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E N S A I O

S ER OU NÃO SER: EIS A OUESTÃO


DO ESTADO BRASILEIRO
M aree i B u rszty n

A
nalisa a crise do Estado bra­
crise do Estado brasileiro,

A
sileiro privilegiando os as­
neste mom ento de mudan­ pectos da crise existencial
ça d e g o v e rn o e de (tamanho ideal do Estado); a lógi­
q u estio n am en to de paradigmas ca do crescimento das estruturas
políticos, constitui importante ob­ estatais (como e p o r que o Estado
jeto de análise. Km pauta nos dife- moderno chegou a tal dimensão e
re n te s d isc u rso s e le ito ra is de formato); o Estado público (enquan­
1994, as mudanças tiveram desta­ to agente de regulação e de regula­
que. E era de se esperar, haja visto mentação); o Estado privado (aper­
o crescente hiato que vem separan­ sistente simbiose entre as dimensões
do as expectativas da sociedade pública e privada na gestão da coi­
civil e a capacidade dos governos sa pública); e o Estado grande e
em fazer com q u e o E stad o se patrimonialista (o setor público pas­
adapte aos novos tempos. sa a ser o carro-chefe dos processos
de desenvolvimento). Também con­
Quase quinhentos anos de nossa duz o leitor a refletir sobre as fu n ­
história transcorridos, o atual fim ções e o formato do Estado, consi­
de século é fortem ente marcado derando os anseios da sociedade,
por circunstâncias externas e inter­ nosso legado histórico, o processo de
nas que determ inam o imperativo desestatização e a dim ensão
de se atualizar a forma e o conteú­ institucional.
do da ação pública. Dentre estas
circunstâncias, cabe assinalar:

• o colapso do m odo de regu­ • a maré de desestatização dos


lação estatal no mundo socialista, sistem as e co n ô m ico s, tan to ao
com o virtual desmantelamento do Norte quanto ao Sul;
sistema bipolar de referências geo-
políticas; • o rápido crescim ento das cida­
des brasileiras, com o esvaziamen­
• a crise do m odelo keynesiano to demográfico do cam po, fazen­
de intervencionism o estatal, para­ do com que as velhas formas de
lelam ente à eclosão do neo-libe- d o m in a ç ã o p o lític a p a tr im o ­
ralismo; nialista tenham que se adaptar; e

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RSP M areei B u rszty n

• ainda que persista um elevado


A lógica do crescim ento d a s
ín d ice de an alfab etism o ou de
estruturas estatais
semi-analfabetism o, hoje boa par­
te da p op u lação b rasileira tem
acesso à inform ação e um grau
ara que se possa avançar no
mais elevado de consciência e de
sentido de enfrentar esta questão,
expectativas, que se vêem frustra­
nunca é demais recordar com o e
das frente a um listado debilitado
por que razões o Estado m oderno
por lim itações de natureza políti­
chegou a tal dim ensão e formato.
ca, econôm ica e gerencial.
Desde o início dos tempos m oder­
O Estado em crise existencial nos, na época em que se desenvol­
veram as idéias que fundamenta­
ram o absolutism o e, d ep ois, o
iluminismo, a ação das estruturas
I P ara entend er a atual crise de
de p od er p ú b lico n ão cessa de
identidade do nosso Estado é pre­
ciso que a mesma seja situada no crescer, tom ando-se tão mais com ­
plexa quanto a própria sociedade
con texto geral da crise dos Esta­
e seus negócios. Na França de Luis
dos m odernos.
XVI bastava ao Estado dois m inis­
térios: Finanças e Justiça (um para
Conform e assinala Michel Crozier
arrecadar e o outro para garantir
(1 9 8 7 ), as razões da crise do Esta­
que os súditos pagassem os tribu­
do se resumem na seguinte fórmu­
la: quanto mais avançada a socie­ tos). Com o passar dos tem pos,
dade, m aior a expectativa e a co­ depois da Revolução Burguesa, o
Estado se expande, em conform i­
brança de ações do Estado; mas
dade com a própria evolução eco ­
quanto m aior a ação do Estado,
nôm ica e social. Surgem pastas
num a sociedade avançada e orga­
nizada, m aior será o grau de insa­ específicas para Defesa, Relações
tisfação da população. Exteriores etc.

No final do século XIX, as lutas


O paradoxo acima resume bem o
dilema com o qual se defrontam sociais e as transformações políti­
os d ecisores públicos neste mo­ cas delas resultantes fizeram com
m ento. Ser ou não ser é uma dúvi­ que surgissem novas funções até
da existencial pública que vem di­ então inexistentes no setor públi­
vidindo op in iões e despertando co: educação, saúde e previdência.
paixões políticas e ideológicas. Por O form ato geral do E stad o n o
mundo ocidental que em ana do
traz da dúvida e do debate, situa-
se a dificuldade em se responder fim da Segunda Guerra Mundial
o que talvez se constitua na per­ chega aos nossos dias caracteriza­
gunta de maior complexidade des­ do por algo em tom o de 30 pastas
ministeriais, aí inseridas funções
te m om ento político: qual o tama­
públicas típicas de nossa época,
nho ideal do Estado?
tais com o: educação, saúde, cultu­

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RSP Ser ou não ser: eis a questão do Estado brasileiro

ra, p la n e ja m e n to , tra n sp o rtes, cidadania. Nesse processo, seu ta­


energia, agricultura, indústria c manho multiplicou-se várias vezes.
com ércio. Hoje, ao se questionar a validade
de manter-se tal dim ensão, o que
O Estado público se discute é o fato da prom oção
do progresso social já ter atingido
níveis satisfatórios e uma dinâm i­
^ ^ e s d e o início do século XVII, ca própria, capaz de prescindir da
tem havido crescente ação do se­ ação estatal.
tor público no sentido de regula­
mentar e de regular disfunções Nosso Estado p rivad o
inerentes ao tipo de sociedade que
fo i s e n d o e d ific a d a a p ó s o
Renascimento. Assim, os britânicos N o Brasil, a história nos mostra
instituíram as PoorLaws, que bus­ traços bem particulares na formação
cavam reduzir os efeitos do em po­ do Estado e na constituição de seu
brecim ento da população e a am­ caráter público. Desde o início da
parar os excluídos de então, evi­ colonização há uma p ersisten te
tando que os mesmos migrassem simbiose entre as dimensões públi­
em massa para os maiores centros ca e privada na gestão da coisa pú­
urbanos. Isso significou profundas blica. O Príncipe e o Senhor se fún-
mudanças, p or duas razões: pri­ diam na mesma pessoa: o senhor de
meiramente, porque evidenciava o engenho, o barão do café ou o lati­
papel do Estado enquanto agente fundiário, em geral.As formas de
de regulação e de regulamentação, representação do poder público, no
através de políticas públicas; em universo da compreensão real ou
segundo lugar, porque foi sendo simbólica da população, cristalizou-
retirado paulatinam ente das paró­ se como algo materializado apenas
quias religiosas esse tipo de fun­ através da mediação exercida pelos
ção, principiando uma inexorável senhores de terras. Através deles, po-
tendência à separação entre Esta­ der-se-ía chegar ao pouco de con­
do e Igreja. Trata-se de processo c re to o ferecid o p elo E stad o : o
q u e se in icia através de ob ras assistencialistno. E, à medida que
assisten ciais pontuais, mas que esta era tradicionalmente a única
atingiria níveis notáveis ao fim do forma possível de relação entre Es­
sé cu lo X IX , com in stitu ição do tado e sociedade, a expectativa so­
ensino público universal atrelado cial vis-à-vis o poder público não
ao Estado. transcendia tal prática.

A e x p e riê n cia eu ro p éia m ostra Nesse sentido, a legitim idade das


com o o Estado foi se tornando estruturas de poder estava assen­
cada vez m ais p ú blico, criand o tada numa reciprocidade: o poder
con d ições para a constru ção da central provia fundos e se om itia
dem ocracia e universalização da q u a n to ao p o d e r lo c a l, q u e

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RSP Mareei Bursztyn

encarnava as prerrogativas de Es­ apresenta é: o que há de novo,


tado e veiculava privadamentefa ­ hoje, que nos fa z repensar ou
vores públicos; por outro lado, o rediscutir o tema?
reconhecimento da esfera de po­
der nacional estaria assegurado A resposta a esta questão pode ser
incondicionalmente pelas oligar­ circunscrita a três elementos:
quias locais, sempre fiéis desde
que abastecidas de verbas c que • a crise fiscal e de endivida­
mantinham a fidelidade em seus mento público impede, hoje, que
domínios territoriais, graças a seu as velhas formas de garantia da le­
papel de intermediárias dos favo­ gitimidade das estruturas de poder
res públicos. sejam asseguradas pelas práticas
tradicionais de favores públicos
G ra n d e e patrim o nialista concedidos por intermédio de
mandatários locais: simplesmente,
esgotaram-se as fontes de verbas;

N o s anos 30 cresce bastante o • há uma crise geral, no mundo,


Estado, dentro da lógica de que do paradigma do welfare State-,
era imperativo empreender publi­
camente, no Brasil, ações que es­ • ainda que tal crise, no Norte, seja
pontaneamente não emanavam da conseqüência principalmente do
iniciativa privada. Amplia-se o raio atingimento de patamares máximos
de atuação do setor público e, de tal prática, o que não é o caso
inevitavelmente, cresce a esfera brasileiro, o desencanto com seu
burocrática. papel mágico de legitimador da ação
estatal tem servido de referência para
Tal fenômeno, que não é tipica­ a ofensiva ideológica das velhas te­
mente brasileiro, reflete uma ses liberais eanti-Estado.
tendência internacional coeren­
te com a era keynesiana, onde o Aos pontos acima assinalados, há
setor público passa a ser o car- que se agregar um aspecto bem
ro-chefe dos processos de desen­ relevante, que vem afetando a le­
volvimento. No último pós-guer­ gitimidade social de instituições
ra, esse processo toma-se ainda públicas no Brasil. Trata-se da pró­
mais notável, com a generaliza­ pria eficiência e funcionalidade do
ção do planejamento e a amplia­ aparelho produtivo público e de
ção das atividades produtivas organismos estatais. Tradicional­
estatais. mente, tais empresas e órgãos pú­
blicos têm sido objeto de uma ação
Em outras palavras, a configuração estatal que só poderia levar aos
atual do listado brasileiro reflete, atuais impasses funcionais, na me­
na verdade, um desenho que não dida cm que:
é recente. Assim, a questão que se

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RSP Ser ou não ser: eis a questão do Estado brasileiro

• têm suas atividades em grande enfrentam ento desta questão e a


parte voltadas para fins políticos mídia tem destacado grande espa­
de provim ento de favores a forças ço ao tema. O desencanto da po­
aliadas; pulação em geral quanto ao mau
funcionam ento das estruturas pú­
• são geralm ente dirigidos por blicas encontra eco num a legião
elem entos recrutados por crité­ de políticos e tecno-burocratas do
rios de fidelidade política muito setor público que, formados na
mais do que de com petência p rá tic a do p la n e ja m e n to
técnica; centralizador c au toritário, h oje
con verteram -se cm b astiõ es da
• vêm sendo castigados por uma defesa de teses desestatizantes. A
p olítica de pessoal atrofiada há estes, somam-se intelectuais que
p elo m enos uma década e meia; ímplicita ou explicitam ente abra­
çam a causa neoliberal.
• sofrem penúria e descontinui-
dade orçam entária por conta da Qualquer que seja a opção a ser
própria crise do setor público; adotada quanto às funções e ao
formato do Estado que emanará da
• enfrentam um endividamento nova fase política que ora se ini­
q u e re s u lta de um a p o lític a cia, é preciso que se leve em con ­
m acroeco n ô m ica de atração de sideração certos fatores, que par-
capitais internacionais; e ticularizam o caso brasileiro em
relação às referências internacio­
• sofrem o peso acum ulado de nais, mesmo que estas sejam rele­
décadas de prática de taxas e vantes de serem lembradas.
tarifas inferiores aos seus custos,
já que funcionavam com o meca­ Um prim eiro alerta deve ser lan­
nism o de subsídio ao setor çado aqui, no sentido de que há
produtivo privado (esse é o caso riscos de se adotar medidas preci­
típico da siderurgia e do crédito pitadas e simplifícadoras que, ba­
agrícola). seadas no elevado grau de consen­
so social atingido, reduzam o en­
Tem po d e re p e n sar tendim ento da realidade. Trata-se
da fo rte te n d ê n c ia a um
voluntarismo precipitado, que visa
diagnóstico da crise do setor reduzir os erros da gestão pública
público brasileiro é de grande im­ por meio da virtual retirada do Es­
portância no m om ento atual, pois tado de algumas de suas ativida­
estam os em pleno processo de re­ des: em presas são privatizadas;
visão do papel do Estado, sendo in stitu ições são transferidas (às
esta a tônica dos debates sobre as vezes impositivãmente) a esferas
estratégias do novo governo. A opi­ estaduais ou municipais; ógãos são
nião pública mostra-se favorável ao extin tos ou deixados no lim bo,

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RSP Mareei Bursztyn

sem recursos nem funções; ativi­ imperativo assegurar o seu cumpri­


dades essenciais são abandonadas, mento em moldes social e econ o­
com o é o caso da saúde pública e micamente justos e eficientes.
dos transportes.
Também nos EUA e n o Jap ão a re­
Conforme já foi assinalado, nosso dução do Estado, típica da década
legado histórico é profundamente de 1980, se deu na execução dire­
m arcad o por seu ca rá ter ta de certos serviços, mas não se
patrimoníalísta , onde a coisa pú­ traduziu, por exem plo, em dim i­
blica é gerida como uma extensão nuição dos elevados níveis de pro­
dos domínios privados. As implica­ tecionismo e regulamentação pra­
ções deste tipo de prática são bem ticados naqueles países. Além dis­
conhecidas e se traduzem hoje na so, em seu aspecto público, o Es­
dicotomia cidadania-exclusão soci­ tado cresceu ali (assistência públi­
al, bem como reproduzem c atuali­ ca, meio am biente, saúde etc).
zam vícios de nossa tradição políti­
ca: clientelism o, assistencialismo, N o ssa d e se statização
fisiologismo e corrupção.

As fórmulas de enfrentamento das N a forma com o vem sendo pra­


mazelas do mau funcionamento das ticada n o Brasil, a desestatização
estruturas públicas no Brasil basei­ tem apresen tado características
am-se em experiências tentadas em que constituem riscos de agrava­
outros contextos, onde a gênese dos m ento dos problem as que busca
problemas obedeceu a outra lógica solucionar.
e onde os níveis de extensão da ação
do Estado são também distintos. A Primeiramente, aqui tem-se insis­
isto agregue-se o fàto de que nem tido em associar d esestatização
sempre a narrativa de tais experiên­ (com o sinônim o de privatizações)
cias com o argumento para sua imi­ a desregulam entação. Isso é uma
tação corresponde efetivamente ao incoerência, pois o repasse de cer­
ocorrido. Por exemplo, os britâni­ tas atividades à iniciativa privada
co s, so b a égid e d e M argareth deve ser precedido da definição
Thatcher, reduziram consideravel­ das regras de funcionam ento, so­
m ente o Estado em sua dimensão bretudo em se tratando da opera­
produtiva, mas não na social. Não ção de serviços públicos. Caso con­
houve privatização de políticas pú­ trário, corre-se o risco de se repro­
blicas, só da produção de mercado­ duzir desacertos com o os ocorri­
rias e de serviços. O Estado britâni­ dos na Argentina, onde a lógica do
co, hoje, regulamenta mais o siste­ mercado vem determ inando uma
ma econôm ico do que há quinze gestão privada de serviços públi­
anos atrás; e isso é natural, tendo cos seletiva e perversa: certas li­
em vista que, ao não ser mais o exe­ nhas de m etrô privatizadas encer­
cutor direto de certas atividades, é ram sua operação diária em horá­
RSP Ser ou não ser: eis a questão do Estado brasileiro

rio indeterm inado, dependendo deficitárias; o problema das finan­


do núm ero de passageiros, deixan­ ças públicas tenderá a se ampliar,
do usuários não servidos; o forne­ passado o impacto inicial da recei­
cim ento de eletricidade passou a ta de ativos oriundos da privatiza­
segregar áreas com grande inci­ ção. Esse fenôm eno, aliás, já se
dência de inadim plência e peque­ verificou na Grã-Bretanha e expli­
na dem anda; a telefon ia sofreu ca, em grande medida, a queda do
aum entos proibitivos a boa parte gabinete chefiado por Margateth
da população. Em suma, na Argen­ Thatcher.
tina, a busca da eficiência econô­
mica das em presas prestadoras de Em te r c e ir o lu g a r - c is s o é
s e rv iç o s p ú b lic o s q u e foram p re o c u p a n te - o p r o c e s s o d e
privatizadas tem se chocado fron- desestatização no Brasil tem sido
talm entecom seu papel social. Por marcado também pelo abandono
traz d esta c o n sta ta ç ã o su rge a de certas atividades e funções pú­
questão sobre o que é mais impor- blicas na esfera social e de infra-
tan te: a lucratividade destes negó­ estrutura. O setor saúde foi virtu­
cios ou sua eficiência social, m ate­ alm ente sucateado, após tantos
rializada na d em ocratização do anos de abandono. Toda infra-es­
acesso aos serviços públicos? trutura de serviços públicos pade­
ce, em maior ou m enor grau, de
Em segundo lugar, a experiência deterioração em sua qualidade e
de privatizações no Brasil tem re­ capacidade de atender a uma po­
velado uma tendência por parte do pulação cada vez mais carente.
p ró p rio governo n o sen tid o de
desvalorizar o produto que tem a Por trás da experiência brasileira
vender. Contrariam ente às vendas de desestatização é possível deci­
privadas, as em presas estatais têm frar, portanto, uma dupla tendên­
sid o p reviam ente d eb ilitad as e cia: a de privatizar empresas pú­
d esacred itad as, antes de serem blicas e a de reduzir o âm bito de
ofertadas n o m ercado. Evidente­ atuação da políticas públicas em
m ente, o resultado inevitável é a geral, inclusive na esfera social.
obtenção de baixos preços de ven­
da. Além disso, a análise do qua­ Este último aspecto m erece aten­
dro das privatizações já efetuadas ção. Se o sacrossanto mercado fos­
dem onstra que as empresas mais se capaz de satisfazer as demandas
fáceis de ser vendidas são as que de políticas públicas sociais, no
apresentam m elhor desem penho caso brasileiro, seguram ente não
(efetivo ou potencial). Isso leva à teria sido necessário a entrada do
constatação de que o argumento Estado neste setor. Mas num país
da cura do déficit público através on d e o m ercado e in cip ien te a
da q u e im a d o p a tr im ô n io e ponto do setor produtivo não pres­
falacioso: se o Estado vende as cindir do amparo estatal para se
em presas rentáveis, sobrarão as desenvolver, dificilmente se pode­

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RSP Mareei Bursztyn

ria esperar que serviços públicos amadurecem ao longo do tempo,


que não são rentáveis cm nenhuma podendo eventualmente morrer.
parte sejam de interesse do setor
privado e, ao mesmo tempo, sejam Nenhum país h oje desenvolvido
acessíveis a toda população. conseguiu atingir tal estágio sem
antes contar com instituições pú­
Crise institucional blicas m aduras e con solid ad as.
Todas as reformas administrativas
do setor público bem sucedidas no

Sem dúvida alguma, a crise do lis­


tado brasileiro se expressa visivel­
mundo, buscaram resgatar e não
sucatear o patrim ônio institucio­
nal construído1. Enquanto os bri­
m en te em sua d im en são tânicos, franceses c am ericanos
institucional. Pelos impasses econô­ associam a legitim idade de orga­
micos, pelo sucatcam cnto de seu nismos públicosà sua perenidade,
capital físico c hu mano, pelo descré­ aqui parece haver um novo e peri­
dito frente à população, pela suces­ goso mito, que é o da necessária e
são de tentativas malfadadas de pla­ constante transformação nas for­
nejamento, pela má gestão, as ins­ mas de atuação estatal. Valoriza-se
tituições públicas se encontram cm as m u d a n ça s d e n o m e , d e
situação deplorável. organograma e na arquitetura fun­
cional, com o se isso bastasse para
E qual a solução? melhorar o desem penho de cada
órgão. Na verdade, além de não se
Seguram ente, há mais de uma via resolver o problem a, fragiliza-se
possível de atacar tal problema. A ainda mais as instituições.
mais evidente tem sido a consoli­
d ação d o Estado de d esm an te­ Elem entos p a ra um a solução
lam ento. Mas é preciso não esque­
cer que, ainda que debilitadas c
in eficien tes, nossas institu ições
p ú b lic a s c o n s titu e m um
E qual seria a fórmula para sair do
atual impasse, apontando no senti­
p atrim ô n io ed ificad o ao longo do de novas e possíveis tendências
destes dois últimos séculos. Qual­ institucionais? Alguns procedimen­
quer que seja o leiaute do setor pú­ tos apresentam-se como imperati­
blico na nova ordem institucional vos, no momen to atual, mesmo que
e política que emerççirá neste fim não esgotem o elen co global de
de século, serão necessários orga­ medidas necessárias e possíveis:
nism os públicos. E estes, não se
pode esquecer, são corpos vivos, • v a lo riz a çã o do a c e rv o
q u e n ascem , se desenvolvem e institucional, no lugar de patroci-
1 As Alemanhas que sucederam ã queda do Terceiro Reich podem ser a exceção que
confirma a regra. Mas ainda assim não se deve esquecer que a Oriental resultou cm
fiasco (ão logo atenuou-se a pressão do regime político instaurado e, no caso da Ocidcn-
tal, a herança institucional não foi totalmente desprezada.

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RSP Ser ou não ser: eis a questão do Estado brasileiro

nar o seu desm antelam ento;


B ib lio g rafia
• rom per com o falso preconcei­
to de que as privatizações têm que
BUCCO, Arnaldo e MINSBURG,
s e r fe ita s d e p a r com a
Naum - Priva tiza cio n es -
desregu lamen tação;
Reestructuración dei Estado y
de la Sociedad, Ed. L etra
• resgatar e valorizar o papel do Buena, Buenos Aires, 1991.
Estado na form ulação e na condu­
ção das políticas públicas; BURSZTYN, Mareei - O País das
Alianças: Elites e Continuístno
• d e sce n tra liz a r ao m áxim o a no Brasil, Ed.Vozes, Petrópolls,
execu ção das políticas públicas, 1990.
tanto ao nível espacial (estados e CROZIER, Michel - Etat Modeste,
m unicípios) quanto dos agentes Etat Modeme, Ed. Fayard, Pa­
envolvidos (parcerias com a socie­ ris, 1987.
dade civil e terceirização/franqui-
DE CLOSETS, François (coord.) -
as/cencessões, desde que devida­
I.e Pari de la Responsabilité -
m ente regulam entadas); e Rapport de la Com ission
E fficacité de l ’Etat, La
• in stitu ir, de m aneira efetiva, Docum entation Française, Pa­
práticas de acom panham ento e ris, 1989.
avaliação de p olíticas públicas,
com o forma de resgatar a impor­ GERCIIUNOFF, Pablo (org.) - I m s
tância do planejam ento, imprimir Priva tiza cion es en Argen­
transparência ao processo, respon­ tina (prim era etapa), In s ­
sabilizar os agente envolvidos e au­ titu to T o r c u a to d i T e lia ,
Buenos Aires, 1992.
m en tar a eficiên cia no uso dos
m eios e no atingim ento dos fins. Gov. da França - VEvaluation en
Developpement, La Docum en-
Instituindo tais práticas, o Brasil tation Française, Paris 1994.
poderá rum ar n o sentido de Gov. da França - LEvaluation en
rom per com a penosa tradição de Developpement, La Docum en-
gestão patrim onialista da coisa Docum entation Française, Pa­
pública. ris, 1992.

Em suma, o que importa hoje não é G ov. da F ra n ça - E va lu er les


fugirá responsabilidade pública do P o litiq u e s Publiques,
Comissariat General du Plan,
Estado, por causa da má condução
La Docum entation Française,
das instituições. O mau Estado não
Paris, 1986.
deve ser substituído pelo não-Esta-
do, mas sim pelo bom Estado! HURL, Brian - Privatization and
the Public Sector, Heinemann
Educational, Oxford, 1988.

35
RSP Morcel Bursztyn

NIOCHE, Jean-Pierre e POINSARD, blico pasa a ser el conductor de los


R o b c rt - L ’E valuation des p ro ceso s d e d e sa rro llo ). Ila c e ,
P o litiq u e s Publiques, Ed. además, que el lector reflexione
Economica, Paris, 1984. sobre las funciones y el form ato
d ei E sta d o , c o n s id e r a n d o lo s
RANGEON, F ra n ç o is e t al. - anhelos de la sociedad, nuestro
L ’E v a lu a tio n d an s L’Adm i- legado h istórico, el p ro ceso de
nistration, Ed. PUF, Paris, 1993. p riv a tiz a c ió n y la d im e n s ió n
VERNON, Raym ond (c d .) - La institucional.
Protnesa de la Privatización -
un desafio para la politica ex­
terior de los Estados Unidos,
Abstract
E d. Fondo d e C u ltu ra
TO BE OR TO BE: THAT IS THE
Econôm ica, Mexico, 1992.
QUESTION OF BRAZIUAN STATE
VIVERET, Patrick - I/Evaluation
des Politiques et des Actions The paper analyzes the crisis o f the
Publiques - Rapport au B razilian S ta te p riv ileg in g the
P re m ie r M inistre, La aspects o f the existential crisis (ide­
Docum entation Française, Pa al size o f the State); the logic o f
ris, 1989. grow th o f th e S ta te stru e tu re s
(how and why the m odem State
re a ch e d su ch d im e n s ió n an d
Resum en s h a p e ); th e p u b lic S ta te (as
regulation and regulam entation
a g e n t); th e p riv ate S ta te (th e
SER O NO SER: HEAQUÍ LA p e r s is te n t sy m b io sis b e tw e e n
CUESTIÓN DEL ESTADO public and private dim ensions in
BRASILENO th e a d m in is tra tio n o f p u b lic
a s s e ts ); and th e b ig and
A n aliza la c ris is d e i E stad o p a trim o n ia l S ta te (th e p u b lic
brasileno privilegiando los aspec­ sector tum s out to b e the leader
tos de la crisis existencial (tamano o f the developm ent processes). It
ideal d ei E stad o); la lógica dei also leads the reader to think the
crecim iento de las estrueturas de functions and shape o f the State,
Estado (cóm o y por qué el Estado c o n s id c r in g th e a n x ie tie s o f
m o d e rn o ha lle g a d o a tal society, ourhistorical inheritance,
dim ensón y form ato); el Estado the processofprivatization and the
p ú b lic o (en cu a n to a g en te de institutional dim ensión.
regulación y de reglam entación);
el Estado privado (la persistente
sim biosis en tre las dim ensiones
pública y privada en la gestión de Mareei Bursztyn é professor do
Ia cosa pública); y el Estado gran­ Departamento de Sociologia da
de y patrimonialista (el sector pú­ Universidade de Brasília.

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