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Sumário
1 – Introdução………………………………………………………………………… 2
2 – Questão central e objetivos……………………………………………………….. 5
3 – Metodologia proposta……………………………………………………………... 7
4 – Proposta de sumário………………………………………………………………. 16
5 – Cronograma……………………………………………………………………….. 17
6 – Desenvolvimento do capítulo 1: O Capitalismo e a (Re) Produção do Espaço…... 18
7 – Referências………………………………………………………………………... 30
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1. Introdução
Dados mais atualizados, do ano de 2016, apontam para a continuidade desse papel de
importante arrecadador de impostos. Informações da Associação Comercial e Industrial de
Campo Grande (ACIG) estimam que o ICMS arrecadado no bairro de Campo Grande seja da
ordem de um bilhão de reais anuais. O estado do Rio de Janeiro arrecadou 34 bilhões de reais
em 2015. Na capital, o bairro perde para Centro, Botafogo, Zona Portuária, Barra da Tijuca e
Santa Cruz. A ACIG quando aplica a lógica do ICMS ao conjunto das riquezas geradas,
estima que o PIB do bairro atingiu algo em torno de 18 bilhões. Caso fosse uma cidade estaria
na sexta colocação do estado, atrás de Rio de Janeiro, Campos, Duque de Caxias, Niterói e
Macaé e à frente de São Gonçalo e Nova Iguaçu, cidades maiores que Campo Grande.
A grandiosidade do volume de negócios desse espaço comercial é conhecida, contudo
há uma lacuna no entendimento das suas dinâmicas e relações das atividades terciárias com a
produção do espaço. Pesquisas sobre o espaço comercial em Campo Grande limitam-se ao
tradicional centro comercial de rua, concebido por Moacyr Bastos, conhecido como
“Calçadão de Campo Grande” ou na influência do centro comercial planejado “West
Shopping”. É necessário quebrar a dicotomia dessa análise, que ao estudar uma forma
comercial exclui a outra do escopo da pesquisa, e buscarmos entender suas relações, a partir
da compreensão do seu surgimento como formas comerciais e a formação de uma estrutura
espacial importante para a cidade.
Visto como área de carências e ausências de políticas públicas voltadas
especificamente para esse espaço, tendo sido construída a imagem de espaço periférico nos
moldes tradicionais e concebidos historicamente na cidade do Rio de Janeiro, urge-se a
questão da quebra dessa visão limitante e obsoleta sobre esse recorte espacial. Esse projeto
apresenta a intenção de realizarmos mais uma contribuição para a análise sobre o espaço
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comercial do recorte, que possa iluminar ações ainda pouco exploradas. Deseja-se
compreender a relação constituída entre as leis gerais do capitalismo - seu processo de (re)
criação dos espaços, e seus distintos modos de produção coadunados aos agentes da produção
do espaço – materializados no Estado e nos empreendedores imobiliários, que produzem
formas comerciais em tempos distintos e coexistem na atualidade.
A análise do espaço se impõe para compreender as forças que interagem e sobrepõem-
se formatando o espaço de acordo com seus anseios. Grupos capitalistas precisam do poder
estatal e seu arcabouço jurídico para dar vazão aos seus anseios. Por isso, as questões das
políticas públicas são postas à baila como meio de fornecer subsídios para o entendimento da
conjunção de forças que levam aos eventos de (re) construção constante do espaço. Nesse
sentido, estamos tratando de um espaço controlado por forças tão dinâmicas como as do
capital, que passam por rearranjos espaciais a fim de serem moldadas de acordo com o
momento específico da produção capitalista do espaço.
O Projeto de Estruturação Urbana (PEU) de Campo Grande (Lei complementar 72 de
27/07/04) estabelece zoneamento com legislação específica para áreas residenciais e
comerciais, por exemplo. O recorte espacial para essa pesquisa compreende áreas específicas
do bairro de Campo Grande delimitadas pelo PEU, especialmente as Zonas Comerciais 1 e 2.
Entretanto, devido a maneira como o espaço comercial está sendo produzido no bairro,
devemos considerar a inclusão das Zonas Residenciais 3 e 4 como parte do recorte. Barata
(2009) ao abordar o crescimento imobiliário do bairro menciona a expansão do bairro pelos
seus eixos rodoviários. Lourenço (2009) destaca a dinamização comercial do eixo que
compreende o espaço entre o fixo West Shopping e o Centro do bairro de Campo Grande.
Cassemiro (2011) delimita e denomina os principais eixos de crescimento do bairro como
Eixo Central, Eixo Mendanha-Posse e Eixo Monteiro-Cachamorra. Barata (2012) retoma a
análise de sua pesquisa prévia e utiliza os estudos de Cassemiro como instrumento para
desenvolver a análise sobre o eixo batizado por Barata como eixo Mendanha-Monteiro. A
junção desses dois eixos rodoviários revelaria um recorte que abrigaria uma efervescente
dinamização das atividades comerciais no cenário campo-grandense, abrigando distintas e
importantes formas comerciais. Cassemiro (2011), Barata (2012) e Santos (2014) delimitam
esse eixo (Mendanha-Monteiro) a partir da presença de shopping centers nas duas pontas,
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West Shopping e o Park Shopping, e o Passeio Shopping próximo a Rua Coronel Agostinho
(conhecido como Calçadão de Campo Grande), localizados no Eixo Central.
O recorte temporal estabelecido compreende o período da implantação do Calçadão de
Campo Grande, na extensão da Rua Coronel Agostinho, na década de 1970 até o ano de 2017
– para que possamos analisar o processo de produção da estrutura comercial ao longo desse
período.
pesquisa corrente, os objetivos a partir dos quais intencionamos investigar a temática proposta
são:
- O objetivo geral visa a partir da conjunção da Lei Geral da Acumulação Capitalista de Karl
Marx e do conceito da destruição criadora de Joseph Schumpeter, sendo mediatizados por
David Harvey aplicando-os na análise do espaço campo-grandense, relacionar a passagem dos
diferentes regimes de acumulação do capitalismo (fordismo e acumulação flexível) com a
mudança do padrão de produção dos espaços comerciais, apropriação e do seu consumo. Os
objetivos específicos seguem:
3. Metodologia proposta
espacial. Partimos do princípio que podemos estudar espaços pretéritos a partir do arcabouço
teórico-conceitual de hoje, que nos auxilie na produção de um entendimento do passado e de
padrões espaciais ao longo do tempo (ALVES, 2010). Mesmo que a estrutura esteja
materializada no tempo presente, na coexistência dos objetos que se acumularam ao longo do
tempo, é forçoso que nos livremos das amarras da “ditadura do presente” para estabelecermos
as conexões temporais-espaciais e ampliar o entendimento do movimento único, contínuo e
incessante engendrado pelas forças do capital na produção do espaço.
Santos (2009) tece críticas a disciplina ao dizer que “em vez de mostrar a coerência
simultaneamente espacial e temporal de um mesmo momento, apenas reúne instantes
disparatados e distantes da mesma flecha do tempo” (SANTOS, 2009, p.51). Por outro viés,
Richard Hartshorne (1959, p.114-115, apud ALVES, 2009, p.632) aponta que
Uma ação, enfim. A ação é própria do homem, porque há nela contida uma finalidade, um
objetivo a ser atingido – como as dos agentes produtores que a racionalizam almejando
objetivos comuns. Os eventos seriam atrelados à existência de agentes, pois os eventos
supõem a ação humana. Evento e ação são sinônimos. Por isso, eventos não são apenas fatos,
mas a realização de ideias e sua materialização no espaço. A inovação, por exemplo, seria
“um caso especial de evento, caracterizada pelo aporte a um dado ponto, no tempo e no
espaço, de um dado que nele renova um modo de fazer, de organizar ou de entender a
realidade” (SANTOS, 2009, p.146). Esse exemplo é mostra inequívoca da intencionalidade
das ações, de um evento planejado por agentes para a transformação de dado contexto
socioespacial, que pode ter curta ou longa duração. Santos (2009) continua a reflexão
asseverando que apesar de o evento ser sempre presente, o presente não é o instantâneo, não
se resumiria a duração imediatista, e sim corresponde a um lapso do tempo que esse evento
conservaria suas características constitucionais e mantendo a eficácia da sua ação. O evento
pode ter sua existência reduzida ou amplificada pelo ordenamento no qual foi criado e se
insere. Os seus impactos seriam direcionados ao sabor da ordem estabelecida, a partir dos
anseios de determinado sistema que o programa e o controla.
Os eventos não se dão isoladamente, mas em conjuntos sistêmicos – verdadeiras
“situações” – que são cada vez mais o objeto de organização: na sua instalação, no seu
funcionamento e no respectivo controle e regulação. Dessa organização vão depender, ao
mesmo tempo, a duração e a amplitude do evento (SANTOS, 2009, p.149). Retomando a
ideia de Santos (2009) que evento e ação são sinônimos podemos afirmar que a ação “é um
deslocamento visível do ser no espaço, criando uma alteração, uma modificação do meio. Um
dos resultados da ação é, pois, alterar, modificar a situação em que se insere” (SANTOS,
2009, p.78). As ações são intervenções reais, planejadas, que se inserem num processo
contínuo de acontecimentos. Estão intimamente ligadas as necessidades (naturais ou criadas)
que conduzem a humanidade a agir em busca de sua autorrealização. As ações não são
descoordenadas, não se localizam aleatoriamente porque a humanidade não as coordena
desprovidas de intencionalidade.
Sendo os eventos (e as ações) matrizes da produção do espaço-tempo, reunindo as
categorias de processo e estrutura, como analisá-los para obtermos a leitura correta sobre a
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Para responder a essa questão Morin (2005) nos subsidia com suas reflexões acerca da
ordem e da desordem na produção de sistemas complexos. A ordem carrega diversas ideias
como estabilidade, constância, regularidade, repetição e estrutura. A ordem estabelecida
produz e comporta uma organização, que ao gerar constância garante a estabilização de uma
estrutura que se reproduz. Por isso, a estabilização de um sistema por um longo período
levaria a estagnação do mesmo, interrompendo o processo de reinvenção vital para a
continuidade de um sistema como o capitalismo. Nesse contexto, a existência da desordem,
como o par aparentemente contraditório, é condição primária para a manutenção do sistema.
A desordem é a primeira vista oposta da ordem, entretanto coopera como elemento
gerador da organização. Os eventos aleatórios gerados pela desordem causam o aparecimento
de novas ordens, novas possibilidades não visualizadas ou planejadas que abrem caminhos
para reorganizações dos sistemas. Buscando outros termos, a desordem é necessária para a
(re) criação e evolução de sistemas ordenados e estabilizados no tempo-espaço.
Ordem e desordem são faces da mesma moeda e a ininteligibilidade do mundo está na
compreensão do seu funcionamento em conjunto. A ordem se manifesta sob as anteriormente
citadas constância, de estabilidade, de regularidade e de repetição, que são condições para o
funcionamento de dada organização, enquanto a desordem contém desvios que podem
perturbar as regulações organizacionais e, mais amplamente, ela diz respeito a qualquer
fenômeno que acarrete ou constitua a desorganização (MORIN, 2005). O aparente
contraponto entre ordem e desordem, na verdade, se constitui uma complementaridade. É a
partir desse constante ciclo de interação e desorganização que o capitalismo constrói –
aniquila – reconstrói os espaços e prolonga a sua existência e logra em realizar a acumulação.
As ideias citadas de ordem nos conduzirão pela análise do momento de cada regime
urbano que produziu e produz o espaço comercial campo-grandense. O tempo para a
passagem do regime não é congelado no tempo, mas tende a um compasso temporal suave.
Quase imperceptível aos olhares menos treinados. O regime é uma constante, que tende a
estabilidade, mantendo uma regularidade do acontecimento de eventos, sendo possível a
verificação da repetição de padrões, para formar uma estrutura singular no tempo-espaço.
A desordem abre o caminho para nos possibilitar o entendimento do momento no qual
se inicia a desestabilização da ordem constituída. Em palavras mais relacionadas ao nosso
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objeto de estudo, a desordem nos dará a base para apontar o processo de quebra do regime
fordista, e os seus consequentes regime e regulação urbana, e a tomada de posição por parte
do regime de acumulação flexível, modificando o regime urbano e a regulação urbana
correspondente.
Quando associamos a teoria do complexo de Morin com pensamento marxista, talvez
pudéssemos afirmar que a ordem e desordem constituem-se como a tese e a antítese cuja
síntese é a produção incessante de um novo espaço.
À primeira vista a utilização de autores que se baseiam em métodos e teorias distintas
como David Harvey apoiado em Karl Marx e o seu método materialista-histórico dialético –
cuja aplicação ilumina o caminho da pesquisa, Joseph Schumpeter, que termina se
aproximando com o método de Marx para tecer análises, e Edgar Morin, com a teoria do
complexo. Entretanto, a partir do momento no qual se percebe a necessidade da aplicação de
mais de um método que nos possibilite a melhor compreensão do objeto de estudo, podemos
recorrer a complementaridade entre métodos diferentes. Cada método pode nos auxiliar em
pontos que se constituem como sua força e vantagem sobre o outro. Ou em palavras mais
esclarecedoras, estamos recorrendo ao pluralismo metodológico caminhando pela trilha do
pluralismo externo. O pluralismo externo tem como mérito
urbanas e metrópoles policêntricas. (BARATA SALGUEIRO, 1996, p.1)”. Outra obra na área da
geografia do comércio, a contribuir com o debate sobre uma das formas tradicionais – a rua
comercial, é “ Cidade e Comércio: a rua comercial na perspectiva internacional” organizada
por Carreras & Pacheco (2009), que reúne diversas apreensões e usos dessa forma, que serão
úteis para a leitura de uma parte do nosso objeto.
A tese de Madalena Grimaldi Carvalho, defendida no IPPUR / UFRJ em 2005, com o
título “A difusão e a Integração dos shopping centers na cidade - As particularidades do Rio
de Janeiro” contribui com a fundamentação da análise dessa forma comercial como
transformador do espaço urbano ligado às mudanças de hábitos da sociedade capitalista e
elemento gerador de novas centralidades ao descentralizarem uma gama de comércio e
serviços públicos e privados. Outros estudiosos importantes que subsidiarão nossa pesquisa na
temática citada são, por exemplo, Carles Carreras no artigo “Os novos espaços de consumo de
Barcelona” e Herculano Cachinho “O Comércio a Retalho na Cidade de Lisboa:
Reestruturação econômica e dinâmicas territoriais”.
Em pesquisas anteriores, consultas à base das políticas públicas registradas nos sítios
eletrônicos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, como o Portal GeoRio e o Armazém de
Dados, em busca de leis, decretos, programas da cidade - na forma de Planejamento
Estratégico, Projetos de Estrutura Urbana e Planos Diretores e a legislação federal sobre a
política urbana e se mostraram bastante valiosas. Além disso, reportagens relacionadas ao
bairro e as relações político - empresariais foram de grande valia para o entendimento das
relações entre os agentes privados e o poder estatal para a produção dos espaços do local. As
reportagens, especialmente aquelas veiculadas pelo Caderno Zona Oeste dos jornais O Globo
e Extra, representaram uma fonte ágil de informação dos processos que transcorriam nesse
recorte espacial. Ainda, a consulta a oferta imobiliária no caderno Morar Bem dos mesmos
veículos nos permitir ter acesso a ideologia propagada pelo marketing na oferta ideológica e
mercadológica das novas e antigas formas comerciais. Os relatórios mensais e semestrais da
Ademi-RJ, foram essenciais para a compreensão e tradução dos números em textos
geográficos que registrassem os números oficiais da produção imobiliária nesse espaço. Logo,
Acreditamos que essas ações possam contribuir para o entendimento do todo e das suas partes
e como foram construídas ao longo do tempo.
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Trabalhos de campo fazem parte de outra ação metodológica a ser utilizada para
levantamento de dados e entrevistas com os agentes produtores do espaço (como
comerciantes e membros da Associação Comercial de Campo Grande). O levantamento
fotográfico e a visita aos sítios nos quais a produção do espaço ocorre serão úteis para termos
o registro dos momentos de construção e modificação dos espaços, para posteriores
comparações, e no maior entendimento do uso e apropriação desses espaços e de suas
posições relativas dentro do contexto maior, o contexto da totalidade na qual se inseriam e se
inserem.
4. Proposta de Sumário
5. Cronograma
2017-2018 2019
Redação do X
primeiro capítulo da
tese
Entrevistas e análise X
de dados nas bases
públicas e privadas
Redação do X X
segundo capítulo da
tese
Redação do terceiro X X
capítulo da tese
Revisão da tese e X
defesa
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do tempo (HARVEY, 2008). O capitalismo industrial inglês do século XIX apresenta diversos
pontos contrastantes com o capitalismo praticado por Henry Ford no começo do século XX. A
comparação daqueles momentos com o predominante capitalismo financeiro praticado
atualmente no século XXI, baseado na “produção do dinheiro pelo dinheiro”, são exemplos
mais óbvios de tais mudanças da sua forma.
Esses movimentos de reinvenção do capitalismo remetem tanto a Lei Geral de
Acumulação Capitalista, como analisado por Karl Marx, cujos princípios se baseiam na
criação de novos desejos e necessidades na forma de produtos e apostava na expansão
geográfica (criação de novos espaços) para a sua reprodução, quanto no conceito de
Destruição Criadora, de Joseph Schumpeter.
O conceito schumpeteriano fundamenta-se no empreendedorismo, símbolo máximo do
discurso liberal-capitalista e ideário basilar da produção do espaço urbano no final do século
XX e começo do século XXI, a competição e a inovação técnica, que marca a transição entre
os regimes de acumulação, como essenciais para a reprodução do capital.
Devido a sua necessidade de reinvenção, o capitalismo, como verificado por
Schumpeter, altera o seu modus operandi adotando novas estratégias de (re) produção que
terão impacto socioespacial evidente. Em outras palavras, a (re) criação dos espaços que
reconfiguram a forma urbana são essenciais para a continuidade do capitalismo. Sempre que a
organização geográfica não atender às necessidades do capital móvel, o espaço será
reconstruído e reorganizado via a produção de lugares fixos que materializam as modificações
concernentes à produção, distribuição e consumo e garantam a livre movimentação de
diversos fluxos materiais e imateriais. Afinal, a mutabilidade do capital impacta na
necessidade de constante modificação da estrutura espacial na qual o sistema opera para
realização da acumulação, pois o capital uma vez materializado em objetos não pode ser
movimentado sem causar destruição. Ao longo do curso do tempo o capitalismo tende a
aniquilação e reconstrução dos espaços através de ataques ferozes de destruição criadora. Esse
processo de (re) criação constitui o funcionamento básico do capitalismo e é a ele que todo
capitalista deve se adaptar para sobreviver. Logo, em vez de estudar apenas a maneira como o
capitalismo administra a estrutura existente, devemos nos debruçar sobre como o capital cria e
destrói essas estruturas (HARVEY, 2011; SCHUMPETER, 1961).
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Ao longo do século XX, a reinvenção do capitalismo foi realizada pela adoção de dois
regimes de acumulação, e o modo de regulamentação social e política a eles associados, que
alteraram determinadas características do sistema. O fordismo e a acumulação flexível foram
estabelecidos como regime de acumulação que são definidos como
Apesar de ser iniciado como modo de produção industrial antes de 1920, o fordismo,
que foi transformado em regulação a partir da sua conjunção com as políticas keynesianas,
teve o seu ápice de adoção no período de 1945-1973. O seu declínio deu passagem à
acumulação flexível, que vigora até o momento atual. Com base na escola francesa de
regulação, como citada anteriormente em Lipietz, parte-se do pressuposto que as relações
sociais decorrentes da produção capitalista modificam suas formas históricas e geográficas ao
longo da história do capital e são manifestadas nas maneiras e nas formas de organização e
distribuição da produção comandada pela valorização capitalista. O espaço materializa as
mudanças decorrentes da passagem de um regime de acumulação para outro, pois o
capitalismo se articula com a estrutura urbana e na maneira que essa estrutura é produzida
(ABRAMO, 1995). São essas alterações na produção do espaço urbano, engendradas pelo
capitalismo, que produziram períodos particulares da produção capitalista do espaço urbano
os quais, baseados na terminologia “regulacionista”, são chamados de “regimes urbanos”.
Quadro 1 Produção das formas comerciais em Campo Grande entre o fordismo e a acumulação flexível
Produção fordista Desdobramento no recorte espacial Produção just-in-time Desdobramento no recorte espacial
ESPAÇO Especialização espacial funcional - Formação da rua comercial Agregação e aglomeração espaciais - Implantação de centros comerciais
(centralização / descentralização) planejados e comércio complementar no
entorno
ESTADO Regulamentação - Criação do Calçadão na Rua Coronel Desregulamentação / re-regulamentação - Nova legislação (Projeto de
Agostinho via poder público. Estruturação Urbana - PEU) que re-
regulamenta o uso do solo.
Rigidez - Delimitação da Rua Coronel Flexibilidade Modificação dos padrões de uso do solo
Agostinho como área comercial possibilitado o uso comercial de outros
espaços do recorte espacial.
Centralização - Estado ordena e concentra a atividade Descentralização e agudização da - Descentralização das formas
comercial para controle do espaço. competição inter-regional / interurbana comerciais pelo bairro em áreas
refuncionalizadas para o comércio.
- Atuação de empreendedores de
diferentes escalas de operação que
atuam em diferentes pontos do território.
IDEOLOGIA Consumo de massa de bens duráveis: a - Rua comercial destinado a massa de Consumo individualizado - Produção e consumo segmentados a
sociedade do consumo consumidores como um todo. nichos e espaços específicos.
Totalidade / reforma estrutural - Inserção pelo consumo Especifidade / adaptação - Espaços de consumo construídos e
direcionados a nichos estratos sociais
- Cidadania pelo consumo muda a específicos. - Novas
estrutura social, mudança do padrão de ideologias que são postas como
consumo necessidades gerando a produção e o
consumo de novos espaços comerciais.
Fonte: Swyngedouw (1986 apud HARVEY, 1996). Adaptado por Barata (2017)
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Entende-se que as formas comerciais são formas sociais, pois são produtos de
uma sociedade que as constrói para se reproduzir. A análise das formas comerciais, que
são frutos das relações socioespaciais de determinado momento histórico, é um meio
para a compreensão dos contrastes existentes no espaço urbano permitindo o
entendimento das diferenças entre os espaços sociais (PINTAUDI, 2002).
A Lei Geral de Acumulação do Capital rege o movimento da sociedade e
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Nesse contexto, mesmo o espaço sendo criado como produção social, o seu fim
pode vir a ser sua apropriação privada. A produção é orientada pelas dimensões
econômicas e políticas, aliadas por conveniências pontuais, que pautadas por uma
racionalidade técnica se impõem pela necessidade da acumulação ao produzir o espaço.
Os diferentes momentos da produção (classificados como distintos níveis de realidade)
agentes sociais históricos, com interesses, estratégias e práticas espaciais próprias que o
espaço é produzido, através da materialização dos objetos, que estruturam diversas
formas espaciais definidas pela condensação de forças sociais agindo sobre determinado
recorte (CORRÊA, 2011; HARVEY, 2006).
Entendemos que para entender a produção do espaço torna-se necessário
considerar distintas realidades que são moldadas por diferentes momentos da complexa
reprodução social. Para tanto, a consideração dos sujeitos da ação, que efetivamente o
produz, é essencial. Afinal, Corrêa (2011) aponta que há uma tendência para que os
agentes da produção do espaço estejam inseridos de acordo com as intencionalidades
constituídas da temporalidade e espacialidade de cada formação socioespacial
capitalista. Coadunando Carlos (2011) e Corrêa (2002) podemos perceber a atuação em
conjunto dos agentes também sendo realizada individualmente para satisfazer os
interesses dos grupos e por vezes gerando conflitos pontuais, quando os anseios
bifurcam-se ao longo do caminho. Os sujeitos da ação a considerar são: o Estado, pela
sua atuação concernente ao marco jurídico regulatório que pode refletir os interesses
dominantes e os capitalistas privados personificados em múltiplos sujeitos como os
proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários e os promotores
imobiliários – articulados entre si, aglutinados sob o mesmo guarda chuva empresarial.
O Estado, como produtor do espaço, recebeu atenção e conta com a contribuição
intelectual de uma miríade de pesquisadores da Geografia e áreas afins. Os diferentes
enfoques dados a esse agente nos proporcionam uma visão ampla dos seus múltiplos
papéis e posicionamento no quadro institucional em determinados momentos. Em
momento anterior, mais especificamente na pesquisa da dissertação, Barata (2012)
baseado em Carlos (2011), Corrêa (2011) e Harvey (2006), foca no Estado a partir da
concepção marxista sobre esse agente. Nessa concepção, o Estado seria um braço
repressivo da classe dominante cuja lógica da sua ação, dentro do contexto de uma
sociedade capitalista, tenderia a reproduzir a ordem vigente. Pois, o Estado seria o braço
executivo da capital, que quando apropriado passa a autorizar, gerenciar e executar
interesses da classe dirigente (HARVEY, 2006).
O poder estatal, para dominar ou ser superado, é materializado no espaço pelo
estabelecimento de marcos jurídico (leis, regras, normas e posturas) de produção e uso
do espaço (CORRÊA, 2011). A compreensão das políticas públicas torna-se vital para o
entendimento da produção do espaço para reconhecermos o caleidoscópio de forças que
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moldam o Estado em cada momento da sua realização. Destarte, serão tantas políticas
públicas quanto as forças e momentos existentes do Estado. Castells (2009) liga a
política urbana à planificação urbana devido a intervenção do aparelho do Estado sobre
a organização do espaço. Analisando as contribuições de outros estudiosos, o sociólogo
estrutura o campo de estudos acerca das políticas urbanas em dois postulados:
momentos distintos e regidos por forças com ideários divergentes que impõem
regulações urbanas, marcos jurídicos diferentes e específicos, para cada regime urbano
da produção capitalista do espaço.
Harvey (2006) reconstrói a passagem da política do Estado do período fordista-
keynesiano para o período neoliberal / acumulação flexível. Essa passagem foi marcada
pelo consenso, abraçando os pilares da destruição criadora schumpeteriana, que para
enfrentar a crise macroeconômica, os governos urbanos tinham de serem inovadores e
empreendedores. A mudança paradigmática abandonando a abordagem “administrativa”
do espaço para ações “empreendedoras” tornando-se consenso e sendo difundido por
todo o espectro político-ideológico dos governos urbanos. O empreendedorismo estaria
no centro das formulações das políticas urbanas e nas estratégias de desenvolvimento
urbano, a partir de então. Uma das facetas do empreendedorismo reside na busca pela
melhoria da posição competitiva em relação à divisão espacial do consumo. A
urbanização engendrada nas bases empreendedoras foi baseada no consumo, haja vista o
estilo consumista moldado pelo processo civilizatório capitalista. Assim, “a cidade tem
de parecer um lugar inovador, estimulante, criativo e seguro para se viver ou visitar,
para divertir-se e consumir (HARVEY, 2006, p.176)”.
Outro ponto a ser citado, que retorna a gênese do empreendedorismo, é a criação
das condições necessárias às empresas para que se estabeleçam em determinados
espaços, ou seja, a criação de um ambiente favorável aos negócios pela implantação de
chamarizes capazes de atrair capital. A missão do Estado torna-se atrair fluxos de
produção, financeiros e de consumo de alta mobilidade e flexibilidade para seu recorte
espacial (HARVEY, 2006). O empreendedorismo urbano, ao tornar o Estado e sua
política urbana facilitadores da transformação da cidade em negócio, é coerente com os
princípios liberais do capitalismo, por isso
7. Referências:
MORIN, Edgar. Em busca dos fundamentos perdidos: textos sobre o marxismo. Porto
Alegre: Sulina, 2004.