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Robert Boyer

Teoria do regularão
Os (ndJitniis

Tradução
Paulo C ohen

hio<eo .'b«'d3ie
SUMÁRIO

Analisar a especificidade dos problemas


contemporâneos do Brasil: potencialidades
da abordagem regulacionista
lhefácio d edição brasileira 11
Introdução 19
Filiação marxista 20
As sete questões da teoria da regulação 21
Apresentação sintética 22

I Base de um a eco n o m ia capitalista:


as form as institucionais 27
Retorno à economia política 28
D e Thomas Hobbes a A dam Sm ith 28
O principio do individualismo contra o otimismo
do mercado 31
Instituições ocultas de uma economia de mercado 32
Regime monetário, primeira instituição básica 33
O mercado é uma construção soaal 35
Diversidade das formas de concorrência 38
D a procura de trabalho á relação salarial • 41
D o produtor à empresa concebida
como organização 44
A questão central da teoria da regulação 46
Relações Estado/economia 48
A escolha do regime monetário è política 49
N ão há concorrência x m intervenção pública 49

7
Relação salarial e cidadania 51
O listado sujeito a lógicas contraditórias 52
&t<i<ío->u!{úo ímrndo mi mmoroiíi tnfmwnmal 52
Conclusão: Cinco formas institucionais 54

2. Das leis de ferro d o capitalism o à variedade


dos m odos de regulação 55
Rclcitura crítica cia ortodoxia marxista 55
lisjteciftcar a fa m a das relações sociais 56
Mudança nas próprias relações sociais 57
N ão há di»ámir«i fXfrpríonaí do modo de
produção capitalista 58
listado, o vetor dos compromissos institucionalizados
e não somente agente do capital 59
A s crises se sucedem, mas não se parecem 61
Elaborar conceitos intermediários:
as formas institucionais 63
Regulação a priori problemática 65
Como iicafetim smjjmdo os modos de ngiditpto? 67
Modos de regulação comparados em escala secular 70
Regulação a maneira antiga: até o final do século X VIII 70
Regulação da concorrência típica do século X I X 71
O período longo da mudança: período entre-guenas 11
Regulação monopolista: os trinta gloriosos anos 73
Modos de regulação contemporâneos 74
Acirramento da concorrência, inclusive internacional 74
( h» modo de regulação dominado
pela terceirização? 75
U m modo de regulação financeirízado? 76
Conclusão: equilíbrio, desequilíbrio... regulação 76

3. R egim es dc acum ulação e dinâm ica histórica 79


Dos esquemas dc reprodução aos regimes
de acumulação 79
Origem e significação 80
Sequência de regimes de acumulação 82

8
Caracterizar os modos de desenvolvimento 82
Acumulação extensiva com regulação
de concorrência 82
Acumulação intensiva sem consumo de massa 84
Acumulação intcnsiw mm mnsHmt» de massa 85
Acumulação extensiva com aprofundamento das
desigualdades 87
fxmualizar o fordismo para estudar sua
viabilidade e as crises 90
lincadeameutos-ehave 90
liquações de base 91
Três condiçòes de viabilidade 94
Tontos de crise 96
Modelo geral com vários regimes 98
Krtmr<>dn2 ir os fatores de concorrência 98
Multiplicidade dc regimes de produtividade e de procura 99
R etom o d periodização 101
Conclusão: o fordismo, conceito importante
mas nào exclusivo 103

4. Teoria das crises 105


Dialética crescimento/crise 105
Concepção geral 106
G ama completa de crises 107
Quadro de leitura da história das crises 109
Esgotamento endógeno do modo de desenvolvimento 112
Crise do fordismo 112
Endometabolismo; formalização 114
foopriedade geral 116
A acumulação tende a exceder o espaço da regulação ’ 119
Desde as origens do capitalismo 119
Fordismo desesiabilizado pela internacionalização 120
Teonomias dependentes: a crise dos modos de
desenvolvimento puxados pelas exportações 122
Liberalização financeira, fator de desestabilização
dos regimes de acumulação 124

9
Contornos de Mm regime de acumulação
alaiwncado pela finança
( >m regime que pode ser viável, mas, no futuro,
castigado por instabilidades
A finança, fator de propagação das crises
Incoerência do regime de acumulação, algum tempo
dissimulada pela plasticidade da finança globalizada
Conclusão: recorrência das crises, mudança
das suas formas

C onclusão
Anomalias em busca de explicações
I>o bom uso do conceito de “capitalismo”
Paradoxo da origem das instituições econômicas
Macroeconomia institucional e histórica
O economista, um Sísifo moderno

C ronologia: origens e etapas da teoria da regulação

Referências bibliográficas

10
126

128
A n a l is a r a e s p e c if i c i d a d e d o s p r o b l e m a s
131
CONTEMPORÂNEOS DO BRASIL! POTENCIALIDADES
133
DA ABORDAGEM REGULACIONISTA
136 Prefácio à edição brasileira

139
139
140 A publicação n o Brasil desta o b ra, editada c m (rances e m
140 2004, vem m u ito a p ropósito c m u m c o n te x to internacional
141 novo, e m um a conjuntura intelectual sem precedentes em um
142
m o m e n to b e m p articular da história eco n ô m ica brasileira.
E fetivam ente, a fase da globalização puxada pelas finanças
acaba de registrar um a ru p tu ra b ru tal, o equivalente d e um a
crise cardíaca. O consenso c m to rn o da m etodologia e das
conclusões da teo ria-p ad rão m ostrou seus lim ites face a sua
incapacidade de antecipar a natureza e a violência da crise
financeira nascida nos Estados U n idos. Enfim , e sobretudo,
entre as econom ias ditas em ergentes neste fim de 2009, o
Brasil é visto co m o u m dos países m ais prom issores, a p o n to
de suscitar um fluxo de capitais que p o d e tan to consolidar o
novo m o d o de desenvolvim ento em erg en te q u an to deses-
tabilizá-lo se esse pais vier a ser atin g id o p o r um a fase aguda
de especulação que a q ualquer m o m e n to p ode bruscam ente
se interrom per.
Devem os considerar a presente obra com o um a macroeco­
nomia institucional e histórica que insiste tan to na diversidade
dos capitalism os e dos m odos de desenvolvim ento q u an to
na sucessão de crises, sem pre renovadas, m as das quais as
form as precisas m udam n o tem po e n o espaço. Esta teoria foi

11
In t r o d u ç ã o

A m aioria das teorias econôm icas contem porâneas concen-


tra-se nos problemas relacionados à economia de mercado. O u
nos vangloriamos de suas virtudes insubstituíveis, com o pre­
coniza a Escola de Chicago, a exem plo de M ilton Friedm an,
ou propom os corrigir suas falhas segundo os preceitos do n eo -
keynesianismo, d o qual um em inente representante é Joseph
Stiglitz. Para essas duas vertentes de pesquisa, o m ercado é a
form a canônica d e coordenação econôm ica e n tre agentes
considerados iguais. E videntem ente, co m o na tradição key-
nesiana, o Estado pode c o rrig ir as lim itações d o m ercado, mas
sua intervenção é apenas um a solução à qual recorrem os na
falta de algo m elh o r com relação ao ideal de um m ercado de
concorrência perfeita.
R eferir-se ao capitalismo implica distinguir esse m odo de
produção de um a econom ia de pequena produção m ercantil,
para retom ar os term os de Karl M arx. O fato de indivíduos
comerciantes estabelecerem um a concorrência entre si não basta
para caracterizar o capitalismo. N a realidade, as entidades básicas
do capitalismo são as empresas, isto é, entidades que estabelecem
um a relação social bem diferente, um a relação d e'p rodução
em virtude da qual os empregados, p o r m eio do pagam ento
de um salário, subm etem -se à autoridade d o em presário e /o u
de gerentes, aos quais é delegada a gestão. Essa relação social
não se reduz a um a relação m ercantil pura, já que envolve um a
submissão hierárquica, em desacordo com a horizontalidade
que damos ao funcionam ento de um m ercado típico.

19
TEORIA DA REGULAÇÃO

A particularidade é reconhecida pelas novas teorias nii-


crocconôm icas, q ue evidenciam as assimetrias de informação,
a seleção adversa e a álea m oral que caracterizam o contrato de
trabalho. Porém essa área de análise não representa um retorno
à definição das evoluções m acroecôm icas a m édio e longo
prazo. O interesse da noção de capitalismo é salientar com o a
interação da relação de concorrência c da relação de produção
assalariada aciona um a inversão de perspectivas com relação a
um a econom ia som ente m ercantil. O objetivo da pequena
produção m ercantil é a satisfação das necessidades por m eio
da produção de mercadorias e da circulação delas graças â in­
term ediação da moeda. N o capitalismo, é a lei da acumulação
do capital que prevalece; a produção de mercadorias é apenas
a fase transitória de um circuito do capital com o “valor que se
valoriza” ,p ara retom ar a expressão de Marx.

Filiação marxista

A teoria da regulação inscreve-se nessa tradição teórica, mas pre­


tende m elhorar e estender as análises de O Capital, tan to à
luz dos métodos modernos d o econom ista quanto dos ensina­
m entos tirados das transformações do capitalismo desde o tim do
século XIX.
D e fato, a lei da queda tendencial do lucro — na verdade
em oposição a muitas contratendências — não é logicam ente
resultado das teorias de M arx. A noção de regim e de acumula­
ção e suas diversas formalizações resultam em uma diversidade
de evolução dos lucros com patíveis com os incitam entos e
obstáculos que o capitalismo propaga.
O u tra fo n te de inspiração é a frequentação da longa
história d o capitalism o. Em prim eiro lugar, ela nos m ostra
mudanças im portantes nas relações entre o com erciante, o
produtor, o banqueiro, o financista, sem esquecer do Estado.

20
INTRODUÇÃO

lí difícil im aginar um a teorização que não leve em conta tais


ti.insformações. Em segundo lugar, o século X X trouxe grandes
ensinam entos e interrogações. C o m o explicar o caráter atípico
da crise de 1929? A contrario, com o se pode narrar o notável
crescim ento observado após a Segunda G uerra M undial? Por
que esse processo virtuoso se refreia e entra em crise a partir do
fmal dos anos 1960? Por fim, a grande diversidade das trajetórias
acompanhadas desde então nos Estados U nidos, na Europa, no
Japão c mais recenteinente na C hina nos leva a deslocar a análise
de um m odo de produção invariante à tentativa de interpre­
tação da variedade das formas contem porâneas de capitalismo.

As sete questões da teoria da regulação

C om relação à questão inicial acerca das origens do rcfreamcnto


do crescim ento dos trinta anos gloriosos |d e 1945 a 1973, do
fim da Segunda G uerra ao choque d o petróleo (N .E .)|, a teo­
ria da regulação estendeu progressivamente seu dom ínio de
análise a partir de um a dupla influência. Por um lado, o próprio
desenvolvimento das noções de base e dos m étodos fez nascerem
novas questões e dificuldades. Por exemplo, pode-se formalizar
simultaneamente um regime de crescimento c sua desestabitiza-
çâo? Quais sao os instrum entos capazes de apreender os fatores
que explicam o surgim ento de novas formas de capitalismo?
Por outro lado, a história económica efinanceira do últim o quarto
de século nao deixou de fornecer um quinhão de surpresas.
A derrocada das econom ias de tipo soviético c o recru-
descim ento das crises financeiras fizeram surgir uma questão
que parecia respondida: “O que é capitalismo?” M uitos ato­
res se indagaram sobre o tem a dos m éritos e das fragilidades
do capitalismo, de financistas internacionais (Soros, 1998J e
grandes em presários franceses [Bcbéar, 200 3 1 a especialistas
financeiros [Rajan, Zingales, 2003], Alguns economistas, com o

21
TEORIA DA REGULAÇÃO

Joseph StigUtz, lançam um olhar crítico sobre o im pacto da


globalização. Stigütz (2002,2003] foi levado a se indagar sobre
a convergência dos capitalismos. Tais indagações vêm se ju n tar
às questões centrais da teoria da regulação:
1. Q uais são as instituições básicas, necessárias e sufi­
cientes para o estabelecim ento de um a econom ia capitalista?
2. Em quais condições um a configuração dessas insti­
tuições cria um processo de ajuste econôm ico dotado de certa
estabilidade dinâmica?
3. C o m o explicar que crises se renovem periodicam ente
no próprio âmago de regimes de crescim ento que anterior­
m ente tinham encontrado sucesso?
4. Sob o impacto de quais forças as instituições d o capi­
talismo se transform am : pela seleção, pela eficiência, com o
pressupõe a m aior parte das teorias econômicas, ou p o r obra
do papel determ inante da esfera política?
5. Por que as crises do capitalismo se sucedem sem, entre­
tanto, ser a repetição idêntica das mesmas sucessões de eventos?
6. 1)ispomos de instrumentos capazes de examinar a via­
bilidade e a verossimilhança de diferentes formas de capitalismo?
7. Podem os analisar sim ultaneam ente um m odo de re­
gulação c suas formas de crise?

Apresentação sintética

Esses sào, portanto, os temas que este livro aborda. Em prim eiro
lugar,apresentamos duas derivações distintas das formas institu­
cionais básicas dos m odos de regulação. A prim eira inscreve-se
na linha-mestra da tradição, que parte da econom ia política para
culm inar nas teorias do equilíbrio geral. Seu intuito é tornar
claras as instituições ocultas de um a econom ia de m ercado (Ca­
pítulo 1). A segunda derivação parte de uma avaliação crítica
da herança marxista em m atéria de esquema de reprodução.

22
in t r o d u ç Ao

Q u adro 1. 0 que a teoria oa regulação n ã o t . S obre alguns


MAL-ENTENDIDOS

Um aviso liminar é importante para evitar um mal-entendido que se


tornou muito frequente à medida que os economistas adotaram sem
precaução as terminologias anglo-saxônicas. De fato, na literatura inter­
nacional, a teoria da regulação diz respeito atualmente às modalidades
segundo as quais o Estado delega a gestio de serviços públicos e coletivos
a empresas privadas com a premissa de instituir agências administrati­
vas independentes, chamadas de agências reguladoras. Na realidade,
essas agências multiplicaram-se na França, quer se trate, por exemplo,
do Conselho Nacional do Audiovisual, das autoridades reguladoras dos
serviços de telecom unicações ou ainda da autoridade reguladora
dos mercados financeiros.

O contrassenso chega ao cúmulo quando uma análise d o capitalismo


centrada na questão "C om o com prom issos institucionalizados, o priori
independentes uns dos outros, acabam definindo um sistema viável?"
se confunde com um a recomendação normativa sobre delegação de
prerrogativa de poder público por m eio da edição de regulamentações
e negociação d e contratos. Eis a origem da confusão já que, na lingua
inglesa, regulation significa "regulamentação”.

Tal mal-entendido vem de uma longa linhagem. Na França, a regulação


foi muitas vezes interpretada com o resultado da ação do Estado, o
poder concedente e organizador, em resumo, o planejador. Entretanto,
o s trabalhos regulatórios m ostraram que, m esm o à época d o s trinta
anos gloriosos, as políticas econômicas de inspiração keynesiana eram
apenas um dos com ponentes dos m odos de regulação vigentes. Para­
lelamente, as políticas de desregulação — na realidade, em francês,
chamadas de desregulamentação — foram interpretadas com o políticas
que tornam possível o advento dos mercados de concorrência perfeita.

Há uma última confusão que devem os abordar. 0 m odelo de cresci­


m ento d o pós-guerra centrava-se sobrem aneira em com prom issos
inerentes a cada Estado-nação, num contexto internacional permissivo.
Essa é a razão pela qual várias pesquisas concentraram-se no espaço
nacional. Quando a internacionalização e a financeirização passaram a
exercer sua influência, a teoria da regulação, contudo, não perdeu rele­
vância. Na realidade, ela deixa em aberto a escolha do nível apropriado
de análise: local, regional, nacional, mundial. A construção europeia
constitui, nesse sentido, um notável campo de desenvolvimento da teoria.

23
r i ’ORIA DA RRCUIAÇÀO

É então possível definir um modo de regulação como resultado da


conjunção de certo núm ero de formas institucionais. Trata-se
de insistir sobre o caráter aberto da existência ou não de um
m odo de regulação, o que estabelece a noção de crise com o
com plem entar à noção de regulação. Além disso, a análise
histórica nos m ostra um a sucessão de m odos de regulação
distintos (Capítulo 2).
N o entanto, as formas institucionais não condicionam
apenas os ajustes de curta ou m édia duração, elas form am
tam bém as condições de acumulação e, consequentem ente, os
regimes de crescim ento de longo prazo. N a realidade, as insti­
tuições não são simples fricções com relação a u m equilíbrio
de longa duração determ inado som ente pelas preferências dos
consumidores, confrontados pelas potencialidades que as tec­
nologias oferecem. Mais um a vez, a análise histórica de longa
duração evidencia a m ultiplicidade dos regimes de acumulação
(Capítulo 3).
Ainda que a maior parte das teorias econômicas dão pouco
ou nenhum espaço à noção de crise, a particularidade da teoria
da regulação é exam inar sim ultaneam ente as propriedades de
um m odo de regulação e os fatores endógenos de sua deses-
tabilizaçào. Ademais, as crises apresentam pelo m enos cinco
aspectos que é im portante distinguir. E possível explicitar um
pequeno núm ero de mecanismos que dão origem às crises dos
m odos de regulação ou dos regimes de acumulação. Trata-se
de exam inar a viabilidade de algum regim es contem porâneos
em ergentes (C apítulo 4).
Em prim eiro lugar, já que as grandes crises manifestam
uma ruptura dos determ inism os econôm icos anteriores, outros
determ inantes, sobretudo políticos, parecem fundamentais para
que se coloquem em m ovim ento os comprom issos institucio­
nais a partir dos quais se pode evem ualm entc construir um
novo m odo de regulação. Instrum entos de análise inteiram ente
diversos, portanto, devem ser mobilizados para apreender os

24
INTRODUÇÃO

fatores que condicionam o surgim ento de novos m odos de


regulação. Em segundo lugar, a internacionalização, muitas
vezes chamada de globalização, não implica um a convergên­
cia para um a form a canônica de capitalismo, dom inada pelos
mercado$.Trata-se tam bém de m encionar a questão dos níveis
de regulação, que se escalonam d o local ao m undial, passando
pelas zonas de integração regional.

25
1
B a se d e u m a e c o n o m i a c a p it a l ist a :

AS FORMAS INSTITUCIONAIS

É uni bom m étodo nos indagarmos, em prim eiro lugar, sobre


as instituições básicas de uma econom ia capitalista. O corre que
as várias pesquisas institucionais contem porâneas propuseram
uma grande variedade dessas instituições: normas, valores, con­
venções, regras jurídicas, organizações, redes, Estado, etc. São
noções que se acumulam sem que se lhes percebam os traços
com uns, apenas o fato de constituírem mecanismos de coor­
denação alternativos ao mercado. E possível então encontrar
bases mais sólidas para um a econom ia institucional?
E o caso de buscarm os responder a um a questão funda­
m ental que se encontra não só na econom ia, mas tam bém na
m aioria das ciências sociais: p o r q ue a com petição entre indi­
víduos autônom os, preocupados som ente com seus interesses,
não leva ao caos? E a mesma questão que a teoria do equilíbrio
geral buscou responder. D eduz-se daí que a viabilidade de uma
econom ia de m ercado não depende som ente de condições de
análise bem particulares (ausência de cxternabilidades.de bens
públicos, separabilidade da eficiência econôm ica com relação
aos julgam entos em term os de equidade, etc.), mas tam bém
da existência de instituições reconhecidas que lidam* com o
regim e m onetário, a qualidade dos bens e a organização da
concorrência. Se reintroduzirm os progressivamente esses com ­
ponentes, ficaremos surpresos ao encontrarm os a m aioria das
form as institucionais que se encontram no âm ago da teoria
da regulação.

27
TEORIA DA REGULAÇÃO

Retorno à economia política

A econom ia surge com o disciplina ao cabo de um processo


multissecular durante o qual a atividade econôm ica torna-se
progressivamente autônom a com relação ao âm bito político e
às relações sociais herdadas da tradição feudal. Surge então a
figura de agentes individualistas que defendem seus próprios
interesses, o que nos leva a uma nova questão, que se encontra
no cerne da m odernidade e alicerçam, nesse sentido, as ciên­
cias sociais: com o não tem er que a com petição e os conflitos
associados à busca apenas do próprio interesse individual não
resultem na desordem , no caos, na anarquia?
T anto a filosofia política q u anto a econom ia política
constroem -se a partir da tentativa de fornecer uma resposta a
essa questão, que continua implícita ou explícita na m aioria
das pesquisas contem porâneas (cf. Figura 1).
Desde os prim órdios, entretanto, os pensadores têm duas
respostas bem divergentes.

D e Thomas Hobbes a Adam Smith

Para Thom as H obbes, a violência de todos contra todos é conse­


quência direta da com petição entre indivíduos. Só a delegação
da autoridade a um soberano é capaz de pacificar a sociedade.
Assim, o surgim ento de um Estado que garanta a ordem seria
a prim eira condição de um a determ inada sociedade e, conse­
quentem ente, de unia econom ia composta por indivíduos livres
para ir ao encontro de seus interesses.
A resposta de Adam Sm ith é bem diferente, pois ele m en­
ciona um a propriedade natural do hom em para trocar, com prar
e vender. A partir do m om ento em que a divisão do trabalho
se acentua, e co m a condição de q u e a ordem m onetária
seja garantida, o mercado tem a propriedade de possibilitar o

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Por que a competição e o conflito entre os indivíduos
autónomos não levam ao caos?

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BASE DE UMA ECONOMIA CAPITALISTA

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James M . Buchanan Friedrich von Hayek Jean-Pascal Bénassy Kenneth Arrow-Frank Hahn

29
TEORIA DA RECUIAÇÀO

Q u adro 2 .0 que t in d iv id u a l is m o m eto do ló g ico ?

Designa-se assim a estratégia de pesquisa em ciências sociais que visa


a explicar o s fenôm enos econômicos e sociais a partir das ações dos
indivíduos. Nas teorias contemporâneas, o procedimento do individua­
lismo metodológico dá ao agente o princípio de ação racional e procura
evidenciar os resultados agregados com o propriedade emergente das
interações entre esses agentes. Ela lança m ão de m odelos entendidos
como simplificação formal e abstração, propondo-se assim a criar todas
as entidades coletivas a partir dessas interações individuais. 0 proce­
dimento está especialmente presente na economia, m as estendeu-se
também para a sociologia, as ciências políticas e até a abordagem
histórica. Segundo essa concepção, instituições, convenções, regras e
rotinas são com o o equilíbrio de um jogo de agentes desprovidos de
qualquer Identidade social. M a s isso é esquecer que todo jogo se dá
segundo regras aceitas pelos jogadores, portanto, que está aberto ao
coletivo Implícito considerado já presente, a começar pela linguagem
graças à qual o s jogadores se comunicam.

é o que, inclusive, reconhecem algumas pesquisas cuja tarefa é explicar


o surgimento de instituições a partir do fundamento de algumas regras
[Aoki, 2006], de acordo com um procedimento que pode ser reiterado
em diversos níveis.

Encontramos, portanto, uma concepção hol-individuolista. Designa-se


assim uma estratégia de pesquisa que visa a articular o s níveis micro
e macro, libertando-se tanto d o hotism o padrão, que consiste em
tratar o m acro com o resultado d o equivalente de um a ação indivi­
dual, quanto do individualismo m etodológico puro, que recusa toda
referência a o coletivo e a o social. "A articulação torna-se uma articu­
lação entre o nível macroinstitucional, em q ue a s ações individuais
produzem instituições, e o nível microinstitucional, em que as ações
individuais operam num contexto institucional dado; o nível macro
torna-se assim o nível d o s atores institucionais cujas ações s l o objeto
das regras, enquanto o nível m icro é o nível d o s atores tout court,
que agem no âm bito das regras dadas* (Defalvard, 2000, p. 16]. Essa
abordagem evita um a regressão a o infinito, por achar um fundam en­
to individualista para todas a s form as de organização coletiva, e qão
confunde o tem po de constituição das instituições com o tem po de
seu impacto sobre as decisões dos agentes n o dia a dia.

30
BASE DE UMA ECONOMIA CAPITALISTA

enriquecim ento dc um a nação, ainda que cada u m não cesse


dc buscar seu próprio interesse.
Assim, desde o princípio, a economia política coloca em
oposição duas interpretações divergentes: ou cabe ao Estado ou
ao mercado garantir a coordenação da concorrência a que se
entregam os indivíduos. Esse debate assume toda sua im portân­
cia quando, ao capitalismo comercial, juntam -se o capitalismo
industrial e, mais tarde, o capitalismo financeiro, para seguirmos
a periodização marxista tradicional. N os dias atuais, a polarização
das posições permanece, mas o avanço das ciências sociais leva a
questionar as soluções simples atribuídas tanto a Thom as Hobbes
quanto a Adam Sntith — visto que o indivíduo smithiano é apenas
um homo crcmomictts, nem que seja por pottar princípios morais.

O princípio do individualismo contra


o otimismo do mercado

As teorias da escolha pública aplicam os princípios d o individualismo


metodológico (çf. Q uadro 2) à esfera política e concluem com
isso, com o afirma James Buchanan, que os políticos e os admi­
nistradores do Estado são incitados a trabalhar em prol do seu
próprio interesse em detrimento de objetivos coletivos pelos quais
deveriam trabalhar. C om o modismo de análises que associam
intervenção do Estado, corrupção e ineficiência econômica, essas
teorias não deixaram de exercer influência sobre as concepções
contemporâneas do capitalismo.
O desaiwlvimento âas teorias do equilíbrio geral leva a desmen­
tir a intuição que se encontra na origem da mão invisível com o
metáfora de uma série de mercados descentralizados. De fato, a
matematização das intuições de Walras permite extrair as condi­
ções segundo as quais um equilíbrio de mercado existe e pode
ser alcançado graças a um procevso de tentativa por erro e acerto
(tâtonnement). Entretanto o fracasso é duplo.

31
TKOR1A DA RlfCUI.AÇÀO

Em prim eiro lugar, quando, além do rigor das formaliza­


ções dos teoremas de ponta fixa, vêm à tona as hipóteses básicas,
percebemos que um sistema de preço que descentralize uma
série de com portam entos individuais só existe desde que toda a
informação seja centralizada por um agente benevolente e que
as transações entre agentes sejam integralm ente realizadas p o r
interm édio dele. Em suma, a teoria do equilíbrio geral form a­
liza um sistema centralizado. Paradoxalmentc, os trabalhos de
Kcnneth Arrow, Frank H ahn e Gérard D ebreu m ostram efeti­
vamente a possibilidade de uma econom ia socialista de m ercado
em que a produção seria coordenada pelo sistema de preços.
Em seguida, mesmo nesse âmbito extremam ente particular,
uma economia apenas convergirá para uni equilíbrio de mercado sc
todos os produtos forem substitutos brutos e /o u se os mercados
forem pouco interdependentes. Mesmo com todas essas condições,
nada garante a satisfação nas economias “ realmcnte existentes".
Desses dois séculos de reflexões sobre as sociedades indi­
vidualistas — e as economias de m ercado — surge um violento
paradoxo. A im plem entação d o princípio d o individualismo
m etodológico não consegue explicar a viabilidade e a resiliên-
cia, observadas na história, ainda que de duração relativamente
cu rta.d e sociedades dominadas pelo capitalismo. Mas esse fra­
casso revela a im portância e a variedade das instituições que,
do p onto de vista lógico, são necessárias para a existência de
um a econom ia de m ercado, a fortiori capitalista. A história
econôm ica atesta a im portância dessas instituições.

Instituições ocultas de uma economia de mercado

Então já que nenhum “leiloeiro" (conintissairc-priseur, ou.ainda


“secretário de m ercado") desem penha o pape) que os teóricos
sucessores deWalras lhe atribuem , quais são as instancias capazes
de garantir um a completa descentralização das trocas?

32
RASH DF. UMA l-CONOMIA CAPITALISTA

Regim e m onetário; primeira instituição básica

I* a m oeda, claramcntc, a instituição básica de um a econom ia


mercantil (cf. Figura 2). Mais precisamente, nas econom ias con-
(cmporáneas, os bancos, organizados em rede, fornecem créditos
às empresas e aos consumidores; essa m oeda torna possíveis as
transações, autorizando, em compensação, o reembolso progres­
sivo do empréstimo ao longo de períodos posteriores. Entretanto,
em cada período, as contas entre agentes c suas totalizaçòes par­
ciais por interm édio dos bancos não sao equilibradas, de maneira
que, para ajustar os déficits e os excedentes dos diferentes bancos,
e possível criar um m ercado de refinanciam ento interbancário.
Ele é eficaz desde que nenhum choque venha castigar os bancos,
secando, ao m esm o tem po, a liquidez do mercado.
Pode-se então pensar em criar um seguro privado exa­
tam ente para fornecer aos bancos em dificuldade a liquidez
necessária. Se esse m ecanism o se revelar eficaz para bloquear
um pânico bancário isolado, ele não terá a envergadura para
travar o advento de um a crise sistémica ligada à sincroni­
zação dos maus resultados dos bancos. Nesse co n tex to , o
p rin cíp io de haver em últim a instância um banco central
desem penhando o papel de eniprestador acabou se im pondo
na história —- já que um a parte da emissão m onetária diz
respeito tradicionalm cntc a operações de refinanciam ento
envolvendo obrigações públicas.
A análise das condições de estabilidade financeira, assim
com o a história m onetária, mostra um a organização hierarqui­
zada em que os bancos em item moedas de crédito enquanto
um Banco Central encarrega-se da emissão da moeda legai Nesse
sistema, o banqueiro central é finalm ente o equivalente do
leiloeiro, pois totaliza os desequilíbrios que surgem no âmbito
da econom ia inteira.

33
TEORIA DA REGULAÇÃO

34
BASE DE UMA ECONOMIA CAPITALISTA

Será conveniente cham ar de regime monetário o conjunto


de regras que orientam a gestão do sistema de pagamentos e
i réditos. O uso do term o “ regim e” pressupõe que haja várias
expressões da exigência m onetária e da resolução dos dese­
quilíbrios d o circuito de pagam entos: falência dos bancos
deficitários, criação de um a câm ara de com pensação entre
os bancos comerciais o u ainda política de com pra dos títulos
públicos pelo Banco Central para alimentar a liquidez bancária.
Assim, os entes mercantis só podem operar quando a ins­
tituição m onetária estiver criada e legitimada, em oposição à
ficção, que desejaria que ela surgisse das dificuldades que esses
entes sentem em com prar e vender p o r m eio das operações de
perm uta [Aglietta e O rléan, 1998). A m oeda, portanto, surge
na ordem económ ica com o o equivalente da linguagem. Mas
não é suficiente para q ue seja criada a m oeda com o instituição,
para que o interesse dos indivíduos os leve a recorrer ao m er­
cado tal qual o formalizam a teoria walrasiana e, em seguida,
as análises neoclássicas.

O mercado é uma construção social

A moeda possibilita a descentralização das trocas, de m odo que a


transação elementar tem como objeto o movimento de uma m er­
cadoria em troca de moeda, o que elimina o problema da dupla
coincidência das necessidades que a troca pressupõe. Se a priori as
trocas dizem respeito a uma grande variedade de produtos e de
qualidades, num dado período e num lugar bem determinado, a
conjunção dessas trocas bilaterais não é, pois, governada pelo sur­
gimento de um preço único. De fato, vai ser preciso ainda que nao
haja nenhuma ambiguidade a respeito da qualidade, que as trocas
sejam centralizadas e que todos os mercados sejam, por fim, abertos.
Tanto a história da formação dos mercados [Braudel, 1979]
quanto a m acroeconom ia m oderna fundada nas assimetrias de

35
TEORIA PA REGULAÇÀO

inform ação [Stiglitz, 1987] m ostram as condições nas quais $ç


tem um preço único n o mercado.

P re lin iin a rm e n te : defin ição d a q u a lid a d e — Está claro


que os fornecedores geralmentc tem um a informação melhor sobre
a qualidade dos seus produtos que os potenciais compradores.
Em alguns casos, n o m ercado de carros usados, p o r exemplo,
pode haver uma apreciação imperfeita, p o r mera estatística da
qualidade, que im peça até a abertura do mercado: os que ofe­
recem só colocarão ã venda os produtos de qualidade inferior,
que nâo encontram compradores (Akerlof, 1984]. N o que diz
respeito ao trabalho, as representações que as empresas elaboram
das competências podem introduzir um a discriminação dura­
doura entre indivíduos n o entanto dotados ex ante das mesmas
características [Spence, I973|.
Portanto, a definição prévia da qualidade é um a condição
necessária para a form ação de u m preço n o m ercado. Caso
contrário, com preços indiscrim inados, as m ercadorias ruins
expulsarão as boas segundo o equivalente da lei de Gresham
relativamente às moedas. Num erosos dispositivos institucionais
podem cum prir essa função. N a Idade M édia, por exemplo, os
artesãos se reuniam em guildas a fim de garantir a qualidade
dos produtos que vendiam e de evitar o colapso do m ercado
em decorrência de um a deterioração da qualidade. N o m undo
contem porâneo, agências independentes podem em itir certifi­
cações dequalidade, e firmas constroem um a reputação graças
ao fornecim ento regular de bens de alta e duradoura qualidade.
N o caso do mercado de carros usados ou com relação aos bens
duráveis, a concessão de uma garantia por um período relativa­
m ente longo é um indicador da qualidade do produto. Muitas sao
as definições diferentes da qualidade que resultam de convenções
[Eymard-Duvernay, 1989]. N o entanto, nos países onde as normas
de qualidade não podem ser implementadas, os mercados podem
não existir ou ter uma dimensão m uito reduzida, a ponto de essa

36
BASE DE UMA ECONOM IA CAPITALISTA

lacuna institucional ter sido aventada com o um dos obstáculos


ao desenvolvim ento [Akerlof, 1984).

E sp ecificar as in te ra ç õ e s e stra té g ic a s e n tre o s ato re s


— U m a segunda condição diz respeito à agregação da oferta e
da procura de tal m odo que possa lim itar o im pacto do poder
de negociação bilateral entre aquele que oferece e aquele que
procura. N ovam ente, diversos dispositivos institucionais são
possíveis. N a Idade M édia aconteciam periodicam ente feiras cm
lugares precisos, e o equivalente das autoridades contem porâneas
de regulação dos m ercados garantia que todas as transações se
dessem à vista do público para evitar que um vendedor ou
com prador utilizasse seu poder de negociação e sua informação
em beneficio próprio. C om relação a alguns produtos agrícolas,
mercados de quadrantes |com lances decrescentes; marchés au
cadran (N .E .)],por exem plo,operam por m eio de um a centrali­
zação anônim a da oferta e da procura m ediante um sistema de
informação que isola as ofertas dos compradores [Garcia, 1986|.
Os títulos do Tesouro dos Estados U nidos são objeto de uma
cotação eletrônica que possibilita confrontar perm anentem ente
a oferta com uma somatória de compradores. A informatização
dos mercados das bolsas e das transações das ordens de compra
e venda via internet ilustra essa necessidade de centralização
a fim de que prevaleça o equivalente da lei do preço único.
A existência de fiadores de m ercado que garantam a liquidez
tam bém é im portante. Por fim, se as modalidades de interação
entre oferta e procura forem alteradas, o preço do m ercado
mudará em proporções às vezes consideráveis [Garcia, Í986].
Essa é a razão pela qual o mercado é uma instituição que
pressupõe um acordo referente à qualidade, à organização das trocas,
às condições de acesso c ao m odo de pagamento das transações.
É, portanto, unia construção social, não o resultado de um estado
da natureza, espontaneamente criado pelo habitus que as teorias
outorgam ao homo economicus.

37
TEORIA DA REGULAÇÃO

Diversidade das formas de concorrência

Essa apresentação do mercado leva a duvidar que a concorrência


perfeita possa ser considerada, cm toda sua generalidade, com o o
aferidor e a ponta de referência. Efetivamente, nessa configuração,
ainda que cada um participe da formação do preço, o preço de
equilíbrio iinpòe-se a todos |(iuerricn, 1996]. E o caso de supor
que, para o mercado considerado— porém não mais no âmbito da
economia inteira — , exista um leiloeiro e a partir de sua conduta
seja feita a troca de informações que, por sua vez, vai dar no preço
de equilíbrio. Interpõem -se então somente as transações entre
agentes coordenadas pelo leiloeiro. C om exceção dos procedi­
mentos de leilão, que por sinal se apresentam sob diversas formas,
a m aior parte das transações não segue esse modelo.
De fato, cabe aos agentes fixar os preços, com o risco de que
se instaure um processo de dedução por intuição e experiência,
pois, a priori, ninguém conhece o preço de equilíbrio que um
teórico exterior possa calcular ex post se, extraordinariamente, ele
dispusesse do conjunto das informações necessárias. Por conse­
quência, estabelecem-se com portam entos estratégicos, pois o
número de agentes no mercado é limitado. Podemos imaginar
por exemplo que um grupo de compradores reúna suas compras
diante de uma série de vendedores cujos comportam entos sao
independentes ou, inversamente, que os produtores estejam de
acordo com a fixação do preço. Existe, porém , toda unia serie
de configurações intermediárias, por exemplo, quando um dos
vendedores tem a capacidade de fixar q preço ao qual sc adaptam
os demais concorrentes. A economia industrial, assim com o toda
a atualidade econômica cotidiana, sugere que a concorrência dita
imperfeita é a regra, e a concorrência perfeita, a exceção.
Vamos cham ar deform a de concorrência o processo de for­
m ação dos preços que corresponde a um a configuração-tipo

38
MASti DE UMA ECONOMIA CAPITALISTA

d.is relações entre os atores do mercado. N a realidade, se distin­


guirm os a concorrência na produção de bens padronizados
proveniente de preço de um a estratégia de diferenciação pela
qualidade, as formas sâo ainda mais variadas que as que acabamos
de m encionar — ou se as barreiras de entrada forem elevadas.
A teoria da regulação evidencia pelo m enos três grandes regi­
mes de concorrência.
U m regime de concorrência prevaleceu ao longo do século XIX.
Difere-se da concorrência perfeita p o r ser um processo per­
m anente de ajuste q u e nunca converge para um preço de
equilíbrio de longo prazo.
Em seguida, após a Segunda G uerra M undial, tem os um
regime monopolista, pelo m enos no que diz respeito aos bens
industriais, tao logo se concretizou a concentração da produção
e do capital, gerando um m ecanism o de form ação dc preços
im eiram ente diferente. Estabclccc-sc então, aplicada ao custo
u n itário de produção, um a taxa de m argem calculada para
garantir um a rentabilidade média d o capital na totalidade do
ciclo. C o m o o preço não é mais a variável de ajuste, acionam -
-se m ecanism os de racionam ento da procura pela oferta, e
vice-versa. A teoria do desequilíbrio (çf. Q uadro 3) mostrou
antecipadam ente as consequências m acroeconôm icas do fato
de que os preços podiam , de m aneira sustentável, distanciar-se
dos preços walrasianos, fazendo surgir, de acordo com o caso,
um desem prego clássico (o salário real é m uito alto) ou um
desem prego keynesiano, se a procura efetiva for insuficiente.
O u ainda um estado de inflação reprim ida quando prevalecer
um excesso de procura de bem e de trabalho [Bénassy,-1984|.
A terceira configuração é um regim e de concorrência admi­
nistrada. E, p o r exemplo, o caso à época do pós-guerra, quando
o volum e da escassez e um quase pleno-em prego introduzem
tensões inflacionárias em decorrência das interações p reço /
salário/preço. Nesse co n tex to , era frequente o Estado, no
caso o m inistro da Fazenda, im plem entar um procedim ento

39
TEORIA DA KECUIAÇAO

Q u ao ro 3. Con tribu içõ es i lim itaçõ es d a teo ria d o


DESEQ UILÍBRIO

N o início d o s a n o s 1970, prevalecia um a com pleta dicotom ia entre


a teoria m icroeconôm ica, interessada unicam ente n o sinal d o s pre­
ço s relativos, e a teoria m acroeconôm ica keynesiana, baseada n o
papel da procura efetiva. A im portância d a teoria d o desequilíbrio
(Bénassy, 1884] é introduzir m odelos de equilíbrio geral a preços
fixos, fazendo surgir a possibilidade de um a variedade de regimes,
tã o lo go a e c o n o m ia se d ista n c ia sse d o e sq u e m a w alrasiano.
O desem prego keynesiano explica-se então com o a consequência de
um racionam ento que, por sua vez, é resultado de um a contingência
quantitativa {venda ruim para as em presas, desem prego para os
assalariados), em razão de um salário real inferior à produtividade
e de um a política m onetária e orçam entária restritiva. Apresentada
com o fundam ento m icroeconôm ico da m acroeconom ia, a teoria
d o desequilíbrio foi criticada com o postulado da rigidez dos preços.
Tal hipótese era bastante problem ática num a época de desregula-
m entação e de volta vigorosa da m acroeconom ia clássica [Lucas,
1984]. Entretanto essa rigidez pode estar ligada, evidentem ente,
à existência de um a fiscalização adm inistrativa d o s preços, m as
também à concorrência oligopolistica: periodicamente, a s em presas
têm de anunciar um preço em razão da antecipação da procura, por
natureza incerta. Na concorrência imperfeita, p o d e m o s encontrar
efeitos aparentemente keynesianos, ainda que John M ayn ard Keynes
nunca tenha apelado para a concorrência imperfeita c o m o origem
d o d e sem p rego involuntário.

N o âm bito da teoria da regulação, salário, preço e taxa d e juros


sã o resultado da configuração respectiva da relação salarial, das
form as de concorrência e d o regim e m onetário. S e levarm os em
conta o im p acto d e s s a s regras, p o d e m o s im a gin a r p o r q u e o s
preços s ó raram ente convergem para o valor q u e lhes atribuiria
um teórico n um m o d elo de equilíbrio geral. É um a p en a q u e um a
com binação entre a teoria d o desequilíbrio e a teoria da regulação
não tenha ocorrido, a despeito d e um inicio p ro m isso r {Bénassy,
Boyer e Gelpi, 1979].

40
BASE Dl"; LMA ECONOMIA Í-APITAUSTA

de form ação dos preços lim itando a am plitude das margens e


a frequência dos reajustes de preços.
Surge» portanto» a intuição — que os longos estudos his­
tóricos leitos nos EUA (Aglietta» 1976| e na França [Bénassy,
Boyer c Gclpi, 1979] confirm am — segundo a qual as formas
de concorrência m udam ao longo d o tempo» desem penhando
um papel na dinâm ica económ ica.

Da procura d e trabalho à relação salarial

Nas teorias da troca» o trabalho é tratado com o uma mercadoria


com o outra qualquer, já que o confronto da oferta e da procura
determina o salário, nesse caso real, posto que os bens sâo tro­
cados por outros sem intermediário monetário. Esse tratamento
representa um problema no cerne da teoria, pois o desemprego só
pode ser explicado com o voluntário — diante de um salário real
insuficiente,os indivíduos decidem em favor do lazer— ou como
resultado da rigidez do salário, correspondendo, por exemplo, à
instituição de um salário m ínim o muito elevado em comparação
com o que um equilíbrio de mercado preconizaria.

O tr a b a lh o n ã o é u m a m e r c a d o r ia c o m o o u tr a
q u a lq u e r — D e fato, desde a origem da econom ia política, o
tratam ento dado ao trabalho distingue-se daquele que é dado às
mercadorias. Em prim eiro lugar, porque ele diz respeito à ativi­
dade dc produção, portanto não sc pode tratá-lo num a economia
de pura troca, segundo afirmam autores clássicos com o Adam
Sm ith e David R icardo. Karl M arx desenvolve essa tradição c
fundam enta sua teoria do valor sobre a distinção entre trabalho
e força de trabalho: o prim eiro é m obilizado pelos capitalistas
na produção, o segundo é objeto de um a troca em seu valor de
reprodução. A mais-valia, origem do lucro, encontra sua fonte
nesse distanciamento entre o valor das mercadorias criadas pelo

41
TEORIA OA RKCUIAÇÂO

trabalho e o valor da força de trabalho. Em seguida, porque a


antropologia econôm ica de Karl Polanyi (1946] sugere que o
trabalho faz parte das três m ercadorias fictícias (as outras duas
são a moeda e a natureza), cuja produção não pode ser confiada
unicam ente aos mecanismos de m ercado {cf. Q uadro 4).
Porém , para os economistas, um argum ento determ inante
foi trazido pelas "novas teorias do mercado de trabalho” , que
distinguem um duplo com ponente na relação de trabalho.

C o n flito e stra té g ic o n o c e rn e d o c o n tra to d e tra b a ­


lh o — InicialtnciUe, os assalariados são contratados m ediante
um salário, isto c, um a rem uneração sem risco para o próprio
em presário. Essa prim eira transação acontece naquilo que
se convencionou cham ar de "m ercado de trabalho” , mas a
operação nâo para nesse estágio, já que o trabalho não é uma
m ercadoria com o as outras.

Q u ad r o 4 .0 trabalho seg u n d o polanyi

Uma pesquisa antropológico-económica e de perspectiva histórica do


desenvolvimento e da extensão d os mercados mostra uma distinção
importante entre o s diversos tipos d e m ercadorias capazes de ser
objeto de uma troca comercial. Eis a contribuição da obra maior de Karl
Polanyi (1983]. Por um lado, as mercadorias típicas são aquelas cuja
produção é orientada pela busca d o lucro em resposta à procura da
clientela. Pertencem a essa categoria as matérias-primas, os produtos
intermediários, os bens de consum o e os equipamentos e máquinas.
Por outro lado, evidentemente, outras mercadorias são valorizadas
pelos mercados, m as sua oferta não é condicionada pela m esm a ló­
gica econômica pura. é o caso da natureza, da m oeda e do trabalho.
A existência dessas mercadorias é condição de uma economia mercantil,
mas essas mercadoriasfictícias nâo podem ser produzidas segundo uma
lógica comercial. Os episódios históricos durante os quais o mercado
invadiu a natureza acabaram em catástrofes ecológicas; a concorrência
das moedas na maioria das vezes resultou em crises ainda maiores. Por
fim, a mercantilização do trabalho ocasionou, n o passado, episódios
dramáticos em term os econômicos e demográficos.

42
HASE DE UMA ECONOMIA CAPITALISTA

Km seguida, efetivamente, os assalariados subm etem -se à


autoridade do em presário a fim dc efetuar tarefas produtivas
determinadas pela iniciativa dele. Essa relação de subordinação
estabelece u m conflito na produção: assalariados e empresários
têm interesses contraditórios relativos à intensidade e á quali­
dade do trabalho. O s prim eiros tem interesse em m inim izar os
esforços com relação ao salário pago, os segundos, em maximizá-
los. Esse conflito só pode ser resolvido pela concorrência no
mercado de trabalho.
A partir daí, a história social m ostra, e a teoria confirm a,
que esse conflito inerente ao trabalho lança m ão de um a grande
variedade de aparatos jurídicos, organizacionais e institucionais
para sua solução, ao m enos provisória. Entram em ação não
som ente as norm as de esforço (Leibenstein, 1976J, os dispo­
sitivos de controle (ponto, cronóm etro) e as rem unerações
incitativas (pagam ento baseado na eficiência, isto é, o salário
p o r peça produzida, participação nos lucros, stock-options),
mas tam bém negociações coletivas que tendem a canalizar
os conflitos graças a convenções que adequam o conteúdo
do contrato de trabalho. O contrato de trabalho determ ina as
condições de contratação, o salário inicial, os procedim entos
que regem a prom oção, a duração do trabalho, as vantagens
sociais e as condições de expressão dos assalariados nas esferas
individual e coletiva.
Esses dispositivos de fiscalização e de incitam ento ao tra­
balho nas empresas tornam -se tão determ inantes nas economias
contem porâneas que o com ponente m ercantil do trabalho é
afetado por eles. Por exemplo, a empresa pode querer reduzir
os custos graças a um esforço m aior dos assalariados. Por essa
razão, o “mercado de trabalho” não se equilibra mais por m eio
dos preços, mas por um racionam ento: ora desemprego, ora
penúria de m ão de obra, mas raramente, ou quase nunca, for­
mação do salário a partir do confronto da oferta e da procura
walrasianas (Boyer, 1999).

43
TEORIA DA r l <;u i AÇÃO

A s p e c to s c o le tiv o s d o c o n tr a to d e tra b a lh o — Por


consequência, a própria especificidade do trabalho acarreta a
noção de relação salarial, descrevendo as modalidades segundo
as quais cada empresa administra os com ponentes que organizam
o trabalho, a duração, o salário, as perspectivas de carreira, as
vantagens sociais e outros elem entos de salário indireto. Esses
dispositivos, porém , fazem parte do sistema jurídico e institucio­
nal que determ ina os direitos dos assalariados, as prerrogativas
dos empresários e as modalidades de resolução dos conflitos.
As regras gerais que regem o trabalho assalariado definem, pois,
no plano global, a relação salarial. D o ponto de vista lógico, eis
a terceira forma institucional que, depois do regim e m onetário
e das formas de concorrência, caracteriza um a econom ia m er­
cantil na qual a atividade assalariada é determ inante.

D o produtor à empresa concebida como organização

É no âm bito definido por essas formas institucionais que se


estabelece a atividade de um a das entidades essenciais das eco­
nomias de m ercado: a empresa. Ela é analisada dc acordo com
um a grade que leva em conta a relação da teoria m icroeconô-
m ica padrão com a teoria do equilíbrio geral.

De u tn simples g e sto r d o s fatores de p ro d u ç ã o ...


— N a realidade, para esses gestores, os produtores lim itam -se
a ter com o dado o sistema dos preços relativos e a ajustar, em
consequência, o nível de produção e a demanda de fatores,já
que conhecem as técnicas de produção disponíveis. Levando-
-se ao extrem o, poderíam os adiantar que o produtor pudesse
ser substituído de m aneira útil por um software de inform ática
capaz dc resolver o program a de maximização contingenciada,
que é o cerne da m acroeconom ia padrão. N a realidade, a partir
do m om ento em que consideram os os fatores «te produção

44
BASE DE UMA ECONOMIA CAPITALISTA

produtos com o outros quaisquer, observamos um a dualidade


entre o program a do consum idor e o program a d o produtor
[Varian, 1995J, o que tem o efeito de reconduzir a econom ia
de produção a um a econom ia de troca [G uerricn, 1996].

...À b u sc a d e u m a o rg a n iz a ç ã o c o m p a tív e l c o m as
fo rm a s in stitu c io n a is v ig e n te s — Por outro lado, um a abor­
dagem da empresa em term os de econom ia política |Eym ard-
- 1)uvernay, 2004] deve levar em consideração as contingências
e as oportunidades associadas às formas institucionais nas quais
a empresa opera.
A empresa, para determ inar sua estratégia, deve, em pri­
m eiro lugar, levar em consideração o tipo de concorrência que
prevalece nos mercados cm que opera. Geralmente, ela dispõe de
margens de ação já q ue o setor ao qual pertence é concentrado.
D e m aneira significativa, os serviços comerciais e de marketing
visam a m elhorar a posição de concorrência da empresa, o que
não é mais um dado, mas um resultado da estratégia.
A empresa é tam bém o lugar da produção, portanto, da
gestão da relação salarial. Entretanto a relação salarial caracte­
riza-se por um a grande variedade de dispositivos (sistemas de
remuneração e m odos de controle) que, por sua vez, necessitam
da especialização de um a parte dos assalariados para a gestão
de pessoal. Uma parte im portante das escolhas da empresa se
dá em reação ou em conform idade com as instituições que
determ inam a relação salarial vigente na economia em questão.
Por fim, o acesso ao crédito é determ inante para as es­
colhas em m atéria de produção c de investim ento da empresa.
D e fato, se pretende sobreviver e prosperar, um a empresa deve
investir e desenvolver novos produtos e procedim entos. O p e ­
rações em que o regime monetário tem papel preponderante, à
m edida que interage, de um lado, com a política de oferta de
crédito via bancos e, de outro, com a evolução da valorização
em bolsa. Chega-se assim à questão das relações entre regimes

45
TEORIA DA REGULAÇÃO

m onetário e financeiro [Aglietta e O rléan, 1998]. Sem esquecer


o papel do crédito de cu rto prazo na gestão do capital de giro
e a atividade no dia a dia.
Surge assim uma análise instiinaonal da empresa (çf. Quadro 5).
Em prim eiro lugar, sua viabilidade depende da qualidade de
adequação da estratégia escolhida às coerções e incitamentos que
a arquitetura institucional propaga [Boyer e Freyssenet, 2000].
Em seguida, a complexidade das tarefas de gestão, que resultam
da inserção num meio, pressupõe, sobretudo, uma especialização
das competências, já que a empresa é o âm bito da divisão do
trabalho, sob a direção do empresário [Coriac eW eim tein, 1995).
Nesse sentido, mercados e empresas participam do princípio da
divisão do trabalho, que se encontra no cerne da dinâmica das
economias capitalistas [Boyer e Schméder, 1990; R agot, 2Q00J.
Essa construção apresenta um a derradeira im portância:
enquanto, com demasiada frequência, a corrente neoinstitu-
cionalista contem porânea [Ménard,20()0] assimila instituições,
organizações e convenções, ela diferencia claram ente essas três
entidades (çf. Figura 3, p ig . 50) e adota um a concepção orgâ­
nica de em presa (Berle e M eam , 1932] opondo-se, portanto,
â abordagem ju ríd ica padrão que faz com que a sociedade
acionária seja p ro p rie d ad e dos acionistas, co n cep ção que
conheceu um novo interesse durante a tendência do valor
acionário. l)e fato, os próprios estatutos da sociedade acio-
n átia organizam um a separação en tre a irreversibilidade do
com prom etim ento produtivo, que os dirigentes gerenciam , e
a liquidez dos direitos de propriedade, de que se beneficiam
os acionistas [Blair, 2003].

A questão central da teoria da regulação

Dada a m ultiplicidade das formas institucionais de unia eco­


nom ia capitalista, quais são os mecanismos capazes de garantir

46
BASE DE UMA ECONOMIA CAPITALISTA

Q u a d r o 5. t e o r i a i n s t i t u c i o n a u s t a d a e m p r e s a

A teferência a um regime de acumulação fordista (c/. Capitulo 2) suscitou


pesquisas de sociólogos, historiadores, economistas e especialistas da in­
dústria automotiva. Esses trabalhos, feitos no âmbito da rede internacional
do GERPISA (http://www.univ-evry.fr/PagesHtml/laboratoires/gerpisa/
lndex.html), resultaram em uma construção teórica que dá conta tanto
da evolução de um século desse setor quanto da constância diversificada da
organização contemporânea das empresas.

Longe de poder resolver o programa de maximização do lucro em tempo


de contingências, as empresas se limitam a implementar uma estratégia
de lucro baseada num pequeno número de alavancas de ação (busca de
rendimentos de escala, diversificação, reatividade â conjuntura, qualidade
e inovação).

Essa estratégia de lucro deve ser compativel com o regime de crescimento


e com o modo de distribuição da renda nacional, de modo que não se pode
simplesmente transpor as estratégias de sucesso de um espaço econômico
para outro.

Uma segunda condição para a viabilidade de uma empresa é a existência de


um compromisso de governo que possibilite tornar compatíveis as exigên­
cias potencialmente contraditórias entre política de produto, organização
produtiva e tipo de relação salarial.

Observa-se, portanto, a sucessão/coexistência de um pequeno número


de configurações produtivas: tayloriana, wollardiana, fordiana, sloaniana,
toyotiana e hondiana (Boyer e Freyssenet, 2000].

sua coerência e sua viabilidade ao longo do tempo? Essa é a


questão m aior da teoria da regulação, para a qual nunca esteve
garantido o surgim ento do equivalente daquilo que a teoria
neoclássica chama de equilíbrio. Dois mecanismos principais
contribuem para a viabilidade de um m odo de regulação. Em
prim eiro lugar, podem os observar ex post a com patibilidade
de com portam entos econôm icos associados às diversas formas
institucionais. Em seguida, quando surgem desequilíbrios e con­
flitos que não podem ser resolvidos na configuração presente,
é necessária uma redefinição das regras do jo g o que codificam
as formas institucionais. A esfera política é diretam ente m obi­
lizada neste processo.

47
TEORIA DA RECiULAÇÂO

A partir da apresentação dos conceitos básicos surgem


duas especificidades da teoria da regulação.
Em função da diversidade e da com plexidade das ins­
tituições capitalistas, nada garante que sua conjunção defina
um a m odalidade viável dos ajustes económ icos. É a razão
pela qual a noção de modo de regulação (C apítulo 2) introduz
sim ultaneam ente a possibilidade de um regim e econôm ico e
tam bém de suas crises, pois elas são m ultiform es (C apítulo 4).
Fica assim escamoteada a coerção que postula a quase totalidade
dos m odelos neoclássicos, a saber: a existência de um equilíbrio
estável, inclusive de longa duração.
N ão seria possível conceber uma economia pura, isto é,
desprovida de toda e qualquer instituição, de form a de direito
e de ordem política. As instituições básicas de uma econom ia
mercantil pressupõem atores e estratégias para além dos atores e
estratégias m eram ente econômicos. Essas intervenções não têm
a priori o objetivo prim eiro de estabilizar a econom ia, no en­
tanto, é da interação entre esfera económica e esfera juridico-fwthica
que resultam os m odos de regulação. Trata-se de reencontrar
a mensagem da econom ia política, acrescida dos ensinam entos
tirados d o estudo da história do capitalismo.

Relações Estado/economia

A ilusão de uma economia pura, isto é, totalmente independente


do âmbito jurídico-político, deve, portanto, ser abandonada. De
fato, nas teorias do equilíbrio geral, no m elhor dos casos, o Estado
pode se tornar a expressão das escolhas coletivas que visam a fazer
prevalecer um ótim o de Pareto. Qualquer outra ação, por exemplo,
uma intervenção nos preços, só pode trazer ineficiências. *
A teoria da regulação dá um a im portância determ inante
às relações Estado/economia (cf. Figura 3). A apresentação das
formas institucionais mostra algumas dessas relações.

48
BASE DE UMA ECONOMIA OAPITAUSTA

A escolha do regime monetário é política

Sc a moeda institui a economia mercantil, ela não pode scr sua


consequência, o que inverte a fabula neoclássica segundo a qual
a subida dos custos de transação ligados à troca teria levado à
intervenção dos próprios agentes da m oeda. Na realidade, a
história econômica mostra que são os comerciantes que inven­
tam a m oeda privada [Braudel, 1979], e $lo os príncipes e reis
que procuram se am igar do direito de aplicar à m oeda o preço
corrente em circulação n o seu te rritó rio (Le R id cr, 2001).
N ão devemos esquecer que muitas m oedas com eçaram com o
títulos da dívida pública. O u tro ensinam ento da história: n e­
nhum sistema bancário baseado na com petição entre diversas
m oedas privadas sobreviveu m uito tem po. A invenção dos
bancos centrais vem reconhecer a necessidade de um ator que
não seja m ovido pela lógica d o lucro comercial e que tenha
a função de velar pela viabilidade do sistema de pagamentos,
p erm anentem ente am eaçado p o r crises e colapsos. A té os
bancos centrais contem porâneos, considerados independentes,
continuam a ver seu estatuto determ inado pelo poder polí­
tico. Assim, a escolha de um regime monetário (e de câm bio cm
econom ia aberta) lança necessariamente m ão da esfera política.

Não há concorrência sem intervenção pública

A concorrência, entregue aos com portam entos estratégicos das


empresas, tende a resultar na concentração, na aliança, no acordo,
no oligopólio, inclusive no monopólio, assim que se estabelecem
custos fixos, rendimentos crescentes, efeitos de rede c de reputação.
As vítimas desse processo são então os com pradores/consu-
midores, o que não deixa de provocar suas reações por m eio

49
TEORIA DA REGULAÇÃO

Figuro 3. A s in te rd e p e n d ê n c ia s e n tre E stado, o rd e m política


e f o rm a s in stitu cio n a is

C v a lh a i
poiitkas a
rtform as
constitucionais
em resposta a
conflitos entre
princípios
contraditórios

©
Redeflnt(Jo
das ragras d *
tffreito soO
pressflodos
grupos da
interessa

©
Inovaçfles a
reastruturafóes
natorganU atfe s

Oa ordem constitucional} esfera económica:


hierarquia clara
A — — 8 — C

0 Da esfera económica à esfera política: desequilíbrios e


conflitos exigem uma redefinição das regras do jogo
1 — ** 2 3

Grau de persistência: Ordem constitucional >


Formas institucionais > OrganizaçÓes >
Comportamentos individuais

50
BASE DE UMA ECONOMIA CAPITALISTA

«Ir processos político e legislativo. Em sua quase totalidade, as


e< oitomias desenvolvidas foram levadas a instituir autoridades
cm .irregadas por zelar pelas regras da concorrência. A tal ponto
que se pode ler a história da concentração d o capitai e da orga­
nização das empresas com o a consequência das estratégias das
grandes empresas com vistas a se adaptar às regras e barreiras
impostas pela legislação à sua conquista de poder excessivo so­
bre o mercado [Fligstein, 1990). Portanto a forma de concorrência
opera um a m ediação entre as esferas privada e publica.

Relação salarial e cidadania

Sobre a rrlofòo salarial,a intervenção do Estado é, a priori e do ponto


de vista estritamente lógico, menos necessária. D e qualquer forma,
ainda que em graus diferentes, a maioria dos Estados intervém no
direito do trabalho, com o risco de assimilá-lo ao direito comercial
(tendência em andam ento nos EUA) |Uuechtem ann, 1993J ou,
no outro extremo, de fazer do direito coletivo dos assalariados
um dos fundamentos de uma economia social de m ercado (caso
da Alemanha) [Labrousse e Weisz, 2(X)1J. Q uanto à experiência
histórica francesa, ela mostra que uma intervenção estatal forte
foi necessária no início do século XIX para liberar as forças de
concorrência do trabalho [Boyer, 1978]. Foi o caso também de
países em desenvolvimento nos quais governos autoritários efe­
tuaram reformas radicais do direito do trabalho (Chile.Argentina,
Brasil) [Ominami, 1986; Neffa e Boyer, 2004). A intervenção direta
ou indireta do Estado é mais evidente ainda quando referente à
cobertura social: as lutas dos assalariados pelo reconhecim ento
dos acidentes de trabalho, dos direitos a aposentadoria e à saúde
resultaram em casos de avanço em matéria de direitos sociais —
avanços que dizem respeito tanto à natureza da cidadania quanto
ao m odo de regulação. O u o Estado intervém dirctamente no
financiam ento da cobertura social de tipo beveridgiano, ou

51
TEORIA da regulação

harmoniza a negociação entre patronato e sindicatos, com o é


o caso no sistema bismarckiano. Portanto, de uma forma ou de
outra, a relação salarial recorre à esfera política.

O Estado sujeito a lógicas contraditórias

Para a teoria da regulação, a ação do Estado está longe de ser mo­


nolítica,já que nas suas diversas ramificações podem se manifestar
contradições e tensões entre princípios alternativos. O direito
comercial deverá ser preponderante sobre o direito do trabalho?
Com o arbitrar entre financiamento da cobertura social pelo sistema
fiscal e financiamento por m eio dos assalariados e empresários?
A igualdade jurídico-política è compatível com um princípio de
democracia industrial na empresa? São muitas as questões às quais
o poder político fornece respostas diferentes de acordo com o
contexto e as forças presentes. Essa forte interdependência entre as
formas institucionais e o papel do Estado não é senão a expressão
da imbricação das esferas política e econômica.

Estado-nação inserido na econom ia internacional

Essa concepção só é válida para espaço territorial definido por


uma soberania estatal. Em contraste com as teorias da econom ia
pura, a teoria da regulação ê incitada a tom ar o Estado-naçâo
com o ponto de partida da análise. N a realidade, regim e m one­
tário, relação social e, em m enor grau, form a da concorrência
continuam a ser fortem ente determ inados no âmbito do espaço
nacional, mesmo no período de uma interdependência crescente
entre os Estados-naçòes. Mas isso não significa que os.Estados-
-naçòes sejam totalm ente soberanos nem , pelo contrário, que
sejam desprovidos de todo poder sobre as forças propagadas
pelo regim e internacional.

52
BASi: DG UMA ECONOM IA CAPITALISTA

t a r e ia 1. In s t i t u i ç õ e s o c u l t a s d e u m a e c o n o m i a c a p i t a l i s t a : d a

t t O R IA O O £ Q U IL Í 8 R I 0 G E R A I (TEG) ÀT E O R IA D A R E G U L A Ç Ã O
H ip ó te se s d a T E G C o e rê n c ia e P a p e l d a s fo rm a s
p e rtin ê n c ia dessas In stitu c io n a is
h ip ó te se s

1. A inoeda é apenas A moeda é também Necessidade dc


um numerário um meio de troca e regras para criação c
de reserva de valor destruição da moeda
U m secretário de N ào é unta econom ia U m regime monetário
mercado centraliza de mercado: na c de crédito define as
todas as transações realidade, um entidades mercantis,
planejamento de possibilitando a
tipo (rospkn descentralização
das trocas

2. Todos os agentes Gcralmence os Variedade das


consideram os agentes têm um formas de comorrenàa
preços como dados com portam ento que difere da
estmtégifó concorrência perfeita

3. O s serviços C) duplo com ponente O contrato de trabalho


do nu/wl/ta são d o trabalho: transação é inserido num a rede
comercializados num mercantil e, em de instituições que
mercado semelhante seguida, relação define a relação salarial
aos mercados dos de subordinação
outros produtos

4. Ausência d o Estado U m a autoridade Configuração das


exterior ao mercado relações listado/e«momia
é necessária para
administrar a moeda,
a concorrência e
os bens públicos

5. Ausência do Todo Estado ê Modalidades <le


Estado-naçâo soberano apenas num inserção no regime
território delimitado intcmational
TEORIA DA REGULAÇÃO

Há, portanto, uma quinta e derradeira forma institucional:


as modalidades de inserção do Hstado-naçào na economia internacional.
Efecivamente.para a teoria neoclássica do comércio internacional,
a única escolha aberta diz respeito às tarifas alfandegárias, que
tantas distorções introduzem em comparação com o sistema
dc livre-comércio. Portanto, do ponto de vista econôm ico, o
Estado nao deveria intervir, deixando funcionar os mecanismos
de formação dos preços em escala internacional. Para a teoria da
regulação, o Estado-naçào pode fiscalizar os diversos componentes
das tarifas alfandegárias, definir as modalidades de captação de
investimentos diretos, estabelecer regras em matéria de investi­
mentos de carteira ou ainda fiscalizar a imigração. Novamente,
apresentam-se muitas instituições com vistas a gerenciar as re­
lações com o resto do m undo |M istral, 1986). Essas instituições
sao transformadas e redefinidas, mas nao são arruinadas pelo
processo contem porâneo de internacionalização [13oyer,2(XM)a].

Conclusão: A s cinco formas institucionais

Assim, a econom ia capitalista da teoria da regulação distingue-


-se da idealização que dela faz a teoria neoclássica. Isso não
significa, entretanto, que as formas institucionais correspondam
à intuição que cada um pode ter d o m undo econôm ico no
qual opera cotidianam ente. São abstrações que se inscrevem
em uma-abordagem teórica inspirada pelos fundadores da eco­
nom ia clássica. Além disso, elas atendem às objeções dirigidas
ao irrealism o das hipóteses d a T E G {r/*. Tabela 1), deixando à
análise institucional, estatística e histórica a tarefa de fornecer
a caracterização exata das formas institucionais, isto é, da via­
bilidade dc um m odo de regulação.

34
2
D a s leis d e f e r r o d o c a p i t a l i s m o à

VARIEDADE D O S M O D O S DE REGULAÇÃO

Um dos trabalhos fundamentais da teoria da regulação [Aglictta,


1976] partia de uma avaliação m uito crítica da teoria neoclássica
da época, que parecia incapaz de analisar tanto a conjuntura
norte-am ericana quanto as transformações ocorridas no capita­
lismo norte-am ericano desde a guerra da Secessão. Mas criticava
também a teoria marxista do período em sua variante capitalista
monopolista de Estado (CM E): descrição inadaptada de um a
economia de grandes empresas-conglomerados, de convenções
coletivas e de políticas monetaristas keynesianas;a incapacidade
de pensar a mudança, enquanto o próprio capitalismo se carac­
teriza pelas inovações e transform ações estruturais. O esforço
teórico visava a atualizar as leis de transform ação endógena
do capitalismo. Tal era o sentido dado ao term o regulação {çf.
cronologia no final deste livro, pág. 145-148).

Releitura crítica da ortodoxia marxista

A co n trib u ição teórica que M arx propõe em O Capital é


tratar o capitalismo com o m odo de produção e atualizar seus
fundam entos e sua dinâmica de longo prazo. O s sucessores de
M arx buscaram adequar a teoria aos dias de hoje em função
de um duplo imperativo: em prim eiro lugar, levar em conta
as mudanças ocorridas ao longo do século XX; cm seguida, e
sobretudo, fotjar instrum entos para a luta política. C om isso, as
análises do capitalismo evoluíram muito, porém , à luz da história

55
TLORIA DA REGULAÇÀO

econôm ica do século X X , elas m ostraram suas limitações e seu


caráter equivocado. Aliás, os instrum entos de análises do capi­
talismo evoluíram m uito, e alguns perm item superar algumas
dificuldades encontradas p o r Marx.

Especificar a forma das relações sociais

Bastante impressionado pelo tam anho das transformações ligadas


ao aum ento da industrialização e adepto da história de períodos
longos, M arx propôs uma caracterização do m odo de produção
que surgia com referência àqueles que o tinham precedido
(m odo de produção asiático, feudalismo, etc.). M arcado tam bém
pela filosofia alemã, o autor de O Capitai construiu um sistema
conceituai ambicioso que deriva d o esforço de abstração com 1
relação ã “economia vulgar”, para retom ar sua própria expressão.
C om parado com outros m odos de produção, o capita­
lismo distingue-se por duas características. Em prim eiro lugar,
a preponderância de uma relação mercantil — capaz de fixar
um preço até para agentes não mercantis — opõe-se aos outros
m odos de distribuição <fos riquezas. Em seguida, e principal­
m ente, as relações sociais de produção caracterizam -se pelo
conflito entre capital e trabalho: os proletários, que não tem
acesso ao capital, sao obrigados a vender sua força de trabalho
para um “ hom em com dinheiro“, o capitalista. Sob a aparência
de uma~relaçáo de troca (trabalho p o r salário), manifesta-se a
exploração do trabalho pelo capital, posto que o valor criado
pelos assalariados é superior ao valor da reprodução de sua força
de trabalho (cf. Figura 4, pág. 59).
M arx podia pensar que essa caracterização bastava em
sua fôrm a mais geral para construir uma teoria do capitalismo
e de suas tendências de longo prazo. N ao conseguiu antecipar
que as lutas de classe, às quais inclusive ele m uito se dedicou,
principalm ente em seus escritos políticos, não resultariam

56
|»A% ms DE IERRO IM) CAPITALISMO A VARIEDADE IK>S M O D O S...

m«< rss.iriamente no esgotamento desse m odo de produção e em


ui,i substituição por outro, de início socialista,em seguida cornu-
nhia, C)corre que a história de muitos países dominados pelo ca-
piulismo mostrou um a relativa variedade das relações sociais de
piodtiçâo bem com o da organização das relações comerciais.

Mudança nas próprias relações sociais

Sc, em um a perspectiva de longa duração, portanto plurissecu­


lar, diversos m odos de produção se sucedem e fundam entam
cm relações sociais diferentes, não se pode excluir que essas
relações possam evoluir no âmago dc um mesmo modo de produ­
ção. Por exem plo, os trabalhadores podem lutar para lim itar as
reduções de salário durante crises industriais, depois reivindi­
car e conseguir um a indexação de seu salário nom inal sobre
os preços, o u enfim o b te r um princípio de participação nos
ganhos dc produtividade, aos quais eles próprios contribuiram
|Uoyer, 1978|. N o sistema conceituai de M arx, isso q u er d i­
zer que o valor da força de trabalho não é mais determ inado
p o r necessidades sociais invariantes o u , pelo m enos, fixado
pelos imperativos da reprodução do assalariado. O resultado
dos conflitos capital/trabalho influi na form a da relação de
exploração.
Da mesma forma, o regim e m onetário está longe de ser
invariante quando se passa, por exemplo, de sistemas governados
por um padrào-ouro para uma economia de crédito no contexto
de uma moeda com taxas administradas. As mudanças nas relações
E stado/econom ia são tam bém im portantes. As transform a­
ções econômicas e mais ainda as lutas políticas fazem com que se
passe de um Estado focado nas funções privilegiadas tradicionais
(direito,justiça, defesa, diplomacia) para um Estado engajado na
maioria das formas institucionais, a saber: concorrência, relação
salarial e regime m onetário (Delorm e e André, 1983).

57
TliOKIA DA RtiGULAÇÂO

O objetivo da teoria da regulação é precisamente detectar


a extensão das mudanças na form a exata das relações sociais que
ocorreram em escala secular, tanto nos EUA (Aglietta, 1976)
quanto na França jC E PR E M A P-C rO R D È S, 1978].

N ão há dinâm ica excepcional do m odo


de produção capitalista

O utra diferença com relação à tradição marxista está ligada às


dúvidas que a teoria m antém quanto à existência de leis gerais
que decorram unicam ente da dependência de uma economia
ao m odo de produção capitalista. Para M arx, tratava-se da queda
tendencial da margem de lucro. Seus sucessores invocaram o
aum ento do capital financeiro [Hilferding, 1970], a expansão do
imperialismo [Luxembourg, 1967| e depois o surgim ento de um
capitalismo monopolista [Baran e Sweezy, 1970), sem esquecer,
perante o aum ento das intervenções do Estado na econom ia,
a teoria do capitalismo m onopolista de Estado. Para a maioria
desses autores, tais características representavam as inúmeras
estratégias para opor-se à lei da queda tendencial da margem
dc lu c ra Segundo outra interpretação, tratava-se na verdade de
estágios na marcha em direção a um regim e econôm ico n o qual
a atividade seria coletivizada.
O objetivo da teoria da regulação é caracterizar com
precisão, graças às estatísticas extraídas das contabilidades na­
cionais, os parâmetros dos diferentes regim es de acumulação
observados n o tem po e no espaço. Assim, a noçao de regim e
de acumulação substitui a noção de esquema de reprodução
(<f. Figura 4).

58
IMS l l-IS DE l-KRRO D O CAPITALISMO A VARIEDADE DOS M O D O S...

Figuro 4 . Das categorias da teoria marxista às categorias


da teoria da regulação

d*|urM

Estado, o vetor dos compromissos institucionalizados


e não somente agente do capital

O s teóricos marxistas tentaram deduzir a form a do Estado da


natureza do capital, o que se cham ou de teoria da derivação
[Mathias e Salama, 1983|. Essa visão acarretou com o consequên­
cias, em prim eiro lugar, a dependência da esfera política da
esfera econôm ica, em seguida, que se postulasse um funcio­
nalismo do Estado na dinâmica do capital. A tal ponto tjue, na
teoria do capitalismo m onopolista de Estado, bastaria mudar
o últim o para cair num sistema de fato já coletivo. Entretanto,
tanto a história da construção dos Estados quanto os avanços
das ciências sociais desm entem essa dupla hipótese.
A construção da soberania sobre um espaço muitas vezes
conquistado pela guerra encontra-se na origem do Estado.

59
TfcORIA DA RfcOU I.AÇÂO

O soberano taxa sobre a economia os impostos necessários, sem,


contudo, ficar evidente que favoreça dessa forma a ascensão
da burguesia comercial, depois industrial. Os déficits recorrentes
das finanças públicas exigem que se recorram aos grandes financis­
tas, à perda do valor da moeda legal, ctc.Tudo isso são obstáculos
ao surgim ento de um capitalismo em boa e devida forma.
Já os trabalhos pluridisciplinares m ostram , na realidade,
a necessidade de uma distinção entre as esferas econôm ica e
política. N o nível mais abstrato, a primeira, sob o estímulo do
capitalismo, tende à acumulação da riqueza, a segunda con­
centra-se na acumulação de poder JThérct, 1992]. N a prática,
no entanto, o Estado tem a incum bência de taxar os recursos
sobre a econom ia e, a contrario, pode mais ou menos favorecer
o surgim ento e a implem entação das instituições necessárias à
acumulação. Nesse sentido, é apenas cx post que se pode constatar
se é possível desatrelar uma modalidade viável de interação entre
os níveis político e econôm ico. São os regimes físico-fiscais que
descrevem com o a atividade econômica retioage sobre o volume
das taxações obrigatórias e, reciprocam ente, com o a legislação
e o sistema fiscal canalizam a acumulação.
A razão dessa não autotnaticidade da viabilidade desses
regim es é simples: a m aior parte, se não a totalidade, das des­
pesas públicas e dos sistemas fiscais resulta de um a série de
compromissos institucionalizados |])elo rm c e André, 1983J,d priori
independentes uns dos outros e que não visam de nenhum a
form a a estabilizar a acumulação. M uitas vezes, é um resultado
não intencional apenas observado cx post. Para dar um único
exem plo, a conquista dos direitos sociais estendidos aos tra­
balhadores foi considerada, pelos em presários em particular,
com o passível de conduzir á impossibilidade de acumulação,
em razão da queda das taxas de lucro consecutiva a essas con­
quistas. Entretanto, o crescim ento excepciona) pòs-Segunda
G uerra M undial, em especial na Europa, vai m ostrar que a
m udança da relação salarial é de fato um vetor d o regim e dc

60
MAS IM S DE FI:RR() |M> (AF1TALISMO A VARII-PADE DOS MOIM>S...

4i iimulação sem precedentes e totalm ente viável« pelo m enos


|M»r uni tem po (<f. C apítulo 3).

As crises se sucedem, mas não se parecem

( 'ontrariam ente à imagem implícita que o term o “regulação"


veicula, essa problemática trata tanto dos regimes de acumulação
supostamente estabilizados quanto de sua crise. Forem , ainda
sobre esse ponto, a teoria da regulação diferencia-se das con­
cepções marxistas ou m esm o clássicas (D um énil e Lévy, 2002).
Para Marx, o perfil da acumulação é ,p o r natureza, cíclico, o que
faz com que se sucedam fases de crescim ento e, em seguida,
fases de ajustes através de crises industriais ou financeiras. Mas
existe para ele outro tipo de crise: a que corresponde ao colapso
do m odo dc produção capitali.su sob o im pacto de suas con­
tradições (aum ento da concentração, queda das taxas de lucro,
etc.). Seus sucessores preconizaram duas outras concepções.
Para alguns historiadores e econom istas, ondas longas,
com duração de aproximadamente m eio século, teriam se su­
cedido desde o surgim ento do capitalismo comercial. A uma
primeira fase de dinamismo da acumulação e de relativa prospe­
ridade, se seguiriam um a transposição duradoura e o advento de
uma fase descendente dc depressão, evcntualm ente dc deflação
[KondratiefF, 1992). Essa problemática possibilitou diagnosticar
c analisar a reviravolta dos anos 1970 (Mandei, 1978; Waller-
stein, 1999).
O utros economistas, em especial os radicais norte-am eri­
canos, foram surpreendidos pela crise de 1929, que por pouco
não m arcou o colapso da econom ia dos EU A. E ntretanto
o paradoxo é que a taxa de lucro, no período que precede a
crise, tinha atingido níveis para os quais começavam a aparecer
problemas de mercado nessa economia especialniente rentável.
Esse desequilíbrio novo no regime de acumulação desencadeou

61
TfcORIA DA REGULAÇÀO

Q uadro 6. As c i n c o f o r m a s i n s t i t u c i o n a i s : o e f i n i ç Õ es

Forma Institucional (ou estrutural): Toda codificação de uma ou várias


relações sociais fundamentais. Há cinco formas institucionais que podem
ser distinguidas.

• Forma e regime monetários: Forma monetária é a modalidade de que se


mune, num pa(s e numa época determinados, a relação social fundamental que
institui os sujeitos mercantis. A moeda nSo é uma mercadoria, mas um meio
de relação dos centros de acumulação, dos assalariados e de outros agentes
mercantis. Por regime monetário, designa-se a configuração correspondente
que permite ajustar os déficits e excedentes.

• Forma da relação salarial: Configuração da relação caprtal/trabalho,


composta de relações entre a organização do trabalho, o modo de vida e
as modalidades de reprodução dos assalariados. Em termos analíticos, há
cinco componentes para caracterizar as configurações históricas da relação
capital/trabalho: o tipo dos meios de produção; a forma da divisão social e
técnica do trabalho; a modalidade de mobilização e de ligação do assalariado
à empresa; as determinantes da renda salarial, direta ou Indireta; e, por
fim, o modo de vida assalariado, mais ou menos associado à aquisição de
bens e produtos ou ao uso de serviços coletivos fora do mercado.

• Forma da concorrência: Forma da concorrência indica como se organi­


zam as relações entre um conjunto de centros de acumulação fracionados
cujas decisões são o prfari independentes umas das outras. Vários casos
polares podem ser observados: mecanismos de concorrência, desde que
é a confrontação e* posr no mercado que define a validação ou não dos
trabalhos privados; ou monopolismo, se prevalecerem certas regras de
socialização ex ante da produção por meio da procura social de um valor
e de uma composição sensivelmente equivalentes.
*
• Forma de adesão ao regime internacional: Conjunção das regras que
organizam as relações entre o Estado-nação e o resto do mundo, tanto em
matéria de trocas de mercadorias quanto de localização das produções,
via investimento direto ou financiamento dos fluxos e saldos externos,
ou ainda em matéria de migração.

• Formas do Estado: Conjunto de compromissos institucionalizados que,


uma vez assumidos, criam regras e regularidades na evolução das despesas
e receitas públicas.

62
I)A?» I.KIS D t ItiRRO IX ) CAPITALISMO k VARIEDADE DOS M O DOS...

uma interpretação original d o papel da gestão da procura no


».ipitaltsmo m onopolista [Baran e Sweezy, 1970). D e maneira
n u » geral* os historiadores econôm icos, especialistas em crises,
têm a tendência de tom ar a crise norte-am ericana de 1929-
I ‘732 com o o padrão das crises d o capitalismo n o século X X .
A teoria da regulação tira todas as consequências da falta
ilc um regim e de acum ulação canônico. Para cada regim e de
jcum ulação, há uma form a de crise, hipótese que perm ite
reconciliar a crise de 1929 com os precedentes episódios do
século X IX . Inclusive, o m étodo de análise é mais próxim o
do m étodo elaborado pela Escola dos Anais a respeito das
economias pré-capitalistas: esses trabalhos ensinam, de fato, que
“cada sociedade tem a crise de sua estrutura” [Labroussc, 1976].
Essa concepção já tinha sido usada para apreender a m udança
na fornia das crises ao longo d o século X IX (Botivicr, 1989].
As pesquisas da teoria da regulação ampliam essas conquistas
para o século X X . Cada econom ia apresenta as crises que cor­
respondem ao seu regim e de acumulação e /o u ao seu m odo
de regulação.

Elaborar conceitos intermediários:


as formas institucionais

Essa revisão critica das teorias marxistas do capitalismo resulta


em suma em uma caracterização das formas institucionais (Qua­
dro 6). N o fim, a lista é a mesma resultante da atualização das
análises sobre as instituições ocultas da econom ia de mercado, tal
com o preconiza a teoria neoclássica (<f. C apítulo 1, Q uadro 1).
Essas duas abordagens sao ao fim e a cabo complementares já que
ambas correspondem a níveis dc abstração diferentes: a crítica
interna das teorias do equilíbrio geral mostra as instituições
necessárias do ponto de vista eslritamente lógico. A análise opera
no espaço da teoria, no mais abstrato dos níveis.

63
TEORIA DA REGLLAÇÂO

A reavaliação da abordagem marxista perm ite especificar


as características das relações sociais fundamentais, tais com o
vigoram cm um a sociedade e época dadas, com o resultado de
um processo histórico.
Se a prim eira abordagem é funcionalisra, a segunda é
histórica e deixa em aberto a questão da viabilidade de uma
série de compromissos institucionalizados, forjados na história e
que desaguam nas cinco formas institucionais. D e fato, as lutas
sociais, os conflitos políticos e as grandes crises económicas e
financeiras resultam quase sempre em novos compromissos ins­
titucionalizados que não mais dizem respeito apenas às relações
Estado/econom ia, mas também à relação salarial e às formas de
concorrência. Portanto é exagero considerar que a teoria da re­
gulação seja fiincionalista (Jcssop, 1997].A questão da viabilidade
do regime econôm ico associado a uma arquitetura institucional
fica a príori aberta: som ente a observação ex post de tal viabili­
dade dará a ilusão de funcionalismo. Essa ilusão é retrospectiva
e diz respeito principalm ente ao teórico, pois, quanto aos atores
econôm icos, eles são muitas vezes surpreendidos pelo resultado
de mudanças institucionais.
Assim, a teoria da regulação desenvolve conceitos interme­
diários entre um a teoria válida cm qualquer tem po e qualquer
lugar e um a simples observação dos dados m acroeconôm icos.
Ela é voluntariam ente subdeterminada: cabe à análise em pírica
especificar a natureza das form as institucionais para um a eco­
nom ia e \pn período determ inados (tf. Figura 5).
Justam cntc, essa indeterinm ação teórica torna possível a
apresentação do conceito central: o m odo de regulação. C om
a ajuda de tré$ propostas, pode-se resum ir o essencial dos pro­
blemas desse conceito.

64
DAS IM S DE FERRO DO CAPIIALISMO A VARIEDADE DOS M O D O S...

Hvgulação a priori problem ática

()% com prom issos institucionalizados fundam entam as for-


mas institucionais. Entretanto, geralm ente, são independentes
mis dos outros, ainda que isso se deva à especialização das
diferentes esferas da atividade econôm ica. P or exem plo, o
banco central recebe d o governo as características d o regim e
m onetário, as relações profissionais foijam a relação salarial, e
a regulamentação e a estratégia das empresas condicionam a
Inrma de concorrência. N enhum planejador ou “engenheiro
de sistema” tem a função de velar ex dnte pela com patibilidade
dessas diversas form as institucionais. N a realidade, cada ator
econôm ico define sua estratégia em função da coerção e dos
incitam entos inerentes ao quadro institucional no qual opera,
levando sem pre em consideração o sistema de preços. N um a
econom ia m onetária, isto é, descentralizada, nada garante que a
conjunção desses com portam entos individuais determ ine uma
configuração viável n o plano m acroeconôm ico.
Mais fundam entaim ente, para a teoria da regulação, é a
incoerência d priori que deveria ser a regra; a regularidade e
a evolução ordenada, a exceção. Encontra-se a origem do uso
desse term o nas ciências fisicas e biológicas [Canguilhcm, 1974]:
com o entidades a priori independentes (por extensão, formas
institucionais) podem originar uma evolução de conjunto com ­
patível com sua coexistência e persistência, em suma, form ar
um sistema (no caso, econôm ico)? Se a resposta for positiva,
convém chamar de modo de regulação o conjunto dos mecanismos
econôm icos envolvidos. Introduzem -se, dessa form a, duas das
características fundamentais de um m odo de regulação:
• Deve tornar possível reproduzir de período em período
a configuração institucional cm vigor sem alteração importante.
• N ão deve pressupor a internalização pelos atores econô­
m icos das regras de conjunto que governam o sistema inteiro.

65
F ig u ro 5. O m étodo da teoria da regulação
Ti;<)RIA DA RtXíULAÇAO
DAS I bIS DE rFR RO IX ) CAPITALISMO A VARIEDADE DOS M O D O S...

Nesse aspecto, a teoria da regulação opõe-se à corrente das


previsões racionais que, em m acroeconom ia, pressupõe que os
agentes econôm icos conheçam os mecanismos que regem suas
interações tão bem quanto o teórico (Lucas, 1984). O papel
das formas institucionais é, portanto, resumir os conhecim entos
necessários à ação dos indivíduos e, assim, simplificar o con­
teúdo informacional e cognitivo mobilizado. O s agentes atuam,
portanto, com um conhecim ento parcial e um a racionalidade
institucionalmente situada.
Essa concepção está relacionada com a racionalidade li­
mitada [Simon, 1983], mas o com ponente institucional leva
a m elhor sobre os aspectos propriam ente cognitivos ligados à
dificuldade de uma ação racional diante da incerteza. Assim, as
formas institucionais condensam e focam uma informação julgada
pertinente e, assim, reduzem a incerteza intrínseca que resulta
ila combinação de um conjunto de comportamentos estratégicos
[Aoki, 2006]. A questão da existência de um equilíbrio,entendido
com o conjunto de comportam entos m utuam ente compatíveis,
deve ser examinada caso a caso. Essa noção de equilíbrio não tem
nada a ver com a noção de equilíbrio walrasiano.já que nenhum
agente pode ser maximalista por coerção, diante de um sistema
de preços conhecido por todos.

Com o acabam surgindo os modos de regulação?

Diferentes processos e mecanismos foram evidenciados pelos


diversos estudos históricos e pelas formalizações inspiradas pela
teoria da regulação.

B r ic o la g e m e acaso ? — O achado e a pesquisa por erro


e acerto foram cham ados em auxílio para expor o m odo de
regulação associado ao fordismo após a Segunda G uerra M un­
dial (Lipictz, 1979|. A introdução dos m étodos científicos de

67
TEORIA DA R ECW A ÇX O

trabalho, o taylorismo e a cadeia de m ontagem fornecem , a


partir dos anos 192(1, ganhos de produtividade sem precedentes.
Porém, a despeito da queda do preço relativo dos bens corres­
pondentes, a dem anda revela-se insuficiente para se aproximar
desse aum ento de produção. D o ponto de vista estritam ente
lógico, é bastante facil para o observador externo considerar
que o consum o de massa é a contrapartida necessária da produ­
ção de massa. N o entanto, não é o que acontece se os agentes
económ icos forem deixados á própria iniciativa. U m a forma
o u outra de intervenção coletiva é necessária (Boyer e O rléan,
1991]. E prccisam ente o que acontece após a Segunda Guerra
M undial: as convenções coletivas que codificam e difundem
a progressão do salário real pro raia de produtividade acabam
garantindo ex post o estabelecim ento de um novo m odo de
regulação. A coerência d o sistema não era alcançada ex ante.

S eleção p e la eficiência: d ú v id as — As formas institu­


cionais não são selecionadas em função de sua eficiência econômica.
N a realidade, há uma espécie de dependência com relação ao
caminho: existem custos ligados ã construção institucional que
sao irrecuperáveis. Além disso, com o algumas tecnologias de rede
[Arthur, 1994], as formas institucionais podem revelar rendimentos
crescentes, de sorte que formas superiores, mas emergentes, encon­
tram-se em desvantagem com relação às formas institucionais bem
estabelecidas. Por fim, é preciso lembrar, nenhum engenheiro de
sistema tem o papel de sincronizar a evolução das formas insti­
tucionais. N em mesmo o Estado, cuja diversidade de objetivos
e intervenções já foi mostrada. Trata-se de uma ruptura com a
maioria das concepções neoclássicas que consideram que agentes
racionais sempre terão o interesse de negociar uma reforma insti­
tucional que poderia ser eficaz no sentido de Pareto, com risco de
que os eventuais perdedores sejam indenizados pelos ganhadores.
C om frequência, tais mecanismos de transferência não existem,
de maneira que os potenciais perdedores se oporão â reforma.

68
|>AS 1F.IS i)h l-F.RRO DO CAPITALISMO À VARIF.DADt DOS MODOS. .

P ro c e s s o e v o lu c io n is ta — U m terceiro m ecanism o
Uiva mão (ia eoavutiação das formas institucionais entre si e em
lunção da m udança técnica. Em cada período, podem -se c o n -
Inmtar ou podem coexistir diversas estratégias de recomposição
das formas institucionais, mas é a partir dc sua adequação m útua
que vai resultar a arquitetura que, p o r sua vez, levará ao m odo
de regulação, que, de resto, sò será interpretado com o tal tarde
demais. Esse mecanismo, com o o anterior, nao tem relação direta
com a eficiência. Tal característica tem impactos im portantes
sobre a persistente diversidade dos m odos de regulação.

H ip ó te s e d e complementaridade — O surgim ento de


um m odo de regulação viável pode tam bém estar relacionado
com a existência de complentcntaridades entre duas ou mais formas
institucionais. Por exemplo, num regim e de padrào-ouro, todo
desvio dos preços internacionais deve acarretar um reajuste
dos custos de produção, muitas vezes por m eio da flexibilidade
dos salários, para baixo ou para cima. Observa-se, portanto, a
com plem entaridade entre um regim e m onetário e uma relação
salarial que torna possível os ajustes. As próprias políticas ditas
keynesianas revelam-se complementares com o fato de que, nas
econom ias do século X X , o salário nom inal tornou-sc rígido.

H ie ra r q u ia d a s f o rm a s in s titu c io n a is — O m odo de
regulação pode tam bém resultar do papel determ inante de uma
forma institucional em relação às outras. De fato, a história mos­
tra a existência de um a hierarquia entre as formas institucionais,
um a assimetria correspondente que decorre quase sempre de
compromissos políticos particulares. Pode-se detectar tal confi­
guração a partir da observação que de um a m udança estrutural
na form a institucional dom inante tem o efeito de preparar um a
evolução em m eio a um a ou mais formas institucionais. Se, por
exemplo, o regim e m onetário e a política d o banco central

69
T130R1A P A M G U IA Ç Â O

keynesianos tornarem -se m onetaristas, taxas de ju ro em média


mais elevadas pesarão no resultado das empresas, o que tem
im pacto sobre o em prego e os salários; se a política se prolongar
por um período um tanto longo, é a própria relação salarial
que será abalada (Boyer, 1986b]. Nesse caso, é a oscilação da
hierarquia q u e explica os processos em ergenciais e /o u de
transformação de um m odo de regulação.
Eis os mecanismos capazes de explicar a viabilidade de um
m odo de regulação. Mas isso explica tam bém sua imriabUidade
no tempo e no espa(o.

M odos de regulação com parados em escala secular

O estudo d o capitalism o na França em período longo (do


século X V III à últim a década d o século X X ) m ostrou um a
sequência de pelo m enos quatro períodos. C om relação á evo­
lução do salário nom inal e real, as consequências da m udança
da relação salarial em mais de três séculos são claras.

Regulação à maneira antiga: até o final d o século XVIII

Prevalece na m aioria das economias do Antigo R egim e, em


que 0 capitalismo m ercantil desenvolve-se a partir de estruturas
essencialmente rurais. A dinâmica económ ica é impulsionada
pelos riscos agrícolas. D iante de colheitas ruins, o preço dos
produtos que entravam no custo de vida explodia, fazendo com
que a crise agrícola chegasse ao setor industrial, o que, p o r sua
vez, ocasionava um a baixa do salário nom inal cm decorrência
da retração da procura que vinha do setor rural e agrícola.
A partir daí, o salário real desmorona c, com o as condições de
vida tornam -se precárias, a taxa de m ortalidade aum enta, o que
nos faz lem brar de um a das hipóteses do m odelo malthusiano.

70
HAS I LIS DE FHRRO DO CAPITA1ISMO A VARIEDADE DOS M O D O S...

It.ii.i-se tam bém de um exem plo de regulação estagflacionista,


i|iir voltaremos a reencontrar apenas dois séculos mais tarde
i nm o m odo de regulação administrada. Nesse sentido, a teoria
da regulação associa-se às análises da Escola dos Anais.

Kcgulação da concorrência típica do século XIX

Esse segundo m odo de regulação envolve outros encadeamentos


conjunturais. A partir de meados do século X IX , a indústria
nunufatureira torna-se o centro de impulsão da econom ia,
cujo ritm o é marcado p o r fases dc prosperidade e fases de re-
treamento. O grau de concentração do capital é baixo, de sorte
que os preços são competitivos. Por outro m otivo, os próprios
assalariados estão tam bém sujeitos às flutuações da acumula­
ção, sem nenhum poder de influencia sobre o salário nominal.
Em consequência, salário nominal, preços industriais e conjun­
tura industrial variam conjuntamente. Essa configuração equivale,
para a teoria da regulação, ao que o equilíbrio walrasiano é para
a teoria neoclássica. Entretanto há um a diferença: com o impacto
da acumulação, o sistema económ ico nunca fica em repouso
(equilíbrio neoclássico), mas faz com que se alternem fases de
supcracumulaçâo e de subacumulação. Esse tipo de regulação
é im plícito à m aioria das teorias económicas. Mas nào ficou
inalterado, tendo se transform ado progressivamente.

O período longo da mudança: o entre-guerras

A concentração do capital manifesta-se periodicam ente, em


particular durante as crises. Paralelamente, o aum ento do assa­
lariado industrial perm ite sua organização coletiva (sindicatos,
associações, sociedades m útuas), e eclodem lutas que visam
a lim itar o trabalho n o tu rn o de m ulheres e crianças, a fazer

71
Tt-.ORIA DA REGULAÇÃO

com que se reconheçam os acidentes de trabalho ou a im pe­


dir as reduções de salário nos períodos de conjunturas ruins.
Esse m ovim ento inicia-se no últim o terço do século X IX e
assume toda sua im portância após a Prim eira G uerra M undial.
Esse período é marcado pelo advento da m oeda de crédito,
potencialnicnte dissociada de toda convertibilidade, e de uma
inflação perm anente, contrastando com as oscilações d o nível
geral dos preços características da regulação da concorrência,
ligada ao padrâo-ouro.
O s elem entos coletivos da relação salarial fazem sua apari­
ção — na França, por exemplo,passa a ser reconhecido o direito
à aposentadoria — da mesma form a que a cum ulatividadc da
inflação convoca os assalariados a reivindicar uma indexação
do salário nom inal a partir do índice de preços ao consumidor.
As formas institucionais são assim significatívainente alteradas
com relação ao século X IX . N o entanto a regulação salarial
continua sendo determinada pela mesma forma concorrencial, o
que evidencia um dos resultados centrais da teoria da regulação.
C ontrários às teorias neoinstitucionalistas que preconi­
zam um a correlação perfeita e instantânea entre surgim ento
de instituições e modificação dos com portam entos, os estudos
históricos dc período longo m ostram que aproxim adam ente
um quarto de século separa o surgim ento de instituições ino­
vadoras radicais e o estabelecim ento dc um m odo de regulação
correspondente. A transformação dos m odos de regulação faz
parte do p eríodo longo de m udança dos m odos de vida, das
técnicas de produção, da cspacializaçào das atividades, e não
se faz instantaneamente, no tem po volátil das previsões. C o n -
trariam ente, portanto, à hipótese que a m aioria dos programas
de pesquisa em econom ia institucional prioriza, à exceção da
pesquisa de Douglass N o rth [1990J.
A configuração paradoxal dos anos 1919-1939 marca uma
etapa im portante na evolução de longo prazo dos m odos dc
regulação (cf. Figura 6).

72
DAS IF.IS m FKRRO DO CAPITALISMO À VARIF.DADF DOS M O DOS...

figuro 6. Sequência dos modos de regulação:


o exemplo da relação salarial

l.A e»ibc> o«P*«*> 34culonm 2.itoCut»<»od*aM corré«ci*40)*Cl«>XH

Regulação monopolista: os trinta anos gloriosos

É som ente a partir de meados dos anos 1950 que se estabelece a


regulação que se convencionou cham ar de administrada, ainda em
gestação no período entre-guerras tanto na França quanto nos
Estados U nidos. Na realidade, a passagem à m oeda de cotação
forçada é usada para financiar a acumulação e não mais as des­
pesas de guerra; a relação salarial é radicalm ente transformada
pela indexação do salário nom inal a partir dos preços e db que
se chamava à época de “dividendos do progresso”, o u seja, o
aum ento esperado da produtividade. Paralelamente, os elementos
coletivos que entram n o m odo de vida assalariado (acesso à
educação, saúde, habitação, etc.) são incorporados em sistemas
de cobertura social, quer sejam bismarckianos — quando são
as contribuições sociais e patronais que alim entam a cobertura

73
[KOHIA DA RKOOLAÇAO

social dos assalariados; quer sejam hcverídgianos — quando a


solidariedade social é financiada pela fiscalidade geral.
Essas mudanças fundamentais explicam a trajetória sem
precedentes d o salário: progressão quase contínua do salário real,
perda de sensibilidade do salário nom inal diante do desemprego
e caráter estagfiacionista das recessões. D e onde se conclui que
regulação m onopolista é m uito diferente de regulação de con­
corrência.Trata-se ainda de um a diferenciação com relação às
outras abordagens institucionalistas que continuam a fazer do
equilíbrio entre concorrência perfeita e inform açào simétrica
o ponto de referência a partir do qual as instituições realmente
existentes criam tantas imperfeições. Para a teoria da regulação,
ao contrário, essa configuração institucional era coerente e ge­
rava desem penhos que, retrospectivamente, pareciam notáveis.
Esse m odo de regulação entrou em crise a partir do final
dos anos 1960. Desde então, inicióu-sc um processo de recompo­
sição das formas institucionais que, até agora, não resultou num
sucessor tão claramcntc identificável quanto o era a regulação
monopolista.

M odos de regulação contemporâneos

Apesar disso, as pesquisas exploraram diversas hipóteses que se


organizam em vista de certa hierarquia das formas institucionais.

Acirram ento da concorrência, inclusive internacional

Em prim eiro lugar, a desregiilamentaçào e a abertura interna­


cional quase ininterruptas desde meados dos anos I960 fizeram
da concorrência um a form a institucional im portante, se não
dom inante [Petit, 1998|. l)e fato, ela tende a afetar a recom po­
sição da relação salarial.de m odo que os salários não sào mais

74
DAS LEIS DE FERRO D O CAPITALISMO A VARIEDADE DOS M O D O S...

apenas com ponentes da procura efetiva, mas tornam -se um


custo que contribui para a formação da competitividade. Mutatis
niutattdis, os Estados-naçòes estão em concorrência, inclusive em
termos fiscais, em razão da mobilidade m aior do capital, fazendo
com que as relações E stado/econom ia se transform em p o r isso
mesmo. Entretanto esse m odo de regulação potencial é diferente
da regulação de concorrência típica do século X IX no sentido
de que opera no âm bito de um Estado cujas intervenções são
m ultiform es, inclusive n o que diz respeito à cobertura social.

Um m odo do regulação dom inado pela terceirização?

U m a lenta em bora persistente transform ação das estruturas


produtivas o co rreu desde a Segunda G u erra M undial. E n­
quanto a indústria m anufaturcira era a força m otriz c tendia
a im por sua dinâm ica â conjuntura, o em prego terciário náo
parou de se desenvolver, a p o n to de deslocar o centro de gra­
vidade da econom ia [Petit, 1986). O setor de serviços m ostra
uma articulação peculiar das form as institucionais (relativa
segmentação, até m esm o bismarckiana, dos contratos de tra­
balho, concorrência p o r m eio da qualidade e da localização,
etc.). C onsequentem ente, nas economias contemporâneas, uma
parte significativa das propriedades dos m odos de regulação
tem sua origem no setor terciário. Por exemplo, em virtude da
inércia que prevalece nos serviços, as oscilações da atividade
têm um alcance m enor. Esse m odo de regulação poderia ser
vista no contexto da continuidade da transição da regulação à
m oda antiga (dominada pelo setor agrícola) para a regulação
de concorrência (im pulsionada pela indústria) e em seguida
para a m onopolista (caracterizada pela articulação peculiar
entre indústria e serviço).

75
TEORIA DA REGULAÇÃO

Um m odo de regulação financeirizado?

De acordo com um a terceira abordagem, a multiplicação tias


inovações financeiras e a abertura aos fluxos de capitais inter­
nacionais de muitas economias, tanto desenvolvidas quanto em
desenvolvimento, levantaram um a hipótese alternativa; a finan-
ceirizaçao do m odo de regulação [Aglietta, 1998]. Entretanto o
processo de recom posição das formas institucionais nessas duas
últimas décadas é tão com plexo que, até hoje, o surgim ento
de um m odo de regulação financeirizado continua incerto e
difícil de determ inar, pelo m enos nos Estados U nidos dos anos
1990. Mas, com a explosão da bolha da internet, esse m odo de
regulação revela suas limitações e não parece capaz de se aplicar
a um grande núm ero de países [Boyer, 2002b].
Essa pluralidade dos m odos de regulação potenciais ilustra
unia decorrência fundamental da teoria: se retrospectivamente
sua atualização dá a impressão de uma interpretação funcionalista,
no tem po real das transformações estruturais a incerteza que
rege o surgim ento dos m odos de regulação aparece claramente.

Conclusão: equilíbrio, desequilíbrio... regulação

A contribuição dessa problem ática e a justificativa da escolha


do term o “regulação” para caracterizá-la parecem evidentes.
M esm o que estude o processo de crescim ento, a teoria
neoclássica concentra-se na noção dc equilíbrio,}* que esse pro­
cesso deve convergir para um cam inho dotado de estabilidade
dinâmica, que o sistema de preços é suficiente para caracterizar.
Além disso, essa teoria m inimiza o im pacto da m oeda e ignora
o caráter dinâm ico do processo de acumulação inerente de uma
econom ia capitalista [Sapir, 2000).
A teoria do desequilíbrio [Bénassy, 1984] estuda a hipótese
de preços walrasianos e considera que eles resultam do processo

76
DAS LEIS DE FERRO 1 )0 CAPITALISMO k VARIEDADE DOS M O D O S...

uligopolístico de form ação de preços, o que corresponde de


lato às formas contem porâneas da concorrência. N o entanto,
m I v o exceções, os m odelos correspondentes não levam em

lom idcraçâo a dinâm ica da acumulação, tam pouco o papel


«Lis instituições, na coordenação das estratégias dos agentes
t'< oiiômicos.
A teoria da re&ulação, p o r sua vez, leva em conta toda
a extensão do im pacto das form as institucionais — relação
salarial, form as de concorrência e regim e m onetário — na
dinâmica da acumulação, que não mais se dá exclusivamente
em decorrência d o jo g o dos preços relativos. U m a vez que
alguns preços, com o salários ou taxa de juros, resultam do jo g o
<l.n formas institucionais, as ferram entas forjadas pela teoria do
desequilíbrio, especialm ente a noção de racionam ento, podem
ser empregadas para form alizar os m odos de regulação.

77
3
R e g im e s d e a c u m u l a ç ã o e
D IN Â M IC A HISTÓRICA

|á que a teoria da regulação trata das tendências de longo prazo,


um segundo conceito tem papel im portante: o de regim e de
acumulação. É im portante reconstitui-lo em vista d o esquema
dc reprodução proposto por Mane e seus sucessores. O objetivo
é Idrmalizar a dinâmica econômica por m eio da análise explicita
do im pacto das formas institucionais na distribuição da renda
entre salário e lucro, e da com patibilidade do imperativo de
valorização e de realização,para retomar a term inologia marxista,
lemos então um a m ultiplicidade de regim es de acumulação,
não som ente do ponto de vista teórico, mas tam bém histórico.
L.ssa variedade é bem delineada,já que a análise abrange tanto
economias de industrialização antiga quanto econom ias em
que o processo de industrialização é mais tardio.

Dos esquemas de reprodução


aos regimes de acumulação

Sc os m odos de regulação tornam claros os encadeam entos


conjunturais das principais variáveis m acroeconôm icas, tais
com o são compreendidas pelos agentes econôm icos, o regim e
de acumulação molda as feições de um m odelo de crescim ento
de longo prazo. Tal dualidade acarreta algumas dificuldades de
interpretação.

79
TEORIA DA REGULAÇÃO

Origem e significação

A noção dc regime de acumulação é fundamental e não acarreta


dupla interpretação com relação ã noção de m odo de regulação.
Uma primeira clarificação faz um paralelo com uma coexistên­
cia equivalente nas outras teorias macroeconômicas. Na tradição
keynesiana, o modelo IS-LM tem a função de traçar o impacto da
política econômica sobre os níveis de atividade, enquanto outros
modelos, de prazo mais longo, buscam apreender as condições
de um crescimento regular. A mesma dualidade ocorre na ma­
croeconomia neoclássica contemporânea: os modelos de ciclo
real representam as consequências de inovações monetárias ou
tecnológicas, enquanto os modelos de crescimento endógeno —
com o inclusive o modelo de Solow — deixam de lado a repro­
dução do ciclo para se ater aos fatores que contribuem para o
crescimento de longo prazo.
Mas há uma razão bem mais fundamental para o uso da
noção de regim e de acumulação. Fiel à intuição marxista básica,
a teoria da regulação tira da referência ao m odo de produção
capitalista a hipótese dc um papel determ inante da acumulação.
N o entanto, o regim e de acumulação diferencia-se dos esque­
mas de reprodução pelo fato de seus parâmetros característicos
originarem -sc fundam entalmente de duas formas institucionais:
a relação salarial e a forma de concorrência. Além disso, o valor
desses parâmetros é muitas vezes estim ado a partir de séries
longas <te estatísticas econômicas sobre a econom ia nacional.
Assim, dispom os de um m odelo de duas seções referente à
econom ia francesa dos trinta anos gloriosos |Bertrand, 1983] e
de um m odelo equivalente para os EUA fjuillard, 1993], assim
com o de um m odelo de vários regimes referente ao período
encre-guerras fBoyer, 1989].
O Q uadro 7 a seguir define com pletam ente essa noção,
bastando sublinhar os aspectos qualitativos e quantitativos. N a
realidade, a viabilidade de um regim e de acumulação levanta

80
RF.CIMES DE A< UMI'1A< ÀO E DINÂMICA HISTÓRICA

QUADRO 7. Da s f o r m a s institu cio nais à m a c r o e c o n o m ia


N*|lme de acumulação

( onjunto das regularidades que garante uma progressão geral e rela­


tivamente coerente da acum ulação d o capital, isto é, que permite
incorporar e desdobrar no tempo as distorções e 0$ desequilíbrios que
nascem permanentemente do próprio processo. Essas regularidades
ditem respeito:
• ao tipo de evolução de organização da produção e da relação dos
assalariados com o s meios de produção;
• ao horizonte temporal de valorização do capital, a partir do qual
podem se depreender o s princípios de gestão;
• ao compartilhamento d o valor permitindo a reprodução dinâmica
de diferentes grupos sociais e classes;
• à composição da procura social que tom a válida a evolução tendencial
das capacidades de reprodução;
• á modalidade de articulação com as formas não capitalistas, quando
tiveram um papel importante na formação econômica estudada.

M o d o d e regulação

Qualquer conjunto de procedimentos e comportamentos, individuais


e coletivos, que tem com o propriedade:
• reproduzir as relações sociais fundamentais por meio da combinação
de formas institucionais historicamente determinadas;
• manter e "pilotar" o regime de acumulação vigente;
• garantir a compatibilidade dinâmica de um conjunto de decisões
descentralizadas sem que seja necessária a internalização, pelos
atores econômicos, dos princípios de ajuste do conjunto d o sistema.

a questão da reprodução das form as institucionais. Q uan d o


um regim e de acumulação entra cm colapso, a arquitetura das
formas institucionais é diretam ente afetada. U ltim o esclareci­
mento: essa noção é em inentem ente abstrata e não pretende
traçar o c o m p o rtam e n to dos agentes econôm icos: trata-se
ile uma ferramenta de análise para o pesquisador regulacionista.

81
IfcOHIA DA RECUUÇÂO

Sequência de regimes de acumulação

As pesquisas históricas de período longo que têm com o ob­


je to os Estados Unidos, a França e outros países europeus e o
Japão m ostram de fato mudanças de regimes de acumulação.
D e maneira sucinta, há dois parâmetros-chave em escala secular.
I)e um lado, o caráter da acumularão:
• Com dominante extensiva, se a configuração produtiva for
ampla, mas sem unia m udança m aior das técnicas de produção.
* ('om dominante intensiva, se a organização da produção
for perm anentem ente transform ada para se extraírem ganhos
de produtividade.
l)e outro, as características da procura m ostram de maneira
determ inante duas configurações opostas:
O modo de consumo, inclusive o dos assalariados, é pouco
integrado à produção manufatureira governada pelo capitalismo,
tão somente porque era afiançado por um setor agrícola caracte­
rizado pela pequena produção mercantil ou por relações de renda.
A m edida que o assalariado e, em consequência, os níveis
dc salarização se desenvolvem, o próprio m odo de vida dos
assalariados se transforma, dependendo mais c mais da produção
m antida pelo setor capitalista.
A combinação dessas duas características define a priori qua­
tro regimes de acumulação efetivamente observados na história
{çf. Tabela 2). N ote-se que essas mudanças se dão em escala de
várias décadas. O importante é evidenciar os fatores que dão ori­
gem ã evolução dos regimes de acumulação. Muitas vezes são as
grandes crises que marcam os limites de um regim e c provocam
as transformações que anunciam um novo.

Caracterizar os modos de desenvolvimento

Vamos agora determ inar de que maneira esses diversos regi­


mes originam -se das propriedades das form as institucionais

82
MEGIMES DE ACUMULAÇÃO E DINÂMICA HISTÓRICA

Tabela 2. Q uatro g ra n d es r e g im e s de a c u m u la ç ã o : entre teo ria


• HISTÓRIA

N a tu re z a «la C o m d o m in a n te
' '- 'v a c u m u la ç S o
N atu reza d o n . E x ten siv a In ten siv a
ro n a u m o \
lW » o integrada ao Economia Economia
•apitalismo inglesa dos norte-am ericana do
séculos XVII1-X1X século X IX
$
Muito integrada ao Economia norte- Economias «la O C D E
«apitalittiK» americana Após 1945
Ú ltim o terço do ®
século XX

i ar.icterísticas de cada grande período e exam inar em quais


londições um regim e de acumulação viável pode prevalecer.
Nessa oportunidade, m encionaremos o m odo de regulação que
liuntém cada regime. Cham arem os de modo de desenvolvimento
* com binação de um regim e de acumulação e de um m odo
ile regulação.

A( umufação extensiva com regulação de concorrência

A teoria da regulação tem sua origem c sua pertinência nas


economias em que concorrência e relação salarial im põem sua
lógica à totalidade da atividade econôm ica. É o caso das eco­
nomias de industrialização antiga. Se nos referirmos à segunda
metade do século XIX, observaremos um a configuração bem
peculiar. A concorrência era determ inada pelas empresas capi­
talistas em razão da superioridade dos m étodos empregados e

83
TfcORIA DA RfcC.ULÀÇÀO

de suas organizações produtivas: tendiam a suplantar as formas


precedentes, por exemplo a da pequena produção mercantil, para
retomar a term inologia de M arx. A produção desenvolve-se sob
efeito da acumulação no setor m otor, que era então o setor das
empresas industriais capitalistas. £ nesse sentido que se pode
qualificar a acumulação de extensiva. Q uanto ao assalariado
industrial, ele se encontra em pleno desenvolvimento, ainda
que sendo m inoritário, contribuindo de m ancita decisiva para a
form ação d o lucro, em bora não seja, ou seja pouco, partícipe da
form ação da procura. C onsequentem ente, a reprodução econô­
mica concentra-se sobre a procura expressa pelas populações do
campo, pela burguesia ou então pelas despesas públicas. E nesse
sentido que se pode falar de uma procura alavancada pelos lucros.
C o m o se estabiliza a acumulação? Por m eio principal-
m ente das flutuações da frota de reserva, isto é, do papel tias
oscilações da atividade industrial sobre a form ação d o salário
nom inal. D e fato, se não estiverem bem organizados coletiva­
m ente, os assalariados dispõem de um fraquíssimo poder de
negociação. Q uan d o a conjuntura industrial entusiasma-se, as
contratações evidenciam a retornada do em prego, perm itindo
um aum ento dos salários. Q uando, pelo contrário, a conjuntura
se retrai, os assalariados sofrem na pele as crises industriais, que
tendem a atingir a econom ia com o um todo, à medida que se
suplanta a regulação á maneira antiga, centrada na atividade rural.
Na realidade, para além das espetaculares e muitas vezes
dolorosas transform ações sociais, esse regim e de acumulação
assegurou o florescimento do prim eiro capitalismo industrial.

Acumulação intensiva sem consumo de massa

As configurações da acumulação não resultam necessariamente


num regim e dotado de estabilidade dinâmica. Nesse sentido, o
período entre-guerras é esclarecedor. Em sua quase totalidade.

84
RHOIMKS DE ACLM U IA Ç Â O E DINÂM ICA HISTÓRICA

ilctivaniente, as formas institucionais passaram p o r transfor­


mações fundamentais. U m a prim eira m udança diz respeito à
mobilização da ciência e da técnica para desenvolver novos
produtos e exercer pressão na racionalização dos m étodos
de produção. O s ganhos de produtividade sem precedentes d o
período ilustram a transição para uma acumulação intensiva,
in m truída a partir da cumulatividade da m elhoria das técni­
cas de produção. E a época da produção de massa e dos seus
rendim entos de escala. O im pulso da salarizaçâo introduz um a
segunda transform ação com relação ao fim do século XIX.
Mor consequência, a procura que vinha dos assalariados torna-
te im portante, mas sua génese bate de frente com o fato de a
relação salarial continuar marcada pelo caráter com petitivo da
Inrmaçâo dos salários.
Nessas condições, a aceleração da produtividade conduz ao
início de um a acumulação puxada pelos lucros, mas que acaba
entrando em choque com um desequilíbrio entre as capacidades
de produção e a procura. l)c fato, o crescim ento da produção
industrial não é acom panhado de um a evolução tão favorável
do emprego, fazendo com que o salário real não seja ajustado
a partir dos ganhos de produtividade. Em consequência, a di­
minuição do crescimento da massa salarial pesa sobre a procura.
Pode-se explicar assim o caráter muito peculiar da crise aberta
de 1929 nos Estados Unidos: canto o boont e a euforia dos anos
1920 quanto a depressão de 1929-1932 ilustram a inviabilidade
do regime de acumulação oriundo da Primeira Guerra Mundial.

Ai umulaçào intensiva com consumo de massa

Por que um a sequência semelhante nao se reproduziu após o


lim da Segunda G uerra M undial, com o tem iam os contem -
|H>ráncos? Na realidade, a extensão c a sincronização das m udan­
ças ocorridas no âm bito dos compromissos institucionalizados

85
ThORIA DA REGULAÇÃO

criaram um regim e viável de acumulação intensiva já que, a


partir dos anos 1950, produção e consum o de massa andam
juntos. Essa mudança acontece, em especial, graças à institucio­
nalização de unia relação salarial fordista baseada no princípio
do com partilham ento ex ante dos ganhos de produtividade.
Paralelamente, a aplicação da ciência e dos avanços tecnológicos
à produção torna-se sistemática, enquanto se alarga o horizonte
tem poral de valorização do capital. Esse alargamento depende
também do vigor e da relativa estabilidade do crescimento, cujo
resultado contribui para a implementação de uma nova concep­
ção das relações Estado/economia. O Estado incentiva o investi­
m ento produtivo, realiza as infraestruturas necessárias à eficiência
do investimento e promove a cobertura social para a proteção
dos assalariados. Por fim, sob o estandarte do keynesianismo, os
governos desenvolveram políticas de estabilização da conjuntura.
Todos esses sao fatores que estendem o horizonte da previsão e
tornam possível a mobilização dos rendimentos de escala e dos
efeitos de aprendizagem.
O regime de acumulação intensivo baseado no consumo de
massa inicia,portanto, a era d o fordismo. C om relação aos regimes
anteriores (tf. Tabela 3), tem a peculiaridade de institucionalizar
uma complementaridade real entre o consumo dos assalariados
c o investimento, resultando em uma significativa divisão das
rendas, tanto entre salário e lucro quanto entre os próprios assa­
lariados. Esse regime de acumulação caracteriza-se por um modo
de regulação chamado de monopolista ou administrado, por ser
organizado a partir da institucionalização dos procedimentos de
ajuste em resposta aos riscos da atividade económica. Há uma
condição derradeira para o sucesso desse m odo de regulação: a
falta de coerção im portante oriunda do ambiente internacional,
o que perm ite o sistema dc Bretton Woods. Q uando os riscos
de inflação assumidos pelas diferentes regulações nacionais di­
vergirem, o potencial de crescimento estará cm geral restaurado
graças a um reajuste periódico das taxas de câmbio.

86
REGIMES DE ACUMULAÇÃO li DINÂMICA HISTÓRICA

lARCIA 3. QUADRO SINÓPTICO DOS REGIMES DE ACUMULAÇÃO

R e g im e b a te m ,vo I n lt n iiw «em I n te n s i v o E x te rn !vo,


com ro m u m o de com a fio ig u e lit ir io
rtg u la ç io de m a a t* ro m w n o
1 M tip o a e a tm \ c o o c o rrtn c ta de m ana

O fg a n itftflo G ra n d e T a y io fo m o , e m M o b ih u f io L tg u U tn c o to
4 « |w n d i i ( l o m a n u fa tu ra s e p a id ic a d m •Jot re n d i- d o t gm ho* de
d e m o n ta g e m m e n to » de p ro d u tiv id a d e e
w e il» U K c iric a ç ã o

M a la ç lo C o tn p e tk m S e iu p ic c o a n - C o d if i c a d o D n m n litH io .
m Iw UI p c tib v a i p e u r d o c o m p a r- in d tv k lu a h ia ç lu e
d o C itK ilu e m o tilh im e n to en fiM p iecim en co
d o u lá u o d m ganho* d e da» o rg a n u a ç d e s
jM o d u tiv td ad e cnbw n

1 « m p a rtU h a m e n to R e g u la d o pela K m b e n e fic io E r u b t lin ç ã o R edução d l


4w « a i o r a g r e g a d o f i o u d e reserva do* lucro* nr « u rd o p o rç ã o ta ia n a L c m
c o m p a ru •>*- tc g u td a c t u b i l i '
m em o sa ç lo
1 itiii(io U ç R o d a K u r il, P arte c re w e n tc P ap el m o to r E stratificada e m
p r u t u m « o c ta l b u rp M U . d a p ro c u ra d o í d a p ro c u ra d o t fu n ç ã o d a re n d a .

d e tp e u n a w a liru d o » a u a b ria d o r « b m rm k p d t
púN ka» ãx c n m p c tfc m u n

At umulação extensiva com aprofundamento


ths desigualdades

Nos Estados U nidos, esse regim e sucedeu o fordismo, visto


que sua crise se manifesta p o r um esgotam ento das fontes
anicriores de ganhos de produtividade, em decorrência de
la/òes diretam ente tecnológicas (dificuldade de conseguir
ganhos de produtividade diante da dem anda de diferencia­
ção dos produtos) e sociais (contestação da lógica d o tra­
balho fordiano). Já que à crise de um paradigm a produtivo
nJo se segue necessariam ente o u tro paradigm a d o tado de
* .iracterísticas equivalentes, os anos 1970 foram m arcados
prla volta de um a acum ulação com d o m in a n te extensiva
(i/ l igura 7). E paradoxal porq u e os esforços de inovação

87
TEORIA. DA RttCUIAÇ&O

Figura 7. Produtividade e salário real nos Estados Unidos

foram intensificados sem que tivesse se manifestado um a reto­


mada dos ganhos de produtividade, o que só vai acontecer na
década seguinte e mais ainda nos anos 1990.
O segundo co m p o n en te desse regim e de acum ulação
advém da erosão, ou mesmo da decomposição salarial fordista,
sob o efeito da perda de poder de negociação dos sindicatos face
ao desem prego que resulta da crise fordista. Descentralização
das negociações no âm bito das empresas, individualização dos
contratos de trabalho em fimção das competências, supressão
das cláusulas dc indexação com relação à inflação e aos ganhos
de produtividade, são alguns dos fatores que ocasionaram o
aum ento das desigualdades no próprio assalariado (cf. Figura 8).
As lutas de classificação tendem a substituir as lutas de classe, o
que contribui para o fim da relação salarial anterior.
O regim e baseia-se, portanto, em um aprofundam ento
da diferenciação dos produtos cm resposta ao aum ento das

88
RliCIMKS Dli ACUMULAÇÃO E DINÂMICA HISTÓRICA

Figure 8. Evolução das desigualdades de renda


nos Estados Unidos
{PrMMMMvsw«üttmo0e<fl)

riuiw .......
Supwtor

desigualdades, pois esse é o princípio de retroação da acum u-


l.is ao. Q uanto à "flexibilização” das relações salariais, ela autoriza
icdtiçòes de custos m ediante a dim inuição dos custos salariais,
c não pela busca de técnicas econômicas de trabalho, com o era
o «aso no fordismo, caracterizado pela previsão da perm anência
iln crescimento do salário real. Dessa form a, a abertura cada vez
i m .i i > acentuada à concorrência internacional tem com o conse­

quência a minoração dos castos salariais. Além disso, as trajetórias


ictomis diferenciam-se segundo o grau de competitividade.
Observação im portante: esse m odo de desenvolvim ento
c mIh*índices de desempenhos globais inferiores aos do fordismo,
niM.i vez que é caracterizado pela clara retração da progressão
ilt » nivel de vida, do desem prego mais elevado, dos lucros in-
• i i los e do aprofundam ento das desigualdades sociais, o que
ii,lo deixa de influir na própria aceitabilidade deste regim e.
I im ludo,ele sucede o fordismo, invalidando a hipótese de uma

89
TEORIA DA RUCULAÇÀO

evolução dos regimes de acumulação cm função de sua capa*


cidade de oferecer uma eficiência maior. Trata-se, pois, de um
desmentido endereçado tanto à construção neoclássica quanto às
concepções marxistas, que pressupõem um papel determinante da
produtividade sobre o crescimento e das forças produtivas sobre
a reconfiguração das relações sociais, respectivamente. Para a teoria
da regulação, as formas institucionais aperfeiçoam o regime de
crescimento, assim com o a direção e a intensidade da inovação.

Formalizar o fordismo para estudar


sua viabilidade e as crises

Com o apreender a viabilidade de um m odo de desenvolvimento?


Responder a essa questão pressupõe que se passou da análise ins­
titucional c qualitativa à representação quantificada das relações
entre as principais variáveis que atuam em cada configuração das
formas institucionais. Para fins pedagógicos, é a formalização do
fordismo que será apresentada em prim eiro lugar; a parte seguinte
desenvolverá um m odelo mais geral.

Encâdeamentos'châve

C om relaçao à caracterização anterior, é possível explicitar três


mecanismos primordiais do fordismo (çf. Figura 9). O prim eiro
diz respeito à dinâmica dos ganhos de produtividade: o cres­
cim ento perm ite que se consigam ganhos de produtividade
em conform idade com a existência de rendim entos de escala
e de efeitos de aprendizagem. O segundo associa, de maneira
mais ou m enos evidente, a form ação dos salários à evolução
dos preços ao consum idor e aos ganhos de produtividade.
Esse segundo mecanismo, portanto, define com o se repartem
os ganhos de produtividade entre salário e lucro. O terceiro

90
RFCIMRS DE ACUMULAÇA o B DINÂMICA HISTÓRICA

inrt.inism o mostra com o se form a a procura uma vez que já


se conhece a distribuição da renda, pressupondo que o con­
sumo dos assalariados é um indicador-chave para a decisão de
investimento das empresas.

Figuro 9. Ciclo virtuoso do crescimento fordiano e suas


très condições

M m W * E tu W W d e d e fraca
p t« v n U * A «M m
pfodiitM did* u p ttl/tra M to M am ario n al

Por fim, para que a procura se transform e em produção, é


preciso ainda que as capacidades de produção estejam disponí­
veis e que as im portações não absorvam um a parte im portante
dessa procura. A hipótese subjacente é que a econom ia não é
aberta ou é pouco aberta à econom ia internacional. Q uando
Mibtraímos essa hipótese, chegamos a outros regimes de acum u­
lação especialmente importantes nos anos 1980 e 1990, princi-
palmente em países ditos periféricos, ou seja, países fortem ente
dependentes em term os de comércio, tecnologia e finança,.

/ quações d e base

Iornando com o base essa representação extremam ente simplift-


i Jtl.i do circuito econômico, é possível construir um modelo que
descreva as variáveis-chave desse regim e (çf. Q uadro 8, pág. 92).

91
TEORIA l>À REGULAÇÃO

Q u ad r o 8 .0 m o d e lo oe crescim ento f o r d ia n o
Equações
(I) PR »e*b .({/Q )*d .Q PR: Produtividade; Q: Produção
\2) (I / Q ) • f * v . ê l: Volume do Investimento; C: Consumo

(*) £ » e . fri . SR) ♦ c N: Emprego; SR: Saldtio real;


(4) (SR) ■ k , P^ ♦ h k: Coeficiente de compartilhamento dos ganhos de
produtividade
(S| Q « ò » a .i*(l-c 0 .1 D: Procura com a * (C/Q|.| vanivel de longo prato

(6) H d-PR Determinaçlo do emprego


O s ' designam as taxas de cresomento de cada variivel

Representação gráfica
O modelo anterior é interpretado facilmente como resultado de um duplo
processo:
1. Garantido o ritmo de crescimento dos mercados, quais são as tendências
da produtividade (relação (I))?
2. Para uma determinada evoluçSo da produtividade, qual é a distribuiçSo
das rendas entre salário e lucro, crescimento do consumo e do investimento
e, por fim, da procura global (relaçáo (II)]?

Simplificando e linearizando certas relações do modelo, a solução analítica


é a seguinte:

(I) PR ■ a ♦ s .à (10 & « C + D . PR


C(1-8)4A(0-1)
(..0*
i - o.e 1 - 0 .6
C o m A « **tife B « tov ♦ d
C m q . (< ■ h ♦ g) ♦ (t - « ) . f
O. ___
l-a .c -| l*a ).v l- q .e - d - c g .v

92
REGIMES DE ACUMULAÇÃO E DINÂM ICA HISTÓRICA

A evolução da produtividade depende das tendências


da* mudanças técnicas, da intensidade da form ação do capital
v da existência de rendim entos de escala crescentes. Esses três
lerm os abrangem diferentes concepções. A tradição schum -
peteriana é representada pelo term o constante, expressão de
tendências exógenas à mudança técnica. O s modelos de geração
de capital traduzem -se pelo im pacto do fluxo de investimentos
na m elhoria das tecnologias. Pôr fim, as análises kaldorianas,
que se revelaram essenciais, levam em consideração o im pacto
do dinam ism o da produção sobre a produtividade.
A intensidade da form ação d o capital depende d o ritm o
de c rescim ento d o consum o, o que acarreta um a dupla inter­
pretação. C onform e a tradição pós-keynesiana, reconhece-se
mu mecanismo de aceleração, mas trata-se tam bém do fato de
a m odernização do setor que produz os bens de consum o ser,
no fordismo, o principal m otivador da produção de máquinas
v bons de equipam ento. Essa segunda equação resum e então
uma característica-chave do m odelo em seções produtivas
jllortrand, 1983).
Q u an to ao consum o, ele faz parte de uma lógica mais
kaleckiana q ue keynesiana. N a realidade, deve-se a M ichal Ka-
lecki a m áxima segundo a qual “os capitalistas ganham o que
gastam, os assalariados gastam aquilo que ganham ’*, que reflete
a assimetria fundamental que caracteriza a relação salarial. Dessa
form a, o consum o depende da massa salarial, hipótese mais
tazoável já que a atividade salarial é dom inante. Sem maiores
dificuldades, poder-se-ia levar em conta u m com portam ento de

consum o diferente para os assalariados e os titulares d o lucro.
A formação d o salário diz respeito a duas hipóteses centrais.
( 'om o o salário nom inal está totalm ente atrelado a um índice
de preços d o consum o, é o salário real que se torna a variável
pertinente. Entretanto, o salário real é objeto de um a indexação
mais ou m enos clara e institucionalizada a partir dos ganhos de
produtividade. N ota-se a falta de qualquer relação referente à

93
fcORIA DA REGULAÇÃO

situação do em prego e do desemprego, em conform idade com


os ensinam entos dos estudos econôm icos que mostram o papel
m enor do desem prego no fordismo [lioycr, 1978).
A quinta equação cem a forma de uma simples equação
contábil que iguala produção e procura. Entretanto ela tem um
significado econôm ico peculiar,já que postula que é a dinâmica
da procura que limita a produção, estendendo ao m edio e ao
longo pra 2o um a hipótese que a m acroeconom ia contem po­
rânea preconiza apenas para o curto prazo. Essa hipótese deixa
de lado a concepção compartilhada pela quase totalidade dos
macrocconom istas (neoclássicos, neokeynesianos e clássicos).
Foi criticada (D um énil e Lévy, 2002], mas tem o m érito de
evidenciar a dependência das capacidades de produção com
respeito à evolução da procura, tanto por m eio de investimento
c mecanismo de aceleração quanto em decorrência da depen­
dência da intensidade de mudartça técnica com relação à pressão
da procura. D a mesma forma, a sexta e última equação define
o crescim ento do em prego com o distensão entre as tendências
da produção e da produtividade. Incorpora realm ente um a hi­
pótese forte, mas não necessariamente invalidada pelos dados
econom étricos: o em prego não depende essencialm ente de
fenôm enos de substituição c a p ital/trab alh o , mas d o nível
da procura e dos determ inantes da produtividade [Boyer,1999|.
O que vem se inserir na tradição dos modelos de crescim ento
pós-keynesianos.

Três condições de viabilidade

As equações m encionadas anteriorm ente podem ser interpre­


tadas a partir de um duplo processo, característica típica de unu
teoria do crescimento cumulativo aplicada ao fordismo (segunda
parte do Q uadro 8 acima). Em prim eiro lugar, conhecendo-se
o ritm o de crescim ento da procura, quais são as tendências da

94
REGIMES DE ACUMULAÇÃO E DINÂM ICA HISTÓRICA

produtividade? Em seguida, com vistas à evolução da produ­


tividade, com o se distribui a renda e qual é, em consequência.
0 crescim ento do consum o, do investim ento, em sum a, da
produção? Para cxemplficiar, o crescim ento fordista decorre do
equivalente a um m o to r de dois tempos: no início a produti­
vidade destrava o crescim ento, depois o crescim ento estimula
a produtividade. Essa form ulação literal dá a impressão de um
pmeesso explosivo, pois que c fúndamentalmente desequilibrado.
De fato, para que um regim e seja viável, é im portante
que um a perturbação exógena transitória não afete o cam i­
nho de crescim ento, condição que pressupõe que o nível de
indexação d o salário real com relação â produtividade esteja
1 oinpreendido entre dois limites definidos a partir d o regim e
de produtividade e de procura. Se for m uito baixo, a eco n o ­
mia corre o risco de colapso; se for m uito elevado, há risco
de explosão (çf. Q uadro 9).
Mas essa não é a única condição. E preciso garantir que
m lucros não evoluam desfavoravelmente a p onto de p o r em
|ogn a validade da equação (2), que apresenta o dinam ism o do
i niiMiino com o único fator explicativo do investimento. E pre-
ih n que a indexação do salário real a partir da produtividade
iv)j inferior a outro patam ar lim ite dependendo do regim e de
piodutividade e de procura.
Por fim, se quiserm os considerar uma característica im -
pnii.inte do período fordista, é preciso ter a garantia de que o
*mprego seja crescente. Essa condição é atendida se os com po­
nentes autónom os da procura tiverem um dinam ism o superior
■n tendências do avanço técnico em m atéria de econom ia no
•liiilmo do trabalho. Chegam os assim ao que se pode chamar
«li' i aracterizaçâo neoschum peteriana do fordismo: o emprego
• t icscente desde que a inovação de produto leve a m elhor
«iihir a inovação de processo.
I .t* todo o interesse da modelação econômica, ainda que ex-
itniMincnte simples: tornar explícitas as condições de possibilidade

95
ItO R IA DA fttt.U L A Ç À O

Q u ad r o 9. Co n d içõ es d o processo de crescim ento fordista


virtuoso
A o observarmos o período 1950-1967, encontramos três características
fundamentais: crescimento tendencial, claramente moderado, d o emprego;
relativa estabilização das oscilações conjunturais; e, pelo m enos inicial­
mente, falta de tendência adversa importante com respeito à porção dos
lucros. O m odelo permite determinar em quais condições tecnológicas e
institucionais essas três características são confirmadas.
Para que o emprego aumente, é preciso que o s componentes autônomos
da procura (tanto consum o quanto investimento) tenham um dinamismo
superior às tendências do avanço técnico em matéria de economia no
âmbito do trabalho (Condição Cl).
Para que o cam inho de crescimento seja estável por m eio de um pro­
cesso de autocorreçâo dos desequilíbrios de curto prazo, o nível de inde­
xação dos salários com relaçlo à produtividade deve estar compreendido
entre dois limites determinados pelas características das técnicas e pela
formação da procura (Condição C2).
A falta de evolução desfavorável com relação aos lucros pressupõe
que o nível de indexação d o s salários é inferior a outro limite, função dos
parâmetros técnicos e da procura (Condição C3).

C l ^ r í - B) f A |P - 1| > 0 CondiçSo de crescimento do emprego


I -0 8
a i |1- uc - [1 - a)v| „ k < t . II- O C - a - «Kl condlçaodeestaMidadt
qc (bv * d) cc(bv«d) do caminho de crescimento
C3 A + 8 . (C * 0 ' A 1 i h C ondiçio para que a p orçlo dos
1 1 - DB I 1 - k lucros nSo cata tendenoalmenta

de um regim e fordista. Sim etricam ente, perm ite diagnosticar


os fatores de crise desse regime.

Fontes de crise

À luz desse m odelo, sào três as fontes de crise.


Pode acontecer que, em prim eiro lugar, esgotem-se os ga­
nhos de produtividade ligados aos m odelos fordistas de produção*

96
REGIMES Dfc ACUMULAÇÃO t DINÂMICA HISTÓRICA

iitnu) foi observado inicialm em c nos EUA (Bowles, G ordon


c Weiskopf, I986| e posteriorm ente na França [Coriat, 1995),
la/cndo com que a econom ia entre num a zona de instabilidade.
Em segundo lugar, a m anutenção do pleno em prego dá
|>odcr de negociação aos assalariados, que reivindicam então
um.) indexação mais eomplela dos seus salários sobre os ganhos
de produtividade. Em scguida,a ruptura posterior das tendências da
produtividade com relação às previsões, nas quais se baseavam
os acordos coletivos, pode tam bém elevar o grau de indexação
observado expost [Boyer, 1986b). A partir do m om ento em que
o patamar superior definido pela condição C 2 é ultrapassado,
a estabilidade do regim e de crescim ento não é mais garantida.
For fim, na falta de inovações radicais em matéria de pro­
dutos, a maturação do consum o de massa pode implicar uma
evolução desfavorável do emprego,já que a$ inovações em matéria
de procedimentos levam a melhor sobre as inovações cm matéria de
produtos [Lorenzi, Pastré eTolédano, 1980; Réal, 1990). Além
disso, o próprio sucesso da produção fordista acarreta um deslo­
camento do emprego em direção ao setor terciário [Petit, 1986),
inclusive de educação, saúde e lazer, áreas nas quais os métodos
lordianos são a priori pouco adaptáveis, visto que a procura deve
ser resolvida por uma intervenção do Estado, tema presente desde
os trabalhos pioneiros da teoria da regulação [Aglietta, 1976).
Portanto, antes mesmo de entrar em uma zona de instabilidade,
pode ocorrer na econom ia uma divergência entre a evolução da
população ativa e a dinâmica do emprego.
Ademais, se os lucros forem então afetados negativamente,
ocorrerá um a diminuição, até m esm o um bloqueio do investi­
mento. A econom ia sai assim da zona dc validade do fordismo
p.ira entrar num a zona chamada de clássica, na qual a deterio-
uçáo dos lucros influencia negativamente o nível da atividade.
Eis então os fatos que nos fazem lem brar das evoluções
observadas tanto nos Estados U nidos quanto em diversos países
europeus nos anos 1970.

97
Tt-.ORIA DA REGULARÃO

Modelo geral com vários regimes

A partir do final dos anos 1970, as limitações dos regimes de


crescimento do pós-guerra, relacionadas à crise do fordismo ou
à desestabilizaçâo do sistema m onetário internacional, parecem
evidentes para a maioria dos atores econômicos. Provocam, em
prim eiro lugar, um a reviravolta das políticas econômicas, depois
um retorno aos fundam entos de certas formas institucionais.
Se o m onetarism o surge com o o prim eiro a disputar a legitimi­
dade do kcynesianismo.é. em seguida, a concepção clássica que
volta de form a marcante: os salários, antigamente considerados
um fator de dinam ização da procura, passam a ser cada vez
mais considerados encargos que pesam sobre a rentabilidade
das empresas e sobre a competitividade da economia nacional.
Em consequência, muitos governos conservadores revisam a
legislação do trabalho, promovem a concorrência e a abertura
internacional e redefinem o papel do Estado — a tal pom o que,
no início dos anos 1980, pelo menos nos discursos políticos, uma
concepção dos andpodas do fordismo tende a se impor: a dimi­
nuição salarial de hoje acarreta os lucros que suscitarão o inves­
tim ento de amanhã e o emprego de depois de amanhã, proposta
conhecida com o Teorema de Schmidt. Era apenas a prim eira etapa
de uma estratégia que ficou conhecida na França com o desinflação
competitiva |Lordon, I997| e, em nível internacional.de política
conservadora neoliberal [Bowles. Cíordon e Weiskopf, 1986; Dover,
1990]. Mas em que medida esse regime de acumulação é viável?

Reintrodu/ir os fatores de concorrência

Esse novo curso das políticas econôm icas é um convite à ge­


neralização do m odelo fordiano acrescido dos mecanismos de
concorrência. E tam bém um a m aneira de analisar os regimes
de acumulação extensiva em regulação de concorrência, típica

98
REGIMES DE At U M UIAÇÀO E DINÂM ICA HISTÓRICA

do século X IX , na condição de caso-lim ite desse m odelo.


Hasta proceder a duas generalizações. Em prim eiro lugar, o
investimento depende tanto da evolução do consum o quanto
dos lucros. Em segundo lugar, o salário real nâo depende mais
unicamente da produtividade, mas tam bém do crescim ento do
emprego com o m edida da situação do “m ercado de trabalho”
[f( Q uadro 10).

Multiplicidade de regimes de produtividade e de procura

A consequência dessa extensão é tornar consideravelmente mais


ricas as configurações respectivas dos regimes de produtividade e
de procura. N o que diz respeito ao regim e de produtividade,
fica evidente que esta pode se revelar crescente com a produ­
ção não som ente no caso fordiano, em que os rendim entos de
escala são elevados, e a indexação, limitada, mas tam bém em
um caso tipicam ente clássico: o crescim ento alimenta os lucros,
que, por sua vez, estimulam o investimento, fonte de ganhos de
produtividade. O regim e de procura pode tam bém ser crescente
com a produtividade no caso clássico, em que a form ação dos
salários é principalm ente competitiva, e o investimento, bastante
dependente dos lucros. Assim parece possível um regim e de
acumulação em conform idade com a intuição clássica.
Parece que podem tam bém existir regimes híbridos. Ainda
que existam rendim entos crescentes, pode-se observar um a
relação negativa entre produtividade e crescim ento, já^que o
nível de indexação dos salários é m uito elevado. D o mesmo
m odo, a indexação dos salários não é um a condição impres­
cindível para que se observe um regim e de procura crescente
com a produtividade, pois basta reforçar o papel do lucro para
que se inverta o regim e de procura.
Q u an d o com binam os os diferentes regimes de produti­
vidade e de procura, obtem os um a variedade de configurações

99
TEORIA DA REGULAÇÃO

Q u a d r o 10. R e g im e s o c a c u m u l a ç ã o : m o d e l o o e r a l

Para tratar dos modos de regulação de concorrência, como a influência das estratégias
liberais sobre a transformação do regime de acumulação fordista, é importante gene­
ralizar o modelo de crescimento apresentado anteríormente [ c f. Quadro 4 , p á g . 4 2 ).
Fundamentalmente, o encadeamento clássico está exposto abaixo. Salários competi­
tivos possibilitam altos lucros, que alimentam o investimento e, consequentemente, a
produtividade. O restabelecimento do crescimento — puxado pelo investimento e, em
economia aberta, pelas exportações — acarreta, enfim, um dinamismo do emprego. De
forma ideal, o circufo virtuoso clissko apresenta-se da seguinte forma:

Encadeamentos do crescimento ciássko


Sallrfos Lucre Investimento . — Produtividade
eompetKtvos

PrOducSo

^ —- ----- tfflprepo

De fato, em decorrência das necessidades de análise, esses mecanismos serio com­


binados com os mecanismos do eido fordiano referente ao sincronismo entre salário
real e produtividade. Para tanto, basta introduzir duas generalizações:
O índice de Investimento depende tanto do ritmo de crescimento do consumo
quanto da parcela dos lucros no valor agregado {equação 2'). A equação contém como
caso particular tanto a hipótese clássica pura (v»0,u>>0) quanto a hipótese fordiana
típica (v > > 0, u ■ 0).
O salário real combina duas determinações opostas: uma repartição expHcita dos
ganhos de produtividade e dos efeitos de concorrência, em conformidade com a elasti­
cidade positiva das tendências do emprego (reiaçlo 4'}. As configurações escalonam-se
(k
do caso fordiano típico > 0 ,1■ 0) ao caso de concorrência puro * 0, l > > 0). (k
Daí, com relação ao modelo anterior, as três mudanças a seguir:
( ♦ u|2£] I: Voíume de Investimento; C: flua 4# cresamert© 4o
q l q I consumo; PftO/Q: Parecia 4« lucros
|4') S R c k . r f l c t . A c h I: elasticidade do u lir t o real com roia flo ao emprego
(7) PRO • Q • SR . N OetefmmeçJo dos lucros

Após a simplificação e linearização, a solução tem a mesma forma geral que a anterior
(cf. formulas (I) a (III) do Quadro 8, pág. 92), com as novas expressões, que são as seguintes:

A a acbfcvg»b(vc-u).h b |w U ♦ t) - 1| ♦ d
1 - b (vc - u ) . Ik - 1 - Q 1 - b (vc - u ) . (k - 1 - < )
g a 0 - a j f ♦ Ich ♦ |) | a * (1 ~ <4 . v|- h O - O 0u
1 - ( a M l • a j v ) . c (1 * ( ) * < (1 - <4 . u
0 m foc » f l - <4 v) v c - ( 1 » <4 u ) . |fc- t - 1)
1 - [ac O -<4 v|. c fl ♦ t| ♦ C|1 -<4 . u

1(X>
M.CIMES DF ACUMUI.AÇÀO E DINÂMICA HISTÓRICA

i|«tc correspondem ora a regimes de acumulação viáveis ora a


Mtiuçòes de crise.

Hvtorno à periodização

I Au tipologia perm ite que se faça um a interpretação mais ana­


lítica da sequência dos períodos apresentados anteriorm ente
(ti figura 10,pág. 102).
O sécub X I X caractcriza-sc por tuna forte influência da
*t iimulação d o capital sobre a produtividade, porém com ren­
dimentos de escala m oderados. O s salários são essencialmente
competitivos e o investim ento é dependente dos lucros. Para
valores verossímeis dos parâmetros, um regim e de acumulação
.Hiteriormente cham ado de extensivo em regulação de con-
t orrência é capaz de se estabelecer e acarretar um crescimento
moderado, porém estável.
O período entre-guerras é m arcado pela im portância dos
irndimentos de escala típicos da produção de massa. Os salários
i ontinuam a se formar numa base fundanientalmcntc de concor­
rência, dando continuidade ao período precedente. N o entanto
uma novidade está ligada ao fato de o investimento tornar-se
sensível à procura, inclusive da procura oriunda dos assalariados,
cm razão do aum ento do núm ero dos mesmos. Em consequên­
cia, o ritm o dc crescimento aumenta, mas o processo torna-se
instável devido á relação negativa entre procura e produtividade,
cm razão fundamentalmente da falta de indexação do salário com
relação à produtividade. É assim que se pode interpretar a crise
de 1929-1932: crise de um regime de acumulação intensiva sem
surgimento de consumo de massa.
A era dos trinta anos gloriosos é, pois, o prolongam ento do
período entre-guerras visto que há continuidade da im plem en­
tação dos m étodos de organização científica d o trabalho e que
a dependência do investim ento com relação ao dinam ism o da

101
IKORfA DA RKCUIAÇÀO

procura se aprofunda. A elaboração de m odelos mostra que a


mudança fundam ental c a que diz respeito ao comprom isso sa­
larial fordiano em virtude do qual os assalariados têm acesso aos
“dividendos d o progresso”, ou seja,a um com partilham ento dos
ganhos de produtividade. Estimativas econom étricas que tem
com o objeto os Estados U nidos |Leroy, 2002] confirm am que [
essa m udança bastou para possibilitar o advento do fordismo, j
isto é, de um regim e viável de acumulação intensiva baseado ^
no consum o de massa. 1

Figu ra 10. Periodização da acumulação e de suas crises

102
REGIMES DE ACUMULAÇÃO E DINÂMICA HISTÓRICA

O período dos vinte anos dolorosos (anos 1970 e 1980) apresenta o


hm desse regime a partir do efeito da conjunção de diferentes mu­
danças. O fenôm eno determinante é a forte desaceleração dos ga­
nhos de produtividade em razao do quase desaparecimento dos
rendimentos de escala, em decorrência do advento da maturidade
ilas indústrias fordianas. Esse fenôm eno foi espetacular nos EUA,
propagando-se em seguida pelos outros países industrializados.
Em alguns países europeus, a supcrindexaçâo dos salários penalizou
os lucros e contribuiu para quebrar o círculo virtuoso anterior.
Cor fim, as estratégias de liberalização fortalecem a concorrência
rm escala internacional e interna, o que nos faz voltar aos de­
terminantes do investimento: o lucro, mais ainda que a procura
doméstica oriunda dos assalariados,já que as economias nacionais
abriram-se inicialmente para o comércio internacional e depois
para os fluxos de capitais. Daí advém uma forte diminuição do
descim ento e dos encadeamentos conjunturais, rom pendo com
m trinta anos gloriosos e recorrendo a intervenções sistemáticas
dm poderes públicos, com vistas não somente a controlar uma
instabilidade recorrente, mas principalmente a reformar as insti­
tuições herdadas do pós-guerr.i.

Conclusão: o fordismo, conceito


importante mas não exclusivo

A presente perspectiva possibilita com preender o papel atri­


buído ao fordismo pela teoria da regulação. Essa noção perm ite
tam bém que se apresente uni período que parecia mais e*mais
excepcional tanto em term os de rapidez c estabilidade do
i rcscimento quanto em term os de progressão do nível de vida.
I Af parte da ruptura com relação à história de período longo,
opondo-se aos desem penhos medíocres das décadas de 1980 e
1000 e fortalecendo o diagnóstico sobre a singularidade desse
icgiinc de acumulação — que tornou possível, de fato, conciliar

103
TKÜfUA OA RIIGULAÇÂO

margem elevada e estabilidade do lucro com progressão da renda


dos assalariados e com binar eficiência dinâm ica e dim inuição
das desigualdades, dinam ism o do setor privado e ampliação das
intervenções públicas.
Mas essa interpretação é apenas um dos resultados da cons­
trução teórica: antes desse regime vieram outros cujas propriedades
eram diferentes; ele entra cm crise em decorrência do seu próprio
êxito,e uma grande parte dos esforços da teoria da regulação visava,
desde então, a diagnosticar quais poderiam ser seus sucessores. Por
fim, com o mencionamos na Introdução, é a observação da crise
do fordismo que provocou o surgimento dessa problemática da
regulação — o que nos convida a um balanço dos resultados a
respeito da análise das crises.

104
4
T e o r ia d a s c r is e s

liste capítulo propõe uma análise mais sistemática da definição,


d.i origem e do desenrolar das crises, tem a já abordado nos
i apitulos anteriores. N a realidade, os conceitos da teoria da
regulação foram elaborados a fim de darem conta tanto dos
lutores referentes á existência de um m odo de regulação e de
um regim e de acumulação quanto dos fatores que contribuem
para sua desestabitizaçào. A construção é am plam cntc original
(Otn relação às teorias m acroeconôm icas contem porâneas.
Não se trata tam pouco da simples repetição dos trabalhos de
história econôm ica, ainda que se inspire na Escola dos Anais.
A evidência da variedade das formas que as crises assumem não
representa um obstáculo à explicação de um pequeno núm ero
de mecanismos básicos que levam às crises, que, p o r sua vez, num
i erto nível de abstração, são dotadas de invariância.

Dialética crescimento/crise

Insistir sobre as condições de uma acumulação viável leva a


iniercssar-se simultaneamente pelos fatores de desestabilização
dm regimes de acumulação. Fiel â sua filiação marxista, a teoria da
legulação considera que o perfil cíclico da conjuntura resulta das
próprias características das formas institucionais, no caso a concor-
têm ia e a relação salarial: tendência à superacumulaçlo durante
,i expansão, em seguida a regressão e o ajuste dos desequilíbrios
surgidos durante a fase de recessão, depressão ou crise.

105
TEORIA DA RECUIAÇAO

Concepção geral

Assim, é novam ente fundamental a referencia à noção de nunin


de produção. Ela apresenta um determ inante com plem entar da
acumulação, sobretudo com relação à concorrência que opera
na totalidade dos mercados: o im pacto sobre a form a tia relação
salarial. D o m esm o m odo, o crescim ento não é o resultado ga- i
rantido da aplicação do progresso técnico, mas a expressão da j
coerência de um conjunto dc formas institucionais. C om relação '
às crises, a diferença de interpretação é ainda mais acentuada. ,
N a maioria das teorias macroeconômicas, elas são consequência I
de im perfeições dos mercados ou da inadequação de políticas
que visam a evitá-las. Na realidade, as crises são a própria tra­
dução das características d o m odo de regulação c do regime
de acum ulação (í £ Tabela 4).

Ta bela 4. Co m p a r a ç ã o c o m a teoria padrão

Teoria padrão Teoria da regulação


_______ (TP> <TR> ____
Concepção geral C onjunto dc (Capitalismo, um conjunto
mercados de formas institucionais
interdependentes
Fatores de crescimento Progresso técnico Resultado da viabilidade
(cxógcno/endógeno) (local, transitória) do I
regime dc acumulação
O rigem das crises Imperfeições dm Expressão das tendência* ,
mercados * do m odo de regulação
Erro dc política * do regime dc acumulação
econômica

N a verdade, a contribuição para a com preensão das crises


é interpretada com referência às três fontes de inspiração da
teoria da regulação.

106
TEORIA DAS CRISES

i mI»w ( ompleta de crises

N iiiiir econom ia cm que o m ercado não é mais a única form a


i!c organização das trocas, m últiplos tipos de desajustes são
pmdveis (tf. Q uadro 11, pág. 108). Eles podem , à prim eira vista,
uirgir com o consequência de choques exógenos: im pacto de
uma crise internacional, conflito, catástrofe natural, etc. Porém ,
na maioria das vezes, o perfil delico de evolução das variáveis
macroeconômicas é a própria expressão do m odo dc regulação
vigente, que, em geral, possibilita reabsorver periodicam ente
a tendência à superacumulaçâo. Para os historiadores e pensa­
dores contem porâneos, isso aparece com o um a crise, em bora
a viabilidade da econom ia nao esteja em jogo, já que os de­
sequilíbrios são resolvidos m> âmbito do modo de regulação, sem
transformação significativa.
Entretanto nao se trata da única forma de crise. Pode acon­
tecer, de fato, que a repetição dos ciclos da acumulação acarrete
nina lenta alteração dos parâmetros do regime vigente e que, em
vez de corretores, os mecanismos correspondentes revelem-se
desestabilizadores. O bserva-se um episódio dessa natureza
quando a diminuição, quiçá a suspensão da acumulação, não for
Mificiente para provocar uma retomada endógena. Os primeiros
trabalhos regulacionistas qualificavam um episódio com o esse
de grande crise ou de crise estrutural.
O desenvolvimento das pesquisas tornou mais rica essa
primeira distinção. E de fato útil diferenciar crise do modo de
tegttlafào e crise do regime de acumulação. N o prim eiro caso/os en­
cadeamentos conjunturais podem ser desfavoráveis, mas o regime
de acumulação perm anece viável. Porém, no segundo caso, é o
próprio princípio dc regime de acumulação que está em jogo.
Trata-se de um nível de gravidade bem mais alto. Por fim, em
decorrência do fracasso da recomposição das formas institucionais,
u o possivelmente as próprias relações sociais fundamentais do

107
TEORIA DA REGULAÇÃO

Q u a d r o 11. Cinco f o r m a s de crise no â m b it o de u m a m e s m a


C O N FIG U RAÇ ÃO IN STITU C IO N AL

A teoria da regulação distingue cinco tipos de crise, classificadas por


ordem crescente de gravidade, no sentido de terem relação com formas
institucionais cada vez m ais essenciais.

1. Crise com o perturbação externa


Episódio em que a busca pela reprodução econômica de uma dada
entidade geográfica encontra-se bloqueada em decorrência ou de
penúrias ligadas a catástrofes naturais ou climáticas, ou de colapsos
econômicos cuja origem é externa, no contexto internacional em es­
pecial ou, finalmente, em decorrência de guerras.

2. Crise endógena ou cíclica, expressão do m odo de regulação


Fase de reabsorção das tensões e desequilíbrios acumulados durante
a expansão, no próprio âm bito dos m ecanism os econôm icos e das
regularidades sociais, portanto, do m odo d e regulação que prevalece
em um dado país e em uma época determinada. Nesse sentido, a su­
cessão de fases favoráveis e em seguida desfavoráveis è acumulação é
consequência direta das form as institucionais vigentes, que são pouco
ou parcialmente afetadas por essas crises cíclicas.

3. Crise do m odo de regulação


Episódio durante o qual o s m ecanism os associados ao modo de re-
gulaçâo vigente revelam-se incapazes de reverter o s encadeamentos
conjunturais desfavoráveis, enquanto, pelo m enos inicialmente, o
regime de acumulação for viável.

4. Crise do regime de acumulação


É definida quando se atingem os limites e o aum ento das contradições
no âmbito das formas institucionais mais essenciais, isto é, as que con­
dicionam o regime de acumulação. Implica a prazo a crise da regulação
e portanto do m odo de desenvolvimento com o um todo.

5. Crise do m odo de produção


Colapso do conjunto das relações sociais nos aspectos em que são
inerentes ao modo de produção. Em outras palavras, a chegada aos
limites de uma configuração das formas institucionais precipita o ques­
tionamento e a abolição das relações sociais vigentes naquilo que elas
têm de m ais fundamental.

108
TEORIA DAS CRISES

inofto de produção que estão em jogo. Pode-se então falar de


ttise do modo de produçào.
Essa tipologia, que se depreende da arquitetura dos conceitos
básicos da teoria da regulação, pode parecer abstrata. Na verdade,
im u concepção semelhante está implícita em muitos trabalhos
de história cconôm ina inspirados pela Escola dos Anais. A partir
dos anos 1970, a recorrência das crises tende a mostrar a im­
portância das diferenciações propostas pela teoria da regulação.

(ju a d ro d e leitura da história das crises

( iada tmi desses tipos foi observado no passado, e a tipologia


.ipida a esclarecer as crises contem porâneas (ef.Tabela 5).

Tabela 5. Em p r e g o d a t a x o n o m ia das crises

T ip o N a h istó ria P e río d o


c o n te m p o râ n e o
1. <llioquc Crise de Choques ilo petróleo dc
aparentemente abastecimento 1973 e 1979; primeira
exógeno e segunda guerras do
Iraque
2. Crise com o parte da C iclo d m negócios S i o p - a n d - g o da regulação
regulação d o século X IX m onopolisu
.V Crise <U regulação C iclo nao reprodutivo: Aceleração da inlUçio
1929-1932, EUA e reiríndtcaçào de
indexação nos anos 1960

4. Crise do regime de Acumulação inccmiva Crise japonesa do;


acumulação sem consum o de niavsa anos 1990; ense
asiática de 1997
1 Crise do m odo de Crise do feudalismo Colapso da economia
produção soviética

109
TliORIA DA REGULAÇÃO

C h o q u e s s e m p re p re se n te s — Nas economias contem ­


porâneas, o equivalente dos choques que representavam os riscos
climáticos está relacionado às perturbações que a economia
internacional veicula em term os de preços de m atérias-primas
(em especial o petróleo), taxas de ju ro e evolução brusca d.n
taxas de câmbio. As rríses dc primeiro tipo continuam , mas seu
impacto varia de acordo com os modos de regulação verificados
ern cada país. N ote-se que a sequência dos choques do petróleo
a partir de 1973 não acarretou um a repetição idêntica das
mesmas recessões, pois a intensidade d o consum o energético
cm geral se reduziu e a regulação administrada transform ou-se
am plam ente com o acirram ento da concorrência.

Stop-and-go> e x p re ssã o d a re g u la ç ã o d o fo rd ts m o —
Na falta desses choques “vindos de fora**, a acumulação é um
fator da dinâm ica econôm ica que faz co m que se alternem
expansão e recessão no próprio cerne do m odo de regulação.
O período dos trinta anos gloriosos não ficou de fora desse
m ovim ento, que, na verdade, teve consequências sobre a con­
dução da política econôm ica, tradicionalincm e marcada pela
sucessão de fases de retom ada e cm seguida de estabilização,
o stop-and-go. As pulsações da acumulação assumem, portanto,
uma form a diferente da que tinham na regulação concorrencial
sob a form a d o ciclo dos negócios. Em ambos os casos, trata-se
<le um a crise na regulação, isto é, que pode ser solucionada sem
alteraçao^das formas institucionais e sem intervenção política
excepcional.

C ic lo s n ã o “ r e p r o d u t iv o s ” e n q u a n t o c ris e s d o
m o d o d e re g u la ç ã o — N o entanto há situações históricas
durante as quais a dinâmica d o m odo de regulação é incapaz
de criar, de m aneira endógena, um a m udança da recessão para
a retomada.Trata-se, por exemplo, da interpretação que os eco­
nomistas da Social Structure qf Accumulation fazem da depressão

110
TEORIA DAS CRISES

norte-am ericana de 1929-1932 [Bowles, G ordon eW eiskopf,


|98í)|. Eles a qualificam de ciclo não reprodutivo, pois a queda
da .itividade, longe de to rn a r a levantar os lucros, os reduz
anula m ais.de m odo que nao há nenhum a retomada endógena.
\ tuna crise do modo de regulação, n o caso concorrencial. Mutatis
mutandis, é o que se observa posteriorm ente com relação à
regulação m onopolista: a inflação, expressão das tcnsòes da
at uniulação, tende a se acelerar, aum entando as reivindicações
em prol da indexação da quase totalidade dos rendim entos pela
uillaçào [Boyer e Mistral, 1982|. Para além de certo patamar,
a inflação perde sua capacidade reguladora, abrindo uma crise
no m odo de regulação.

1929 e a c ris e d o fo rd is m o : c rise s d o r e g im e de


a c u m u la ç ã o — Pode ser que essa crise com prom eta a via­
bilidade do regim e de acumulação. Trata-se, de fato, do que
toi observado no período contem porâneo, com o nos EUA
pós-1929. N o prim eiro caso, a incapacidade de descobrir um a
configuração institucional adequada resulta na crise do for-
tlismo. N o segundo caso, reencontra-se a incoerência de um
regime de acumulação intensiva sem consum o de massa. Ambas
ts situações já foram analisadas no C apítulo 3 (cf. Figura 10,
pág. 102). Teoricam ente, um a crise do regime de acumulação tem
um alcance m aior do que um a crise do m odo de regulação.
Na prática, e os dois exemplos precedentes ilustram isso, a não
resolução de um a crise do m odo de regulação pode acarretar
uma crise do regim e de acumulação.

G ra n d e c rise d o m o d o d e p ro d u ç ã o so v ié tic o — Por


lim, diante do bloqueio, inclusive político, da renegociação dos
compromissos institucionalizados, pode acontecer de uma crise
do m odo de desenvolvimento resultar num a reviravolta decisiva
lü o som ente da configuração precisa das formas institucionais,
mas das próprias relações sociais fundamentais das quais elas sao a

111
TKORIA DA R E C IU Ç A O

expressão. A crise do feudalismo, tal com o Ernest l.abmusse


a analisou, encontra um a notável e surp reen d en te corres­
pondência na derrocada das econom ias de tipo soviético: na
falta de êxito das reformas empreendidas pelo então presidente
Gorbachev, os dois pilares desse regim e são questionados: cm
prim eiro lugar, a propriedade coletiva dos meios de produção e
a gestão da econom ia pelo Gosplan.em seguida, a representação
política única pelo Partido C om unista. Pode-se então falar dc
crise do modo dc produção.
Para a teoria da regulação, c portanto fundam ental dife­
renciar esses cinco tipos de crise, pois essa distinção elucida as
crises observadas tanto ao longo da história quanto no m undo
contem porâneo. Além disso, o acúm ulo de pesquisas sobre
as crises levou à descoberta de certo núm ero de mecanismos
gerais que lhes dão origem .

Esgotamento endógeno do modo de desenvolvimento

N o interior de um m odo de regulação, o processo de acumula­


ção é marcado por um a sequência de fases de aceleração e em
seguida de regressão, mas a retomada da acumulação e garantida
pela própria dinâm ica dos ajustes, cum pridos graças às formas
institucionais. Entretanto, â medida que esses ciclos se sucedem,
várias mudanças ocorrem nesses processos de ajuste cm razão
do próprio-sucesso do m odo de regulação.

Crise do fordismo

E assim q u e se interpreta a crise desse regime. Q uanto á crise


dos anos 1930, ela deve-se principalm cnte à incoerência de
um regim e dc acumulação intensiva sem consum o de massa,
o que explica sua virulência. Trata-se de uni mecanismo bem

112
THORIA DAS CRISES

diferente que co lo co u o fordism o em crise, regim e co e-


iriitc p o r várias décadas graças a um a regulação monojwlista.
Na realidade, a acumulação de transformações marginais vai
li agilizar esse regim e a p onto de desequilibrá-lo, nesse caso em
irsposta a choques aparentem ente exógenos (forte aum ento do
preço d o petróleo).
A partir de m eados dos anos 1950, o crescim ento prosse­
gue em ritm o elevado, afasta-se o tem or da repetição da grande
depressão dos anos 1930 já que agora verificam-se som ente
recessões, isto é, simples desacelerações do crescim ento. Mas à
medida que o sucesso desse m odo de regulação é reconhecido,
lentas mudanças estruturais acontecem , inicialm cnte conside­
radas marginais e sem consequência m aior, mas cuja somatória
pode desequilibrar a viabilidade do m odo dc regulação. C o m o
esse m odo de regulação tem a característica de to rn ar a in-
llação um a variável-chave d o ajuste m acroeconôm ico, não é
surpreendente que se generalizem as reinviiidicações em prol
da indexação dos preços e dos salários p o r um índice geral,
por exemplo, o dos preços ao consum idor. Mas a partir do
m om ento em que a indexação é com pleta e quase instantânea,
a inflação perde todo poder regulador (Hoyer e Mistral, 1982J.
A aceleração da inflação resultante desse processo pode até
com prom eter a estabilidade do sistema m onetário c financeiro.
U m segundo fator de crise está ligado ao fato de que as
negociações salariais prenunciam a busca por ganhos de produ­
tividade conseguidos no passado, enquanto mecanismos diversos
tendem a frear sua progressão. A economia pode, à primeira vista,
chocar-se com as limitações propriamente técnicas do paradigma
da produção de massa flioyer e Juillard. 2002]. Ademais, com o
advento do pleno emprego, os custos de controle sobem a fim
de compensar a diminuição da intensidade do trabalho [Bowlcs,
(tonlon e Wciskopf, 1986]. São fatores que podem acabar com ­
prometendo a viabilidade do regime de acumulação fbrdista.Trata-
-se efetivamente do que foi observado a partir do fim dos anos

113
TF.OR1A IM REGULAÇÃO

1960. A introdução dessas mudanças progressivas nos parâmetros


característicos do m odo de regulação é suscetível de explicar a
oscilação da viabilidade em direção â instabilidade do regime de
acumulação (çf. Figura 10, pág. 102).

Endometabolismo: form alização


*
Em conformidade com o objetivo central da teoria da regulação,
é im portante estudar n o m esm o contexto de análise tanto os
períodos de crescim ento quanto os de crise.

D u a s escalas d c te m p o — Trata-se precisam ente do


que possibilitam as formalizações que diferenciam duas escalas
de tempo: o tem po curto dos ajustes compreendidos pelo modo
de regulação e o tem po longo da transformação das formas
institucionais e da tecnologia [Lordon, 1996]. Em term os de
hipóteses econômicas, considera-se que a ideia segundo a qual
a diferenciação dos produtos ligados ao enriquecim ento conse­
cutivo â expansão d o fordismo afeta a produtividade de acordo
com um a função logística: ã prim eira vista ficil, a diferenciação
torna-se mais e mais difícil até esbarrar em um lim ite que diz
respeito à progressão da produtividade. Segunda hipótese: é
im portante levar em consideração o perfil cíclico de evolução
da econom ia tão logo $c diferenciem as diversas escalas dc
tem po. Por fim, acrescenta-se a essa dinâm ica de cu rto prazo
um a dinâm ica lenta: à m edida que cresce a renda, aum enta a
procura p o r diferenciação, e isso se manifesta num a dificuldade
crescente de extrair ganhos de produtividade (çf. Q uadro 12).

C rise c o m o d e s c o n tín u id a d e — As propriedades de


curto prazo são daram ence as mesmas do m odelo linearizado
(<çf Q uadro 8, pág. 92): crescim ento forte c estável, porém cí­
clico. N o entanto, a longo prazo, a não linearidade da produção

114
TEORIA DAS CRISES

(lUACmo 12. IMPACTO DA DIFERENCIAÇÃO DOS PRODUTOS NA DINÂMICA


PRODUTIVA E CRISE DO FORDISMO

A bmémica de curto prazo

III At A p r o d u tiv id a d e * u m a f u n ç J o k * f s tK a

|Z| h ■ C . Pft * O A procura w h U n e a rm e rtte coro a p ro d u tiv id a d e

R Transformaçio a longo prato do regime de produtividade

(l| W l a l i O '> 0 Onômero de produto N(t? aumenta « r o a


renda permanente das lamRas
Ml fo w j * Í L „ P 0 “ l ) | Í I oo Qfsfds I r f t A renda permanente * um» média móvei
l 1 da renda passada
(I) £(t|a r ( * ( f | ) r < 0 A dfeersklade do* produtos d desiavorávei i
produtividade
I
ReuiRa que a dtaim ka de ftt) é muito mais ienta que a dinâmica da produti­
vidade, da renda e do crescimento, com T atraso médio na formaçio da renda
permanente.

(61 g.i-|«-«).U'(R). r(ü(fl)J

v a lo r pi««

fonte: Lordon, 1996.

115
TEORIA DA RECULAÇÀO

introduz um a dinâmica singular. Em início de período, a desa­


celeração da produtividade é moderada, quando o crescimento
da renda estimula a diferenciação do consum o e da produção.
O ritm o dc crescim ento dim inui de m aneira contínua, até que
a diferenciação dos produtos atinja um patamar que comprometa
as possibilidades da produção dc massa. Observa-se então uma
brusca defasagem do ritm o de crescimento e, consequentemente,
do emprego. Dessa forma, um a série de transformações marginais
e contínuas acaba acarretando uma evolução m aior c brusca do
ritm o de crescimento.

P a ra a lé m d o p a p e l d o s c h o q u e s — A peculiaridade
d o m odelo reside tam bém em sugerir uma irretvrsibilidade na
passagem de um forte crescim ento para um crescim ento fraco.
Supondo-se que, sob o efeito da crise e da desaceleração da
renda, a diferenciação regrida, e a econom ia não reencontrará
seu ritm o de crescim ento elevado. Em term os qualitativos, as
características do m odelo correspondem à observação da viru­
lência das mudanças advindas da crise do fordismo. São mudanças
associadas à intensidade do aum ento do preço do petróleo, e esse
fator, evidentem ente, desem penhou um papel preponderante.
O interesse do m odelo é m ostrar que, m esm o diante da falta
de qualquer choque externo, as tendências de desaceleração da
produtividade teriam sido suficientes para criar uma crise pura­
m ente endógena desse m odo de desenvolvimento. Essa análise
não pretende abarcar a realidade dos encadeamentos da crise
do fordismo, mas tornar clara um a propriedade bastante geral: o
próprio sucesso de um m odo de desenvolvimento suscita uma
série de transformações estruturais que o acaba desestabilizanda

Propriedade geral

A história e as comparações internacionais fornecem inúmeros


exemplos do advento da crise de um regim e n o m om ento cm

116
1fc'ORIA DAS CRISES

que a maioria dos atores econômicos preveem o prolongamento


das tendências (favoráveis) em razao do próprio sucesso conse­
guido durante ciclos conjunturais precedentes.

O m o d e lo ja p o n ê s : v ítim a d o p r ó p r i o su c e sso —
A evolução da economia japonesa a partir dos anos 1970 é outro
exemplo do advento da crise de um m odo de desenvolvimento
cm razão do seu próprio sucesso: um m odo de regulação m e-
MKorporatista tinha garantido o surgim ento de um m odelo de
desenvolvimento caracterizado pela sincronização da produção
c do consum o de massa [Boyer e Yamada, 2000}.
N o contexto internacional dos anos 1980, essa confi­
guração tinha dado notáveis resultados m acroeconôm icos, a
ponto de alim entar a crença de que o m odelo seria o sucessor
do fordismo cm crise. Efetivamente, as formas institucionais
do Japão são singulares. A relação salarial contpanyista pressupõe
uma estabilidade na relação dc emprego, com pensada p o r uma
flexibilidade dos horários e da rem uneração. Conglom erados
diversificadíssimos, os fcríreWMS entregam -se a um a concorrên­
cia oligopoltstica, ao mesmo tem po que coordenam em parte
suas estratégias de m édio c longo prazo. Mais do que intervir
dirctaniente na produção o u na redistribuição da renda, o
listado sincroniza as previsões dos agentes econôm icos. Eis as
características que alimentaram o crescim ento e fortaleceram
o quase pleno emprego. Porém , à m edida que se prolonga a
fase de expansão, surgem grandes tensões na relação salarial,
em d ecorrência do aum ento da duração do trabalho e da
intensidade do esforço exigido dos assalariados. Dessa Forma,
uma das vantagem competitivas d o Japão corrom pe-se com o
passar do tem po.
Esse mecanismo equivale ao que foi anteriorm ente m en­
cionado a respeito da crise do m odelo produtivo característico
do fordismo. O utra analogia está ligada ao fato de esse não scr o
fator imediato que desencadeou a crise japonesa: a crise deve-sc.

117
Tt-.ORIA DA REGULAÇÃO

na verdade, a um a outra consequência do sucesso do “ m odelo


japonês”. C o m o oJapão acumula excedentes comerciais, o país
é obrigado a se abrir nào som ente às im portações, mas mais
ainda às finanças. As reformas correspondentes, especialmente
em m atéria de liberalização financeira, desencadeiam u m boom
económ ico puxado por um a bolha especulativa. É a explosão
dessa bolha que marca o advento da crise, da desaceleração
duradoura d o crescim ento e do aum ento do desemprego.
O fato de nenhum a das políticas de retomada pela despesa
pública ou pela política m onetária com taxas de ju ro próximas
de zero ter conseguido reviver os desem penhos dos anos 1980
ilustra o advento da crise do m odo de regulação e, íinalmcnte,
do próprio regim e de acumulação. O que a m aior parte das
outras teorias interpreta com o consequência de erros da po­
lítica econôm ica ou de anacronismos da econom ia japonesa
pode ser analisado mais com o a'chegada ao lim ite d o m odo
de desenvolvim ento, para além dos choques e dos sobressaltos
que são os fatores de desencadeam ento da crise.

C rise da estratégia dc substituição das im p o rta ç õ e s —


As econom ias latitwamcricatuts, em sua maioria, tinham baseado
seu desenvolvim ento num a estratégia de substituição das im­
portações: graças ao controle do com ércio exterior, a produção
progressiva, pelas empresas nacionais, de bens e produtos ante­
riorm ente im portados era favorecida [O m inam i, 1986|. Esse
m odo dç desenvolvim ento possibilitou, nos anos 1950 e 1960,
um crescim ento mais rápido em com paração ao que ocorria
n o passado, atenuando a dependência das econom ias latino-
-americanas com relação à conjuntura internacional. Entretanto^
conform e a substituição das im portações dizia respeito a bens
mais e mais intensivos em matéria de tecnologia ou mobilizando
rendim entos de escala, a eficácia dessa estratégia erodiu-se, pois
o tam anho do m ercado interno pareceu m uito lim itado e as
perspectivas de recuperação, com prom etidas pelo advento de

118
TüOfUA DAS OUSES

uma nova onda tecnológica em escala m undial. Essas limita-


ções precipitaram crises financeiras, económ icas e ate políticas.
( ontrariam ente à interpretação que prevaleceu nos anos 1990,
essas crises repetidas não são oriundas da incoerência da nao
validade desse m odelo de desenvolvimento, mas sim da chegada
ao lim ite desse m odelo, em decorrência, novam ente, d o seu
próprio sucesso JBoyer, 2002b].

A acumulação tende a exceder o espaço da regulação

Esse é o segundo m ecanism o q ue dá origem a várias crises do


regim e de acumulação.

Desde as origens do capitalism o

Desde o surgim ento do capitalismo comercial, as trocas tendem


a se deslocar para além do espaço dom éstico, já constituindo
um a econom ia m undial [W allerstein, 1978], Tal tendência
de extroversão da acumulação manifesta-se também ao longo da
prim eira revolução industrial e do regim e de acumulação com
dom inante extensiva d o século X IX . O aum ento da produção
em virtude do desenvolvimento das formas capitalistas ultrapassa
a capacidade de absorção dos mercados internos, impulsionando,
consequentem ente, o aum ento das exportações para regiões e
países m enos desenvolvidos. E esse, inclusive, o m ecanism o que
vai criar interdependências inéditas entre formas institucionais
internas e regim e internacional e, em consequência, transmitir
as crises do capitalismo dc um país para outro. Essa interde­
pendência não é resultado apenas do com ércio internacional,
já que o investim ento produtivo e o capital financeiro tendem
em seguida tam bém a se internacionalizar. Q uando estendemos
as análises do nível nacional ao nível d o conjunto da econom ia

119
TEORIA DA REGULAÇÃO

mundi.il, o que era anteriorm em e analisado com o um choque


exógeno torna-se, de fato, a expressão da interdependência
entre países, criada pela internacionalização d o comércio, da
produção, do investim ento e das finanças.

Fordtsmo desestabitizado peia internadonafização

O fbrdismo não é exceção: se, originalm ente, ele opera graças à


sincronização da produção e do consum o dc massa num espaço
essencialmente nacional, põe tam bém em m archa um processo
de extroversão. Efetivamcnre, quando as infraestruturas e os
investim entos básicos são reconstituídos, a busca pelos rendi*
m entos <!e escala não pode mais se dar unicam ente no mercado
interno, de m odo que o desenvolvim ento das exportações é o
m eio encontrado para prolongar as potencialidades d o regime
de produtividade baseadas nos rendim entos crescentes. Além
disso, com o enriquecim ento,a demanda dc diferenciação cons­
titui um segundo fator dc impulsão das trocas internacionais.
O regim e dc procura é afetado p o r esse processo já que,
ao consum o dos assalariados e ao investim ento das empresas,
é preciso acrescentar as exportações líquidas. As exportações
dependem do crescim ento m undial e do preço relativo dos
produtos nacionais com relação à concorrência internacional.
Já as im portações atendem ao crescim ento interno c aos preços
relativos. Assim, á m edida que aum enta a parcela relativa ao
com ércio internacional, um term o representativo da com peti­
tividade — diretam ente ligado á parcela relativa ao lucro — é
introduzido n o regim e de procura jBowles e Boyer, 1990].
Enquanto predominar o ciclo fordiano, o impacto do salário
real sobre a procura será moderadamente positivo: trata-se de uma
característica tio importante quanto surpreendente da regulação
monopolista. Mas há um patamar de abertura internacional a par­
tir do qual se inverte o impacto do aum ento exógeno do salário

120
TfcORIA DAS CRISt-.S

F ig u r o l i . inconstância d o regim e d e procura em consequência


d a internacionalização

On'

• Em orM n w U v Ow rtp r*M n u * ò t r M d i da procq» cem rtb çlo ao salino mal


0 oeflodo de esdmativf d o m o d e b td e 1961-1987
fornir, le e it ■ Boné*. IM S

real: em vez de positivo, torna-se negativo. Algumas estimativas


econométricas sugerem que as economias alemã e francesa teriam
ultrapassado esse patamar nos anos 1980 {çf. Figura 11).
Dessa form a, a aberturta ao com ércio internacional, que
desempenha à prim eira vista um papel positivo no prolonga­
m ento d o regim e de produtividade, acaba alterando o regim e
de procura, acarretando regularidades m acroeconôm icas dife­
rentes das do fordismo. Eis outro exem plo dc crise que resulta
de uma form a de endometabolism o.
As trocas entre países desenvolvidos tendem assim a o pe­
rar no âm bito de um a mesma ramificação, por diferenciação
dc produtos. Elas não resultam mais apenas das especializações
nacionais em ramificações diferentes, o que era a configuração
típica do século X IX e é, ainda hoje,o caso com relação a várias
relações N orte/S ul.

121
TEORIA DA REGULAÇÃO

Economias dependentes: a crise dos modos de


desenvolvimento puxados pelas exportações

A dupla generalização do m odelo (çf. Q uadro 10, pág. 100),


com vistas a considerar a possibilidade de um regim e clássico
— isto é, no qual a procura é puxada pelos lucros — e a aber­
tura internacional — que torna possível um regim e ligado à
com petitividade — , possibilita dar conta das particularidade!
das crises das econom ias ditas dependentes.

N o s a n típ o d a s d o fo rd is m o — Efetivamente, nenhuma


dessas três condições permissivas d o regim e é atendida.
Em prim eiro lugar, a evolução da produtividade depende
fundamentalmente das importações e da adaptação das tecnologias
incorporadas aos equipamentos e bens intermediários produ­
zidos pelas economias mais avançadas. Esses ganhos potenciais
são mobilizados de maneira mais satisfatória, pois as tecnologia!
correspondentes são asadas pelo setor exportador, quer se trate
de um investimento exterior direto ou de um a empresa nacional.
Em segundo lugar, o regime de procura é afetado pela in­
serção internacional, já que o salário contribui sobretudo para a
formação da competitividade e não somente da procura doméstica.
Potencialmente, essa abertura tem como consequência desconectar
o ciclcnia acumulação com relação ao espaço doméstico, segunda
oposição referente ao regime de acumulação foidista.
Por fim, a fragilidade da institucionalização da relação
salarial leva ao predom ínio de mecanismos competitivos cm
m atéria de form ação dos salários [Bertoldi, 1989;Boyer, 1994|.
E então possível explicitar as condições nas quais um re­
gim e de acumulação puxado pelas exportações é efetivamente
viável. E preciso que a econom ia seja suficientem ente aberta e
que a elasticidade dos preços seja superior a um certo patamar

122
TEORIA DAS CRISES

p.ira que tenha início de m aneira efetiva o m ecanism o vir­


tuoso que associa crescim ento da produtividade» distribuição
da renda e crescim ento da procura interna. A existência de um
vasto exército de reserva, que estabilize o salário real a despeito
do dinam ism o da econom ia, é um a condição favorável ao
surgim ento de um m odelo com o esse. O crescim ento chinês
dos últimos vinte anos parece seguir essa trajetória, até agora
virtuosa, mas que não está desprovida de tensões e fatores de
crise jH ochraich, 2<K)2|.

D u a s f o rm a s p e c u lia re s d e c ris e — N o entanto, duas


outras configurações m ostram evoluções m uito m enos satisfa­
tórias. R ealm ente, pode ser q ue em razão do caráter demasia­
dam ente com petitivo dos salários, o regim e de produtividade
associe-se com o regim e de procura para originar um cresci­
m ento caracterizado pela desaceleração da produtividade, tão
logo um forte crescim ento dos salários hipoteque os lucros e a
competitividade do setor exportador. Essa configuração rem ete
à crise da econom ia da Coreia do Sul de meados dos anos 1980.
O caso mais desvaforável é observado quando a formação
dos salários for competitiva, e o país, pouco aberto e /o u dotado
de uma fraca elasticidade em suas exportações. N a realidade,
.1 disciplina dos salários penaliza a procura interna em vez de
increm entar as exportações, frequentem ente limitadas a m er­
cadorias com relação âs quais o país está sujeito aos preços
internacionais. Esse regim e poderia caracterizar vários países
d.i América Latina, já que, inclusive, são dependentes da expor­
tação de m atérias-prim as e não de produtos industrializados,
r.sses países caracterizam-se por um regim e estagnacionista e /
ou por um a instabilidade estrutural.

D ife re n ç a s m a r c a n te s e n tr e a Á sia e a A m é ric a


L a tin a — Introduzem -se assim fatores de bloqueio e de c ri-
m*i inerentes ás econom ias dependentes. O u a econom ia não

123
lliO R IA DA RKCULAÇÂO

consegue recuperar rapidam ente a defasagem de produtividade


com relação ã econom ia m undial, ou o caráter com petitivo da
relação salarial revela-se incom patível com a mobilização dos
rendim entos de escala que a recuperação tecnológica possibi­
lita. Encontram os, assim, duas form as que a crise de diversas
econom ias dependentes apresenta, sugerindo, portanto, uma
divergência d o ritm o de crescim ento com relação às exigências
da produção das formas institucionais. Esse parece ser o caso
em muitos países latinoam ericanos. O u um a rápida expansão
consecutiva à abertura internacional resulta em uma crise maior,
com o foi o caso da Ásia p ó s-1997.
A peculiaridade das crises dos países dependentes deve-se,
pois, ao fato de que seu regim e de acumulação não é de forma
alguma um a variante do fordismo. A especificidade desses países
vê-se reforçada quando se observa sua forte assimetria com
relação à interm ediação financeira internacional, de m odo
que as crises de câmbio são frequentem ente associadas is crises
bancárias JBoyer, Dehove e Plihon, 2004).
Essas fontes de crise se ju n tam àquelas que dizem respeito
à não viabilidade de alguns regimes de acumulação. A Argentina
constitui um caso exemplar da superposição dessas diferentes
fontes de crise jM iotti e Q uenan, 2004] (<çf. Q uadro 13).

Liberalização financeira, fator de desestabilização


dos regimes de acumulação

A possibilidade de um m odo de regulação dom inado pela fi­


nança de mercado já foi mencionada com o possível sucessor
da regulação monopolista. D e maneira clara, a preem inência da
finança envolve um a configuração das formas institucionais bem
diferente das formas observadas n o fordismo [Aglietta, 1998). Para
além da aparente coerência do discurso sobre o valor acionário, é
importante examinar a viabilidade e a generalidade de tal regime.

124
TIIORIA DAS CRISES

QUADRO 13. ACRISE A R G E N T IN A DE 2001-2002


A particularidade da trajetória argentina suscitou numerosas pesquisas cuja
«Intese pode ser encontrada em Neffa e Boyer. 2004. A tipologia das crises (çf.
Quadro 11, pág. 108) apãca-se partkularem ente bem Adinâmica dos anos 1990.
que resulta num a crise financeira, politica, social e económica.

HA, em primeiro lugar, uma série de choques desvaforávels; a Argentina sofre


o contágio das crises mexicana (1994-1995), asiática (1997), russa (1998) e a
desvalorização do Brasil (1999), im portante parceiro comercial do pais.

(tses choques, em si, não bastam para explicar uma crise de tal gravidade.
( preciso levar em conta as características d o modo de reguloçõo. resultado
da transformação das formas institucionais engendrada pela escolha de uma
(onversibilidade completa, e considerada irreversível, do peso com relação
ao dólar. A abertura brusca ao comércio e i s finanças internacionais dá inicio
a uma-fase de expansão alimentada pela abundância de crédito, associada i
entrada substancial de capitais.
Quando, de maneira endógeno, a conjuntura económica Inverte o rumo, a eco­
nomia argentina não dispõe mais da autonomia de sua politica monetária nem
de sua politica de câmbio para reabsorver os desequilíbrios anteriores. Ainda
ma isque, em decorrência do endividamento do governo, a politica orçamentária
é obrigada a se tornar prodclica. A despeito da defasagem completa do salário
real com relação à produtividade, não é possível reabsorver os desequilíbrios
acumulados no período de expansão. Inicia-se a partir de 1998 uma recessão
que se prolongará até 2001, sinal de uma crise do modo de reguloçtío.

Mas trata-se tam bém de uma crise do regime de ocumuloçOo. Oe fato, a moder­
nização do setor exportador, ligado, sobretudo, aos produtos agrícolas, não foi
suficiente para restaurar um excedente da balança comercial que permitisse
reembolsar o endividamento em dólares dos agentes privados e do próprio go­
verno. O investimento direto dirigiu-se príncipalmente para o setor resguardado,
no caso, os serviços públicos que foram privadizados. Essa alocação do capital
hipoteca a estratégia desesperadamente perseguida desde o golpe de Estado de
1976, visando a instaurar um regime de crescimento puxado pelas exportações.

A conjunção desses fatores de crise designa uma grande crise ou uma crise s/sté-
mico e explica a simultaneidade de uma crisefinanceiro (incapacidade do governo
em honrar sua divida externa), bancária (fechamento dos bancos), cambial (fim
repentino da conversibilidade) e social (disparada do desemprego, acentuação
da pobreza e verdadeira cólera da classe média, cuja poupança foi bloqueada).
A crise manifesta-se então violentamente na esfera politica pela instabilidade
governamental, pela perda de legitimidade das instituições, pela multiplicação dos
movimentos populares e até por um conflito com algumas províncias, obrigadas
* a emitir sua própria moeda para evitar uma convulsão social.

125
TEORIA DA REGULAÇÃO

Contornos de um regime de acum ulação


alavancado pela finança

A observação da economia norte-am ericana desde os anos 1980,


marcada pela liberalização e pela inovação financeiras, eviden­
cia o caráter central da avaliação das bolsas com o indicador
m acroeconôm ico-chave que determ ina tanto o investimento
quanto o consum o via efeitos de riqueza. A dinâm ica que vai
do lucro ao curso das bolsas e vice-versa substitui a dinâmica
que ajustava produtividade e salário real, produção e consum o
de massa (cf. Figura 12, pág. 128).
Em com paração com o fordismo.esse regim e atribui um
papel determ inante às variáveis de estoque relativas às finanças
e ao im pacto dos rendim entos financeiros sobre as decisões
patrim oniais (çf Q uadro 14). D e m odo geral, o investim ento
deve levar em conta o objetivo de rentabilidade fixado pelo
m ercado financeiro e não som ente as variações da procura.
O consum o continua a depender da renda salarial, mas, além
disso, interpõe-se um term o que m ede o valor dos ativos em
bolsa detidos pelas famílias.
Esse valor deve ser capaz de se form ar em função da atua­
lização dos lucros futuros, graças a um a taxa de desconto fixada
a partir da taxa de intervenção do banco central. Essa função
de consum o apresenta características kaleckianas quando o
patrim ônio financeiro for pequeno em relação à renda salarial:
o consum o aum enta com o salário. C ontudo, se a financeiriza»
çào for m uito desenvolvida, será a m oderação salarial que, ao
favorecer a rentabilidade, aum enta o valor em bolsa, o que, em
última análise, pode fortalecer o consum o pelo jo g o do efeito
de riqueza. N a realidade, os efeitos de riqueza ocorrem pela
facilidade de acesso ao credito, o que não é levado em consi­
deração nesta formalização simplificada, porém está presente
no esquema da Figura 12.

126
TfeORIA DAS CRISES

Q u a m o 14. Reg im e g o v ern a o o rela fin a n ç a

|1) D * C ♦ I Economia fechada sem Estado nem trocas


externas.

M M A Ç XO O A
OEMANOA
(í) O tnvesOmento forma-se em função da
> 6 .|0 - 0 ,h l, diferença da rentabilidade com relação á
norma financeira e um termo da aceleração
da procura.

(31 C » a . M$A + p w + co O consum o é determinado em função da


massa salarial real e da riqueza das famWas.

(4) r -6)* I O estoque de capital evolui em função do

OfERTA/PROCURA
Indice de obsolecência e do nwesttmento.

IMTERACAO
(S) Q ■ v . ff A capacidade de produção deteriora-se em
função do estoque de capital.
<61 Q - inf ( á O) O nfvel da produção é determinado pelo
lado curto, seja a capacidade, seja a
procura efetiva.

Q - MSR A taxa de lucro forma-se a partir do ex­


m r

OISTftieUlÇAO
cedente bruto trazido para o estoque de

RA RENDA
capital.
Q -M S f t A riqueza é avaliada a partir dos lucros,
m iv»<r- tendo em consideração a taxa de juro e o q
/
de Tobin.

(9) ■ /. Q - e . p * wo k massa salarial real cresce com a procura,


mas diminui com a norma financeira.
VARIÁVEIS FINANCEIRAS

U0> A norma de rentabilidade 4 determinada


E MONETÁRIAS

pelos mercados financeiros.


d» Q■ 4 O q de Tobin é considerado enlgeno.
A instituição emissora determina a taxa de
(12] l*Jo* v j ^ - r' juros a fim de evitar a formação de bolhas
financeiras.
(13) r* • (Q , v l A relação riqueza/rende 4 funçlo do nhrel
de desenvolvimento e de uma variável «
discricionária avaliada pela Institui­
ção emissora.

VM lAVttS (N D Ô õO iA S (ilf:
D, C K t. M$A, W , K, Q , 0 , i, f *
VARtÁVm exÔ G fN AÍ (2):
M
todo* os parâmetros, a, b, «, P, v. 6 , t, e, f , são positivos ou nulos.

127
TEORIA DA REGULAÇÃO

Pode-se assim iniciar um ciclo virtuoso: o aum ento d.i


rentabilidade financeira estimula as bolsas, m otivando um au­
m ento do consum o, que, por sua vez, estimula o investimento
e compensa o efeito a príori negativo da elevação das normas
de rendim ento. O nível da produção é, portanto, consequência
da avaliação financeira, o que inverte as relações entre esfera
real e esfera financeira que prevaleciam no íbrdismo,

figuro S2. Encadeamentos do regime determinado peia finança

DfeUadtt « M fe fW O W
nem« fe tM M M lM I i

Um regime que pode ser viável, mas, no futuro,


castigado por instabilidades

A priori, poder-sc-ia tem er que tal regim e, baseado no o ti­


m ism o das previsões, não conseguisse jam ais se estabelecer.
E, contudo, um a vez observada um a fase de expansão incitada
pela finança — com o foi o caso nos EUA nos anos 1990 — ,
os anaHstas puderam concluir que a maleabilidade da finança
conseguiu elim inar qualquer risco de crise. A resolução desse
m odelo desm ente essas duas instituições, já que m ostra tanto
as potencialidades quanto as limitações desse regime.
Em prim eiro lugar, quando os efeitos patrim oniais forem
m uito vigorosos, e se os m ercados financeiros induzirem a unia
generalização do com portam ento dc investim ento significati-
vam ente determ inado pela rentabilidade, poderá e n tlo havei
um regime virtuoso de crescimento financeirizado. Nesse regime,

128
TEORIA DAS CRISt.S

um aum ento da norm a de rentabilidade tem consequências na


riqueza das famílias tal com o é considerado pelo m ercado da
bolsa de valores, o que induz a uni crescim ento do consumo. Se
as empresas forem suficientem ente reativas à procura,esse efeito
de aceleração tem um im pacto positivo sobre o investimento,
podendo até com pensar o efeito restritivo de um aum ento da
norma de rentabilidade exigida pela com unidade financeira.
,\ futatis mutandis, esse regime é um sucessor potencial do m odelo
dc desenvolvimento fordista.com a dinâmica da bolsa de valores
substituindo o salário com o fonte de crescim ento cumulativo.
É a mutação da hierarquia das formas institucionais em beneficio
do regim e financeiro que está n o cerne desse regime.

M u ita f le x ib ilid a d e s a la r ia l p r e ju d ic a — Porém ,


sua viabilidade pressupõe que algumas condições sejam atendi­
das. Em especial, é preciso que a relação salarial não seja demasia-
(lamente competitiua, isto é, que a rem uneração real dos salários
nào seja condicionada dc maneira determ inante pela evolução
da procura. Efetivamente, flexibilidade salarial em demasia faz
mal à estabilidade macroeconôm ica. Entretanto, a m utação da
hierarquia institucional, reflexo em si da perda do poder de
negociação dos assalariados, é o germ e do restabelecim ento
de fatores com petitivos na form ação dos salários. U m fator
dc crise, portanto, é introduzido tào logo a financeirizaçâo for
associada a um a desregulanientação acentuada do trabalho e da
cobertura social.

C rise p o r c n d o in c ta b o lis m o — Em segundo lugar,


o desenvolvimento dos mercados financeiros amplia m ecani­
cam ente a área do regim e determ inado pela finança, mas, ao
mesmo tem po, aproxima a econom ia da zona de instabilidade
estrutural. Existe, portanto, im» patamar a partir do qual a Jhtan-
tririzaçào desestabiliza o equilíbrio maeroeconâmico.Tnta-se de uma
reinterpretação geral das crises no cerne da teoria da regulação.

129
TEORIA 1>A RtCULAÇÂO

D e Tato, im aginou-se os m ercados perfeitos, de m odo q ue esse


tipo de crise não é a expressão de um a imperfeição ou de uma
irracionalidade no com portam ento dos agentes. N o caso, a trans­
form ação paulatina dos parâmetros característicos do m odo de
regulação, ou seja, o endom etabolism o, acaba dcsestabilizando
o regim e de crescim ento, ainda que os agentes o percebam
com o um sucesso destinado a se perpetuar. Novamente» é, em
suma, o sucesso da financeirizaçào que leva à crise do regime
que ela própria impulsiona.

O b an co central, g u ardião da estabilidade financeira


— Por fim, o regim e de crescim ento financeirizado pressupõe
um a m udança nos objetivos da política m onetária. Para esta­
bilizar esse regim e de econom ia financeirizada, é im portante
que as reações da instituição emissora sejam suficientemente rápidas
para evitar um em balo do crescim ento que leve à crise. Nesse
contexto, o m ovim ento da taxa de juros é determ inante para
a estabilidade económ ica.
Esses resultados esclarecem a conjuntura dos anos 1990
nos EUA. A calibragem d o m odelo m ostra, de fato, que aquele
país era provavelmente o único a poder se inserir num regime
de crescim ento financeirizado e que, consequentem ente, se­
ria o prim eiro a experim entar um novo tipo de crise [Uoyer,
2000b|. Da mesma maneira, fica evidente que é atribuído à
política m onetária um papel determ inante para tentar evitar o
surgim ento de um a excitação financeira, e, quando isso rcvela-
se impossível. <Je reativar a econom ia p o r m eio de um a queda
rápida e radical das taxas de juros.

A tra je tó ria s u rp re e n d e n te d a b o lh a d a in te rn e t —
Por fim, o fato de a crise da bolha da internet não resultar em
um a depressão equivalente á depressão dos 1930 nem repetir
a década perdida japonesa deve-se em parte à resiliência do
sistema financeiro. Tal resiliência é consequência do progresso

130
TEORIA DAS CRISES

*
de supervisão bancária e de algumas inovações, com o a titri-
raçâo. 1)esigna-se assim o agrupam ento de créditos dc mesma
natureza e sua conversão em obrigações e produtos derivados
aplicados em m ercados financeiros. O risco de crédito é assim
u.tnsferido aos portadores desses ativos financeiros, o que au­
menta a resiliência dos bancos, podendo acarretar futuram ente
uma crise financeira m aior. N a realidade, participantes em
pequeno núm ero (seguradoras, empresas não financeiras, etc.)
podem concentrar a m aior parte do risco, ainda que não estejam
cobertos p o r procedim entos prudenciais ou regulamentares,
podendo, portanto, colocar cm perigo o sistema financeiro
quando ocorrer um a queda brusca do m ercado, secando sua
liquidez (B oyer,l)ehove e Flihon.2004). Em consequência, as
crises das bolsas se sucedem e não se parecem, pois acontecem
em m odos dc regulação e regimes de acumulação distintos.

A finança, fator de propagação das crises

Esse regim e é criador de diversas fontes dc crise. Essas crises se


atualizam de maneira diferente segundo o contexto institucional
no qual se deu a liberalização financeira. U m dos prim eiros
fatores de crise deve-se â tendência de haver um a divergência
entre o rendim ento económ ico d o capital e o rendim ento
financeiro que alguns ativos financeiros realizam.

E x ig ê n c ia d e r e n d im e n to ex cessiv o — A observação
de rendim entos elevados, em virtude de taxas de ju ro m uito
baixas, pode incitar os agentes económ icos a sc endividarem
mais do que o razoável para se beneficiar da defasagem entre
a rentabilidade dos seus capitais e a taxa de juros, dc acordo
com um efeito de alavanca bastante presente nos anos 1990
|P U hon,2002|. E possível assim que se generalize uma norm a
de rendim ento sem relação com a capacidade de gênese dos

131
TEORIA DA REGULAÇÃO

lucros pela economia “real”. A formalização anterior (çf. Q uadro


14,pág. 127) m ostra que existe em cada caso um patamar para a
rentabilidade exigida pelos mercados financeiros: um nível máximo,
se os efeitos da aceleração do investim ento forem pequenos, e,
ao contrário, um nível m ínim o, se forem maiores. H á assim um
lim ite com relação ao poder dos mercados financeiros que, se
não for respeitado, trará uma série de patologias m acroeconô­
micas (inexistência de equilíbrio ou instabilidade).

O s re g im e s fo rd ia n o s são p e n a liz a d o s pela fín a n c ei-


r iz a ç ã o — U m segundo resultado d o m odelo é que não são
todas as econom ias que têm interesse em adotar um regim e de
crescim ento puxado pela finança. Se a financeirizaçâo ocorrer
em um a economia ainda dominada peta sociedade salarial, isto é, em
que a renda do trabalho seja o determ inante fundam ental do
m odo de consumo, então o aum ento da norm a de rentabilidade
terá, pelo contrário, um im pacto negativo.
Esse resultado possibilita interpretar a crise japonesa dos
anos 1980 já que a abertura às finanças internacionais de fato
deteriorou tanto os desem penhos m acroeconôm icos quanto
os indicadores de rentabilidade e de progressão do salário real.
A econom ia alemã dos anos 2000 encontrou tam bém os li­
m ites da financeirizaçâo em um regim e ainda m arcado pela
im portância da relação salarial e pela dominação da especialização
industrial.
*
G lo b a liz a ç ã o fin a n c e ira , f a to r d e c ris e p a ra as e c o ­
n o m ia s d e p e n d e n te s — U m a vez que, para muitas economias,
a financeirizaçâo está associada à abertura aosfluxos internacionais
de capitais e, em m enor grau, i m odernização da organização
bancária interna, estabelece-se um a formidável elasticidade das
fontes de financiam ento, rom pendo com as tendências ante­
riores. C onsequentem ente, nos anos 1990, multiplicaram-se as
sequências que faziam alternar período de expansão econômica

132
TEORIA DAS CRISES

v in precedentes— visto que alavancada pela abundância de cré­


dito — com bruscas reviravoltas induzidas por fugas de capitais.
C o m intensidade e gravidade variáveis, combinavam -se
então crises bancárias e crises cambiais, crises imobiliárias e
crises das bolsas, falências bancárias e crises da dívida soberana.
Assim, a globalização financeira veio descstabilizar m odos de
desenvolvimento que não estavam desprovidos de tensões nem
dc contradições, mas cuja viabilidade foi severamente com ­
prometida em decorrência da erosão, pela finança, da maioria
das formas institucionais e das próprias limitações do m odo
de regulação, diante da novidade e da extensão d o choque da
linanceirizaçâo (çf. Figura 13).

Incoerência do regime de acum ulação,


algum tempo dissimulada pela plasticidade
da finança globalizada

liá outra form a de im pacto da finança sobre a gênese de uma


crise maior. Q u an d o um país se abre com pletam ence para a
finança internacional, e desde que sua política econôm ica
estiver em conform idade com a ortodoxia, p o r exem plo a o r­
todoxia do consenso de W ashington, ele verá afluir os capitais
que se destinarão principalm cnte aos setores mais rentáveis,
muitas vezes os setores que estáo ao abrigo da concorrência
internacional, com o c o caso dos serviços coletivos, do setor
im obiliário o u ainda d o financiam ento da dívida pública.
()s agentes dom ésticos contraem então dívidas em m oeda
estrangeira, e n q u a n to o a u m e n to d o c re d ito im pulsiona,
sobretudo, as capacidades de produção d o setor ao abrigo
da concorrência internacional, favorecendo, portanto, o con­
sum o — o que, num a econom ia aberta ao com ércio interna­
cional, estimula as im portações.

133
TLORIA DA REGULAÇÃO

D is to r ç õ e s a s s o c ia d a s a o s flu x o s d e c a p ita is —
Em comparação, os investimentos diretos impulsionam,a longo
prazo, apenas a capacidade exportadora, acarretando, a curto e
m édio prazos, a importação de máquinas e bens de equipam en­
tos e de produtos interm ediários. Se acrescentarmos o fato de
que a abertura à concorrência internacional teve com o efeito,
à prim eira vista, ocasionar a falência de empresas nacionais que
deixaram de ser competitivas, veremos que o déficit comercial
continuará a deteriorar-se. Bastará que o interesse dos merca­
dos financeiros se retraia para que o fluxo de capital se inverta
bruscamente e apareça uma crise financeira atingindo ao mesmo
tem po os bancos e o câmbio.
Mas a origem dessa crise nâo está necessariamente rela­
cionada a um a má gestão bancária ou a um a política m one­
tária e orçam entária laxista: na realidade, é a incapacidade de
fecham ento do ciclo do regim e dé acumulação puxado pelas
exportações e sujeito à globalização financeira que explica a
gravidade da crise. Ela aparece com o sistêmica, pois se com ­
binam colapso do câm bio, falência e fecham ento d o sistema
bancário e, às vezes, crise da dívida pública.

O c o la p s o d a A rg e n tin a — Tais são os encadeam entos


que levam ao colapso da econom ia argentina. Aparentem ente o
pais tinha encontrado nos anos 1990 um regim e de crescimento
com patível com o livre-com ércio e com a globalização finan­
ceira. Transformada no bom aluno do consenso de W ashington
na segunda m etade dos anos 1990, a Argentina dotara-se de um
sisrema m od ern o de supervisão bancária e beneficiava-se da
credibilidade associada â escolha de um a taxa dc câm bio fixa
e irreversível com relação ao dólar.
N a verdade, a adaptação ã concorrência internacional
revelou-se m ais d estru id o ra q u e cria d o ra d e capacidades
competitivas. A crise financeira dem onstra a partij- de então
a incoerência desse regim e de acumulação num país em que

134
fig u r o 13. liberalização financeira d o s p a í s e s d e p e n d e n te s : desestabilizaçâo da maioria
do s regim es d e crescim ento
TfcORIA DAS
CttlShS

135
TEOBIA I>A HFGULAÇÃO

o setor exportador é de tam anho m odesto ao passo que, para


sustentar esse regim e, o pais foi obrigado a se endividar de
m aneira cumulativa. Em certo sentido, os notáveis desempe­
nhos e resultados da econom ia argentina de 1993 a 1997 dis­
simulavam desequilíbrios estruturais q u e a liberalização não
conseguiu resolver.
Assim, a trajetória argentina ilustra um a form a peculiar
de crise (çf. Figura 13, pág. 135). N ão som ente interpõe-se
um a prociclicidade das entradas de capitais, lançando um a
fase de expansão alim entada p elo c ré d ito , co m o tam bém
essa facilidade de acesso ao crédito oculta um a dim ensão da
não viabilidade do regim e de acum ulação, envolto p o r um a
configuração institu cio n al sem precedentes. A adoção do
ctwcticy board^ a liberdade com pleta dos fluxos de capitais e a
liberalização d o m ercado in tern o elim inam a capacidade de
reação aos percalços da econom ia internacional. Mais ainda,
essas mudanças institucionais conduzem a econom ia argentina
a um cam inho caracterizado por desequilíbrios crescentes do
regim e de acumulação, p o r algum tem po, pelas entradas ma­
ciças de capitais.

Conclusão: recorrência das crises,


mudança das suas formas

Desde sua g rig cm ,a teoria da regulação dá um papel central á


análise das crises. A partir da observação da fadiga do regim e
fordista, as pesquisas dedicaram -se a fornecer uma análise his­
tórica da sucessão das grandes crises. Nos anos 1980 e 1990, a
multiplicação de crises e seu caráter surpreendente renovaram
o interesse dos economistas pela formalização das crises finan­
ceiras e p o r um a volta à sua história, contribuindo com vários
resultados e intuições. Entretanto a problemática regulacionista
m antém a sua originalidade.

136
TEORIA DAS CRISES

fig u r o 14 . A rq u itetu ra d a s n o çõ es b ásicas da


teo ria da regulação

Em prim eiro lugar, e h propõe um a série de definições ori­


ginais das crises, com o as limitações de um m odo de regulação
e /o u de um regim e de acumulação. C om relação â econom ia
de m ercado em equilíbrio, toda crise é consequência de um
processo tem poral, não da constatação de um a imperfeição.
Essa diferença de apreciação advém do fato de o p o n to de
partida da teoria da regulação ser o conceito de capitalismo
e não a referência a um a econom ia composta p o r mercados
interdependentes.
Em seguida, a teoria inscreve-se em um projeto de ma­
croeconomia institucional e histórica. A m aior parte dos macro-
economistas surpreendeu-se ao constatar que as crises das bolsas
se sucedem, mas não se assemelham, e que os motivos da crise
asiática não são os mesmos observados na América Latina nos anos
1980. A teoria da regulação inscreve-se na linhagem dos trabalhos
de história econômica e financeira, que consideram que “cada
economia tem as crises de sua estrutura” . Mais precisamente,

137
TEORIA DA REGULAÇÃO

para cada m odo de regulação há uma correspondência de formas


bem precisas de pequena ou de grande crise. l)a mesma forma,
se as crises se sucedem, mas nâo se parecem, isso quer dizer que
diferences regimes de acumulação podem se suceder no tem po e
coexistir no espaço, urna vez que o capitalismo está em permanente
inovação, institucional e tecnológica.
Por fim, as novas teorias m acroeconôm icas partem do
princípio da estabilidade do equilíbrio econôm ico, de m odo
que as crises aparecem necessariamente com o anomalias ou
curiosidades. N a teoria da regulação, a análise das consequências
das formas institucionais sobre a natureza dos ajustes econômicos
levanta a questão da viabilidade de um dado regim e econôm ico
ou, pelo contrário, da incoerência desse regim e o u do advento
de sua crise (çf. Figura 14). R egulação c crise são as duas faces
de um a mesma problem ática.

138
C o n c lu são

Anomalias em busca de explicações

Por que, nos anos 1970, as situações de cstagflaçào. isto é, de ace­


leração da inflação e ao m esm o tem po de recessão econôm ica,
se generalizaram? O s choques do petróleo seriam o equivalente
m oderno da escassez que as sociedades rurais conheceram até
o século XVIII? M esm o que na história se repitam colapsos
bruscos das cotações das bolsas, com o explicar que seus impac­
tos sejam tão diferentes ao longo do tem po? N os EUA, não se
observaram em sequência um a depressão e um a deflação de
1929 a 1932, uma retom ada econôm ica e um a leve inflação
após 1987, uma recessão econôm ica e a continuação de uma
inflação m oderada quando da explosão da bolha da internet
em 2001? Por que, desde então, a evolução da econom ia norte-
-am ericana não reproduz a quase estagnação e a tendência de
deflação observada nos anos 1990 no Japão?
Essas são algumas das questões que a teoria da regulação
aborda prio ritariam en te. Sua indagação central tem com o
objeto a m udança: com o explicar que as mesmas causas não
tenham as mesmas consequências sempre e em todos*os lu­
gares? A resposta é simples: m odo de regulação e regim e de
acumulação variam no tem po e n o espaço,já que o capitalismo
é fundam entalm ente um a dinamização da história por m eio da
inovação tecnológica e institucional.

139
TEORIA DA REGULAÇÃO

Do bom uso do conceito de "capitalismo"

A referência ao conceito tão carregado de capitalism o não


pressupõe que prevaleçam tendências trans-históricas e globais
que explicariam a sequência dos regimes de acumulação? Ainda
que derivada das intuições marxistas, a teoria da regulação nega
a ideia de leis evolutivas imanentes ao capitalismo. O desen­
volvim ento das forças produtivas não determ ina a dinâmica das
relações sociais. O s regimes de acumulação não estão totalm ente
condenados a ir de encontro ã queda tendcncial da taxa de lu cra
Tam pouco é inelutável que um regim e de acumulação com
escala mundial se imponha.
Efetivamente, é im portante especificar a forma precisa que
as relações sociais capitalistas assumem, com o são moldadas pelos
conflitos sociais e políticos, a concorrência entre os espaços
nacionais, o u ainda as grandes crises que marcam o desenvol­
vim ento desse sistema econôm ico. Dessa m ultiplicidade dos
fatores que moldam a configuração das formas institucionais,
derivam dois resultados importantes.

Paradoxo da origem das instituições econômicas

Em prim eiro lugar, a m aioria das instituições básicas de uma


econom ia tem um a origem exíraeconómica, muitas vezes política.
O regim eanonetário é claram entc associado à soberania polí­
tica, ainda que seja a base das relações mercantis. O Estado está
longe de ter com o lógica única favorecer a acumulação e de ser
a expressão de um a classe dom inante, a classe dos capitalistas-
empresários. Fundam entalm ente, ele resulta da conjunção de
compromissos institucionalizados, compromissos eles mesmos
reflexo de coalizões políticas, muitas vezes contingentes.
A orientação e a eficácia das ferramentas tradicionais da
política econôm ica são consequentem ente reavaliadas. Assim, a

140
CONCLUSÃO

relação salarial, expressão da subordinação dos assalariados, sob


a aparência de unia relação de m ercado igualitária, é o esteio
dc conflitos e de antagonismos que se estendem a outros tantos
compromissos. Eis a razão de a existência e a viabilidade de
um m odo de regulação e de um regim e dc acumulação serem
sempre contingentes e terem de ser provadas pela experiência.
E m segundo lugar, é assim que se podem explicar tanto
a tranform ação dos m odos de regulação ao longo da história
quanto a variedade dos mesmos num a dada época. O s mes­
mos fatores que dao origem a coerência de um a determ inada
arquitetura institucional podem acionar tendências de altera­
ção das diversas formas institucionais, resultando, a prazo, em
uma crise. O utra origem das grandes crises deve-se ao fato de,
diante de inovações consideradas radicais — inovações técnicas,
organizacionais, institucionais — , nenhum planejador poder
garandr ex ante a viabilidade dos ajustes económ icos que dizem
respeito à acumulação, naturalm ente problem ática c portadora
de conflitos. A diversidade dos m odos de regulação contem po­
râneos é apenas a expressão condensada da especificidade das
trajetórias nacionais com relação à constituição, na história, dos
compromissos institucionalizados e das formas institucionais.

Macroeconomia institucional e histórica

Essa é em última análise a form a com o a teoria da regulação se


apresenta. Nesse sentido, ela combina diversos métodos: análise
institucional, estudo estatístico e depois estudo econom étrico,
formalização dos ajustes referentes às diversas formas institucio­
nais, análise das características do conjunto dos m odos de regula­
ção e formalização das diveras escalas de tem po em modelos não
lineraes. Portanto, não é surpreendente que os regulacionistas
se recusem a recorrer de pronto a u m agente representativo
para persistir na polarização dos grupos e de seus conflitos de

141
TKOR1A DA REGULAÇAO

interesse.Já que é sempre situada institucional e historicamente»


a racionalidade é rarainente substanciai e completa. Além disso,
ao m odelo norm ativo da teoria neoclássica, que converteria
todas as relações econôm icas em relações de concorrência
em mercados ideais, a teoria da regulação opõe a hierarquia
das formas institucionais, reflexo das relações de poder que se
enunciam em coalizões políticas. Por fim, o tem po cinem ático
dos modelos jam ais se confunde com o tem po histórico, pois
as regularidades que o econom ista estima evidenciar sao, em
sua m aioria, contingentes e limitadas a uma época circunscrita.

O economista, um Sísifo moderno

Joan R obinson tinha o costume de m encionar um paradoxo no


cerne da atividade dos economistas: mal acabavam de descobrir
os delineam entos de um regim e de crescim ento, advinha uma
crise que tornava anacrônicas suas análises sobre o período, já
findo. Eis o calcanhar de Aquiles da teoria da regulação. D uvi­
dando — com o apoio de provas — da existência de leis eco­
nômicas trans-históricas, a teoria não cessa de tentar diminuir,
sem, contudo, o b ter sucesso, o tem po que separa a percepção
de mudanças potencialm ente fundamentais, p o r natureza di­
fíceis de decifrar, da pertinência de eventuais novos m odos de
regulação. O reconhecim ento dessa defasagem é muitas vezes
considerado um a fraqueza redibitória e um a prova da falta de
ciendficidade da teoria. Poderia se tratar, pelo contrário, de seu
traço distintivo e da fbrça de sua m etodologia.
A presente obra terá cum prido seu objetivo se conseguir
convencer o leitor das potencialidades dessa problemática que
n lo se limita a um a análise do fordismo, ainda que tenha de­
sempenhado um grande papel no nascimento e na propagação
da teoria. Graças a sua inserção n o período longo da história
e â atenção conferida ás relações en tre as esferas política e

142
CONCLUSÃO

economíca.a teoria da regulação não tem contribuído para tornar


compreensível uma série de transformações contemporâneas?
Pretendemos continuar desenvolvendo esta temática num se­
gundo volume da obra, que terá com o objeto primordial a apre­
sentação dos avanços mais recentes deste programa de pesquisa.

143
TEORIA DA REGULAÇÃO

2000 • A nnée de la régulation n* 4: Fundos de pensão e "novo capitalismo".


R o b e r t B o y e r , T o s h i o Y a m a d a : Japanese
Capitolism in Crisis.

2001 • Année de la régulation n * 5: Économie politique du développement.


Régulation et croissante.
B e r n a rd B illa u d o t:

M ondialisation et régulations.
R o b e r t B o y e r. P ie r r e -F r a n ç o is S o u iry :
B ob Jew op ( o r g .) : Régulation Thcory and the Crisis o f Capitalism
( e x e m p lo d a d if ic u ld a d e d e d ifu s ã o , n o m u n d o a n g lo - s a x ã o , d a te o ­
ria d a r e g u la ç ã o p o r s e u s p io n e ir o s ) .

S te fa n o P a lo m b a rín i: lut Rupture du compromis social italien.

2002 * Année de la régulation n * 6: Économie politique du capitalisme.


La Croissante début de siècle.
R o b e r t B o y er:

2003 • Année de la régulation n* 7: Les Institutions et leurs changements.


B r u n o A m a b lc : The Diversity o f Modem Capitalism.
C o n s c iê n c ia d a s d if e r e n ç a s e n t r e o s p r o g r a m a s d e p e s q u is a r e g u la -
c to n is ta e p e s q u is a c o n v c n c io iu lis ia : in c o r p o r a ç ã o d a é tic a o u e c o ­

n o m i a p o lític a d a s in s titu iç õ e s ?

2004 •A nnée de la régulation n* 8 : Idées et espaces.


R o b e r t B o y e r : í/r tr 7 7 r r ó n > du capitalisme est-elle possible?
M i c h e l A g l i e t t a . A n t o i n e R e b é r i m i x : Dérives d u capitalisme finandet

14K
R e f e r ê n c ia s b ib l i o g r á f ic a s

A g lie tu M . Régulation et (rises du capitalisme, P a r i s : C a l m a n n - L é v y . 1 9 7 6 ; 2* r J .

1 9 8 2 . R e e d . , p r e f a c io n o v o , P a ris : O d i l e J a c o b , 1 9 9 7 .

_____. Maeroécottomie financière, v o b . 1 e 2 , P a ris : L a D é c o u v e r t e , 1 9 9 5 . n o v a

e d iç lo c m 2 0 0 1 .

. " L e C a p ita lis m e d e d e m a in ” , Ilotes de la Fondation Saint-Simon, P a r i s ,


nov. 1998.

A g lic n a M ., B e n d e r A . Les Métamorphoses de la société salariale. La France en projet,


P a ris : C a l m a n n - L é v y , 1 9 8 4 .

A g lie tu M .. O r lc a n A . La Violence de la m o n n a ie , ta r is : P U F , 1 9 8 2 .

_________ . ( o r g s . ) , La Monnaie souveraine, P ins : O d ile Jsco b , 799#.

_____ . L a M o m w ir. entre violence et confiance, P a ris : O d i l e J a c o b , 2 0 0 2 .

A g lic c ta M . , R c b é r i o u x A . Dérives du capitalisme financier, P a r i s : A l b i n M ic h e l.2 0 0 4 .

A k e rlo f G . A n Economie Vurorisù Hook o f Taies, C a m b rid g e . C a m b rid g e U n i-


v e rs ity P re s s. 1 9 8 4 .

A m a M e B . 7 7k* Dnvrsity c f A t v i r m ( A ip if t f f i< itt ,< > x f b r d :O x f b r < l U n i v e r s k y P r e s s , 2 W > 3 .

A n u b l c B .. B a r r é R . . B o y e r R . Les Systèm es d'innovation à Vête de la globalisation.


P a ris : O S T / E c o n o m i c a . 1 9 9 7 .

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A rth u r U . Increasing Returtu and Path Dependenet in the liconomy, A n n A fb o r: T h e


U n iv c rs ity o f M ic h ig a n P re s s. 1 9 9 4 .

B a r a n P .. S w c e z y P . Le (Capitalisme monopoliste, P a r i s : M asp ero , 1 9 7 0 .

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