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60-MISTÉRIO DO VÍCIO

Já dizia Sêneca (De ira, II, 18): “difficulter reciduntur vitia, quae nobiscum creverunt”, ou seja,
“dificilmente desaparecerão os vícios que cresceram conosco”. Se é assim, então todos, sem
exceção, teriam uma espécie de vício arraigado à sua personalidade, seja nos modos, seja na
fala, ou seja na forma de agir de uma maneira geral? Isto é, ninguém passaria incólume uma
vez que o ato contumaz pode virar vício sem que a pessoa perceba ou assuma que foi dominada
pelas ações repetitivas? Mas, como aparece o vício? Que mecanismos o faz surgir de repente de
forma consciente ou inconscientemente? Influência do meio? Mania incontida?
Ou simplesmente gosto por algo diferente, mesmo que prejudicial? Pode, então, o vício ser
considerado uma doença hereditária ou adquirida? Existem vícios positivos (com rezar sem
parar, por exemplo)? Ou a palavra "vício" é um vocábulo eminentemente negativo, já que
poderia ser fruto de conflitos emocionais, baixa auto-estima, problemas financeiros, dentre
outras mazelas humanas? O que se pode constatar, caso o vício seja adquirido, é que ele aparece
inicialmente por causa do gosto que a pessoa tem por um determinado prazer e este prazer vira
rotina e essa rotina vira obsessão. Advém a doença, a dependência que torna a pessoa uma
escrava de uma ação que começou por gosto. Ninguém se torna viciado por que quer, apesar de
ter agido de acordo com a sua própria vontade. Pelo menos, é o que acontece na maioria das
vezes. No caso da droga, por exemplo, poderia ter havido uma espécie de “pressão íntima para
experimentar algo desconhecido”. O seu efeito, passageiro fica suplantado pelo efeito perene,
que seriam as conseqüências maléficas ao organismo. Outros fatores também podem levar ao
vício, tais como a facilidade de acesso, o estilo de vida quase sempre estressante, o mencionado
prazer de provar aquilo que é proibido, o incentivo dos amigos, uma personalidade fraca, etc.
Há estudos que dizem existir na pessoa uma molécula responsável ao apego excessivo e
incontrolável por determinadas coisas. Trata-se, segundo os pesquisadores, de um receptor
neuronal específico que varia de configuração de acordo com o tipo de vício. Por exemplo, para
o viciado em tabaco, seria responsável a molécula chamada acetilcolina, onde a nicotina se
alojaria, provocando a liberação de dopamina, que provoca a sensação de prazer, alívio e
relaxamento. O fumante, nesse caso, mais fragilizado, passa a depender da nicotina para
produzir essa emoção que lhe faz bem. O mesmo acontece nos outros tipos de vício. Esta seria,
pois, uma das causas que redunda em vício, geralmente incontido e de cura dolorosa, pois pode
ser que a pessoa necessite de outras drogas, menos fortes, que são usadas para suprir o vício
anterior. Segundo outros cientistas, certos distúrbios alimentares provocam vícios de matizes
diferentes. Há os vícios de comer desenfreadamente, a compulsão de evitar alimentos só para
emagrecer a todo custo, enfim, toda mania começa inocentemente e a mente ajudará, ou
prejudicará no processo de dependência. No mais, como dizem os moralistas, “é o antagonismo
maniqueísta do bom e do ruim, do virtuoso e do vicioso que dita as regras do comportamento
social.” Segundo os dicionários, vício seria “um grande defeito ou imperfeição que torna uma
pessoa – ou coisa – imprópria para o fim a que se destina.”. Para a grande parte desses adeptos
da moral e dos bons costumes, vício seria libertinagem, uma desmoralização sem fim.
O homem vicioso, para eles, seria o que se opõe a certos preceitos. Ele não age de acordo com
as regras da sociedade ou age egoisticamente a seu bel-prazer, não se importando com as
conseqüências, sejam elas boas ou más para si e para com todos que o cercam.
Os defensores da virtude apregoam que vício é tudo aquilo que depõe contra o bem-estar social.
Tudo aquilo que atenta contra moral. Será? Nem tanto. Os conceitos podem mudar de acordo
com o tempo. Antigamente, beber café era vício. Hoje, é uma ação comum.
Onde estaria a verdade? No ponto de vista? Os resultados do ato é que dirão se o vício é virtude,
ou vice-versa.

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