruturam o espaço urbano da cidade


capitalista. O desenvolvimento da sociedade, marcada pela evolução das técnicas,
emprego do trabalho e suas necessidades – que influenciam e são influenciadas pelo
regime de acumulação vigente, produziu diferentes objetos comerciais ao longo do
tempo.
No espaço campo-grandense há a coexistência de formas tradicionais e novas de
comércio materializadas, principalmente, na rua comercial e nos centros comerciais
(shopping centers), que são as duas formas sobre as quais recaem nossos interesses de
pesquisa. A rua comercial é uma forma tradicional que sobreviveu às transformações
engendradas e materializadas nas novas centralidades planejadas (CARRERAS &
PACHECO, 2009). Essa forma passou por distintos momentos acerca de sua definição.
Atendo-nos a um dos diversos momentos de apreensão acerca da rua comercial, uma
possível definição seria

Uma rua delimitada total ou parcialmente por uma


sucessão de lojas que coincidem com o alinhamento, cada uma
delas acessível diretamente da calçada, estando ou não
localizada sob edificações destinadas a outros fins quaisquer.
Por definição a rua comercial inclui o espaço público: as lojas
necessariamente limitam com este, quer seja resolvido como
espaço unicamente pedestre, quer como espaço destinado a
pedestres e veículos. (CABRAL, 1996,p.45)

A forma comercial moderna como um centro comercial, que se configura como


uma centralidade é caracterizada

como um grupo de estabelecimentos comerciais que dispõe de


parque de estacionamento próprio, sendo planejado, construído,
possuído e explorado por uma entidade única e cuja localização,
dimensão e tipo dos estabelecimentos foi programada em
função da área de mercado que serve. (SALGUEIRO, 1994,
p.152)

Entende-se que as formas comerciais são formas sociais, pois são produtos de
uma sociedade que as constrói para se reproduzir. A análise das formas comerciais, que
são frutos das relações socioespaciais de determinado momento histórico, é um meio
para a compreensão dos contrastes existentes no espaço urbano permitindo o
entendimento das diferenças entre os espaços sociais (PINTAUDI, 2002).
A Lei Geral de Acumulação do Capital rege o movimento da sociedade e
25

compõe o conjunto de saberes que nos permitem compreender os lugares de comércio e


consumo. Esses são produzidos de acordo com as necessidades da reprodução do capital
em cada momento histórico. Portanto, a produção dos espaços comerciais, nossos
objetos de estudo, e os objetos neles contidos são evidenciados como produtos da
acumulação capitalista (HARVEY, 2006; PINTAUDI, 2009).
Nem sempre é possível vislumbrar a conjunção de forças necessárias e/ou
conflitantes que criam o espaço. Portanto, convém mencionar que o espaço é

é o resultado de uma história que deve ser concebida


como a atividade de "agentes" ou "atores" sociais, de "sujeitos"
coletivos operando por impulsos sucessivos, projetando e
modelando de modo descontínuo (relativamente) extensões de
espaço. Esses grandes grupos sociais, compreendendo classes e
frações de classes, assim como instituições que seu caráter de
classe não é suficiente para definir (a realeza ou a
municipalidade, por exemplo), agem uns com e/ou contra os
outros. As qualidades e "propriedades" do espaço urbano
resultam de suas interações, de suas estratégias, seus êxitos e
derrotas. A forma geral do urbano engloba, reunindo-as, essas
diferenças múltiplas (LEFEBVRE, 2008, p. 117).

Nesse contexto, mesmo o espaço sendo criado como produção social, o seu fim
pode vir a ser sua apropriação privada. A produção é orientada pelas dimensões
econômicas e políticas, aliadas por conveniências pontuais, que pautadas por uma
racionalidade técnica se impõem pela necessidade da acumulação ao produzir o espaço.
Os diferentes momentos da produção (classificados como distintos níveis de realidade)

correspondem àqueles da prática sócio espacial real


(objetiva e subjetivamente) que ganha sentido como produtora
dos lugares, encerrando em sua natureza um conteúdo social
dado pelas relações sociais que se realizam num espaço-tempo
determinado, como um processo de produção, apropriação,
reprodução da vida, da realidade e do espaço em seus
descompassos, portanto fundamentalmente, em suas
contradições (CARLOS, 2011, p.64).

A produção do espaço é basicamente uma produção social associada às


necessidades da humanidade e das condições de existência da sociedade e das suas
determinações (CARLOS, 2011). Assim, “a produção do espaço não é o resultado da
mão invisível do mercado, nem de um Estado hegeliano, visto como entidade
supraorgânica, ou de um capital abstrato que emerge de fora das relações sociais Corrêa
(2011, p.43).” A produção do espaço é ligada a vários agentes sociais que formulam
estratégias e executam políticas para a produção da cidade. É a partir da ação dos
26

agentes sociais históricos, com interesses, estratégias e práticas espaciais próprias que o
espaço é produzido, através da materialização dos objetos, que estruturam diversas
formas espaciais definidas pela condensação de forças sociais agindo sobre determinado
recorte (CORRÊA, 2011; HARVEY, 2006).
Entendemos que para entender a produção do espaço torna-se necessário
considerar distintas realidades que são moldadas por diferentes momentos da complexa
reprodução social. Para tanto, a consideração dos sujeitos da ação, que efetivamente o
produz, é essencial. Afinal, Corrêa (2011) aponta que há uma tendência para que os
agentes da produção do espaço estejam inseridos de acordo com as intencionalidades
constituídas da temporalidade e espacialidade de cada formação socioespacial
capitalista. Coadunando Carlos (2011) e Corrêa (2002) podemos perceber a atuação em
conjunto dos agentes também sendo realizada individualmente para satisfazer os
interesses dos grupos e por vezes gerando conflitos pontuais, quando os anseios
bifurcam-se ao longo do caminho. Os sujeitos da ação a considerar são: o Estado, pela
sua atuação concernente ao marco jurídico regulatório que pode refletir os interesses
dominantes e os capitalistas privados personificados em múltiplos sujeitos como os
proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários e os promotores
imobiliários – articulados entre si, aglutinados sob o mesmo guarda chuva empresarial.
O Estado, como produtor do espaço, recebeu atenção e conta com a contribuição
intelectual de uma miríade de pesquisadores da Geografia e áreas afins. Os diferentes
enfoques dados a esse agente nos proporcionam uma visão ampla dos seus múltiplos
papéis e posicionamento no quadro institucional em determinados momentos. Em
momento anterior, mais especificamente na pesquisa da dissertação, Barata (2012)
baseado em Carlos (2011), Corrêa (2011) e Harvey (2006), foca no Estado a partir da
concepção marxista sobre esse agente. Nessa concepção, o Estado seria um braço
repressivo da classe dominante cuja lógica da sua ação, dentro do contexto de uma
sociedade capitalista, tenderia a reproduzir a ordem vigente. Pois, o Estado seria o braço
executivo da capital, que quando apropriado passa a autorizar, gerenciar e executar
interesses da classe dirigente (HARVEY, 2006).
O poder estatal, para dominar ou ser superado, é materializado no espaço pelo
estabelecimento de marcos jurídico (leis, regras, normas e posturas) de produção e uso
do espaço (CORRÊA, 2011). A compreensão das políticas públicas torna-se vital para o
entendimento da produção do espaço para reconhecermos o caleidoscópio de forças que
27

moldam o Estado em cada momento da sua realização. Destarte, serão tantas políticas
públicas quanto as forças e momentos existentes do Estado. Castells (2009) liga a
política urbana à planificação urbana devido a intervenção do aparelho do Estado sobre
a organização do espaço. Analisando as contribuições de outros estudiosos, o sociólogo
estrutura o campo de estudos acerca das políticas urbanas em dois postulados:

1. Há um acordo geral em considerar a política urbana como


processo político, usando de forças sociais com interesses
específicos ou, na terminologia liberal, atores buscando realizar
seu projeto por meio de diferentes estratégias.

2. Se o cenário político local está diretamente ligado ao


tratamento conflitual dos “problemas urbanos”, estes o
ultrapassam amplamente e fazem com quem levem em
consideração as determinações da estrutura social (CASTELLS,
2009, p.355).

Atendo-nos ao primeiro postulado, pois se aproxima do proposto para essa


pesquisa, referenciamos a pesquisa de Clark, a partir da citação de Castells (2009), que
propõe uma investigação da política urbana a partir das instituições sob diferentes
prismas, uma vez que as intervenções da instituição municipal podem ser analisadas
como

intervenções do político sobre o econômico, ou do político


sobre si mesmo ou sobre o ideológico, entendido que a maioria
destas intervenções preenche ao mesmo tempo vários papéis
(…) O tipo de análise proposto aqui implicará que sejam
levadas em conta, no estudo do papel da instituição municipal
com relação aos processos de produção do espaço urbano,
certas determinações exteriores ao meio urbano considerado:
por exemplo, a consequência das políticas de organização do
território, políticas governamentais em matérias de instituições
regionais e urbanas (CLARK, apud CASTELLS, 2009, p.368).

Se há tantas políticas públicas quantos momentos do Estado, há múltiplas


dimensões do Estado no que concerne às forças (economia, política e ideologia) que
atuam e buscam moldá-lo conforme interesses endógenos e exógenos ao ente estatal.
Como citado anteriormente, esses feixes do espectro de forças implicam diretamente um
sobre o outro alterando as condições de funcionamento do Estado e da formulação das
políticas públicas. Partindo do momento fordista-keynesiano, entre 1929 e 1973,
estamos tratando do Estado planejador, interventor no espaço. Após 1973, com o
avanço neoliberal, momento marcado pela acumulação flexível, o termo gestão, advindo
do mercado, é adicionado em substituição ao planejamento (HARVEY, 2006). São dois
28

momentos distintos e regidos por forças com ideários divergentes que impõem
regulações urbanas, marcos jurídicos diferentes e específicos, para cada regime urbano
da produção capitalista do espaço.
Harvey (2006) reconstrói a passagem da política do Estado do período fordista-
keynesiano para o período neoliberal / acumulação flexível. Essa passagem foi marcada
pelo consenso, abraçando os pilares da destruição criadora schumpeteriana, que para
enfrentar a crise macroeconômica, os governos urbanos tinham de serem inovadores e
empreendedores. A mudança paradigmática abandonando a abordagem “administrativa”
do espaço para ações “empreendedoras” tornando-se consenso e sendo difundido por
todo o espectro político-ideológico dos governos urbanos. O empreendedorismo estaria
no centro das formulações das políticas urbanas e nas estratégias de desenvolvimento
urbano, a partir de então. Uma das facetas do empreendedorismo reside na busca pela
melhoria da posição competitiva em relação à divisão espacial do consumo. A
urbanização engendrada nas bases empreendedoras foi baseada no consumo, haja vista o
estilo consumista moldado pelo processo civilizatório capitalista. Assim, “a cidade tem
de parecer um lugar inovador, estimulante, criativo e seguro para se viver ou visitar,
para divertir-se e consumir (HARVEY, 2006, p.176)”.
Outro ponto a ser citado, que retorna a gênese do empreendedorismo, é a criação
das condições necessárias às empresas para que se estabeleçam em determinados
espaços, ou seja, a criação de um ambiente favorável aos negócios pela implantação de
chamarizes capazes de atrair capital. A missão do Estado torna-se atrair fluxos de
produção, financeiros e de consumo de alta mobilidade e flexibilidade para seu recorte
espacial (HARVEY, 2006). O empreendedorismo urbano, ao tornar o Estado e sua
política urbana facilitadores da transformação da cidade em negócio, é coerente com os
princípios liberais do capitalismo, por isso

“não há nada sobre o empreendedorismo urbano que seja


antiético à tese relativa à mudança macroeconômica na forma e
no estilo do desenvolvimento capitalista. De fato, pode-se
afirmar com segurança que as mudanças na política urbana e o
movimento rumo ao empreendedorismo têm desempenhado um
importante papel facilitador na transição dos sistemas de
produção fordistas localizacionalmente rígidos, suportados pela
doutrina do bem-estar estatal keynesiano, para formas de
acumulação flexível muito mais abertas em termos geográficos
e com base no mercado. Além disso, pode-se afirmar que a
transição do modernismo de base urbana para o pós-
modernismo, com relação ao design, às formas culturais e ao
29

estilo de vida, também está conectada à ascensão do


empreendedorismo urbano (HARVEY, 2006, p.181).

Nesse cenário complexo da produção capitalista do espaço urbano, compreender


a gênese de uma forma espacial abre portas para entender as motivações de sua criação
em determinado tempo e suas possibilidades futuras. A durabilidade das formas
comerciais passa pela resiliência, a dotação de sentido, a criação de raízes e capacidade
de se tornarem atuais para dialogar com novas formas emergentes. A alteração da
estrutura espacial do espaço urbano e das relações sociais ao longo do tempo é mostra
da força das formas comerciais e reforça a importância do seu estudo para a
compreensão da produção capitalista do espaço em determinado momento histórico.
(PINTAUDI, 2009).
30

7. Referências:

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