TER OC SER?
4* edição
Alternativa exclusiva t grave, eis o que propõe
EHJCJH FROMM para o surgimento do Homem pleno,
no contexto do humanismo radicai
que constitui sua obra. Tendo por
035
Quarta edição
Capa. Êlico
1982
Direitos para a língua portugue-w adquiridos por ZAHAR
EDITORES S.A. Caixa Postai 207 (ZC-00) Rio dc Janeiro
que se reservam a piopiiedadc desta versão
Impresso no Brasi
lCONSELHO EDITORIAL
da série WORLD PERSPECTIVES
Segunda P-urre
ANÁLISE DAS DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS E^IRE
OS COÜ MODOÍ DE EXISTÊNCIA
IV. Que é o Modo Ter? ............................. .................. 8í
A Socicdaic Aquisitiva — Base para o Modo Ter .... 81
A Natureza do Ter ......... ........ ..................... ........... 8*7
Outres Fatores Que Apóiam a Modo Tít ... ... .......... 91
O Modo Ter o o Caráirr Anal .... ....... ...................... 92
Ascetismo e Igualdade .......... ............. ....................
................................93
O Ter Siuüínicial ................... .................................. 94
V. Que í o Aiodo Ser? .................-..............................
Sei Ativo ......... .......... ....................... ...................... 97
Atividade c í"ssssívidade .............. ................. ......
Ser como Realidade ......................... ..................... 104
A Voüíads de Dar. de Participar, de Sacrificar ......... 10?
VI. Outros Aspectos de Ter e Ser ................................ 114
Segurança — Insegurança ......... .............................. 114
Sciidariedade — Antagonismo ....... ..................
..........................................116
ALegria — Praicr ........ .......... .......... ...................... 121
Pccaóo e Perdão .............. . ..................................... 134
Medo dc Morrtr ■ Af Lruiaçãt ■ do Viver ...............
........................................................129
Aqui, Agora — Passado, Futuro ......... ....................
................................................... 130
TJ:SCÉIKA PAIRRE
O NOVO HOMEM. E A NOVA SOCIEDADE
VII. Religião, Caráier e Sociedade ................................ 135
As Bases do Caráter Social ............... .........................
...........................................................135
Caráter Social s Necessidades "AeliEtosas" ......... ,.
.........................................................136
Será Cristão ra Mimdn Ocidental-? ... ......................
................................................140
O Protesto Humanista .............................................
Ylir, Condições para Mudança llumara e Aspectos do jVyuo
Homem ............. ............................... .................. 165
IX. Aspectos da jVpvfl Jwjedaae .................................... 170
Uma Nova Ciência do Homem ........... ................... . ÍTO
A >"o\a Sociedade: Haverá uros Oportwildad? Razoíve!?
..
Bibliografia -
PERSPECTIVAS MUNDIAIS
O Que Significa Esia Série
_Prefácio
Um Primeiro Relance
3S
A diferença entre ter e ser não é fundamentalmente uma
questão de Oriente e Ocidente. É. isto sim, uma diferença
entre
UM PRIMEIRO RJELANCE 9
uma sociedade centrada era torno de pessoas e outra
centrada em tomo de coisas. A orientação no sentido do ter 6
característica da sociedade industrial ocidental, na qual a
avidez por dinheiro, fama, e poder tornou-se o tema
dominante da rida. Sociedades menos alienadas — como a
sociedade medieval, a indiana zuni, as sociedadei tribais
africanas que não foram afetadas pelas idéias modernas de
"progresso" — têm também seus Bashos, Talvez, após mais
algumas gerações de industrialização, os japoneses venham a
ter os seus Tennysons. Não é que o homem ocidental seja
incapaz de compreender os sistema» orientais, como o 7-en
Budismo (como Jung pensa va)T mas o homem modem o é
incapaz de compreender o espírito de uma sociedade que não
esteja centrada na propriedade e na avidez. Na verdade, os
cscritos de Mestre Kckhart (tão difíceis dc compreender
como Basho ou Zcn ) e os de Buda são apenas dois dialetos
de uma mesma língua.
Mudanças Idiomáticas
Certa mudança de ênfase no Ler e ser íica patente no
crescente emprego dc substantivos c decrescente emprego
de verbos nas línguas ocidentais através dos últimos
poucos séculos.
O substantivo é a designação adequada para uma coisa-
Posso dizer que tenho coisas: por exemplo, que tenho uma
mesa. uma casa, um livro, um carro, A designação apropriada
para uma atividade, um prneesso, è dada pelo verbo: por
exemplo, eu sou, eu amo, eu desejo, eu odeio, cie. Contudo,
cada vez enaís freqüentemente uma atividade 6 expressa em
termos de ter, isto c, emprega-se um substantivo em vez dc
um verbo. Mas exprimir uma atividade mediante emprego de
ter, relacionado com um substantivo, constitui emprego
errôneo da língua, porque processos e atividades não podem
ser possuídos; só podem ser vividos.
Ter e Consumir
1 Z. Piser, um dos mais notáveis filosofes íehecosic. a.os, embora pauco conhecido,
relacionou ti conceito budiüa de processo à filosofia marxi&ta autêntica. Infeiiv.rnetHe, a
obra foi publicada apeni'.. em tchiíco ç - por. tanto inacessível à maioria dos leitores
ocsdfT.iae (eonhíío-a por uma iríiJuçio particular para o inglês).,
16 TER. OU SE*?
Aprendendo
Os estudantes, no modu ter de existência, ouvirão uma con-
ferência, ouvindo as palavm e compreendendo sua estrutura
lógica e significado e, da melhor maneira possível, anotarão
cada expressão num caderno ds folhas destacáveis — de
modo que, mais tarde, possam memorizar suas anotações e
assim passar nos exames, Mas o conteúdo nao se converte
cm pane de seu próprio sistema individual dc idéias,
enriqueeendo-o e smpliando-o. Pelo contrário, eles
transformam as palavras ouvidas cm núcleos GAQS de
pensamento, ou teorias inteiras, que eles armazenam.
Estudantes e conteúdo das conferências permanecem
estranhos um aooutro, exceto quanto a que cada estudante
tomou-se proprietário de lan acervo dc enunciados feitos por
alguém (.que os criou ou tomou-os de outra fonte).
Os estudantes, no modo ter, só tem um objetivo:
contemplar o que eles "aprenderam", ou fbtando-D
firmemente ca memória ou conservando cuidadosamente
suas anotações. Não tém que produzir ou criar algo de novo.
E>e fato, o indivíduo do tipo ter sen tese até perturbado por
novos pensamentos ou idéias sobre um assunto, porque o que
é original põe em questão o acervo fixo de dados que ele
possui. Na realidade, para aquele cuja principal forma de
relacionamento com o mundo é o ter, as idéias que não
possam facilmente ser enfeixadas (ou anotadas) 1 são as-
sustadoras — como tudo o mais que aumenta e se
transforma, t seja dessa maneira incontrolável.
O processo de aprendizagem tem mna qualidade totalmente
diferente para estudantes no modo ser de rei acionamento
com o mundo. De início, eles não vão a um ciclo de
conferências, nem à primeira de uma série, como tabulae
rasae. Eles pensaram antes nos .problemas de que tratarão as
Lembrando
A lembrança pode ocorrer tanto no modo ser como no
modo ter- O que mais importa qu3n(o à diferença entre as
duas formas de lembrança é o espécie de ligação fcua, No
modo ter de lembrar, a ligação é inteiramente mecânica,
como quando a ligação entre uma palavra e a seguinte toma-
se firmemente estabelecida pela freqüência com que c feita.
Ou as conexões podem ser puramente lógicas, tais como a
conexão entre contrários, ou entre conceitos convergentes, ou
com tempo, espaço, dimensão, cor, ou dentro de dado
sistema de idéias.
No modo ser, lembrar é recordar oth-anenie palavras,
ideias, paisagens, pinturas, música; isto é, ligando o dado
simples a ser lembrado e os outros muitos dadas com que se
correlaciona. Essas ligações no modo ser nem são puramente
mecânicas nem puramente lógicas, mas vivas. Um conceito
intcrliga-se com outro mediante um ato produtivo de pensar
(ou sentir) que é posto em ação quando se procura a palavra
certa. Um exemplo simples: se cu associo "dor" ou "aspirina"
com a expressão "dor de cabeça", trata-se de uma associação
lógica convencional. Mas se associo a palavra "tensão" ou
"ira" com "dor de cabeça", ligo certo dado com suas
possíveis conseqüências, intuição a que cheguei ao estudar o
fenômeno. Este último tipo de lembrança constitui cm si um
ato de pensamento produtivo. Os exemplos mais
contundentes desse tipo de lembrança viva são as "associa-
ções livres" vislumbradas por Freud.
Pessoas que não sejam principalmente tendentes a
guardar dados acharío que suai memórias precisam de um
fone c imedi aio interesse para que funcionem bem., Por
exempio, sabe-se que as pessoas lembrar» palavras de uma
língna estranha há muito esquecida quando é de vital
importância que assim seja. £ na minha experiência pessoa!,
ia que nãc soa cntado de memória muito boa, ocorre-me
lembrar o sonho dç uma i^ísca que analisei, até duas 011
cinco sem atlas depois, quando de novo iac vejo faca a fítfe
com ela e me concentro sm ioda a personalidade daquela
TER E SER NA EXPERIÊNCIA COTIDIANA 21
Conversando
A diferença entre os modos ler e ser pode ser facilmente
observada em dois exemplos de diálogos. Tememos um
diálogo típico em que A tem a opinião X e B tem a opinião Y.
Cada um se identifica com sua própria opinião. O que
importa a cada um é achar argumentos melhores, isto e. mais
sensatos, para defender sua opinião. Nenhum dos dois espera
mudar sua opinião, ou que a opinião do seu adversário venha
a mudar. Cada um teme mudar sua própria opinião,
precisamente porque c uma de suas posses, e porque sua
perda significaria ura. empobrecimento.
A situação é um tanto diferente numa conversação que
não pretende ser um debate. Quem não passou peia
experiência de ter recorrido a ama pessoa destacada pela
proeminência ou fama, ou mesmo por qualidades reais-, ou A
uma pessoa de que MI sc deseja alguma coisa como um bom
emprego, ser amado, ser admirado? Em circunstâncias como
essas, muitas pessoas tendem a ficar pelo menos um tanto
ansiosas, e não raro se "preparam" para o encontro
importante. Pensam naquilo que pode interessar a outra
pessoa; pensam antes como poderiam iniciar a conversação;
Fé
Num sentido religioso, político ou pessoal, o conceito
de fé pode ter dois significados inteiramente diferentes,
dependendo de ser tomado no modo ter ou no modo ser.
TER E SER NA EXPERIÊNCIA COTIDIANA 31
O Velho Testamento
1 Analisei o conceito de Era Mcssiinicfi rtti S<rí!> cama Drusts, O síbado, também,
t analisado naquele livro, assim como no capítulo sobre *0 ritual do Sábado", em A
Linguagem Esquecida. (Publicado no Braifl por Zahar Editores.)
40 TER. OU SE*?
ele diz que "na homem deve estar vazio de seu próprio
conhecimento", não significa que devemos esquecer o que
sabemos, mas devemos esquecer que sabemos, ilsso quer
dizer que não devemos encarar nosso conhecimento como
uma posse, na qual achamos segurança e que nos dá um
senso de identidade; não devemos estar "preen-
« B'akney emprega a maiúscula "D" quando Eckhart se refere
à divindade e "d" minúsculo quando Eíkhân se «fere ao d™
bíblico do cnaçSo.chidos" de nosso conhecimento. ou
valermo-nas dele, ou ansiar por ele. O conhecimento não
deve assumir o atribulo dc um dogma, que nos escraviza.
Tudo isso pertence ao modo ter. No modo ser, o
coíthecimcnio nada mais é que a penetrante atividade do
pensamento — sem jamais tornar-se um convite para
apaziguar, para achar ceiteza, Eckhart continua:
"Que dignifica que um homem deva nada W?
Ora, prestai sér:a atenção a is Lo: já disse
freqüentes veies, c grandes autoridades estão de
acordo em que, para ser uma habitação adequada
de Deus e presíar-se a que Dcuü atue, um homem
deve tamhém estar isento <Je Iodas [as suas pró-
prias) coisas c (sims próprias] açúcs, tanto interna
eofflí externamente. Agora diremos algo mais. Se
for o caso de que um homem esteja vazio dc
coisas, criai uris, deie mesmo c Dcuii, e se ainda
Deus puder encontrar ura lugar nele para agir,
então dizemos: na medida em que [o lugar] exista,
esse homem n&o e pobre da mais íntima pobreza.
Porque Deus n?,o preter.de que o homem deva ter
um lugar reservado parti que EJCSJS atue. visto
que a verdadeira pobreza DE espiritei e^ige que o
homem deva estar de Deus e dc
todas as suas obras, dr mwlo que sc Deus quiser
agir na alma, ele mesmo deve ser o lugar em que
atue — e o que gostasse dc fazer... Assim,
dizemos que um homem ser tio pobre
que nao seja t não tenha um lugar para Deus agir
nele. Reservar seri:i manter dislsnt&es.
Porsar.H?. roga a Deus íjut: possa me livrar de
deut" (Blaknty, p. 230-2J1).
Eekíiart não poderia ter expresso de modo mais radical o
seu conceito de não_tcr. Em primeiro lu°ar, devemos estar
livres de nossas próprias coisas e de nassas ações. Isso não
significa que não devemos ter posses ou que nada façamos;
significa que não devemos eitaj apegados, atados,
encadeados ao que possuímos, ao que temos, e nem mesmo a
Deus.
Eckhart traía do problema do ter cm outro nível, quando
analisa a relação entre posse e liberdade. A liberdade humana
está restringida na medida em que estamos ligados à posse,
obras, e, finalmente, aos nossos próprios eus. Por estarmos
70 TEU OV SER?
L
TER E SER NO VELHO E NOVO TESTAMENTOS 2
IV
A Natureza do Ter
A natureza do modo ter de existência decorre da natureza
da propned-jue privada. .Nessr modo de cs:s:ência, tudo o
que importa e minhs aquisição de propriedade e meu
irrestrito direito de sanier o adquirido. O mi";-.:o ter íxclui
todos os demais; ele não fíigc qualquer esforço a mais de
minha parte para manter minha propriedade ou para fazer uso
produtivo díla. 3uda definiu esse modo de conduta como a
ânsia de posse, o$ judeus e os cristãos o definiram como
QITE F. O MODO TFH? 11
Ascetismo e Igualdade
Grande parte da discussão moral e política gira cm torno
desta questão: ter ou não ter? No nível moral-reiig"oso, isso
significa a alternativa entre a vida ascética e não ascética,
esta última implicando o prazer criativo e o prazer ilimitado.
Essa alternativa perde muito de seu significado se a éníase
for posta não propriamente na conduta, mas na atitude
subjacente a ela. A conduta ascética, com sua permanente
preocupação em não desfrutar, pode ser apenas a negaçao de
intensos desejos de ter e consumir. No asceta esses desejos
podem ser reprimidos, e eon- tudo, na própria tentativa de
repressão do ter e consumir a pessoa pode também
preocupar-se em ter e consumir. Esta negativa por
compensação é muito freqüente, como os dados
psicanalíticos o demonstram. Ocorre em casos como os dos
vegetarianos fanáticos ao reprimirem impulsos destrutivos,
fanáticos defensores do ac ti aborto ao reprimirem impulsos
assassinos, fanáticos da 'Virtude" ao reprimirem seus
impulsos "pecaminosos". O que importa, no caso, não é a
convicção propriamente dita, mas o fanatismo que lhe dá
apoio. Este, como todos os tipos de fanatismo, insinua a
suspeição de que ele serve para encobrir outros impulsos, em
geral contrários.
No domínio econômico e político. vcriGca-se alternativa
igualmente errônea entre irrestrita desigualdade e absoluta
igunS- dadi; de renda. Se as passes de todos são funcionais c
pessoais, então o que alguém tem a mais que outra pessoa
ss Tna ou SER?
não consiiiui um problema social, porque se a posse não ê
essencial, não ensej3 cobiça. Por outro lado, aqueles que se
preocupam cõm a igualdade, no sentido que a parcela de
cada um seja exatamente igual ã do outro, demonstram que
sua tendência a ter é mais forte qac nunca, mesmo que
negada por sua preocupação com a igualdade exata. Por irás
dessa preocupação é visível sua real motivação: inveja.
Quem exige que ninguém tenha mais que e!e próprio está
desse modo se protegendo da inveja que sentiria se outro
tivesse mesmo um mínimo a mais. O que importa é que o
luxo e a miséria sejam erradicados; a igualdade não deve
significar igualdade quantitativa de cada punhado de bens
materiais, mas que a renda não seja tão discrepante a ponto
de criar diferentes experiências de vida por grupos distintos.
Nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos Marx assinalou
isso, no que ele chama de "comunismo rústico", que "nega a
personalidade do homem em todos os domínios"; esse tipo
de comunismo "não passa da culminação dessa inveja e
nivelamento na base de um mínimo preconcebido".
O Ter Existencial
A fim de apreciarmos plenamente o modo ter de que
estamos tratando aqui, ainda outra exceção parece necessária,
a saber, a da função do (er existencial-, porque a existência
humana exige que tenhamos, conservemos, cuidemos e
utilizemos certas coisas a fim de sobrevivermos. Isso se
refere ao nosso corpo, ao alimento, habitação, vestuário e
instrumentos necessários a satisfazer nossas necessidades.
Esta forma de ter pode ser chamada de ter existencial porque
está enraizada na existência humana. Traia-se de um impulso
racionalmente dirigido na procura de maíenno-nos vivos, em
contraste com o ter caracieriológico de que falamos ató aqui,
que é uma tendência ardorosa a reler e conservar o que não é
inato, mas que se revelou como conseqüência da impacto das
condições sociais sobre a espécie humana como
biologicamente dada.
O ter existencial não está em conflito com o ser; o ter carac-
teriológico necessariamente está. Mesmo o "justo" e o
"santo", tanto mais que são humanos, devem querer ter no
sentido existencial — enquanto a pessoa comum queira ter no
ss Tna ou SER?
sentido existencial e no sentido caracteríológico. (Esta análise
encontra-se no meu livro anterior. O Homem por Si Mesmo.
)Que É o Modo Ser?
O Ser Ativo
O modo .ser tem como requisito a independência, a
liberdade e prçsença de razão crítica. Sua característica
fundamental é ;Í de ser ativo, não no sentido de- atividade
externa, de estar atarefado, mas no sentido de atividade
íntima, de emprego criativo dos poderes humanos. Ser ativo
signif.ca manifestar as facilidades e talentos no acervo de
dotes humanos dt que-todo ser humano é dotado, embora em
graus variáveis. Significa renovyr- scT evoluir, dar de si,
amar. ultrapassar a prisão do próprio eu isolado, estar
interessado, desejar, dar. Contudo, nenhuma dessas
experiências pode ser completamente expressa em palavras.
As palavras são vasos cheios de experiência que
transbordam do re: ci pi ente. As palavras designam a
experiência; não constituem a uApcricncia. No momento em
que exprimo o que vivencíeí exclusivamente em pensamento
c palavras, a experiência sc foi: sccou, «tá morta, c um mero
pensamento. Por conseguinte, o ser é indefinível em palavras
c só comunicável pela comunhão da minha experiência. Na
estrutura do ter, a palavra inerte domina; na estrutura do ser,
domina a experiência viva e inefável. Evidentemente, no
modo ser há também um pensar que é vivo e criativo.
Talvez se possa dar ideia melhor do modo ser
cvocandO-se o símbolo sugerido por Max Hunzrnger: um
vidro azul parece ser azul quando a luz o atravessa, porque
ele absorve todas as demais cores e não as deixa passar. Isto
é, nós o chamamos de vidro "azul" precisamente porque ele
2 TER. OU SE*?
Atividade e Passividade
Ser, no sentido que o descrevemos, implica a faculdade
de estar ativo; a passividade exclui o ser. Coo tu do, "aüvo" e
"passivo" estão entre as palavras enganadoras, porque seu
significado é hoje completamente diferente do que era na
antigüidade clássica e na Idade Média até os inícios do
Renascimento. Para esclarecer o conceito de ser, devemos
compreender os conceitos ee atividade e passividade.
No emprego mbderno da palavra, atividade é
comumentc definida como uma qualidade do comportamento
que ocasiona efeito perceptível pelo gasto de energia. Assim,
por exemplo, os agricultores que cultivam suas lavouras são
chamados ativos; do mesmo modo os operários na linha de
mondem, os vendedores que persuadem seus clientes a
comprar, os investidores que fazem negócios com dinheiro
próprio ou dos outros, os médicos que tratam de seus
pacientes, os funcionários que vendem sdos do correio, os
burocratas que arquivam papéis. Embora algumas dessas ati-
vidades possam exigir mais interesse e concentração que
outras, não importa no que diz respeito a ^atividade".
Atividade, de tim modo geral, 6 a conduta intencional
QUE É O MOIX) SER? 3
1" Em seu prúslmo livro, The Ganusmen: The New Cnrtwate Leaderi ^{jue tive o
privilégio de ler em manuscrito!. Miehael Maccoby menciona alguns nrOietoE
recentes de participação democrática, es-pccíaTrnmte em sua pesquisa na Proirto
Botívnr, parte de um plano raâior que Miccaby está
-itimlniínle elaborando.
QUE É O MODO SER? 15
Segurança — Insegurança
Não DOS movermos para frente, permanecermos onde
estamos, regressarmos, cru outras palavras, confiarmos no
que Lemos, é muito tentador, visto que o que temos, nós
conhecemos; podemos agarrá-lo, sentirmo-nos seguras nele.
Receamos, e portanto, evitamos, dar um passo ao
desconhecido, ao incerto; porque, na verdade, embora o passo
possa não parecer arriscado depois de dado, antes dele tudo
parece perigoso, e daí temerário empreen- dê-Io. Somente o
velho, o experimentado, o seguro, ou o que assim pareça.
Todo passo novo traz em si o risco de fracasso, e esta é uma
das razões pelas quais tanto se Teme a liberdade.1
Naturalmente, a cada novo estágio da vida o velho e
familiar fica diferente. Como bebês, temos apenas nosso
corpo e o seio materno (ainda indiferenciados, no inicio).
Depois, começamos a orientar-nos para o mundo, começando
o processo de conquista de utn lugar nele para nós.
Começamos querendo ter coisas: temos nossa mãe, nosso pai,
r.ossos parentes, os brinquedos; mais tarde, adquirimos
conhecimento, uma profissão, uma posição social, um
cônjuge, filhos e então temos como que uma outra vida após
esta, quando adquirimos a futura sepultura, fazemos o seguro
de vida e redigimos o nosso testamento.
Não obstante a segurança que temos, as pessoas admiram
aqueles que têm uma visão do novo, aqueles que desbravam
um novo caminho, que têm coragem de ir era frente. Na
mitologia.
Solidariedade — Antagonismo
Pecado e Perdão
Em sua acepção clássica tio pensamento judaico e
cristão, o pecado é essencialmente idêntico à desobediência ã
vontade de Deus. Isso aparece manifestamente na füatc
eomumenie afirmada do pecado original: a desobediência de
Adão. Na tradição judaica, esse ato não era compreendido
como pecado ''originai", que todos os descendentes de Adão
herdaram, como na tradição cristã, mas tão-somente o
primeiro pecado — não necessariamente presente nos
descendentes de Adão.
Contudo, o elemento comum é a opinião de que a
desobediência ao« mandamentos de Deus é pecado, sejam
que mandamentos forem. Isso não é de surpreender, se
tivermos em mente que a imagem de Deus naquela parte da
história bíblica é a de uma autoridade severa, tendo como
modelo a função de um dos reis orientais. Também não
admira, se convidcrannos que a Igreja, quase desde o inicio,
ajustou-se a uma ordem social que, ora no feudalismo e
depois no cap!talismo, exigia, paia seu funcionamento, estrita
obediência às leis pelos indivíduos, tanto 3s leis que atendam
aos seus verdadeiras interesses como as demais que não os
atendam. Pouca diferença faz para o fulcro da questão o
quanto fossem opressivas ou liberais essas leis, bem como os
meios para fazê-las cumprir: deve-se aprender a temer a
autoridade, e não apenas na pessoa dos funcionários
"encarregados de fazer cumprir as leis" porque tenham
armas. Esse temor não é garantia suficiente para o
funcionamento adequado do Estado; o cidadão deyç assumir
esse medo e transformar a obediência numa categoria moral
e religiosa: pecado.
Respeitain.se ns leis nao apens: porque se tenha medo,
mas
32 TER. OU SE*?
O Protesto Humanista
A desumanização do caráter social e o advento das
religiões industrial e cibernética levaram a um mv->vimento
d« protesto, ao surgimento de um novo humanismo, que tem
raízes no humanismo cristão e filosófico desde a Aita Idade
Média ao Iluminismo. Esse protesto teve expressão nas
formulações filosóficas ensuis teístas e em sistemas pameistas
ou oão teístas. Surgiu de dois lados opostos: dos românticos,
que eram conservadores era política, e dos socialistas
marxistas e outros (bem como LÍC alguns anarquistas,!.
Direita e esquerda foram unânimes em suas criticas ao sis-
tema industrial e ao prejuízo que ele causava aos seres
humanos. Pensadores católicos, como Fránz vou Baader, e
líderes políticos conservadores, como Benjamin Disraeli,
formularam o problema, por vezes de modo idêntico ao de
Marx.
Os dois lados discrepavam quanto aos modos de julgar
como os seres humanos poderiam ser salvos do perigo de se
transforma reni em coisas. Os românticos da direita
acreditavam que o único meio era cessar o desenfreado
"progresso" do sistema industrial e voltar às formas anteriores
da ordem social, embora com algumas modificações,
O protesto da esquerda pode ser chamado humanismo
radical, muito embora fosse às vezes expresso em termos
teístas e outras em termos não teístas. Os socialistas
acreditavam que o desenvolvimento económico não podia ser
detido, que não sc podia voltar a uma forma anterior de ordem
social, e que a única via de salvação consiste em ir adiante e
criar uma nova sociedade que liberte o povo da alienação, da
submissão à máquina, do destino de ser desumanizada. O
socisiismo ers s síntese da tradição religiosa medieval e do
espírito de pensamento científico e ação política do pós-
Renascimento. Era, ccmo o budismo, um movimento
"religioso" de massa, que. muito embora faiando em termos
seculares e ateus, tinha por objetivo a libertação dos seres
humanqs_do egoísmo c da ambição.
Pelo menos um breve comentário impõe-se a esta altura
para caracterizar minha posição diante do pensamento
24 TER. OU SE*?
1 Minha tradução do texto hebraico, ejn vez dc "bênçãos", na tradução Hershnum. publicada pela
Yale University Press,
RELIGIÃO, CARÁTER, E SOCIEDADÊ 1
O Novo Homem
1 Estudei o primitivo "matriarcado* e o bibUogi&ría relacionada com ele, no meu livro Anatomia
da Oeitrutiyidade Humana.
ASPECTOS DA NOVA SOCTEDADE 3
191
Editado por Nora Baríow. Nova York: W-W. Norton. Citado por Ii. F,
Schumacher,
DELGADO. J. M. R. 1967. "Agressão c defesa sob controle rádio cerebral". Em
Agression ànd Defense: Neural Xíechamsms and Social Patterns. Brain
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DuivtOUS.trJ, Heinrich, 1966. östliche Meditation und Christliche Mystik, Frei
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11 TER. OU SE*?
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Bos
ton; Houghton Mifflin.
*--- ----- 1974. Economics and the Public Purpose. Boston:
Houghton Mifflin.
* HABFRMAS, JORGÜN. 1973, Toward a Rational Society.
Trad.
BIBLIOGRAFIA 19£
PE RS P ECTT V AS DA CIVILIZAÇÃO
INDUSTRIAL B E-RTRANÍÍ R USSÊLL
Esse livro um estudo dos efeitos do industrialismo sobre o
destino humano — pode ser considerado uma das obras
pioneiras acerca de um assunto que ocupa cada vc? mais a
atenção de quantos se interessam pelas Ciências Sociais.
Os acontecimentos não sú confirmaram algumas das
previsões feiras por Bmrtha^II R LSSFJLS. quanto a
interação do industrialismo e do nacionalismo, a expansão
do industrialismo socialista em países subdesenvolvidos e
as isndèneias inerentes na própria sociedade industrial,
como as conclusões formuladas no livro se tornaram
ainda mais evidentes boje do que na época em que ele foi
escrito.
O conflito entre a direção capitalista e socialista da
indústria. antes encarado como uma luta inicma em cada
nação, e hoje relegado para segundo plano por muitos
políticos nos países altamente industrializadas, ganhou, de
fato. uma importância decisiva e periaesfi na esfera
interuadwial, na medida cm que o mundo se eneontra aruí
mente dividido en^ie o bloco comunista e o bloco de :-
2çoes ainda comprometidas cGm os métodos da livre
iniciativa.
De particular relevância para os problemas hodiernos
é a efirmacão de que a organização industrial, por sua
própria natureza, dá origem à oligarquia ou i ditadura com
a tendência concomitante para destruir a Democracia tal
como é tradicionalmente entendida, e com a imposição ao
indivíduo de pressões e coerções que impedem a sus
plena realização como ser humano.
E
ZAHAR EDITORES a cultura a serviço do
progresso social* Enfoques m;jis Bprofuntledos desse
prubkniü £a v:Ja cnn;empla:iva e vida ativa encontratr.-
se nos escritos de W, Lanpc c N. I.ítbkíiwicz.
• Examinei utsunias dessas provas etn meu livro
Anatomia da Destrnsivi- daste Humana.
• Disposição a abandonar todas as formas de ter, a
fim de plenamente ser.
• Segurança, sentido de identidade e confiança com
base na fó do que se êt na necessidade dc
relacionamento, interesse, amor, solidariedade com todo
o mundo circunjas- cente, em ve? r do desejo de ter, possuir,
controlar a mundo e assim tornar-se escravo das coisas
possuídas.
• Aceitação do fato de que ninguém e nada fora de nós dá
significado à vida. mas que esta independência c desinteresse
podem tomar-se a condição para a mais plena atividade dedicada
a cuidar e participar.
• E^Jarmos plenamente presentes onde estivermos.
• Alegria proveniente do dar e participar, c nSo do acumular e
explorar.
• Amor e respeito pela vida em todas as suas manifestações. no
conhecimento de que não as coisas, o poder, tudo o que É irierie.
mas a vida e tudo o que í próprio a seu crescimento é sagrado;
• Tentar diminuir a ambição, o ódio c as ilusões tanto quanto
possível,
• Viver sem adorar ídolos e sem ilusões, porque já se chegou a um
ponto que não exige ilusões.
• Deve ser estabelecido um Supremo Conselho CulturaL,
encarregado da função <lc aconselhar o governo, vs políticos e «Jií
cidadãos em todas as Questões em que o conhecimento seja necessário.
■ 1971, On Karl Marx, Kova Yort: Seabury Press.
** ERKHART, MESTRE. 1941 Meister Eck hart: Modem Translation. Trad, de
Raymond B. Blaknev Nova York: Harper & Row, Torchbooks.
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— Meister Eckhart, Die Deutschen Werke. Org. e trad.
por Joseph L. Ouínr. Em Gesamtausgabe der deutschen und
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