Você está na página 1de 90

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Faculdade de Serviço Social

Isabela Santos de Lima

Racismo, Saúde e a Política de Saúde Integral da População Negra:


uma análise a partir da experiência de estágio em saúde na
Faculdade de Serviço Social da UERJ

Rio de Janeiro
2020
Isabela Santos de Lima

Racismo, Saúde e a Política de Saúde Integral da População Negra: uma


análise a partir da experiência de estágio em saúde na Faculdade de Serviço
Social da UERJ

Monografia apresentada como


requisito parcial de avaliação
na disciplina de Trabalho de
Conclusão de Curso.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Paula Procopio da Silva

Rio de Janeiro

2020
Isabela Santos de Lima

Racismo, Saúde e a Política de Saúde Integral da População Negra no Serviço


Social: uma análise a partir da experiência do estágio em saúde na Faculdade
de Serviço Social da UERJ

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à Faculdade de Serviço Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, como requisito
parcial para obtenção ao grau de Assistente
Social.

Banca examinadora:

_______________________________________

Professora Dr.ª Ana Paula Procopio da Silva


Faculdade de Serviço Social – UERJ

________________________________________

Professora Ms. Rodriane de Oliveira Souza


Faculdade de Serviço Social – UERJ

_______________________________________

Professora Dr.ª Jussara Francisca de Assis


Escola de Serviço Social - UFF

Rio de Janeiro

2020
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha mãe que, além de todo apoio,


sempre se preocupou para que eu me enxergasse como a
mulher negra que sou.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente as mulheres mais importantes da minha vida, minha


mãe e minha vó. Sem o apoio, cuidado, incentivo, confiança e amor delas essa
trajetória teria sido mais difícil. Obrigada pelo colo nos momentos difíceis e,
principalmente, pelos sorrisos das conquistas obtidas terem sido compartilhado com
vocês.
A Cacau, Rita, Desirrée e Vitória por serem mulheres incríveis, ponto de apoio
e porto seguro e amigas que buscam se revolucionar e arrastam todos ao redor
neste caminho. Muitas outras tantas mulheres mereciam ser citadas aqui,
companheiras de curso, de gestão, amigas, camaradas, a todas só tenho a
agradecer por terem sido parte dessa história e pelos aprendizados.
Agradeço imensamente aos meus camaradas do Movimento Revolucionário
dos Trabalhadores (MRT) por trilharmos juntos um caminho que dá sentido à vida.
Caminhar com certeza de que é possível construir um futuro sem opressão e
exploração ao lado de cada um de vocês é muito melhor.
A equipe do Serviço Social do Hospital Municipal Miguel Couto,
especialmente as Monica Dias e Fátima Sanches, por terem feito da minha
experiencia de estágio um verdadeiro mar de aprendizado. Sair de Duque de Caxias
para a Gávea valeu a pena pela dedicação de vocês.
Aos professores com quem tive o prazer de compartilhar muito mais do que
as experiências em sala de aula. Os textos, as aulas, as reuniões, pesquisas,
greves, atos e assembleias que compartilhamos foram parte fundamental desta
jornada. Especialmente a Ana Paula Procópio pela paciência e conversas e a
Rodriane de Oliveira pela supervisão acadêmica no estágio.
Ao meu pai Marcos e sua esposa Márcia pelos esforços que foram parte do
apoio necessário para minha chegada até aqui, por entenderem e respeitarem a
ausência que foi necessária nessa trajetória apesar da saudade.
A Tatiana Cozzarelli por tudo e por ser fazer presente mesmo estando em
Nova York. Meu coração é seu país.
E ao meu companheiro, Marcelo, por me lembrar sempre que é preciso
sonhar e acreditar nos sonhos sem perder a atenção na vida. Obrigada pelas
conversas profundas, pelo amor, carinho e paciência.
A todas/os que foram parte dessa caminhada, muito obrigada!
EPÍGRAFE

Sou Negro

Sou negro 
meus avós foram queimados 
pelo sol da África 
minh`alma recebeu o batismo dos tambores 
atabaques, gongôs e agogôs 
Contaram-me que meus avós 
vieram de Loanda 
como mercadoria de baixo preço 
plantaram cana pro senhor de engenho novo 
e fundaram o primeiro Maracatu 

Depois meu avô brigou como um danado 


nas terras de Zumbi 
Era valente como quê 
Na capoeira ou na faca 
escreveu não leu 
o pau comeu 
Não foi um pai João 
humilde e manso 
Mesmo vovó 
não foi de brincadeira 
Na guerra dos Malês 
ela se destacou 

Na minh`alma ficou 
o samba 
o batuque 
o bamboleio 
e o desejo de libertação

Solano Trindade
RESUMO

Lima, I. S. Racismo, Saúde e a Política de Saúde Integral da População Negra: uma


análise a partir da experiencia de estágio em saúde na Faculdade de Serviço Social
da UERJ. 2020. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Serviço Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

Este trabalho tem como objetivo investigar e analisar a relação entre o


racismo enquanto um fenômeno estrutural, as discussões de saúde, em especial a
discussão de saúde da população negra e a formação em Serviço Social a partir de
conteúdos abordados nas disciplinas de estágio em saúde na Faculdade de Serviço
Social da UERJ.O estudo valeu-se de uma pesquisa quantitativa com os alunos
inscritos nas disciplinas de estágio da área da saúde e uma análise bibliográfica dos
artigos presentes na revista Serviço Social e Sociedade e na revista Em pauta. No
primeiro capítulo aborda-se a discussão da construção histórica e social do racismo,
suas particularidades no Brasil e os impactos vigentes na atualidade. No segundo é
apresentada a discussão do racismo enquanto determinante social, a discussão de
equidade e iniquidade no SUS e a saúde da população negra enquanto uma política
necessária ao avanço da equidade em saúde. O último capítulo, onde são
abordados os dados resultados da pesquisa, busca a partir da análise das respostas
contribuir para o olhar dobre este debate no Serviço Social. Considera-se relevante
o estudo e análise deste tema para compreensão da dimensão social do processo
saúde-doença e de sua articulação com o racismo. Para o Serviço Social, que atua
no âmbito das politicas públicas, é fundamental para a compreensão do efeito do
racismo nas instituições e as possibilidades de atuação a partir de uma reflexão
antirracista.

Palavras chaves: Racismo, Racismo Estrutural, Racismo institucional, Saúde,


Saúde da População Negra, Serviço Social
ABSTRACT
Key words:

Sumário

INTRODUÇÃO.........................................................................................................10

1. Racismo: elemento fundamental para as análises sociais


contemporâneas..........................................................................................13

1.1 De onde partimos: o racismo como base para compreensão da sociedade


contemporânea .......................................................................................13
1.2 O racismo no Brasil e sua negação....................................................................21
1.3 O racismo estrutural por trás das estatísticas....................................................32

2. A saúde da população negra: uma reinvindicação política e uma


necessidade para o avanço na equidade..................................................41

2.1 O racismo enquanto determinante social e o debate de equidade e iniquidade em


saúde........................................................................................................41

2.2 Uma reinvindicação política em busca da equidade......................................48

3. Um olhar inicial sobre este debate no Serviço Social desde a experiencia


do estágio na FSS-UERJ............................................................................58

3.1 Os caminhos que nos trouxeram até aqui ..............................................58


3.2 Análise das respostas dos questionários e discussão dos
resultados................................................................................................61

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................79

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................81

APÊNDICES ............................................................................................................84
INTRODUÇÃO

A prática no campo de estágio, a inserção na pesquisa acadêmica por meio


do Programa de Estudos e Debates dos Povos Africanos e Afro-Americanos
(PROAFRO) e da supervisão acadêmica suscitaram os questionamentos que
resultaram neste trabalho. Na experiencia de estágio, que abarca o dia-dia no
campo de estágio e a supervisão acadêmica, a quase nula presença de um recorte
racial de quem é a população atendida no Sistema Único de Saúde e das suas
necessidades se contrastava com uma imensa maioria de negros sendo atendido.
Essa discrepância não é um acaso, é resultado do racismo que busca apagar o
passado e o presente dos negros neste país.
O presente trabalho tem como objetivo contribuir para a discussão em relação
à articulação do tema do racismo, enquanto um determinante social em saúde, e os
conteúdos abordados nas disciplinas de estágio da Faculdade de Serviço Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e ainda promover um panorama da
articulação do debate sobre o racismo e saúde no respectivo curso e, também, da
Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN).
O trabalho de pesquisa envolveu revisão bibliográfica e aplicação de
questionário para o levantamento de dados empíricos.
Enquanto fenômeno social o racismo se desenvolve e se mantém como uma
das características que é base da estrutura sociedade capitalista. Significa não
somente uma forma de racionalidade, mas também um fator elementar que vai se
relacionar com os aspectos culturais, econômicos, políticos e determinar as
condições de saúde e de acesso as políticas de saúde dos grupos racialmente
discriminados.
Na sociedade brasileira, que desde a sua origem tem a sua história marcada
pela racialização das relações sociais, onde vigorou a escravidão por mais de três
séculos e que possui a maior população negra fora do continente africano o racismo
vai assumir traços específicos que determinam as abordagens e a percepção social
sobre o tema.
Nesta trajetória a preocupação das elites do país desemboca em uma
ideologia, a democracia racial, que nega a existência do racismo e funciona como
um elemento essencial para a sua perpetuação ao impor o branqueamento como

10
padrão a ser almejado, ao negar a identidade negra e localizá-la enquanto elemento
negativo na construção social do país.
Nos debates sobre o período da escravidão alguns autores, dentre os
utilizados aqui, usam o termo escravo para se referirem aos negros nesse período.
Entendemos, porém que o ser escravo não é uma condição de existência. Por isso
utilizaremos o termo escravizados para nos referir aos negros que foram
forçadamente colocados nesta condição.
Enquanto elemento que perpassa todos os aspectos da vida o racismo
atravessa toda a discussão de saúde e se constitui enquanto um profundo
determinante social. Entretanto os estudos em saúde mostram que seus impactos
são negligenciados dentro deste campo, evidenciando a profundidade do racismo e
da democracia racial vigente na atualidade.
As transformações na abordagem sobre saúde, a instituição de um sistema
único de saúde e dos princípios que o regem trazem à tona a necessidade do
combate às expressões do racismo no interior das instituições de saúde. Esse passa
a assumir um caráter central de reflexão e intervenção vinculado ao debate sobre a
equidade no SUS.
A trajetória de luta dos movimentos negros ocupa um lugar essencial no
combate ao racismo e nas discussões sobre a saúde desta população. Questionam
a negação do direito a identidade deste grupo racial, a realidade social que é
imposta as/os negras/os marcada pela desumanização, pelo genocídio, pela
negação de direitos e por condições de saúde que expressam o abismo de
desigualdade social entre brancos e negros e que tem esse fenômeno social como
um aspecto fundamental para sua explicação.
Os debates no Serviço Social apontam avanços, ainda recentes, para a
abordagem do tema principalmente nas questões relacionadas ao campo da saúde.
E estão relacionados com o racismo presente no espaço universitário e com uma
debilidade ao se abordar este tema na formação profissional.
Este quadro se expressa, por exemplo, nas produções teóricas que não
relacionam as discussões de saúde e racismo. Impactando profundamente na
formação profissional dos estudantes que atuarão nas instituições de saúde e se
colocando como um obstáculo para a concretização dos princípios profissionais e do
projeto ético político da profissão.

11
Este trabalho busca refletir sobre esses aspectos, visto que estes possuem
implicações práticas ao exercício profissional. É também um elemento real que
marca a vida dos sujeitos atendidos e que estão inseridos nesta realidade.
É uma necessidade urgente o aprofundamento deste debate no serviço
social. Por isso, desde uma análise da abordagem da relação entre racismo e saúde
nas disciplinas de estágio na Faculdade de Serviço Social da UERJ e de produções
teóricas sobre o tema busca-se contribuir para uma reflexão sobre sua compreensão
e dos aspectos que dificultam sua abordagem.
O trabalho está organizado em introdução, três capítulos e considerações
finais. No primeiro capítulo são apresentados aspectos sobre a construção, o
desenvolvimento e a manutenção do racismo enquanto uma característica que
fundamenta a estrutura social. No segundo serão abordados os aspectos estruturais
do racismo como determinante da dinâmica na sociedade brasileira contemporânea,
que perpassa todos os aspectos da vida social na sua relação com as discussões de
saúde. No terceiro são tratadas as particularidades dos aspectos que envolveram a
pesquisa empírica, o seu contexto, a caracterização das/os participantes, os
instrumentos utilizados na coleta, os resultados e a análise dos dados.

12
CAPÍTULO 1

Racismo: elemento fundamental para as análises sociais


contemporâneas

Iniciaremos apresentando, desde uma perspectiva social crítica alguns


aspectos sobre a construção, o desenvolvimento e a manutenção do racismo
enquanto uma característica que fundamenta a estrutura social. Partindo de
entender que este é um elemento fundamental para a compreensão da sociedade
contemporânea e que a construção da sociedade capitalista, seu desenvolvimento e
os mecanismos para a sua manutenção tem o racismo enquanto um determinante
estrutural. O racismo é um fenômeno mundial que permeia as relações econômicas,
políticas e sociais na sociedade se expressando e sendo reproduzido nas
instituições.

É um elemento que se constitui por meio de relações histórico-sociais e por


isso desenvolve particularidades. No Brasil, o modo como se desenvolve a
escravidão é um elemento essencial nas discussões sobre o assunto. O processo da
abolição das/os negras/os escravizadas/os, a construção de uma ideologia que vai
negar a existência do racismo e a evidente diferença racial que pode ser observada
socialmente, vincula-se com o fato de que este é um fenômeno profundamente
relacionado à constituição política, econômica e cultural na sociedade.

Partiremos de aprofundar esses aspectos para articular com as discussões


em saúde. O objetivo deste capítulo é apresentar o racismo enquanto um elemento
que vai determinar a construção da sociedade brasileira e, portanto, um aspecto
central da discussão de saúde ao estabelecer as condições de vida e de saúde da
população.

1.1. De onde partimos: o racismo como base para compreensão da sociedade


contemporânea

A divisão da humanidade em raças constitui na atualidade uma forma


sistemática de discriminação, o racismo. Tem uma construção social e histórica que
permite sua justificação e sua manutenção pela forma econômica e social vigente, o
capitalismo. Partindo do conceito de raça, que vai fundamentar o racismo enquanto

13
fenômeno social e de como este permeia as relações sociais, é possível visualizar
seu desenvolvimento e sua dinâmica social.
Kabengele Munanga1 (2003) ao realizar uma abordagem conceitual das
noções de raça, racismo identidade e etnia demostra de maneira didática a
transformações ocorridas no emprego do conceito de raça no decorrer da história.
Demostra como o conceito de raças, e o conceito de raças “puras”, tem sua
utilização primeiramente vinculada nos estudos das ciências naturais. Destaca que é
nos séculos XVI-XVII que este conceito vai começar a assumir, na França, um lugar
efetivo nas relações sociais.

A apropriação de um conceito já existente nas ciências naturais passa a


determinar e classificar a diversidade humana desde normas e padrões que tem o
homem branco como centro e tipo ideal. Essa classificação parte em um primeiro
momento de características que se relacionam diretamente com a cor da pele, mas
que avançam para uma série de traços físicos, passam a explicar a subjetividade e o
comportamento dos “outros” que não eram os brancos. Munanga (2003) ressalta
ainda que a necessidade de classificação e a diversidade humana são uma
realidade incontestável e que,

Os conceitos e as classificações servem de ferramentas para


operacionalizar o pensamento. É nesse sentido que o conceito de raça e a
classificação da diversidade humana em raças teria servido. Infelizmente,
desembocaram numa operação de hierarquização que pavimentou o
racialismo (Munanga, 2003, n.p).

Ao longo dos séculos os elementos comuns que justificavam essa


classificação foram se incrementando. Se no século XVIII a cor da pele era o critério
determinante no século seguinte, com o aprofundamento do papel da ciência para
legitimar tal classificação, elementos como formato do nariz, ângulo facial e formato
do crânio foram utilizados para precisar essa hierarquização. Os progressos
científicos do século XX permitiram que os avanços dentro do campo das ciências
biológicas e o desenvolvimento dos estudos da genética contestassem os
argumentos que eram tomados como verdades absolutas para justificar a
hierarquização racial e que permitiram a invalidação cientifica do conceito de raça
(Ibidem, n.p.).
1
Kabengele Munanga (Bakwa Kalonji, 22 de junho de 1942) é antropólogo e professor brasileiro-congolês.
Especialista em antropologia da população afro-brasileira, é professor, antropólogo e desenvolve pesquisas em
temas como relações raciais, identidade e miscigenação no Brasil, atentando-se à questão do racismo na
sociedade brasileira.
14
Esse movimento não é somente fruto do desenvolvimento do conhecimento
da humanidade e, mesmo não sendo o foco deste trabalho, vale aqui destacar as
importantes contribuições da luta do povo negro e do conjunto dos setores não-
brancos para os avanços no quadro existente até então. Um quadro que, como
observa Munanga (2003), se comprova cientificamente, e é formado por um conceito
que não se justifica biologicamente, mas nas relações de poder e ideológicas da
sociedade.

É um conceito carregado de ideologia, pois como todas as ideologias, ele


esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação. A
raça, sempre apresentada como uma categoria biológica, isto é natural, é de
fato uma categoria etnosemântica. De outro modo. Campo0 semântico do
conceito de raça é determinado pela estrutura global da sociedade e pelas
relações de poder que a governam [...]. Por isso o conteúdo dessas
palavras é etino-semântico, político-ideológico e não biológico (Ibidem, n.p.).

Munanga (2003) demarca que o conceito de racismo foi criado por volta de
1920 a fim de denominar as relações desiguais que teriam como base a divisão
entre as “raças” humanas onde as características físicas determinariam, a partir da
articulação entre elementos físicos, intelectuais, morais e culturais, a localização
subalterna de todas as raças frente a raça “branca”. Partindo então de uma
abordagem que tem a “raça” como ponto inicial “o racismo é essa tendência que
consiste em considerar que as características intelectuais e morais de um dado
grupo, são consequências diretas de suas características físicas ou biológicas”
(Ibidem, n.p). Socialmente a articulação destes elementos e a hierarquização da
humanidade em raças superiores e inferiores se mantém no ideário das massas a
despeito dos avanços científicos e se reproduzem nos mais diversos âmbitos da vida
social.

Silvio Almeida (2018, p.15) afirma que “(...) sociedade contemporânea não
pode ser compreendia sem os conceitos de raça e de racismo”. Esse não seria um
elemento patológico ou uma expressão de anormalidade, mas responsável por
constituir uma lógica desigual e violenta que vai moldar a forma social
contemporânea. Vai se expressar em toda a vida social manifestando uma relação
política e econômica profunda. A construção de uma ideologia que localiza o homem
branco como ideal se liga ao processo de desumanização de povos e culturas, no
colonialismo. Determina como variações menos evoluídas os sistemas e culturas
15
que não condizem com o tipo ideal e vai reger a organização da sociedade a partir
de normas e padrões racistas. O racismo vai se configurar então como um processo
de caráter sistêmico.

Não se trata, portanto, de apenas um ato discriminatório ou mesmo um


conjunto de atos, mas de um processo em que condições de subalternidade
e de privilégio que se distribuem em grupos raciais se reproduzem nos
âmbitos da política, da economia e das relações cotidianas (Ibidem, p. 27).

As regras e padrões racistas atuam na ordem social vigente para que seja
possível a sua perpetuação. Neste aspecto as instituições vão ganhar um destaque
ao ser por meio delas que se materializa a estrutura social e o modo de socialização.
Elas serão responsáveis por reproduzir o racismo, já que este é:

[...] uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal”


com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas, e até
familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo
institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos individuais e
processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é a
regra e não exceção (Almeida, 2018, p. 38).

O capitalismo institui uma sociedade em âmbito mundial racializada e


estruturada profundamente neste tipo específico de discriminação, assim como
desenvolve Quijano2 (2005). E neste processo, o racismo se torna determinante em
uma forma social que depende da exploração do homem pelo próprio homem para
sua manutenção. Marx em “O Capital”, no capítulo XXIV, sinaliza que as leis gerais
do processo de acumulação prévia à acumulação primitiva e que demarcam a base
fundamental para o desenvolvimento da sociedade capitalista, nada tiveram de
ternos ou puros.
Um movimento que vai se dar de diferentes formas dentro e fora do
continente europeu. É marcado por brutalização das populações europeias pobres e
pela conquista violenta de novos territórios, assassinato, sequestro, desumanização
das populações não brancas, além da redefinição de termos que anteriormente
significavam procedência geográfica/origem e do estabelecimento de identidades a
partir de uma conotação racial. O processo de colonização é complexo e promoveu

2
Aníbal Quijano é um sociólogo decolonial peruano que desenvolveu o conceito de “colonialidade do poder”
para compreender a formação da modernidade no momento de inflexão do desenvolvimento do capitalismo,
em sua dimensão globalizada desde o desenvolvimento histórico do colonialismo.
16
a imposição mundial de um novo padrão de organização social que começava a se
desenvolver (Ibidem).
Aníbal Quijano localiza no quadro do desenvolvimento histórico mundial, a
“descoberta” das Américas como um processo de globalização responsável por
localizar “(...) o capitalismo colonial/moderno e eurocentrado como novo padrão de
poder mundial” (Ibidem, p.117). Sendo, portanto, parte constitutiva do nascimento,
evolução e consolidação da burguesia enquanto classe dominante e da constituição
de um mundo que correspondesse aos seus interesses.

Insiste ele ainda que a chegada à América impôs a necessidade de novas


elaborações de pensamento e linguagem para uma definição dos comportamentos
dos navegadores brancos em relações aos habitantes originários dos territórios
recém descobertos. As necessidades da conquista pautaram a divisão e
hierarquização racial do mundo, e demonstram-se eficazes para legitimação de
relações de dominação.

Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade as


relações de dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da
Europa como nova identidade? depois da América e a expansão do
colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram a elaboração da
perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela a elaboração teórica
da ideia de raça como naturalização dessas elações coloniais de cominação
entre europeus e não-europeus. Historicamente, isso significou uma nova
maneira de legitimar as já antigas ideias e práticas de relações de
superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados [...] Desse modo,
raça converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da
população mundial nos níveis, lugares e papeis na estrutura de poder da
nova sociedade (QUIJANO, 2005, p.118).

A necessidade de dominação marca a colonização que se baseia em uma


série de justificativas de inferioridades dos povos, principalmente raciais, para a
racionalização de um processo tão brutal como este. Neste processo a escravidão
se insere como o fator que logrou transformar milhares de seres humanos em
mercadorias marcadas a ferro.

A escravização de negras/os é demarcada pelo seu sequestro do continente


africano e é parte de um movimento iniciado nos séculos XV e XVI com a chegada
de habitantes do continente Europeu nas terras que ficaram conhecidas como
América. Ela se institui então como um elemento essencial para a lucratividade das

17
metrópoles a partir do tráfico, da comercialização de africanas/os e da expropriação
compulsória de seu trabalho para funcionamento e desenvolvimento das colônias.

A centralidade do trabalho escravo nas colônias ligado ao aspecto econômico


fundamental que estas representavam para as metrópoles. O desenvolvimento do
sistema capitalista e da burguesia exigiu um fluxo constante e intenso de negras/os
escravizadas/os pelo Atlântico. Este tráfico transatlântico foi “(...) o primeiro princípio
e fundamento de todos os outros, a mola mestra da máquina que põe toda a roda
em movimento.” (Williams, 1975, p.57) dele tudo dependia. E, essa engrenagem
determinou a dinâmica, a ciência, a moral, a religião, a política e sobretudo as
relações político econômicas de toda a sociedade durante os séculos que vigorou
sendo justificada por se configurar enquanto um negócio vantajoso.
C.L.R James3, marxista caribenho, autor do clássico Os Jacobinos Negros e
mentor de Williams, em texto datado de 1939, resgata uma colocação do historiador
Gaston-Martin em relação ao comércio colonial francês que afirma que “embora a
burguesia comercializasse outros produtos além de escravos, o sucesso ou fracasso
de tudo mais dependia deste comércio” (James, 2019, p.25).

Este comércio só se fez possível porque a escravidão moderna4 se configurou


como uma instituição altamente lucrativa. além de se configurar enquanto um
sistema responsável por garantir a produção de mercadorias, se subordinar e
depender do novo mercado capitalista que se desenvolvia e se instituía a nível
mundial, se estabelece como

[...] uma instituição econômica de primeira importância. [...] Nos tempos


modernos, forneceu o açúcar para as xícaras de chá e café do mundo
ocidental. Produziu o algodão para servir de base ao capitalismo moderno.
[...] Vista na perspectiva histórica, ela faz parte desse quadro geral do
tratamento cruel das classes desprivilegiadas, das insensíveis leis dos
pobres e severas leis feudais, e da indiferença com que a classe capitalista
ascendente estava “começando a calcular a prosperidade em termos de
libras esterlinas e [...] acostumando-se à ideia de sacrificar a vida humana
ao deus do aumento da produção” (Williams, 1975, p.9).

3
C.L.R. James foi um revolucionário negro fundador da Quarta Internacional, dirigente do S.W.P. Partido
Socialista Norte americano e da Oposição de Esquerda. Teve sua produção intelectual voltada ao tema da
escravidão, do racismo, sobre a Revolução do Haiti, a Revolução Russa e sobre stalinismo.
4
Clóvis Moura utiliza o conceito de escravidão moderna para referir-se ao processo de escravização do negro
africano como um modo de produção o qual pode-se notar no processo de acumulação primitiva de capital.
18
Williams chama atenção para as possibilidades abertas com a descoberta de
novos mercados, o desenvolvimento de novos bens de consumo e o aumento da
capacidade produtiva que se expandia a cada novo desenvolvimento da indústria. E,
apesar de focar sua abordagem nas colônias do Caribe, ele destaca elementos
gerais que se estenderam nos territórios colonizados: o latifúndio, a monocultura e a
escravidão negra.
A escravização negra se institui então como um elemento essencial para a
lucratividade das metrópoles a partir do tráfico e comercialização de africanos e da
expropriação compulsória de seu trabalho para funcionamento e desenvolvimento
das colônias. “A escravidão, de sua condição de fator insignificante na vida
econômica da colônia, tornou-se a base sobre a qual ela se estabeleceu.” (Ibidem,
p.31). A centralidade do trabalho escravo nas colônias ligado ao aspecto econômico
fundamental que estas representavam para as metrópoles e para o desenvolvimento
da burguesia exigiu um fluxo constante e intenso de negras/os escravizadas/os pelo
Atlântico.
Todavia os males reais desse processo mancharam todo o Atlântico com o
sangue daquelas/es que foram arrancadas/os do continente africano e
comercializadas/os como mercadoria. Os povos que compunham o continente
africano tiveram suas estruturas sociais desmanteladas pela dinâmica imposta pelos
interesses colonizadores.

A vida tribal foi destruída e milhões de africanos sem tribos foram jogados
uns contra os outros. A interminável destruição da colheita resultou no
canibalismo; as mulheres cativas se tornaram concubinas e degradavam a
condição de esposas. As tribos tinham de suprir o comércio de escravos,
ou então elas mesmas seriam vendidas como escravas. A violência e a
ferocidade tornaram-se as necessidades para a sobrevivência, e foram a
violência e a ferocidade que sobreviveram. Crânios sorridentes na ponta
de estacas, os sacrifícios humanos, a venda dos próprios filhos como
escravos: esses horrores foram o produto de uma intolerável pressão
sobre os povos africanos, que se tornavam mais ferozes, no decorrer dos
séculos, à medida que a exigência da indústria aumentava e os métodos
de coerção se aperfeiçoavam (James, 2010, pp. 21-22).

Para o tráfico transatlântico foi fundamental a articulação dos interesses


econômicos com o desenvolvimento de uma racionalização que justificasse a
comercialização humana em escala nunca vista na história. A profunda articulação
dos elementos econômicos, políticos e ideológicos permitiu que o tráfico negreiro e a
escravidão se estendessem por séculos.
19
A garantia das/os escravizados enquanto uma propriedade, balizada pela
premissa de sua não humanidade era assegurada por legislações nas metrópoles,
nas colônias do Caribe e nas colônias na América. Enquanto aquela forma social
fosse necessária para o desenvolvimento econômico e para a burguesia
mercantilista esta não mediria esforços para que o parlamento, as leis, a filosofia, a
ciência e tudo mais que fosse necessário garantissem seus interesses. É isto que
mostra a exposição de Williams sobre este aspecto na Inglaterra, como a de C.L.R.
James ao tratar dos aspectos legais da escravidão na Ilha de domínio francês São
Domingos ou as análises das legislações portuguesas vigentes no Brasil colonial
onde “(...) por sinal, a legislação do Império proibiu que escravos recebessem
instrução sequer nas escolas primárias, equiparando-os aos doentes de moléstias
contagiosas” (Gorender, 2001, p.64).

Com o desenvolvimento da sociedade ao longo dos séculos o modelo colonial


e a forma utilizada até então de articulação dos elementos econômicos, políticos e
ideológicos que mantinha o tráfico negreiro e a escravidão passam a não
corresponder mais as necessidades. Então por mais que teorias e uma ideologia
racial tenham sido desenvolvidas para a sustentação da escravidão, as bases
econômicas e políticas após meados do século XIX já não correspondiam mais os
interesses e ao desenvolvimento do capitalismo.
Abriu-se então uma disputa entre sistema colonial e seus representantes e
aos setores que representavam a sociedade industrial se juntou também um outro
elemento presente em todas as colônias e que já havia demonstrado sua força na
revolta vitoriosa de São Domingos: “A pressão sobre o plantador de cana por parte
dos capitalistas da Grã-Bretanha foi agravada pela pressão dos escravos nas
colônias” (Williams, 1975, p. 224 ).

Aos poucos aquele sistema tido como glorioso vai perdendo seus aliados ao
se movimentarem os eixos econômicos para as poderosas indústrias que constituem
o novo núcleo de desenvolvimento. Porém, as diferenças raciais que funcionaram
como pretexto ideológico para justificar o processo de colonização e a escravidão
ainda correspondiam à necessidade de dominação do capitalismo. Foi sendo então
remanejada a função do racismo diante das novas necessidades impostas pelo

20
desenvolvimento, mas se manteve seu aspecto enquanto elemento de dominação
econômica, política e cultural permitindo sua perpetuação (Moura, 1994).

É notório que o racismo enquanto fenômeno social se constitui como uma


hierarquização que parte da localização do homem branco como topo da cadeia
hierárquica, atingindo de diferentes formas todos aqueles que não correspondem a
esta imagem (populações indígenas, asiáticas etc.). Ele se institui mundialmente e
tem na colonização e na escravidão aspectos de caráter mundial que estão na
gênese de sua consolidação, mas que se perpetua de forma independente destes se
mantendo como base da organização da sociedade na atualidade.

O caráter mundial, tanto de outrora, como atual não exime o racismo de


especificidades. Este possui formas de expressão específicas, que se relacionam
com a história e o desenvolvimento de cada país, assim, no Brasil os quase 400
anos de escravidão e o desenvolvimento histórico do país colocarão algumas
especificidades para abordagem deste fenômeno social.

1.2 - O racismo no Brasil e sua negação

No Brasil os impactos do modo de produção escravista colonial e a dicotomia


social baseada na estratificação social entre senhores e escravos determinou a
dinâmica conflitiva desde sua origem (Moura, 1994). 

Clóvis Moura5 ao analisar a escravidão no Brasil e os elementos políticos,


econômicos, culturais e sociais presentes elabora a seguinte periodização:
Escravismo pleno (1550 até 1850) e Escravismo tardio (1850 até 1888). A sua
análise nos ajuda a entender as transformações que envolvem os processos sociais
no Brasil colônia e Brasil Império existentes em cada uma das fases da escravidão.
Localiza estes nos marcos gerais do movimento internacional de desenvolvimento
do capitalismo. As reflexões também auxiliam na compreensão da dinâmica do o
racismo no Brasil no pós abolição.

A primeira das fases fundamentais, o Escravismo pleno, vai aproximadamente


dos anos 1550 até a extinção efetiva do tráfico negreiro em 1850 pela Lei Eusébio
5
Clóvis Moura foi um sociólogo marxista que desenvolveu pesquisas importantes acerca de temas como
relações raciais no Brasil, história da escravidão e luta de classes e a questão negra.
21
de Queirós. Daí até a abolição da escravidão no ano de 1888 estaria vigente o
período do Escravismo tardio.

Moura (Ibidem, p.22) reivindica essa periodização porque considera que são
marcos que ajudam a “(...) situar mais precisamente o apogeu, a decadência e a
decomposição” da escravidão no Brasil. 

Em primeiro lugar, porque mesmo não tendo havido modificações


estruturais nas relações de produção no Brasil, podemos registrar, a partir
do final do primeiro período, modificações tangenciais e regionais
importantes [...] Em segundo lugar, seria simplificar demais, como aliás
acontece muitas vezes, ver-se o sistema escravista no Brasil com as
mesmas características durante quase quatro séculos (Ibidem).

O autor parte da definição do ser escravo desde sua localização enquanto


socialmente “coisificado”, o que determinava sua localização social e seu papel na
produção, e de que esta condição era dada essencialmente por ser comprado e
vendido como uma mercadoria.

No escravismo pleno a propriedade do escravo era absoluta, a escravidão e o


tráfico representavam uma forma altamente lucrativa e uma fonte inesgotável. Desde
aí, todas as relações sociais se organizavam, todo o aparelho administrativo se
organizava a fim de garantir um “equilíbrio social” entre todos os grupos sociais.
Também as formas de trabalho se estruturavam a fim de manter e colaborar com o
andamento de uma sociedade altamente conflitiva e baseada em duas classes
fundamentais: senhores e escravos. O elemento mais fundamental se situa no
choque entre essas duas classes, nas contradições que se desenvolvem desde este
ponto, do equilíbrio imposto a partir daí e das ações de resistência dos escravos.
Isto porque neste período o “corpo a corpo” entre senhores e escravizadas/os
determinava o eixo da dinâmica social (Moura, 1994, p.20). 

O eixo da dinâmica social deste período passa pelo comportamento do


escravo rebelde ou descontente e as medidas das autoridades para impedi-
lo. Isso não quer dizer que todo escravo fosse um quilombola ou fugitivo.
Em qualquer sociedade dividida em classes a consciência dos seus
antagonismos não atinge a totalidade dos seus membros, nem seria isso
possível. Quando voltamos a repetir que a dinâmica nesse período passa
pelo antagonismo entre escravos e senhores queremos assinalar que toda a
máquina ideológica, administrativa e militar estava montada objetivando
manter o equilíbrio social e ele somente seria possível se houvesse uma
estrutura de contenção capaz de mantê-la equilibrada (Ibidem).

22
É no Escravismo pleno que as relações escravistas desenvolvem suas
características fundamentais e que se consolidam as formas jurídicas,
administrativas e sociais necessárias à sua manutenção. Trata-se de um período
que abrange cerca de 380 anos, o que exige incorporar na análise os rebatimentos
das transformações pelas quais o capitalismo desde sua origem até as fases
concorrencial e monopolista passa nesse tempo.

A organização do governo colonial tinha como objetivo manter o


funcionamento da sociedade escravista e da sua produção. Para isso se alinhavam
os interesses da metrópole e a organização administrativa do outro lado do Atlântico.
A unidade entre estes dois polos foi estabelecida por meio da centralização do
sistema de governo colonial e se configurou como elemento fundamental para a
manutenção do equilíbrio social exigido no período. “Com esta centralização
racionalizava-se o sistema de governo da Colônia, dando-lhe unidade administrativa
e judiciária, e, ao mesmo tempo, criavam-se as condições de reprimir as revoltas
dos negros e índios” (Moura, 1994, p.36).

Criou-se uma rígida estrutura administrativa, jurídica e política sob a qual se


mantinha a sociedade e onde o papel repressor do estado era central e articulado
com a necessidade fundamental da força de trabalho escrava. Esta é a estrutura que
se manterá essencialmente por todo período, mesmo após a chegada de D. João VI
e da família real portuguesa (1808) e com o processo de Independência (1822)
entrando no que Moura denomina de “uma crise progressiva”.

A vinda de D. João VI, e posteriormente, a Independência não criam


nenhuma crise estrutural no sistema escravista. Se, como já disse, esses
dois acontecimentos marcam o fim do sistema colonial e a constituição de
uma economia mercantil escravista, do ponto de vista do modo de produção
nenhuma crise foi constatada (Ibidem, p. 47-48).

A crise escravista inicia com o desenvolvimento de uma modernização na


produção dinamizada pelo surgimento da produção de café que não é acompanhada
de uma mudança social. Este movimento impacta não só tecnologicamente a forma
produtiva da escravidão, mas também a organização das relações sociais de modo

23
amplo, as preocupações das autoridades e, principalmente organização dos
escravos contra a escravidão.

Quando dizemos na nossa elaboração teórica, modernização sem


mudança, queremos afirmar que em determinada sociedade houve um
progresso econômico, tecnológico, cultural e em outras partes e níveis da
sua estrutura sem uma modificação que a isso correspondesse nas suas
relações de produção, ou seja, na sua infra-estrutura. [...] Cria-se uma
contradição na estrutura que começa a produzir choques, assimetrias e
conflitos como reflexos e reduções dessa diferença. Essas contradições
e/ou desestruturação manifestam-se das mais variadas formas, quer na
área do trabalho, onde elas são mais agudas, quer no nível ideológico,
gerando idéias em grupos e organizações que passam a reproduzir o que
tem de moderno. isto é, a ciência e a tecnologia avançada (Ibidem, p. 52-
53).

Para Moura, a relação entre a modernização, a falta de mudança estrutural e


as contradições que se desenvolveram nas relações sociais de um país que se
chocava com esse processo de forma acelerada enquanto ainda vigorava o trabalho
escravo. Este é um dos elementos fundamentais de análise no período posterior ao
Escravismo pleno.

O Escravismo tardio desde sua origem foi profundamente marcado pelos


aspectos internacionais da dinâmica do desenvolvimento do capitalismo (transição
do capitalismo concorrencial para o monopolista), principalmente pelos interesses do
capital inglês, o que causou implicações de ordem econômica e política no Brasil. A
imposição do fim do tráfico negreiro foi, também, concretamente efetivada em nome
desses interesses. Causou impactos estruturais numa sociedade tão enraizada no
trabalho escravo e no tráfico negreiro. Diante de tantos elementos de mudanças não
havia como se sustentar uma sociedade onde a dicotomia fundamental se
configurava em escravizadas/os e seus senhores. A passagem do trabalho escravo
para o trabalho assalariado se tornava inevitável até mesmo para os interesses
oligárquicos, como para outros segmentos da classe dominante.

A questão de classe que se impunha era: como realizar essa passagem


mantendo as bases fundamentais que garantiam seus interesses?  Quanto a isso
Moura destaca cinco medidas elementares para que se desenvolvesse essa
passagem harmoniosa com os interesses das elites do país.  Dentre elas, a Tarifa
Alves Branco é a única que se localiza antes do ano de 1850. As outras são a Lei
Eusébio de Queiroz, a Lei de Terras, a guerra do Paraguai e a política imigrantista.
24
Este quadro de medidas marcam o processo de decomposição e de substituição do
trabalho escravo pelo trabalho assalariado.

Em nosso trabalho destacaremos brevemente a Lei de terras e a política


imigrantista, como aspectos fundamentais para a localização da população negra no
Brasil pós abolição. 

O papel da posse da terra, em um país estruturado em oligarquias


latifundiárias, constitui a relevância da Lei de Terras e é definido como um dos
elementos reguladores e controladores de preservação dos interesses dos senhores
(MOURA, 1994). A garantia de uma organização da distribuição da terra
salvaguardando a perpetuação do grande latifúndio no controle da classe dominante
e, principalmente, garantindo a exclusão do acesso às populações negras livres, se
converteu em um elemento vital com a possibilidade da Abolição.

O pensamento de qual seria a posição dos negros após serem livres, foi
sempre uma preocupação presente desses políticos e dos proprietários de
terras. Era uma interrogação preocupante porque, pela legislação vigente o
Estado era proprietário das terras e somente a ele, através de doações, as
terras podiam ser adquiridas (Op. Cit, p.70).

A Lei de Terras modifica o quadro exposto na citação anterior instituindo


como único meio possível para a aquisição de terra a transferência por meio da
compra. Significou a imposição de uma barreira material determinante ao conjunto
das/os negras/os escravizadas/os diante da iminente mudança de sua condição
social. “Com a lei os escravos beneficiados com a Abolição ficariam impedidos de
exigir ou solicitar terras ao poder imperial como indenização concedida “por direito”
durante a escravidão” (Moura, 1994, p.71).

Moura ainda assinala que:

A lei de terra tinha, no fundo, um conteúdo político. Ela deu um cunho liberal
à aquisição de terras no Brasil, mas visava impossibilitar uma lei
abolicionista radical que incluísse a doação pelo Estado de parcelas de
gleba aos libertos, e, de outro, estimular o imigrante que via a partir daí a
possibilidade de transforma-se em pequeno proprietário, aqui chegando
(Ibidem).

A nova Lei de terras vai se vincular estritamente com a implementação da


política imigrantista que visava o branqueamento da sociedade brasileira por meio
25
de estímulos à imigração de europeus. A política imigrantista faz parte do quadro
geral de uma transição para o trabalho assalariado que buscava impedir as
possibilidades de mobilização social e que localizava, escravizadas/os, negras/os
livres e indígenas à margem.

A terra enquanto um elemento de status social passou a ser oferecida como


uma possibilidade ao imigrante. Por outro lado, a política de imigração que
privilegiava os europeus brancos também colaborou na estratégia de
branqueamento do trabalho assalariado. Junto a esses elementos somam-se
também os movimentos abolicionistas em suas diferentes vertentes e uma série de
interesses internos e externos que combinados desembocarão da abolição
promulgada pelo Estado imperial.

O que se deve concluir é que, com a passagem do escravismo pleno para o


escravismo tardio, o bloco de poder escravista - governo Imperial, políticos,
intelectuais orgânicos e religiosos - foram criando, cada um na sua área de
atividade interesse e dinamismo, medidas que abriram caminho para a
substituição desse tipo de escravismo em decomposição pelo trabalho livre
que já se manifestava nas brechas cada vez mais largas no regime de
trabalho dominante [...] Duas coisas preocupavam esse boco de poder: o
problema da mão-de-obra e o problema da terra [...] A mão de obra negra,
em consequência de um trabalho ideológico planejado tanto pelas elites
dirigentes como pelos políticos e empresários imigrantistas, interessados na
vinda do trabalhador estrangeiro que lhes daria lucros, era vista como
incapaz de suprir as necessidades de trabalho exigidas pela economia
cafeeira [...] conserva-se a terra na posse dos mesmos proprietários e
dificulta-se a sua aquisição por parte de outros grupos, que poderiam dividir
o poder com ele, era uma questão a ser resolvida antes das modificações
das relações de trabalho esperadas[...] (Moura, 1994, p.99).

A abolição é o resultado do processo de substituição do trabalho escravo pelo


trabalho livre, transição que já estava prevista e foi construída pelas elites do país.
Se por um lado o 13 de Maio de 1888 marcou a liberdade jurídico formal, por outro
instituiu-se legalmente como um princípio geral e abstrato que ordena todos iguais
perante a lei, o que impediu a reorganização da estrutura social. No pós abolição
mantém-se a estratificação racial do país e complexificam as suas formas.

Com o princípio de que todos são iguais perante a Lei os mecanismos de


barragem étnica se reafirmaram, se sofisticaram e ficaram invisíveis, tem-se
a impressão que seu achatamento social, econômico e cultural é
decorrência das suas próprias insuficiências individuais ou grupais [...]
Todos esses elementos fizeram da sociedade brasileira, nos níveis das suas
relações raciais especialmente entre negros e brancos, uma sociedade
neurótica e, reprodutora de uma paranoia social, quer entre os brancos,
quer entre os negros (Op. cit, p.153).
26
O racismo não se expressa mais na relação onde a/o negra/o é uma
propriedade, mas numa realidade em que permanece “(...) sem demonstrar a sua
rigidez, não aparece à luz, é ambíguo, meloso, pegajoso, mas altamente eficiente
em seu objetivo” (p.160). Neste processo, onde a/o negra/o é jogado a própria sorte
após anos de trabalho forçado na construção deste país, sem direitos mínimos para
que pudesse ultrapassar a condição de “ex-escravo” na sociedade, mas tornar-se
um cidadão.

No período escravista o Estado cumpre um papel central para na nova


roupagem que visa garantir a perpetuação da estratificação social racializada, bem
como os fundamentos ideológicos e materiais para isso.

Como aborda Munanga (1999) sobre o processo de mestiçagem no Brasil e a


relação deste com a construção da identidade negra e nacional, o tipo de nação que
se constituiria após 1888 era uma preocupação de toda a elite e por conseguinte do
Estado. Isto porque a alteração da configuração social passaria a contar com uma
população negra livre que não podia ser ignorada 6. Uma identidade nacional
precisava ser construída, esse era o eixo do debate nacional, essa era a
preocupação ideológica da elite e de seus representantes. É evidente que as
representações dominantes da sociedade brasileira até então, enraizadas
profundamente no racismo já buscavam respaldo nas teorias racistas do século XIX.
Neste marco se constrói um pensamento que tem por base a ideia de que a
localização naturalmente inferior da/o negra/o resultaria em um legado negativo para
a identidade nacional.

A mestiçagem como fenômeno biológico sempre esteve presente na história e


constitui um dos elementos da diversidade humana. Trata-se de “(...) um fenômeno
universal ao qual as populações ou conjuntos de populações só escapam por
períodos limitados” (MUNANGA, 1999, p.17). Contudo sua apropriação ideológica
construiu no Brasil um sistema de hierarquização racial entre dois polos básicos, o
branco, positivo e o negro, negativo passando então a cumprir funções específicas,
de dominação e opressão, como demonstra Munanga (1999) em seu trabalho de

6
Sobre a reação da elite brasileiro conferir: MARINHO, Celia. Onda negra, medo branco: o negro no
imaginário das elites.
27
análise dos aspectos sociais, políticos, econômicos, ideológicos e psicológicos deste
processo.

Conforme Moura (1994), a política de branqueamento da população foi


garantida pelo Estado pela implantação de uma política imigrantista que privilegiava
o segmento europeu branco e estava aliada a outros elementos de exclusão da
população negra. No pós 1930 o elogio à mestiçagem promovido por Gilberto Freyre
estruturou o mito de que o Brasil seria uma nação que resolveu o problema, o que
contribui para a consolidação da ideia de democracia racial como um fundamento da
formação social brasileira. Somente nos anos 1950 com os estudos financiados pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
a democracia racial foi evidenciada como mito no campo acadêmico Na primeira
república o que predomina hegemonicamente no pensamento social brasileiro são
soluções eugenistas que tem como premissa a inferioridade intelectual e moral da
população negra como principal fator de atraso para o país (MUNANGA, 1999).

O elogio da “mistura brasileira” tem como base ideológica fundante a crença


na superioridade racial branca diante de todas as raças. É desde aí que se consolida
o pensamento social brasileiro sobre a mestiçagem. De diferentes formas na
construção deste pensamento ainda é possível observar os mesmos fundamentos
essenciais que Munanga destaca ao analisar, por exemplo, o pensamento de Sílvio
Romero.

Acreditava no nascimento de um povo brasileiro, que resultaria da


mestiçagem entre essas três raças e cujo o processo de formação estava
ainda em curso. Mas, desse processo de mestiçagem, do qual resultará a
dissolução da diversidade racial e cultural e a homogeneização da
sociedade brasileira, dar-se-ia a predominância biológica e cultural
branca e o desaparecimento dos elementos não brancos (Munanga,
1999, p.52, grifos nosso).

Em maior ou menor grau, de uma forma mais explicita e imediata ou implícita


e a longo prazo, a suposta predominância genética da raça branca desembocaria no
desaparecimento das/os negras/os como componentes massivos da nação, este
seria para os intelectuais da época o resultado da miscigenação.

Segundo ele, as teorias racistas localizam todos os problemas do Brasil no


negro e no nativo (indígena). Estes seriam responsáveis por colocarem risco o

28
desenvolvimento da nação. Os séculos de uma estrutura social colonial baseada na
escravidão, o saque direto das riquezas do território nacional, os encargos e tarifas
impostos pelos governos alinhados aos interesses da coroa Portuguesa, a
ingerência do capital internacional no território nacional são elementos dispensados
nas análises sociológicas ditadas pelo racismo. Munanga identificou nesses
ideólogos que a incapacidade negra somente poderia ser superada pela
miscigenação que permitiria a aproximação do ideal branco e de suas características
físicas, morais e intelectuais superiores.

No processo de branqueamento necessário para a superação dos elementos


das raças inferiores presentes na sociedade brasileira a mestiçagem era vista como
uma necessidade e ao mesmo tempo como uma fase transitória. Munanga ao
abordar o pensamento de Vianna, que baseia todo seu pensamento desde a
ideologia de branqueamento, mas que introduz a discussão de “democracia racial”
visto que as condições econômicas, sociais e políticas no Brasil davam bases
harmônicas e iguais a todos destaca que:

[...] ele explica esses problemas com base na diferença do eugenismo entre
as três raças e, consequentemente, na potencialidade ascensional de cada
uma delas, o que é uma visão darwinista-social e uma legitimação das
desigualdades que ele nega no campo político. Defende claramente a ideia
de democracia racial, rechaçado no plano biológico fatos e acontecimentos
indubitavelmente de ordem sociológica (Munanga,1999, p.71-72).

Ainda se referenciando ao pensamento de Vianna, Munanga nos apresenta


uma síntese do significado do branqueamento no que se refere ao processo de
mestiçagem.

[...] de um lado, o aumento numérico da população branca “pura” pelo


movimento imigratório europeu, e de outro, o refinamento cada vez mais
apurado da população brasileira pelo processo de mestiçagem, que iria
reduzir o coeficiente dos sangues negro e índio. Essa colocação, mais nítida
e mais precisa a ideia de branqueamento da população brasileira. O
raciocínio leva a crer que o processo de arianização ia, a longo prazo,
terminar aparentemente no embranquecimento da população e,
consequentemente, numa situação em que não existisse mais a linha de
cor, pelo menos para os brancos aparentes que genotipicamente são
mestiços (Ibidem, p.77).

A passagem citada e toda a exposição feita por Munanga, mostram o papel


da ideologia de branqueamento para impedir a construção de uma identidade
brasileira pautada pela identidade negra. Um movimento que não só busca apagar
29
fisicamente a presença das/os negras/os na sociedade brasileira, mas que se
expressa também na repressão e/ou subalternização dos elementos de cultura,
religião e demais formas de manifestação negra no país. Um processo que se
modifica no decorrer do século XX, com as necessidades de desenvolvimento do
período e com a superação das teorias racialistas do fim do século XIX que a ele
conferiam as bases fundamentais. Porém, essencialmente mantém os elementos
racistas vigentes no debate de construção de identidade nacional. Estes seguem
presentes na teoria de Gilberto Freyre que romantiza e normaliza as relações de
poder exercidas pelos senhores de escravos, principalmente no que se refere aos
estupros destes às mulheres escravizadas, caracterizando a miscigenação como
uma forma de “diminuir a distância entre a casa grande e a senzala” (Ibidem, p.79).

Todo esse processo histórico e social constrói o que se denomina de “racismo


à brasileira” com características bem específicas, visto que, diferente de lugares
como os Estados Unidos ou a África do Sul onde a segregação das/ negras/os da
população branca foi uma realidade imposta pela lei, aqui se desenvolveu uma
suposta “democracia racial”.

O mito da democracia racial, baseado na dupla mestiçagem biológica e


cultural entre as três raças originárias, tem uma penetração muito profunda
na sociedade brasileira: exalta a idéia de convivência harmoniosa entre os
indivíduos de todas as camadas sociais e grupos étnicos, permitindo as
elites dominantes dissimular as desigualdades e impedindo os membros das
comunidades não-brancas de terem consciência dos sutis mecanismos de
exclusão do qual são vítimas na sociedade. Ou seja, encobrem os conflitos
raciais possibilitando a todos se reconhecerem como brasileiros e afastando
das comunidades subalternas a tomada de consciência de suas
características culturais que teriam contribuído para a construção e
expressão de uma identidade própria (Munanga, 1999, p.80).

Nota-se na atualidade que o objetivo do branqueamento propagado pelas


elites e por seus pensadores não foi atingido. Em 2016 a população branca
representava 44,2%, configurando uma minoria populacional quantitativa, mas os
impactos do modelo racista do Brasil seguem vigentes até hoje. Deste modo a
trajetória racista exposta até aqui vai desembocar em um modelo denominado pelo
autor de “racista universalista” que

[...] se caracteriza pela busca de assimilação dos membros dos grupos


étnico-raciais diferentes na “raça” e na cultura do segmento étnico
dominante da sociedade. Esse modelo supõe a negação absoluta da
diferença, ou seja, uma avaliação negativa de qualquer diferença, e sugere
30
no limite um ideal implícito de homogeneidade que deveria se realizar pela
miscigenação e pela assimilação cultural. A mestiçagem tanto biológica
quanto cultural teria, entre outras consequências, a destruição da identidade
racial e étnica dos grupos dominados, ou seja, o etnocídio (Ibidem, p.110).

A estratégia do racismo no Brasil consiste em negar as desigualdades sociais


como produto de discriminação racial e propagar a ideia de apagamento das
diferenças em função de uma democracia racial ancorada no mito das três raças
fundantes e da miscigenação decorrente.

Todo desenvolvimento exposto até aqui mostra a funcionalidade deste


mecanismo para a controle, dominação e manutenção da exploração e de uma
imobilidade social para o conjunto da população negra. E como assinala Menezes
(2013)

É certo que houve um continuum da concentração de poder e perpetuação


das relações patriarcais após a abolição e ao longo das décadas seguintes,
chegando aos dias atuais. Mas a discriminação racial do período da
escravidão foi ressignificada para manter a subordinação da população
negra (Menezes, 2013, p.37, grifos do autor).

Essa ressignificação segue cumprindo um papel central na estrutura social


brasileira e sendo responsável pela perpetuação de realidade social extremamente
desigual que se expressa em todos os âmbitos da vida das negras e negros do país.
As desigualdades oriundas de raça, gênero e sexualidade são elementos estruturais
na organização desigual da divisão social do trabalho determinando uma localização
de maior exploração para estes segmentos sociais. Deste modo garantem um
funcionamento social onde se naturaliza as condições precárias e a negação
sistemática de direitos dos segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora.
Enquanto isso as condições de dominação e o desenvolvimento dos interesses da
burguesia e dos setores dominantes da sociedade seguem protegidos frente ao
“perigo negro” devido a preservação desse eficaz elemento ideológico e material que
é o racismo.

Silva (2017) assinala que:


O racismo é também uma forma de racionalidade, de compreensão do
modo de funcionamento da sociedade e junto com outras racionalidades –
como o sexismo e o machismo – mantém-se como estruturante da
sociabilidade burguesa. É um dos agentes expressivos na manutenção das
relações de exploração de classe. Ao mesmo tempo refere-se à estrutura da
sociedade, a qual engloba a economia, a política e a cultura, como

31
produção de subjetividades. Isso significa que a reprodução das condições
de desigualdade etnicorraciais ocorre em todas as dimensões da vida social
(Silva, 2017, p.251).

Essa forma estrutural de racionalidade que atua como norma na vida social, e
que é estrutural pela sua localização enquanto elemento presente em todas as
dimensões da sociedade, onde seu surgimento e desenvolvimento se articula com
cada uma das etapas de construção da sociedade capitalista e da sociedade
brasileira e que se articula profundamente com outras formas de opressão a fim de
garantir a perpetuação desta mesma sociedade, vai se expressar profundamente
nas instituições (Ibidem).

O racismo se apresenta como um elemento altamente eficiente e aqui se


constitui de maneira a negar as desigualdades sociais. Não é nenhum pouco
invisível, quando são analisadas as condições de vida e saúde da população negra,
mesmo que se configure de maneira tal que busque através de diversos
mecanismos negar sua existência. Quando se observa as instituições e suas
dinâmicas nota-se que, se estas cumpriram no passado o papel de garantir e
perpetuar as condições para a divisão social entre os senhores e escravizados, hoje,
em nova roupagem, seguem sendo responsáveis (e o Estado aqui compre um papel
central) para a perpetuação do racismo. Este cenário é o que podemos observar ao
analisar os dados estatísticos referentes as condições de vida das/os negras/os e,
também, as condições de saúde desta mesma população.

1.3. O racismo estrutural por trás das estatísticas

Na contemporaneidade o racismo segue sendo parte fundamental da


estrutura da sociedade brasileira, determinando as relações sociais e delegando um
lugar subalterno e de descartabilidade para as/os negras/os. Esse profundo
processo ideológico se complexificou ao longo de 132 anos de abolição legal da
escravidão.

O imperialismo multiplicou as formas do racismo, “modernizou-o” na medida


em que houve a necessidade de uma arma de dominação mais sofisticada.
É precisamente o entendimento acerca do papel econômico, ideológico e
político do racismo nas sociedades pós-coloniais que possibilita a
compreensão de sua dinâmica e da constante reatualização de sua
polimorfia (Silva, 2017, p. 248).
32
Podemos observar como o racismo se expressa de diversas formas na
atualidade por meio da reprodução de um ideário que atribui uma visão negativa e
inferiorizada da cultura, da história e dos valores das populações negras em uma
realidade verificada através de dados concretos coletados nos indicadores sociais.

Marcelo Paixão (2013), em estudo sobre as desigualdades raciais no Brasil,


além de um amplo resgate sobre a realidade social da população negra, apresenta
uma análise dos indicadores presentes nos censos demográficos. De início já coloca
algumas reflexões sobre os levantamentos estatísticos populacionais realizados até
então.

O autor apresenta brevemente as categorias de raça e etnia e dá um


panorama histórico da presença destas nos censos, além de realizar uma
abordagem histórica e crítica no que se refere a presença da variável étnico-racial
nos recenseamentos realizados no país visto que, sua presença não se configura
como uma constante nas pesquisas.

[...] ao contrário de outras variáveis como idade, sexo, escolaridade


rendimento, posse de determinados bens, situação do domicílio, todas
possíveis de respostas objetivas [...]; as variáveis étnicas e raciais são
notadamente influenciadas pelos padrões de inter-relacionamento étnico-
raciais existentes no interior de cada realidade local. Esse fato influencia
tanto o modo pelo qual a pergunta é feita aos entrevistados, como o tipo de
resposta obtida (Paixão, 2013, p. 28).

Os impactos dos padrões referidos por Paixão, que são determinados por
fatores individuais, ideológicos, políticos, histórico-sociais etc., colocam uma
impossibilidade do estabelecimento de um padrão universal para esta variável. Aqui
o elemento do reconhecimento individual à determinado grupo étnico-racial também
entra como um elemento complicador para uma padronização universal, além de
impactar os resultados das análises, já que estes podem sofrer alterações de acordo
com a compreensão étnico-racial existente e com a força dos elementos de
dominação do grupo tido como ideal. Além destes elementos há ainda os interesses
políticos que perpassam o levantamento das amostras, principalmente por parte do
Estado (Paixão, 2013). Uma discussão que vem se reavivando desde a eleição de
presidente Jair Bolsonaro e de setores abertamente racistas ao poder no ano de
2019 é a supressão deste quesito no âmbito das políticas públicas.

33
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em texto para
discussão datado de 2003 sobre a classificação adotada nos últimos anos ressalta
que:

A classificação racial brasileira é única, e reflete preocupações engendradas


pela história nacional. Não existe uma classificação internacional para raças
ou para etnias. Nos diferentes países, conceitos como etnia, tribo, nação,
povo e raça recebem conteúdos locais, pois as bases importantes para a
delimitação das fronteiras entre grupos sociais são produzidas pela história
de cada sociedade (BRASIL, 2003. p.19).

Fruto deste entendimento o IBGE utiliza cinco categorias para a classificação


da população no território nacional

Consideraram-se cinco categorias para a pessoa se classificar quanto à


característica cor ou raça: branca, preta, amarela (compreendendo-se nesta
categoria a pessoa que se declarou de origem japonesa, chinesa, coreana
etc.), parda (incluindo-se nesta categoria a pessoa que se declarou mulata,
cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou
raça) e indígena (considerando-se nesta categoria a pessoa que se
declarou indígena ou índia) (IBGE, 2016. p.15).

Mas como nos mostra Paixão (2013) o sistema classificatório com cinco
categorias é recente e encontrado apenas nas pesquisas posteriores ao ano de
1991, quando foi incluída nas opções de resposta a categoria indígena e a pergunta
desta varável modificada para cor ou raça.

Antes de 1991 ocorreram nove censos no país sendo o primeiro datado do fim
do século XIX, em 1872. Dos doze censos realizados até 2010, nove contaram com
a presença da variável cor ou raça, sendo que nos três onde a variável não se fez
presente dois datam da primeira metade do século XX, 1900 e 1920
respectivamente, e um diz respeito ao censo ocorrido nos anos de 1970, período da
ditadura civil-militar7.

7
Para Netto (2014, p. 74): “O regime derivado do golpe do 1º de abril sempre haverá de contar, ao
longo da sua vigência, com a tutela militar; mas constitui um grave erro caracterizá-la tão somente
como uma ditadura militar — se esta tutela é indiscutível, constituindo mesmo um de seus traços
peculiares, é inegavelmente indiscutível que a ditadura instaurada no 1º de abril foi o regime político
que melhor atendia os interesses do grande capital: por isto, deve ser entendido como uma forma de
autocracia burguesa (na interpretação de Florestan Fernandes) ou, ainda, como ditadura do grande
capital (conforme a análise de Octávio Ianni). O golpe não foi puramente um golpe militar, à moda de
tantas quarteladas latino-americanas [...] — foi um golpe civil-militar e o regime dele derivado, com a
instrumentalização das Forças Armadas pelo grande capital e pelo latifúndio, conferiu a solução que,
para a crise do capitalismo no Brasil à época, interessava aos maiores empresários e banqueiros, aos
latifundiários e às empresas estrangeiras (e seus agentes, ‘gringos’ e brasileiros)”.
34
O termo raça aparece nos censos de 1872 e 1890, e o termo cor nos censos
realizados entre 1940 e 1980. A retomada do quesito racial ocorre no período
democrático, permanecendo vigente até o último censo do país, em 2010 como
dado cor ou raça. (Paixão, 2013).

Vários elementos marcam os mais de 140 anos de pesquisa censitária no


país, tais como interrupções, diferentes formas de disponibilização dos dados,
inclusão e exclusão do quesito cor ou raça, avanços e retrocessos ligados aos
momentos políticos e as lutas dos movimentos sociais, principalmente os
movimentos negros.

Um marco nessa trajetória é sem dúvida a criação do IBGE em 1938, como


responsável pela realização do censo de 1940. Aqui queremos destacar a alteração
que se refere a implementação de uma amostra de 25% dos domicílios a partir do
censo de 1960, visto que:

Com essa inovação se tornou factível a expansão do número de questões


presentes no corpo do questionário. Por outro lado, a partir desse momento
ocorreu um retrocesso na investigação da variável cor (que de resto
manteve as categorias anteriores Branca, Preta e Amarela e Parda) já que
passou a ser investigada somente nos domicílios da amostra deixando de
cobrir todo o universo entrevistado. Na verdade, esse limite perdurará até os
dias atuais (Paixão, 2013, p.38).

Outro elemento de destaque é a vigência da autodeclaração como método


para a classificação racial e adotado sempre que o responsável pela definição se
encontra em condições de realizá-la, por exemplo, nos casos referentes a óbito essa
medida não pode ser adotada. A autodeclaração é o método de classificação
orientado internacionalmente para preenchimento da variável referente a cor, raça
e/ou etnia (Osório, 2013).

Na contramão dos desejos dos pensadores sociais do final do século XIX e do


início do XX e da elite do país que propagaram o ideal e a política de
branqueamento, em 2010 os negros, conjunto de autodeclarados pretos e pardos,
passaram a representar 50,7%. Uma alteração importante na composição
populacional do país que se confirmou, e mostrou uma tendência ascendente, na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) publicada em 2018 em que a
população residente do país é constituída em 55,8% de negras/os. As/os pretas/os
passaram em 2018 a representar 9,3% da população e as/os pardas/os a 46,5%, um
35
aumento de 5,1% na população negra se comparado com o censo de 2010. Ao
mesmo tempo a população a população branca se encontra estimada em 43,1%.

Contudo, a realidade observada nos dados referentes à qualidade de vida de


vida das/os negras/os no país nos mostra que

[...] há um fosso entre a população negra e a população branca, em termos


de acesso e oportunidades [...] algumas expressões artísticas, na mídia etc.,
é resultado de uma longa história de exclusão, na qual o racismo e o
sexismo atuam definindo para homens e mulheres negras lugares
desprivilegiados na sociedade, quase instransponíveis (Almeida, 2014,
p.133-134).

Vejamos alguns dados disponibilizados pelo IBGE em uma publicação de


2019 com o título de “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil” No que se
refere a educação a taxa de analfabetismo é de 3,9% para o contingente
populacional branco e 9,1% para o negro. Das crianças brancas de 0 a 5 anos
55,8% estão ou na creche ou na escola enquanto o percentual das crianças negras
atinge 53%. Enquanto 55,8% é também o percentual de brancas/os que em 2018
possuíam o ensino médio completo, as/os negras/os na mesma situação de ensino
correspondem a 40,3%. Já a taxa de conclusão do ensino médio do homem branco
corresponde a 72% e da mulher negra a 67,6%. Dentre as/os jovens de 18 a 24
anos com ensino superior completo que não seguem seus por terem de trabalhar
61,8% são negras/os.
Quando o critério de análise é o rendimento mensal domiciliar per capita, os
jovens pretos ou pardos no quinto da população com menores rendimentos
(1º quinto) encontravam-se na pior situação, com 42,6% fora da escola. Em
todas as faixas de rendimentos, observa-se que a diferença entre os dois
grupos populacionais definidos por cor ou raça superou 3 pontos
percentuais.

Das/os jovens entre 18 e 24 anos com menos de 11 anos de estudo 17,4%


são parte da população branca e 28,8% são parte da população negra. Ainda na
mesma faixa etária que o dado anterior a população branca tem 36,1% de jovens
que frequentam ou já concluíram o ensino superior e a população negra, por sua
vez, possui 18,3% de jovens nesta situação. Daqueles que concluem o ensino médio
as/os negras/os possuem a menor taxa de ingresso, enquanto a taxa das/aos
brancas/os corresponde a 53,2% as/os negras/os possuem taxa equivalente a
35,4%.

36
Quanto ao mercado de trabalho e ao rendimento médio mensal, por hora e
per capita os dados mostram o seguinte quadro: as/os negras/os corresponde a
54,9% da força de trabalho do país ao mesmo tempo que são 64,2% das/os
desocupadas/os e 66,1% das/os subutilizadas/os e, enquanto o percentual de
brancas/os na taxa composta de subutilização é de 18,8%, 29% da população negra
se enquadra nesta taxa. Da população branca 34,6% estão ocupações informais e
47,3% das/os negras/os se enquadram na mesma situação.
O rendimento mensal da população branca ocupada é equivalente a 2,766
reais, ou seja 73,9% a mais que o rendimento mensal das/os negras/os que
correspondia a 1.608 reais em 2018. Por hora as/os brancas/os recebem 17 reais
em média enquanto as/os negras/os recebem 10,1 por hora. As/os brancas/os
recebem um valor superior ao da população negra independente de terem um
vínculo formal ou informal de trabalho.
A renda média domiciliar per capita das/os brancas/os equivale a 1.846 reais
enquanto as/os negras/os possuem 934 reais. O homem branco, em comparação
com qualquer outro setor da população, recebe mais e o valor que uma mulher
negra recebe equivale somente a 44,4% deste valor.
A taxa de pobreza da população branca está em 15,4% e da população negra
em 32,9%, as/os brancas/os que recebem menos de 2 dólares equivalem a 3,6%, já
entre as/os negras/os a porcentagem chega a quase 9%. 68,6% dos cargos
gerenciais são ocupados por brancas/os e 29,9% por negras/os.
Enquanto na representação política as/os negras/os correspondem a 24,4% e
as/os brancas/os (e outros) correspondem a 75,6% os dados de violência
escancaram a real localização social das/os negras/os. Uma pessoa negra possui
2,7 vezes mais chances de morrer em decorrência de um homicídio letal do que uma
pessoa branca. E se, para as/os brancas/os as estatísticas de homicídio se
mantiveram estáveis no período entre 2012 e 2017 na população negra, em 6 anos,
se registraram 255 mil mortes em decorrência de homicídios no país. Entre os
jovens a taxa de homicídios a cada 100 mil significou 98,5 para as/os jovens
negras/os e 34 para as/os jovens brancas/os. Da juventude que frequenta o nono
ano do ensino fundamental 5,7% das/os brancas/os frequentam escolas em área de
risco, entre negras/os esse percentual atinge 53,9%.

37
A realidade de moradia do país nos mostra que: das pessoas que residem em
domicílios onde não há coleta direta ou indireta de lixo 6% correspondem a
população branca e 12,5% a população negra. Das que não possuem
abastecimento de água por rede geral 17,9% fazem parte da população negra e
11,5% da população branca. Das que não possuem esgotamento sanitário por rede
coletora ou pluvial são 26,5 das/os brancas/os e 42,8% das/os negras/os.
O censo demográfico de 2010 mostrou que no Rio de Janeiro e em São
Paulo, principais capitais do país, uma pessoa negra possui quase que o dobro de
chance de residir em um aglomerado subnormal que uma pessoa branca, sendo que
no Rio 30,5% da população negra reside em aglomerados subnormais e 14,3% é o
percentual da população branca na mesma situação.
Acreditamos que os dados falam por si no que diz respeito a realidade da vida
das/os negras/os no país, que quando comparados com os de décadas atrás
apresentam melhoras em índices relacionados a políticas especificas direcionadas a
essa população, mantém a desigualdade com as populações brancas. Trata-se de
uma desigualdade racial persistente e resultante do racismo estrutural que marca a
história do país. Isto porque, como evidência Almeida (2014) o racismo impacta
todos os aspectos da vida para retirar qualquer aspecto humano daqueles que são
seus alvos e em uma sociedade onde esse elemento é estrutural, por mais que se
tente negá-lo, ele se revela óbvio.

Cabe ressaltar, ainda, que, reconhecendo o limite da análise desses


indicadores, podemos dizer que a desigualdade sociorracial é de ordem
política. Ou seja, a escolha de modelos, econômicos não é neutra e, de
acordo com sua teleologia, ela incluirá ou não os grupos raciais, garantirá
ou não, democraticamente, direitos sociais (Ibidem, p.136).

Como podemos observar o racismo possui uma lógica que vai moldar a forma
social contemporânea. A escravização dos negros e negras e todo o papel que
cumpriu histórica e socialmente este período, onde o racismo se expressava por
meio de uma relação onde o negro era uma propriedade deixa de existir, mas o
racismo se mantém mesmo pós abolição. A busca por apagar as/os negras/os, sua
contribuição, e todas as formas de manifestação negra no país se mantém, em nova
roupagem, até os dias atuais.

38
No Brasil, desde sua origem, a sociedade é profundamente marcada pelo
racismo e a organização social, incluindo aqui todos aparelhos ideológicos,
administrativos, jurídicos, as forças repressivas, instituições, se organizam a fim de
garantir a sua produção e reprodução. A roupagem universalista, que busca negar
as desigualdades sociais que são oriundas da discriminação racial pode ser
observada nos dados, nas análises do pensamento social e nas discussões sobre
saúde.

A luta pelo reconhecimento e combate às desigualdades raciais no Brasil,


pela afirmação da identidade negra em contraposição a democracia racial e toda a
reivindicação histórica dos movimentos negros que se intensifica no final dos anos
1970, passa nos anos 1990 a incidir na agenda pública. É deste movimento, que tem
a marcha Zumbi dos Palmares em Brasília no dia 20 de novembro de 1995 8 como
um marco, em que o Estado brasileiro começa a encampar institucionalmente as
demandas dos movimentos negros organizadas em documento entregue ao então
presidente Fernando Henrique Cardoso que instituiu o Grupo de Trabalho
Interministerial para a Valorização da População Negra.

O reconhecimento de uma forma de expressão específica do racismo nas


instituições, conhecida como racismo institucional, passa a ser um ponto de apoio
importante para que o combate ao racismo seja pautado dentro da agenda pública
(THEODORO, 2008) em contraposição aos anos de negação de sua existência.
Entendemos aqui como racismo institucional o racismo que não é fruto direto das
relações interpessoais e “Sob esta perspectiva, o racismo não se resume a
comportamentos individuais, mas é tratado como o resultado do funcionamento das
instituições (...)” (Almeida, 2018, p.29).

Esse processo provocou uma mudança de abordagem e nos últimos anos


incluiu ações afirmativas, legislações específicas de combate ao racismo e a
inclusão do quesito raça ou cor nas políticas públicas a nível federal, estadual e
municipal. No campo da saúde a Portaria nº 344 de 1º de fevereiro de 2017 é
responsável por tornar obrigatório o preenchimento deste dado nas instituições de
saúde em todo território nacional em consonância com a Política Nacional de Saúde

8
Marcha realizada em Brasília 300 anos após a morte de Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência negra,
para denunciar o preconceito, o racismo e a ausência de políticas públicas para a população negra no Brasil.
39
da População Negras, que foi instituída no ano de 2009. São passos iniciais em um
largo debate em torno do tema da saúde no país.

40
CAPÍTULO 2

A saúde da população negra: uma reinvindicação política e uma necessidade


para o avanço na equidade

Partindo do racismo como determinante da dinâmica na sociedade


contemporânea, que perpassa todos os aspectos da vida social e de suas
particularidades na sociedade brasileira abordaremos estes aspectos na sua relação
com as discussões de saúde.

O movimento da Reforma Sanitária se coloca enquanto um ponto de apoio


para uma visão mais ampla das discussões em saúde, buscando elevar o debate do
processo saúde-doença para além das discussões biologicistas. Incorpora assim as
discussões dos determinantes sociais em saúde nesse processo.

Entretanto, a realidade da população negra no país segue sendo ignorada


nos debates da saúde, mostrando o peso do racismo e dos efeitos da democracia
racial como um elemento que busca apagar a relações entre iniquidades raciais e
desigualdades sociais no Brasil, ou não tendo sua localização correspondente à sua
realidade como grupo racial na composição da população e dos usuários do SUS.

Retomaremos aqui as discussões no campo da saúde sobre determinantes


sociais em saúde e, principalmente, do racismo enquanto um determinante
fundamental no país e fator de promoção de iniquidades em saúde, no país com a
maior população negra fora do continente africano. Desde este marco discutiremos o
princípio da equidade no SUS e a necessidade de se abordar o racismo enquanto
um elemento central para os avanços nesse terreno.

É relacionado com este princípio que se institui no SUS uma política


específica para a população negra que vai ao encontro das reinvindicações
históricas dos movimentos negros. A PNSIPN se institui então como um resultado
das reinvindicações históricas neste campo e como um mecanismo de combate as
expressões do racismo nas instituições se colocando como um elemento que busca
garantir a equidade.

41
2.1 – O racismo enquanto determinante social e o debate de equidade e
iniquidade em saúde

A compreensão pela qual abordamos as discussões sobre a política de saúde


na atualidade e relacionaremos com o debate sobre o racismo tem como ponto de
apoio os avanços na a perspectiva de organização, oferta e acesso à saúde pública,
fruto dos debates do Movimento da Reforma Sanitária de 1970/1980 ainda nos
marcos da ditadura civil-militar e como parte das lutas por redemocratização.
Este processo é marcado pelos debates impulsionados pelos movimentos
sociais nas discussões em torno do conjunto das políticas públicas e da política de
saúde. No pós ditadura, em 1986, a 8° Conferência Nacional de Saúde colocou este
debate como uma pauta nacional ao reunir milhares de participantes, ente eles
representantes dos movimentos sociais, pesquisadores, profissionais da saúde que
propuseram um sistema único de saúde. As intensas discussões dessa conferência
se deram centralmente em torno dos eixos da saúde como um direito inerente a
personalidade humana e à cidadania, além da necessidade de reformulação do
Sistema Nacional de Saúde (Bravo, 2006).
Este foi pensado em contraposição ao modelo instituído antes da Constituição
de 1988, um outro modelo oriundo das propostas feitas pelos sujeitos sociais
responsáveis por pensar e impulsionar as discussões de uma perspectiva de saúde
diferente da até então implementada. Um sistema que é resultado deste movimento
e das disputas de projetos societários vigentes naquele momento, com uma
perspectiva de universalização dos serviços de saúde, que se transformou no
Sistema Único de Saúde (SUS). Segue, apesar da sua materialização, em profunda
disputa dentro da sociedade.
A construção do SUS tem como base os princípios de universalidade, do
atendimento gratuito e igualitário, da integralidade, da descentralização e da
possibilidade de um controle social, exercido pela por meio de sua participação,
principalmente, nos conselhos e conferências de saúde. Parte de uma concepção
que entende a relação entre o processo saúde-doença como reflexo das relações
sociais e suas contradições, das expressões culturais e das relações econômicas.
Assim, o direito à saúde é instituído como
(...) direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
42
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação (Brasil, 1988)

A política de saúde as instituições e os serviços do SUS devem partir da


perspectiva da saúde como um direito fundamental de toda a população, pelo qual o
Estado é responsável da garantia do acesso e de mecanismos que possibilitem um
atendimento universal. As principais legislações da política de saúde e da
implementação do SUS são a Constituição Federal de 1988 e as leis 8.080/1990 e
8.142/1990. A Lei Nº 8.080/90 que regulariza o SUS, por exemplo, em seu artigo 3°
determina que:
Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País,
tendo a saúde como determinantes condicionantes, entre outros, a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho,
a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos
bens e serviços essenciais. (Brasil, Lei N° 8.080, de 19 de setembro
de1990)

O que se observa nos textos e na forma como esse processo é discutido é


uma ausência do recorte racial nos debates. As discussões são feitas de modo
universalista onde não são abordados racialmente os sujeitos sociais dos
movimentos sociais e dos bairros inseridos no movimento da reforma. Não é
abordado o perfil racial da população para qual busca se garantir pela via do Estado
o acesso a saúde.
A própria discussão dos determinantes sociais em saúde é colocada de modo
que não se discute que as relações sociais e econômicas que vão definir esses
determinantes são perpassadas pelo racismo que vai estruturá-las e se ligar
profundamente as discussões de gênero e classe que recorrentemente são
abordadas (muito mais o segundo, que o primeiro).
Uma concepção ampliada do processo saúde-doença, que coloca a
discussão no âmbito das relações sociais indubitavelmente deve estar relacionada
com o racismo, já que este é um elemento fundamental para a análise da
constituição do país e das relações sociais que vão se estabelecer aqui. Uma
discussão abstrata de universalidade na saúde, que não leva em consideração as
disparidades raciais, demonstra uma debilidade, não só pelo peso numérico da
população negra no país, mas também por ser esta parcela da população a que vai
necessitar mais diretamente dos serviços públicos de saúde. Além de ser essa a

43
população que se encontra em condições mais precárias de vida e,
consequentemente, de saúde. Neste sentido,
O que o campo saúde da população negra apresenta como
reivindicação – em consonância com essa noção ampliada de justiça
social que articula reconhecimento e distribuição – é a possibilidade
de enfrentar as iniquidades raciais em consonância com a busca pela
universalização do direito à saúde. (Faustino, 2017, p.)

Ao analisar os dados de realidade da população negra, o que se observa em


relação a organização social e econômica do país é uma desigualdade social
determinada pelo racismo. A observação do quadro desta população na saúde nos
permite, correlacionado com os outros fatores já expostos, uma visão mais profunda
do problema da extensão do racismo neste aspecto da vida das/os negras/os.

Neste ponto, Fatima Oliveira (2001) sinaliza que a mortalidade precoce é o


ponto de partida revelador do racismo ao qual está submetida a população negra no
Brasil. Aqui, como apresenta a autora, este é o setor da população brasileira que
encabeça os dados estatísticos de mortalidade precoce em todas as faixas etárias
da vida. Além a realidade do SUS é negra visto que

No que diz respeito especificamente aos atendimentos ofertados pelo


Sistema Único de Saúde (SUS), a população negra representa 67%, e a
branca, 47,2% do público total atendido. Da mesma forma, a maior parte
dos atendimentos se concentra em usuários/as com faixa de renda entre um
quarto e meio salário mínimo, distribuições que evidenciam que a população
de mais baixa renda e a população negra são, de fato, SUS-dependentes
(IBGE, Retratos da desigualdades de gênero e raça).

As condições de disparidade econômicas, a pobreza à qual está


estruturalmente submetida as/os negras/os no país, é um elemento importante neste
aspecto, mas não é o único. Agrega-se a isso elementos de ordem biológica que
assumir uma relevância especifica ao se discutir a saudade da população negra ou
indígena devido ao elemento incontestável que é o racismo. Oliveira (2001) afirma
que não se trata de uma abordagem que parta de uma análise centrada em afirmar
a maior ou menor importância da condição biológica, mas que junto com uma
articulação dos impactos da vivência do racismo e outras determinações sociais
evidenciar nas abordagens o papel indispensável que exerce também este fator

44
Inegavelmente o processo sanidade/enfermidade é multifatorial e complexo,
nele estão entrelaçados influências do meio ambiente físico, social, político
e cultural, todas em interação com as condições biológicas de cada ser
humano. A condição biológica humana não pode ser abstraída na análise do
processo saúde/doença, pois sendo ela a materialização da existência
humana não podemos omiti-la. (Oliveira, 2001, p.33)

A prevalência específica de determinadas doenças em respectivos grupos


étnico raciais, da qual já contamos com pesquisas que comprovam, é observada e
possui efeitos diretos e indiretos na mortalidade da população negra, quando
observamos, por exemplo, os quadros referentes a anemia falciforme, doença
hipertensiva especifica da gravidez, hipertensão arterial, diabetes mellitus (Cunha,
2012).

Ainda há muito o que avançar no que diz respeito às condições de saúde da


maioria da população negra e indígena que necessita dos serviços públicos para
sobreviver. Esta realidade nos leva à necessidade de debater os elementos que
determinam a saúde da população trazendo para o centro o racismo.
A Comissão de Determinantes Socais em Saúde (CDSS) da Organização
Mundial de Saúde (OMS), apresentou em 2005, o conceito de Determinantes
Sociais de Saúde como “(...) um processo complexo no qual participam fatores
estruturais e fatores intermediários da produção de iniquidades em saúde (Werneck,
2016, p.540)”. O tema dos determinantes sociais foi recolocado em âmbito mundial
ao trazer para a centro da cena dos debates da saúde os impactos da determinação
social no processo saúde/doença.
Um debate que se vincula com aspectos teóricos e com os projetos políticos
em disputa dentro do campo da saúde, porque ocorre em torno da dimensão social
da saúde, das determinações históricas, de classe, culturais e de desenvolvimento
de cada nação, em contraposição ao debate unicamente biológico imposto pela
hegemonia médica. Por outro lado, recoloca os debates do campo da saúde
enquanto “(...) produto e parte do estilo de vida e das condições de existência, sendo
que a situação saúde/doença é uma representação da inserção humana na
sociedade (Nogueira, 2011, p.54).”
Apesar do conceito de DSS datar de 2005, BUSS e FILHO, (2007) chamam
atenção para a manutenção do conceito de saúde da OMS:

45
[...] como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não
meramente a ausência de doença ou enfermidade, inserida na
Constituição da OMS no momento de sua fundação, em 1948, é uma
clara expressão de uma concepção bastante ampla da saúde, para além de
um enfoque centrado na doença (Buss; Filho, 2007, p.80 grifos nosso)

No Brasil, a concepção ampliada de saúde, instituída como fruto das


conquistas do movimento da Reforma Sanitária vai além ao definir

[...] a saúde através de um conceito amplo, que inclui os seus principais


determinantes e apontou em linhas gerais os princípios que o sistema
nacional de saúde deveria ter: universalidade, integralidade e equidade.
(Barata, 2009, p.13)

De acordo com Nogueira (2011) teoricamente este debate se volta ao campo


que marcou o pensamento do Movimento Sanitário nos anos de 1970-1980, onde,
com base no pensamento marxista, se constituiu aqui uma visão e análise crítica
das condições de saúde da população. A autora destaca que esta orientação
teórica, que não exclui aspectos biológicos, naturais ou ambientais, traz para o
primeiro plano do debate o entendimento de que
Os processos saúde-doença são determinados pelas formas de produção,
consumo e distribuição dos bens e serviços de uma dada sociedade.
Partem da premissa de que as formas capitalistas, os processos de
reprodução social expressam contradições entre propriedade privada,
produção coletiva e apropriação da riqueza, tornando as relações de poder
assimétricas e opressivas, repercutindo diretamente no padrão de saúde.
(Nogueira, 2011, p.57)

Relacionando-se a esses elementos os DSS vão significar um conjunto de


fatores que perpassam diferentes aspectos da vida representando, concretamente,
uma visão para além do debate biológico/natural nas discussões em torno da saúde.
Isto implica diretamente no reconhecimento do processo saúde-doença enquanto
uma determinação social. Desta forma a concepção do processo de reprodução
social e dos diversos impactos deste nas mais diferentes áreas da vida passa a
ocupar um lugar de destaque nas abordagens sobre o tema. A reprodução social, de
todo modo, não é um processo igualitário para todos os grupos sociais se
expressando de forma contraditória nas relações sociais podendo significar, nas
diferentes classes e frações de classes, impactos prejudiciais ou benéficos em
saúde (Barata, 2009)

Fazer a discussão dos DSS neste campo significa, necessariamente, realizar


uma discussão em âmbito coletivo do processo saúde-doença realocando a
46
discussão no centro de uma perspectiva que discute a inclusão/exclusão social dos
grupos que compõe a sociedade considerando os aspectos estruturais e
estruturantes vigentes na mesma. Trata-se de uma visão mais profunda, e mais
realista, das condições de saúde do que as visões individualistas e liberais que
abordam o tema na perspectiva da mera escolha de indivíduos sobre as suas
condições de qualidade e estilo de vida, desconsiderando as condições objetivas a
que os sujeitos estão submetidos. O que necessariamente leva à necessidade da
discussão racial e dos impactos do racismo.

Barata (2009, p. 30) destaca, a despeito que “os indivíduos façam escolhas
que possam implicar comportamentos sadios ou nocivos à sua saúde, estas
escolhas estão situadas em contextos familiares, econômicos, culturais, políticos e
históricos.” Os modos de vida expressam as características sociais, econômicas,
políticas e culturais, e os comportamentos individuais, dos grupos sociais e dos
indivíduos a eles correspondentes.

Em uma sociedade onde a estratificação econômico-social está determinada


estruturalmente pelo racismo, são inegáveis os seus impactos na saúde. A
imposição de lugares desiguais devido a origem étnico-racial impacta diretamente
nas formas e condições de vida e acesso a bens e serviços das populações negras
e indígenas. Barata (2009, p. 66), apesar de não sinalizar as diferentes formas que a
discriminação vai impactar na população, aponta que “Uma sociedade racista acaba
por reproduzir a discriminação em toda a estrutura social, limitando e restringindo o
desenvolvimento econômico e social não apenas dos grupos discriminados, mas da
sociedade como um todo.”

Dóra Chor e Claudia Risso de Araujo Lima (2005) localizam a discussão dos
impactos da discriminação racial ao apresentarem uma série de indicadores
referentes a saúde desagregados por cor ou raça, relacionando-os com a discussão
socio econômica, enquanto responsável por efeitos próprios na saúde. Mostram
como os indicadores apresentam piores resultados, em causas evitáveis de óbitos,
óbitos por causas mal definidas, assistência médica, acesso a serviços de saúde,
taxa de mortalidade materna e outros, quando desagregados por raça ou cor.
Evidenciando como a discriminação racial contribui para as desigualdades raciais
em saúde.
47
A constatação destes determinantes e o avanço no mapeamento da realidade
por meio de um conjunto de indicadores sociais e específicos do campo da saúde
tem auxiliado para o fortalecimento das discussões em torno da equidade e na
construção de caminhos e mecanismos que visam prover condições de saúde
verdadeiramente igualitárias.
Acerca do debate da equidade vale retomar algumas definições conceituais
apresentadas por Vieira-da-Silva e Almeida Filho (2009) que localizam as variações
na distribuição desigual de saúde na sociedade como um fenômeno característico
da contemporaneidade e de extensão universal para, desde aí, realizarem uma
análise crítica sobre o tema.
Dentre os debates conceituais envolvendo o termo equidade, em artigo
publicado no Caderno de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz, é
apresentada a relação entre esse conceito e a concepção de justiça inerente nas
concepções filosóficas do mundo ocidental. Os autores apresentam as diferentes
abordagens teóricas realizadas em torno deste conceito e assinalam que
[...] desigualdades em saúde podem ser interpretadas como resultado de
diferentes formas de tratamento a indivíduos que pertencem a categorias
essenciais ou grupos sociais. Já equidade em saúde pode ser interpretada
como resultado de políticas que tratam indivíduos que não são iguais de
formas diferentes. Nesse sentido “equidade” e “iniquidade” correspondem a
conceitos relacionados com a prática de justiça e à intencionalidade das
políticas sociais e dos sistemas sociais (Vieira-da-Silva; Almeida Filho,
2009, p .221).

O termo equidade, conforme Sarah Escorel “(...) foi formulado por Margaret
Whitehead incorporando o parâmetro de justiça à distribuição igualitária.” Tendo sido
recentemente incorporado nas discussões de saúde e do movimento da Reforma
Sanitária, podendo ser abordado mediante dois tipos de análise. Uma análise que
diz respeito ao tratamento igual de iguais, a equidade h0orizontal e outra,
denominada de equidade vertical, que corresponde ao tratamento desigual de
desiguais (Vieira-da-Silva; Almeida Filho, 2009)

Nas discussões e práticas em saúde este conceito, que também é um


princípio do SUS, se expressa em duas dimensões principais, uma que se relaciona
com as condições de saúde de grupos e indivíduos e outra ligada com as
possibilidades de utilização e acesso destes aos serviços existentes de saúde Scorel
utilizando o conceito de Whitehead defini inequidade como “(...) diferenças

48
desnecessárias e evitáveis e que são ao mesmo tempo consideradas injustas e
indesejáveis. O termo iniquidade tem, assim, uma dimensão ética e social. A
iniquidade se situa então como um sinônimo de injustiça que tem como essência as
desigualdades e o problema da distribuição de bens dentro da sociedade, se
caracterizando como um processo histórico que determina as condições de
existência dos grupos subordinados e explorados socialmente (Vieira-da-Silva;
Almeida Filho, 2009). A compreensão deste conceito auxilia a visão e abordagem do
racismo enquanto uma iniquidade social no campo da saúde”.

Políticas eqüitativas constituem um meio para se alcançar a igualdade.


Numa perspectiva relativamente utópica podemos pensar que ações desse
tipo integrariam uma fase intermediária, transitória, visando a atingir a
igualdade de condições, de oportunidades sociopolíticas. Ou seja, fazendo
uma distribuição desigual para pessoas e grupos sociais desiguais (mais
para 0quem tem menos) atingiríamos (hipoteticamente) uma situação de
igualdade, em que todos teriam acesso às mesmas coisas, fossem elas
bens e serviços ou oportunidades. Mas, uma vez atingido esse patamar de
igualdade de condições as políticas eqüitativas ainda seriam necessárias,
pois não se pode prescindir dos critérios de justiça. E, sobretudo no campo
da saúde, em que as necessidades são sempre diferentes, em que cada
caso é um caso, a igualdade de condições parece algo impossível (e
indesejável) de ser atingido e políticas eqüitativas serão sempre
imprescindíveis.

Esta perspectiva mostra de forma sintética um aspecto fundamental para a


abordagem e entendimento do desenvolvimento e do papel da Política Nacional de
Saúde da População Negra como um mecanismo para a construção da equidade ao
ser construída para incidir sobre uma iniquidade racial. Esta ao se relacionar com as
necessidades de saúde desta população vai se configurar como um resultado das
reinvindicações históricas desses setores e busca impactar sobre o racismo e seus
efeitos na saúde visto que estes se configuram enquanto elemento injusto que vai
determinar as condições de vida e saúde das/os negras/os

2.2 Uma reinvindicação política em busca da equidade

A necessidade da construção de equidade em saúde diante da realidade da


população negra no país ressalta o papel do recorte racial nas discussões em
saúde, o reconhecimento, coleta, disponibilização e apropriação dos dados que
permitem a execução deste recorte para as abordagens em saúde. A demanda da
saúde da população negra sempre esteve presente, mas ausência deste dado,

49
ainda hoje naturalizada nas instituições de saúde, pode ser observada como um dos
motores de reinvindicações que desembocaram na construção da Política Nacional
de Saúde Integral da População Negra.

Cunha (2012) ressalta que no processo político-ideológico que teve como eixo
a necessidade da implementação do recorte racial para análise das condições
socioeconômicas e demográficas da população, o movimento de mulheres negras
desempenhou um papel imprescindível. Dentre os debates presentes no fim da
década de 1970 e na década de 1980 se apoiam na discussão do direito à diferença
e a igualdade que perpassavam o movimento feminista internacionalmente trazem
para o campo dos debates raciais os mesmo fundamentos destacando as
particularidades que são resultado das diferenças, mas que não justificam as
desigualdades (Oliveira, 2001). Desde aí abordam principalmente as discussões
ligadas a saúde reprodutiva da mulher negra. Cumprem dessa forma um papel
protagonista fundamental que se vincula a atores políticos e sociais presentes na
Academia, em organizações filantrópicas, nos movimentos sociais e no movimento
negro de conjunto (Brasil; Trad, 2012).

A produção de informações básicas na saúde com o recorte racial permite


evidenciar o abismo entre as populações negras e brancas. O que pode fortalecer as
reinvindicações por políticas públicas que possam incidir sobre essa realidade.
Mostrando o correto papel que cumpriram as reinvindicações dos setores do
movimento negro que batalharam para a implementação deste aspecto de análise
nas estáticas referentes as situações e atendimentos em saúde. Como aponta Filho
(2012), isso permitiu tirar da “cultura do silêncio” a qual estava envolvida esta
informação ao longo dos anos.

Por muito tempo, particularmente a informação estatística esteve envolta


numa “cultura do silêncio”, que preferiu não perguntar a origem étnico-racial
das pessoas por acreditar na premissa de que não evidenciaria
desigualdades, pois se supunha que o Brasil vivenciava uma democracia
racial e o contrário seriam fatos pontuais, individuais. (Ibidem p.35)

Os dados não só evidenciaram as desigualdades como puderam ser uma


ferramenta concreta para:

50
(...) distinguir as necessidades concretas dos beneficiários, orientando a
formulação de políticas públicas mais sensíveis as demandas particulares,
seja de saúde ou segurança enfocando a equidade – entendida como a
superação das diferenças injustas e evitáveis – no acesso aos serviços de
inclusão dos grupos mais vulneráveis nos processos de participação,
particularmente de prevenção. (Ibidem)

Oliveira sintetiza os registros das reivindicações deste processo datadas de


1986 a 2001.

Conferência Nacional de Saúde e Direitos da Mulher (Brasília, DF, 1986);


Introdução do quesito cor no Sistema Municipal de Informação da Saúde
(São Paulo, SP, 1992); Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo,
Pela Cidadania e a Vida (Brasília, DF, 1995); II Reunião Nacional de
Mulheres Negras, Belo Horizonte, MG (20 e 21/09/1997); Pré-Conferência
Cultura e Saúde da População Negra (Brasília, DF, 13 a 15/09/2000);
Documento Alternativo do Fórum Nacional de Entidades Negras (Rio de
Janeiro, RJ (maio de 2000) e Nós, Mulheres Negras: Diagnóstico e
propostas – Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras
rumo à III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Formas
Correlatas de Intolerância, 2001. (Oliveira, 2001, p.219)

Boa parte desta documentação encontra-se dentro do mesmo período


histórico e marca um momento de reorganização das lutas onde as, até então,
formas de organizações tradicionais (os sindicatos) passam a ter seu papel
deslocado para a atuação dos novos atores políticos que surgem junto com uma
nova sociedade política, no fim da ditadura cívico-militar. Neste novo cenário agrega-
se também uma nova forma de atuação do próprio Estado que vai passar a
determinar as relações estabelecidas entre essas demandas a sua absorção pelos
governos seguintes e as políticas públicas que daí se originarão (Brasil; Trad, 2012).

Destaca-se a presença constante da necessidade de implementar e avançar


numa coleta de dados que possibilitasse o recorte étnico racial nas questões
relacionadas à saúde, a necessidade de organização e educação da população para
o enfrentamento das questões em saúde, o esclarecimento dos quadros e doenças
mais prevalentes na população negra e a incorporação de conteúdos sobre a saúde
da população negra na formação, especialização e atualização dos profissionais em
saúde. Muitas outras demandas, como a tipificação da discriminação racial enquanto
crime, a incorporação de disciplinas que abordem a história da África e a

51
descriminalização do aborto, aparecem nesses documentos que datam de diferentes
momentos (Oliveira, 2001).

No período de 1970 e 1980 os debates do movimento negro são marcados


teoricamente pela aproximação com os debates políticos de viés marxista levando a
uma convergência entre os debates de raça e classe no país e desembocando num
questionamento profundo à sociedade capitalista e sua desigualdade (ASSIS BRSIL;
TRAD, 2012). É também deste período um interpelamento profundo acerca da
desvalorização dos símbolos ligados a cultura negra e a atribuição
negativa/pejorativa relacionada com o termo “negro”. Neste aspecto, o Movimento
Negro Unificado (MNU) vai cumprir um papel destacado no questionamento a
democracia racial e a valorização cultural e da identidade negra. É um momento de
intensos debates marcados por “...reinvindicações antirracistas mais diretas, com
discursos mais contundentes, ações mais voltadas à política e à dimensão do poder
e a construção de uma real identidade racial e cultural para o negro.” (Brasil; Trad,
2012, p. 81)

Há ainda um fator importante nesse processo: as determinações e ações


internacionais vinculadas ao tema das desigualdades raciais. Os organismos
internacionais como ONU e OPAS que:

Resumidamente, poderíamos delinear um quadro político composto por


organizações internacionais com interfaces diretas no plano nacional,
entidades e organizações não governamentais do movimento negro (diverso
em sua inteireza), além de instituições do Estado brasileiro (secretaria de
saúde, ministério da saúde etc.) e instituições de pesquisa e ensino no país.
(Brasil; Trad, 2012, p. 67)

A materialização no terreno institucional de algumas dessas demandas


levantadas pelo movimento negro foi se dando por meio da construção de políticas
específicas ao longo dos governos a partir da década de 1990. As primeiras
movimentações no campo da saúde ocorreram nos municípios com a incorporação
do quesito raça-cor. Esse processo avança então para outras esferas e se
concretiza a nível nacional através de legislações e políticas afirmativas voltadas
para essa população. Um processo longo de luta e embates políticos que fomentou
um difícil debate social e que até hoje segue sendo árduo mostrando o peso do
racismo e os limites no interior dos caminhos institucionais.
52
A consolidação das ações afirmativas no país se dá a partir dos dados
sobre desigualdades raciais que começam a se tornar mais consistentes e
fundamentais para justificativa dessas políticas públicas. Trata-se de um
processo político longo, que parece mais visível no Governo Lula (2003-
2010), muito embora tenha se iniciado antes desse governo, estabelecendo
não uma agenda de governo, mas “uma agenda construída e demandada
ao Estado brasileiro ao longo de pelo menos duas décadas (Brasil; Trad,
2012, p.68) .

A questão é que como resultado deste processo de décadas e com o fato de


que a desigualdade racial foi se tornando mais evidente por meio de dados, o
Estado brasileiro passou a constituir ações e espaços institucionais que visavam
incidir nesta realidade.

Brasil e Trad (2012) chamam atenção para o significado desse processo


entre as novas articulações e da localização que o Brasil passou a assumir
internacionalmente a partir da década de 1990. No caso da questão racial este
aspecto foi expressivo, pois significou uma vinculação dessas discussões com uma
conjuntura favorável no que dizia respeito aos direitos humanos. Diversos atores
políticos dentro das instâncias governamentais contribuíram para mudança de
abordagem do tema. No Brasil as legislações de promoção de igualdade racial
começam ser constituídas nos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) com
base nas reivindicações que são entregues diretamente ao presidente, em Brasília,
pelos movimentos negros em 1995 após a Marcha Zumbi dos Palmares.

O debate de políticas afirmativas começa a dar seus primeiros passos nesse


governo que tem o caráter neoliberal como um elemento inegável (ASSIS BRASIL;
TRAD, 2012). De toda forma, no ano de 1996 foi criado o primeiro Plano Nacional de
Direitos Humanos que, no que diz respeito a ações afirmativas de cunho racial
produziu um compromisso institucional de,

[...] combate às desigualdades raciais através de políticas públicas


especificas para a população negra, definindo ações de curto, médio e
longo prazo que sustentassem o apoio aos diversos grupos de trabalho
temáticos, inclusão do quesito raça/cor nos sistemas de informação e o
registro sobre a população negra, além da alteração do conteúdo de livros
didáticos para crianças e jovens. (Brasil; Trad, 2012, p.70)

Um segundo plano foi elaborado e aprovado no ano de 2002 e nele foram


incorporados elementos deixados de lado no plano inicial. Seu reconhecimento se
53
vincula a “incorporação dos direitos econômicos, sociais e culturais que haviam sido
apagados do primeiro plano e pelo reconhecimento dos direitos de
afrodescendentes” (Ibidem). Este plano se localiza, no marco do cenário
internacional, após a Conferência de Durban 9.

A nação brasileira teve que se reparar e admitir mundialmente a


existência de tais desigualdades e, além de admiti-las, agir de modo
a reduzi-las e saná-las. Assim esse se tona um período decisivo no
qual o Brasil responde aos questionamentos e demandas
internacionais sobre tais questões, não podendo silenciar perante as
denúncias do movimento negro, projetadas além-mar (Ibidem, p.71)

O governo Lula, que sucede os anos de gestão de FHC, é marcado por


fomentar um sentimento de esperança em avanços para o conjunto dos movimentos
sociais e para amplos setores da população. Concretamente significou “um padrão
que tenta conciliar uma política econômica conservadora e uma política social
progressista” (Ibidem). Não houve uma descontinuidade na política econômica
neoliberal de seu antecessor e uma série de políticas sociais de combate à pobreza
foram elaboradas e instituídas.

Incorporaram-se diversos segmentos dos movimentos sociais, incluindo


atores do movimento negro, como resultado de uma nova relação que este governo
(principalmente na sua primeira gestão) busca estabelecer com as políticas que
anteriormente já eram pautadas, as demandas que a elas correspondiam e a
localização institucional que passam a assumir os sujeitos que as levantavam.
Nesse processo, os mesmos pesquisadores demonstram como a percepção política
institucional do movimento negro levou este a se apoiar nos espaços abertos para
garantir medidas que pudessem significar melhoras nas condições as quais
negras/os estão submetidas/os no país.

Se institui nos anos do governo Lula medidas com caráter mais concreto do
que as do governo anterior como a Lei 10.639/2003 que institui o ensino de História
e Cultura Afro-brasileiras nas escolas de todo país, a política de ações afirmativas
nas universidades públicas, o Estatuto da Igualdade Racial etc.

9
Realizada entre agosto e setembro de 2001 e organizada pela ONU em Durban, Africa do Sul, esta conferência
vai ser um marco ao elaborar acordos e um Programa de Ação Internacional para o combate ao Racismo, a
Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância.
54
Este é um processo contraditório já que escancara os limites entre as
garantias legais e os resultados práticos de mudanças estruturais. Dizemos isso,
porque ao mesmo tempo que essa série de mecanismos foram instituídos
legalmente, que se implementaram as políticas de combate à pobreza no país, ao
qual não se pode negar os efeitos na vida de milhares de brasileiros, em sua maioria
negras/os, estruturalmente o papel que cumpre o Estado e a realidade das/os
negras/os não seguiu os caminhos de avanços das conquistas legais. Aspectos
visíveis, por exemplo, nos dados de encarceramento do país com o aumento
vertiginoso na população carcerária neste período ou o aumento da precarização do
trabalho pela via da terceirização que impacta essencialmente negras/os mostram a
perpetuação dos interesses estruturais de um estado racista.

Porém, enquanto fruto do reconhecimento do racismo pelo Estado, e como


uma ferramenta que busca combater as expressões do racismo nas instituições de
saúde, a Portaria de n° 992, de 13 de maio de 2009 é um avanço. Esta portaria
institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) que se
configura como uma política que visa garantir a equidade e desta forma ser um
instrumento para o acesso efetivo das populações negras à saúde pública.

É fruto das demandas do movimento negro e uma materialização do


reconhecimento do estado dos impactos do racismo na saúde e da necessidade de
se combater o racismo também neste campo. Teve como eixo constitutivo “o
combate ostensivo e os dilemas em torno de como admitir e enfrentar o racismo na
sociedade brasileira” (Brasil; Trad, 2012, p. 68). É resultado de um longo processo
histórico que abrange uma série de outras medidas e reinvindicações vinculadas as
questões raciais, a desigualdade oriunda do racismo e o reconhecimento da
presença deste e da necessidade de combate nas instâncias do SUS.

Foram várias as contribuições durante o processo da formulação da PNSIPN


tendo os intelectuais comprometidos com a luta antirracista cumprido um papel de
destaque junto como o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o
Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó" (NEPO) e outros núcleos de
pesquisas dentro dos espaços acadêmicos. A epidemiologia é, também, enquanto
campo de estudo, responsável por contribuir com bases para a formação da política.
ASSIS BRASIL e TRAD (2012) ao assinalarem as contribuições e articulações
55
fundamentais nesse processo destacam ainda a articulação entre o Ministério da
Saúde e a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(Seppir) que foi fundamental para que se pudessem ser pensadas uma série de
ações que com base aos acúmulos dos documentos e proposições feitos desde a
Marcha Zumbi dos Palmares (1995) e tendo à frente um comitê técnico especifico
para que pudessem ser pensadas as necessidades que envolviam a saúde da
população negra.

Este comitê elabora então uma política, que é tida como inovadora no âmbito
do SUS e vinculada com os seus princípios buscar garantir o acesso, a integralidade
dos cuidados e a equidade m saúde partindo de entender cada indivíduo desde suas
necessidades individuais que são também determinadas pelas suas necessidades
coletivas (enquanto grupo racial) e o meio em que vivem. E que essa reflexão deve
determinar as condições de atendimento e cuidado de cada usuário do SUS e que
tem na implementação do quesito raça cor nos atendimentos e dados referentes a
saúde um mecanismo para que se avance numa visão da realidade da saúde da
população negra (Dias; Gioventti; Santos, 2009). Mas que também:

Inclui ações de cuidado, atenção, promoção à saúde e prevenção de


doenças, bem como de gestão participativa, participação popular e controle
social, produção de conhecimento, formação e educação permanente para
trabalhadores de saúde, visando à promoção da eqüidade em saúde da
população negra. (...) Esta Política abrange ações e programas de diversas
secretarias e órgãos vinculados ao Ministério da Saúde (MS). Trata-se,
portanto, de uma política transversal, com formulação, gestão e operação
compartilhadas entre as três esferas de governo, seja no campo restrito da
saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do SUS, seja em áreas
correlatas (SEPPIR,2007 pp.13-14).

Em síntese, o estabelecimento desta política enquanto uma conquista política


do movimento negro e de mulheres negras na luta contra o racismo busca criar
condições concretas para a efetivação do direito a saúde da população negra no
Brasil fomentando mecanismos para que se avance no combate do racismo
institucional. Nesta direção, o princípio da equidade, numa perspectiva racializada
busca contribuir para materialização dos demais princípios fundamentais do SUS,
visto que as políticas de caráter universalistas têm se mostrado ineficazes para
atender as necessidades dos grupos raciais (Almeida, 2014).

56
Almeida assinala que dentro do campo da seguridade social, onde se inclui o
Sistema Único de Saúde, a realidade é de um navio negreiro no mundo
contemporâneo

Todos que trabalham na seguridade social, em particular na saúde,


confrontam cotidianamente imagens muito semelhantes a de um “navio
negreiro” no mundo contemporâneo: nos principais hospitais psiquiátricos,
na realidade do sistema prisional brasileiro, nas instituições de atendimento
aos adolescentes em conflito com a lei, nas ruas, sejam territórios de
usuários de crack ou territórios onde vivem indivíduos isoladamente ou
mesmo famílias inteiras, identificados como “áreas de risco”, insalubres, nos
tão conhecidos “camburões” policiais etc. Esses novos navios negreiros são
expressões do racismo institucional. Do preconceito e da discriminação
racial (Ibidem, p.274).

E afirma que a dimensão racial tem sido ignorada na formação profissional


da/o assistente social que na saúde pode assumir um papel importante no combate
ao racismo institucional e na implementação da política Nacional de Saúde Integral
da População Negra.

No campo da saúde em particular, o atendimento qualificado à população


usuária exige do assistente socia o desenvolvimento de habilidades teórico-
metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas na investigação
cuidadosa dos determinantes do processo saúde-doença. Mas o ato de
conhecer exige vigilância dos valores que orientam atitudes profissionais
diante de situações de preconceito e discriminação racial. A omissão ou o
desconhecimento do racismo como determinante social da saúde pode
concorrer para a manutenção do status quo (Ibidem, p.290).

Enquanto ferramenta metodológica fundamental neste processo encontra-se


a inclusão do quesito cor nos instrumentos de coleta de dados nos sistemas de
informação do SUS, que consta como parte da PNSIPN, e na prática cotidiana do
trabalho profissional dos assistentes sociais precisa ser encarada como uma forma
de evidenciar a realidade referente a raça-cor que é socialmente inviabilizada.

Recentemente esta política completou uma década de existência e o que fica


evidente é que, mesmo dentro de aspectos que são mais imediatos como a sua
própria implementação, ainda há muito que se avançar. É isso que evidencia os
dados revelados em uma matéria da Gênero e Número 10 em base ao levantamento
realizado pelo IBGE que busca obter um perfil dos Munícipios Brasileiros de 2018.

10
Primeira organização de mídia no Brasil orientada por dados para qualificar o debate sobre equidade de
gênero
57
Apesar dos quase 10 anos da portaria 992/2009 neste levantamento só 28% dos
municípios teriam incluído ações previstas na política em seus planejamentos
municipais de saúde e somente 3% teriam uma instituição voltada às ações de
saúde para a população negra.

Dentre os inúmeros desafios e elementos que explicam esses dados, para


além do caráter estrutural e profundo do racismo no Brasil expresso na diferença
existente entre lei e prática, podemos notar que no âmbito da formação e educação
permanente em saúde, e no Serviço Social, há ainda um longo caminho a
prosseguir.

58
CAPÍTULO 3 - Um olhar inicial sobre este debate no Serviço Social desde a
experiencia do estágio na FSS-UERJ

Trataremos, neste capítulo, das particularidades dos aspectos que


envolveram a pesquisa empírica, o contexto em que ocorreu, a caracterização
das/os participantes, os instrumentos utilizados na coleta, os resultados e a análise
dos dados.
Nos capítulos anteriores, abordamos a relação entre o debate do racismo e as
discussões em saúde, porém aqui voltaremos nosso olhar para a experiência com o
debate sobre o racismo, enquanto determinante social em saúde, das/os estudantes
cursistas da disciplina de estágio em saúde na Faculdade de Serviço Social da
UERJ (FSS-UERJ), no período 2019.2.

3.1 – Os caminhos que nos trouxeram até aqui

Minayo (2016,p.16) define pesquisa como a ação fundamental da ciência,


sendo elas “[...] relacionadas a interesses e circunstâncias socialmente
condicionadas’’. Nesta direção, compreendemos que as circunstâncias que deram
origem aos questionamentos levados a campo surgiram a partir da experiência de
estágio no Hospital Municipal Miguel Couto (HMMC) e na inserção como
extensionista no Programa de Estudos e Debates dos Povos Africanos e Afro-
Americanos, bem como a participação nas reuniões do Comitê de Municipal de
Saúde da População Negra do Rio de Janeiro.

Na graduação em Serviço Social a inserção no estágio supervisionado é um


elemento obrigatório na formação e se materializa na relação entre campo de prática
supervisionado e disciplina de estágio. Essa articulação pretende refletir a relação
entre os conteúdos aprendidos ao longo da formação e a prática cotidiana da
profissão. Uma experiência que leva a descoberta de lacunas e fortalezas.

Durante os dois anos de estágio no setor de ortopedia do HMMC a sensação


presente era de que havia uma lacuna importante na formação, no que se referia as
questões raciais. O que não correspondia a realidade dos atendimentos realizados,
já que como uma instituição do SUS os usuários eram em sua maioria negros.

59
O HMMC compõe o SUS como parte da rede municipal de prestação de
serviços públicos de atendimento à saúde. É um dos hospitais públicos de média e
alta complexidade da cidade do rio de Janeiro, sendo também a referência para o
atendimento de urgência e emergência dentro da área Programática 2.1 11.

Os primeiros elementos de reflexão surgiram a partir do preenchimento do


quesito raça ou cor nos registros da instituição de saúde e, principalmente, pelo
Serviço Social. O que parecia ser um simples elemento despertou a reflexão diante
dos debates realizados na sala de aula e das leituras que buscam articular de forma
profunda o debate do racismo e saúde.

É fruto destas reflexões e trajetória que surge esse trabalho e a pesquisa de


campo, por meio da aplicação de um questionário durante as aulas das disciplinas
de estágio, do campo da Saúde do Curso de Serviço Social da UERJ. No
questionário buscou-se identificar a articulação da PNSIPN e do racismo, enquanto
um determinante social em saúde, e os conteúdos abordados nas disciplinas de
estágio da FSS Uerj.

Para isso foram organizadas cinco questões para composição do perfil das/os
estudantes e oito questões referentes ao tema abordado neste trabalho. Nossa
hipótese é que o debate do racismo enquanto determinante social encontra-se
ausente na formação acadêmica, em especial nas disciplinas de estágio em saúde.
Para isso, além de uma pesquisa quantitativa realizada com os estudantes
presentes nos campos de estágio da saúde, foi realizada uma revisão bibliográfica.
Os questionários foram aplicados nas últimas semanas do 2° semestre de
2019 e abarcaram alunos das disciplinas de: saúde do adulto; saúde da mulher,
criança e adolescente; saúde coletiva e saúde mental. Não foram abordadas/os
estudantes das turmas de trabalho e previdência/saúde do trabalhador e saúde do
idoso/terceira idade.
No total nas passagens em sala foram aplicados questionários para 36
alunas/os. No começo do semestre o quantitativo total de estudantes inscritas/os em

11
Atualmente no município do Rio possui uma divisão territorial para o atendimento à saúde da
população denominada de Áreas Programáticas. São dez áreas programáticas no município (1.0, 2.1,
2.2, 3.1, 3.2, 3.3, 4.0, 5.1, 5.2 e 5.3) que incluem as Clínicas da família, os Centros Municipais de
Saúde (CMS), as Policlínicas, os Centros de Atenção Psicossocial (CAP, CAPad e CAPsi), Unidades
de Pronto Atendimento (UPA), Hospitais e Maternidades e as Coordenações Regionais de
Emergência (CER).
60
campos de estágio da saúde fornecido pela coordenação de estágio foi de 47,
porém na listagem a que tivemos acesso no final do semestre contendo os nomes
das/os inscritas/os e as turmas constavam 65 alunas/os. Trabalharemos com a
mostra total de 65 alunos e destes 55,3% responderam ao questionário.
As primeiras 5 questões que buscam construir o perfil dos estudantes
abordam os seguintes aspectos: identidade de gênero; quesito raça-cor; período de
Estágio que a/o estudante estava cursando; ano e período de matrícula na FSS
UERJ; e a disciplina correspondente ao campo de estágio. Alguns alunos não
responderam, ou responderam de forma incorreta, o ano e período de matrícula,
mas dentre os que responderam de forma correta foi possível observar que o
questionário cobriu alunas/os matriculadas/os entre o primeiro período de 2012 e
último de 2016.
As questões sobre o tema abarcam os conteúdos e referências bibliográficas
relacionadas ao debate de racismo e saúde, a presença deste debate nas aulas e no
campo de estágio, o conhecimento e a abordagem da PNSIPN na disciplina e no
campo de estágio, a presença do dado raça cor na construção do perfil das/os
usuárias/os atendidas/os pelo serviço social, o entendimento dos alunos quanto a
relação dentre o debate de racismo e saúde. Além disso, uma questão se relaciona
com a quantidade de textos que abordam a questão racial e o racismo que os alunos
tiveram contato durante o período da graduação enquanto bibliografia obrigatória.
Além de responder os questionários os alunos assinaram o termo de consentimento
livre e esclarecido.
Junto a isso foi realizada uma revisão acerca do tema a partir dos exemplares
das revistas Serviço Social e Sociedade e Em Pauta disponíveis na Biblioteca do
Serviço Social da UERJ e por meio de busca eletrônica no site SciELO – Scientific
Eletronic Library Online. A revista Serviço Social e Sociedade, publicada pela Editora
Cortez, recentemente completou 40 anos de existência e possui um lugar de
destaque dentre as publicações que discutem temas referentes a profissão e pelo
papel que ocupa nacionalmente foi escolhida para esta análise. Já a revista Em
Pauta se insere aqui enquanto publicação específica da Faculdade de Serviço social
da UERJ e acreditamos que expressa as preocupações e temas relevantes não só
para a profissão quanto dentro do debate da própria Faculdade e na academia de
conjunto.

61
O site SciELO é uma ferramenta recorrentemente usada para busca de
artigos. As publicações dos conteúdos científicos disponíveis no site são
organizadas por meio de uma divisão nacional tendo cada seção sobre a
responsabilidade de ser gerida por uma organização científica reconhecida
nacionalmente. Reúne artigos de pesquisa, estudos de caso, comunicações
relacionadas à pesquisa, editoriais, artigos de revisão e outros textos. Nesta busca
foram utilizados os seguintes marcadores: saúde, racismo e serviço social.

3.2 – Análise das respostas dos questionários e discussão dos


resultados

Gráfico 1 – Gênero

Identi dade de gênero

2; 6%

1; 3%
Mulher Cis
Mulher trans
Homem Cis
Homem trans
Travesti
Não binário

33; 92%

Fonte: A autora, 2019.

Conforme o gráfico 1 demostra, a maioria dos questionários foram


respondidos por Mulheres Cis, que representam 92% (33) das respostas. Os
Homens Cis correspondem a 5% (2) seguido de 3% (1) que assinalou a alternativa
Não Binário como identidade de gênero. Nenhuma Mulher Trans, Homem Trans
e/ou Travesti respondeu ao questionário.

Gráfico 2 – Raça ou Cor autodeclarada


62
Cor-Raça

2; 6%1; 3%
2; 6%
10; 28% Branca
Parda
Preta
Amarela
Indígena
Sem resposta
11; 31% Inválida

10; 28%

Fonte: A autora, 2020.

No que se refere a raça ou cor se observa que a maioria dos questionários


foram respondidos por estudantes negras/os. Destes 31% (11) se auto declaram
pretos e 28% (10) se declaram pardos. Os brancos correspondem a 28%(10) do
total da amostra. 5% (2) é a porcentagem daqueles que se autodeclararam
indígenas e daqueles que optaram por não responder esta questão. Um questionário
não teve sua resposta contabilizada por erro e este corresponde a 3% (1) do total.

Gráfico 3 – Período inscrito na disciplina de estágio

Período de estágio

3; 8% 5; 14%



9; 25% 5; 14% 3°

Sem resposta/inválido

14; 39%

Fonte: A autora, 2020.

63
Como observado o gráfico 39% (14) das/os alunas/os encontram-se no 3°
período de estágio, ou seja, já completaram mais de um ano nessa experiência. A
segunda maior porcentagem, 25% (9) diz respeito as/os alunas/os que estão no
último período do estágio, 4° período. 14% (5) estão no 1° período e 14% (5) é
também a porcentagem dos alunos que estão no segundo período. Tiveram suas
respostas invalidadas por erro ou não responderam 8% (3) do total dos
questionários.

Gráfico 4 – Disciplina correspondente ao campo de estágio

Disciplina de estágio

3; 8%

1; 3%

Saúde do adulto
5; 14% Saúde da mulher, criança e ado-
14; 39% lescente
Saúde coletiva
Saúde da mulher, criança e ado-
lescente (externo)
Saúde do adulto (externo)
Saúde mental

7; 19%

6; 17%

Fonte: A autora, 2020.

A divisão das/os alunas/os nas turmas de estágio mostra que 39% (14) são
inscritas/os na turma Saúde do adulto, campo da UERJ, e 3% (1) são inscritas/os na
turma de saúde do adulto (campo externo), totalizando 42% do total de respostas
obtidas. O segundo maior bloco de respostas desta questão corresponde as
disciplinas de saúde da Mulher 31% do total, divididos em 17% (6) campos próprios
da universidade e 14% (5) campos externos. A disciplina de Saúde coletiva
corresponde a 19% (7) do total, enquanto 8% (3) são alunos da disciplina de saúde
mental.

64
A análise dos dados reafirma o perfil característico da profissão e do curso de
serviço social da UERJ que é majoritariamente feminino. Destaca-se também que
as/os negra/os correspondem a quase 60%, não sendo somente profissionais que
atuarão cotidianamente com usuárias/os que em sua maioria são negras/os, mas
também parte deste mesmo grupo racial.
As disciplinas de saúde da mulher e saúde do adulto comportam a maior
porcentagem das que responderam ao questionário, sendo responsáveis por 73%
das respostas obtidas. 64% dos questionários respondidos concentram-se nos 2
últimos períodos de estágio o que acreditamos contribuir para uma visão mais
consolidada concreta desta experiência que abarca 4 períodos.
Gráfico 5 – Pergunta 1

1. No programa da disciplina constam conteúdos e/ou referências bib -


liográficas que relacionam racismo e saúde?

5; 14%
7; 19%

Sim
Não
Não sei responder

24; 67%

Fonte: A autora, 2020.

67% (24) responderam essa questão negativamente. 19% (7) afirmaram


que nas disciplinas e/ou referências bibliográficas constam conteúdos que
relacionam o debate do racismo e saúde. E do total de 14% (15) não souberam
responder essa questão. O que mostra uma lacuna deste conteúdo nas disciplinas já
que 81% ou diretamente afirmam não ter ou não sabem responder quanto a
existência deste debate nos conteúdos de suas respectivas disciplinas. A baixa
incidência deste debate na formação em serviço social vai para além das salas de
aulas. É o que pode ser observado também nas pesquisas bibliográficas sobre o
tema.

65
Por exemplo, a revista Serviço Social e Sociedade tem sua primeira
publicação no ano de 1979, possuindo atualmente 136 números publicados, sendo o
último referente aos meses de setembro a dezembro de 2019. E a partir da análise
de todos os títulos e resumos dos artigos escritos até o número citado, somente na
edição de n° 133 (set/dez 2018) que discute o tema “Racismo e suas expressões
sócioinstitucionais: traços estruturantes da sociedade brasileira” foi possível
encontrar um artigo que relaciona o debate do racismo (no caso o racismo
institucional) e a discussão da saúde com centralidade. O artigo
“Interseccionalidade, racismo institucional e direitos humanos: compreensões à
violência obstétrica”, de Jussara Francisca de Assis, que apresenta o seguinte
resumo:

O presente artigo objetiva trazer os conceitos interseccionalidade, racismo


institucional e direitos humanos para compreender a violência
obstétrica relacionada às mulheres negras na saúde. Pretende pontuar o
movimento de mulheres negras como responsável por pautar as
especificidades desse grupo social na perspectiva de cidadania insurgente.
Entende-se que tal movimento é de fundamental importância na luta pelo
direitos das mulheres negras brasileiras, principalmente no que diz respeito
aos direitos sexuais e reprodutivos (Serviço Social e Sociedade, n°133, p.
547 grifos nosso).

Há alguns artigos que abordam a questão étnico racial correlacionada com


outros temas, como é o caso do artigo presente no n° 92 da revista 2007 de autoria
de Roseli Rocha que tem como palavras chaves a questão étnico racial e a
formação profissional, mas a escassez de publicações que abordam a relação da
questão racial, do racismo enquanto determinante social e o debate da saúde é
evidente.

A revista Em Pauta apenas na edição n°45/2020 trouxe como tema “Questão


Étnico-Racial e Antirracismo”. De todo modo, o quadro da revista que tem sua
primeira publicação datada de 1993 não é muito diferente da Revista Serviço Social
e Sociedade, que apesar de apresentar alguns artigos que abordam a questão racial
não apresenta publicações que em seus títulos, resumos e palavras chave
apresentem um debate que relacione o racismo e a discussão de saúde da
população negra.

66
A busca eletrônica no site SciELO – Scientific Eletronic Library Online nos
permitiu ter acesso, por meio de busca com os marcadores serviço social, racismo e
saúde, a dois artigos. Um deles é o artigo presente na Revista Serviço Social e
Sociedade, de Jussara Francisca Assis, já mencionado. E o outro é de autoria de
Luís Eduardo Batista, Daphne Rattner, Suzana Kalckmann, Maridite Cristóvão
Gomes de Oliveira com o título “Humanização na atenção à saúde e as
desigualdades raciais: uma proposta de intervenção”. Uma busca no mesmo site por
artigos utilizando somente os marcadores serviço social e saúde nos leva a um
resultado com mais de 1300 artigos distribuídos em 90 páginas.

Gráfico 6 – Pergunta 2

2. Na disciplina de estágio em algum momento das aulas o racismo foi


abordado como um determinante social em saúde? 

1; 3%

Sim
11; 31%
Não
Não sei responder

24; 67%

Fonte: A autora, 2020.


Mais da metade das/os estudantes responderam positivamente à questão
sobre a abordagem do racismo enquanto determinante social em saúde durante as
aulas de estágio. Enquanto 67% responderam que sim, 30% responderam que não
e 3% não souberam responder. O que nos coloca a refletir que ainda que a maioria
tenha afirmado que o tema foi discutido durante as aulas de estágio, a escassez de
referências bibliográficas observada coloca em dúvida as condições e o nível de
profundidade dos debates realizados. A centralidade deste aspecto corresponde ao
fato de que mais da metade da população nacional, a grande maioria dos
trabalhadores do país e, inegavelmente, a maioria dos atendidos no SUS sofrem
com os efeitos do racismo.

Gráfico 7 – Pergunta 3

67
3.No campo de estágio em algum momento foi abordado o tema racismo
e saúde?  

13; 36% Sim


Não
Não sei responder

23; 64%

Fonte: A autora, 2020.

Já no campo de estágio 64% (23) das/os alunas/os sinalizam que em


algum momento o debate entre racismo e saúde foi abordado. Ainda assim, 36%
(13) responderam negativamente esta questão expressando que uma porcentagem
significativa dos estudantes atua cotidianamente nos serviços de saúde com a
população negra sem que este se torne um debate no campo de estágio. Isso vai se
materializar em uma debilidade da formação e da experiência, visto que está se
dando por fora da reflexão do racismo enquanto determinante social em saúde, o
que fragiliza a discussão ampliada sobre o processo saúde-doença na população
brasileira.

Gráfico 8 – Pergunta 4

68
4. A Políti ca Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN),
insti tuída pela Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009, busca atender as
especificidades do conjunto da população negra do país e contribuir
para a garanti a da equidade no que diz resp

Sim
13; 36%
Não
Não sei responder

23; 64%

Fonte: A autora, 2020.

64% (23) afirmam que a Política Nacional de Saúde integral da população


negra foi abordada durante as disciplinas, enquanto 36% (13) afirmam que não. Este
dado confirma o gráfico e a conclusão anterior no sentido de ser parte dos
conteúdos e debates realizados nas aulas de estágio, no entanto, sem o
aprofundamento de referências bibliográficas sobre o tema e sobre essa política
específica. Mantem-se também alto o número absoluto, 13, das/os que revelam que
nem abordada em sala de aula essa política foi.

Gráfico 09 – Pergunta 4.1

4.1. Em algum momento esta Políti ca foi abordada no campo de estágio?  

1; 3%
1; 3% 4; 11%
Sim
Não
Não sei responder
Não respondeu

30; 83%

Fonte: A autora, 2020.

69
Ao avaliar se a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra
(PNSIPN) foi abordada no campo de estágio, a grande maioria, 83% afirma que não,
enquanto apenas 11% afirmam que sim. Um dado alarmante que junto ao resultado
do gráfico 8, nos mostra que esse debate quando realizado em campo não parte da
abordagem da política existente. O que faz com que estudantes e profissionais que
atuam diariamente junto à população negra realizem esse debate sem a
referenciação na única política pública específica para a população negra no âmbito
do SUS.

Gráfico 10 – Pergunta 5

5. A coleta do dado raça/cor, por autodeclaração dos usuários, nos


sistemas de informações em saúde do SUS foi padronizada e tornada
obrigatória pela Portaria n° 344 de 1° de fevereiro de 2017. Em algum
momento da disciplina o dado raça/cor foi abordado?

1; 3%
2; 6%
Sim
Não
Não sei responder
9; 25% Não respondeu

24; 67%

Fonte: A autora, 2020.

Sobre a coleta do dado raça ou cor e a abordagem na construção do perfil


das/os usuárias/os atendidas/os pelo serviço social nas disciplinas, 67% (24),
afirmam que sim, enquanto, 25% (9) responderam que não e 8% (3) não sabiam
responder ou não responderam. Levando em consideração que a maioria das /dos
usuárias /os que são atendidos no SUS e que são alvo das políticas com as quais os
serviço social atua, são negros, que são também a maioria da classe trabalhadora,
esse elemento é fundamental para uma visão real do perfil das/os usuárias/os
brasileiras/os. O resultado se aproxima mais dessa necessidade nesse caso, do que
se afasta, mostrando que mesmo não sendo parte dos componentes bibliográficos,
70
esse tema de alguma forma perpassa as discussões nas disciplinas de estágio,
porém com debilidades de aprofundamento teórico, o que reforça também os limites
e a preocupação com este problema na formação acadêmica e profissional.

Gráfico 11 – Pergunta 6

6. Você já ti nha conhecimento da PNSIPN antes de responder este


questi onário?

Sim
Não
17; 47% Não sei responder
19; 53%

Fonte: A autora, 2020.

O gráfico 11 demonstra uma inconsistência nas respostas dadas, uma vez


que ao perguntar se as/os estudantes já tinham conhecimento da PNSIPN antes de
responderem ao questionário, 47% respondem que sim, no entanto, quando
comparado com o gráfico 9 que pergunta se em algum momento está política foi
abordada na disciplina, 64% dizem que sim. Ou seja, o número de estudantes que já
sabiam da PNSIPN antes de responder, é menor das/os que afirmam que
debateram e sala de aula. Mostrando a discrepância na comparação das
porcentagens.

Gráfico 12 – Pergunta 7

71
7. No seu entendimento racismo e saúde estão relacionados?

1; 3%

Sim
Não
Não sei responder

35; 97%

Fonte: A autora, 2020.

Ao serem questionados se entendem que racismo e saúde estão


relacionados, quase 100% das/os estudantes (apenas 1 respondeu negativamente)
afirmam que sim. Este é um ponto de apoio importante e bastante positivo para
pensar, mesmo com as debilidades e lacunas teóricas presentes sobre este debate
na graduação. A maioria dos estudantes entendem que está relação existe, porque
partem das experiências concretas vividas no campo de estágio, pelo perfil racial e
social do curso, que é majoritariamente feminino, negro, e devido ao perfil dos
usuários não somente da saúde, como das políticas públicas em geral. Deste modo
parte-se também da própria realidade e percepção de como se expressa a questão
racial na sociedade.
Por esse motivo mais ainda é necessário refletir e debater um currículo e uma
formação profissional que permitam uma conexão teórica e pratica que parte do fato
de que a questão racial é um tema permanente na sociedade brasileira, encarado de
diferentes formas e na maioria das vezes de forma antagônica entre o Estado e os
usuários e ao mesmo tempo esteja a serviço de uma visão concreta do perfil dos
usuários atendidos pelo serviço social, condição fundamental para a garantia do
acesso a PNSIPN.

Gráfico 13 – Pergunta 8

72
8. No decorrer das disciplinas de graduação quantos textos que abor -
davam questão racial ou racismo constavam na bibliografia obrigatória?  

4; 11% 3; 8%

Nenhum
de 1 a 5
7; 19% de 5 a 10
mais de 10
Não sei responder

22; 61%

Fonte: A autora, 2020.

A discussão sobre a abordagem do racismo na bibliografia das


disciplinas da graduação se expressa para além do debate da saúde. É o que
mostra o gráfico 6 onde podemos ver que a maioria dos estudantes, 61%
acessaram no máximo 5 textos que abordassem o debate sobre racismo ou questão
racial nas bibliografias das disciplinas enquanto elemento obrigatório de leitura. Ou
seja, mais da metade já se encontram no mínimo na metade da graduação
apresentam um número de leitura obrigatória muito baixo sobre o tema, o que
contribui para um caráter superficial dos debates e reflexões sobre a relação do
racismo e saúde na formação profissional.
O racismo enquanto elemento estrutural na sociedade brasileira se expressa
não somente na saúde e nas suas instituições. O espaço universitário responsável
pela produção do conhecimento acadêmico, do conhecimento científico, respeitado
e validado socialmente está marcado profundamente pelo racismo. Os discursos
universalistas tendem a encobrir, também dentro da universidade, a discriminação
racial e os impactos do racismo neste campo. Os avanços proporcionados pela luta
do movimento negro e dos setores sociais comprometidos com a luta antirracista e
as movimentações políticas internacionais e nacionais que foram anteriormente
abordadas desembocaram na admissão, nos anos de 1990, da existência do
racismo no país e posteriormente em algumas políticas afirmativas. Destas, na
educação à nível superior destaca-se em âmbito nacional a Lei nº 12.711/2012 (que
estabelece a reserva de vagas nas instituições federais) e, no Estado do Rio de
73
Janeiro, pioneiro em estabelecer nas universidades a política de reserva de vagas
com recorte racial, que foi renovado por mais 10 anos com a aprovação do PL
4.205/18.

O espaço universitário reproduz e mantém as hierarquias sociais que na


sociedade brasileira significam uma hierarquia racial das relações existentes desde
o período da escravidão. Todo o processo que se desencadeou desde a abolição da
escravidão no país, como mostram os dados até hoje, manteve a segregação dos
negros e indígenas e destinou a estes uma localização subalterna em todos os
âmbitos da sociedade, o que inclui também o espaço universitário. (FIGUEIREDO;
GROSFOGUEL, 2009).

O número de pensadores negros nas universidades é irrisório quando


comparado ao quantitativo geral da população negra no país, a pouca presença de
professores negros nas salas de aulas, são algumas das expressões da realidade
racista nas universidades do país. Outra forma de se constatar essa realidade é
através da análise dos conhecimentos transmitidos e construídos no espaço
universitário.

A produção do conhecimento nas universidades brasileiras, como em todas


as universidades ocidentais, privilegia a epistemologia eurocêntrica da
egopolitica do conhecimento. Essa epistemologia contribui para encobrir as
hierarquias de poder raciais hegemônicas nos espaços universitários. A
epistemologia branca da egopolítica do conhecimento, ao ser normalizada
como a epistemologia do senso comum nos espaços universitários, está
inscrita como neutra, universalista e objetiva. A perspectiva particular do
homem branco se ergue como norma universal de produção de
conhecimentos, por meio do qual se medem e avaliam todas as outras
formas de produzir conhecimento (FIGUEIREDO; GROSFOGUEL, 2009,
p.228).

O racismo, a hierarquização racial da sociedade, estão por trás da


invisibilidade da contribuição dos negros no meio acadêmico, que Ângela Figueiredo
e Ramón Grosfoguel qualificam enquanto uma política de esquecimento. O racismo,
e não as respostas meritocráticas usualmente invocadas, é o que explica o número
de negras/os ser tão baixo nos espaços do ensino superior e a quase ausência de
professores negros nas universidades. A realidade educacional ainda é marcada
pelo racismo e isso não contribui para que se avance em uma visão de mundo que
veja as determinações que este elemento causa em todos os aspectos da vida,
74
contribuindo para a manutenção de uma visão de mundo na qual não se percebe o
cotidiano racista. Observa-se ainda no campo das pesquisas, argumentos que
desqualificam a localização de pesquisadoras/es negras/os que buscam entender os
elementos que se vinculam com sua realidade racial por meio de uma suposta
neutralidade, (FIGUEIREDO; GROSFUGUEL, 2009). Um cenário que vem sendo
questionado e contestado ao longo dos anos e no qual o seu fortalecimento aumenta
com a maior inserção de negras e negros nas universidades. Um processo que vem
se intensificando com a implementação das políticas afirmativas na área da
educação, mas que ainda tem um longo caminho a ser percorrido.

No caminho de questionamento das desigualdades raciais e na constituição


das políticas afirmativas diversos autores ressaltam o papel da academia. Sobre o
processo Cunha (2012) afirma que

[...] aumentou o número de projetos de investigação acadêmica que


contemplaram o recorte étnico racial, permitindo a corroboração empírica
das desigualdades socioeconômicas e demográficas da população segundo
a raça-cor declarada. A sua relevância radicou em dar visibilidade a esse
fenômeno social, contribuindo para a legitimação do discurso político, dando
fundamento às reinvindicações e o atuar dos movimentos sociais (CUNHA,
2012, p.25).

Porém como aponta Silva (2017), o ensino formal reproduz os aspectos


sociais e, no caso da relação entre a academia e a população negra, isso também
significa uma constante naturalização de um quadro estrutural, da reprodução de
uma ideologia e uma construção do espaço acadêmico e de um conhecimento
científico em que hegemonicamente primam os elementos de uma organização e
dinâmica social extremamente racista. A localização central que a educação assume
na atualidade e por consequência os interesses e determinações do capital neste
setor, como aponta a autora, são também elementos a se considerar enquanto
dificultadores para a inserção de conteúdos que levem a reflexão e ao pensamento
crítico dentro das instituições de ensino. Neste sentido se observa as interferências
que vão desde o aspecto financeiro/material, com cortes de recursos e a imposição
de condições precárias, como também de aspectos ideológicos. Um exemplo desse
último aspecto pode ser observado no projeto que ficou conhecido como “Escola
sem Partido”, que busca em sua essência coibir o ensino de conteúdo crítico nas
escolas, e que divide opiniões na sociedade recentemente.
75
O conjunto das ações afirmativas, tanto na educação, quanto na saúde, se
colocam enquanto um instrumento no sentido contrário ao quadro observado nas
universidades. Mas ainda estão longe de significar democratização real das
universidades, como no sentido da presença de conteúdos que permitam o
fortalecimento do combate ao racismo nos currículos e

Ainda que a produção sobre relações étnico-raciais no serviço social não


seja expressiva em seu aspecto quantitativo, temos uma trajetória reflexiva
demarcada historicamente e qualitativamente relevante em sua contribuição
para a formação profissional (SILVA, 2017, p.102).

Está trajetória precisa estar articulada com o arcabouço teórico-metodológico


da profissão e diretrizes curriculares no sentido de fortalecer as análises críticas da
realidade profissional.

Márcia Campos Eurico (2013) localiza essa discussão enquanto uma urgente
necessidade de articulação das discussões teóricas da profissão com outras áreas
das Ciências Sociais apontando um caminho ainda não explorado de
potencialidades. A mesma autora ressalta que esse cenário, na atualidade, não
apresenta mais justificativas para se manter e que os elementos que caminham no
sentido contrário da sua superação expressam uma falta de compromisso com o
projeto ético-político profissional. Isso porque a lógica a qual a questão precisa ser
entendida é a partir da apropriação das determinações expressas no projeto ético-
político, no Código de Ética Profissional (2013), nas diretrizes curriculares e, no
campo da saúde, nos Parâmetros de Atuação do Serviço Social na Saúde (2010).

O Código de Ética Profissional do Assistente Social, aprovado em 1993, é o


primeiro código profissional do serviço social que introduz a questão da não
discriminação como um dos seus preceitos fundamentais. Isso remete a
uma reflexão acerca da importância atribuída à ética e aos direitos humanos
no interior do projeto ético-político a partir dos anos 90, fortalecendo as
bases para o desenvolvimento de um debate sobre a questão étnico/racial
no cotidiano do assistente social. (EURICO, 2013, p.293)

Uma atuação profissional que busque a garantia de direitos, que vise uma
prática não discriminatória, que incentive o exercício pleno da democracia, que
tenha a liberdade como elemento fundamental, compromissada com a justiça, a
igualdade e a cidadania, ou seja, preocupado com a emancipação humana precisa
partir de uma análise que que não naturalize a dinâmica do racismo na sociedade
brasileira (Almeida, 2013). Uma tarefa árdua já que,
76
[...] racismo o racismo perpassa todas as esferas da vida cotidiana, se
reproduz nas instituições e constantemente é naturalizado. A banalização
da questão racial atinge inclusive uma parcela importante da população
negra que não consegue perceber a trama de relações sociais e de
culpabiliza por sua condição social. (EURICO, 2013, p. 298)

Uma atuação visando a democratização da saúde, e a reflexão constante da


atuação profissional, nesta que é uma das áreas onde as/os assistentes sociais são
historicamente chamadas/os a intervir (BRAVO; MATOS, 2006) e que se vincula
com a necessidade de uma formação profissional que parta de uma profunda visão
do racismo enquanto determinante social em saúde. Esse elemento vai ser crucial
para um exercício profissional, não só na saúde, que na sua atuação pratica e na
reflexão leve em conta também que os espaços institucionais de atuação são
perpassados pela interferência do racismo institucional (EURICO, 2013).

A pesquisa realizada por Márcia Campos Eurico (2013) que abordou a


percepção dos assistentes sociais acerca do racismo institucional apresenta a forma
abstrata que o tema é abordado. Demonstrando assim a indispensabilidade deste
debate ser realizado de maneira mais ampla e sistemática em todas as esferas
profissionais. A autora afirma que a trajetória histórica profissional marcada em sua
origem pela presença do conservadorismo dificultou o fomento na incorporação
deste debate na profissão até a década de 1980. Tornando, portanto, a inserção
deste debate uma necessidade urgente no que tange à formação profissional para
que se avance na garantia dos princípios profissionais, visto que a incorporação da
perspectiva marxista e o redirecionamento ético-político da profissão constituíram as
possibilidades, mas não promoveram a apropriação deste debate, mesmo com o
acúmulo teórico e político antirracista que as assistentes sociais negras vem
desenvolvendo desde o final dos anos 1980.

77
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo desenvolvido buscou abordar elementos que sustentam a


concepção do racismo enquanto um elemento estrutural na sociedade, as relações
sociais e suas particularidades especificas no Brasil e suas formas de expressão,
especialmente nas instituições. Esse arcabouço se faz necessário para a
compreensão do racismo na realidade das relações sociais, que enquanto fenômeno
social marca a história da humanidade e principalmente a formação social brasileira.
Mas exclusão de negros e indígenas dos espaços de poder não significou de modo
algum que a questão racial não fosse discutida ao longo dos séculos e está longe de
ser resolvida.
Essa reflexão alinhada com o entendimento profundo dos determinantes
sociais em saúde e da equidade no SUS nos levam a questionar como tem se dado
esse debate na universidade, em especial no Serviço Social. Ainda que a pesquisa
tenha apontado que o tema perpassa a experiência do estágio se observa que no
campo há uma debilidade visto que não se vincula o racismo ao debate dos
determinantes sociais.
Nas salas de aula o que se nota é a discussão feita de maneira corriqueira
sem a centralidade que o racismo apresenta na realidade e um debate superficial
que se expressa pela ausência ou baixa incidência de um suporte teórico. Dessa
forma, o modo como se dá essa discussão na formação profissional ainda é uma
lacuna fundamental que certamente pode acarretar debilidades na relação com
as/os usuárias/os e com o exercício profissional na perspectiva da garantia dos
direitos da população.
Por mais que as/os estudantes que responderam ao questionário afirmem a
visão de que os debates entre racismo e saúde se relacionam, se não se parte da
busca pela compreensão da profundidade dessa relação, esta condição mesma
precisa ser entendida como um efeito do racismo estrutural presente na sociedade,
como também na própria profissão. Este deve ser analisado também frente à
negação social do racismo e das desigualdades raciais tão presente na sociedade
brasileira, ou seja, à luz do mito da democracia racial.
Diante dos caminhos a seguir no combate ao racismo para o serviço social
acreditamos que um desafio urgente se coloca para superação das lacunas

78
encontradas na profissão e que esta pesquisa expõe uma pequena parcela. Este é
um desafio essencial na busca pela equidade e por um SUS que seja universal não
de maneira abstrata, mas partindo da população que o acessa. A formação e
atuação profissional precisa se colocar nesta perspectiva.
Um outro elemento que gostaríamos de destacar dentre os limites observados
é o da própria discussão do combate ao racismo dente as instituições,
principalmente as diretamente vinculadas ao Estado brasileiro. Ao mesmo tempo
que a garantia de politicas de combate ao racismo se relacionam com demandas
concretas e levantadas por setores sociais e são pontos de apoio para este combate
nas instituições não deve se perder de vista que o Estado que as institui é o mesmo
que funciona de maneira a garantir a perpetuação do racismo.
O Estado é responsável por permitir condições de vida, trabalho, inserção
política, repressão, perseguição a cultura e religiões negras e do genocídio da
população. O faz pela importância do racismo enquanto ferramenta essencial para a
perpetuação da opressão a maioria da população o que garante ao sistema
capitalista que esse siga tendo o racismo como um elemento fundamental a sua
perpetuação política e econômica.
Acreditamos que uma política de formação antirracista precisa se apoiar nos
instrumentos, como a PNSIP, para incidir no combate ao racismo institucional, sem
perder de vista a relação entre capitalismo, Estado e racismo estrutural, para desde
aí seguir pensando caminhos para a sua superação.

79
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, M. S. Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar,


por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade,
opção sexual, idade e condição física. In: Projeto ético-político e exercício
profissional em Serviço Social: os princípios do código de ética articulados à atuação
crítica de assistentes sociais. Rio de Janeiro: CRESS, 2013.

ALMEIDA, M. da S. Desumanização da população negra: genocídio como princípio


tácito do capitalismo. Em Pauta – Revista da Faculdade de Serviço Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, nº. 34, v. 12. p. 131- 154. Rio de Janeiro,
2014.

ALMEIDA, M. S. Saúde da população negra e equidade no Sistema Único de


Saúde. In: DUARTE, M. J. de O; MONERAT, G. L. et al. (orgs.). Política de Saúde
hoje: interfaces & desafios no trabalho de assistentes sociais. 1ed.Campinas-SP:
Papel Social, 2014, v. 1, p. 271-294.

BARATA, R. B. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio
de Janeiro: Fiocruz, 2009.

BRAVO, M. I. S; MATOA, M. C. Projeto Ético-Politico do Serviço Social e sua


Relação com a reforma Sanitária: Elementos para o Debate. In:BRAVO, M. I.S.;
UCHÔA, Roberta; NOGUEIRA, V. M.R.; MARSIGLI0A, R.; GOMES, L.; TEIXEIRA,
M. (orgs.). Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. 4ª edição. São
Paulo: Cortez Editora. 2006.

BRAVO, M. I. S. Política de Saúde no Brasil. In: BRAVO, M. I. S.; UCHÔA, Roberta;


NOGUEIRA, V. M.R.; MARSIGLI0A, R.; GOMES, L.; TEIXEIRA, M. (orgs.). Serviço
Social e Saúde: formação e trabalho profissional. 4ª edição. São Paulo: Cortez
Editora. 2006.

BRASIL. Código de ética do/a assistente social. Lei 8.662/93 de regulamentação da


profissão. - 10ª. ed. rev. e atual. - Brasília: Conselho Federal de Serviço Social,
2012. http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf
80
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-
322142-publicacaooriginal-1-pl.html.

BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para


a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA). Texto para discussão n° 996: O Sistema Classificatório
de “Cor ou Raça” do IBGE. Brasília, 2003.
BRASIL. Portaria GM992 de 13 de maio de 2009. Política Nacional de Saúde
Integral da População Negra, Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
publicações/politica_nacional_saude_integral_populacao.pdf.

BRASIL. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Política


Nacional de saúde Integral da População Negra. Brasília, 2007

BRASIL, S. A; TRAD, L. A. B. O movimento negro na construção da política nacional


de saúde. In: BATISTA, Luís Eduardo; WERNECK, Jurema; LOPES, Fernanda.
(Orgs.). Saúde da população negra. 2 ed. Brasília: ABPN, 2012

BUSS, P.M; PELLEGRINI FILHO. A saúde e seus determinantes sociais. PHYSIS,


Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 77-93, 2007

CHOR, D.; LIMA, C. R. de A. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais


em saúde no Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 5, Out. 2005.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0102-
311X2005000500033&lng=en&nrm=iso.

CUNHA, E. M. G. de P. da. Recorte étnico-racial: Caminhos trilhados e novos


desafios. InIn: BATISTA, Luís Eduardo; WERNECK, Jurema; LOPES, Fernanda.
(Orgs.). Saúde da população negra. 2 ed. Brasília: ABPN, 2012.

DIAS, J., GIOVANETTI, M. R.; SANTOS, N. S. (orgs.). Perguntar não ofende – Qual
sua cor ou raça/etnia? Responder ajuda a prevenir. São Paulo: Secretaria de Estado
da Saúde de São Paulo / Centro de Referência e Treinamento de DST/Aids – SP,
2009. Disponível em:

81
<http://www3.crt.saude.sp.gov.br/arquivos/arquivos_biblioteca_crt/
livro_quesito_cor.pdf>.

DRUMOND JÚNIOR, M. Informação em saúde: conceitos e usos. Disponível em:


http://extranet.saude.prefeitura.sp.gov.br/biblioteca/cursos/ceinfo-cefor/aula-
drumond/Informacao%20e%20Gestao%20maio%202008.pdf.

EURICO, M. C. A percepção do assistente social acerca do racismo institucional.


Serviço Social & Sociedade, v. XXXIII, p. 290-308, 2013.

FAUSTINO, D. M. A universalização dos direitos e a promoção da equidade: o caso


da saúde da população negra. Ciência & Saúde da População Negra. 2017, v. 22,
n.12

FIGUEIREDO, A. et al. Racismo à brasileira ou racismo sem racistas: colonialidade


do poder e a negação do racismo no espaço universitário. Sociedade e Cultura, v.
12, n.2.Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fchf/article/view/9096.

Gorender, J. O Escravismo Colonial, São Paulo, Ática, 1978. 6.ed, 1992. 2.imp, 2001

JAMES, C. R.L. A revolução e o negro A Revolução e o Negro: Textos do


Trotskismo sobre a questão negra. São Paulo: Iskra, 2019.

JAMES, C. R.L. Os Jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São


Domingos. São Paulo: Boitempo, 2010.
MENEZES, F. C. de. Repensando a funcionalidade do racismo para o capitalismo no
Brasil contemporâneo. In: Libertas. Revista da Faculdade de Serviço Social da
Universidade Federal de Juiz de Fora. nº 1, volume 13. Juiz de Fora, 2013.
Disponível em: http://libertas.ufjf.emnuvens.com.br/libertas/article/view/2687/1943.
Acessado em 02 de abril de 2015.
MINAYO, M.C. de S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 28. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

MOURA, C. Dialética radical do negro. 2. ed. São Paulo: Fundação Maurício


Gabrois; Anita Garibaldi, 1994.

MOURA, C. O racismo como arma ideológica de dominação, 1994. Disponível em:


<http://www.vermelho.org.br/noticia/233955-8 >.

82
MUNANGA, K. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus
identidade negra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade


e etnia, 2003. Disponível em:
<http://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/04/Uma-abordagem-conceitual-
das-nocoes-de-raca-racismo-dentidade-e-etnia.pdf >.

MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade


e etnia, 2003. Disponível em: https://www.ufmg.br/ inclusaosocial/?p=59

NETTO, J. P. Pequena história da ditadura militar brasileira (1964-1985). São Paulo:


Cortez, 2014.
NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro. Determinantes sociais de saúde e a ação dos
assistentes sociais – um debate necessário. Revista Serviço Social & Saúde.
UNICAMP Campinas, v. X, n. 12, Dez. 2011.
OLIVEIRA, F. Saúde da população negra no Brasil. Brasília: OPAS/OMS, 2001.
Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/0081.pdf>.

PAIXÃO, M. J. de P. 500 anos de solidão: estudos sobre desigualdades raciais no


Brasil. Curitiba: Appris, 2013.

QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER,


E. (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas
latinoamericanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires,
Argentina, 2005.

SILVA, A. P. P. da. Racismo estrutural, crise do capital e ofensiva conservadora:


desafios à luta antirracista. In: Anais do V Seminário Internacional da Faculdade de
Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora: Ofensiva do capital,
exploração/opressão de classe/gênero/raça/etnia, lutas sociais e Serviço Social, de
23 a 26 de outubro de 2017, em Juiz de Fora- MG, 2017.

SOARES FILHO, A. M. O recorte étnico-racial nos Sistemas de Informações em


Saúde do Brasil: potencialidades para a tomada de decisão. In: BATISTA, Luís
Eduardo; WERNECK, Jurema; LOPES, Fernanda. (Orgs.). Saúde da população
negra. 2 ed. Brasília: ABPN, 2012.

83
VIEIRA-DA-SILVA, L. M.; ALMEIDA-FILHO, N. de. Equidade em saúde: uma análise
crítica de conceitos. Cad. de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15, supl. 2, 2009

WERNECK, Jurema. Racismo Institucional e Saúde da População Negra. Saúde


soc. [online]. 2016, vol.25, n.3, pp.535-549. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf.

Williams, E. Capitalismo e Escravidão, Rio de Janeiro, Ed. Americana 1975

Sites Visitados:

https://g1.globo.com/economia/noticia/populacao-que-se-declara-preta-cresce-149-
no-brasil-em-4-anos-aponta-ibge.ghtml Acessado em: 12/01/2020

https://g1.globo.com/politica/noticia/brasil-dobra-numero-de-presos-em-11-anos-diz-
levantamento-de-720-mil-detentos-40-nao-foram-julgados.ghtml Acessado em:
16/01/2020

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf Acessado
em: 14/01/2020

http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/equsau.html Acessado em:


06/02/2020

https://www.linkme.bio/generonumero Acessado em: 21/01/2019

http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/equsau.html Acessado em:


16/01/2020

https://www.scielo.org/pt/sobre-o-scielo/declaracao-de-acesso-aberto Acessado em:


28/01/2020
http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/revista.pdf acesso em: 14/01/2020

84
APÊNDICES

APÊNDICE

QUESTIONÁRIO - Abordagem da relação entre racismo e saúde nas disciplinas


de estágio do campo da saúde do curso de Serviço Social da Universidade do
estado do Rio de Janeiro

O questionário integrante das pesquisas para o Trabalho de Conclusão de Curso


tem como objetivo identificar nas disciplinas de estágio no campo da saúde, da
Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a
abordagem de conteúdos da Política Nacional de Saúde Integral da População
Negra (PNSIPN) e do Racismo como determinante social em saúde para colaborar
junto com outros elementos na construção de um panorama acerca do debate sobre
racismo institucional e saúde no curso. Para este propósito estamos encaminhando
este formulário às/os estudantes inscritos nas disciplinas no campo da saúde no
período de 2019-2

INFORMAÇÕES INICIAIS

Identidade de Gênero Cor/Raça

( ) Mulher cis ( ) Branca

( ) Mulher trans ( ) Parda

( ) Homem Cis ( ) Preta

( ) Homem trans ( ) Amarela

( ) Travesti ( ) Indígena

( ) Não binário

Período de Estágio

( ) 1° ( ) 2° ( ) 3° ( ) 4°

85
Ano e período de matrícula na FSS _______/____

Disciplina de estágio

Disciplina de Estágio correspondente ao campo:

(_) Saúde do adulto

(_) Saúde da mulher, criança e adolescente 

(_) Saúde coletiva

(_) Trabalho e previdência/saúde do trabalhador 

(_) Saúde da mulher, criança e adolescente (externo)

(_) Saúde do adulto (externo)

(_) Saúde mental

QUESTÕES SOBRE O TEMA:

1. No programa da disciplina constam conteúdos e/ou referências bibliográficas que


relacionam racismo e saúde?
(_) Sim          (_) Não (_) Não sei responder

2. Na disciplina de estágio em algum momento das aulas o racismo foi abordado


como um determinante social em saúde? 
(_) Sim          (_) Não (_) Não sei responder

3. No campo de estágio em algum momento foi abordado o tema racismo e saúde? 


(_) Sim          (_) Não (_) Não sei responder

4. A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), instituída


pela Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009, busca atender as especificidades do
conjunto da população negra do país e contribuir para a garantia da equidade no
que diz respeito à efetivação do direito à saúde deste segmento da população. Em
algum momento esta Política foi abordada na disciplina? 
86
(_) Sim          (_) Não (_) Não sei responder

4.1. Em algum momento esta Política foi abordada no campo de estágio? 


(_) Sim          (_) Não (_) Não sei responder

5. A coleta do dado raça/cor, por autodeclaração dos usuários, nos sistemas de


informações em saúde do SUS foi padronizada e tornada obrigatória pela Portaria n°
344 de 1° de fevereiro de 2017. Em algum momento da disciplina o dado raça/cor foi
abordado na construção do perfil das/dos usuárias/os atendidas/os pelo Serviço
Social?
(_) Sim          (_) Não (_) Não sei responder

1. Você já tinha conhecimento da PNSIPN antes de responder este


questionário?
(_) Sim          (_) Não (_) Não sei responder

2. No seu entendimento racismo e saúde estão relacionados?


(_) Sim          (_) Não (_) Não sei responder

3. No decorrer das disciplinas de graduação quantos textos que abordavam


questão racial ou racismo constavam na bibliografia obrigatória? 
(_) Nenhum  (_) de 1 a 5 (_) de 5 a 10  (_) mais de 10 (_) Não sei responder

87
APÊNDICE 2

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Eu_______________________________________________________________________,
portador(a) do RG de número/órgão expedidor ________________________________estou
sendo convidado a participar da pesquisa denominada Abordagem da relação entre racismo
e saúde nas disciplinas de estágio do campo da saúde do Curso de Serviço Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro que tem como objetivo identificar a abordagem de
conteúdos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) e do
racismo como determinante social em saúde para colaborar junto com outros elementos na
construção de um panorama acerca do debate sobre racismo institucional e saúde no curso.
A seguinte pesquisa está sendo desenvolvida por Isabela Santos de Lima (201310212011)
estudante da graduação do Curso de Serviço Social da Faculdade de Serviço Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sob a orientação da Prof.ª Ana Paula
Procopio da Silva (matrícula 38.622-7).

Estou ciente que meus dados estão sendo coletados anonimamente em forma de
questionário encaminhado às/aos estudantes inscritas/os nas disciplinas de estágio no
campo da saúde no período 2019-2 e contribuirão como parte das pesquisas de elaboração
do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da aluna supracitada.

Estou de acordo em colaborar no preenchimento do questionário base desta


pesquisa e concedo autorização para que os resultados deste estudo possam ser
apresentados em eventos científicos da área de saúde, do Serviço Social e ou áreas afins e
publicados em revista científica nacional e/ou internacional. Fui esclarecido que mediante
publicação dos resultados, meu nome será mantido em sigilo absoluto. Fui informado
também que o questionário desta pesquisa não inclui identificação para maior garantia de
sigilo dos(as) entrevistados(as).

Fui esclarecido de que a minha participação no estudo é voluntária e, portanto, não


sou obrigado(a) a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pela
Pesquisadora. Caso decida não participar do estudo, ou resolver a qualquer momento
desistir do mesmo, não sofrerei nenhum dano. Além disto me foi informado de que as
pesquisadoras estão à disposição para qualquer esclarecimento que considere necessário.

__________________________________ ___________________________________

Isabela Santos de Lima Ana Paula Procopio da Silva

pesquisadora responsável orientadora

88
Considerando, que fui informado(a) dos objetivos e da relevância do estudo
proposto, de como será minha participação, dos procedimentos e riscos decorrentes deste
estudo, declaro o meu consentimento em participar da pesquisa, como também concordo
que os dados obtidos na investigação sejam utilizados para fins científicos (divulgação em
eventos e publicações). Estou ciente que receberei uma via desse documento.

Rio de Janeiro, ____de ___________de _________

_____________________________________________________________________

Assinatura da/o participante

Caso necessite de mais informações sobre o presente estudo entrar em contato com a
pesquisadora Isabela Santos de Lima - Telefone: (21) 9 7472-9750

89

Você também pode gostar