Você está na página 1de 8

A história de Jerusalém, cidade

sagrada que nunca encontrou a


paz
06/12/2017 - POR THIAGO TANJI

PINTURA RETRATA A CONQUISTA DE JERUSALÉM PELOS CAVALEIROS


CRUZADOS (FOTO: REPRODUÇÃO)

Uma das cidades mais antigas da humanidade, Jerusalém deveria ser um símbolo da
tolerância e da busca pela paz — cristãos, muçulmanos e judeus consideram o local
sagrado por abrigar símbolos que são pilares dessas religiões.

A realidade geopolítica, entretanto, revela o quanto ainda precisamos avançar para


conquistar patamares mínimos de respeito e tolerância às diferenças: nesta quarta-
feira (06 de novembro), o presidente norte-americano Donald Trump sinalizará a
intenção de transferir a embaixada dos Estados Unidos para a cidade de Jerusalém. O
que parece mero ritual burocrático esconde intenções capazes de trazer ainda mais
instabilidade para a região.
Na prática, transferir a embaixada da Tel Aviv para Jerusalém seria uma confirmação
de que o Estados Unidos reconhecem a cidade como capital de Israel, o que é
contestado pelos povos palestinos e demais países muçulmanos do Oriente Médio.
Analistas de diferentes correntes políticas são unânimes em afirmar que esse ato seria
uma provocação capaz de arrastar a região para um novo período de guerra.

Não seria a primeira vez que as diferenças dividem Jerusalém. Por sinal, nos últimos
milênios foram raros os momentos em que a cidade alcançou a mensagem de paz e
concórdia pregada pelas três maiores religiões monoteístas do planeta. Mais do que
uma curiosidade, conhecer a história de Jerusalém nos ajuda a entender por que
precisamos realizar uma análise atenta da realidade e fugir dos estereótipos de
"mocinhos" e "vilões". Durante séculos, afinal, as principais vítimas dessa guerra
fratricida são pessoas inocentes de distintas origens e religiões.

Do Reino de Israel à Diáspora


Com registros históricos de quase 5 mil anos, a cidade de Jerusalém tornou-se
símbolo dos povos reunidos ao redor da religião judaica. De acordo com os livros
sagrados do Torá(textos pilares da tradição judaica) e do Antigo Testamento
da Bíblia (que também compartilha escrituras presentes na Torá), Davi fez da cidade
a capital do Reino de Israel e Judá após uma conquista militar e reinou até 970 a.C

Após um período de estabilidade, com a construção de um Templo Sagrado pelo rei


Salomão (filho de Davi), Jerusalém foi invadida pelo Império Assírio em 722 a.C e
parte do povo judeu foi tomado como escravo nas cidades da região da
Mesopotâmia — que atualmente compreende parte do Iraque. Com as derrotas
militares assírias e o fortalecimento do Império Persa, os judeus voltaram à terra e
reconstruíram o Templo de Salomão, que havia sido destruído durante o ataque das
tropas do Império Assírio.
MURO DAS
LAMENTAÇÕES, QUE CORRESPONDE ÀS RUÍNAS DO SEGUNDO
TEMPLO DE SALOMÃO (FOTO: WIKIMEDIA COMMONS)

Um novo período de relativa paz seria encerrado no século 4 a.C com as conquistas
militares de Alexandre, o Grande, que tomararam Jerusalém como parte do Império
Macedônico. Revoltas populares buscavam maior autonomia da região, que jamais
reconquistaria sua completa autonomia: no século I a.C, os romanos passaram a
administrar a região, colocando no poder um monarca alinhado com os interesses dos
dominadores. É nessa época que dá-se início à narrativa do Novo Testamento: na
região da Judeia controlada pelos romanos, nasce um judeu chamado Jesus que
reúne seguidores e torna-se um mestre que inspiraria uma nova religião.

Enquanto os seguidores de Jesus buscam espalhar seus ensinamentos nas décadas


que seguem as narrativas bíblicas, uma nova guerra afeta a região: no ano 66 d.C,
setores da população judaica lideram uma rebelião contra a dominação do Império
Romano. A revolta é reprimida com violência pelos imperadores Vespasiano e Tito,
resultando na destruição do Templo de Salomão — da construção, restou apenas o
Muro das Lamentações, que é um dos símbolos sagrados para os judeus.

A destruição de parte de Jerusalém culminou com uma política liderada pelo Império
Romano de expulsar sistematicamente os judeus que viviam na região, em um
período conhecido como Diáspora. Os imperadores trataram de sufocar a cultura
judaica e as manifestações religiosas, mudando o nome de Jerusalém para Élia
Capitolina. Apesar de outros períodos de revoltas judaicas durante o século 2 d.C,
Roma exerceu sua hegemonia sobre a região.
PINTURA SOBRE A DESTRUIÇÃO DE JERUSALÉM PELAS TROPAS
ROMANAS (FOTO: REPRODUÇÃO)

Tempos de Cruzadas
No século 4 d.C, o Império Romano foi convertido ao cristianismo, o que também
influenciou definitivamente a cidade de Jerusalém. Após a divisão do império entre a
administração ocidental e oriental (que ficou conhecido como Império Bizantino), a
administração local tratou de reforçar os símbolos que representavam os episódios
sagrados para os cristãos. Em 335, foi construída a Igreja do Santo Sepulcro, que
corresponderia ao local onde Jesus teria sido crucificado, enterrado e depois
ressuscitado.

No século 7, um novo movimento religioso forneceria novos ingredientes culturais e


políticos para a região. Influenciado pela tradição monoteísta judaico-cristã (Abraão,
Moisés e Jesus são considerados profetas), o islamismo ganhou adeptos no Oriente
Médio de maneira vertiginosa. Liderados pelo profeta Mohammed (chamado
popularmente como Maomé na cultura ocidental), os ensinamentos uniram
diferentes povos que viviam na região.
Com o fortalecimento político e a organização administrativa de grupos unidos ao
redor do Islã, houve uma expansão territorial por porções da Ásia, norte da África e
até na Europa (com a conquista de territórios que atualmente correspondem a
Portugal e Espanha).

Em 638, líderes muçulmanos conquistaram a cidade de Jerusalém e territórios que


faziam parte do Império Bizantino. Após a vitória militar, foram promulgadas leis que
autorizavam os judeus a regressarem à cidade após os séculos da Diáspora, além de
assegurar segurança religiosa aos cristãos que viviam na cidade. Por conta da
influência judaico-cristã, Jerusalém foi considerada uma das três cidades mais
sagradas do islamismo, sendo construído o santuário do Domo da Rocha, que até hoje
marca a arquitetura local com sua grande cúpula dourada.

Durante séculos, houve relativa estabilidade na região. Uma iniciativa liderada por
nobres europeus e autoridades cristãs, no entanto, levaria Jerusalém para um novo
período de guerras: em 1095, o Papa Urbano II fez uma convocação para que o
território conhecido como Terra Santa voltasse ao domínio cristão.

Com a absoluta hegemonia ideológica e cultural na Europa, a Igreja Católica


rapidamente conseguiu adeptos para dar início à campanha militar que ficou
conhecida como as Cruzadas. Em 1099, Jerusalém foi conquistado pelas tropas
cristãs, que promoveram um banho de sangue na cidade: muçulmanos e judeus foram
massacrados e expulsos de suas terras.

Décadas depois, a cidade retomou novamente às posses muçulmanas, com a


campanha liderada pelo comandante militar Saladino — de acordo com os registros
históricos, os judeus também foram autorizados a retornar para a cidade.
PINTURA SOBRE O MOMENTO EM QUE AS TROPAS CRISTÃS SE
RENDERAM A SALADINO (FOTO: REPRODUÇÃO)

Imperialismo britânico e guerra


Nos séculos seguintes, reinos originários da região da Turquia dominariam a região.
Em 1517, o Império Otomano controlaria Jerusalém, durante um processo de
expansão — em 1453, o sultão Mehmed II daria fim ao Império Bizantino e colocaria
parte dos territórios asiáticos sob influência muçulmana.

A história de disputas ao redor do território só retornaria à cena após 500 anos:


durante a expansão colonial dos países europeus em territórios da África e da Ásia e
os episódios que culminaram com a 1ª Guerra Mundial, o Império Britânico tomou
Jerusalém do Império Otomano em 1917. O território, conhecido como Palestina,
ficaria sob administração política do Reino Unido — populações árabes (de religião
muçulmana) e judeus conviviam no território.

A relação entre os dois povos começou a escalar em tensão à medida em que grupos
judaicos iniciavam um movimento político que ficou conhecido como sionismo: em
um cenário de antissemitismo histórico na Europa (que culminaria com a política
deliberada de extermínio durante o regime nazista na década de 1940), membros da
comunidade judaica defendiam o retorno das populações historicamente dispersas
após a Diáspora para as cidades que faziam parte do antigo reino de Israel.

Em busca de independência, grupos judaicos organizaram movimentos de resistência


contra os britânicos, além de buscarem expulsar os árabes que viviam na região. Em
1946, um ataque terrorista com bombas destruiu parte do Hotel King David,
localizado na cidade de Jerusalém, e matou 91 pessoas. Os autores? Uma organização
paramilitar de inspiração sionista chamada Irgun, que desejava atingir funcionários
do Reino Unido que administravam a Palestina.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os britânicos ensaiavam entregar as suas


antigas possessões coloniais e promover autonomia da região. Recém-criada em 1947,
a Organização das Nações Unidas (ONU) propunha um plano de partilha da
Palestina, com a criação de um Estado judeu e um árabe — as cidades de Jerusalém e
Belém ficariam sob controle internacional. Apesar de nações árabes mostrarem-se
contrárias à proposta, a maioria dos países presentes na conferência concordaram
com a partilha.

MILÍCIAS PARAMILITARES JUDAICAS (FOTO: REPRODUÇÃO)


A diplomacia não deu resultados, entretanto: em 1948, quando o mandato britânico
se encerraria sobre a região palestina, israelenses e palestinos iniciaram uma guerra
pelo controle do território. Em 14 de maio, David Ben-Gurion declarou a
independência do Estado de Israel, não reconhecendo a soberania das cidades que
deveriam fazer parte do futuro Estado árabe. Apesar das intervenções militares de
nações aliadas dos muçulmanos, Israel conseguiu defender-se e avançar em
conquistas militares pela região.

A cidade de Jerusalém foi dividida entre a administração judaica e o governo árabe da


Jordânia — Israel considerava a porção oeste da cidade como capital do país. Após
uma nova escalada de tensões na década de 1960, que resultou em uma nova guerra
entre Israel e os países árabes, as tropas judaicas também anexaram a porção leste de
Jerusalém.

Desde então, tratados de paz tentam costurar um acordo que garanta a soberania de
Israel, mas também promovam a independência dos territórios palestinos (a maior
parte dessas regiões está ocupada pelos israelenses). No entanto, a falta de diálogo e
os episódios de movimentos paramilitares muçulmanos, que realizaram atentados
terroristas pela região durante as últimas décadas, não fornecem um vislumbre
sequer para uma solução a curto prazo.

Você também pode gostar