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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

A PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:


o silêncio indolente que invisibiliza as relações raciais na produção de conhecimento

SHEILA DIAS ALMEIDA

Rio de Janeiro
2015
SHEILA DIAS ALMEIDA

A PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:


um olhar sobre o silêncio indolente que invisibiliza as relações raciais na produção de
conhecimento

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Serviço Social, da Escola de
Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Orientador: Prof. Dr. Marildo Menegat (UFRJ)

Linha de Pesquisa:

Rio de Janeiro
2015
1
FICHA CATALOGRÁFICA

Almeida, Sheila Dias.


A Pós-Graduação em Serviço Social na Cidade do Rio de Janeiro: um olhar sobre o
silêncio indolente que invisibiliza as relações raciais na produção de conhecimento
/ Sheila Dias Almeida. Rio de Janeiro: UFRJ, 2015.

Orientador: José Maria Gomez.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de


Serviço Social/Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, 2014.

1. Serviço Social. 2. Relações raciais. 3. Produção de conhecimento 4. Pós-


graduação. Marildo Menegat II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de
Serviço Social. III. Título

2
SHEILA DIAS ALMEIDA

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Serviço Social, da Escola de
Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Aprovada em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________
Prof. Dr. Marildo Menegat (Orientador) – Escola de Serviço Social – UFRJ

_____________________________________________________________
Profª. Drª. Marlise Vinagre Silva – Escola de Serviço Social – UFRJ

_____________________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo de Souza Janoario – INES

SUPLENTES:

_____________________________________________________________
Profª. Dra. Maria de Fátima Cabral Gomes – ESS - UFRJ

_____________________________________________________________
Profª. Dra. Roberta Maria Lobo da Silva – IM - UFRRJ

3
À minha grande mãe Oyá, minha proteção, senhora
do meu Orí e dos meus caminhos, obrigada por me
conduzir em brisas suaves ventos de esperança e
renovação!
À minha mãe Osùn, por ter me escolhido filha e
por me fazer “mãe”, pelo brilho, suavidade e
principalmente pelo desmedido amor...
À Mainha, minha fonte de força, inspiração e
determinação, amo-te sempre e para sempre!
À minha mã Helaine por toda lealdade,
desprendimento e generosidade, você é ímpar
minha “nêga brilho”!
Às minhas sobrinhas e sobrinhos por me encher de
luz, sorrisos e por me mostrar de forma suave que a
vida é linda!
Ao Molindo, pela troca, incentivo, determinação e
por me mostrar que nada pode tirar nosso sorriso e
a nossa vontade de querer ir além. Obrigada por ser
amor em mim e por me fazer experimentar a
melhor sensação do mundo, sentir a vida se
desenvolver e crescer aqui dentro, amor que criou
raiz!
Enfim, a você Fran, amiga-irmã, mineirinha mais
que querida, te guardo aqui no coração e na vida!

4
Agradecimento

Agradeço a CAPES pela bolsa concedida, sem a qual eu não poderia ter realizado esse
estudo.
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social da UFRJ e a
todo corpo docente, em especial à Rosana Morgado, Fátima Grave, Yolanda Guerra e ao Zé
Paulo Netto, pelo auxílio nas reflexões, discussões em sala de aula e por apesar das
adversidades, ter me proporcionado um ótimo ambiente de estudo e convivência.
Em tempo, quero agradecer as queridas funcionárias da Secretaria da Pós-Graduação
da ESS/UFRJ, em especial à Márcia Rocha, minha amiga e “anjo da guarda”, seu brilho,
comprometimento e companheirismo fizeram toda a diferença nessa etapa da minha vida.
Também à Fernandinha, pessoa simples, extremamente comprometida e de uma “fofurice”
sem tamanho. À querida Luiza, pela presteza, seriedade e compromisso com todas (os) que a
ela recorre. Obrigada!
Também deixo meu muito obrigada, a todo corpo de técnicos, zeladores (as) e a todas
(os) que de alguma forma fazem com que essa engrenagem chamada ESS/UFRJ funcione.
À minha turma de mestrado, em especial a Tati, Carol Lima, Márcia Cassin, Gênesis,
Mariangela e Vânia, pelo carinho, cuidado, sorrisos e muitas reflexões!
Roseli Rocha, minha preta flor! Não sei, você não sabe o quanto me inspira e me
incentiva a continuar a caminhada. “... em todo tempo se faz um amigo, mas é na angustia que
se ganha um irmão”. Agradeço a vida por me proporcionar o carinho de sua amizade, você é
minha dádiva, viu? Obrigada!
Um agradecimento mais que especial à minha banca examinadora, na pessoa da
professora e amiga Marlise Vinagre, água doce e fecunda, seu brilho reflete em mim e me faz
querer ser mais. Obrigada!
Ao amigo que guardo no coração, pelo incentivo, encorajamento e positividade
sempre, Ricardo Janoario. Grande intelectual e de luz que irradia a vida e me faz acreditar que
tudo é possível quando se tem fé, obrigado amore!
Não é todo mundo que tem o privilégio de conviver com pessoas de mentes brilhantes
e coração gigante. Pois você é assim, meu grande professor e amigo, Marildo Menegat. Tenho
um orgulho enorme dizer que sou sua orientanda! Obrigada por não ter desistido de mim e por
se desprender de suas dores para que eu pudesse cumprir essa etapa, a você meu carinho,
admiração e axé!
Por fim agradeço ao meu querido irmão, parceiro e cúmplice Rodrigo Reduzino. Seu
axé e a energia que habita em você, é também o que me move e o que me faz transcender em
amor, poesia e verdade! Obrigada por ser minha lucidez, e por acreditar em mim e na minha
potencialidade. Te amo sempre e para sempre!
À Bel, Ivete (minha amora), Marcia Maria, Sil e Camilinha pelo carinho,
cumplicidade, trocas de sorrisos, angústias, e, sobretudo, por não permitir que a distância nos
roube o amor e a cumplicidade.
Também com todo amor e admiração, agradeço a Jussara Lopes, Jussara Assis, Marcia
Brasil e Héder, por serem verdadeiros “anjos” em minha vida! Por me mostrarem que amigos
e irmãos se contam nos dedos de uma só mão. Amo vocês!

5
Minha família de axé, por me mostrar que a coletividade e a irmandade são o primeiro
passo para uma vida plena! A cada uma e cada um de vocês, obrigada pela acolhida e por
compartilhar comigo a vida, sorrisos e afetos, amo vocês!
Ah, a minha família mineira. Eu subi a serra, comi devagarinho e agora estou aqui,
fazendo parte da vida de vocês! Muito obrigada por me mostrar que é na simplicidade que o
melhor da vida acontece!
Aos meus guias espirituais e aos meus protetores ancestrais. Sem o amor e a força
advinda de vocês, com certeza minha não teria sobrevivido, obrigada!
A todas e todos que de alguma maneira fez e faz parte da minha vida e que contribuiu
de alguma forma pra que eu chegasse até aqui, Muito Obrigada e Axé!

6
Mulheres Negras
Yzalú

Enquanto o couro do chicote cortava a carne,


A dor metabolizada fortificava o caráter;
A colônia produziu muito mais que cativos,
Fez heroínas que pra não gerar escravos matavam
os filhos;
Não fomos vencidas pela anulação social,
Sobrevivemos à ausência na novela, no
comercial;
O sistema pode até me transformar em
empregada,
Mas não pode me fazer raciocinar como criada;
Enquanto mulheres convencionais lutam contra o
machismo,
As negras duelam pra vencer o machismo,
O preconceito, o racismo;
Lutam pra reverter o processo de aniquilação
Que encarcera afros descendentes em cubículos
na prisão;
Não existe lei maria da penha que nos proteja,
Da violência de nos submeter aos cargos de
limpeza;
De ler nos banheiros das faculdades hitleristas,
Fora macacos cotistas;
Pelo processo branqueador não sou a beleza
padrão,
Mas na lei dos justos sou a personificação da
determinação;
Navios negreiros e apelidos dados pelo
escravizador
Falharam na missão de me dar complexo de
inferior;
Não sou a subalterna que o senhorio crê que
construiu,
Meu lugar não é nos calvários do brasil;
Se um dia eu tiver que me alistar no tráfico do
morro,
É porque a lei áurea não passa de um texto morto;
Não precisa se esconder segurança,
Sei que cê tá me seguindo, pela minha feição,
minha trança;
Sei que no seu curso de protetor de dono praia,
Ensinaram que as negras saem do mercado
Com produtos em baixo da saia;
7
Não quero um pote de manteiga ou um xampu,
Quero frear o maquinário que me dá rodo e uru;
Fazer o meu povo entender que é inadmissível,
Se contentar com as bolsas estudantis do péssimo
ensino;
Cansei de ver a minha gente nas estatísticas,
Das mães solteiras, detentas, diaristas.
O aço das novas correntes não aprisiona minha
mente,
Não me compra e não me faz mostrar os dentes;
Mulher negra não se acostume com termo
depreciativo,
Não é melhor ter cabelo liso, nariz fino;
Nossos traços faciais são como letras de um
documento,
Que mantém vivo o maior crime de todos os
tempos;
Fique de pé pelos que no mar foram jogados,
Pelos corpos que nos pelourinhos foram
descarnados.
Não deixe que te façam pensar que o nosso papel
na pátria
É atrair gringo turista interpretando mulata;
Podem pagar menos pelos os mesmos serviços,
Atacar nossas religiões, acusar de feitiços;
Menosprezar a nossa contribuição na cultura
brasileira,
Mas não podem arrancar o orgulho de nossa pele
negra;
Mulheres negras são como mantas kevlar,
Preparadas pela vida para suportar;
O racismo, os tiros, o eurocentrismo,
Abalam mais não deixam nossos neurônios
cativos.

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A PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:
um olhar sobre o silêncio indolente que invisibiliza as relações raciais na produção de
conhecimento

Resumo

O presente estudo se desenvolveu com a finalidade de responder não apenas inquietudes


pessoais, mas também pensando na lacuna existente entre a discussão sobre as relações raciais
e a produção de conhecimento em serviço social no que diz respeito a essa temática. Tomando
como campo de análise os as linhas de pesquisas e as disciplinas oferecidas nos cursos de pós-
graduações de mestrado e doutorado em serviço social, de quatro universidades na cidade do
Rio de Janeiro, sendo três dessas universidades públicas e uma privada (UERJ); (UFF -
Campus Niterói); (UFRJ) e (PUC/Rio). Realizamos uma reflexão a partir dos instrumentos
que preconizam a profissão de serviço social, como as Diretrizes Curriculares do Curso de
Serviço Social, construídas pelo conjunto da categoria profissional, sob a coordenação da
ABEPSS em 1996, o Código de Ética Profissional de 1993 e também a partir da Resolução nº
01/2004 do Conselho Nacional de Educação – CNE/MEC, em que dispõe sobre a
determinação de que todas as modalidades de ensino, inclusive o ensino superior, agreguem
em seus currículos o tema das relações étnico-raciais. Nossa expectativa com esse trabalho é
que ele sirva para aproximar a categoria dos assistentes sociais de um debate com indiscutível
importância, uma vez que eles trabalham com as múltiplas expressões da questão social, da
elaboração e execução das políticas públicas e sociais resultantes da mobilização e
organização da sociedade civil na luta por direitos. Analisar a inserção da temática racial no
processo de produção de conhecimento do serviço social, bem como sua relevância para a
consolidação do projeto ético-político da profissão, torna-se imprescindível, uma vez que a
ausência dessa discussão, somente contribui para invisibilizar e secundarizar o debate de um
tema que se apresenta como importante variável para uma análise crítica das relações sociais,
sob a perspectiva de totalidade.

Palavras-chave: Serviço Social. Relações raciais. Produção de conhecimento. Pós-


graduação.

9
POST- DIPLOME EN SERVICE SOCIAL EN RIO DE JANEIRO VILLE:
un regard sur le silence qui invibiliza paresseux relations raciale dans le
production de connaissances

Resume
Cette étude a été développé afin de répondre non seulement des préoccupations personnelles,
mais aussi penser à l'écart entre la discussion sur les relations raciales et la production de
connaissances en travail social à l'égard de cette question. Prenant comme un champ d'analyse
les axes de recherche et les cours offerts dans les cours de troisième cycle Master et doctorat
en travail social, quatre universités dans la ville de Rio de Janeiro, de trois de ces universités
publiques et privées (UERJ); (UFF - Campus Niterói); (UFRJ) et (PUC / Rio). A mené une
réflexion sur les instruments qui prônent la profession du travail social, comme les lignes
directrices de programme du cours des services sociaux, construits par toute la catégorie
professionnelle, sous la coordination de ABEPSS en 1996, le Code de déontologie 1993 et
aussi de la Résolution n ° 01/2004 du Conseil Education nationale - CNE / MEC, selon lequel
les règles sur la détermination que tous les types d'éducation, y compris l'enseignement
supérieur, d'ajouter dans leurs programmes la question des relations ethniques et raciales notre
attente ce travail est qu'il sert à fermer la catégorie des travailleurs sociaux dans un débat avec
une importance incontestable, car ils travaillent avec de multiples expressions de questions
sociales, le développement et la mise en œuvre des politiques publiques et sociales résultant
de la mobilisation et de l'organisation de la société civile la lutte pour les droits. Analyse de
l'inclusion de thème racial dans le processus du service social de la production de
connaissances ainsi que sa pertinence pour la consolidation du projet éthico-politique de la
profession, il est essentiel, car l'absence de telles discussions ne contribue qu'à invibilizar et
secundarizar la discussion d'une question qui se présente comme une variable importante pour
une analyse critique des relations sociales dans la perspective de la totalité.

Mots-clés: travail social. Relations raciales. Production de connaissances. Post- diplômé.

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LISTA DE FIGURAS

Tabela 1 Rendimento médio do trabalho principal da PEA ocupada de 15 anos ou 78


mais por grupos de cor ou raça e sexo, Brasil, 2000 e 2010 (em R$, ago
2010 - INPC)
Gráfico 1 Participação dos Grupos de Raça/Cor na Renda Disponível 80

Gráfico 2 Composição Racial da População Abaixo da Linha de Pobreza 81

Gráfico 3 Composição Racial da População Abaixo da Linha de Indigência 81

Tabela 2 Presença do setor privado por instituição de ensino superior 101

Quadro 1 UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ PPGSS/UERJ 122

Quadro 2 UFF – Universidade Federal Fluminense - Política Social e Serviço Social 124

Quadro 3 UFF – Universidade Federal Fluminense – Desenvolvimento regional e 125


políticas públicas

Quadro 4 UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro/ PPGSS/ESS/UFRJ 126

Quadro 5 PUC/RJ – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 129

11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social


ABESS - Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social
CAPES - Coordenação De Avaliação De Pessoal De Ensino Superior
CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CEDEPS - Centro de Documentação e Pesquisa em Política Social e Serviço Social
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CNE - Conselho Nacional De Educação
CNPQ - Conselho Nacional De Desenvolvimento Científico E Tecnológico
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DATASUS - Banco De Dados Do Sistema Único De Saúde
DEM - Partido Dos Democratas
DF – Distrito Federal
EAD – Ensino à Distância
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
ENESSO – Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social
ENPESS - Encontro Nacional De Pesquisadores/As Em Serviço Social
ESS - Escola De Serviço Social
FNB - Frente Negra Brasileira
FSS - Faculdade De Serviço Social
GTPS - Grupos Temáticos De Pesquisa
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
INFOPEN - Sistema Integrado de Informação Penitenciária
LDB - Lei De Diretrizes E Bases Da Educação
LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais E Travestis
LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social
LOA – Lei Orgânica de Saúde
MEC - Ministério Da Educação

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

MN – Movimento Negro
MNU – Movimento Negro Unificado
MST- Movimento dos Sem Terra
ONG - Organização Não Governamental
PEC – Proposta de Emenda à Constituição
PP- Partido Progressista
PT- Partido dos Trabalhadores
PME - Pesquisa Mensal De Emprego
PNAD - Pesquisa Nacional Por Amostra De Domicílios
PNE - Plano Nacional de Educação
PNPG - Plano Nacional de Pós-Graduação
PPGSS - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
PPGSS - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
PNUD - Programa Das Nações Unidas Para O Desenvolvimento
PUC – Pontifícia Universidade Católica
SEPPIR - Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SIM - Sistema De Informações Sobre Mortalidade
SNPG - Sistema Nacional de Pós-Graduação
STF - Supremo Tribunal Federal
TIC - Tecnologias de Informação e Comunicação
TEN – Teatro Experimental do Negro
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNB - Universidade De Brasília
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura.
USP – Universidade de São Paulo

13
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 16
1.1 A RELEVÂNCIA DO TEMA PARA O SERVIÇO SOCIAL ........................................ 30
1.2 SOBRE A ESTRUTURA DO TRABALHO ................................................................... 31
1.3 PASSOS METODOLÓGICOS ........................................................................................ 33
2 DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E PÓS-ABOLIÇÃO NO BRASIL: o racismo
como legado dessa combinação ........................................................................................... 46
2.1 ESTRANGEIROS EM SEU PRÓPRIO PAÍS: entre a rejeição e à super-exploração do
povo negro .............................................................................................................................. 46
2.2 CLASSE E RAÇA: um diálogo possível ou a hierarquização das diferenças? ............... 46
2.3 A FUNCIONALIDADE DO RACISMO NA ESTRUTURA DE EXPLORAÇÃO
CAPITALISTA: possibilidades e desafios para a superação da ordem ................................. 61
2.4 DE INVISIBILIZADOS A PROTAGONISTAS: a participação do Movimento Negro no
processo de redemocratização do Brasil ................................................................................ 67
3 O ESTADO DE EXCEÇÃO: entre a produção da “vida nua” e os caminhos para a
barbárie ........................................................................................................................ 76
3.1 EXCLUSÃO INCLUSIVA OU INCLUSÃO SEM PERTENCIMENTO? .................... 83
3.2 SEMPRE À MARGEM: entre os números e as estatísticas que legitimam as políticas
genocidas do Estado brasileiro contra a população negra ..................................................... 92
3.3 A FORÇA QUE VEM DA RAIZ: lutas e resistências que renovam a força do povo negro
na busca para superação das assimetrias raciais .................................................................. 106
4 PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO PARA EMANCIPAÇÃO HUMANA OU
MANUTENÇÃO DO STATUS QUO? O serviço social e as relações raciais nos cursos de
pós-graduação das universidades do Rio de Janeiro ..................................................... 115
4.1 POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma intrínseca relação entre a formação
superior e o desenvolvimento capitalista ............................................................................. 116
4.2 PÓS-GRADUAÇÃO E A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO: o amadurecimento
teórico-político do serviço social mediante as transformações societárias no Brasil .......... 121
4.3 PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL: velhos dilemas, novos entraves e a busca
pelo conhecimento libertador e emancipatório .................................................................... 133

14
5 ANÁLISE DOS DADOS PESQUISADOS ................................................................... 140
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 155
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 164

15
INTRODUÇÃO

É preciso ter pés firmes no chão


Sentir as forças vindas dos céus, da missão...
Dos seios da mãe África e do coração
É hora de escrever entre a razão e a emoção...
(Gog – Carta à Mãe África)

Nos momentos finais em que este trabalho era gestado, a pesquisadora que vos fala,
foi brutalmente confrontada pelo racismo que age de forma violenta, porém dissimulado;
aquele que dilacera a carne e fere a alma, municiado pela ideia de que isso não existe no
Brasil, pois vivemos numa democracia. No entanto, o racismo aqui não só existe como se
mantém inexorável. Fui barrada pelo porteiro do prédio onde mora um amigo, que tentou
impedir minha entrada exigindo rispidamente minha identificação, embora me conhecesse há
anos – uma vez que frequento o local desde 2008 e, em uma ocasião, fui formalmente
apresentada a ele. Ao mesmo tempo, outras pessoas adentravam o edifício sem que ele
adotasse a mesma postura. O pior é que essa não foi a primeira vez que ele me afligiu com
atitudes discriminatórias. Entretanto, foi a primeira em que me dirigi à delegacia para registrar
uma ocorrência. Apesar de ter minhas críticas em relação ao despreparo da polícia no trato
desse tipo de agressão, o inquérito será aberto e a primeira audiência acontecerá no próximo
ano.
Assim, ainda sob efeito da dor causada por essa violência recente, costuro essas
reflexões e inquietudes acerca da urgência em rompermos radicalmente com esse modelo
opressor de sociedade, “ onde o inimigo é quem decide quando ofendeu (cê é loco meu) ”,
como bem cantou o rapper Emicida. É, simplesmente, inadmissível que no terceiro milênio,
os quesitos cor/raça/etnia ainda funcionem como mecanismo de subalternização e opressão de
determinados grupos e, em contrapartida, garanta a supremacia material e ideológica de outra
parcela da população, qual seja, a branca.
De tal modo, o presente estudo se desenvolveu com a finalidade de responder não
apenas inquietudes pessoais, mas também pensando na lacuna existente entre a discussão
sobre as relações raciais e a produção de conhecimento, tomando como campo de análise as
linhas de pesquisas e as disciplinas oferecidas nos cursos de pós-graduações de mestrado e

16
doutorado em serviço social, de quatro universidades na cidade do Rio de Janeiro, sendo três
públicas e uma privada. São elas: Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ;
Universidade Federal Fluminense – UFF (Campus Niterói); Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC/Rio1. Nossa
expectativa com esse trabalho é que ele sirva para aproximar a categoria dos assistentes
sociais de um debate com indiscutível importância, uma vez que eles trabalham com as
múltiplas expressões da questão social2, da elaboração e execução das políticas públicas e
sociais resultantes da mobilização e organização da sociedade civil na luta por direitos.
Concordamos com Iamamoto (2009), quanto à compreensão de ser o serviço social
uma profissão de caráter prático-interventivo que efetiva sua prática na operacionalização do
nexo entre as instituições sociais e os serviços que estas devem prestar, além de atender aos
usuários em suas necessidades e demandas na busca pelo acesso aos direitos e cidadania3.
Entendemos ainda, que essa profissão também se relaciona com as várias formas de produção
e reprodução do capital, das relações sociais, das condições de vida, de cultura e de riqueza
dos indivíduos. (p.1)
O interesse em analisar as relações raciais através do serviço social brasileiro consiste,
pelo contexto histórico, quando do surgimento dessa profissão e sua relação com a
emergência das políticas sociais públicas, incorporadas e desenvolvidas pelo Estado em suas
diferentes esferas de poder, como resposta às necessidades sociais advindas da expansão
capitalista, resultando no acirramento das tensões entre as demandas da classe trabalhadora e
da burguesia.
Neste sentido, é interessante refletir sobre a formação social brasileira a partir de um
movimento que não é linear e muito menos homogêneo, mas compreendê-la através das

1
Embora a pesquisa seja realizada com foco nas pós-graduações das universidades públicas do Estado do Rio de
Janeiro, a escolha da PUC/RJ justifica-se devido ao seu pioneirismo na implementação das ações afirmativas
antes mesmo da adesão pelas universidades públicas, bem como por ser a primeira universidade a desenvolver
um programa de pós-graduação em serviço social.
2
Para a compreensão de “questão social”, concordamos com Cerqueira Filho (1982), que: a questão social
engloba o “conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs ao
mundo, no curso da constituição da sociedade capitalista”. Assim, a “questão social está fundamentalmente
vinculada ao conflito entre o capital e o trabalho”.
3
COUTINHO (1997), cidadania é entendida como a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou por todos
de usufruírem dos bens socialmente produzidos, ou seja, é um processo de busca pela apropriação dos bens
sociais pelo conjunto dos cidadãos.
17
transformações ocorridas sobre a lógica da dominação capitalista, desenvolvidas no interior
desse país, bem como os fortes rebatimentos sociais, políticos, econômicos, culturais, etc.
Para compreender o Brasil nos dias atuais, é necessário analisar primeiro a história
brasileira sob a perspectiva dialética, pois é a partir desse movimento que podemos pensar as
contradições raciais presentes nas relações sociais na contemporaneidade. A história da
formação social brasileira subscreve a desigualdade racial enquanto uma realidade concreta
dessa sociedade. Portanto, nossa análise consiste em afirmar que o “desenvolvimento desigual
e combinado4” confere particularidade fundante da história desse país, e por isso, tal realidade
permanece como característica presente na atualidade, determinando – através do
antagonismo entre as classes sociais – o “lugar” da população negra na sociedade brasileira.
Sob o regime de trabalho escravo, exploração da mão-de-obra negra e posteriormente
a chegada dos imigrantes, sobretudo europeus, ocorreu a formação social do Brasil. Com as
exigências capitalistas e a pressão do mercado internacional, deu-se o fim do trabalho escravo
e o surgimento do trabalho livre (Ianni, 2004). Através do monopólio e do domínio sobre o
Estado, os grandes proprietários, foi estabelecida uma nova relação de poder, com vias a
garantir, principalmente, o poder político, o que acabava por gerar densas mobilizações entre
os detentores da força de trabalho e daqueles que detinham os meios de produção (Martins,
2012).
A luta pela liberdade, pela terra e por melhores condições de vida e, também, de
trabalho, marca o período dessa transição no Brasil. As várias formas de resistências
desenvolvidas pelos trabalhadores (as) escravizados (as) – e as consequências dessas
transformações – puderam ser sentidas na cidade e no campo, assinalando assim a
possibilidade de uma revolução social burguesa (Fernandes, 1974).
Como a lógica capitalista era a de obtenção do lucro, as tensões raciais e da chamada
identidade nacional, que se apresentavam, foram relegadas ao segundo plano. O fim do
trabalho escravo e a Proclamação da República indicavam outras possibilidades de
organização do trabalho e também da cultura. Assim, a chegada dos imigrantes europeus,
aponta um novo horizonte, quanto à política de valorização da mão-de-obra de branca.

4
C.f. LÖWY, Michael. A teoria do desenvolvimento desigual e combinado. Artigo publicado na revista Actuel
Marx, 18, 1995. Tradução de Henrique Carneiro.
18
Para aos negros, não houve chances de ascensão pelas vias do trabalho assalariado.
Theodoro (2008) ressalta que, embora aqui houvesse negros que se destacavam por
desenvolver trabalho artesão, prestadores de serviços de reparações e trabalhadores adaptados
aos serviços industriais (p.18), as novas condições e a relação de produção, enxergava no
imigrante europeu a possibilidade de uma força de trabalho mais qualificada. Neste sentido,
inicia aqui o esforço para aproximar o Brasil da imagem europeia, desenvolvendo, sobretudo,
a teoria do embranquecimento (Fernandes, 1978).
Um dado importante a ser levado em consideração sobre esse período era que mais da
metade da população do país era de escravizados. Sobre isto, Theodoro (2008) aponta que:

A população do Brasil, na primeira década do século XIX, era de cerca de três


milhões de habitantes, sendo que, destes, 1,6 milhões eram escravos. Havia ainda
cerca de 400 mil negros e mulatos libertos e um milhão de brancos. Essa população
vai alcançar um total de dez milhões, em 1872, chegando a 17,3 milhões na virada
do século XX. (THEODORO, 2008. p. 21).

O autor destaca, ainda, que os negros e mulatos tidos como livres e libertos,
constituíam um subgrupo populacional que cresceria ao longo do século XIX. Já nas áreas
rurais, esse grupo vai exercer atividades voltadas, acima de tudo, para a agricultura e a
pecuária de subsistência. Por outro lado, já nas cidades, essa população vai desenvolver suas
atividades nas áreas de serviços em geral, na produção de artesanatos, nas atividades
manufatureiras e mais tarde através da cultura. Com isso, o autor destaca as privações nas
situações de trabalho, e a chegada dos imigrantes de outras nacionalidades, principalmente a
europeia, engrossando as transformações no mundo do trabalho.
A partir da consolidação da sociedade capitalista no final do século XVIII, o mundo
passa por transformações significativas. Dessa forma, ocorrem modificações no ordenamento
e na dinâmica econômica, o que incide diretamente na estrutura social e nas instâncias
políticas. A fase monopolista do capital recoloca as contradições próprias da ordem burguesa,
ou seja, exploração, alienação5 e a transitoriedade própria das transformações históricas.

5
Para a compreensão do conceito de alienação, encontramos a seguinte afirmação: “[...] um fenômeno
exclusivamente histórico-social, que se apresenta em determinada altura do desenvolvimento existente, e a partir
desse momento, assume na história formas sempre diferentes, cada vez mais claras. Logo, sua constituição não
19
Diante das mudanças estruturais ocorridas, sobretudo, no mundo do trabalho, se agudizam as
tensões entre exploradores e explorados, e as “expressões da questão social”, surgem como
expressão síntese dessa contradição entre capital e trabalho.
Sobre as características que compõem a questão social, destacamos que essa é um
elemento de conflito e de luta de classes, portanto, é histórica. O enfrentamento da questão
social desafia a própria manutenção de uma sociedade, devendo, pois, ser objeto de
intervenção dos diversos sujeitos sociais. Esta se expressa, através de um conjunto de
manifestações, tais como saúde, educação, habitação, assistência etc. Toda intervenção
profissional ou política, nas manifestações que expressam a questão social, é parcializada e
não resolve o problema. Mais a frente, voltaremos a discutir sobre este assunto, todavia, já
podemos afirmar que a questão social é dessa forma, uma questão de totalidade.
A análise crítica das “expressões da questão social”, bem como sua origem e
desenvolvimento histórico, além das demonstrações que a particulariza na sociedade
capitalista, vem ganhando cada vez mais relevância na contemporaneidade. Conhecer suas
fundamentações e suas várias formas de manifestações, constituí um grande desafio para o
serviço social brasileiro, pois é a partir daí que são elaboradas respostas para o seu
enfrentamento.
Desenvolvendo-se numa dimensão estrutural, a “questão social” atinge visceralmente
a vida dos sujeitos numa “luta aberta e surda pela cidadania” (Ianni, 1992), no embate pelo
respeito aos direitos civis, sociais e políticos e aos direitos humanos. Esse processo, porém, é
denso de conformismos e rebeldias, expressando a consciência e a luta pelo reconhecimento
dos direitos de cada um e de todos os indivíduos sociais. É nesse terreno de disputas que
trabalham os assistentes sociais (IAMAMOTO, 2009). E nessa tensão entre reprodução das
desigualdades e a produção da rebeldia e da resistência, a categoria de assistentes sociais atua,
buscando interferir diretamente nas relações sociais cotidianas e no atendimento das diversas
formas por onde se expressam a questão social. (p.16)
No tocante a essa profissão, chamamos a atenção para algumas de suas características,
como por exemplo, ter na questão social, a base de sua fundação enquanto especialização do

tem nada a ver com uma condition humaine geral e tanto menos possui uma universalidade cósmica”.
(LUKÁCS, 1976. p. 501)

20
trabalho. Sobre isto, Netto (2005) afirma que através da instauração da ordem monopólica, e,
portanto, ocupando uma posição subordinada na divisão sociotécnica do trabalho, o serviço
social se profissionaliza, tornando-se apenas executor das políticas públicas e mediador da
contradição capital x trabalho, pois são nessas bases que o Estado Burguês se enfrenta com a
“questão social”.
Das contradições e características que marcam o serviço social brasileiro, destacamos
que desde a sua gênese, essa profissão também é compreendida como sendo eminentemente
feminina. Segundo Verdès Leroux (1986), a profissão na maioria dos casos era composta por
99% de mulheres. Para a autora, isto se dava pela “vocação” das mulheres terem atributos
como “prazer em servir, seriedade e modéstia”, e por estes valores serem inculcados a nós
mulheres.
Já para Montaño (2000), o fato que contribui para o serviço social ser visto como uma
profissão de predominância feminina e subalternizada, deve-se às marcas do patriarcado e do
machismo presentes em nossa sociedade. Portanto, ao longo da história, sempre foi delegado
à mulher o papel de cuidadora e educadora, uma vez que as mulheres são vistas como as
portadoras de “atributos de feminilidade”, reforçando-se assim, a herança colonial, racista,
patriarcal, sexista e machista que marca a sociedade brasileira e, por consequência, a essa
profissão.
A temática étnico-racial também aparece como característica que marca o serviço
social. Silva Filho (2004) aponta que, apesar de relativamente nova, é possível destacar o
aumento significativo da quantidade de estudantes negros (as) a procurar pelo curso de
serviço social. O autor ressalta que, há tempos atrás, esse grupo étnico encontrava-se apenas
no lugar de usuário dos serviços prestados. Entretanto, observamos que este dado ainda é
pouco discutido pela categoria profissional.
Somente em 2005, foi realizada a primeira pesquisa com o objetivo de traçar o perfil
dos assistentes sociais no Brasil6. O levantamento foi feito pelo Conselho Federal de Serviço
Social (CFESS). Embora a pesquisa seja feita tardiamente pela direção desta categoria,
destacamos que esta subscreve-se como uma importante decisão política, pois as variáveis
apresentadas nesse levantamento nos servem ainda hoje como instrumento de análise, e ainda

6
“O Perfil da (o) assistente social no Brasil”, pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Serviço Social -
CFESS, com o objetivo de responder a uma necessidade apontada pelo Conjunto CFESS/CRESS, considerando-
se a lacuna existente de estudos sobre a identidade da profissão. CFESS, 2005.
21
que o seu resultado seja pouco discutido pela categoria, mostra-se fundamental para o
desvelamento de questões relevantes que nos permitem conhecer um pouco mais sobre o
perfil dos assistentes sociais.
Neste sentido, entre outros indicadores sociais, a pesquisa objetivou saber a pertença
étnico-racial desse grupo, e como eles se identificavam. Os dados mostraram que a maioria
das (os) profissionais se identificou como branca (o) (72,14%) e os que se identificavam como
pretas (os) /negras (os) apareciam em seguida somando (20,32%). No entanto, cabe destacar
aqui que o questionário aplicado, foi elaborado através de resposta aberta7, o que permitiu
aparecer nesta pesquisa, mais dez variáveis quanto à autodeclaração da pertença étnico-racial.
Em pesquisa mais recente (2013), outro levantamento foi realizado com o mesmo
objetivo, saber o perfil social dos assistentes brasileiros. Dessa vez, a pesquisa foi feita pela
Comissão Organizadora do 14º Congresso Brasileiro de Assistentes sociais (CBAS)8, através
do questionário contido no ato da inscrição dos participantes. O evento aconteceu no período
de 14 a 18 de outubro de 2013 na Cidade de Águas de Lindóia, em São Paulo. Nessa
pesquisa, também foi incluído o quesito cor, o que não aconteceu na pesquisa anterior. Sendo
assim, do total de 3.261 inscritos, no que se refere ao pertencimento de cor/raça/etnia, 57 se
autodeclararam amarelas, 1.220 brancas, 8 indígenas, 855 pardas, 301 pretas e 820 não
informaram9. Portanto, considerando a soma de pretos e pardos, 47,3% dos (as) assistentes
sociais que participaram do 14º CBAS e responderam ao questionário eram negros (as).
Em comparação a pesquisa realizada há pouco mais de dez anos pelo CFESS,
observamos que o número de assistentes sociais que se autodeclararam negros (as) aumentou
significativamente, (dado este já identificado por Silva Filho em 2004). Entretanto, mesmo
que um número bastante expressivo não tenha respondido ao questionário quanto ao quesito
cor/raça/etnia, é possível observar a tal mudança. De toda forma, assim como já vimos
demonstrado nesse estudo, os dados acima também nos apontam a urgência de problematizar
o tema da questão étnico-racial não só durante a formação profissional, mas também em todas
as esferas dessa profissão, sobretudo, no que se refere à produção de conhecimento desta
categoria.
7
Conforme destacado em CFESS, 2005. p. 21.
8
Este evento é realizado a cada quatro anos, pelo Conselho Federal de Serviço Social e pelo Conselho Regional
de Serviço Social (CFESS e CRESS) e ainda, pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
(ABEPSS) e pela Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO).
9
C.f. Rocha (2014).
22
Neste sentido, Rocha (2009) afirma que, analisar a inserção da temática étnico-racial
no processo de formação profissional de serviço social, bem como sua relevância para a
consolidação do Projeto Ético-Político da profissão, configura-se como um grande desafio,
tendo em vista que existem alguns entraves que acabam por dificultar a realização de debates
ressaltando a importância dessa realidade. Entre outros motivos, alguns entraves se dão pela
baixa produção teórica acerca desses temas e, também, pela pouca apropriação da categoria
pela discussão das temáticas de cor/raça/etnia. Ou seja, a discussão sobre a temática étnico-
racial sempre foi secundarizada por essa categoria profissional e não é percebida como
importante variável para uma análise crítica das relações sociais sob a perspectiva da
totalidade.
Quanto à baixa produção de conhecimento no que tange a temática étnico-racial,
Ferreira (2010) aponta que até junho de 2010, a revista Serviço Social e Sociedade (uma das
revistas mais importante em publicações teóricas acerca do serviço social brasileiro), desde o
seu início em 1939, já havia publicado 102 exemplares, e apenas em três deles foram
publicados artigos referente à temática étnico-racial.
As publicações estão nas revistas de número 79, com o artigo de Matilde Ribeiro
denominado de “As abordagens étnico-raciais no Serviço Social”, publicado em 2004, e que
discorria sobre a militância de assistentes sociais dentro dos “movimentos negros” da década
de 1980; ainda o número 81, “A questão racial na Assistência Social: um debate emergente”
de Sarita Amaro do ano de 2005, abordando políticas de ação afirmativa; e por fim a de
número 99 “A questão étnico-racial no processo de formação em Serviço Social”, de Roseli
da Fonseca Rocha, publicado em 2009. (p. 11)
Cabe ressaltar, que no ano de 2014, foi lançado um exemplar especial da Revista
Libertas10, contendo somente artigos de intelectuais negros (as) orgânicos (as) do serviço
social, que debruçam suas análises no estudo da questão étnico-racial e o serviço social. Essa
revista, também se configura como uma importante fonte teórica com relativo destaque entre
os profissionais de serviço social brasileiro. Porém, destacamos que essa revista foi a pioneira
em trazer um debate franco e aberto sobre as temáticas supracitadas, feito que nenhuma outra
produção teórica desta categoria se aventurou em realizar.

10
A edição especial da Revista Libertas, ocorreu em homenagem à Franciane Cardoso de Menezes, doutoranda
do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da UFRJ, que faleceu em 2012.
23
A análise feita por Iamamoto (2008), quanto ao conteúdo dos eixos temáticos dos
programas de pós-graduação elaborados até 2007, conclui que nesses programas os temas que
se destacam, referem-se a: “cultura, identidades e subjetividades dos sujeitos”; “família,
relações de gênero e geração”; “formação profissional, fundamentos e trabalho do assistente
social”; etc. Ou seja, podemos afirmar que embora todos os temas mencionados tenham
interfaces com a temática étnico-racial, poucas são as produções que se debruçam sobre este
assunto, silenciando assim um importante indicador social que caracteriza este grupo
profissional. (FERREIRA, apud IAMAMOTO, 2008, p. 458-464).
Desta forma, existem novas exigências colocadas ao serviço social brasileiro
contemporâneo que se apresentam como “preocupações emergentes no âmbito do serviço
social, exigindo novas respostas profissionais”, (IAMAMOTO, 2009). Nota-se, ainda, uma
nova feição acadêmica profissional e social voltada à defesa do trabalho e dos trabalhadores,
do compromisso com a afirmação da democracia, da liberdade, da igualdade e da justiça
social no terreno da história, onde não cabe mais negligenciar determinadas discussões. (p.4)
No entanto, é sabido que na sociedade brasileira, há poucos espaços que se colocam
como arena de debate acerca da temática étnico-racial. Isto não é um problema que se
manifesta só entre a categoria profissional dos assistentes sociais. Porém, está preconizado no
Código de Ética Profissional (1993), o compromisso na busca pela equidade e justiça social,
pois, sem igualdade não há justiça. Portanto, em face desse posicionamento, torna-se
necessário que tal categoria se aproprie de discussões que a façam exercer o seu compromisso
ético e político.
O fato é que a discriminação racial é histórica no Brasil. Não há como negá-la e nem
afirmar que as marcas da sociedade escravista estejam superadas ou ficaram no passado.
Basta olhar os indicadores sociais, para percebermos que a sociedade brasileira ainda padece
dos impactos da escravidão colonial. Por isso, analisá-la com vistas a enfrentá-la, não deve
mais ser ação de menor importância.
Assim, nessa direção, compreendemos que a luta pela afirmação dos direitos de
cidadania, e o reconhecimento das efetivas necessidades e interesses dos sujeitos sociais –
bem como das suas especificidades – deve ser objeto de ação imediata. Dessa forma, ao eleger
os temas que urgem no debate sobre o “serviço social na cena contemporânea” (Iamamoto,
2009), essa categoria busca não só responder às reais demandas do fazer profissional, como

24
também em responder as lacunas existentes entre a categoria e os usuários. Estes são,
portanto, elementos fundamentais que contribuem para o processo de acumulação de forças
que seguem em direção à outra forma de vida e de desenvolvimento social, inclusiva a todos
os indivíduos.
Há que se refletir também, em como as subjetividades se deparam com
impossibilidades forjadas com intuito de impedir o reconhecimento e a percepção dos
indivíduos como sujeitos históricos, bem como das densas determinações (étnico-raciais,
regionais, culturais, rurais e urbanas) que os constituem. Portanto, compreender que estes são
partícipes de um movimento dialético que permite tanto a transformação de si, quanto das
estruturas sociais as quais pertençam, quer seja por participação individual ou através de uma
organização coletiva, é fundamental para se construir estratégias reais e eficazes na luta contra
a exploração dos indivíduos.
Embora com avanços e mudanças significativas no comportamento social e político da
sociedade brasileira, é possível perceber que as assimetrias sociais e raciais ainda resistem,
pois o grupo dominante insiste em alargar as fronteiras das desigualdades, fazendo com que as
diferenças econômicas, sociais, culturais, raciais e outras, tornem-se quase que palpáveis.
Diante disso, observa-se que:

[...] a escala e a radicalidade da questão racial no Brasil podem ser consideradas


condições fundamentais não só da luta pela eliminação do preconceito racial, mas
também da transformação da sociedade brasileira como um todo e,
fundamentalmente, da verdadeira construção de uma sociedade nacional, articulada,
viva, em movimento, que a sociedade civil e o Estado desenvolvam-se de forma
articulada e fluente e que a “população” se transfigure em “povo”, no sentido de que
o povo se constitui quando se compõe de “cidadãos”, de pessoas situadas e
integradas, participantes e ativas, em todas as esferas da sociedade, públicas e
privadas [...] (IANNI, 2005, p. 11).

São nessas estruturas que se definem os lugares dos indivíduos, em relações sociais
pautadas pelas relações de produção, e pela estrutura classista e racista que rege esta
sociedade. Neste sentido, a luta pela sobrevivência se dá através de estruturas de poder e de
organização em prol da manutenção dos privilégios. Nisto, residem as “determinações
básicas das relações de integração e antagonismo raciais” (IANNI, 1978, p. 124).
25
Silva e Hasenbalg (1992), afirmam que o vínculo entre raça e classe se dá quando a
raça funciona como mecanismo de seleção social, determinando o lugar onde cada sujeito
deve ocupar. Assim, a condição étnico-racial funciona dentro da lógica capitalista,
principalmente, como um critério de seleção para a projeção social. Portanto, nessa lógica, o
sistema capitalista se sustenta a partir da relação de exploração de classe e, por sua vez, essa
exploração se expressa através de múltiplas formas de dominação, dentre elas as de gênero,
raça e etnia, pois por detrás dos preconceitos, se encontram também fatores econômicos, nos
quais se escoram aqueles que querem explorar a força de trabalho a quem imputaram algum
tipo de inferioridade.
Dessa forma, embora com a apresentação de pesquisas quantitativas e qualitativas 11,
estudos sérios e comprometidos na busca pelo entendimento de como se estrutura a discussão
racial na sociedade brasileira, surge uma dúvida. Qual seria, pois, a intenção por detrás do
silenciamento em se discutir a temática étnico-racial por essa categoria? Por que durante a sua
atuação, o profissional de serviço social tem dificuldades em perguntar a cor/raça ou a
pertença étnica da população atendida? Ou ainda, por que o próprio profissional de serviço
social tem dificuldades em se autodeclarar? São questões como essas que expressam a
relevância deste estudo.
A ausência desse debate e da falta de conhecimento desses dados nos instrumentos de
informação do assistente social resulta em uma invisibilidade racial, e a esta prática,
interpretamos como uma posição política de negação. Afirmamos, pois, que seja numa
sociedade de exploração capitalista ou em qualquer outra ordem social, se o racismo não for
alvo de enfrentamento e combate, certamente as desigualdades raciais marcarão as relações
sociais. Neste sentido, estamos de acordo que:

O discurso competente é crítico quando vai à raiz e desvenda a trama submersa dos
conhecimentos que explica as estratégias de ação. Essa crítica não é apenas mera
recusa ou mera denúncia do instituído, do dado. Supõe um diálogo íntimo com as
fontes inspiradoras do conhecimento e com os pontos de vista das classes por meio
dos quais são construídos os discursos: suas bases históricas, a maneira de pensar e
interpretar a vida social das classes (ou segmentos de classe), que apresentam esse

11
Cf. Paixão (2009-2010) e IPEA e DIEESE.
26
discurso como dotado de universalidade, identificando novas lacunas e omissões.
(IAMAMOTO, 2009. p. 2).

A partir da reflexão traçada até aqui, buscamos um diálogo crítico acerca de temas que
são urgentes e caros para nós. Deve-se compreender que é pela história da sociedade e das
relações sociais, que se constroem ações propositivas e objetivas com vistas a enfrentar a
herança racista, patriarcal e do pensamento eurocêntrico, e, portanto, colonizador. Todavia,
nos perguntamos por que não o fazer, também, no interior dessa profissão que há muito
executa suas ações pautadas por um projeto político profissional, direcionado à classe
trabalhadora e onde se concentra um enorme grupo social, representado por mulheres, negros,
gays, lésbicas, trans, indígenas, pobres, etc.
Questionar a quem interessa o silêncio sobre a temática étnico-racial nessa categoria
profissional, não se configura como tarefa fácil; é necessário pautá-la, para que esses e outros
temas não sejam secundarizados e/ou omitidos. Há que se criar espaços críticos, em que seja
produzido conhecimentos reais sobre a história das relações raciais, e dos impactos dessa
manifestação para a vida dos usuários negros (as), e também do profissional que assim se
reconheça, pois compreendemos que:

[...] um profissional culturalmente versado e politicamente atento ao tempo


histórico; atento para decifrar o não-dito, os dilemas implícitos no ordenamento
epidérmico do discurso autorizado pelo poder [...] capazes de elaborar estratégias de
ação estabelecidos a partir da elucidação das tendências presentes no movimento da
própria realidade, decifrando suas manifestações particulares no campo sobre o qual
incide a ação profissional. (IAMAMOTO, 2009. p. 3).

Não estamos aqui buscando uma ação utópica ou messiânica. Porém, almejamos sim
uma atuação profissional que entenda os indivíduos como sujeitos históricos, e compreendida
em suas especificidades e seus múltiplos determinantes. Que a atuação profissional seja
inspirada em uma visão capaz de desnaturalizar o que se apresenta como real, e caminhe na
perspectiva revolucionária de uma ação totalizante e não fragmentada. Sem fatalismos ou

27
ações individuais, particularizadas e focalizadas, mas com possibilidades concretas de
enfrentamento das desigualdades e assimetrias impostas pela ordem capitalista.
Concordamos com Lopes (2014), na afirmação de que “a escolha de um método de
investigação não acontece arbitrariamente, nenhuma escolha da vida é feita dessa maneira”
(p. 4). Há, por detrás das escolhas, motivos que encorajam as nossas decisões sobre aquilo que
vamos nos debruçar em análise. E embora os motivos se apresentem de forma sutil e tímida, é
correto afirmar, que são carregados de sentidos e significados, pois, exprimem a nossa visão
de como estabelecemos relações com o mundo e com as pessoas que nos cercam.
Neste sentido, as escolhas que fiz até aqui, são escolhas que partem de inquietações
causadas, sobretudo, por esse processo de dominação e estratificação de como são definidos o
lugar de cada um dentro dessa sociedade. De certa forma, o meu lugar também já estava
definido.
Eu, mulher negra, nordestina, pobre e periférica, empregada doméstica e alfabetizada
já na fase adulta. Por muito tempo, fui levada pela certeza de que não poderia ocupar outro
lugar além daquele que fora pré-estabelecido. As ideologias colonizadoras me fizeram
acreditar que o meu lugar era o lugar da não escolha, da fala silenciada e do corpo racializado
e eu, assim como tantas outras mulheres negras, deveria assumir a condição da subserviência
e da superexploração, não só da minha força de trabalho, mas também das escolhas que não
me foram autorizadas a fazer.
Entre as dimensões mais relevantes de análise neste estudo, destaco uma temática
dentro do meu universo de pertencimento. Completo de simbolismo, que compõe parte do
imaginário social, da realidade dura e concreta, e do cotidiano plenamente conhecido pela
nossa vivência. Sem a suposta neutralidade acadêmica, coloco-me inteira na tentativa de
expor minha subjetividade, que antes fora tão intensamente refutada. Como diria Lélia
Gonzalez,

A gente tá falando das noções de consciência e de memória. Como consciência, a


gente entende o lugar do desconhecimento, do encobrimento, da alienação, do
esquecimento e até do saber. É por aí que o discurso ideológico se faz presente. Já a
memória, a gente considera como o não-saber que conhece, esse lugar de inscrições
que restituem uma história que não foi escrita, o lugar da emergência da verdade,
dessa verdade que se estrutura como ficção. Consciência exclui o que memória

28
inclui. Daí, na medida em que é o lugar da rejeição, a consciência se expressa como
discurso dominante (ou efeitos desse discurso) numa dada cultura, ocultando
memória, mediante a imposição do que ela, consciência, afirma como a verdade.
Mas a memória tem suas astúcias, seu jogo de cintura: por isso, ela fala através das
mancadas do discurso da consciência. O que a gente vai tentar, é sacar esse jogo aí,
das duas, também chamado de dialética. E, no que se refere à gente, à crioulada, a
gente saca que a consciência faz tudo pra nossa história ser esquecida, tirada de
cena. E apela pra tudo nesse sentido. Só que isso tá aí... e fala. (GONZALEZ, 1979.
p.p. 226 -227).

Assim, nesse jogo dialético, ouso recorrer ao uso da consciência e memória,


expressando-me no plural. Com a nítida certeza de que os ensinamentos que possuo resultam
do caminho percorrido por homens e mulheres negras que vieram antes de mim, bem como,
dessa fonte inesgotável e perene, busco saciar minha sede por conhecimento e justiça social.
Sou fruto de uma luta coletiva, um caminho longo que meus antecessores vêm percorrendo, e
embora com tantas vitórias, tenho também a certeza que essa é uma luta longe do fim. É, pois,
a partir desse pertencimento e conhecimento que minhas reflexões se fortalecem, escolho
como trincheira, a luta coletiva, pois sei que somente por essa via é possível combater o
capitalismo e seus matizes, bem como ao racismo e suas estratégias.
Desta forma, a despeito das dificuldades metodológicas oriundas da necessidade de
afastamento do objeto, quando existe uma proximidade inerente à temática envolvida,
optamos por estudar a temática étnico-racial no que tange à produção de conhecimento na
pós-graduação do serviço social brasileiro, pois acreditamos que a paixão também deve mover
a pesquisa, dando-lhe força para ser instrumento de fortalecimento de discussões e análises
que objetivam mudanças.

29
1.2 A relevância do tema para o serviço social

O interesse pelo tema já apresentado, parte da necessidade em aprofundar o


conhecimento a respeito do significado social, político, cultural e econômico das relações
raciais no Brasil. Tomando por base a análise dos programas e ementas das disciplinas dos
cursos de pós-graduação, de mestrado e doutorado em serviço social, dos quatro principais
programas de três universidades públicas e uma privada da Cidade do Rio de Janeiro. São
elas: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Universidade Federal Fluminense
(UFF); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC/RJ). A escolha dessas universidades deu-se pelo fato de que somente
estas oferecem os cursos de mestrado e doutorado na área do serviço social.
Discorremos sobre as representações da produção de conhecimento no que tange a
discussão das relações raciais nesses programas de pós-graduação das universidades
supracitadas, com o objetivo de discutir esse tema sob a perspectiva da articulação entre teoria
e prática, pesquisa acadêmica e outras dimensões que perpassam a dinâmica da vida social
contemporânea.
Dessa forma, levamos em consideração alguns elementos norteadores que oferecem
base e justificam a importância do presente tema para o serviço social, tendo em vista o
caráter prático-interventivo da profissão que busca a efetivação dos direitos de cidadania dos
usuários, bem como do imaginário social e político que envolve a temática racial, além de
outros assuntos que se interseccionam com ela como o gênero, a sexualidade e a classe.
Esperamos com esta proposta de estudo, apontar os limites e avanços obtidos pela
categoria quanto à consolidação e concretização de projetos que vão de encontro ao
enfrentamento das desigualdades aqui apontadas. Além de realizar o que Netto (1996) propõe,
ao dizer que “ao profissional de serviço social, cabe converter as possibilidades em
realidade”, de forma que elas possam atuar na contra-hegemonia daquilo que está posto, bem
como elaborar e desenvolver respostas e ações qualificadas que atendam as demandas trazidas
pelos usuários, quer sejam explícitas ou implícitas.

30
1.3 Sobre a estrutura do trabalho

Trata-se de uma pesquisa documental, demarcada do período que vai do início de


201212 ao segundo semestre de 2015. O primeiro capítulo deste trabalho foi desenvolvido a
partir da análise histórica das relações raciais no Brasil, do racismo como legado da
escravidão moderna, bem como da sua funcionalidade para o “sistema sócio-metabólico do
capital”. Como ressalta (MÉSZÁROS, 2008), “é desnecessário dizer que as raízes desses
problemas têm um alcance mais profundo do que dos debates ideológicos do passado recente
poderia sugerir. Devemos recuar bem mais no tempo...”. Se quisermos compreender a
funcionalidade do racismo para a estrutura de exploração capitalista existente no Brasil, é
preciso, antes de tudo, questionar por que o racismo ainda vigora de forma tão eficaz nessa
sociedade. (p.19) A quem este fenômeno beneficia? É possível a construção de outra forma de
sociabilidade, onde não haja exploração do homem pelo homem e onde o ser social seja mais
do que sua força de trabalho? São questões como estas que pretendemos discutir na primeira
parte deste estudo.
No segundo capítulo, apresentamos a discussão sobre o estado de exceção e de como
os Estados que se intitulam de Estados democráticos, acabam por desenvolver suas práticas
democráticas de forma autoritária, operando a partir do Estado de exceção, da barbárie e da
execução daqueles que os intitularam indesejáveis (AGAMBEN, 2004).
Dessa forma, objetivamos nesse segundo capítulo, trazer uma reflexão, ainda que
breve, sobre a subproletarização da população negra brasileira, que se expressa como
resultado do estado de exceção iniciado ainda no processo da escravidão moderna. E que,
embora tenha passando pela abolição, apenas se solidifica (mesmo que perifericamente) nas
relações capitalistas dos dias atuais. Para isso, apresento um breve estudo das ideologias
raciais, como por exemplo, o racismo científico, a teoria do branqueamento e o mito da
democracia racial e as discussões acerca das discussões contemporâneas entre a relação de
classe e raça.
Por fim, o terceiro capítulo desse trabalho, tratou de resgatar o processo histórico
sobre o início do curso de serviço social, sua relação com a educação superior e sobre a
12
Tomamos por base o ano de 2012 como demarcador de nossa análise, pois, foi o ano em que o Supremo
Federal Tribunal votou por unanimidade a Constitucionalidade das Ações Afirmativas no ensino superior
brasileiro. Por hora salientamos que mais adiante retomaremos essa discussão de forma mais aprofundada.
31
instauração dos cursos de pós-graduação, com ênfase na de serviço social, e ainda ressaltar
algumas das particularidades que a permeiam. Nesse sentido, observa-se que:

[...] o rompimento com a postura positivista de separação entre o pensar e o agir, que
durante décadas manteve os assistentes sociais como meros sujeitos da intervenção
profissional e consumidores de teorias elaboradas por outras disciplinas
profissionais. Nesse sentido, o Serviço Social passa a ser considerado, tanto na
CAPES como no CNPq, área de conhecimento, situada no âmbito das Ciências
Sociais Aplicadas, tendo constituído critérios próprios de avaliação de projetos de
pesquisas e de programas de pós-graduação, o que situa o Serviço Social brasileiro
na dinâmica do fomento à pesquisa e à pós-graduação no país. (SILVA E
CARVALHO, 2007. p. 5).

Nosso objetivo, também consiste em evidenciar a contribuição e o significado dos


programas de pós-graduação para a formação profissional, e para a construção do
conhecimento no âmbito do serviço social brasileiro, bem como a lógica que ampara e norteia
a sua existência.
A realização de processos de investigativos sobre as condições de vida e trabalho da
população; sobre os processos institucionais que asseguram sua reprodução. Sobre a
formulação de estratégias na esfera privada que ampliem o campo de proteção social
para além da família e do trabalho; sobre o alcance e as formas de estruturação dos
serviços e programas sociais são indispensáveis para a compreensão dos
mecanismos institucionalizados de reprodução das práticas de dominação social que
produzem os consentimentos passivos. (GUERRA, 2013. p. 110).

A partir dessa reflexão, podemos compreender que um dos elementos fundamentais


que norteia as ações do profissional de serviço social, consiste na produção de pesquisas. A
pesquisa atravessa a totalidade dessa profissão, uma vez que são os indicadores sociais que
inspiram a busca pelo conhecimento e desnaturalização da realidade que se apresenta. Nisto,
os indicadores devem servir para além da medição do índice de desigualdade social, como
também devem ser incorporados como instrumentos de percepção e avaliação de onde se

32
pretende intervir. Ou seja, o caráter formativo da pesquisa, para além de investigativo, é
também interventivo.
Essencial para a realização desse estudo é compreender a quem interessa a produção
do conhecimento nessa sociedade. Uma vez que essa sociedade é marcada por relações de
poder e pela produção de desigualdades em larga escala. Perguntamos-nos se de fato o
conhecimento produzido nos cursos de pós-graduação em serviço social atende ao objetivo
pelo qual ela foi criada? Para que, para quem e como este conhecimento é utilizado? Como os
sujeitos que o produzem empregam este conhecimento? O formato que rege as pós-
graduações é o modelo que queremos? Essas são algumas das inquietações que nos movem na
realização deste estudo.
A fase final desse estudo apresenta como se deu a construção do objeto analisado, e os
procedimentos metodológicos realizados para a concretização deste estudo. Também, como se
deu a análise dos programas de pós-graduação (mestrado e doutorado) em serviço social das
quatro universidades estudadas na cidade do Rio de Janeiro (UERJ; UFRJ; UFF e PUC/RJ),
além da bibliografia utilizada que embasou a reflexão teórica, uma vez que partimos da
compreensão de que é nesse campo que a produção e a socialização do conhecimento se
desenvolvem, e onde a maturidade da pesquisa acadêmica se expressa.

1.4 - Passos metodológicos

Para a realização deste estudo fizemos pesquisa bibliográfica e de campo. Leitura


crítica das obras citadas ao longo da problematização, e outras referentes a temas como
sistema capitalista, serviço social, pós-graduação, política pública, cidadania, democracia,
questão étnico-racial, etc. Esboçamos uma análise do tema proposto a partir das categorias
crítico-dialético presentes na teoria social marxista, o que abrange tanto a obra marxiana
quanto sua posterior interpretação presente no marxismo.
Também nos preocupamos em analisar as linhas de pesquisas dos cursos de mestrado
e doutorado das pós-graduações em serviço social, de três universidades públicas e uma
privada, da cidade do Rio de Janeiro, a partir de 2012. A pesquisa contou ainda com a análise
das disciplinas e ementas oferecidas por cada curso, objetivando não só encontrar a discussão
da temática racial, bem como atestar o cumprimento das determinações preconizadas tanto no
33
Código de Ética Profissional (1993), das Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996) e ainda
da Resolução 01/2004 do Conselho Nacional de Educação13. Dessa forma, a partir de nossa
pesquisa, apresentamos o resultado dos dados analisados.
Se por um lado a história tem seus filtros, e as falas podem ser distorcidas pelo
contexto, podemos dizer que tais riscos se apresentam em qualquer objeto de pesquisa.
Portanto, as questões chaves serão tomadas como indicadores e trabalhadas em conjunto na
análise final. Assim, a realização desse trabalho, está para além de responder questionamentos
pessoais ou o cumprimento do dever a fim de obter um título. Todavia, sua elaboração cumpre
o papel de denunciar o silenciamento de temas que são caros e urgentes para a sociedade.
Dessa forma, reafirmamos que antes, esse trabalho assume um posicionamento político de se
somar a outros parcos estudos que buscam tirar da clandestinidade, a discussão das relações
raciais nas pós-graduações de serviço social. Pretende-se ainda, devolver este estudo em
apresentação nos fóruns da categoria, seminários, congressos, eventos acadêmicos e outros
espaços de reflexão.
A abordagem utilizada parte de uma pesquisa qualitativa, na medida em que o texto
analisa a qualidade político-social e cultural do fenômeno do racismo e das relações sociais
estruturadas pelo sistema capitalista vigente, bem como a ausência desse tema na produção de
conhecimento. Cabe ressaltar que a metodologia se constrói durante a própria pesquisa, ou
seja, parte de uma intencionalidade, a qual envolve uma opção teórica e política; porém, é
passível de modificações conforme as necessidades expostas no evolver da pesquisa. Portanto,
não se pretende esgotar aqui a pesquisa apresentada, mas, afirmamos que esta se encontra flexível
às contradições da realidade a ser estudada, num processo dialético em que o instrumento que
determina a intervenção é, por sua vez, determinado pela realidade a que se propõe intervir.
Nesse sentido, o que se pretendeu com esse estudo, foi antes de tudo, estabelecer um diálogo
permanente entre sujeitos, conceitos e análises que se articulam com o objeto analisado.

13
No desenvolvimento do capítulo III, apresentamos com mais detalhes essa resolução, bem como a sua
importância para a realização desse trabalho.
34
DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E PÓS-ABOLIÇÃO NO
BRASIL: o racismo como legado dessa combinação

“Nosso orgulho é ter sobrevivido a despeito do que nos foi


imposto; nosso orgulho é possuir o que nunca nos foi dado.”

Jurema Werneck

Ao analisarmos o processo histórico de constituição da sociedade brasileira, a


conclusão que chegamos, é que não há nada do qual podemos nos orgulhar, pois, o que temos
de herança, [...] é o resultado da história de um país retardatário, recheada de atrocidades
cruéis contra as camadas populares, a começar contra os índios e negros na colonização, e
se perpetuando contra os seus descendentes e os imigrantes pobres [...] (MENEGAT, 2008.
p. 6).
Violência, privação de liberdade e forte regime de castigos físicos, trabalhos
exaustivos, humilhações de toda a espécie, alimentação precária, etc. Assim, a população
negra escravizada era condicionada a sobreviver em senzalas tão insalubres quanto os porões
dos navios que os traziam ao Brasil. Aqueles que no continente africano gozavam de vida e
liberdade, tornam-se escravizados – e os principais responsáveis pela produção de riqueza e
desenvolvimento da colônia portuguesa.
O modo de produção escravista teve seu início no começo do século XVI e perdurou
até o final do século XIX. O tráfico de africanos teve um índice elevado, sendo este, o país
que mais recebeu pessoas condicionadas à prática da escravidão moderna. Foi assim que a
África se tornou um vasto mercado do tráfico negreiro, e sob as bênçãos da Igreja Católica, tal
prática era legitimada. Adotando nítida postura política, justificavam suas ações com a
difusão do pensamento de que os negros (as) não tinham alma. Nisto,

[...] o papel exercido pela igreja católica tem sido de principal ideólogo e pedra
angular para a instituição da escravidão em toda a sua brutalidade. O papel ativo
pelos missionários cristãos na colonização da África não se satisfez com a conversão
dos “infiéis”, mas prosseguiu efetivo e entusiástico, dando apoio até mesmo a
crueldade, ao terror desumano do tráfico negreiro. [...] o cristianismo, em qualquer
35
de suas fórmulas, não constituiu outra coisa que aceitação, justificação e elogio da
instituição escravocrata, com toda a sua inerente brutalidade e desumanização dos
africanos. (NASCIMENTO, 2002, p. 92 - 93)

Esta reflexão nos permite compreender como a instituição católica cristã autenticava a
crueldade das práticas racistas e escravocratas. O tráfico negreiro alimentava o mercado
capitalista e se fortalecia, justificando-se como um favor aos “povos primitivos”, pois
socializava-os para que se tornassem aptos a receber uma alma cristã que os fariam alcançar a
evolução. Da escravidão, nasce o racismo, todavia, é na pós-escravidão que ele se firma como
discurso.
O colonialismo, que não matizou os seus esforços, não deixou de afirmar que o
negro é um selvagem [...]. Para o colonialismo, esse vasto continente era um antro
de selvagens, uma região infestada de supertições e fanatismo, digna de desprezo,
carregada de maldições divinas, lugar de antropófagos, lugar de negros [...].
(FANON, 2008, p. 245)

O final do século XIX foi marcado por muitas transformações ocorridas no Brasil. Em
meio a questionamentos sobre a real necessidade da Monarquia e a “falência” da escravidão, a
sociedade brasileira enfrentava um árduo processo de transição. Com a eminência da abolição
do período escravagista e a Proclamação de República, o Estado brasileiro se redesenha, para
responder, à sua maneira, às novas demandas surgidas com o fim do trabalho escravo, a
transição para o trabalho assalariado e a modernização do país14.
Com o capitalismo entrando na “fase dos monopólios”, algumas exigências são
colocadas para atingir o objetivo do novo padrão de acumulação. A competição entre os
mercados nos países desenvolvidos impõe a necessidade de procurar e criar novos polos
consumidores para além daqueles que já existiam, pois, assim, a produção industrial não
excedia a demanda e também não provocava recessões econômicas.
As colônias europeias, vistas até então como fornecedores de matéria prima, passaram
ao status de mercados consumidores em potencial. No entanto, foram necessários alguns
ajustes estruturais, como por exemplo, a abolição da escravidão nos países que ainda eram

14
C.f. IANNI, 2004.

36
colonizados. Fernandes (1974), aponta que era preciso, ainda, romper com o estatuto colonial
e criar condições para a expansão da burguesia, bem como valorizar socialmente o
crescimento do comércio (p.18).
Fernandes salienta que aquilo se desenvolveu no Brasil, foi um processo de
recomposição das estruturas de poder entre a oligarquia e a burguesia emergente, através da
conciliação dos interesses dessas duas classes. Observa-se que a velha oligarquia colonial,
ligada ao mercado mundial pela Metrópole, não representava uma burguesia pura, mas um
misto entre o “senhor de terras e o produtor de mercadorias”, como na produção açucareira.
Por outro lado, a lavoura cafeeira já possuía fortes vínculos com o capital comercial nacional,
com o surgimento do Oeste Paulista, passou a ser a formação burguesa por excelência no
Brasil. No entanto, a crise da sociedade colonial e sua inserção na ordem capitalista criaram
condições propícias para o seu desenvolvimento.
A associação entre o modelo burguês de dominação e os procedimentos autocráticos e
conservadores da oligarquia, tornou o Estado brasileiro numa instituição avessa à participação
“democrática” da população. No entanto, a eminência de mais uma crise, impôs que fossem
desenvolvidas algumas estratégias de controle, a fim de garantir que o “tão sonhado
progresso” não fosse prejudicado. O objetivo era incutir na população brasileira a ideia de
uma nacionalidade diretamente identificada com a sua pátria, em aparências não só
geográficas, como também a partir de uma “ética nacional”. (AZEVEDO, 1987, p.p 59-60).
Porém, dada à diversidade racial, bem como a estratificação e desigualdade social da
população brasileira, resultante do período de escravidão, desenvolver em seus cidadãos a
ideia de povo brasileiro e do Brasil como Estado-nação, não configurou como uma simples
tarefa. Havia, pois, o desejo de superar os séculos de atraso deste imenso país e fazê-lo
caminhar em direção aos países “desenvolvidos”, como os países da Europa e da América do
Norte.
Paixão (2013), ressalta que analisar o caráter da formação de um povo, é e sempre foi
essencial para qualquer Estado, sobretudo, para os Estados formados a partir do século XIX,
seja na Europa ou na América Latina. Segundo o autor, a ideia da formação nacional,
aconteceu mesclada com as ideologias que emolduravam os projetos de modernização destas
nações, diferenciado-as entre nações civilizáveis e não civilizáveis, ou ainda, nação dos
domináveis e não domináveis, como pressupunha a “lógica da razão imperialista”. Neste

37
sentido, o autor reafirma que o tema sobre a formação da nacionalidade brasileira vai além da
curiosidade etnográfica e associa-se com as estratégias desenvolvidas pelas elites daqui,
dando sentido à constituição de uma nação industrializada, e, portanto, “portadora de
instituições políticas tipicamente ocidentais”.

O que estava em jogo, evidentemente, era a caracterização do Brasil enquanto país


civilizado, ou pelo menos, como um país capaz de superar o atraso e as contradições
para alcançar um lugar ao lado das luminosas civilizações do hemisfério norte.
Intrinsecamente amarrada aos problemas do índio e da escravidão, a perspectiva de
se atingir tal estado dependia, em última instância, da incorporação ou eliminação (e
substituição, no caso dos escravos) destes elementos. No entanto, pelo menos
enquanto ainda vigorava a escravidão, o debate em torno das ideias de “raça” e
“civilização” fixava-se prioritariamente no índio. (MONTEIRO, 1996. p. 18).

Um desafio estava posto para as elites brasileiras, transformar o Brasil em um país


civilizado. No entanto, as dificuldades consistiam em desenvolver a democratização social da
sociedade brasileira, em acordo com o desenvolvimento econômico e os projetos de
modernização. Dessa forma, como medida para responder aos desafios propostos, coube aos
intelectuais da época, que fizessem uma interpretação do país. Assim, foram apresentadas
algumas teorias interpretativas sobre a composição nacional.

As teses raciais passaram a permear esta discussão, colocando em causa a


potencialidade não apenas do índio, como também dos mestiços, dos descendentes
de escravos e dos próprios escravos, diante da propalada superioridade de imigrantes
brancos. Tais questões alimentavam uma parcela significativa do pensamento social
brasileiro no caso do Império e no início da República, e ocupavam, nesse mesmo
período, a agenda dos cientistas então abrigados nos museus de história natural e nas
academias de medicina15.

Assim, com uma forte influência do pensamento determinista europeu, os intelectuais


do pensamento social brasileiro do primeiro período republicano, foram impulsionados na

15
MONTEIRO, op. cit. p. 17.
38
construção das suas teorias sobre raça. Intelectuais como Agassis, Buck, Gabineau, Perdigão
Malheiros, Nina Rodrigues e Silvio Romero, entre outros, ajudaram a construir um imaginário
que conferia os elementos da identidade nacional. Com orientações diversas e ideais
positivistas, surgem os primeiros estudos conhecidos como darwinismo social, que versava
sobre a composição biológica dos indivíduos, e teorias como o evolucionismo das espécies, o
determinismo biológico e as ideias sobre criminologia 16. (SKIDMORE, 1976).
Dessa forma, o debate sobre a formação da identidade nacional, ocupou por muito
tempo o lugar privilegiado de discussão na agenda brasileira. Neste sentido, chegou-se a
conclusão de que este país não se constituía como nação, bem como, de que o povo brasileiro
não trazia consigo o sentimento da tão sonhada nacionalidade. Além disso, outros elementos
foram surgindo, como a ideia de doença e, ainda, o abandono que viviam a população nas
regiões do interior do país.
À medida que a imagem do “Brasil Real” se desenvolvia pelas lentes dos cientistas, as
características que marcavam o povo brasileiro, também se tornavam visíveis. O conteúdo que
dava sentido a palavra raça, aparecia de forma muito dúbia nesses estudos. No entanto, alguns
desses intelectuais, teciam verdadeiras críticas acerca da ideia fatalista sobre a inviabilidade
do Brasil se tornar de fato uma nação e do seu povo adquirir assim, uma identidade nacional.
Assim, Manoel Bonfim, Alberto Torres e Silvio Romero, podem ser descritos como
os intelectuais que já no início do século XX, desenvolveram seus estudos sobre as dimensões
culturais do passado nacional, bem como da organização da sociedade, na tentativa de
construir a partir do ponto de vista da realidade brasileira, teorias de cunho mais nacionalista.
E embora não tenham fugido a regra da superioridade racial, apontavam outros caminhos para
o país, sobretudo, a partir do incentivo à propriedade rural (Alberto Torres) e ainda de um
amplo projeto educacional (Manoel Bonfim). 17
Nesse contexto histórico, que aos poucos surgem às primeiras imagens “positivas” do
Brasil, principalmente através da cultura e da literatura, com as obras de Euclides da Cunha
em Os Sertões e também de Monteiro Lobato, com destaque para o seu “Jeca Tatu”. Aqui,
inicia-se um processo de exaltação do país, evidenciando a natureza, o encontro mágico das

16
Ibid., p. 20-30.
17
C.f. MAIO, 1996.

39
três raças (o índio, o negro e o branco), o ufanismo (sobretudo, a partir da I Guerra Mundial),
e também o surgimento da visão fatalista inspirada na ideia da inferioridade racial.
A partir desse processo de formação da identidade nacional, é que reside o nosso
interesse, em discorrer sobre a criação dos mitos, utopias e teorias desenvolvidas, com o
intuito de incorporar no Brasil o ideário de povo e nação, bem como de encaminhá-lo para o
seu desenvolvimento econômico, político, social e cultural.
Enfim, conforme já pontuamos aqui, nossa preocupação se dá em compreender o papel
que as principais teorias racistas desenvolveram nesse país, bem como analisar as
disparidades resultantes desse processo. Dessa forma, esse trabalho é mais do que uma
constatação de que o que move essa sociedade são sem dúvidas, posições hierárquicas,
assentadas sobre um falso consenso social, que apesar de ter sido criado a partir do período
histórico já mencionado, encontra-se em voga até o tempo presente, e reforçam as
desigualdades e os padrões estigmatizantes existentes aqui.

2.1- Estrangeiros em seu próprio país: entre a rejeição e à superexploração


do povo negro

A propagação das teorias racistas advindas do continente europeu acerca do continente


africano, ganhou relevância também aqui no Brasil. Tais teorias ocupavam-se em disseminar
ideias a respeito da inferioridade biológica dos negros. Logo, estas se espalharam por todo o
país, dando margem para a interpretação do desenvolvimento nacional. Uma das principais
doutrinas racistas do século passado foi o darwinismo social, sua principal argumentação
consistia em que,

A crença na inferioridade genética das raças não brancas e na sua incapacidade de


ascender à civilização foi contrabalanceada por uma crença na seleção natural e
social, que, através da mestiçagem, conduziria a um povo branco (pelo menos na
aparência) num futuro próximo. (SEYFERTH, 1986. p. 54)18.

18
SEYFERTH, et. al. 1996.

40
Dessa forma, esta teoria encarregou-se de explicar através das leis biológicas, a
“determinação da civilização e o progresso humano” resultantes da disputa entre raças, onde
os mais aptos seriam vencedores. Nesse caso, os da raça branca. Essa doutrina também foi
responsável por enfatizar que através dessa competição, num processo de seleção natural, os
negros seriam os primeiros a sucumbir.
Neste sentido, ao discorrer sobre as teorias racistas que marcam o fim do século XIX e
o início do século XX, bem como sobre a inferioridade racial e “primitiva”, seja a partir de
uma perspectiva eugênica ou darwinista, ou mesmo culturalista, falamos necessariamente do
processo de construção e constituição identitária. É nesta direção, que diferentes grupos
instituem e norteiam suas vidas, ou seja, a partir de conceitos e significados diversos que
carregam, atribuindo-lhes suas percepções e práticas. A tentativa de branqueamento se
estende até os anos 30 do século XX, onde, só a partir de então, foi substituído pelo discurso
ideológico da democracia racial.

“[...] a ideia de que existia uma democracia racial no Brasil vem sendo fomentada há
muito tempo. No fundo, ela constitui uma distorção criada no mundo colonial, como
contraparte da inclusão de ‘mestiços’ no núcleo legal das grandes famílias, ou seja,
como reação a mecanismos efetivos de ascensão social do ‘mulato’. O fundamento
pecuniário da escravidão e certos efeitos severamente proscritos, mas,
incontornáveis da miscigenação contribuíram para que se operasse uma espécie de
mobilidade social vertical por infiltração, graças à qual a composição dos estratos
raciais dominantes teve de adquirir certa elasticidade [...]”. (FERNANDES, 1972.
Apud ANDRÉ, 2008, p. 150).

Casa Grande e Senzala, Freyre (2002), desenvolvido na década 30, desempenhou um


papel fundamental na superação do paradigma do racismo científico19 e das teorias

19
O Racismo Científico tem registro desde os primórdios da teoria da evolução humana de Charles Darwin,
quando atestava a existência de raças inferiores e que poderiam ser capazes de evoluírem com o passar dos
tempos. Já o naturalista francês Buffon pensou, ainda no século XVIII, na ideia de degeneração, que seria
amplamente usada em meados do século seguinte para se discutir as misturas raciais, sobretudo no Brasil. Essas
teorias foram amplamente difundidas através do cientificismo na Europa, cujo discurso científico recebeu largo
espaço aqui no Brasil, sobretudo, na passagem do século IX para o século XX.
41
embasadoras da política eugenista20 adotada pelo Brasil, no final do século XIX e início do
século XX. Telles (2003), afirma que Gilberto Freyre populariza a ideia do Brasil como um
país onde todas as raças habitam de forma tranquila, e o convívio entre senhor e escravo
estabelecem relações próximas, onde por meio de trocas e influências mútuas, realizavam a
integração que materializava a democracia racial. O conceito de miscigenação é mais
ressaltado, tornando-se uma característica nacional “positiva” e o símbolo mais importante da
cultura brasileira.
Bento (2002) afirma que Freyre (2002) fornece à elite branca, os argumentos para se
defender e continuar usufruindo dos privilégios raciais. A distância social entre dominantes e
dominados é modificada pelo cruzamento inter-racial. Segundo ele, a distância social
existente entre brancos (as) e negos (as) abranda as contradições existentes e harmoniza as
diferenças e nisto os conflitos se dissipam. Porém, ao postular a conciliação entre as raças e
suavizar o conflito, o autor nega a existência do preconceito e da discriminação,
culpabilizando os “mestiços e negros” pelo insucesso.

Há na temática da miscigenação um aspecto contraditório, pois, ao mesmo tempo


em que seria a salvação do país, porque os negros desapareceriam, também era vista
como elemento que “estragaria o potencial de progresso dos brancos”. No entanto,
foi por meio da miscigenação que se deu a construção do que é divulgado como
“identidade brasileira”. O resultado da miscigenação, para tal ideologia daria para o
negro a esperança, o sonho, à ilusão de que os seus herdeiros, talvez, pudessem ser
incluídos como parte da sociedade, mas, porque “carrega um duplo sentido negativo:
o de denegação de identidade de grupo e o de denegação de uma humanidade
comum”. (ANDRÉ, 2008, p.120 e 121)

Ao discorrer sobre o mito da democracia racial, o autor coloca a complexidade da


questão racial em debate. Para a população negra, as habilidades em lidar com estas questões,
vão para além da aparência, visto que, os espaços de poder são extremamente racializados,
enquanto a população negra continua estrangeira dentro do seu próprio país.
20
A palavra eugenia refere-se ao estudo das condições mais propícias à reprodução e melhora da raça humana.
Ao trazermos esta discussão para a questão racial, encontramos em Seyferth (1996) a definição para melhor
compreendê-la. Neste sentido, a autora ressalta que, os “darwinistas sociais” pensavam que a operação da
seleção natural, criaria raças puras a partir da diversidade que então era dominante: e muitos deles mantiveram a
ideia de que se adotassem medidas de eugenia, a mudança biológica poderia estar do lado do progresso humano.
(SEYFERTH, Op. cit. 1996. P. 43).
42
A democracia racial se desenvolveu com o discurso de absorção do “mestiço”, mas, na
verdade, mostra técnicas específicas de dominação social, servindo para manter a ordem
social que discrimina e colocar seres humanos com diferenças fenotípicas em posição de
desigualdade. (FERNANDES, 1972, p. 26 e 27)
Da Matta (1979), afirma que a democracia racial é de fato um mito fundador das
relações sócio-raciais, inspirado na “fábula das três raças”, ou seja, “a branca, a negra e a
índia” (Da Matta apud SANSONE, 1996, p. 45). O autor ressalta que para a maioria da
população brasileira é aceito e verdadeiro – e ainda reproduzido – no interior das relações
raciais, transformado num valor e num sonho a ser alcançado. E tão nocivo quanto acreditar
na veracidade desse mito é a alienação resultante dele, como se observa:

“[...] o negro se defronta com uma história difícil, uma longa história de alienação;
e, simultaneamente, uma ideologia racial evasiva, enganosa, pervasiva, cruel, com a
qual os donos do poder, as “elites”, compreendendo inclusive intelectuais, recobrem,
elidem ou simplesmente apagam a realidade social, as condições excepcionalmente
difíceis em que são colocados pela intolerância racial camuflada, ambígua,
enganosa, subreptícia. Uma intolerância que penetra todos os círculos de
convivência social, desde o trabalho até a política, da educação à religião, das
organizações públicas às privadas, impregnando amplamente subjetividades, modos
de ser, sentir, pensar, agir, compreender, fabular. ” (IANNI, 2005. p. 12).

Compreendemos que, dessa maneira, constituem-se condições para a manutenção do


poder das elites brasileiras. Estratégias de fragmentação e a elaboração de meios para que
tudo permaneça no mesmo lugar. Ou seja, cria-se o mito e falsas verdades para sustentação
dele e das ideologias de dominação. “É assim que se realiza lenta e contraditoriamente a
transição da sociedade de castas em sociedade de classes [...]”. Bem como se desenvolve a
hierarquização do indivíduo, mesmo que esteja organizado em classe e “[...] todos são
distribuídos desigualmente na estrutura da sociedade, participando desigualmente do
produto do trabalho coletivo [...]”. (IANNI, 2005. p. 13). Desta forma, as hierarquias e
discriminações se estruturam, subdividindo a sociedade.
No início dos anos de 1950, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e Cultura – UNESCO desenvolveu um projeto de pesquisa, objetivo de compreender
43
as relações raciais no Brasil, bem como suas consequências no plano político. A UNESCO
financiou uma equipe da Universidade de São Paulo (USP), entre eles, os professores
Florestan Fernandes e Roger Bastide.
A escolha da sociedade brasileira como instrumento de pesquisa foi motivada pela
ideia de que, aqui, se vivia sob uma “civilização perfeita”. Ideia que ganha relevância,
sobretudo, após a obra de Gilberto Freyre (2002). Olhando de fora, ao contrário do contexto
segregacionista norte-americano e do apartheid21 sul-africano, aqui – de fato – vivia-se numa
democracia racial. Aparentemente sem preconceito racial e em harmonia com o resultado da
miscigenação. Assim, poderia se pensar que a sociedade brasileira poderia servir de
inspiração para a criação de “soluções universalistas que cancelassem os efeitos perversos do
racialismo, do nacionalismo xenofóbico e das disparidades socioeconômicas” (MAIO, 1998,
p. 17).
Com o apoio de várias lideranças negras da época, os estudos acabaram
desmistificando a ideologia da democracia racial e contribuindo para a compreensão de como
se estruturavam as relações raciais aqui, no Brasil. O que os dados evidenciaram foi a
profunda desigualdade socioeconômica nas condições de vida de brancos e negros. No
entanto, em sua opinião, os resultados dessa pesquisa, levaram à reflexão de que “está na raiz
de uma nova visão da formação e transformação da sociedade brasileira moderna; e, de
outro lado, serve de prova da veracidade da visão do negro sobre a sua condição humana e
da realidade racial brasileira”. (Fernandes, 1986, p.17).
Diante do exposto, chegamos à conclusão de que Fernandes acreditava que a
democracia racial, ou seja, o discurso de uma nação sem preconceito racial era o padrão
correspondente de dominação racial tradicionalista, já que existia um preconceito encoberto
que prejudicava os negros.

Desde o início (e ainda hoje) o trabalhador negro precisa de compreensão atilada e


de amparo constante, seja para encetar uma carreira, seja para persistir nela, seja
para tirar o máximo proveito de sua capacidade de trabalho, para si, para os patrões e

21
Regime de segregação racial instaurado na África do Sul entre 1948 e 1996. Os direitos políticos, civis,
econômicos, sociais e culturais dos negros foram extintos. As diferenças raciais foram oficializadas, e a
segregação atingiu todas as relações sociais sul-africanas. A população negra sul-africana não tinha direito a
voto, e nem o direito a frequentar escolas, universidades, transportes públicos, empregos, hospitais e até relações
conjugais entre brancos (as) e negros (as).
44
para a coletividade. A estereotipação negativa não só impediu que o “branco”
descobrisse esse aspecto da realidade, mas produziu algo pior: suscitou uma barreira
invisível universal, que tolhia qualquer redefinição rápida da imagem do “negro”,
que facilitasse a transição do trabalho escravo para o trabalho livre e acelerasse pelo
menos a proletarização do “homem de cor” (FERNANDES, 1978, p.141).

Portanto, Fernandes desenvolve uma compreensão das relações raciais na


contemporaneidade, tendo como ponto de partida, a análise das mesmas relações no período
da colonização. A conclusão que se chega é que as desigualdades raciais estariam
condicionadas a se manter através da dependência econômica. Ou seja, o autor compreende
que, na medida em que o capitalismo se expandisse, ocorreria à eliminação da discriminação e
do preconceito racial e haveria uma adequação das relações raciais na estrutura de classes da
sociedade brasileira.
Florestan (1978) se mantinha otimista quanto à inclusão da população negra na
estrutura de classes. Dito de outra forma, para ele as relações raciais pautadas pela
subproletarização da população negra, seriam paulatinamente superadas de acordo com o
desenvolvimento de uma sociedade socialista.
Sendo assim, compreendemos que Florestan Fernandes, avança teoricamente ao
refutar a ideologia da democracia racial, outrora defendida e difundida por Gilberto Freyre. Já
Ianni (2005) apresenta outra reflexão, da qual compartilhamos.

[...] o preconceito racial é uma técnica de dominação, por meio da qual subordinam-
se amplos setores da sociedade: homens e mulheres, crianças, adultos e velhos,
trabalhadores assalariados da cidade e do campo, na agricultura, na indústria e nos
serviços. O preconceito racial e o preconceito de classe mesclam-se em intolerâncias
de vários tipos, manifestas em várias linguagens, com as quais se excluem, confinam
ou administram os que são obrigados a vender sua força de trabalho para viver. Esta
é a realidade: a raça e a classe são constituídas, simultânea e reciprocamente, na
dinâmica das relações sociais, nos jogos das forças sociais. Essa é a fábrica da
dominação e da alienação, que pode romper-se quando uns e outros, assalariados de
todas as categorias, simultaneamente negros e brancos, em suas múltiplas variações,
compreenderem que sua emancipação implica a transformação da sociedade: desde a

45
sociedade de castas até a de classes, desde a sociedade de classes até a sociedade
sem classes. (IANNI, 2005. p. 14).

Diferentemente do que esperava Florestan, chegamos ao século XXI e a realidade das


discriminações raciais mudou pouca coisa. No entanto, reconhecemos que a obra desse autor,
é sem dúvidas de uma importância fundamental para a compreensão do debate racial e a luta
de classes. Todavia, sua tese foi refutada, uma vez que o socialismo não chegou e, apesar das
discussões acerca das relações raciais ganharem um novo fôlego, ainda há muito que discutir
se quisermos superar mais essa contradição.
Neste sentido, Ianni (2005) é taxativo ao afirmar que somente numa sociedade sem
classes é possível se viver uma vida plena e onde todos possam se realizar como pessoas,
indivíduos e coletividades. Sim, numa sociedade sem classes, as diversidades não serão
transformadas em desigualdades, ou mesmo em forma distinta de alienação.

2.2 - Classe e raça: um diálogo possível ou a hierarquização das diferenças?

Antes de ser pensada em termos de cultura, ou em termos


econômicos, a nação foi pensada em termos de raça.
Mariza Corrêa.

O processo social pelo qual se envolve a formação e a conservação da identidade é


condicionado por uma estrutura social. Ou seja, a construção da identidade depende da
identificação de valores, de símbolos e outras referências, mas não só disto, essa construção
depende ainda de uma interação entre indivíduos. Desta forma, percebemos que, entender os
fatores históricos que colaboram para a fragmentação de uma determinada identidade, torna-
se imprescindível, pois isto, certamente, é um dos fatores que potencializa – e justifica – as
várias formas de opressão de um grupo social para com o outro.
Cabe aqui uma breve discussão acerca de como a identidade se constrói no interior da
luta de classes e de como o capitalismo se apropria de tais determinações, pois, são
necessárias à sua manutenção. A necessidade de discutir identidade perpassa por compreender

46
que esta seja uma via interessante para se pensar, tanto a questão de classe quanto a questão
de raça22.

“[...] identidade é o processo de construção do significado com base em um atributo


cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o (s) qual
(ais) prevalece (m) sobre outras fontes de significado. Para um determinado
indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas. No entanto,
essa pluralidade é fonte de tensão e contradição tanto na auto-representação quanto
na ação social” (CASTELLS, 1999. p. 22).

Neste sentido, podemos afirmar que para compreender o conceito de identidade,


implica necessariamente a uma vinculação consciente do sujeito, e que tal processo se dá
através de formas elementares de diferenciação entre “eu” e os outros (CUCHE, 1999).
Portanto, pode-se afirmar que a identidade atua ao mesmo tempo num duplo processo, pois
permite que o indivíduo ou grupo se localize e seja localizado em um determinado sistema
social.
Desta forma, partimos do entendimento que a criação de uma determinada identidade
surge do processo de vinculação consciente do sujeito no interior de um grupo. Contudo, a
vinculação, pois, ocorre num processo de proteção da subjetividade de cada um, sendo este, o
elemento que diferencia um indivíduo do outro.
Ressaltamos, no entanto, que a discussão acerca da construção da identidade, tem
passado por vários questionamentos ao longo dos anos. Podemos arriscar em dizer, que tais
questionamentos, partem da necessidade de compreender quais são as diferentes
características que se moldam num processo de transformação e que por sua vez, vão
modificando esse conceito. Ou seja, de acordo com as variações históricas e as
transformações sociais, culturais etc. Surgem novas formas de se conceber o conceito de
identidade.
Se pensarmos na sociedade atual, dado o processo de aceleração das transformações
sociais, culturais e econômicas entre outras, advertimos que a análise dos conceitos e das

22
Optamos por utilizar o conceito de raça por concordar que “(...) ‘raça’ não é apenas uma categoria política
necessária para organizar a resistência ao racismo no Brasil, mas é também categoria analítica indispensável: a
única que revela que as discriminações e desigualdades da noção brasileira de ‘cor’ são efetivamente raciais e
não apenas de classe” (GUIMARÃES, 2002, p. 51).
47
mudanças provocadas por esse processo, pode ficar incompleta, ou mesmo equivocada. E isto,
resulta no desenvolvimento de ações desastrosas que interferem e afetam diretamente a vida
dos sujeitos.
Portanto, estar inserido em um grupo coletivo ou em outras formas de sociabilidade,
implica antes de tudo, uma consciência sobre quem é o sujeito individual e quem é o sujeito
coletivo, e ainda, como se dá a dinâmica de interação dessa construção. Assim,
compreendemos que a identidade é construída a partir de dimensões que envolvem o pessoal,
o social e a dimensão psicológica (GOFMANN, 1988. pp. 72-74). Dessa forma, a junção
desses três elementos é o que permite a construção da identidade, tanto individual quanto
coletiva.
Para um indivíduo se constituir enquanto sujeito coletivo, é necessário primeiro um
processo de conscientização. Nesse sentido, compreende-se consciência a partir da seguinte
afirmação:

A consciência nada mais seria que a subjetividade que tenta compreender este
movimento partido em polaridades irreconciliáveis, tais como indivíduo e sociedade,
subjetividade e objetividade, os indivíduos e suas representações coletivas entre
estas representações e as classes sociais. [...] É por isso que estamos convencidos de
que o problema da consciência encontra-se no difícil jogo de mediações que liga as
determinações particulares e genéricas que compõem o movimento que constitui o
ser social. A consciência é movimento que ora se apresenta como consciência do
indivíduo isolado, ora como expressão da fusão do grupo, depois da classe, podendo
chegar a diferentes formas no processo de constituição da classe até a uma
consciência que ambiciona a universalidade. (IASI, 2012. p.p. 24-25).

Segundo Iasi (2012), discorrer sobre o tema da consciência, é um dos maiores desafios
do pensamento sociológico, sobretudo, quando tal reflexão remete-se a consciência de classe.
Para ele, a complexidade dessa temática se expressa porque o fenômeno da consciência
encontra-se na fronteira existente entre indivíduo e sociedade. E nisto, a consciência é
atribuída à dimensão do pessoal e do psicológico, e em outros momentos, atribui-se também a
dimensão social, ao indivíduo e ora à sua conformação de classe. (p.25).

48
O esforço aqui realizado para compreender a reflexão apresentada, parte de algumas
inquietações acerca de como se constrói o debate da temática racial por dentro da discussão de
classe. Nosso anseio é responder se de fato a classe absorve toda a pluralidade que comporta o
ser negro. Se for verdade que ao romper com as barreiras impostas pelo processo de
alienação, o indivíduo consegue conceber a sua essência e o seu pertencimento em um
determinado grupo social, ou se é preciso muito mais que o seu pertencimento de classe para
que tal processo aconteça. Por fim, a superação do capitalismo e o surgimento da sociedade
socialista resultariam no fim da discriminação racial e de outras formas de opressão?
Dentro da proposta classista, afirma-se que ao passo que ocorre a transformação da
sociedade capitalista, os problemas que cercam a população negra estariam resolvidos.
Compreendemos, pois, que esse argumento parte do pressuposto que o racismo – e tudo que
está nesse pacote – é o resultado da condição de pobreza absoluta em que vivem a maioria dos
negros (as).
Aqui, observamos que mais uma vez, discriminação e pobreza são compreendidas
como sinônimos, e isto, podem afirmar que não é verdade. No entanto, aceitar tal
argumentação, é acreditar que toda exploração e opressão imposta à sociedade, resultam da
contradição existente entre capital e trabalho. Esse discurso exclui todas as outras formas que
o capitalismo adquire para explorar, violentar e resumir o ser social a nada. Em análise sobre
classe e questão racial Hasenbalg (1982) ressalta que:

[...] A insistência em conceitualizar o negro simplesmente como um segmento


explorado (ou superexplorado) da classe trabalhadora, e as hierarquias raciais
unicamente em termos de interesses e estratégias da classe capitalista, tende a
ofuscar o que há de específico na opressão racial. É por esse motivo que militantes e
intelectuais negros americanos, não obstante adotar posturas anticapitalistas, têm
insistentemente assinalado a duplicidade da exploração e opressão racial.
(GONZALEZ E HASENBALG, 1982. p. 78).

Sobre a reflexão acima, Hasenbalg cita um autor norte-americano para referenciar sua
argumentação como se observa a seguir:

49
Na maioria dos países a luta dos oprimidos tem se dado em termos de classes
unicamente. Mas nos Estados Unidos os negros não só têm estado no mais baixo
degrau da economia, eles têm sido mantidos ali na base da raça. [...]Não são
somente os grandes negócios ou os administradores ou os dirigentes do sistema
econômico que estão aliados contra os negros. É a população branca. Isto é, o que
concede à luta dos negros sua peculiar dualidade: é tanto uma luta de classes dos que
estão no último degrau revoltando-se contra a própria estrutura do sistema
americano, como também é uma luta racial porque está dirigida contra a população
branca americana que tem mantido o negro nos porões de sua sociedade.
(HASENBALG, 1982. Apud Boggs, 1970. p. 28).

Embora a reflexão acima situe o contexto norte-americano, tal situação se aplicaria


perfeitamente ao contexto brasileiro, no entanto, a realidade aqui seja bem pior, tendo em
vista que esta é uma observação feita há pelo menos 45 anos atrás. Ou seja, em quatro décadas
e meia, o contexto atual no que se refere ao eixo social e econômico do Brasil, permanece
inalterado23.
Ao passo em que se desenvolvem as práticas capitalistas, aumentam as formas de
exploração e preconceitos raciais. Desse modo, podemos afirmar que a origem do preconceito
racial se encontra no processo mais geral da mercantilização do trabalho, sendo, pois, neste
processo, que se dá também a subproletarização do trabalho, e onde o antagonismo entre raça
e classe se intensifica, instaurando assim o conflito político entre essas duas categorias.
Portanto, o preconceito racial torna-se justificável e se legitima como prática social necessária
para a exploração que ocorre entre a sociedade de classe capitalista. Conforme observamos a
seguir:
A liberdade e a escravidão constituem um antagonismo. Não há nenhuma
necessidade para eu falar dos aspectos bons ou maus da liberdade. Quanto à
escravidão, não há nenhuma necessidade para eu falar de seus aspectos maus. A
única coisa que requer explanação é o lado bom da escravidão. Eu não me refiro
à escravidão indireta, a escravidão do proletariado; eu refiro-me à escravidão direta,
à escravidão dos pretos (blacks) no Suriname, no Brasil, nas regiões do sul da
América do Norte. (Grifo nosso). (MARX & ENGELS, 1967. p. 645 apud
BENEDICTO, 2010. p. 40)24.

23
Cf. Paixão, M. et. al. 2009-2010.
24
C.f. MOORE, 2010. p. 40.
50
Com a reflexão acima, é possível compreender que mesmo para aqueles que fundam
as principais teorias a respeito da contradição capital x trabalho e de como se constitui a
sociedade de classes, não só a escravidão é legitimada, como também é avaliada como algo
bom e positivo. Observamos aqui, que tanto Marx quanto Engels não percebiam a ideologia
racista para além de uma consciência de classe, e, portanto, pouco se importavam com os
efeitos da escravidão para um determinado grupo social. Negros (as) africanos (as) vistos
como qualquer coisa abaixo da humanidade. No entanto, concordamos com Menezes (2014)
que:
[...] é preciso compreender ainda que realizar o debate sobre o papel da ideologia
racial no capitalismo periférico brasileiro não se trata de uma tentativa de profanar o
legado de Marx, mas de utilizar suas contribuições teóricas como suporte para
discutir questões inerentes à classe trabalhadora no Brasil – que apresenta algumas
características ímpares / outras semelhantes, frente às classes trabalhadoras de outros
países do mundo. (MENEZES, 2014. p. 52).

Embora com as limitações que se apresentam na elaboração de argumentos mais


profundos sobre esse debate, compreendo que analisar os efeitos do racismo e a apropriação
deste como mecanismo de superexploração da população negra, é de fundamental importância
para avançarmos na elaboração de propostas eficazes contra o silenciamento do debate racial
por dentro da luta de classes, ou mesmo de como estes são usados para hierarquizar esse
determinado grupo social.
Por isso, mais que reconhecer que existem dificuldades da esquerda brasileira, em
refletir sobre a questão racial, bem como sua representação nas práticas racistas, é
imprescindível que seja retomado o debate sobre as formas que essa contradição se apresenta
entre a classe trabalhadora. Portanto, é preciso enfrentar os benefícios do racismo para a
classe trabalhadora branca, pois está mais do que provado que só a discussão de classe não
abarca as múltiplas especificidades desse conjunto, e sem esse reconhecimento, as
possibilidades de superação dessas assimetrias são inexistentes.
Sobre isto, tomamos por base a constatação de Netto (1996), ao afirmar que “há uma
espécie de inépcia das correntes marxistas em dialogar com as questões advindas das

51
minorias”. Todavia, o resultado desta “inépcia” é o desprezo pelas importantes determinações
que perpassam a luta de classes, e lacunas estruturais profundas que se abrem cada vez mais
entre a superação do capitalismo e da perspectiva totalizante.
Neste sentido, compreendemos que o racismo e a alienação funcionam como
mecanismos de naturalizar as contradições existentes na superação das práticas capitalistas e
assim:
É por este caminho que apontamos a interrelação entre a predominância do ethos
burguês e o racismo que, se acomodam sobre o mesmo interesse de garantir a
dominação e a reprodução da exploração de determinado grupo social, e, portanto,
as ideologias, espaço no qual se inserem complexos fundamentos no racismo, assim
como representações ideológicas particulares, devem ser percebidas como
componentes intrínsecos à consciência social. Mesmo que apresentem
especificidades em suas formulações, e, portanto, uma certa autonomia, elas não
podem ser explicadas isoladamente, como se fossem determinantes de si próprias.
(MOREIRA, 2014. p. 52).

Cabe ressaltar, como nessas formas racionalizadas presentes na dominação e na


opressão, até as correntes ditas progressistas reduzem a temática étnico-racial a um
determinismo econômico, e desenvolvem suas análises a partir de uma leitura etnocêntrica.
Ou seja, são capazes de denunciar e até mesmo questionar as injustiças socioeconômicas
próprias das sociedades capitalistas, porém, não se percebem como reprodutoras de injustiças
e discriminações de cunho racial.
Assim, indagamos, pois, até quando essas correntes vão reduzir a questão racial a um
problema meramente socioeconômico? Sabemos que de fato a pobreza tem cor e sexo, mas
dizer que este é um problema que se limita somente à classe social, e que, portanto, se resolve
por meio de uma consciência de classe que ambiciona a universalidades, já não nos convence.
Ou seja, esse argumento não é mais suficiente para manter intactos questionamentos sobre a
quem o racismo beneficia. Dessa forma, nos perguntamos se seria, pois, equívoco,
negligencia, ou mesmo a escolha política em não se posicionar diante das atrocidades
impostas pelo racismo a população negra? Não se posicionar estaria relacionado ao fato destes
evitarem em assumir o papel que cumprem como agentes do racismo que cimenta nossas
relações sociais? Ou dito de outra forma:
52
[...] o paternalismo/liberalismo racial que permeia o discurso “revolucionário”, na
luta contra o monopólio do capital, revela uma forma de perpetuação dos
mecanismos de dominação utilizados pelo sistema que combate. Também ele reage
negativamente quando uma minoria negra, consciente do racismo disfarçado,
denuncia os diferentes processos de marginalização a que seu povo está submetido.
Enquanto isso, os aparelhos ideológicos do Estado, na medida em que servem à
manutenção das relações de produção existentes, desenvolvem com eficácia a
veiculação e o reforço das práticas de discriminação. (GONZALEZ, 1979. p. 12).

Dessa forma, a conclusão que chegamos é que o discurso das classes ditas
progressistas difere muito pouco dos conservadores que, por motivos aqui já mencionados,
objetivam manter intactos os privilégios que herdaram com a exploração e opressão que se
desenvolveu na sociedade brasileira. Portanto, não é só a despolitização responsável pela
alienação e negação da pertença étnico-racial do grupo subjugado. Para manutenção dos
privilégios, os privilegiados criam e recriam formas de assegurar que tudo permaneça
inalterado para que não percam os benefícios obtidos com as práticas hierarquizantes.
Um dos métodos mais eficazes na sociedade dos privilégios é o silêncio. Como já
mencionado aqui, o silenciamento resulta em invibilização e invibilizar é manter-se inerte
enquanto o racismo, o preconceito e a discriminação racial se espraiam e se conforma nas
diversas esferas da sociedade brasileira. Nisto, observamos que:

A invibilização, ademais, constitui uma das experiências mais perversas do


preconceito. Ela atua tanto no através de dispositivos que não permitem o
reconhecimento da existência de práticas discriminatórias, como o silêncio, a
dissuasão dos/as que desejam denunciar, a rejeição do debate, quanto através da
invibilização da existência material dos próprios sujeitos. [...] Visibilizar não é
vitimizar, é permitir que se estabeleçam espaços de debate sobre as formas sutis (ou
não) pelas quais a discriminação se estabelecem e se perpetuam, socializando
informações, discutindo direitos, estimulando a participação política pela exposição
de meios concretos pelos quais esta participação se torna viável. (ALMEIDA, G.
2013. p. 79).

53
Assim, concordamos que a prática nefasta da invisibilidade, somente contribui, para
que as diferenças sejam entendidas como desigualdades naturais, cristalizando o violento
processo de não se importar com a dor do outro, retirando ainda “a sensibilidade dos seres
humanos para perceber o sofrimento alheio, conduzindo-os inevitavelmente à sua
trivialização e banalização”. (MOORE, 2007. p.23).
Poderíamos afirmar que a dicotomia existente entre as discussões de raça e classe, tornam-
se potentes ferramentas para a ditadura capitalista. O racismo se torna mais uma estratégia de
dominação e controle da classe trabalhadora, tornando-se a garantia de que a parte externa do
exército industrial de reservas ou os subproletariados (“lazarentos”, conforme Marx preferia),
fossem definidos pela própria cor.
Dessa forma, o capitalismo se apropria e potencializa as práticas racistas como forma de
manutenção da opressão, reduzindo a pó o projeto de emancipação humana e conduzindo a passos
largos a sociedade para a barbárie. E nisto, não isentamos a esquerda de sua participação nestes
valores da sociedade burguesa. Portanto, o resultado da negligencia, desse e outros temas também
secundarizados, é a assimilação pelas correntes ditas pós-modernas, que se apropriam de forma
equivocada de um debate caro, relegando-o a um reformismo pela via mais conservadora de
análise crítica.
Conforme a discussão que se apresenta, percebemos que necessário, também, é o
entendimento da constituição das identidades de classes e sua mobilidade num “movimento
de contradições”, onde, novamente, através de um processo de negação, tais contradições se
elevam, conforme aponta Bogo (2010). Nisso, observa-se que:

É justamente dessa contradição entre o interesse particular e o interesse coletivo que


o interesse coletivo toma, na qualidade de Estado, uma forma autônoma, separada
dos reais interesses particulares e gerais e, ao mesmo tempo, na qualidade de uma
coletividade ilusória, mas sempre sobre a base real dos laços existentes em cada
conglomerado familiar e tribal – tais como, laços de sangue, linguagem, divisão do
trabalho em maior escala e outros interesses – e, sobretudo, [...] baseada nas classes,
já condicionadas pela divisão do trabalho, que se isolam em cada um destes
conglomerados humanos e entre as quais há uma que domina todas as outras. Segue-
se quase que todas as lutas no interior do Estado, a luta entre democracia,
aristocracia e monarquia, a luta pelo direito do voto etc. são apenas as formas

54
ilusórias nas quais se desenrolam as lutas reais entre as diferentes classes [...].
(MARX E ENGELS, 1993. p. 48).

Portanto, a existência da classe é o que direciona as identidades e neste processo, uma


classe se torna condição necessária para a existência da outra. E nesta “guerra de posições”
para que haja emancipação de dominados por dominantes, a organização da classe se faz
absolutamente necessária. Esta não é uma luta fácil, pois nela ocorrem batalhas, que vão
desde a ruptura entre as classes, como também a elevação do nível de conscientização e
solidariedade entre os seus componentes. Entretanto, é sabido que o capitalismo não existe
sem classes e ao entrar nesta disputa, caso vença, a classe trabalhadora também se constituirá
como classe dominante. (BOGO, 2010. p. 9 e 10).
Num movimento contraditório, o capitalismo avança e se constitui mais voraz,
obstinado em sua necessidade de produção de lucro e acumulação. Crises financeiras,
políticas, sociais, culturais, atingem todo o globo, provocando profundas mudanças,
sobretudo, ideológicas. O aumento das forças neoconservadoras tem ocorrido de forma
exponencial, aliadas a um processo intenso de discriminação e violência, atingindo as várias
esferas da sociedade.
Almeida (2013) afirma que neste processo ocorre a naturalização da violência e
naturalizá-las significa transformá-las em desigualdades.

[...] A naturalização do que é histórico ganha legitimidade pelo poder hegemônico e


oculta a violência, as hierarquias (de poder nas relações sociais) produzidas por
estereótipos cuja função é biologizar o que é social nas relações e práticas sociais. A
naturalização é a mediação para a essencialização da vida social. É, por assim dizer,
a perpetuação da hegemonia do capital sob a experiência de vida dos sujeitos sociais
concretos: negros (as), índios (as), população LGBT (lésbicas, gays bissexuais e
travestis), crianças, idosos, pessoas com deficiência e o legado religioso não
hegemônico [...]. (ALMEIDA, M. 2013, p.138).

Estamos de acordo com a reflexão de Almeida, pois entendemos que para romper com
a sociabilidade burguesa ao qual fomos condicionados, é preciso antes de tudo desconstruí-la.

55
O desafio, portanto, consiste em ultrapassar a estrutura burguesa, objetivando uma
transformação radical, que nos permita caminhar na construção de outra forma de vida, que
afirme os valores emancipatórios, e nos possibilite viver em plenitude e liberdade.
Os indivíduos observam suas ações, resumidas a partir de suas atuações, em aspectos
diversos, como políticos, culturais, econômicos, social etc. aquilo que os motivem, bem como
o que os façam compreender tal movimento, ou seja, a partir dos processos históricos e das
mudanças estruturais da sociedade. Da observação, surge a necessidade de compreender os
múltiplos elementos, que perpassam a constituição da classe social. Deste modo, podemos
afirmar que tanto as ações, quanto a maneira de viver dos indivíduos, são de alguma maneira,
determinados pelas relações estabelecidas com os meios de produção, com os bens materiais e
culturais e com as relações de poder presentes na sociedade.
Assim, torna-se necessário, compreender o que está para além da conjuntura classista,
ou dito de outra forma, é preciso que ao analisar a questão de classe, sejam também
ultrapassadas as barreiras que se alicerçam somente no âmbito das relações econômicas das
classes sociais. Pois, até mesmo para o próprio Marx (1995), a política, as ideologias e
inclusive a cultura, somam-se às determinações econômicas, e atuam no processo de
constituição da classe social.
Neste ponto, voltamos a dialogar com Fanon (2005), quando em sua observação sobre
a luta de classes, observamos que tal conceito é essencial para sua visão de mundo, bem como
para suas análises teóricas (embora esta não seja uma discussão central em suas obras).
Fanon afirma que “a chave-mestra para a compreensão da luta de classes é saber quais
são as classes que estão em luta.” Conhecedor das obras marxistas, Fanon, contudo, exorta
sobre a necessidade de (des) racializar o pensamento, a começar pelo distanciamento das
culturas ocidentais, e mesmo que este processo de (des) racialização tenha sido iniciado pelos
colonizadores brancos conforme a afirmação que se segue, cabe ao negro (a) também assumir
essa postura se quiser continuar na luta por sua emancipação social e política.

E é bem verdade que os grandes responsáveis por essa racialização do pensamento,


ou pelo menos dos processos de pensamento, são e continuam sendo os europeus
que não cessaram de opor a cultura branca às outras inculturas. “[...] O conceito de
negritude, por exemplo, era a antítese afetiva, senão lógica, desse insulto que o
homem branco fazia à humanidade. [...]” (FANON, 2005, p.p. 245 -246).

56
Entendemos que (des) racializar o pensamento, implica numa ação direta em
descolonizar, sobretudo, o homem negro, mas não só a ele, pois o homem branco é que se
beneficia com essa colonização. E mesmo que este seja um processo violento e difícil de
realizar, é preciso libertar as ações, dado que esse é um dos pressupostos para a promoção de
valores universalizantes, capaz de fazer emergir atuações políticas emancipatórias. Romper
com as amarras ideológicas que durante séculos se impôs inclusive como algo que beneficiava
o negro (a), conforme reflexão que se segue:

“A destruição violenta que ocorria na África, e descrita por Marx peremptoriamente


como ‘a transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa’, poderia
apenas ter significado “progresso”, visto que ele próprio manifestara que esse tráfico
‘marcava os albores da era da produção capitalista’. A escravidão era, portanto, um
fenômeno “revolucionário”. Nesse sentido, Marx salientou que, “de fato, a
escravidão dissimulada dos assalariados na Europa precisava fundamentar-se na
escravatura, sem rebuços, no “Novo Mundo”. O preço pago pelo homem negro
nunca foi calculado; apenas uma equação importava: a escravidão é igual a
progresso econômico, igual a classe de trabalhadores assalariados, igual a revolução,
igual a Socialismo. A partir de tais “necessidades históricas”, Marx e Engels
construíram sua teoria a respeito da natureza “revolucionária” da escravização e
expansão coloniais do Ocidente. ” (MOORE, 2010. p. 81).

É sabido, que a classe ocupa um importante lugar na organização da produção e que


esta segue como a menina dos olhos do “marxismo”. Não há como negar também, que Marx e
Engels produziram a mais fiel das teorias sobre as contradições existentes entre capital e
trabalho. Porém, a descrição acima, também foi produzida por eles e são essas formas de
pensar, resulta num conjunto de ideologias que dão forma e significado aos diversos olhares
hierarquizantes existentes na sociedade, sobretudo, pelo homem branco, herdeiro dessa forma
de pensar.
Não estamos aqui concordando com teorias pós-modernas ao marxismo, que sustenta
falsas polêmicas ou mesmo dicotomias inconsistentes sobre as objetividades e subjetividades
dos sujeitos. Porém, concordamos com Simionato (1999), que no debate marxista, abarcar a

57
objetividade histórica não se resume somente à esfera da produção, mas, este também abarca
a reprodução das relações sociais entre os homens, as quais partem de um ponto de vista
histórico-ontológico, e que não deixaria de incluir os processos singulares dos sujeitos sociais,
sem desvinculá-los da historicidade que os fundamenta. (p. 85-86).
Entretanto, Fanon (2005), assim como Moore (2010), aponta que o caminho
necessário a se percorrer, é (des) racializar e descolonizar o pensamento e o conhecimento,
como os de Marx e Engels, como formas também de construir outras identidades e que a
classe tal qual apontada pelos “fundadores do marxismo”, não pode ser o único lugar capaz de
se produzir identidade. Para os autores, este lugar não é o suficiente para se produzir
identidades, pois, embora, sob o jugo da alienação, a forma colonizadora de pensar sempre
esteve em questionamento e isso, aponta possibilidades de rompimento com o pensamento
racializado.

Os negros deveriam reavaliar o comportamento dos fundadores do Marxismo por


causa do silêncio de ambos diante do que o homem branco estava fazendo com os
negros. Os negros deveriam indagar por que, nem se quer uma vez, Marx e Engels
refutaram as duas premissas da sua época: a inferioridade do negro e a
superioridade do branco; o direito histórico que teriam os brancos de rebaixar os
negros às mais abjetas condições de submissão. (MOORE, 2010. p. 87).

Fanon (2008) exemplifica como a identidade racial se constrói pela via da alienação,
num processo dialético entre a negação e a afirmação, e nisto, ele ressalta que “racismo dos
negros contra o negro é um exemplo da forma de narcisismo no qual os negros buscam a
ilusão dos espelhos que oferecem um reflexo branco”. (p.15) E ainda afirma que, como
ocorrem dentro deste processo, os muitos níveis de narcisismo, impedem que o outro se
reconheça neste mesmo reflexo.

A violência racista subtrai do sujeito a possibilidade de explorar e extrair do


pensamento todo o infinito potencial de criatividade, beleza e prazer que ele é capaz
de produzir. O pensamento do sujeito negro é um pensamento que se auto-restringe.
Que delimita fronteiras mesquinhas à sua área de expansão e abrangência, em

58
virtude do bloqueio imposto pela dor de refletir sobre a própria identidade. (COSTA,
1983. p. 10) 25

Conforme se observa, o pensamento que comunga tanto Fanon quanto Costa, é de que
o resultado da violência racial pode ser percebido como uma violência de várias facetas. O
negro busca o ideal do pertencimento branco, negando a sua própria essência e o seu reflexo,
utilizando inclusive meios de se diferenciar do seu igual, ou seja, construindo hierarquias
dentro da sua própria raça, seja pelo tom de pele, pelo tipo de cabelo, pelo local de moradia
etc. O branco por sua vez, se apropria desse movimento de dor e negação, não só para subtrair
o negro, como também para manter-se na posição de privilegiado, inferindo assim,
aproveitando-se da perversidade do racismo para se projetar socialmente e manter-se em
posição de superioridade. Sobre isto, o autor aponta o desejo de viver em uma sociedade livre
e igualitária.

Mas, eu, homem de cor, na medida em que me é possível existir absolutamente, não
tenho o direito de me enquadrar em um mundo de reparações retroativas. Eu,
homem de cor, só quero uma coisa: que jamais o instrumento domine o homem. Que
cesse para sempre a servidão do homem pelo homem. Ou seja, de mim por outro.
Que me seja permitido descobrir e querer bem ao homem, onde quer que ele me
encontre. (FANON, 2008, p.p 190 e 191).

No entanto, romper com a alienação entre o homem negro é algo intensamente


trabalhoso, mas não há outra forma de superação. É necessário o rompimento do elo existente
entre “colonização” e “alienação”, e a destruição dos instrumentos que os alimentam, pois,
somente assim, será possível à superação da condição que mantém os homens atados às
correntes da alienação e da naturalização dessas e de outras formas de violência.
Compreendemos que é possível o desenvolvimento de ações que superem as
contradições impostas a determinados grupos sociais subalternizados. Porém, o processo de
subordinação e retira do homem a capacidade de criar condições para o desenvolvimento de

25
Cf. SOUZA, 1983.

59
uma sociedade que não hierarquize as relações entre os indivíduos, mas que os una num
propósito que lhes assegure a possibilidade de uma vida plena.
Nosso anseio é que a busca por este contramovimento, se realize e que também atue na
desconstrução das falas e posições fincadas na ideia de que existem raças, culturas e
sociedades superiores a outras, pois acreditamos que tais posições contribuem para o
acirramento das desigualdades sociais e raciais existentes.
Os questionamentos que nos movem nessa reflexão sobre ser possível, que questões
raciais caminhem na mesma direção que a classe social, afirmo pelo exposto, que somente
será possível se os herdeiros da escravidão estiverem dispostos a reverem seus privilégios.
Tendo em vista que não há possibilidades de se pensar o Brasil, sem sua fratura racista, pois,
nenhuma nação do mundo moderno é pensada sem a participação do caldo racista.
No entanto, compreendemos que se desde o começo desta sociedade, tudo o que se
pensou aqui, girou em torno das raças, concluo assim que, a “raça” constitui uma identidade, e
que essa identidade, abarca a todos que de um jeito ou de outro, foram condicionados a se
identificarem dessa forma, uma vez que não tiveram o direito e nem a permissão para ser
outra coisa, senão negros. Portanto, a identidade do “povo brasileiro” não inclui o negro, seja pela
tentativa do branqueamento e extermínio ou ainda pela cidadania negativa que se produz em torno da
população negra.
Desse modo, afirmamos a fundamental necessidade, de superação das assimetrias que
subordina os homens e mulheres negras, bem como das intersecções que se relacionam com
essas variáveis. Só há possibilidade de se construir uma ação social eficaz, se de fato houver a
efetivação de um processo revolucionário frente à hegemonia do capital na totalidade da
produção social, desenvolvida ao lado da economia, no campo da política, da cultura e da
educação e ainda da dimensão simbólica, com atribuições distintas, mas com significados
relacionados ao modo de vida dos indivíduos, não só no âmbito da questão étnico-racial,
como também na estrutura da própria classe, e sendo direcionadas como questões igualmente
importantes.
É preciso ir muito além dos discursos e mover o recalque que mascara a sociedade dos
privilégios, mas que na verdade, mantém tudo exatamente no mesmo lugar. A começar pela
superação de ideologias como o mito da democracia racial no Brasil e toda a manipulação
engendrada para a sua manutenção e efetivação. Desnaturalizar, desconstruir e, sobretudo,

60
desracializar as formas de pensar é antes de tudo, meios de superação da naturalização das
desigualdades entre brancos (as) e negros (as).
Descolonizar o conhecimento é tarefa difícil, porém, se for verdade que o desejo é de
se viver numa sociedade sem classes, essencial também, deve ser ir para além das aparências
e olhar com lente de aumento para a intrínseca relação que existe entre o racismo e a estrutura
de classes. Neste sentido, compreendemos que as classes sociais dependem da concepção
ideológica de cada indivíduo e o que os unifica é o desejo de uma vida plena. Portanto, as
possibilidades de superação da desigualdade social só podem se tornar realidade, se a
transformação social caminhar em conjunto com o respeito das particularidades históricas
desta e outras sociedades.
Assim, finalizamos por hora essa discussão com mais questionamentos do que
respostas. Porém, estou convencida de que urge a necessidade de outra forma de
sociabilidade, para que de fato os indivíduos sejam livres para realizarem seus desejos,
expectativas e superadas as desigualdades, as explorações e discriminações. E que a busca
pela primazia, da afirmação e a emancipação 26 dos indivíduos, possibilite a realização do
homem em sua plenitude, sem que suas objetivações sejam meramente postas como coisas ou
mercadorias.

2.3 - A funcionalidade do racismo na estrutura de exploração capitalista:


possibilidades e desafios para a superação da ordem

Para compreender a funcionalidade do racismo para a estrutura de exploração


capitalista existente no Brasil, é preciso antes de tudo, considerar algumas indagações, como
por exemplo, como um país com cores e culturas tão diversas, se alimenta de forma tão
intensa do excremento produzido pelo racismo? Quais são os benefícios desse fenômeno para
esta sociedade? Há quem permaneça ileso e não seja contaminado por esse processo de
violência e dominação? A partir desses questionamentos, nos perguntamos se é possível a

26
Utilizo-me do conceito de emancipação no sentido atribuído por Marx, descrito nos Manuscritos econômico-
filosóficos: “A superação da propriedade privada é, por conseguinte, a emancipação completa de todas as
propriedades e sentidos humanos; mas ela é esta emancipação exatamente pelo fato de estes sentidos humanos e
propriedades terem se formado humanos, tanto subjetiva quanto objetivamente” (1983, p. 174). Portanto,
segundo Marx, a emancipação parcial é possível nos marcos do capitalismo, a emancipação universal só é
realizável através da completa superação do capital. Cf. Marx (1970, pp. 114-115).
61
construção de outra forma de sociabilidade, onde não haja exploração do homem pelo homem
e onde o ser social seja mais do que sua força de trabalho?
Para responder algumas dessas questões, partimos do pressuposto que o racismo,
assim como o capitalismo, são fenômenos presentes na realidade em que vivemos. Desta
forma, compreendemos que a realidade está em constante movimento, ou mesmo da
afirmação de que ela, a realidade, seja o próprio movimento. Nesse processo, compreendemos
que “o mundo dos fenômenos externos” assume um aspecto independente e natural. Assim, o
conhecimento torna-se antecessor da realidade. E a partir deste movimento complexo, o
movimento da dialética se constitui. Nisto, observa-se que,

O primeiro momento do movimento dialético de constituição da consciência [...] é o


momento da determinação da forma histórica sobre as consciências particulares,
momento da interiorização da objetividade que constitui um ser social
particularmente determinado. A forma particular que o ser social assume, após um
longo processo histórico, que coincide com a formação do modo capitalista de
produção, é a forma de indivíduos. (IASI, 2011. p.91).

Portanto, a realidade se desenvolve a partir de um processo histórico, construída


socialmente, e a ansiedade provocada por essas mediações são objetivas e concretas. Para
compreender a realidade para além do que se revela é necessário ultrapassar a simples
aparência, numa dinâmica difícil de ser realizada, pois este é, sem dúvidas, um movimento
minucioso de observação que requer muito mais que uma simples análise, assim, “... a
imediaticidade da realidade não revela diretamente a sua essência e pode, até mesmo,
deturpá-la e invertê-la, mas constitui-se como aparência desta essência; por outro lado, a
essência pertence à realidade material, concreta, como a sua determinação mais profunda”.
(COTRIM, 2009. p.50).
O imediato se coloca como sendo a base real para o entendimento da realidade,
entretanto, tal imediaticidade deve ser superada /cotidianamente para que a essência do
fenômeno se apresente de forma concreta. Apenas a aparência não é suficiente para se chegar
à essência do fenômeno, o fenômeno indica a essência e ao mesmo tempo, a esconde [...] e

62
esta não se da imediatamente, é mediata ao fenômeno e, portanto, se manifesta naquilo que é.
(KOSIK, 1976. p. 11).

Captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa


em si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde.
Compreender o fenômeno é atingir a essência. Sem o fenômeno, sem a manifestação
e revelação, a essência seria inatingível. (KOSIK, 1976. p.12)

Compreendemos que descobrir a essência dos fenômenos na perspectiva critico-


dialética, pressupõe que a situemos na realidade social, sob a direção da perspectiva de
totalidade concreta, e isto, significa compreender que cada fenômeno, mesmo dentro de suas
particularidades, deve ser abrangido dentro de uma totalidade, portanto, é a partir desta
reflexão que reside à discussão acerca da temática étnico-racial.
As imediaticidades impostas pelo mundo burguês impedem o desvelamento da
realidade. O cotidiano, entretanto, expressa a urgência das respostas imediatas, e exige ações
cada vez mais práticas, executadas de forma emergencial. Assim, as imediaticidades impostas
pelo mundo burguês fragmentam os indivíduos e a “existência humanizada” necessária para a
satisfação da vida.
Neste sentido, encontramos em Marx (2004), a seguinte afirmação: “não é a
consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”. Portanto, o
sujeito não se impõe ao objeto, mas trata-o na sua realidade, através das forças necessárias
para o desenvolvimento deste. O desenvolvimento corresponde no mundo como atividade
social e é neste desenvolvimento, que ocorrem possibilidades e limitações históricas
oferecidas pela sociedade.
Vázquez (2007) destaca que, “nas condições da sociedade na qual vigora a forma da
propriedade privada sobre os meios de produção, a consciência dos interesses varia de
acordo com seu caráter. [...] e por essa razão, os homens se movem”. (p. 362).
Compreendemos que, apesar da estratificação da sociedade burguesa contemporânea, a classe
trabalhadora fixou a sua identidade classista, e segue no enfrentamento ao capitalismo.
No contexto atual, as condições objetivas se estabelecem a assegurar a exploração do
homem pelo homem, ressaltando as desigualdades e colocando a obtenção do lucro como
63
elemento central para a divisão e manutenção do caráter de classe, potencializando também a
hierarquização interna da própria classe.
Na tentativa de entender o racismo como fenômeno estruturado a partir das relações
capitalistas, observa-se que,

[...] o pressuposto marxista geral de que o processo de produção e reprodução


capitalista não gera apenas coisas, ou seja, mercadorias, mas principalmente relações
sociais de dominação e opressão. A implicação desse pressuposto foi observada em
relação à raça e ao gênero. [...] a exploração econômica da população negra e a
opressão social passam a ser consideradas decorrências do capitalismo e do racismo.
(IANNI, 2005. p. 22).

Podemos afirmar que o fenômeno do racismo 27, adquire conotação especial para o
capitalismo, partindo da contradição existente entre capital x trabalho, ele, o capitalismo,
exerce o domínio da classe trabalhadora, criando ferramentas para sua manutenção, com
finalidade a justificar a superexploração e a subjugação de um indivíduo pelo outro. Dessa
maneira, não só a força de trabalho, mas também as relações sociais são condicionadas a
funcionar sob a égide capitalista, assegurando as formas mais cruéis de dominação.
No entanto, cabe ressaltar que a dinâmica das relações de produção na sociedade
brasileira tem passado por várias transformações ao longo dos anos, sobretudo, no momento
que se refere a “abolição” da escravidão aqui no Brasil. Todavia, o racismo e a discriminação
racial também apresentam novas configurações e manifestações diferenciadas, desenvolvidas
a partir do contexto histórico que o país atravessou e ainda hoje atravessa.
Aliado a uma herança escravocrata, o sistema capitalista tem avançado de maneira
profunda nesta sociedade. Soma-se a isto, fatores históricos, sociais e ideológicos que se
reinventa constantemente, garantindo com eficácia a política de extermínio a toda uma
população. Com a falácia de que “somos todos iguais”, esta política se camufla ao mesmo
tempo em que se espraia. A reflexão a segui nos ajuda a compreender que,

27
[...] Tomamos o racismo como uma doutrina, uma ideologia, ou um sistema sobre o que se apoia determinado
segmento populacional considerado como racialmente superior, a fim de conduzir, subjulgar um outro tido como
inferior. (FLAUZINA, Op. cit. 2006. p. 12).
64
Na medida em que somos todos iguais “perante a lei” e que o negro é “um cidadão
igual aos outros”, graças à “lei áurea”, nosso país é o grande complexo da harmonia
inter-racial a ser seguido por aqueles em que a discriminação racial é declarada.
Com isso, o grupo racial dominante justifica sua indiferença e sua ignorância em
relação ao grupo negro. Se o negro não ascendeu socialmente e se não participa com
maior efetividade nos processos políticos, sociais, econômicos e culturais, o único
culpado é ele próprio. Dadas as suas características de “preguiça”,
“irresponsabilidade”, “alcoolismo”, “infantilidade”, etc. ele só pode desempenhar,
naturalmente, os papéis sociais mais inferiores. (GONZALES, 1979. p. 11).

Desse modo, não se pode falar em igualdade quando o ponto de partida para tal foi
marcado por uma ação cruel e desumana de segregação, e ainda nos culpabilizavam.
Historicamente, a população negra sempre esteve em situação de desigualdade e em posição
de subalternidade. Desnudar a realidade histórica da desigualdade racial, configura-se como
atuação decisiva para o seu enfrentamento. Partindo, inclusive, da compreensão de que o
racismo e suas nuances têm servido como pilar de sustentação ao sistema capitalista e ao
vasto projeto de extermínio da população negra.
Em muitos aspectos, estes grupos sociais são vistos como inadequadas, ou sujeitos
sociais que passaram de “excedentes para redundantes”, usadas para aumentar as estatísticas
da violência, criminalização da pobreza e exclusão social. Todo esse processo leva esses
“marginalizados” a buscarem formas “alternativas” de serem identificados como sujeitos
percebidos e inclusos nesta sociedade. Sobre isto, a conclusão que chegamos é que estas
assimetrias se solidificaram com largas estruturas, fincadas sob o pilar da falsa democracia
racial, o que dificulta ainda mais o reconhecimento do racismo como fenômeno que opera de
maneira funcional ao capitalismo.
Considerando que as relações sociais estão marcadas pela desigualdade, podemos
afirmar que o fator raça/cor é um dos determinantes para a exclusão 28 ou inclusão dos

28
“[...] Rigorosamente falando não existe exclusão; existe contradição, existem vítimas de processos sociais,
políticos e econômicos excludentes. Existe o conflito pelo qual a vítima desses processos proclama seu
inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva.
São reações que mostram não se tratar, estritamente, de exclusão, uma vez que não corre fora dos Sistemas
Econômicos e de poder. Tudo o que se refere a essas manifestações, acontece dentro da realidade que produziu
65
indivíduos. Neste sentido, a exclusão da população negra é constatada em todos os
indicadores sociais 29, demonstrando a concentração de homens e mulheres negras em situação
de desigualdade e vulnerabilidade social, destacando-se nos segmentos mais pauperizados da
sociedade brasileira.
Reconhecemos alguns avanços nas políticas das ações de enfrentamento ao racismo e
de promoção da igualdade. Porém, Neves (2010), ao discorrer sobre a obra de Moore (2007),
constata que “... a compreensão do racismo possui uma profundidade histórica...” (p. 125), e
no Brasil há pelo menos 500 anos, as estratégias racistas têm sido muito eficazes, com
expressões que as estruturam e particularidades que as escamoteiam.
Neste sentido, concluímos que ao longo da história, a dinâmica da violência racial
busca não só alargar as estruturas de exploração e dominação, como também adquire novas
roupagens. E nisto, o “mito da democracia racial”, tem servido ao papel de favorecer e
legitimar a discriminação racial, corroborando para naturalização das diferenças e colocando-
as como sinônimo de desigualdade, mantendo não só o status quo, como também fornecendo
mecanismos para a permanência das desigualdades raciais e de outras variáveis que se
interseccionam com ela como o gênero e a classe.
Desenvolvida a partir de uma imagem que destoava da realidade, o mito da
democracia funcionou como base de sustentação aos discursos racistas, servindo inclusive
como amparo ideológico para a manutenção das práticas de exploração e dominação da
população negra no pós-colônia. Entretanto, o poder continuava na mão da elite branca e
burguesa que atendendo as determinações capitalistas, super explorava e mantinha antigas
práticas de violência, porém, travestida de solidariedade e do compromisso com um “pacto
social”, que se colocava como projeto de superação ao período escravocrata.
Assim, a prática de imigração forçada arrastou-se por séculos, sendo destituída
somente quando outras formas de exploração se tornam relevantes.

Em plano teórico, a superação do antagonismo entre a mercadoria e o escravo


envolve as possibilidades de ampliação da margem de lucro e, em consequência, a
instauração de outros níveis de racionalidade, na organização da empresa e do

os problemas que a causam, estão no interior da realidade problemática”. (MARTINS, 1997. p.p. 14 e 15. Apud
ANDRÉ, 2008, p. 158).
29
Cf. IPEA e DIEESE (2012).
66
mercado. Torna-se necessário, romper a vinculação do escravo com os meios de
produção, de modo que a racionalidade possível no sistema econômico penetre
também a esfera do trabalho. Nesse passo, o escravo se transforma em trabalhador
livre, a mão-de-obra em força de trabalho. Somente nesse contexto é que a produção
de lucro é função da produção da mais-valia-relativa. Agora, a divisão do trabalho,
isto é, a racionalização crescente do modo de produção, difunde-se pelas relações de
produção, adquirindo a integração indispensável ao progresso do sistema. (IANNI,
2004. p. 20)

Conforme se observa, por necessidade de ampliação, o sistema capitalista desenvolveu


uma acelerada e violenta transformação da relação entre capital e trabalho, sobretudo, com a
instalação do sistema fabril, que consolidou novas formas de exploração da força de trabalho.
Os projetos de colonização obtiveram o impulso necessário para sua legitimação, e o
discurso racista seguiu seu curso, propagando o pensamento da inferioridade entre as raças 30.
Ainda hoje, percebemos que a sociedade brasileira tem o racismo e suas práticas
hierarquizantes como base das relações sociais.

2.4 - De invisibilizados a protagonistas: a participação do Movimento Negro


no processo de redemocratização do Brasil

Netto (2007) ressalta que o capitalismo na idade dos monopólios se organiza, de forma
a viabilizar as exigências necessárias para o acréscimo de lucros, através do controle dos
mercados. (p.20). Nisto “[...] recoloca, em patamar mais alto, o sistema totalizante de
contradições que confere à ordem burguesa os seus traços basilares de exploração,
alienação e transitoriedade histórica”. (p. 19). Entretanto, ao passo que o capitalismo se
desenvolvia e aumentava as estratégias para exploração da força de trabalho, o proletariado
também se organizava e desenvolvia meios de resistência às imposições capitalistas. (p.27).
Atribuímos ao MNU e ao Movimento de Mulheres Negras, muitas das conquistas
relativas ao resgate da identidade racial. Sobre isto, destacamos que os estudos sobre
30
Optamos por utilizar o conceito de raça por concordar que “[...] ‘raça’ não é apenas uma categoria política
necessária para organizar a resistência ao racismo no Brasil, mas é também categoria analítica indispensável: a
única que revela que as discriminações e desigualdades, que a noção brasileira de ‘cor’ são efetivamente raciais e
não apenas de classe” (GUIMARÃES, 2002, p. 51).

67
movimentos negros no Brasil apontam para três momentos principais, que tem início com a
Frente Negra Brasileira (FNB) nos anos 1930, passa pelo Teatro Experimental do Negro
(TEN) nos anos 1940 e 1950; e se firma com a consolidação do Movimento Negro Unificado
(MNU) no final da década de 1970 e início da década de 1980. Sobre isto, destacamos que:

Conforme as considerações de Guimarães (2006), a necessidade de uma


aproximação com as origens africanas, a influência da luta por direitos civis nos
EUA e o processo de descolonização da África irão trazer elementos importantes
para a autoafirmação dos negros brasileiros. Irá também estimular sua luta por
cidadania em duas frentes - luta democrática com influência socialista e luta pela
valorização cultural – ambas abrigadas pelo Movimento Negro Unificado contra a
Discriminação Racial (MNU), criado em 1978. (MENEZES, 2014. p. 32).

Portanto, com a aproximação do MNU ao “projeto do socialismo” durante a Ditadura


Militar no Brasil, o elemento econômico se torna o foco da discussão e as desigualdades
raciais são questionadas. Neste sentido, ao se colocar na busca pela eliminação das
desigualdades econômicas vigentes na sociedade brasileira, a esquerda também contribui para
a superação do racismo, mas isso por si só não eliminou – e nem eliminará – a discriminação
e a subvalorização social dos traços culturais e da identidade africana. Faltou inclusive, que as
organizações sociais e políticas da época, bem como os partidos ditos de esquerda,
assumissem o posicionamento de elencar a luta contra a discriminação racial em seus
discursos e nos seus projetos de combate a todas as formas de opressões.
O MNU contribuiu ativamente pela redemocratização do Brasil, atuando em conjunto
com diversos movimentos e atores sociais da sociedade civil organizada. Também nesse
período,

[...] a reafirmação de um diagnóstico no qual o negro é associado à situação de


miséria que predomina nas camadas de menor renda da população. O enfretamento
das condições de pobreza e a oferta de melhores condições de educação, de trabalho
e de cidadania definem uma pauta importante das demandas do Movimento Negro.
Com elas, colocava-se a ênfase na necessidade de reconhecimento da discriminação
racial como um fenômeno recorrente no país e de sua condenação [...]. A associação
entre pobreza e negritude pode ainda ser observada na descrição de Santos (2007, p.
68
151) sobre as propostas apresentadas pelo Movimento Negro paulista em meados da
década de 1980, onde se destacam, além da demanda pela criminalização da
discriminação racial, a reivindicação de garantia de reserva de vagas nas instituições
públicas de ensino, do primeiro grau à universidade, à população carente.
(JACCOUD, 2008. p. 57).

A partir da reflexão da autora, compreendemos que a vasta pauta do MNU era muito
mais ampla do que uma “inclusão na sociedade de classes”. As necessidades para inclusão e
respeito passavam antes de tudo pela elaboração de políticas públicas de educação, saúde,
habitação, acesso ao trabalho em condições dignas etc. Neste sentido, romper com o
preconceito, a pobreza e a discriminação, são ações que desnaturalizam o racismo, pois
contraria a ideia de que pobreza e negritude são sinônimos. Este, pois, ainda é um grande
desafio, uma vez que infere diretamente na luta por cidadania, justiça social e equidade.
O movimento em favor da redemocratização do Brasil se intensificava em vários
setores da sociedade civil brasileira. O surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT), da
Central Única dos Trabalhadores (CUT), das Diretas Já, do Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra (MST) entre outros, se constituíam como movimentos de esquerda, e com
discursos de oposição, pleiteavam a retomada da democracia e das pautas sociais abandonadas
durante o período ditatorial, dentre elas as dos direitos civis e políticos, do combate à pobreza
e das desigualdades sociais e econômicas.
Jaccoud (2008) salienta que, “neste discurso, definia-se a pobreza como um processo
de exclusão dos benefícios do desenvolvimento econômico enquanto a cidadania era definida
por uma dupla característica: a participação nas decisões públicas e o acesso a direitos
sociais”. (p. 56). Assim, com destituição do regime militar e a elaboração da Constituição
Federal de 1988 (a constituição cidadã), debates como a dívida social, que refletia na
desigualdade que marcava a sociedade brasileira, apontam a urgência de políticas púbicas e
sociais.
O objetivo, portanto, se dava em viabilizar o combate à situação de exclusão do
processo político e decisório, e ainda, do processo de desenvolvimento econômico que se
abatia sobre a maioria da população brasileira. Assim, a proteção social e os direitos sociais
que se formaria a partir da seguridade social, permitiria o acesso dos setores mais

69
empobrecidos da população brasileira, aos benefícios do desenvolvimento econômico e da
própria democracia.
Os estudos sobre a questão racial no Brasil ressurgem com um novo enfoque a partir
do final da década de 1970 e início da década de 1980. Outros estudos e pesquisas foram
realizados com o objetivo de compreender a nova face dessas relações na sociedade brasileira.
Instituições públicas se lançaram em pesquisas para averiguar a existência de desigualdade
racial, com o objetivo de criar possibilidades para integrar “o negro na sociedade de classes”,
tal qual sugere Florestan Fernandes.
É, pois, a partir da década de 1970, que a integração do negro na sociedade de classe
começa a ser questionada, sobretudo, pelos movimentos sociais e partidos políticos que se
colocavam em oposição ao Estado e a seu caráter autoritário. O que se apresenta, é uma
necessidade de discussão e aprofundamento do significado político que implicava a questão
racial no país, e a retomada por uma identidade política com vias a resgatar a ancestralidade e
a africanidade.
Neste sentido, afirmamos que o final da década de 1970 constitui-se como um marco
importante para a história do Movimento Negro Brasileiro. Nesta fase se inaugura novas
estratégias de luta por políticas públicas e sociais e na defesa dos direitos da população negra.
Surge no cenário brasileiro a criação do Movimento Negro Unificado – MNU. Este
movimento atuava em diversas frentes como através da cultura, religião, na área acadêmica e
também na política. Conforme observação a seguir:

À medida que ocorre uma aproximação da militância negra com o socialismo, nos
anos 60 e 70 – em plena ditadura militar - a luta passa a ganhar um novo elemento: o
econômico. A superação das iniquidades de origem racial é colocada como
consequência da vitória final das classes subalternas na luta de classes. Conforme as
considerações de Guimarães (2006), a necessidade de uma aproximação com as
origens africanas, a influência da luta por direitos civis nos EUA e o processo de
descolonização da África irão trazer elementos importantes para a autoafirmação dos
negros brasileiros. Irá também estimular sua luta por cidadania em duas frentes - luta
democrática com influência socialista e luta pela valorização cultural – ambas
abrigadas pelo Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNU),
criado em 1978. (MENEZES, 2014. p. 32).

70
Dessa forma, compreendemos que o MNU unificava a luta da população negra e agia,
na perspectiva de apontar, de forma individual ou coletiva, sobre a condição de desigualdade
social em que viviam os negros (as) no Brasil. Tal ação pautava-se exclusivamente pela
denúncia do racismo e da condição que ocupavam como os superexplorados da classe
trabalhadora, pois, como veremos em nota que se segue, “no paraíso da classe trabalhadora, o
negro também não entra”, ou seja, seja na produção industrial, nas agências automobilísticas
ou mesmo na construção civil, o lugar pré-determinado aos negros (as) é sempre o sublugar, e
nas piores condições de trabalho possíveis.

A entrada agressiva do capital estrangeiro no país ampliou o seu parque industrial.


[...] tal agressividade determinou, por sua vez, a desnacionalização ou o
desaparecimento das pequenas empresas. E era justamente por elas que o
trabalhador negro participava do mercado de trabalho industrial. [...] era o
capitalismo invadindo todos os setores da economia brasileira [...]. Essa ofensiva
ocasionou grandes índices de desemprego no campo. [...] a gente imaginar qual o
tipo de saída encontrado pelo trabalhador rural para fugir da miséria: o deslocamento
para a periferia dos grandes centros urbanos. [...] de acordo com o censo de 1980, a
população urbana passou a constituir 67,57 % do total. [...] as cidades não
cresceram, mas “incharam”. Com o aumento de favelas e o surgimento desse novo
personagem, o “boia-fria” no cenário da história dos despossuídos desse país. [...] A
indústria automobilística, assim como a construção civil serviram de ponta de lança
desse do processo que afogou os demais setores da economia brasileira na voragem
do imperialismo multinacional. A construção civil foi, sobretudo, um grande
escoadouro da mão-de-obra barata (majoritariamente negra). (GONZALEZ E
HASENBALG, 1982. p.p. 12 e 13).

A agressividade capitalista que ora se apresentava no Brasil, contrastava, com a


efervescência política nesse contexto histórico. Este período foi marcado pelo espraiamento
das movimentações populares na luta contra o autoritarismo instaurado com a ditadura militar
que configurou- se em,

71
[...] uma contra-revolução preventiva que completou de modo autoritário e
antipopular o nosso modelo de substituição de importações, iniciado na grande crise
do capitalismo mundial dos anos 1930. Com este modelo econômico, o Brasil
passou por uma intensa e tardia industrialização e urbanização, o que correspondeu
ao pleno desenvolvimento das relações sociais burguesas num país periférico, com
as particularidades que são inerentes a uma formação social realizada nestas
condições históricas. (MENEGAT, 2008. p.6).

Diante dessa realidade, a classe operária em conjunto com vários movimentos sociais
surgidos nessa época se organizava em prol de uma mudança estrutural e da reforma política
do Estado. Também, é um período marcado pelo processo de subordinação ao imperialismo
norte-americano, internacionalização da economia e tensões internas que questionavam os
mecanismos de dominação imperialista.
A Revolução Cubana e os movimentos políticos vinculados ao socialismo e ao
marxismo, impulsionam a resistência política no Brasil e em boa parte da América Latina.
São movimentos emergidos tanto pela crise mundial do padrão de acumulação capitalista,
quanto pela inserção dos países latinos na nova divisão internacional do trabalho, resultado da
implantação da política econômica desenvolvimentista que só fez aumentar as contradições e
potencializar as desigualdades sociais.
A leitura marxista se dá pelas ciências sociais, também é nela que surgem novas
formulações acerca das categorias de raça e classe, trazendo outro sentido histórico e teórico a
elas. O marxismo vai trazer a compreensão de que no processo de produção e reprodução
capitalista, o resultado não é só o desenvolvimento de relações a partir da coisificação que as
tornam em mercadorias, mas que, para obtenção integral e acúmulo de lucros, são necessárias
outras formas de dominação e opressão.

Por isso, é necessário lembrar a transversalidade em que o racismo opera e


reconhecer que ele também está presente internamente em parcelas da própria classe
trabalhadora. Essa cisão constante causada pelo racismo pode ser uma das
estratégias utilizadas pelo capitalismo para controlar a classe trabalhadora - pois
enquanto a maioria (parcelas da classe trabalhadora) compete veladamente - e
agressivamente - entre si, a minoria (capital) mantém o controle sobre todos. Por
esta razão, até a solidariedade intraclasse trabalhadora precisa ser construída e
fomentada. Isto ocorre porque os sujeitos sociais, inseridos na vida social cotidiana,
72
não são mera abstração, são concretos e ainda pouco elucidados em suas
particularidades (rebeldias, conformismos e lutas) e nas suas relações sociais, no
tempo e espaço histórico que vivemos. (MENEZES, 2014. p. 51).

Assim, compreendemos que o capitalismo se alimenta dessas transversalidades e das


interseções com o racismo e a luta de classes. As questões de gênero, raça, sexualidade,
ecológicas, regionais e geracionais, são questões que expressam as contradições presente entre
a relação capital e trabalho, operando sempre em favor do interesse econômico do
capitalismo.
Os anos 1990 foram marcados pelas transformações do capitalismo nos países centrais e sua
entrada massiva nos países ditos periféricos. O desmonte do Estado resultava em uma consolidação
do seu caráter regulador, sobretudo, no que tange a seguridade e a assistência social. Com a adoção
desse posicionamento, o Estado brasileiro, reassumia a perspectiva de retomar a postura que
havia feito no passado, ele, o Estado, passa a não mais se responsabilizar pelo
desenvolvimento das políticas sociais, colocando-se como mínimo e contraditório para a
classe trabalhadora, porém máximo para o capitalismo e suas exigências. Neste sentido,
observa-se que:

O Brasil aprofundou o seu caráter de país dependente e submisso aos centros


econômicos do mundo. Com uma economia oligopolizada e fortemente
desnacionalizada, depende como nunca dos interesses das grandes corporações
multinacionais. Foi nesse contexto que se inseriu a modernização tecnológica e as
novas formas de organização do processo produtivo na indústria brasileira.
(MENEGAT, 2008. p.7).

Observa-se que toda a preocupação com o bem-estar da população brasileira assumido


na constituinte, permaneceu somente no plano das ideias. O que se estabeleceu no Brasil foi
uma ampliação capitalista, com enxugamento dos gastos públicos, privatizações, desemprego
estrutural, empobrecimento da população e ataques aos direitos dos trabalhadores.
Agudização das desigualdades sociais, políticas sociais cada vez mais focalizadas, pontuais e
emergenciais, entregues ao terceiro setor e às Organizações Não Governamentais (ONGs). O

73
que resulta dessa direção é o aumento do subemprego e uma enorme crise econômica, política
e social, que pode ser sentida até os dias atuais.
A entrada da ofensiva neoliberal, marca a opção político-econômica assumida pelo
Estado brasileiro provocado pelo seu desmonte e contrarreforma. As transformações ocorridas
ao longo dos anos 90, sobretudo, no Governo de Fernando Henrique Cardoso, apontam a
direção a ser seguida no Brasil. Ter optado por essa direção, resultou em duras consequências
para sociedade civil31. Os movimentos sociais foram desarticulados, ocasionando o
esvaziamento das suas pautas, inclusive, pondo em questão a necessidade de sua existência.
Nesse contexto social surgem imposições à classe trabalhadora, que se rearticula em formas
de organização com novas estratégias de luta. A isto, denominou-se o de “novos movimentos
sociais32” atuando, sobretudo, na substituição de papéis que cabem ao Estado. Dessa forma,
observamos que,

Por esta razão, faz-se necessário também problematizar o modo como os “novos
movimentos sociais” - surgidos na década de 90 - particularmente as ONGs,
resgataram vários debates pertinentes à sociedade, entre eles o debate da questão
étnico-racial no Brasil. Acompanhando a conjuntura nacional, a crítica foi retomada,
porém – na maioria das vezes - encerrada em seus próprios muros. A mudança
fundamental trazida nos discursos desses “novos atores sociais”, que ficaram
conhecidos como “sociedade civil organizada”, foi o esvaziamento da crítica ao
sistema capitalista como criador e reprodutor de desigualdades. (MENEZES, 2014.
p. 33).

31
O conceito de sociedade civil vem sofrendo modificações que acompanham a conjuntura nacional. No Brasil
[...] ele surge no período da transição democrática, no final dos anos 1970, quando foi introduzido no
vocabulário político corrente e passou a ser objeto de elaboração teórica etc. Na ocasião, ele se tornou sinônimo
de participação e organização da população civil do país, na luta contra o então regime militar. Esse cenário
estimulou o surgimento de inúmeras práticas coletivas, no interior da sociedade civil, voltadas para a
reivindicação de bens e direitos sociopolíticos negados, até então, pelo regime vigente. Um dos principais eixos
articuladores da sociedade civil foi dado pela noção de autonomia. Tratava de organizar-se, independentemente,
do Estado. Era um discurso estratégico. A democracia direta e participativa era tida como modelo ideal.
Participar das práticas de organização da sociedade civil significava, também, um ato de desobediência e de
resistência ao regime político predominante. (GOHN, Op. cit. 2013. p. 302).
32
Constituem-se movimentos sociais “ações coletivas propositivas as quais resultam, na vitória ou no fracasso,
em transformações nos valores e instituições da sociedade”. (Idem. p. 42).
74
Compreendemos, com a reflexão proposta por Menezes (2014), que se tratando dos
novos movimentos sociais, dentre eles os “novos movimentos negros”, assumiram como
prioridade o combate à discriminação racial, principalmente, no âmbito do racismo
institucional. O objetivo era promover a “inclusão social” da população negra nos vários
setores da sociedade brasileira. No entanto, nesse movimento, também houve um
esvaziamento no que tange a luta política de caráter emancipatório.
Assim, a constatação a que chegamos, é que de fato, existe tanto por parte dos
militantes mais orgânicos do MN quanto da esquerda brasileira, uma dificuldade em articular
a questão étnico-racial de elementos essenciais como o social, o econômico e o político. Sem
essa articulação, afirmamos não ser possível caminhar de forma plural na perspectiva de
análise da totalidade social.
Por isso, a presente proposta tem como finalidade a realização de um estudo
teórico/bibliográfico e documental, com o propósito de investigar o (não) lugar do debate
étnico-racial na pós-graduação em Serviço Social. Partindo da hipótese de que a
marginalidade dessas discussões traz como consequência o enfraquecimento do Projeto Ético
Político profissional do Serviço Social, objetivamos expor a relevância da centralidade desse
debate para que se efetive, de maneira coerente, a perspectiva revolucionária e transformadora
da realidade adotada hegemonicamente pela categoria.

75
O ESTADO DE EXCEÇÃO: entre a produção da “vida nua” e os caminhos
para a barbárie

O segundo capítulo desse trabalho, apresenta a discussão da subproletarização da


população negra como um resultado do estado de exceção, que se inicia na escravidão33,
passando pela abolição e que se solidifica nas relações capitalistas dos dias atuais. Outra
discussão a ser tratada nesse capítulo trata do protagonismo do Movimento Negro Brasileiro,
bem como suas lutas e conquistas. Apresentaremos ainda, um breve resumo sobre as formas
de organização e resistência da população negra, frente às políticas genocidas do Estado
brasileiro.
Nesse capítulo, a discussão perpassa em entender de que maneira, os Estados
democráticos manifestam sua potencialidade na produção de “vida nua”, colocando-se como
soberano e exercendo todo o seu autoritarismo na execução de estratégias para eliminar os
cidadãos indesejáveis e desajustados (homo sacer).34 Portanto,

O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração, por
meio do estado de exceção, de uma guerra civil que permite a eliminação física não
só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por
qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político. (AGAMBEN, 2004, p.
13).

Para Agamben, o Estado de direito, se caracteriza na dinâmica política das sociedades


modernas e se movimenta paradoxalmente entre o reconhecimento da existência da exceção e
a legitimidade do poder soberano do Estado35, assumindo inclusive a administração do corpo

33
Compreendemos que a escravidão se configura como um sistema onde o ser escravizado é visto e tratado
como mercadoria. Diferente do trabalhador livre, que mesmo desprovido dos meios de produção, vende a sua
força de trabalho, transforma-a também em mercadoria. Todavia, nesses dois casos existem práticas coercitivas e
de dominação. Porém, no primeiro caso a dominação se dá no ato da escravização, já no caso do trabalho livre,
o trabalhador é privado do acesso aos meios de produção, e por isso, se vê obrigado a vender a sua
força/capacidade de trabalho. Ver mais em: GORONDER (2000. P.21).
34
Voltaremos a essa discussão durante o desenvolvimento do capítulo.
35
Coutinho (1994) afirma que o Estado é um organismo que exerce a função de garantir a propriedade privada,
assegurar e reproduzir a divisão da sociedade em classes, garantindo a dominação dos burgueses sobre o
proletariado. Assim, é um Estado de classe, uma entidade particular que defende os interesses comuns de uma
classe particular. Marx e Engels: o poder político do Estado moderno nada mais é do que um comitê para gerir
os negócios comuns de toda burguesia. A materialidade institucional do Estado se limitados aparelhos
repressivos e burocrático-executivos. Ao analisar o Estado como mero comitê executivo da burguesia e que as
76
do indivíduo, bem como de todas as ações que envolvem o ser social. Poderíamos, então,
afirmar que as contradições da nossa socialização em bases racistas, nos colocam dentro de
um estado de exceção? Quais seriam as consequências dessa imposição para a população
negra brasileira?
Diante do exposto, vamos discutir de que maneira o Estado ao legitimar a pedagogia
do ódio e da violência contra um determinado grupo social, atua na contramão de sua própria
constituição. E ao legitimar a “exceção” opera como executor da barbárie capitalista,
infringindo diretamente na subjetividade e na vida de homens e mulheres negras. Nesta
direção, Agamben afirma que “o estado de exceção, apresenta-se na perspectiva da
indeterminação entre democracia e absolutismo” (AGAMBEN, 2004, 13).
O estado de exceção se coloca como resposta imediata do Estado aos conflitos
internos mais extremos. Portanto, o estado de exceção apresenta-se como um patamar de
indeterminação entre democracia e absolutismo. Neste sentido, o Estado de direito das
sociedades modernas ocidentais, movimenta-se em torno da contradição entre o
reconhecimento sobre a existência da exceção, ou admitir o risco de atribuir legalidade e
prerrogativas de poder soberano aos Estados que se declaram como democráticas. (p.12)
Agamben (2004), ao se debruçar em análise sobre as transformações ocorridas no
mundo atual, desenvolve sua reflexão, sobretudo, a partir do declínio do socialismo e da
consolidação da soberania capitalista. O advento da globalização 36 aponta a direção a ser
seguida, ou seja, para um mundo, submetido a uma única ordem econômica, jurídica e
culturalmente assimilada. Um mundo onde a militarização da vida ocorre em consonância
com os ditames da ordem capitalista.

leis de acumulação capitalista não permitem nenhuma concessão aos interesses da classe proletária no interior da
atual sociedade, chega-se a uma conclusão: já que a forma política da luta de classe é a guerra civil, a transição
ao socialismo implica uma explosão insurrecional e uma ruptura súbita e violenta com a ordem burguesa.
(COUTINHO, 1994. cap. 1 e 3 - p. 13-69 e 91-120).
36
Santos (2003) conceitua globalização como o conjunto distinto das relações sociais, que dá origem a diferentes
fenômenos de globalização. Portanto, a globalização é o processo pelo qual determinada condição ou entidade
local e estende a sua influencia a todo o globo e desenvolve a capacidade de designar como local outra condição
ou entidade rival. As implicações desta definição é que não existe condição global para a qual não consigamos
encontrar uma raiz local, uma imersão cultural especifica. A segunda implicação é que a globalização pressupõe
a localização. As transformações mais frequentemente que advém da globalização é a compressão tempo-espaço,
o processo social pelo qual os fenômenos se aceleram e se difundem pelo globo. A competência global requer o
acentuar da especificidade local.

77
Sob a forte influência dos estudos de Schmitt (1922), Agamben (2004), traduz a sua
teoria sobre o que vem a ser o estado de exceção e como se dá sua efetivação na sociedade
contemporânea. Para Schmitt, “todo governo é passível de uma ação que inclua um elemento
ditatorial em sua constituição”. E nesta direção, Schmitt define “a soberania como o poder de
decisão sobre a instauração do estado de exceção”.
Por estado de exceção, Schmitt (1922) compreende a possibilidade de instaurar todos
os tipos de violência a serviço do próprio direito ou até mesmo do próprio Estado. Embora na
nossa compreensão a ideia de estado de exceção não tenha uma teoria totalmente definida,
podemos afirmar que o seu significado “biopolítico” pode ser compreendido pelo poder que
ele exerce ao cessar os direitos do cidadão. Assim, o estado de exceção se constitui não como
um direito especial, mas sim quando interrompe sua própria ordem jurídica, pois isto é o que
define o alcance do seu limite.
Ainda nessa reflexão, observamos que Agamben (2012) ao revisitar a obra de Schmitt
(1922), sobretudo, no que se refere aos conceitos de soberania e exceção , destaca que ele
compreende a exceção como a passagem do Estado Democrático de Direito, para a
instauração das ações excepcionais, ou se preferirmos, para as ações de exceção. No entanto,
é neste momento em que o “soberano”, decide sobre as regras do jogo, ou seja, onde ele, o
soberano estabelece quais serão as “exceções”.
Sobre isto, Agamben (2014), ressalta que “[...] a soberania se apresenta, então, como
um englobamento do estado de natureza na sociedade, ou, se quisermos, como um limiar de
indiferença entre natureza e cultura, entre violência e lei, e esta própria indistinção constitui
a específica violência soberana [...]”. (p. 42).
O poder instituído ao soberano é constitutivo do Estado e explica-se pelo limite da
indiferença existente entre natureza e cultura, violência e lei. Portanto, o estado de exceção
traduz a violência no fundamento da ordem jurídica e em seguida, da norma. Assim,
compreendemos que as normas cumprem o papel de legitimar o poder e de gerar a autoridade,
imputando uma posição valorativa à ação do Estado.
O capitalismo, para garantir os seus objetivos, busca identificar aqueles que de alguma
forma, oferecem “perigo” à sua soberania. Através dos mecanismos de dominação ele se
desenvolve e determina aqueles que são postos à margem da sociedade, sem direito e sem
cidadania, legitimando o estado de exceção. Assim, a estrutura racista tem operado como um

78
conteúdo de dominação, não apenas étnico, mas também ideológico e político. Portanto, tal
reflexão nos leva a compreender de que maneira as bases colonialistas implantadas no Brasil,
obtiveram o êxito necessário para sua solidificação e materialização nessa sociedade o estado
de exceção.
Nesse aspecto, embora não seja o nosso objetivo esgotar por hora essa discussão,
apontamos em linhas gerais, alguns dos fatos históricos que concebem êxito ao capitalismo
nacional pela via do colonialismo. Em Discurso Sobre o Colonialismo, Aimé Césaire, afirma
que:
Uma civilização que se revela incapaz de resolver os problemas que o seu
funcionamento suscita, é uma civilização decadente. Uma civilização que prefere
fechar os olhos aos seus problemas mais cruciais, é uma civilização enferma. Uma
civilização que trapaceia com os seus princípios, é uma civilização moribunda.
(CÉSAIRE, 1978, p.1).

A ambição provocada pelo desejo interminável de dominação, levou a humanidade a


escrever mais um trágico capítulo de sua existência. Escravizar homens e mulheres, parecia a
mais acertada das práticas capitalistas. Usando, sobretudo, as diferenças raciais e de gênero,
como pretextos ideológicos, justificavam suas práticas, alegando que a colonização traria
civilização aos povos escravizados. Em nome de um deus, da boa fé e da evolução, a prática
escravista se legitimava como coisa legal.
É certo afirmar que a sociedade brasileira desde a sua fundação, encontra-se na mais
profunda decadência social, cultural, econômica, política etc. Ora, é sabido que esta
população está adoecida e padece de toda sorte de enfermidade, provocada pelo vergonhoso
processo que foi a escravidão de seres humanos, institucionalizando, assim, a chamada
“questão racial” aqui no Brasil.
Traçando um paralelo com a reflexão realizada nos parágrafos anteriores, podemos
pensar o surgimento da questão racial como a legitimação do estado de exceção que se
constituiu aqui no Brasil. A partir de alguns marcos distintos, compreendemos como se deu
esse processo. Situamos o próprio processo de colonialismo, pois, foi onde se estabeleceram
as primeiras formas de exceção através da escravidão, legitimando e definindo as hierarquias
raciais. Partindo de uma análise sócio-histórica, incluímos essa demarcação como aquilo que

79
privilegia determinados acontecimentos ocorridos durante o século XIX, e recolocam a
questão racial como elemento central da formação do estado de exceção nesse país.
O trabalho escravo constituía o núcleo duro do sistema produtivo colonial brasileiro, e
a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, não se deu de forma integral ou
homogênea, mas sim com particularidades que alargavam a exclusão de uma significativa
parcela da população, a partir de mecanismos legais como a Lei de Terras de 185037, a Lei da
Abolição de 188838, e ainda o processo de estímulo à imigração europeia, que criava aqui um
cenário no qual a mão-de-obra negra passa a uma condição de força de trabalho excedente,
sobrevivendo, em sua maioria, dos pequenos serviços ou da agricultura de subsistência.
(THEODORO, 2008. p.15)
Ianni (2004) salienta que durante a segunda metade do século XIX, a sociedade
brasileira era governada pela contradição entre a mercadoria e o escravo. Segundo o autor,
esse antagonismo entre escravo e mercadoria somente aparece como contradição no momento
em que o sistema econômico social ingressa num período de transformação. Assim, a
exploração do trabalhador na esfera dos meios de produção é um acontecimento que, ao
mesmo tempo, torna-se preliminar e interno à formação do capitalismo industrial. É neste
momento, que se inicia um novo ciclo das acumulações capitalistas e uma reacomodação do
Brasil no quadro do capitalismo mundial.
Neste sentido, a superação da incompatibilidade entre mercadoria e escravo, envolve
as possibilidades de ampliação da margem de lucro e em consequência, a instauração de
outros níveis de racionalidade – na organização da empresa e também do mercado. Dessa
forma, a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, mediante a um processo
histórico, cria condições para o surgimento do trabalho assalariado, sendo esta é condição
essencial para o desenvolvimento do modo capitalista de produção. Assim, observa-se que:

37
Também conhecida como Lei nº601, um dos seus principais objetivos era a manutenção dos grandes
latifúndios e permitir a posse de terras somente por meio da compra; além de elevar o preço da terra e assim
impossibilitar o acesso a ela por parte dos trabalhadores rurais; MARTINS (1997) acreditava que a terra era
destituída de valor, antes da lei de 1850, para ele, os seres escravizados valiam muito mais que a terra. Todavia, a
fazenda representava trabalho escravo acumulado, sendo o principal capital do fazendeiro o escravo. Neste
sentido, a terra sem trabalhadores não representava valor algum. Nesse sentido, observa-se que o escravo possuía
duas funções distintas, a primeira que era de produzir e ser garantia bancária de crédito para expansão ou custeio
da fazenda, fazendo com que o fazendeiro se tornasse dependente do escravo, e também subordinando ao tráfico
negreiro.
38
C.f. THEODORO, 2008.
80
Um dos pressupostos do trabalho assalariado é uma das condições históricas do
capital é o trabalho livre e a troca de trabalho livre por dinheiro, com o objetivo de
reproduzir o dinheiro e valoriza-lo; de o trabalho ser consumido pelo dinheiro, não
como valor de uso para o desfrute, mas como valor de uso para o dinheiro. Outro
pressuposto é a separação do trabalho livre das condições objetivas de sua
efetivação, dos meios e do material. Isto significa, acima de tudo, que o trabalhador
deve ser separado da terra enquanto seu laboratório natural significa a dissolução
tanto da pequena propriedade livre como da propriedade comunal, da terra assentada
sobre a comuna oriental. (Marx, 1977. p. 65)

Conforme analisado por Marx, é o trabalho livre e a venda da força de trabalho que
constitui as condições necessárias para o desenvolvimento capitalista, ou a acumulação
primitiva de capital, uma vez que é a partir dessa troca, da força de trabalho por dinheiro, que
ocorre a produção de valor e também da mais valia, dessa forma, esse movimento pressupõe a
separação do trabalhador com os meios de produção. A formação do mercado de trabalho e da
transformação da terra em mercadoria pode ser compreendida no que Marx descreveu como
acumulação primitiva, e que se constitui como alicerce para o desenvolvimento do mercado
interno para o Capital.
Abolição da escravidão, queda da Monarquia e o primeiro “surto de industrialização”
do século XIX, marcam algumas das principais transformações históricas no Brasil. Dessa
forma, entram em cena as mais variadas formas de ações para manutenção das medidas que
poderiam assegurar as hierarquias raciais desenvolvidas aqui. São ações que vão desde a
política de imigração europeia, passando pela política de embranquecimento, dos mitos da
mestiçagem e democracia racial. Assim, desenvolveu-se a elite branca e a sua superioridade
racial, social, e econômica, e aos homens e mulheres negras, restou uma grande carga de
inferioridade que lhes eram imputadas, mediante a cor, cultura, as línguas, os costumes, as
crenças etc.
Todavia, destacamos que tais medidas se desenvolveram com o intuito de dizimar a
população negra e assegurar a ideia de “nação brasileira”, tal como a europeia.

No ano de 1911, o então diretor do Museu Nacional, João Batista de Lacerda,


representando o Brasil no congresso mundial sobre raça, em Londres, afirmou aos
participantes que, no prazo máximo de cem anos, os negros não existiriam mais no

81
país. Dizia que, com a miscigenação e o poder do gene branco sobre o negro, não
tardaria o branqueamento da nação. Todavia, ao retornar ao Brasil, sofreu severas
críticas de seus colegas intelectuais, pois todos acharam que o prazo de cem anos,
que ele havia previsto para o fim da raça negra, era muito tempo. Se João Batista de
Lacerda estivesse vivo hoje, certamente estaria em total descrédito, assim como sua
teoria e seus seguidores. Segundo os dados do Censo de 2010, o Brasil hoje, ou seja,
após os cem anos previstos pelo exímio diretor, é formado por mais de 50% de
negros (pretos e pardos). Vê-se, pois, que a população negra não desapareceu; ao
contrário, tornou-se maioria da população brasileira. (ROCHA, 2014. p. 37).

No entanto, diante dessa reflexão, afirmamos que mesmo que a ideia da inferioridade
genética do negro tenha sido refutada pelos estudos cientistas, outras formas de superioridade
permanecem em voga. Este é um país nitidamente polarizado, ou seja, vigora no Brasil o mais
nefasto sistema de exclusão de toda sorte, como a exclusão humana, social, cultural, política,
econômica. Um sistema que se mantém soberano há quase quatro séculos de existência,
provando assim, o quanto foi e é eficaz na sociedade brasileira. Observa-se que:

O descendente do africano escravizado, marcado pela diáspora e pelo holocausto,


compondo a mais numerosa coletividade, dentre as várias etnias; mesmo porque os
brancos distribuem-se em distintas nacionalidades, fidelidades e identidades; sem
esquecer que muitos compõem amplamente os trabalhadores assalariados, as classes
e setores subalternos, mesclando-se com os negros e outras etnias em locais de
trabalho, produção e reprodução. Sim, grande parte da questão racial no Brasil diz
respeito ao negro, como etnia e categoria social, como a mais numerosa “raça”, no
sentido de categoria criada socialmente, na trama das relações sociais desiguais, no
jogo das forças sociais, como as quais se reiteram e desenvolvem hierarquias,
desigualdades e alienações (IANNI, 2004, p. 143).

De acordo com o autor, observamos de que maneira se alargam as fronteiras das


desigualdades raciais e como se forjam as relações sociais num mundo distinto, mas que se
complementam. Mesmo que, quase sempre, se distanciem num jogo dialético inerente ao
próprio sistema capitalista.

82
Por um lado, o Brasil escravocrata e o conjunto de normas jurídicas que buscam
legitimar o escravismo e as suas transformações históricas, com seus atores sociais mais
significativos, a engendrar o seu projeto de poder senhorial hegemônico, quase sempre
sinônimo de um mundo exclusivamente branco. Do outro lado, o Brasil escravizado,
constituído de negros anônimos, que com sua força, seus braços e seu sangue, edificaram a
nação. Lutaram e ainda lutam, a seu modo, pela sua emancipação e pela dissolução do regime
servil, enquanto preservam, criam ou recriam os elementos culturais que iriam mais tarde,
séculos depois, dar o tom daquilo que viria a ser a chamada cultura brasileira.

2.1- Exclusão inclusiva ou inclusão sem pertencimento?

“Na tentativa de racionalizar os atos é muito


mais comum apelar-se para argumentos
lógicos, sofisticados, do que simplesmente
reconhecer que se tem medo...”
(Célia M. M. de Azevedo)

As várias transformações ocorridas no mundo, sobretudo, a partir da metade de 1970,


marcam a nova fase do sistema capitalista. Com essas transformações, veio também à
aceleração de todo o seu domínio sobre o globo e as várias esferas da vida humana, atingindo
assim a sua maturidade. Impulsionada por grandes transformações produtivas, o sistema
capitalista avança, desenvolvendo novos mecanismos de controle de tudo e de todos. É a
velha forma de domínio assumindo novas roupagens, dos grandes centros aos países
periféricos, e dessa maneira, vão se formando as ideologias que conformam um imenso
retrocesso. (Menegat, 2008).
Nessas transformações capitalistas, o racismo também adquire status ideológico que se
alimenta de aspirações políticas, expandindo seus tentáculos a todas as nações. Com a
justificativa de promover a civilização aos países subdesenvolvidos, as nações dominadoras
ocupavam territórios e destruíam culturas e civilizações inteiras. Mas na contemporaneidade,

83
o antigo aparelho colonial desenvolveu novas ações a fim de manter seu domínio. Podemos
dizer que o racismo moderno, tal como se estrutura hoje, nasceu das entranhas capitalistas.
De forma particular, porém dinâmico, o capitalismo assim como o racismo se
desenvolveu no interior de cada país. Com justificativas biológicas, psicológicas, econômicas
e até cultural, o racismo se solidificou, e até hoje se mantém explorando e subjugando
diversas camadas da classe trabalhadora, sobretudo, negras, mestiças e femininas. Sobre isto,
relembramos que a imagem do Brasil como uma nação híbrida, mestiça e degenerada se
mantinha intacta, conforme salienta Schwarcz (1994). Essa impressão, outrora desenvolvida
por intelectuais e pensadores do século passado, e que travestida da roupagem científica,
ainda hoje, se mantém viva e eficaz.
Para garantia do progresso e desenvolvimento desse país, era preciso superar o atraso
existente aqui. Sem sombras de dúvidas, esse atraso era atribuído, principalmente, ao
desenvolvimento do capitalismo tardio, e também dos resquícios do colonialismo. Dessa
forma, quais seriam as estratégias desenvolvidas para superar tal atraso? Como se livrar da má
influenciada deixada pela escravidão? De que maneira se dá a confluência do capitalismo com
as ideologias racistas? É sobre isso que trata esse tópico de discussão, ou seja, na tentativa de
compreender de que maneira essa mistura nociva adquire contornos cada vez mais eficazes
que destroem vontades, sonhos e vidas.
Bento (2002), destaca alguns elementos que perpassam pela discussão de capitalismo e
relações raciais. Sobre esses aspectos, a autora destaca o enlace da dimensão subjetiva que se
materializa como ação que potencializa a reprodução do racismo. Aspectos importantes como
a branquitude e o medo, são elementos que contribuem para a funcionalidade do racismo e
permite a sua eficácia.
A discussão acerca da questão racial no Brasil adquiriu diversos contornos ao longo
dos anos. Apesar de diversas propostas e formas de enfrentamento, sempre prevaleceram
formas de exclusão. Uma população marcada não só pela sua cor, mas por marcas culturais,
econômicas e ideológicas. Nesse sentido, observa-se que:

Ao negro deformado pela escravidão e longe ainda de se integrar à sociedade de


classes em formação coube apenas o papel de “elementos residuais do sistema
social”. Este período da história social do negro na cidade de São Paulo resume-se à
expressão “anos de espera”, em que a grande massa de negros, “à margem da vida
84
social organizada e de toda a esperança, sucumbe à própria inércia”. Nem mesmo as
poucas exceções incluíam- se “entre os fatores humanos do novo surto capitalista”,
embora estivessem numa posição bem mais vantajosa que a maioria dos negros. Isto
porque eles “não estavam nem estrutural nem funcionalmente ajustados às condições
dinâmicas de integração e de expansão da ordem social competitiva”.
Aproveitavam- se dos vácuos resultantes do crescimento econômico súbito.
Portanto, dada esta inadaptação, do negro à sociedade competitiva, Fernandes
conclui que a repulsão do negro pela cidade não se colocava em termos raciais.
(AZEVEDO, 1987, p. 22 e 23).

Dessa forma, de que maneira o negro seria comportado a essa sociedade, se todas as
políticas desenvolvidas foram no intuito de isolá-lo? Numa sociedade extremamente racista,
que sempre o colocou as margens do desenvolvimento e de qualquer possibilidade de
ascensão social, econômica e cultural. Um povo apático, indisciplinado e incapacitado para
desempenhar funções mais complexas no mundo do trabalho, sem estabilidade emocional e
familiar.
Silva (2009) ressalta que Ianni (2004), ao analisar as particularidades históricas da
sociedade brasileira, indica alguns “diagnósticos sobre a gravidade da situação social herdada
de muitos anos e décadas”. Dessa forma, ao revisitarmos o passado desse país, podemos
compreender a estrutura social e racista dos dias atuais se desenvolve ao passo que o Estado
amplia seu poderio. Todavia, quem paga por isso, é a grande massa dos trabalhadores, que em
geral são homens e mulheres negras, crianças, adolescentes e pobres. Não obstante, ainda
sofrem os efeitos das várias formas de violência e opressões orquestradas há pelo menos
quatro séculos. (p. 105).
A partir do exposto, podemos afirmar que a população negra brasileira, se enquadra
perfeitamente naquilo que Agamben (2012) denominou como sendo o “homo sacer por
excelência”, ou seja, aquele que se enquadra no mais perfeito modelo de imperfeição humana,
possuidor de todas as mazelas sociais e, portanto, pode ser abolido da sociedade. O ser que
está à margem da lei e, por isso, deve estar à própria sorte, tornando-se a cobaia principal dos
experimentos capitalistas e racistas.
Para Agamben (2012), o homo sacer seria então uma pessoa que simplesmente é posta
para fora da jurisdição humana sem, jamais, transpor para o plano divino. Por isso, pode-se
85
estabelecer relação entre a sacratio e a soberania, já que “é a esfera na qual se pode matar
sem cometer nenhum homicídio e sem celebrar um sacrifício, e sacra, isto é, mutável,
insacrificável é a vida que foi capturada nesta esfera”. O autor afirma que a estrutura da
sacratio resulta da conjunção de dois aspectos: a impunidade da matança e a exclusão do
sacrifício. Portanto, o homo sacer seria um banido, ou dito de outra forma, seria um fora da
lei, que embora esteja para fora da proteção do direito, seja por isso, incluído nele, podendo
então, ser morto impunemente, mas não ser oferecido em sacrifício. (AGAMBEN, 2004. p.
84).
Os efeitos da legitimação do estado de exceção no Brasil imprimem um significado
particular à maneira em como são tratados os indivíduos que devem ser banidos dessa
sociedade. Dessa forma, compreendemos que a discriminação racial na lógica capitalista
desenvolvida nesse país, cumpre ao papel de excluir e por consequência banir todos aqueles
que não se adequam às normas, ou, aos que de alguma forma delas se desviam.
Nesse sentido, seria correto afirmar que a chamada “questão racial” brasileira também
acomoda o estado de exceção? Cabe aqui, uma rápida reflexão em como a questão racial
aparece para alguns intelectuais que se debruçaram em análises quanto a sua conceituação e
interpretação, a fim de sabermos se de fato, ela integra o estado de exceção, bem como
compreendermos se a sua estrutura corresponde às necessidades da materialização deste.
Segundo Diaz (2010), a categoria “questão racial”, embora não tenha sido nomeada
especificamente dessa maneira, pode ser compreendida como o conjunto de relações desiguais
baseadas em termos da cor que afeta especialmente às pessoas negras. Neves (2005), seguindo
uma análise filosófica, afirma que por questão racial se compreende o conjunto imbricado de
injustiças (sociais e de reconhecimento) que se evidenciam nas “diferenças socioeconômicas
entre a população de origem negra e a população de origem branca” (p. 86).
Numa perspectiva que abrange mais a linguagem quantitativa, Paixão (2003)
evidencia através de seus estudos que a questão racial se constituiu pelo conjunto de relações
raciais baseadas em razão dos diferenciais socioeconômicos entre a população negra e a
população branca brasileira. O autor afirma ainda que um traço característico da questão
racial aqui, se dá pela ausência de um tratamento sistemático, e por essa razão, não a
consideram como algo relevante para a sociedade civil brasileira.

86
Diaz (2010) desenvolve sua reflexão destacando que outros autores analisam que as
desigualdades raciais têm um estilo mais exato e específico. Para exemplificar, ela recorre à
interpretação feita por Sansone (1998), onde o autor situa a questão racial através de um
conjunto de políticas para a população negra e considera que este pretende abranger situação
racial, onde se definem as desigualdades raciais vividas por esta população no Brasil.
Nessa esteira de reflexão, a autora identifica que Heringer (2001, 2002) sugere que a
questão racial estaria representada pelas desigualdades raciais, que definem as diferenças de
acesso e de oportunidades, entre a população negra e a população branca. Segundo Heringer,
a questão racial tem sua base fundante no problema de discriminação racial no Brasil, herdada
do período escravocrata e, portanto, pode ser resolvida a partir de políticas desenvolvidas com
intuito de promover a igualdade.
Ainda segundo Diaz (2010), Guimarães (2001) é um dos autores que se destaca ao
conceituar de forma mais categórica a questão racial e, por consequência, defini o tipo de
relações que se configura em torno da construção social da “raça”. Para Guimarães

[...] a ideia de questão racial serve para descrever o conjunto de relações desiguais,
de opressão ou dominação que padecem as pessoas em razão de seu fenótipo. Em
segundo lugar, esta concepção envolve a ação do Estado através das políticas
públicas sobre as desigualdades raciais. Em terceiro lugar, é uma noção constituída
pela ação do Movimento Negro Brasileiro - MNB no combate, em diferentes
espaços, à discriminação e às desigualdades étnico-raciais da população negra.
(DIAZ, 2010. p. 78 apud GUIMARÃES, 2001. p. 121).

Diante do exposto, conclui-se que a interpretação dos conceitos descritos acima sobre
a questão racial, nos permite afirmar que ela funciona dentro da ordem capitalista como parte
do conjunto das estruturas que integram a materialização do estado de exceção. Nessas
estruturas, o Estado se coloca como absoluto, onde exerce toda sua soberania. Dessa forma,
por meio da “guerra civil legal”, é permitido banir tanto física quanto politicamente todos os
cidadãos. Esse contexto no, entanto, nos permite interpretar como sendo a própria
materialização da “vida nua”.
Agamben identifica o conceito de “vida nua” através do termo muçulmano, ou
“cadáver ambulante”, forma utilizada para denominar os “cidadãos” que “viviam” no campo

87
de concentração. Tal definição pode ser encontrada no trabalho de Agamben intitulado O que
resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha. Homo Sacer III (2008). Embora não seja nosso
objetivo trabalhar tal obra nessa pesquisa, no entanto, compreendemos que cabe aqui pontuar
alguns dos exemplos utilizados por ele na apreensão desse conceito, a fim de elucidar a
utilização do termo nesse trabalho.
Nesse sentido, o autor reitera que o campo de concentração é uma das formas que
materializa o estado de exceção. Ainda a guerra “preventiva” norte-americana, que
desencadeia a suspensão da ordem jurídica internacional e mantém sob o seu controle os
prisioneiros norte-americanos. O autor adverte sobre uma soberania mundial que atua
diretamente sobre a vida dos não sujeitos, ou daqueles que são desenraizados da sua própria
cidadania. Nesse contexto, quem decide quando, onde e de que maneira vige o estado de
direito é o soberano.
Portanto, a reflexão que ora se apresenta, nos permite afirmar que o capitalismo coloca
o racismo também no campo da objetividade, materializando assim todas as suas expressões,
banindo, interditando e, por vezes, aniquilando a todos os que de alguma forma estão fora de
tal estrutura e impedem a realização de determinados objetivos, como pode ser demonstrado
no caso da faxina étnica realizada pelos alemães com os judeus.
É, pois, nesse campo de tensões que se condensa a inclusão exclusiva ou a inclusão
sem pertencimento. Ou seja, quando não é possível manter o indivíduo na exceção, entra em
cena o jeito mais comum de se livrar do que é indesejável, e assim, deve-se bani-lo de uma
vez por todas. São inúmeras as formas de banimento, do isolamento político ao desempenho
de funções subalternas, interdição social, política, cultural, econômico, institucional e até as
vias da loucura.
No que tange a discussão acerca da exclusão, compreendemos que faz algum tempo
que esse termo vem sendo utilizado no Brasil. Na maioria das vezes, esse conceito é usado
para descrever principalmente sobre a situação social desta sociedade. Castel (1997), ressalta
que o uso equivocado do conceito de exclusão39, ao mesmo tempo em que oculta, também
desnuda alguns aspectos que conforma a questão social. Ou seja, muita das vezes, o conceito

39
Conforme nota 25. p. 59.

88
de exclusão acaba por escamotear as verdadeiras intenções que se escondem atrás das
injustiças e assimetrias sociais.
Martins (1997), salienta que o conceito de exclusão tem por objetivo substituir a ideia
sociológica sobre o “processo de exclusão”, e assim, ao invés de explicar os fenômenos que
materializam esse processo, acaba por distorcer a questão que se pretende explicar.

[...] temos de admitir que a ideia de exclusão é pobre e insuficiente. Ela nos lança na
cilada de discutir o que não está acontecendo exatamente como sugerimos,
impedindo-nos, portanto, de discutir o que de fato acontece: discutimos a exclusão e
por isso, deixamos de discutir as formas pobres, insuficientes e, ás vezes, até
indecentes de inclusão. Grifo nosso. (MARTINS, 1997. p.21).

Para Martins (1997), a rigor não existe exclusão, o que existe na verdade é uma grande
contradição e indivíduos que são vítimas dos processos sociais, políticos, econômicos e
culturalmente excludentes. Portanto, são nesses conflitos que tais indivíduos proclamam seu
inconformismo, sua revolta, além de expressar de maneira diversa a sua indignação e sua
“reivindicação corrosiva”.
A sociedade capitalista tem como máxima “tudo desenraizar e a todos excluir” uma
vez que tudo é visto como mercadoria, e, portanto, deve ser absorvido pelo mercado. Ou seja,
é excluindo que ela inclui ao modo que lhe convém. No entanto, a forma como o capitalismo
absorve esses “excluídos”, é precária, marginal e instável (p.30; 32). Assim, o que se observa,
é que a sociedade moderna cria um exército de excedentes, que a bem da verdade, dispõe de
poucas chances de ser inclusa nos padrões exigidos para o pertencimento. Ainda segundo o
autor, entre a passagem da exclusão para a inclusão, ocorre a degradação dos indivíduos, e o
que deveria ser somente uma transição, acaba por ser tornar um modo de vida permanente. (p.
33; 34).
Assim, concluímos que as formas de inclusão e exclusão, funcionam dentro do estado
de exceção como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal e a decisão soberana é
aquela que se apresenta como sendo capaz de definir quem é o “inimigo”, decidindo inclusive
sobre o valor da sua vida. Essa decisão soberana, por sua vez, acontece por meio do estado de
exceção, onde nos momentos de crise política se apresenta legalmente, agindo, sobretudo,
89
“dentro da lei”. Sendo assim, como agiriam então aqueles que são oprimidos por essa lei?
Recorremos a Benjamin (2007) para esta resposta.

A tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é na
verdade regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a
essa verdade. Nesse momento, perceberemos que nossa tarefa é criar um verdadeiro
estado de emergência. (BENJAMIN, 2007. p. 257)40.

Podemos dizer que para isso ser possível, é preciso garantir possibilidades efetivas que
aconteça fora do direito e da violência que o conserva (Agamben, 2004. p. 84). Portanto, o
caminho seguido para uma possível ação política e transformadora, é o rompimento com a
dialética violenta do direito, pois ela foi instituída com o objetivo de garantir a soberania
capitalista e a manutenção da ordem vigente.
Para Mészáros (2009), é na raiz das manifestações destrutivas que se encontram as
hierarquias estruturantes da ordem instituída, segundo ele, essas são imprescindíveis e
instransponíveis, pois, se autoperpetuam, excluindo obrigatoriamente qualquer alternativa que
interrompa o modo de controle sócio-metabólico do capital. Nesse sentido, o autor adverte
que não é possível haver igualdade e nem tomada de decisão, sem que de fato entre em cena
uma ação revolucionária. No entanto, somente a partir de uma mudança estrutural nesse
sistema, é capaz de alterá-lo, inclusive, essa é a única maneira de sobrevivência humana (p.
112).
Retomamos aqui, o debate sobre a questão racial no Brasil, tema central dessa
discussão, para entender de que maneira se apresentam as manifestações destrutivas
apontadas por Mészáros, que impedem uma reação coletiva e revolucionária, permitindo à
população desse país, enfrentar o estado de exceção a qual foi condicionada.
Como veremos a seguir, a população negra brasileira sempre viveu às margens dessa
sociedade. A atual situação social, política, econômica e cultural do Brasil, é o reflexo da
maneira como se deu sua formação social histórica e de como se estruturou as hierarquias e o
preconceito, sobretudo, racial. As marcas dessa formação são sentidas até hoje, seja nas

40
Texto original In. BENJAMIN, Walter. Theses on the philosophy of history. In: Illuminations. New York:
Schoken. Books, 2007.

90
relações de trabalho, na área de educação, habitação, no acesso à saúde, aos bens e serviços
ou mesmo nos meios de produção e na participação da riqueza socialmente produzida.
Paixão (2013), ao analisar as relações raciais na sociedade brasileira, enfatiza que aqui
se vive sob a “Lenda da Modernidade Encantada”, onde aparentemente brancos (e mestiço-
claros) e negros (e mestiços escuros) interagem igualmente sob parâmetros não instrumentais.
Segundo Paixão, dentro dessa relação, os brancos ocupariam a posição de domínio sobre os
negros e os demais grupos e os negros deveriam se comportar de forma passiva e subordinada
a essa determinação. Na medida em que os grupos subordinados não reivindicassem
igualdade, tanto em termos econômicos, quanto de prestígio social, tudo permanecia de forma
amistosa e tranquila (p.22).

O modelo brasileiro de relações raciais combina diálogo e intimidade entre as


pessoas diferentes, contudo, desde a constante preservação de abissais desigualdades
entre os grupos portadores das distintas marcas raciais. Assim, desde que as
assimetrias não sejam postas em questão, as relações entre as pessoas de raças
diferentes podem ser dar de forma amigável, amistosa, íntima e, dentro de certos
espaços e momentos, mesmo anárquica. No instante que estas assimetrias são postas
em questão a aparente paz se esvai como plumas. Porém o próprio sistema teria uma
espécie de no break interno que evitaria que estes conflitos se extremassem. Este
vem a ser as regras de etiquetas raciais, que protegem os negros e mestiços escuros
que estejam em seu lugar, isto é, não estejam fazendo nada de comprometedor às
estruturas raciais vigentes. Isto, em termos práticos, significa não estarem estas
pessoas ocupando postos de trabalho bem remunerados ou prestigiados, explicitando
ter ou almejando conquistar níveis educacionais mais avançados, exercendo funções
públicas de maior responsabilidade ou tendo alguma forma ostensiva de aparição
pública (salvo em áreas muito reservada como as artes, a religião e os esportes), que
não sejam próprios para à sua condição racial (ou dito de outro modo, que não se
coadunem com as marcas raciais portadas por este determinado indivíduo). Por
outro lado, como um último recurso para impedir o prosseguimento de alguma
contenda, existe uma espécie de licença para que os que portem as marcas raciais
menos negróides (inclusive os morenos) possam usar o gás paralisante do insulto
racial (você sabe com quem está falando?), restabelecendo – à la Da Matta (1997
[1978]) – os termos hierarquizados nos quais estas relações se fundamentam.
(PAIXÂO, 2013. p. 21e 22).

91
Dessa forma, diante da reflexão sublinhada pelo autor, compreendemos que existe
aqui uma espécie de “resíduo negativo” sobre o modo com que se dão as relações inter-raciais
aqui no Brasil, sendo o saldo deste, inteiramente positivo para a manutenção das
desigualdades raciais, que diante dessa realidade, não pode ser combatida, pois, segundo o
autor, estas se constituem como intrínsecas e necessárias ao modelo vigente. O autor completa
sua reflexão, afirmando que “as assimetrias é o preço que se paga pela paz” e que as
disparidades raciais são as responsáveis em garantir interação entre brancos e negros no
Brasil, sendo, pois, esta o botão acionador do entendimento de que a “Lenda da Modernidade
Encantada” é o segredo do racismo à brasileira. (p. 22 e 23).
Assim, conforme a reflexão apresentada, seguimos na direção de compreender de qual
maneira se gestam as manifestações racistas no Brasil, bem como destacar as principais
políticas genocidas do Estado Brasileiro, que recicla de forma hipócrita, novas formas de
dominação e recria aqui traços do antigo sistema colonial, reestruturando o neo-colonialismo
tecnocrático e, também, o racismo.

2.2 - Sempre à margem: entre os números e as estatísticas que legitimam as


políticas genocidas do Estado brasileiro contra a população negra

A incessante busca pelo progresso e pela necessidade de apagar as marcas da


escravidão no Brasil impôs aos seus representantes o desenvolvimento de uma série de
medidas que os ajudassem a concretizar suas pretensões. Nessa perspectiva, Menegat (2000),
aponta que “o progresso implica a livre manifestação dos interesses individuais como um
meio para o desenvolvimento”. No entanto, o autor ressalta ainda que meios e fins são
contraditórios e o que permanece é a vontade de uma “minoria” sobre a maioria (p.202).
Estava em voga nesse país, o desenvolvimento do projeto de nação brasileira. Havia
aqui a pretensão de conduzir o Brasil para um padrão civilizatório ocidental e incutir em seus
cidadãos a tão sonhada identidade nacional. Neste sentido, o pensamento social brasileiro,
pautava-se em discutir tais questões a partir da ciência e do progresso, porém, perpassado pela
questão da raça.
Nos dias atuais, é possível encontrar uma grande produção acadêmica sobre as teorias
raciais no Brasil. Tal produção pode ser analisada tanto na sociologia, quanto na historiografia
92
nacional. Cabe aqui ressaltar, que não é nossa intenção retomar a este assunto, uma vez que já
apresentamos essa discussão em outra parte desse trabalho, mas sim evidenciá-lo como um
processo histórico ímpar no que diz respeito ao processo da formação das teorias racistas41,
desenvolvidas intencionalmente para dizimar a população negra brasileira.
Dessa forma, Schwarcz (2010) destaca que aqui no Brasil os conceitos de raça e
mestiçagem, jamais foram atrelados a uma neutralidade. Aconteceu exatamente o contrário,
uma vez que estes termos eram frequentemente associados a “imagem particular” do país.
Segundo a autora, essa imagem era quase sempre na perspectiva mais negativa e marca
especialmente o período final do século XIX. Neste sentido, a ideia de mestiçagem existente
aqui, parecia nitidamente atestar o colapso da nação.
Em linhas gerais, podemos afirmar que para além do próprio sistema de escravidão, o
evolucionismo social, o determinismo provocado pelo darwinismo social ou a teoria das
raças, bem como a eugenia e a teoria do embranquecimento42, conformam um conjunto de
políticas, pensadas como ações capazes de superar o atraso social do Brasil, que por seu turno,
era creditado ao processo de escravidão e da inferioridade das raças existentes aqui.
A partir de 1930, a economia do país cresce de forma exponencial, nesse período,
entra em vigor o processo de industrialização e urbanização. As décadas de 1940 e 1950
marcam a preocupação com o desenvolvimento econômico e social do Brasil, sendo, pois,
nesse contexto que ocorrem os maiores investimentos, tanto do poder público quanto das
empresas privadas estrangeiras, empregando recursos para acelerar o desenvolvimento da
infraestrutura urbana, dos meios de transportes, energia, petróleo e comunicação.
Paixão (2013) afirma que nesse contexto desenvolvimentista e modernista brasileiro,
permeava o pensamento de que o progresso da economia, encabeçado pelo setor industrial
poderia trazer a solução de muitos dos problemas existentes aqui. Dito de outra forma, fora
incutido no coração dos brasileiros, que esse processo de desenvolvimentismo traria não só a
superação da pobreza latente no país, como também, haveria a superação do
subdesenvolvimento econômico e de outras antigas mazelas de cunho social (p.23).

41
Ibid. p. 28; 30 e32.
42
C.f. p. 33.

93
No entanto, o autor sinaliza que o modelo desenvolvimentista acabou sendo forjado
ideologicamente, utilizando inclusive o mito da democracia racial e ainda da mestiçagem,
como força principal para esse progresso. Sobre isto, ele observa que:

[...] o modelo brasileiro de relações raciais, acaba por consagrar o princípio do


convívio entre pessoas de marcas raciais diferentes, porém, desde que algemadas aos
grilhões das hierarquias raciais. Portanto, um modelo de desenvolvimento que se
funde nessa sorte de utopia, necessariamente acabará gerando como produto final,
aquilo que já estava previsto em sua origem mítica, isto é: desigualdades raciais, e,
por conseguinte sociais [...]. (PAIXÃO, 2013. p. 25).

Assim, a reflexão de Paixão (2013), permite-nos compreender que as relações sociais


desiguais que se constituíram ao longo da história da sociedade brasileira, impuseram para a
população negra, o lugar de vulnerabilidade social e da superexploração, tanto no âmbito
social, político, econômico, quanto o cultural. Neste sentido, compreendemos que os projetos
de modernização de países como o Brasil e outros da América Latina, foram permeados pela
ideia de “civilizáveis e não civilizáveis, ou ainda de quem poderia dominar ou ser dominado”,
sempre seguindo a lógica imperialista. Assim, a formação de uma possível nacionalidade
brasileira esteve associada ao desenvolvimento de estratégias para a industrialização, porém,
permitindo-lhes a permanência no poder, sobretudo, no poder político.
Segundo Mandel (1982), na década de 1960, durante a fase expansionista do
capitalismo maduro, que começam a aparecer os primeiros sinais do seu esgotamento.
Contudo, também precisamos observar que no final da mesma década a busca contínua pela
extração da mais-valia, conduziu o deslocamento do trabalho vivo pelo trabalho morto.
Assim, com a crise estrutural do sistema capitalista, percebemos que pela necessidade de uma
reciclagem no processo e nas táticas de dominação, o capitalismo buscou consolidar não só
seu domínio econômico, como também recriou novas formas de manifestações do racismo.
De acordo com Mészáros (2009), o capitalismo busca diversos elementos para
assegurar sua estrutura opressora e de superexploração. Diante disso, num contexto de crise
estrutural do capital, os seus elementos “destrutivos avançam com força extrema, ativando o
espectro do controle total numa forma que faz prever a autodestruição, tanto para este
sistema reprodutivo social excepcional, em si, como para a humanidade em geral” (p. 100).

94
A partir do exposto, podemos então afirmar que, assim como o capitalismo busca
formas de se reinventar e assegurar sua hegemonia, também o racismo faz parte desse
conjunto de estratégias, somando-se a estrutura que compõe a escala de hierarquias na
sociedade brasileira. Onde busca legitimar a naturalização das hierarquias, por cor, raça,
gênero, sexualidade, nível educacional etc. Dessa forma, após um longo período do início da
modernização no Brasil, o resultado que se tem, são as fortes diferenças socioeconômicas que
separam brancos e negros nessa sociedade.
O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil - 2009 e 2010, desenvolvido
pelo Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações
Raciais do Instituto de Economia da UFRJ 43, corresponde a uma publicação que tem por eixo
o tema das desigualdades de cor ou raça e seus impactos através de indicadores econômicos,
sociais e demográficos. Tem por objetivo, sistematizar os avanços e retrocessos existentes no
Brasil em termos da equidade racial, nas diferentes esferas da sociedade.
Esse documento é de extrema importância para nós pesquisadores das relações raciais
no Brasil, pois, sem dúvida responde à mais avançada pesquisa sobre essa temática. Nesse
sentido, compreendemos que há todo um esforço empreendido nessa obra, para traduzir em
números, os indicadores sociais que respondem como se efetivam as assimetrias de cor e raça
no Brasil. Assim, com efeitos para sedimentar essa discussão teórica, destacamos alguns
desses indicadores, que nos permitirão compreender de fato como as políticas genocidas do
Estado brasileiro, vem se desenvolvendo nos dias atuais.
Sobre isto, conforme já mencionado acima, muito do que vivemos hoje, é resquício do
modelo de desenvolvimento capitalista realizado aqui no Brasil, sobretudo, a partir dos anos
1930. Todavia, isso se deu na execução de diferentes papéis e posições sociais entre os grupos
de cor ou raça e sexo em nosso país. Paixão (2013), afirma que isto é o que se chama de
convergência entre as linhas de cor e de classe social.
Nesse sentido, tal realidade pode ser explicada quando analisamos a relação entre
pretos, pardos e brancos em diferentes tipos de ocupação, como a diferença de papéis entre os
empregados domésticos e os empregadores. Assim, o autor destaca, ainda, que as mulheres

43
www.laeser.ie.ufrj.br (http://www.laeser.ie.ufrj.br).

95
pretas e pardas formam mais de 2/3 das ocupações domésticas, ao passo que os homens
brancos apresentam praticamente a mesma proporção, só que para os empregadores.
A disparidade que corresponde aos fatores socioeconômicos e culturais existentes aqui
atribui diferentes papéis a homens e mulheres dos diferentes grupos de cor ou raça nessa
sociedade. É fácil perceber que o problema não reside apenas em uma análise estatística sobre
o fato de que é cada vez mais escasso encontrar uma mulher negra no posto de chefia em uma
empresa pública ou privada. Essa situação também vale para um homem branco trabalhando
como faxineiro ou como diarista.
No entanto, Paixão (2013) ressalta que em casos como estes, as pessoas em geral
acham extremamente estranha tal situação. Também não seria improvável, que essas pessoas
ainda viessem a apoiar que o homem branco saísse imediatamente daquela situação, ao passo
que criaria muitos constrangimentos para a tal mulher negra empregadora, muitas vezes
inviabilizando o seu empreendimento. Sobre isto, observa-se que:

Tabela 1. Rendimento médio do trabalho principal da PEA ocupada de 15 anos ou mais


por grupos de cor ou raça e sexo, Brasil, 2000 e 2010 (em R$, ago 2010 - INPC)
2000 2010

Homens Brancos 1.752,70 1.817,70


Mulheres Brancas 1.090,52 1.251,87

Brancos 1.490,59 1.568,03

Homens Pretos & Pardos 786,54 952,14

Mulheres Pretas& Pardas 548,06 702,17

Pretos & Pardos 701,84 851,26

PEA total 1.157,42 1.219,44

Nota: PEA total inclui amarelos, indígenas e cor ignorada.


Fonte: IBGE, Censo Demográfico, microdados amostra. Tabulações LAESER.

96
A análise realizada pelo LAESER aponta que em 2010, a diferença de rendimento,
entre as mulheres dos dois grupos de cor ou raça, era de 78,3%, favoravelmente às mulheres
brancas. No ano 2000, a desigualdade de rendimentos era de 99%, tendo ocorrido em 10 anos
uma queda de 20,7 pontos percentuais na assimetria de rendimentos entre mulheres brancas,
pretas e pardas. No ano de 2000, os homens brancos auferiram rendimento médio do trabalho
principal 219,8% superior ao das mulheres pretas/ pardas.
Em 2010, essa diferença havia se reduzido para 158,9%, favoravelmente aos homens
brancos, de modo que, em 10 anos, a desigualdade de rendimentos entre esses dois grupos
caiu em 60,9 pontos percentuais. Já as mulheres brancas possuíam um rendimento 38,6%
maior ao dos homens pretos e pardos em 2000. Em 2010, essa assimetria havia caído 7,2
pontos percentuais, alcançando 31,5%.44 Cabe aqui ressaltar que, embora tenha havido uma
diminuição nos percentuais de desigualdade, é notório que as assimetrias ainda persistem. Ou
seja, os homens brancos receberam duas vezes mais o que recebem as mulheres negras.
Ainda segundo Paixão (2012), mesmo com todos os avanços ocorrido no mercado de
trabalho, é perceptível que a diferença existente é bastante relevante, quanto à inserção dos
grupos de raça/cor. Sobre isso, ele ressalta que, mesmo com alguns avanços, os brancos
continuam mais bem representados em setores da administração pública (60,7%), órgãos
financeiros (60,3%) e indústria (55,8%).
No entanto, os negros (as) seguem numa subproletarização, ocupando os ramos da
construção civil (59,7%) e serviços domésticos (62%). Assim, o autor atribui os parcos
avanços no período analisado, mediante as questões de nível macroeconômico, como o
acréscimo da economia e ainda ao controle da inflação.
As desigualdades de cor, raça, gênero e outras variáveis, assumem uma dimensão
estrutural aqui no Brasil, e para além dos dados particulares sobre as posições na ocupação,
percebe-se que em qualquer outro indicador social analisado, é possível encontrar as densas
disparidades existentes nas condições de vida de brancos, pretos e pardos. Dessa forma, seja
no acesso ao sistema educacional, de saúde, habitação, moradia e acesso à terra, políticas de
assistência, proteção social ou ainda quanto à situação por morte violenta e nas condições de
pobreza, as disparidades são ainda mais palpáveis.

44
Essas informações podem ser encontradas no Tempo em Curso, Ano IV; Vol. 4; Nº 4; Abril, 2012. LAESER.

97
Como observamos no gráfico abaixo, a participação dos negros (as) na formação da
renda – disponível ao longo do período compreendido entre 1980 e 2000 – permaneceu
praticamente a mesma, correspondendo a não mais que 30% da formação da renda disponível
das famílias.

Gráfico 1 – Participação dos Grupos de Raça/Cor na Renda Disponível45

100%
90%- 27,66% 30,46% 27,62%
80%-
70%-
60%-
50%-
70,46% 67,92% 70,37%
40%-
30%-
20%-
10%-
0%-
1980 1991 2010

□BRANCA □NEGRA

Quanto ao progresso dos indicadores no que diz respeito à pobreza e a indigência


desagregados por raça/cor, observamos que, ao longo do tempo, eles constantemente se
apresentam com maior impacto sobre os negros (as). Dessa forma, de acordo com os dados
contidos nos Gráficos 2 e 3, percebe-se que em meio os intervalos censitários de 1980 e 2000,

45
Fonte: microdados do Censo 2000. Tabulações Observatório Afro-brasileiro / LAESER. In. (PAIXÃO, 2013,
p. 25).

98
a presença negra no interior da população abaixo da linha de pobreza permaneceu em por
volta de 60%; e no interior da população abaixo da linha de indigência, no entorno de 65%.

Gráfico 2 – Composição Racial da População Abaixo da Linha de Pobreza 46

0,6% 0,8% 1,7%


100%
80%-

59,8% 60,7% 59,4%


60%

40%-

20%-

39, 6% 38,5% 39,0%


0%-
1980 1991 2010

□BRANCA □NEGRA □OUTRAS

46
Gráficos 2 e 3 Fonte, microdados do Censo 2000. Tabulações LAESER / IE / UFRJ. In (PAIXÃO, 2013, p.
26).

99
Gráfico 3 – Composição Racial da População Abaixo da Linha de Indigência

0,6% 1,1% 2,0%


100%
80%

65,8% 66,3% 64,0%


60%

40%-

20%-

33,6% 32,7% 34,0%


0%-
1980 1991 2010

□BRANCA □NEGRA □OUTRAS

Paixão (2013) também nos traz uma análise bastante atual sobre o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH). Assim, ele destaca que se o Brasil fosse formado apenas
por pessoas brancas, seguiríamos apresentando um IDH relativamente alto e subiria por 22
posições, resultado que nos colocaria em 66 lugar. Se acaso o Brasil fosse um país formado
somente por pretos e pardos o IDH seria apenas médio e chegaria à posição de número 103,
ou seja, 37 posições atrás se caso fosse formado só por brancos.
A reflexão acima deixa nítido que o fator raça/cor é muito mais determinante do que
se supunha. Sobre isto, o autor sinaliza que o IDH é um excelente indicador para medir as
assimetrias provenientes das variáveis de cor ou raça, pois, ele agrupa quatro indicadores
diferenciados, como o rendimento médio per capita, anos de escolaridade da população
adulta, esperança de prosseguimento nos estudos da população em idade escolar e expectativa
de vida ao nascer. Assim, esse indicador se torna muito importante, uma vez que, possibilita
gerar um resultado analítico capaz de desnudar as várias facetas das assimetrias existentes.

100
Conforme observamos acima, os dados apresentados não deixam dúvidas sobre a
complexidade em torno da questão racial no Brasil. É importante destacar que esses números
chamam a atenção não só porque as diferenças entre negros e brancos são alarmantes na
maioria dos indicadores socioeconômicos pesquisados. O problema, é que embora notemos
alguns poucos avanços, todavia, as desigualdades e assimetrias se mantêm numa constante e
acarretando outros graves efeitos para a população negra.
Os úmeros que apresentaremos a partir de agora, demonstram a triste realidade sobre o
encarceramento e extermínio dos jovens negros. Ainda mais em um contexto social onde
cresce a onda neoconservadora, que retoma as discussões acerca da Redução da Maioridade
Pena, ou da PEC número 171/199347. Sabemos que essa situação de violência e extermínio
constante a esse grupo social, evidencia uma série de imbricações, e consta da dinâmica
existente entre aspectos estruturantes, relacionados às causas socioeconômicas, mas também a
um processo histórico, ideológico e cultural, oriundos de representações negativas acerca da
população negra.
Não é surpresa, que os homicídios são, hoje, a principal causa de morte de jovens na
idade entre 15 a 29 anos no Brasil, em sua maioria jovens negros do sexo masculino,
moradores de favelas e periferias, ou ainda das áreas metropolitanas dos centros urbanos.
Segundo dados do SIM/DATASUS do Ministério da Saúde, mais da metade dos 56.337
mortos por homicídios em 2012 no Brasil eram jovens (27.471, equivalente a 52,63%), dos
quais 77% negros (pretos e pardos) e 93,30% do sexo masculino 48.
De acordo com os dados do Mapa da violência: os jovens do Brasil (WAISELFISZ,
2014) constataram que, entre as décadas de 2000 a 2012, houve uma diminuição dos casos de
homicídio no conjunto da população brasileira e, ao mesmo tempo, o aumento dos homicídios
em um grupo específico, composto por jovens negros (73% mais negros do que brancos).
Ainda segundo esse estudo, o índice de vitimização dos jovens negros, que em 2002 era de
79,9%, em 2012 chegou a 168,6. Assim, em 2012, para cada jovem branco assassinado,
morreram 2,7 jovens negros. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica

47
A PEC 171/1993, é de autoria do Deputado Benedito Domingos – PP/DF, que altera a redação do artigo 228 da
Constituição Federal de “imputabilidade penal do maior para dezesseis anos”. Atualmente a discussão encontra-s
em período de votação da Câmara dos Deputados Federais no Distrito Federal em Brasília.
48
Dados retirados do Mapa do Encarceramento: os jovens do Brasil/Secretaria Geral da Presidência
da República – Versão Preliminar. Brasília. 2014.

101
Aplicada (IPEA), a proporção é de 2,4 jovens negros mortos, para cada não negro morto, no
entanto, a maioria das mortes é provocada por armas de fogo. (p.13)
Entretanto, não se observa esse decréscimo quando se analisa apenas a população
jovem. Segundo Waiselfisz (2014), a taxa de mortalidade entre os jovens, manteve-se
praticamente estagnada com um leve acréscimo ao longo desse período, passando de 146
mortes por 100 mil jovens em 1980, para 149 em 2012. Esse fato é agravado mediante a
diminuição da porcentagem de jovens quando se analisa o total da população brasileira.
Assim, ainda segundo o estudo realizado em 2012 o país contava com um contingente de 52,2
milhões de jovens na faixa dos 15 aos 29 anos de idade o que representava 26,9% do total dos
194 milhões de habitantes projetados para o país pela mesma fonte. Essa participação juvenil
já foi maior em 1980, quando os jovens representavam 29% da população total.
Nesse sentido, compreendemos que os homicídios dos jovens brasileiros, representam
uma questão nacional de saúde pública, de violação aos direitos humanos e do direito à vida.
Essa violência representa um sofrimento doloroso e silencioso, não só para milhares de mães,
sobretudo, as mães negras, mas também para todos os familiares e amigos desses jovens, que
têm sua vida ceifada por esse país afora. Essa forma de violência impede, não só, que parte
significativa dos jovens brasileiros usufrua dos avanços sociais, como também dos avanços
econômicos, além de esgotar qualquer possibilidade de exercitarem seu potencial para o
desenvolvimento do País.
Quanto ao encarceramento dos jovens negros, destacamos que a violência não se
restringe somente aos homicídios. No entanto, os dados do Sistema Integrado de Informação
Penitenciária (INFOPEN) mostra que os jovens representam 54,8% da população carcerária
brasileira. Assim, o que essa pesquisa evidencia é que essa conforma mais uma política de
extermínio da população jovem. Nesse contexto, a produção de um diagnóstico sobre o perfil
da população carcerária, torna-se necessária para que o governo possa desenvolver e
aprimorar ações que reduzam a vulnerabilidade da população jovem ao sistema prisional,
como medida de enfrentamento a mais uma forma de violência contra a população juvenil
brasileira.
Considerando os dados do INFOPEN, no que se refere aos jovens negros, destaca-se
que no período de 2005 a 2012, foi o grupo que sofreu maior encarceramento, se comparado
com a quantidade dos jovens brancos que receberam a mesma punição. Em 2012, por

102
exemplo, para cada grupo de 100 mil habitantes brancos acima de 18 anos havia 191 brancos
encarcerados, enquanto para cada grupo de 100 mil habitantes negros acima de 18 anos havia
292 negros encarcerados, dessa forma, conclui-se que o encarceramento de negros foi 1,5
vezes maior do que o de brancos.
Jovens negros estão mais suscetíveis aos homicídios e encarceramentos – e a toda
sorte de violação dos seus corpos e direitos. Essas políticas também correspondem a um
conjunto de medidas desenvolvidas com a legitimação do Estado. Constata-se também, que a
desigualdade entre negros e brancos cresceu nos últimos anos conforme se observa nos dois
fenômenos comparados. Nessa direção, compreendemos que a produção de um diagnóstico
preciso sobre o perfil da população jovem encarcerada ou assassinada, torna-se urgente e
necessária, pois, essa é uma das medidas que podem ser usadas no aprimoramento de ações
que podem reduzir tal vulnerabilidade e enfrentar mais esse tipo de violência.
Nesse sentido, ao analisarmos os dados apresentados em diferentes contextos
históricos, a conclusão que se chega é a mesma. Ou seja, em todos os níveis de violações,
jovens negros são sempre os protagonistas e engrossam as maiores estatísticas. Mesmo os
indicadores socioeconômicos não apresentam evolução que nos permitiriam prever a curto ou
médio prazo, uma redução expressiva das assimetrias entre esses dois grupos sociais.
Dessa forma, podemos afirmar categoricamente que as desigualdades raciais no Brasil
não são fruto apenas da situação de pobreza histórica que marca a trajetória da população
negra nessa sociedade. Assim, atribuímos à existência ativa do racismo e da discriminação
racial em todos os espaços da vida social desses sujeitos. Todavia, negligenciar ou silenciar
tais estatísticas, é, pois, assumir uma posição política e corroborar com essa forma de
extermínio.
É preciso muito mais do que produzir dados que comprovem o obvio, mas sim
elaborar, organizar e criar medidas que busquem o enfrentamento dessa forma de injustiça,
reprodução do racismo e da discriminação racial, pois, esses são fenômenos que explicam não
só a existência da desigualdade entre brancos e negros, bem como sua manutenção e
reprodução ao longo dos anos.
A compreensão de que o preconceito racial cumpre o papel de um fenômeno histórico
torna-se necessário, se quisermos avançar na discussão do tema proposto. Nesse sentido,
identificamos algumas ações que podem ser empreendidas como ações de intervenção de

103
enfrentamento ao racismo e a outras formas de opressão. Ressaltamos assim, que algumas
ações podem ser identificadas como valorativas, ou mesmo persuasivas, no sentido de
objetivar reverter situações extremas de desigualdades. Um exemplo disso, tem sido a
experiência das ações afirmativas, implementadas como uma das ações mais pontuais e
emergências no combate ao racismo no sistema educacional.
No entanto, embora essas ações tenham protagonizado alguns avanços significativos
na sociedade brasileira, há que se dizer também que o racismo nada tem de sutil, e mesmo que
os mecanismos discriminatórios e desiguais não sejam totalmente explícitos, é certo afirmar
que eles operam na contramão de ações de enfrentamento, e se espraiam constantemente
como na forma do racismo institucional49.
Gomes (2000) salienta que o que diferencia os atos de racismo ou de discriminação
racial, é que estes são realizados por indivíduos, e, portanto, se orientam de forma pessoal. Já
o racismo institucional atua no nível das instituições sociais e se oculta por meio de artifícios
aparentemente disfarçados, porém, ocorrem com assiduidade e “aparentemente são protegidos
pelo Direito”.
Nessa direção, observamos que tais artifícios dizem respeito às formas como as
instituições funcionam e segue com seus procedimentos burocráticos, apoiados em valores
sociais legitimados pela sociedade. Dessa forma, compreendemos que o racismo institucional
coopera para a naturalização das desigualdades e ainda reprodução da hierarquia racial
Guimarães (2005). Tal situação não só qs o cotidiano das instituições e organizações, com
também promovem a operação diferenciada de serviços, benefícios e oportunidades aos
distintos grupos raciais.
Conforme assinalamos, o racismo institucional se legitima no cotidiano organizacional
das instituições, inclusive na própria implementação das políticas públicas, determinando a
ampliação de outras formas de desigualdades e injustiças sociais. Compreender o conceito de
racismo institucional, torna-se imprescindível, uma vez que, desnuda os mecanismos de
produção e reprodução das desigualdades raciais, que se esconde até mesmo por detrás das
políticas públicas.
49
Racismo institucional é a manifestação de normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no
cotidiano de trabalho, onde homens e mulheres são discriminados por causa da cor da pele, fenótipo, cultural e
origem étnicorracial resultantes da ignorância, da falta de atenção, do preconceito ou de estereótipos racistas.
Disponível em: Programa de Combate ao Racismo Institucional. Relatório revisão anual. Brasília: PNUD/DFID,
2005. Disponível em: www.combateaoracismoinstitucional.com.br – Acessado em 12/08/2011.
104
A compreensão do conceito de racismo institucional, permite não só o enfrentamento
das formas desiguais de tratamento a um determinado grupo social, como também apresenta
possibilidades de enfrentamento das injustiças sociais, quanto ao acesso e atendimento por via
das políticas públicas. São situações como essas, que abrem passagem no caminho contra o
preconceito racial e à discriminação. Nessa direção, a execução dos “novos” instrumentos de
promoção da igualdade racial, permite ainda a identificação do racismo não apenas pela sua
constatação, mas também pelas assimetrias que marcam determinados grupos sociais, pois,
tais ações independem das manifestações racistas serem conscientes ou não.
A reflexão acima aponta para a direção de compreender que o racismo institucional
pode ser determinado como “o fracasso coletivo das organizações e instituições em promover
um serviço profissional e adequado às pessoas devido a sua cor, cultura, origem racial ou
étnica” (PNUD, 2005). As práticas discriminatórias se reproduzem e se ajustam, não somente
em atitudes protagonizadas por ações de sujeitos individuais, mas também por instituições
que operam o sistema social. Portanto, o enfrentamento ao racismo institucional possibilita
uma abordagem não só analítica, mas também de ação pública.
De acordo com a PNUD (2005), é preciso combinar políticas de ações afirmativas com
políticas econômicas estruturais, que busquem promover o desenvolvimento do país. Todavia,
essa comprovação, não suprime a necessidade de medidas que embora compensatórias e
temporárias, também são urgentes. Há uma crítica recorrente entorno das políticas
compensatórias, de que a adoção de critérios para a promoção da igualdade seria mais eficaz
se eles fossem baseados na classe e não na raça. No entanto, de acordo com a própria PNUD,
a ideia de abandonar o modelo de ações afirmativas referentes à raça e adotar somente a
classe não promoveria tão sonhada igualdade racial. Segundo Gomes (2001),

Embora a noção de justiça compensatória figure como justificativa filosófica de um


grande número de programas de ação afirmativa vigentes nos diversos países que
adotam esse tipo de política social, inclusive nos Estados Unidos, do ponto de vista
estritamente jurídico, porém, trata-se de uma concepção não isenta de falhas. Com
efeito, em matéria de reparação de danos, o raciocínio jurídico tradicional opera com
categorias rígidas tais com ilicitude, dano e remédio compensatório, estreitamente
vinculados uns aos outros em relação de causa e efeito. Em regra, somente quem
sofre diretamente o dano tem legitimidade para postular a respectiva compensação.
Por outro lado, essa compensação só pode ser reivindicada de quem efetivamente
105
praticou o ato ilícito que resultou no dano. Tais incongruências, exacerbadas pelo
dogmatismo outrancier típico da práxis jurídica ortodoxa, finam por enfraquecer a
tese compensatória como argumento legitimador das ações afirmativas. (Gomes,
2001.p. 65)

As políticas compensatórias tanto públicas quanto privadas, devem ser ao mesmo


tempo específicas e temporárias, porém, necessárias até que sejam abolidas todas as
disparidades existentes desde a apropriação dos bens e serviços, na oportunidade de
igualdade, mas também no reconhecimento e acesso aos direitos. Portanto, tais políticas
devem ser perpetradas em acordo com as políticas econômicas e sociais, pois estas são tanto
estruturais quanto universalistas e devem objetivar a promoção não só do pleno emprego, mas
do aumento da renda mínima necessária para o bem viver e, ainda, da melhoria dos serviços
públicos de saúde, habitação, educação, proteção social e assistência.
Assim, acreditamos ser indispensável, no âmbito das políticas públicas, considerarem
o Racismo, sua emergência, principais aspectos e formas de manifestações no âmbito societal,
com destaque para as particularidades que engendraram as relações raciais no Brasil. Ao
lançarmos mão do conceito de raça demarcamos nosso posicionamento na crença de que,
mesmo as ciências biológicas já tendo, há muitas décadas, atestado a inexistência de raças
humanas heterogêneas, a predominância ideológica dessa noção ainda é um dos principais
motores da opressão racista. Através da ilustração da evidente desigualdade racial brasileira,
expressada nos diversos indicadores sociais aqui apresentados, a expectativa é de adensar o
debate com vistas a contribuir para a efetiva inclusão da bandeira antirracista na agenda
política do Estado brasileiro.

2.3- A força que vem da raiz: lutas e resistências que renovam a força do
povo negro na busca para superação das assimetrias raciais

À beira do terceiro milênio, entramos num contexto social político, econômico e


cultural, em que as estruturas capitalistas estão sendo radicalmente reformuladas e
reconduzidas para sua nova ordenação. Nesse processo, as nações espoliadas pelo antigo

106
sistema colonial, e, portanto, tidas como atrasadas, dependentes e periféricas, assumem o
papel de recriar dentro das novas necessidades, outras formas de violência e dominação. Uma
volta ao passado é extremamente necessária para realinhar e consolidar as novas demandas,
ou seja, a velha política com novas roupagens. A realidade que ora se apresenta, impõe para a
sociedade não só brasileira, mas também do mundo, outras e novas formas de resistências.
Na fase imperialista, o capitalismo se reorganiza e ajusta as novas ações do racismo.
Nesse sentido, essencial também é compreender que a questão racial é primordialmente
política, e, portanto, não pode ser interpretada separadamente do contexto histórico,
econômico, social, cultural, etc. As reformulações políticas pelas quais passou o capitalismo e
as relações raciais, devem ser analisadas dentro das estruturas de poder que as constituem.
No entanto, a partir da organização capitalista e racial, a classe trabalhadora também
se organiza em suas diversas maneiras. Num movimento dialético, “que permite as
determinações ultrapassarem a si mesma”, e impõe que os grupos sociais que ora padecem
com os ataques capitalistas também reorganizem as suas estratégias na busca pela
emancipação humana, esse segmento da população se reinventa e desenvolve mecanismos de
superação das mazelas a que são impostas. Todavia, Mészáros (2010), salienta que não pode
haver estratégia real de transformação sem que se prossiga com firmeza na busca e realização
da unidade das dimensões políticas e materiais de reprodução necessários para o alcance do
domínio organizacional.
A partir disso, compreendemos que as estratégias traçadas não só pelo Movimento
Negro, mas também por diversos setores da sociedade civil e do governo brasileiro na busca
pelo enfrentamento da questão racial, pode ser concebida como um movimento de
organização na luta contra o racismo e suas ofensivas. Uma vez que o racismo se apresenta
como pilar estruturante da ordem sociometabólica do capita, a organização das classes que o
enfrentam, também deve ser radical, e nisto, concluímos que ainda estamos muito aquém.
Conforme já demonstrado anteriormente, a chamada questão racial se arrasta em
conformidade com as expressões da questão social, portanto, estão imbricadas em si. Com
relação a situação da população negra, embora se tenha obtido alguns avanços, muitas são as
desigualdades presente para esse grupo social. Enfim, esse tópico se destina a falar de
algumas dessas conquistas. Vamos a elas para que se mantenha de pé o nosso otimismo
quanto a uma possível mudança dessas estruturas.

107
Embora a discriminação racial tenha desenvolvido no Brasil “dois tipos de cidadania,
uma negra e outra branca”, somos o país em que o racismo opera, sem que, no entanto, haja
aqui um povo racista. Nisto observa-se que:

O inequívoco racismo contra os negros já não é mais negado pela maioria da


população brasileira, embora seja ainda difícil encontrar brasileiros que admitem que
eles mesmos discriminam os negros, haja vista que 89% dos brasileiros concordam
que a sociedade é racista e somente 10% admitem ser, eles mesmos, racistas,
conforme constatou a pesquisa realizada pelo jornal Folha de S. Paulo, por meio do
seu instituto de pesquisas, o Datafolha50.

Assim, conformam-se aqui dois “Brasis”, ou seja, um Brasil negro que sofre toda a
sorte de discriminação e preconceito mediante a cor da pele ou origem racial, conforme
observado nos indicadores aqui apresentados, e um Brasil branco, não discriminado, herdeiro
dos privilégios e das vantagens da pós-abolição e das políticas racistas. Portanto, como
destacado por Fernandes (1972), aqui vige uma espécie de preconceito reativo, ou dito de
outra forma, o preconceito contra o preconceito ou o preconceito de se ter preconceito. Sim,
embora se reconheça a existência do racismo, a população brasileira também tem resistência
em reconhecer que essa sociedade se assenta numa estrutura racista, ao passo que reafirma o
mito da democracia racial.
Os resultados dessa negação não nos trazem benefício nenhum, ao contrário, impede
que ações concretas de enfrentamento ao racismo se materializem, pois, junto com a negação,
vem a ideia de que o problema do racismo é um estado de inferioridade que o próprio negro
(a) se coloca, e que dessa forma, não há necessidades do desenvolvimento de políticas que
possam reverter de maneira concerta esse quadro. Essa é uma negação que paralisa todo um
grupo social, e impede que sejam adotadas medidas que enfrentem a discriminação, o
preconceito e o racismo.
Esse é um efeito devastador, pois coloca no campo da psicologização, um problema
que não se resolve com homeopatias ou com placebos. Retira-se da população negra as

50
C.f. TURRA, Cleusa; VENTURI, Gustavo. Racismo Cordial. São Paulo: Ática, 1995, p. 13.
108
possibilidades de um enfrentamento radical, no sentido de cortar a raiz do problema. Portanto,
eis aqui o efeito da inclusão sem pertencimento, ou da inclusão exclusiva da qual falávamos
em outro momento desse trabalho.
Sobre a análise das desigualdades na estrutura social do sistema capitalista, Hasenbalg
(1997) se destaca como um importante pesquisador. Ele inaugura uma nova fase nas
pesquisas que versam sobre as relações raciais frente à estratificação social, apresentando
inclusive dados importantes, que comprovam que o desenvolvimento do capitalismo no país
não resultou na integração do negro na sociedade de classes, conforme salienta a seguir:

A discriminação e preconceito raciais não são mantidos intactos após a abolição,


pelo contrário, adquirem novos significados e funções dentro das novas estruturas e
as práticas racistas do grupo dominante branco que perpetuam a subordinação dos
negros não são meros arcaísmos do passado, mas estão funcionalmente relacionadas
aos benefícios materiais e simbólicos que o grupo branco obtém da desqualificação
competitiva dos não brancos. (HASENBALG, 1979, p.84).

Telles (2003) também utiliza os dados produzidos Hasenbalg, de que o


desenvolvimento econômico capitalista, por si só, não foi capaz de eliminar as desigualdades
de cunho racial existentes no Brasil. Desse modo, em conjunto com a comprovação da
persistência, e até mesmo o agravamento das condições sociais das populações negras no país,
o autor expõe e analisa a situação dessas populações, bem como as mais recentes políticas
elaboradas e executadas pelo governo brasileiro, que visam a promoção da igualdade e
equidade social, sobretudo, no acesso da população negra ao mercado de trabalho e à
universidade.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 marca uma importante conquista no
que tange aos direitos civis e de cidadania do povo brasileiro, e também trouxe consigo, a
criminalização do racismo e de todas as práticas discriminatórias em seu bojo. Ainda, a
década de 1980 marca um período de grandes manifestações e mobilizações do MN, e do
Movimento de Mulheres Negras. No entanto, o que consagra essa importante conquista, foi a
promulgação da Lei Federal nº 7.716/1989 (“Lei CAÓ”). Essa lei foi corrigida, dando lugar a
Lei 9.459 de 13/05/1997, que modificou os artigos 1º e 20º e revogou o artigo 1º da Lei 8.081

109
e a Lei 8.082 de 03/06/1994 e, assim, imputa o racimo e as práticas discriminatórias como
crime inafiançável.
Ainda em 22 de agosto de 1988, o Governo Federal fundou a primeira instituição
pública voltada para promoção e preservação da arte e da cultura afro-brasileira: a Fundação
Cultural Palmares, entidade vinculada ao Ministério da Cultura (MinC). A FCP comemora
meio quarto de século de trabalho por uma política cultural igualitária e inclusiva – que busca
contribuir para a valorização das manifestações culturais e artísticas negras brasileiras como
patrimônios nacionais – ainda de combate ao racismo e desenvolvimento da cidadania da
população negra51.
Em setembro de 2001, a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação
Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, em Durban, na África do Sul,
conhecida como a “Conferência de Durban”, 52 torna-se um marco mundial na luta contra as
discriminações raciais. O Documento Oficial Brasileiro para a Conferência reconhece a
responsabilidade histórica do Estado brasileiro “pelo escravismo e pela marginalização
econômica, social e política dos descendentes de africanos”. Assim, podemos afirmar que é
neste momento que a questão racial entra para a agenda de assuntos relevantes a serem
discutidos pela sociedade brasileira e por seus governantes.
Dessa forma, após a Conferência de Durban e mediante as reivindicações do
Movimento Negro, o Estado brasileiro formulou projetos no sentido de promover políticas e
programas para a população afro-brasileira e valorizar a história e a cultura do povo negro.
(CAVALLEIRO, 2006, p. 18). Todavia, Silva (2009) salienta que a maior parte das iniciativas
que visam à promoção da igualdade racial ainda pode ser classificada como iniciais, pontuais
ou funcionais. Pois, muitas ações são marcadas por falta de continuidade, de recursos ou de
abrangência.
As alianças que se firmaram no pós Durban, permitiu o municiamento de alguns
discursos e medidas governamentais, além de ampliar o debate sobre as desigualdades raciais,
junto aos poderes legislativo e judiciário e alguns setores da sociedade civil. No entanto, no
contexto dessas alianças, uma característica central se coloca, tratar o racismo quase que

51
http://www.palmares.gov.br/?page_id=95.
52
Conferência realizada em Durban – África do Sul, no ano de 2001. Estiveram presentes representantes de 173
países, quatro mil organizações não governamentais (ONGs) e aproximadamente 16 mil participantes (C.f:
IBGE, 2008).
110
exclusivamente em sua materialidade. É um enfoque precioso em terras de “racismo
camuflado”, mas que joga para segundo plano as dimensões históricas e simbólicas (a
perenidade e profundidade) do racismo.
Conforme analisa Silva (2009), a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada
um enorme avanço nesse aspecto, pois reconhece o racismo e o preconceito racial como
fenômenos presentes na sociedade brasileira, sustentando a necessidade de combatê-los.
Entretanto, destaca-se que a inclusão do tema racial na agenda das políticas públicas responde
principalmente a um esforço inovador do movimento social negro no sentido de estimular, no
debate político, a necessidade não apenas de combater o racismo, mas de efetivamente atuar
na promoção da igualdade racial. Nesse contexto, inicia-se a implantação de ações afirmativas
no Brasil.

As ações afirmativas se definem como políticas públicas (e privadas) voltadas à


concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos
efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de
compleição física. Na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um
princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional
a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade (GOMES, 2001, p. 21).

Essas políticas espelham-se nas medidas adotadas pelo governo dos Estados Unidos na
década de 1960, denominadas de Políticas de Ação Afirmativa. Constituem-se como um
conjunto de ações de combate à discriminação, visando à garantia da equidade e inclusão
social. Alguns autores como Brandão (2004), Jaccoud (2008) e Gomes (2001) afirmam que as
políticas afirmativas são uma alternativa viável no sentido de promover justiça social e
propiciar aos beneficiados subsídios de se incluir socialmente, bem como demonstrar o quão
intenso é o racismo no país.
Podemos afirmar que as ações afirmativas são, antes de tudo, uma forma de justiça
reparatória ou compensatória, de justiça distributiva e de ação preventiva, conforme salienta
Silvério (2003). O autor destaca ainda que elas visam ao tratamento diferenciado de um grupo
social, objetivando, tanto a igualdade de oportunidades como o combate às desigualdades não
justificáveis, garantindo a diversidade e o pluralismo nas diferentes esferas da vida social,

111
denunciando e desnaturalizando a posição subordinada de determinados grupos sociais
(GOMES, 2001).
Sobre isto, reconhecemos que se versa um ganho político e social para a sociedade
brasileira e, principalmente, para a população negra. No entanto, Janoario (2014) destaca que,
embora a sociedade brasileira reconheça a existência do racismo, o mito de que vivemos sob a
égide de uma democracia racial se coloca como obstáculo para o desenvolvimento de projetos
antirracistas.

A implementação da reserva de vagas nas instituições de ensino superior brasileiras


intensificou o debate sobre o racismo e a discriminação nas esferas públicas e
privadas, nos meios de comunicação, e em outros espaços sociais. No entanto, o
debate sobre o ingresso da população negra no ensino superior aponta para um dos
maiores desafios que está para além do universo das políticas de ação afirmativa - a
garantia do acesso e permanência de estudantes negros (as) nas IES. (JANOARIO,
2014, p. 2).

Conforme aponta o autor, são grandes os desafios acerca da discussão sobre as


políticas de ações afirmativas. Maiores ainda, são os obstáculos criados a fim de silenciar essa
discussão nos espaços da formação e produção de conhecimento. Portanto, o objetivo
principal deste estudo consistiu em analisar como as pós-graduações estudadas se relacionam
com essa temática, e contemplam (ou não) o debate em sua estrutura curricular, afim de
proporcionar embasamento teórico-metodológico para compreensão e enfrentamento dos
desafios aqui apresentados.
Há exatamente 13 anos, no Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial
(21 de março), a Ouvidoria da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República foi criada e se iniciava o grande desafio de acolher, acompanhar e
monitorar os casos de racismo, intolerância religiosa e ainda os atos de violência contra as
comunidades tradicionais. Também, destacamos como avanço, a elaboração do Estatuto da
Igualdade Racial apresentado como Projeto de Lei nº 3.198 em 2000, e afirmamos esse
documento como um importante mecanismo na defesa de todo aquele que sofre preconceito
ou discriminação em função de sua etnia, raça e/ou cor. É importante registrar, ainda que o
Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, no seu art. 51º,

112
estabelece a instituição de Ouvidorias Permanentes 53 que devem receber e encaminhar
denúncias de preconceito e discriminação com base em etnia ou cor, e acompanhar a
implementação de medidas para a promoção da igualdade.
Em 9 de janeiro de 2003, o então Presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, sancionou a
Lei 10.639 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996)
e inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana". O aprofundamento do conteúdo estabelecido na lei,
encontra-se no texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana de 200454.
Através desse texto, tanto as instituições de ensino quanto os gestores e professores podem
obter orientações, além de se ancorar nos princípios e fundamentos para o planejamento e
execução do conteúdo afro-brasileiro e africano na de sala de aula e em outros espaços de
educação.
A assinatura dessa lei mediante aos vários anos de luta dos movimentos sociais, em
especial do Movimento Negro, é uma conquista direta desses atores sociais. Já no parágrafo
primeiro do texto que materializa essa lei, aprendemos que o conteúdo programático passaria
a incluir a luta dos negros no Brasil, a cultura negra e a formação da sociedade nacional
"resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à
História do Brasil".
Esse foi um diálogo construído com vários setores da sociedade civil, dessa forma, o
seu conteúdo expressa um cenário histórico sobre a condição da criança negra ao longo da
história brasileira. Assim, o texto aborda questões que são caras ao Movimento Negro, como
também da necessidade de políticas de reparação, a desconstrução do mito da democracia

53
Art. 51. O poder público instituirá, na forma da Lei e no âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo,
Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial para receber e encaminhar denúncias de preconceito e
discriminação com base em etnia ou cor e acompanhar a implementação de medidas para a promoção da
igualdade.
54
Também, o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana é outro documento
importante para a eficaz promoção da igualdade na escola, conforme já mencionado em outro momento desse
trabalho. Ele tem como objetivo colaborar e construir políticas públicas e processos pedagógicos para a
implementação das Leis 10639/03 e 11645/08. Aqui podem ser encontrados os detalhes sobre os direitos e
obrigações dos entes federados frente à lei, assim como amplifica temas tratados no texto das Diretrizes
Curriculares Nacionais. Fonte: http://www.ceert.org.br/programas/educacao/lei10639/. Acessado em:
12/06/2015.
113
racial e da desmistificação de que negros se discriminam entre si, que também são racistas,
além de refutar a ideia de que as políticas de ações afirmativas são esmolas.
Portanto, apesar desses valiosos avanços, salientamos a importância de atentarmos
para a necessidade de que seja ampliado o debate acerca da temática racial e ainda da
garantia, cumprimento, reconhecimento e da relevância dessas intervenções, especialmente
por parte da população brasileira, mas também propor ações efetivas de enfrentamento ao
racismo, discriminações e das assimetrias existente entre negros e brancos. É importante
refletir a (re) formulação de novos valores e percepções por parte da sociedade frente a esse
contexto, pois a ideia de “democracia racial” ainda vive no imaginário da população
brasileira, o que dificulta a implantação das políticas que compõem o conjunto das ações
denominadas de afirmativas.

114
PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO PARA EMANCIPAÇÃO
HUMANA OU MANUTENÇÃO DO STATUS QUO?
O serviço social e as relações raciais nos cursos de pós-graduação
das universidades do Rio de Janeiro

Dedicamos esse capítulo à interpretação do desenvolvimento e das transformações


ocorridas no interior do ensino superior no Brasil ao longo dos anos, bem como da
contrarreforma da educação, sobretudo, a partir dos anos 1990, onde amparados pelo contexto
neoliberal, foi operacionalizado aqui o maior desmonte do Estado. Com o objetivo de atender
esse projeto ambicioso de redimensionar o poder estatal para a promoção do
desenvolvimento, provocando assim, mudanças estruturais que se estendem até os dias de
hoje.
Tal ação foi sentida não só pelo violento processo de privatizações das empresas
estatais, como também pela mercantilização e expansão das unidades de ensino, advento de
modalidades como o EAD (ensino à distância), ampliação das áreas do conhecimento,
aligeiramento do ensino e da formação profissional, além da intensificação dos mecanismos
de subordinação do Ministério da Educação (MEC) e das agências de fomento à pesquisa
(CAPES/ CNPQ) aos organismos internacionais.
Dividimos esse capítulo da seguinte forma. Primeiro, traçamos uma rápida
contextualização histórica sobre a educação superior e os rebatimentos da contrarreforma do
Estado brasileiro. A segunda parte apresenta o contexto social e político em que se
desenvolveram as pós-graduações no Brasil, especialmente, no serviço social, além de
problematizar a produção de conhecimento no que tange as relações raciais, uma vez que este
é o objetivo central do nosso estudo. Por fim, e não menos importante, a apresentação com o
resultado da nossa pesquisa. Salientamos que esse estudo se propõe não só discutir, mas
também fortalecer o posicionamento crítico sobre o tema das relações raciais na produção de
conhecimento, pois consideramos que essa discussão se constitui como parte dos temas que
urgem serem refletidos pela categoria de assistentes sociais, oportunizando assim a construção
de um diálogo franco e aberto, para o desenvolvimento de estratégias na superação do racismo
e de outras formas de discriminação e opressão.
115
3.1- Política educacional brasileira: uma intrínseca relação entre a
formação superior e o desenvolvimento capitalista

Situar o período histórico em que ocorreram as transformações societárias que afetam


diretamente o conjunto da vida social e incidem sobre as profissões, sua área de intervenção,
conhecimento, de implementação e funcionalidade, é imprescindível, para estabelecer
estratégias sócio-profissionais minimamente adequadas para responder aos problemas que
emergem em face dessas transformações. No contexto do pós-guerra e da consolidação do
capitalismo em sua fase monopolista, foi onde também ocorreu o realinhamento do Estado,
que passou de restrito para ampliado 55. Essas transformações provocaram o acirramento da
luta de classe e a necessidade do desenvolvimento das políticas públicas e sociais, como
resposta mínima para às necessidades sociais que têm origem na sociedade e são incorporadas
e processadas pelo Estado em suas diferentes esferas de poder.
Alimentadas pelo novo padrão56 de crescimento, as contradições advindas da lógica
capitalista, expressam-se através da crise do welfare state57, como resultado da crise de
acumulação, dos elevados índices de impostos aos assalariados, dependência do capital
financeiro e aumento do nível do emprego e do salário. Assim, o capitalismo contemporâneo
caracterizou-se como capitalismo tardio, provocando a transição de um processo rígido em
um processo flexível, gestado no interior de inflexões do movimento capitalista, fornecendo
munições para que tais complexidades e contradições efetivassem as possibilidades e os
limites das transformações necessárias a essa ordem.

O velho Estado burguês parlamentar é uma forma inapropriada para enquadrar as


novas configurações do capital, que dele se usam, comprando-o e chantageando-o
conforme suas necessidades. A imposição de reduções e isenções fiscais, assim

55
C.f. COUTINHO, 1994. Marxismo e política. A dualidade de poderes e outros Ensaios. São Paulo, Ed. Cortez.
56
C.f. HARVEY. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo:
Loyola, 1993.
57
“O Welfare State, como padrão de política social, surge como um fenômeno do século XX e as teorias
explicativas sobre sua gênese e desenvolvimento são inúmeros. Há um consenso, entretanto, que se constitui
como um elemento estrutural ao capitalismo contemporâneo, sendo que significou mais do que um incremento
nas políticas sociais. Representou um esforço de reconstrução econômica, moral e política do mundo industrial
desenvolvido e um anteparo à possível ampliação de propostas comunistas. Economicamente significou o
abandono da “ortodoxia do mercado”. Moralmente significou a defesa das ideias de justiça social solidariedade e
universalismo. Politicamente foi parte de um projeto de construção nacional da democracia liberal em reação às
ditaduras fascista e bolchevista”. (NOGUEIRA, 2001. p. 99 Apud ESPINGANDERSEN, 1994).
116
como a plena liberdade de movimento de capitais e mercadorias, são apenas um
capítulo desta situação em que o Estado vai-se tornando redundante neste novo
arranjo social, não obstante ser impossível a existência de mercado sem o Estado, e
vice-versa. (MENEGAT, 2008. p. 4)

A partir das transformações provocadas pelas configurações e adequações capitalistas,


é que o Estado se apropria do processo de trabalho, dos meios e instrumentos de produção,
como também desenvolve mecanismos de controle e organização para atingir as modificações
necessárias que cumpram suas exigências. Dessa forma, a composição orgânica do capital,
cresce exponencialmente a força de trabalho excedente em face dos interesses do capital.
Netto (1995), salienta que as transformações societárias metamorfoseiam a produção e
a reprodução da sociedade, atingindo diretamente a divisão sócio-técnica do trabalho.
Segundo o autor, as alterações profissionais decorrem da intrínseca relação que se estabelece
entre as transformações societárias, das relações de trabalho, dos meios de produção e
reprodução da vida, afetando diretamente a constituição de cada profissão.
A crise contemporânea, seguida de grandes transformações na produção capitalista, é
entendida como processos que determinam as mudanças societárias em curso. Desta forma,
buscamos entender o significado dessas transformações, acima de tudo, na esfera da
produção, intensificadas a partir do final dos anos 70 do século XX. Neste contexto, a política
educacional brasileira não ficou à margem do processo de desenvolvimento do país, mas
acompanhou o movimento das políticas sociais em geral e também sofreu significativas
mudanças nos diversos níveis de educação.
Esse período de colapso mundial, desencadeado, sobretudo, pela crise do petróleo em
1973, acompanhava a onda inflacionária que surpreendeu os Estados de Bem-Estar Social e o
fim do padrão estabelecido pelo dólar e o ouro. Também o liberalismo foi gradativamente
voltando à cena, agora com a nova roupagem do “neoliberalismo”. Contexto de denúncia dos
altos índices inflacionários, resultante do aumento da oferta de moeda pelos bancos centrais,
responsabilização dos impostos elevados e os tributos excessivos, juntamente com a
regulamentação das atividades econômicas, como os principais culpados pela queda no
processo de produção.
Segundo Lewgoy, Maciel e Reidel (2013) “nesse contexto, a partir da década de
1980, a orientação política sob inspiração neoliberal, começou a ser implementada no
117
Brasil, impulsionada por organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional
e o Banco Mundial” (p. 94). Esta afirmação corrobora com o entendimento dos impactos
desse processo, resultando, entre outras coisas, na contrarreforma do Estado58 brasileiro,
ocorrido na década de 90, com fortes rebatimentos no campo do ensino superior.
Nas últimas décadas, o que vimos é a continuação do processo de sucateamento do
ensino superior no Brasil e a precarização dos postos de trabalho. Expansão do ensino
privado, aligeiramento do processo de formação profissional, mercantilização do ensino em
diversos níveis, produtivismo intelectual e desenvolvimento de uma cultura que estimula a
competitividade, precarização dos quadros técnicos, grandes retrocessos e perdas de direitos
trabalhistas na carreira docente, são alguns dos entraves que se colocam contra a educação de
qualidade, interferindo diretamente na dinâmica dos programas de pós-graduação, inclusive
no serviço social.
A mercantilização do ensino e a redução da educação como direito em educação como
um serviço e, portanto, avaliado a partir de critérios mercadológicos, traz implicações
inclusive para a compreensão que se tem quanto ao papel que a universidade brasileira deve
cumprir. Uma apreensão que também reside nessa reflexão, consiste em conhecer
efetivamente a natureza política e social, como condição fundamental para se avançar em
proposições reais de combate ao encolhimento das pós-graduações no Brasil.
Neste sentido, de acordo com Pereira (2009), “estreitamente alicerçada ao contexto de
crise socioeconômica, a educação superior aparece, na contemporaneidade, como um amplo e
lucrativo campo de exploração para grandes grupos empresariais”.
Os elementos ideológicos já abordados ao longo deste trabalho justificam tal processo,
e anulam a concepção de direito à educação pública superior, agora transmutada em um
“serviço”. Neste cenário, vemos emergir categorias fetichizadas e favoráveis à manutenção do
capital de maneira latente, a exemplo da aldeia global59, que estabelece a educação como
meio para resolver os problemas da humanidade, formação através das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC), vendidas, em sua maioria, de forma precarizada e

58
Cf. BEHRING, 2003. Brasil em contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo:
Cortez, 2003.
59
De acordo com LEHER (1998), a ideia de “aldeia global” representa a base ideológica que sustenta a
necessidade de expansão do ensino superior. Essa expressão, também é utilizada para compreender de que
maneira se dá o processo de globalização, onde, através da educação os países periféricos podem se integrar uns
aos outros.
118
extremamente superficial, conforme já constatado por diversos estudos, como os de Pereira
(2009).
Segundo a autora, a EAD configura-se, por exemplo, como uma via extremamente
lucrativa para a expansão capitalista e a formação de intelectuais necessários à ordem
burguesa, com a criação das primeiras Universidades Abertas na década de 1970 e sua
expansão mundial a partir de então.

O ensino superior constitui-se como um veio extremamente lucrativo para o capital


e, ao mesmo tempo, destaca-se pelo seu papel na disseminação ideológica da
sociabilidade colaboracionista, através da formação de intelectuais colaboradores e
empreendedores, sob a ótica do capital. (Pereira, 2009, p. 270)

A década de 1990 e o início do século 21 registraram um franco processo de


expansão e de mercantilização do ensino superior, validado e incentivado pelos
governos, de Cardoso a Lula, pautados no pressuposto de que a educação é um ‘bem
público’, sendo, portanto, um direito de instituições públicas e privadas oferecerem
seus serviços educacionais à população. Cabe ao Estado a partilha dos recursos
públicos: naturaliza-se a entrega de verbas públicas para o setor privado e, ao
mesmo tempo, o financiamento privado para as IES públicas, numa explícita
diluição de fronteiras entre o público e o privado. (Pereira, 2009, p.275)

Foi na década de 1990 que o Estado brasileiro ampliou massivamente o processo de


privatização das empresas estatais, alargando as fronteiras com o neoliberalismo e, ao mesmo
tempo, desenvolvendo ações concretas na busca pela consolidação capitalista. Esse
movimento acarretou duras perdas na área social, redefinindo assim, o padrão de politização
embasado nos valores fordistas. Assim, esses são os números que atestam a predominância do
setor privado na educação superior destacado por Pereira (2009).

119
Tabela 2. Presença do setor privado por instituição de ensino superior:
• 2.281 IES – 89% de natureza privada;

• 86,7% são registradas como faculdades;

• 5,3% são centros universitários;

• 8% são universidades;

• 74,6% das matrículas são em IES privadas;

• 12,6% são em IES federais;

• 9,9% são em IES estaduais;

• 2,9% são em IES municipais.

• Modalidade EAD: 7% do número de matrículas.

Dados retirados do Censo da Educação Superior, 2007.

Os dados acima demonstram com nitidez de que maneira se efetivou a mercantilização


e privatização do ensino superior brasileiro. No entanto, esse processo foi ainda mais
agudizado no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

É fundamental destacar que o discurso de democratização do ensino superior


apresentado pelo governo Lula vela, na realidade, um processo de certificação e não
de formação qualificada de novos profissionais. Não se nega a necessidade de
ampliação do acesso ao ensino superior, o que no Brasil é uma demanda latente.
Contudo, reitera-se que o acesso deve ser um direito social, isto é, não
mercantilizado. (Pereira, 2009, p.277)

Pereira (2009), ao analisar a oferta de vagas dos 332 cursos de serviço social existente
no país, verifica que a participação da modalidade educação a distância atinge mais de 50%
dos cursos oferecidos no ensino superior. Ou seja, uma das políticas sociais mais atingidas
120
pela contrarreforma do Estado, é a educação, pois, no sistema capitalista esta é usada como
instrumento de alienação e opressão da classe trabalhadora. Dessa forma, configura-se como
mais uma forma de reprodução da ideologia capitalista.
Na tentativa de barrar o desenvolvimento da precarização, as entidades da categoria
formulam coletivamente estratégias para o enfrentamento desse desafio. As entidades
lançaram manifestos, notas e dados para a categoria, para o Ministério da Educação – MEC e
para a sociedade. Como afirma Boschetti (2008, p. 8), “Precisamos, mais do que nunca,
reafirmar e ter os princípios do nosso projeto ético-político como balizadores das nossas ações
e estratégias. Não devemos abrir mão de construir estratégias coletivas que nos unifiquem
para enfrentar essa nova ofensiva”. 60
A partir do exposto, compreendemos que são muitos os desafios impostos a categoria
profissional de serviço social, tento em vista o avanço do neoliberalismo no Brasil e,
sobretudo, a evidente falência do sistema capitalista, onde se faz cada vez mais notória, a
continuidade dessa resistência e luta permanente pela sua defesa. Nesse sentido, atentar para o
compromisso com o projeto profissional, seus princípios e os caminhos apontados é
extremamente urgente e necessário. A resistência ao projeto do capital precisa de forças para
transpô-lo e chegar à construção de uma sociedade baseada na emancipação humana.

60
Um debate que atualmente vem sendo feito na categoria é sobre o Exame de Proficiência. Apesar da evidente e
necessária relação entre formação e exercício profissional, concordamos com a autora de que também não
podemos deixar de assegurar as particularidades e especificidades de cada uma dessas dimensões. Assim,
devemos perguntar: a quem compete assegurar a qualidade na formação? A quem cabe regular a qualificação da
formação profissional? Em que medida o exame de proficiência pode assegurar a tão almejada qualificação da
formação e do exercício profissional? Quais os efeitos do Exame de Proficiência para a formação e para o
trabalho profissional? Cabe aos Conselhos Profissionais realizar um exame para avaliar a formação profissional
e credenciar o profissional para o acesso ao mercado de trabalho? (BOSCHETTI, 2008).

121
3.2- Pós-graduação e a produção de conhecimento: o amadurecimento
teórico-político do serviço social mediante as transformações societárias no
Brasil

Os Programas de Pós-Graduação em Serviço Social se debruçam e se desenvolvem


mediante as suas linhas de pesquisas, e são elaborados com o objetivo de contribuir
principalmente na formação de pesquisadores, acima de tudo, os docentes desta categoria,
mas também o de outras áreas do conhecimento, conforme aponta Guerra (2011).

Argumenta-se que a pós-graduação cumpriu um papel de monta na constituição da


vertente crítica do Serviço social brasileiro, que hoje detém hegemonia na produção
do conhecimento e da pesquisa, responsável pela renovação da imagem profissional
e por tornar o Serviço social contemporâneo de seu tempo, colocando-o como
interlocutor reconhecido no campo das ciências sociais. (GUERRA, 2011. p. 126)

A autora afirma que a orientação dada por esses programas de pós-graduação, segue
na construção de uma hegemonia quanto à produção do conhecimento e, também, na
possibilidade de realizar a interlocução do diálogo entre as outras áreas, igualmente
importantes para a compreensão da sociedade e das novas emergências sociais. No entanto,
cabe aqui uma contextualização sobre o início do curso de serviço social no Brasil, bem como
algumas das principais transformações, o que culminou na necessidade de uma qualificação
para além da graduação.
Partimos da afirmação que a trajetória construtiva do serviço social não aconteceu de
forma linear ou mesmo contínua. Em sua gênese, essa trajetória possui características que são
bastante complexas, e, portanto, nem sempre compreendida pela própria categoria ou mesmo
pela sociedade. Desta forma, nos deparamos com compreensões diversas, tanto no que se
refere às transformações sofridas por esta profissão, quanto na própria atuação profissional.
Num intenso movimento de contradições e tensões, alguns questionamentos vão
surgindo, a natureza do serviço social61 é posta em xeque, e somando-se a isto a necessidade

61
Montaño (2007) em seus estudos sobre a natureza do Serviço Social apresenta duas teses nitidamente opostas
sobre a natureza profissional: Perspectiva Endógena e Perspectiva Histórico-crítica. Estas são as duas
perspectivas levantadas por Montaño, sobre a institucionalização e legitimação da profissão no Brasil.
122
de romper com práticas conservadoras, enraizadas nesta profissão desde o seu surgimento
ocorrido no seio da Igreja Católica aqui no Brasil, inspirado em teorias de conceitos morais e
confessionais neotomistas. As transformações em sua trajetória possibilitaram o serviço social
se aproximar do método crítico dialético marxista, o que provocou mudanças estruturais no
seio dessa profissão, o que mais tarde resultou na elaboração do projeto profissional
brasileiro.
Como tentativa de entender o processo histórico de crítica e renovação do serviço
social, busco pontuar de forma sucinta, o movimento de denúncia ao conservadorismo
profissional, iniciado na década de 1960 e desenvolvido entre os anos de 1970 e 1980,
influenciado e impulsionado pelo Movimento de Reconceituação do Serviço Social Latino
Americano62.
Este período foi marcado pelo espraiamento das movimentações populares na luta
contra o autoritarismo, também o surgimento de vários grupos sociais que se organizavam em
prol de uma mudança estrutural e da reforma política do Estado. No entanto, é um período
marcado pelo processo de subordinação ao imperialismo Norte-americano,
internacionalização da economia e tensões internas que questionavam os mecanismos de
dominação imperialista.

[...] os movimentos e lutas sociais, o desenvolvimento de experiências reformistas


na América Latina, o surgimento da revolução cubana, a luta de guerrilhas e a
reflexão em torno do processo de dependência acentuaram a insatisfação de muitos
assistentes sociais que se viam como‘bombeiros’, chamados a apagar pequenos
incêndios, a atuar no efeito da miséria, a estabelecer contatos sem contribuir
efetivamente para a melhoria da vida cotidiana do povo. (FALEIROS, 1981, p.117).

É notório que esse movimento também refletiu as contradições impostas pela luta de
classes, bem como sua tendência em conciliar, modernizar e minimizar os efeitos da

62
Para o entender o Movimento de Reconceituação do Serviço Social, se faz necessário, porém, compreender o
contexto histórico que atravessava o Brasil e outros países latino-americanos durante os anos 60 e 80. Faleiros
(1981) ressalta que o Movimento de Reconceituação foi um movimento que aconteceu nos países latinos
americanos (Chile, Argentina, Peru e Uruguai), segundo ele, este se funda como um movimento de crítica ao
positivismo e ao funcionalismo e, sobretudo, a fundamentação da visão marxista na história e na estrutura do
Serviço Social.

123
dominação burguesa. Apesar dos questionamentos políticos e sociais que se chocavam com as
novas exigências capitalistas, inclusive impondo ao próprio imperialismo mudanças em sua
forma de dominação, o serviço social se colocava como uma profissão que prestava favores
ao invés de serviços, buscando o consenso e a colaboração entre as classes. Sendo esse o
contexto que, de maneira geral, propiciou para os assistentes sociais uma identificação
política e também ideológica. Portanto, é a partir desse movimento, que os profissionais
perceberam a existência de duas classes sociais antagônicas, rompendo, dessa maneira, com a
“neutralidade” profissional que historicamente orientava esta profissão.
A categoria se abre para outras possibilidades acerca da dimensão política, no entanto,
cabe ressaltar que embora esse fosse um diálogo coletivo, não se configura em diálogo
homogêneo ou mesmo aberto, acerca de um projeto societário que seguisse ao lado da classe
trabalhadora. Esse momento histórico pode ser considerado como o início da expressão de
ruptura com o serviço social tradicional e conservador – traçando a possibilidade de uma nova
identidade profissional, com atuações voltadas às demandas trazidas pela classe trabalhadora
– com vistas à preocupação da situação particular para a relação geral, com “uma visão
política da interação e da intervenção”.
Todavia, com o advento do golpe militar instaurado na América Latina, o Movimento
de Reconceituação do Serviço Social foi interrompido, tornando-se o que Netto (2005),
classifica como um movimento inconcluso e contido dentro da sua própria história. No
entanto, Montaño (2009) afirma que nesse contexto, muitos países hispano-americanos
adotaram como estratégia um “retorno ao passado”, objetivando se reestruturar
profissionalmente. Desta forma, houve a reinstituição aos cargos exercidos por docentes e
autoridades antes das ditaduras. Também foram reimplantados, os textos usados nos
currículos antigos do curso de serviço social (dos anos 60) e algumas das bibliografias de
referência dos inícios da reconceituação, utilizados como “textos atuais” (p. 134).

Efetivamente, os diferentes caminhos percorridos, a partir da década de 1970, por


nossos países – fundamentalmente, depois dos processos de ditaduras militares –,
levantaram barreiras, que dificultaram a relação e intercâmbio profissional no
continente. Aquela “unidade na diversidade” que caracterizou o período de
reconceituação latino-americana perdeu, salvo pela ação permanente de um grupo
vinculado à ALAETS (Associação Latino-Americana de Escolas de Trabalho

124
Social) e ao CELATS (Centro de Estudos Latino-Americano de Trabalho Social),
sua articulação internacional. (MONTAÑO, 2009. p. 133, 134).

O serviço social brasileiro inicia, assim, um processo de renovação e crítica por dentro
da categoria. Esse período também foi marcado pela efervescência dos movimentos sociais,
emergidos tanto pela crise mundial do padrão de acumulação capitalista, quanto pela inserção
dos países latinos na nova divisão internacional do trabalho, resultado da implantação da
política econômica desenvolvimentista que só fez aumentar as contradições e potencializar as
desigualdades sociais.
Netto (2005) destaca quatro principais conquistas desse movimento: o intercâmbio e
interação profissionais com outros países; a busca pelo entendimento da dimensão política da
ação profissional; interlocução crítica com as ciências sociais, tendo em vista que é na
reconceituação que se incorpora a crítica ao tradicionalismo e, também, são lançadas novas
bases para “outra interlocução do serviço social com as ciências sociais, objetivando abrir
caminhos para novos fluxos, inclusive com a própria tradição marxista, sem excluir, contudo,
novas tendências diversificadas do pensamento social contemporâneo”; por fim, a última
conquista, que trata da inauguração do pluralismo63 profissional, ou seja, “a reconceituação
permitiu que houvesse uma interlocução entre as diferentes concepções acerca da natureza, do
objeto, das funções, dos objetivos e das práticas do serviço social, fossem analisadas,
inclusive como resultado do recurso a diversificadas matrizes teórico-metodológicas”. (p. 11-
12).
Nesse sentido, o autor afirma que, não há como pensar o serviço social crítico, sem
vinculá-lo a esta herança, levando-se em consideração a existência de uma pluralidade
ideológica e teórica, dada a diversidade que compõe a categoria profissional, mesmo que esta
esteja calcada sob a lógica de um projeto ético-político que tem acima de tudo se coloca como
crítica ao tradicionalismo que outrora norteava a profissão.

63
Segundo Netto (1999), a categoria profissional, é um universo heterogêneo e os sujeitos que a constrói são
sujeitos coletivos, portanto, este espaço se constitui como um espaço plural. Ressalta que “O corpo profissional é
uma unidade não- homogênea, uma unidade de diversos; nele estão presentes projetos individuais e societários
diversos e, portanto, configura um espaço plural do qual podem surgir profissionais diferentes” (p. 5). Neste
sentido, compreendemos o pluralismo, como elemento factual da vida social e da profissão, deve ser respeitado e
diferenciado do ecletismo (degradação teórica) e do liberalismo (degradação política) (Coutinho, 1999), pois,
isto, não impede a luta de ideias, aliás, deve ser tomado como um princípio democrático.
125
Montaño (2009) também atribui como herança desse movimento “a nova
infraestrutura acadêmica”, sobretudo, com o início de diversos cursos de pós-graduação,
docentes dedicados exclusivamente à universidade, significativa produção bibliográfica
atualizada que expressavam os primeiros resultados das pós-graduações. (p.135). No entanto,
Montaño destaca que essa possibilidade de infraestrutura só adquire relevância, quando a
categoria rompe com a “docilidade” que permeava a profissão, e se coloca em prol de uma
atuação crítica e comprometida com a classe trabalhadora, conforme observado nos
momentos que marcam o “Congresso da Virada” (1979) 64.
O país estava envolto em um contexto socioeconômico e político de efervescência da
sociedade civil e do surgimento de diversos movimentos sociais, dos debates nacionais para
as “Diretas já”, em 1984, e para a elaboração da Constituição Federal de 1988. Também
marcam esse contexto, partidos de esquerda e dos trabalhadores. Nesta conjuntura, os
movimentos sociais avançam e promovem a organização profissional, acadêmica e estudantil.
Consideramos como avanços desse período histórico, a consolidação do Código de
Ética Profissional de 1986 e posteriormente o de 1993, resultado da construção coletiva da
categoria de assistentes sociais. Além do alargamento das bases que sustentam a organização
do ensino (ABESS) e da pesquisa com o Centro de Documentação e Pesquisa em Política
Social e Serviço Social (CEDEPS). Cabe ainda destacar, a junção dessas duas organizações
transformando-as na Associação de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS - 1996)65,
que preconizam as Diretrizes Curriculares para a Formação Profissional de Serviço Social, a
Lei de Regulamentação Profissional (Lei de Nº 8.662/93), além de outras legislações sociais
que referenciam o exercício profissional, estritamente ligado à garantia de direitos, como o
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA de 1990, a Lei Orgânica da Assistência Social –
LOAS de 1993, a Lei Orgânica da Saúde – LOA em 1990.

64
III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado em São Paulo no ano de 1979, denominado
“Congresso da Virada”. O ano de 1979 tornou-se emblemático por ser o tempo de florescimento das
possibilidades objetivas e subjetivas que permitiram às forças políticas do trabalho expressar suas lutas pela
implementação do Estado de Direito após o nefasto período de vigência da ditadura militar no Brasil, que ceifou
as mais corajosas formas de resistência e combate ao autoritarismo. FONTE:
http://www.cfess.org.br/arquivos/congresso.pdf.
65
“Criada desde 1946 como ABAS, vigorando por anos como ABESS, a atual ABEPSS explicita desde a sua
nomenclatura que tem como princípio e compromisso a relação orgânica entre graduação e pós-graduação, por
entender que na consolidação da pós-graduação localizam-se as condições para a qualificação da graduação.
Assim, a pós-graduação aporta contributos teórico-metodológicos à graduação que, por sua vez, requalificada,
torna-se insumo do desenvolvimento da pós-graduação”. (GUERRA, 2011. p. 127).
126
Ainda de acordo com Guerra (2011), as mudanças de nomenclatura citadas acima,
significa um enorme avanço para o serviço social, pois, elas expressam o amparo jurídico-
legal de uma mudança construída coletivamente. Nesse sentido, a relação orgânica entre
graduação e pós-graduação firma um compromisso ético-político e indissociável entre o
ensino, a pesquisa e a extensão, consolidando o eixo estrutural que conformam tanto a
formação profissional através da graduação, como também na pós-graduação. Portanto,
constituindo de forma ampla, as condições necessárias para legitimar a formação e a produção
do conhecimento. Dessa forma, o surgimento da ABEPSS passa a ter legalidade como
entidade acadêmico-científica e política. (p. 127).
As conquistas aqui já mencionadas formam um conjunto de ferramentas que buscam
fortalecer o projeto ético-político profissional brasileiro. Nessas ferramentas, encontramos
preconizados a importância de reflexões e o desenvolvimento de estratégias que busquem
maior compreensão da atuação profissional, para que assim o enfrentamento das expressões
da questão social e das assimetrias sociais existentes seja possível. É dever dos Assistentes
Sociais, buscar para além de ferramentas técnico-operativas, instrumentos que materializem o
compromisso ético-político na busca por uma sociedade justa e igualitária. (Rocha, 2009. p.
557).
A formação em serviço social no Brasil passou por substantivas transformações nas
últimas décadas. O desenvolvimento de um projeto profissional inteiramente voltado para os
interesses da classe trabalhadora permitiu que essa categoria se mantivesse insubordinada aos
ditames capitalistas. Sobre isso, ousamos afirmar que a organicidade desta categoria, na luta
contra o conservadorismo 66 histórico que marca a sua trajetória política, bem como ancorar
suas ações nos valores preconizados nesse projeto político é que lhe permite manter viva a
chama da transformação política e social.
Todavia, com o advento da crise do capital, que se intensificou, principalmente, a
partir da década de 1970, com repercussão mundial, agravou não só as desigualdades sociais,
como também desencadeou uma desenfreada expansão capitalista, inclusive no campo do
ensino superior, fazendo com que esse setor se tonasse um excelente negócio aos olhos do
capital. Nesse sentido, cabe refletir de que maneira a ofensiva capitalista desencadeou uma

66
C.f. Escorsim Netto, (2011). O conservadorismo clássico: elementos de caracterização e crítica. São Paulo.
Cortez, 2011.
127
série de deformações não só nas bases da educação pública brasileira, como também na
educação superior. Os rebatimentos dessa ofensiva podem ser sentidos tanto no processo de
formação do serviço social, quanto na formação continuada, sobretudo, na pós-graduação.
Fica evidente que a criação da pós-graduação em serviço social no Brasil67 resulta do
intenso movimento de transformações históricas. Elas surgem como um terreno de
possibilidades para o desenvolvimento do pensamento crítico e ideológico. Nesse sentido,
ressaltamos também que esse espaço se configura como um lugar de disputa teórica e política.
É nela que a produção do conhecimento ganha relevância e notoriedade, legitimando assim o
papel da universidade, no tocante ao desenvolvimento do saber, da ciência e da tecnologia.

É aqui onde se faz sentir o peso das questões político-ideológicas. Em uma


sociedade de classes, o interesse das classes dominantes será sempre o pólo
determinante da estruturação da educação. O que significa que ela será configurada
de modo a impedir qualquer ruptura com aquela ordem social. Em consequência, a
educação, quer formal, quer informal, sempre terá um caráter predominantemente
conservador. (TONET, 2007. p. 66)

Essa reflexão nos permite compreender que a criação e a expansão da pós-graduação


brasileira68 neste período, cumpre um papel tecno-burocrata, com perspectivas que caminham
para a manutenção e preservação da ordem pragmática e conservadora 69 impulsionada pelo
projeto desenvolvimentista70.

67
Segundo Guerra (2011), os primeiros cursos a materializar a pós-graduação em Serviço Social no Brasil,
embora com nítido perfil tecnológico e com base nos moldes norte-americano, foram os cursos de mestrado
implantados nas Universidades Católicas do Rio de Janeiro e São Paulo, ambos em 1972. Todavia o primeiro a
ser oficialmente credenciado pelo Conselho Federal de Educação (Parecer 4.428/76) – voltado, para a formação
de docentes e pesquisadores, com o objetivo de “capacitar para a análise crítica da realidade social e para o
desenvolvimento de estratégias de intervenção do Serviço Social” foi o da PUC/RJ, em 1992. No entanto, a
autora ressalta ainda que é importante lembrar que, somente na década de 70, a formação profissional dos
assistentes sociais brasileiros deixa os espaços das escolas isoladas para se integrar nos espaços universitários.
68
Alguns estudiosos datam a origem da pós-graduação no Brasil a partir da década de 1930 do século XX.
Porém, é na década de 1960, através do parecer de nº 977/65 da Câmara de Ensino Superior, também conhecido
como parecer Sucupira, aprovado pelo Conselho Federal de Educação, e no contexto da ditadura militar, que se
institui a pós-graduação no Brasil. A escolha do nome é uma homenagem ao professor Newton Sucupira, autor
do Parecer nº 977 de 1965. O documento conceituou, formatou e institucionalizou a pós-graduação brasileira
nos moldes como é até os dias de hoje. Fonte: http://www.capes.gov.br/avaliacao/plataforma-sucupira. No
entanto, somente em 1984 o Serviço Social obteve reconhecimento pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) como uma área específica de Pesquisa. (GUERRA, 2011. p. 136).
69
Cabe aqui uma observação de que o ensino superior no Brasil até hoje, segue a lógica do contexto histórico em
que foram criados. A saber, o período de ditadura militar. Guerra (2011) salienta que guiados pela necessidade
de democratização e massificação do ensino, enfrentamento dos baixos índices de matrículas, austeridade,
128
É importante ressaltar que a criação da pós-graduação no Brasil obedece à mesma
lógica de tantos outros processos históricos do Brasil e de outros países da América
Latina: foi criada pelo alto, para atender aos interesses de uma burguesia nacional e,
sobretudo, estrangeira. Não é casual que ela adota um formato elitista e serve para
constituir o que Netto (1990) denomina mandarinato acadêmico. (GUERRA, 2011.
p. 129).

A produção de conhecimento cumpre um papel importantíssimo para a compreensão


das complexidades que se estabelecem nas relações sociais da vida humana. Nessa direção,
fica fácil a interpretação de que a produção do conhecimento é muito mais do que assegurar a
direção hegemônica de uma determinada categoria, ela também é responsável pela
manutenção das relações de poder que se estabelecem na sociedade.
Silva e Carvalho (2007) salientam que esse projeto profissional imprimiu novos traços
nas dimensões configurativas do serviço social, representadas pela a dimensão organizativa,
dimensão acadêmica que incide sobre a formação profissional e a produção científica e ainda
a dimensão de intervenção na realidade social, permeada no âmbito das instituições estatais,
das organizações não governamentais, junto aos movimentos sociais e também sindicais
organizações. (p. 36)
Ainda de acordo com as autoras acima, são considerados avanços, o desenvolvimento
das novas alternativas de intervenção profissional, resultado da expansão das pós-graduações
em serviço social, bem como a participação dos assistentes sociais em atividades de pesquisas
que tangem a produção de conhecimento. Neste sentido, observa- se que:

O surgimento das pós-graduações em Serviço Social é relativamente recente,


remontando a meados da década de 1970. Os anos 1980 significaram para o Serviço
Social, conforme a feliz expressão de Iamamoto, a sua maioridade intelectual, tendo
em vista o investimento no desenvolvimento teórico, na formação de quadros

retrocesso da estrutura curricular e preenchimento das vagas ociosas dos cursos para os quais não havia demanda
de mão de obra, entre outros, torna evidente o que há em comum nos tempos passados com as condições atuais.
É o fato de que este é um projeto que tende a precarizar, ainda mais, as condições nas quais a educação superior
está inserida.
70
Período de grandes mudanças no cenário mundial e fortes impactos na sociedade brasileira. Com o pretexto de
preservação da “ordem social”, instauração da Ditadura Militar na busca pela aceleração econômica e
desenvolvimento nacional. O resultado é a dependência ao capital externo, violação de direitos e acentuação das
desigualdades sociais, culturais, econômicas etc. Ver mais em: PRADO JR., C. (1999) [1968].
129
acadêmicos, na produção bibliográfica, na formação de uma intelectualidade que
vem intervindo substantivamente na construção de conhecimento e no debate
científico na área e em áreas afins, resultando no seu reconhecimento como área de
produção do conhecimento no campo das Ciências Sociais Aplicadas pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico – CNPq e pela Fundação
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). (ABEPSS,
2009. p. 1).

Destaca-se, também, o aumento da produção científica acerca das políticas sociais e de


outras questões relevantes para o serviço social brasileiro, fazendo que esta profissão seja
considerada área específica do conhecimento no campo das Ciências Sociais Aplicadas pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ainda pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Estes são resultados
que consolidaram a ação profissional no campo das políticas públicas, permitindo inclusive a
criação de um sujeito ativo e participativo do processo político que culminou com a
Constituição Brasileira de 1988, onde ficou instituída a Seguridade Social no país, composta
do tripé entre Política de Saúde, Previdência Social e Política de Assistência Social, o que
permitiu que a seguridade social adquirisse o status de Política Pública. (p. 36)
Por fim, considera-se como um grande avanço desse contexto histórico, a participação
direta dos assistentes sociais na luta pela inclusão destes quanto à participação social como
um dos princípios constitucionais, permitindo não só a instituição de conselhos de gestão
voltados para o desenvolvimento do controle social nas políticas públicas, como também
garantindo até os dias atuais a participação de assistentes sociais nos diversos municípios
brasileiros. (p. 37)
O serviço social brasileiro foi se consolidando e com ele o reconhecimento da
profissão como área de conhecimento. A criação da pós-graduação é um passo decisivo para
esse reconhecimento, além de expressar o amadurecimento tanto político quanto teórico dessa
categoria. Cabe destacar, que as transformações anteriormente citadas, também contribuem de
forma significativa para essa conquista. Nesse sentido, a entrada dos profissionais de serviço
social tanto na academia, como na carreira docente, apontou para um horizonte promissor,
pois, foi esse movimento que permitiu a formação desses profissionais em pesquisadores.

130
Nessa linha de reflexão, também ressaltamos que o processo de laicização da profissão
e a aproximação com a tradição marxista, oportunizaram o início de uma produção intelectual
seguindo uma direção teórica bem mais comprometida com os valores que norteiam a luta ao
lado da classe trabalhadora. Esse processo também fortaleceu o interesse dos estudantes da
época a se tornarem docentes, e agora, ancorados pela necessidade de se construir uma luta
coletiva com princípios emancipatórios (AMARAL, 2012. p. 231).
As décadas de 1980 e 1990, um período em que se destacou a construção do projeto
político profissional, já mencionado nesse trabalho. Esse é o período que marca a ruptura do
serviço social brasileiro com os valores burgueses e onde essa categoria profissional opta por
construir outra forma de sociabilidade, estabelecendo um compromisso sério com os sujeitos
políticos sociais que se colocavam como protagonistas desse processo. No entanto, com o
advento do neoliberalismo no Brasil e no mundo, houve sérios rebatimentos para as diversas
esferas que engloba a vida social dos sujeitos e isso não foi diferente no ambiente acadêmico.
Nesse sentido, o espaço que deveria ser o lugar de se analisar conjunturalmente a
situação e assim desenvolver propostas de enfrentamento aos ditames capitalistas, acaba por
se tornar um lugar de preservação desta ordem. De acordo com Amaral (2012), as políticas
educacionais assumem a lógica produtivista, da manutenção e legitimação do
conservadorismo. Essa lógica fortalece a tendência desenvolvimentista, dando lugar a
disputas de cunho teóricas, políticas e, sobretudo, ideológicas. As consequências desse
movimento, além da perda considerável da autonomia universitária, também descaracterizam
o papel social que esse espaço deveria cumprir, comprometendo não só o fazer acadêmico,
como também a produção de conhecimento. (p. 231).
O contexto político e econômico que marca tanto a década de 1990 quanto os anos
2000, é o período em que se confirmou a estrutura do Estado como financiador direto do
capital. As reformas estruturais ocorridas nesse processo dão segmento à focalização das
políticas sociais, privatização de empresas públicas, ataque direto às políticas educacionais,
além do aparelhamento político do sistema educacional brasileiro e ainda das pós-graduações.
Portanto, o que observamos desse processo de “reestruturação do capitalismo” é a execução
de uma série de reformas para garantia do seu êxito. Nesse sentido, Lewgoy e Maciel (2008)
sinalizam que:

131
[...] a contradição que envolve o projeto da reforma universitária, pois a legislação
diz que a proposta da reforma é de fortalecimento da universidade pública, seguida
pelo aumento significativo do número de IES privadas. Essa mudança tem
implicações no fortalecimento do setor privado. As autoras relacionam isso ao
projeto de orientação neoliberal, preconizado pelos organismos internacionais e à
“corrida” desenvolvimentista dos países que precisam alavancar a inserção dos
cidadãos na educação superior. (LEWGOY e MACIEL, 2008. p. 95).

O movimento que se desenvolve no interior das universidades brasileiras, é o


cumprimento da ordem expressa do capital que ditam essas orientações, sob a justificativa de
que assim as universidades serão inclusas no ranking internacional da educação superior.
Sobre isso, Amaral (2012), chama a atenção para as discussões que vem sendo realizadas a
partir da produção de diagnósticos e das exigências do cumprimento de metas para o tão
esperado ranqueamento internacional, bem como da “formação de ilhas de excelência”,
construídas dentro das próprias universidades, por meio de cursos e programas que disputam
os poucos recursos institucionais destinados ao funcionamento mínimo dos locais de pesquisa.
(p. 231). Sobre isto, observa-se que:

A flexibilização demandada pelos processos de enfrentamento da crise do capital


adentra os espaços do ensino superior no Brasil, no que se refere à sua
desregulamentação, flexibilizando a estrutura curricular, de um lado, e
estabelecendo um novo marco regulatório16, de outro, o qual oferece as bases
jurídico-legais para atender as necessidades de valorização do capital no seu atual
estágio de desenvolvimento. Na sequência desse desmonte, têm-se os processos de
desprofissionalização, com a criação de novas áreas de conhecimento. (GUERRA,
2011. p. 137)

Nesse sentido, de acordo com Guerra (2011), essas são as consequências da entrada
massiva do capitalismo nos espaços de produção de conhecimento. Ao obedecer a essa lógica
mercantilista, produzindo necessidades de criação de outras áreas do conhecimento 71, além de

71
Ultimamente observa-se o crescimento de pós-graduações em áreas como Ciências Humanas e Sociais, os
Mestrados (em geral, profissionais) nas áreas de Defesa Social, Mediação de Conflitos, Aconselhamento
Familiar, Direito Social, Vegetarianismo, Enfermidades e Doutorados em Teorias da Justiça e Teorias da
132
induzir tanto uma formação pragmática quanto instrumental, onde não se pode esperar outra
coisa, a não ser uma pós-graduação também instrumentalizada e aparelhada, seguindo quase
que estritamente para responder às necessidades do capital e dos serviços oferecidos no
mercado.

4.3 - Pós-graduação em serviço social: velhos dilemas, novos entraves e a


busca pelo conhecimento libertador e emancipatório

Diante da retrospectiva aqui já realizada, é possível afirmar que o contexto da crise


mundial do capitalismo, impõem sérios retrocessos para as conquistas históricas da classe
trabalhadora. O processo de financeirização da educação, da saúde, do fundo público e das
políticas sociais brasileiras, não aponta outra direção, senão a continuidade da luta pela
construção de outra ordem social e pela emancipação humana. Nesse sentido, Barroco (2008)
salienta a necessidade pela busca constante por condições e mediações que permitam a
materialização do compromisso ético-político firmado com e pela classe trabalhadora.
Algumas observações que perpassam o universo da pós-graduação são de fundamental
importância, para a compreensão de como se estrutura a produção do conhecimento no Brasil.
Dentre essas compreensões, está o Plano Nacional de Pós-Graduação/2011-2020 (PNPG)72,
os Grupos Temáticos de Pesquisas (GTP) da ABEPSS, bem como os Projetos Pedagógicos73
dos cursos de mestrado e doutorado em serviço social, além dos Núcleos e os Grupos de
Pesquisa de cada programa de pós-graduação.

sociedade, dentre outros. Dentro desta lógica também surgem os mestrados multiprofissionais e as atuais
demandas para as políticas setoriais, a exemplo dos Mestrados Profissionais na Saúde ou em Saúde da Família.
(GUERRA, 2011. p. 137).
72
Elaborado pela CAPES, o PNPG tem como objetivo definir novas diretrizes, estratégias e metas para dar
continuidade e avançar nas propostas para política de pós-graduação e pesquisa no Brasil. Paralelamente a este
Plano, está sendo elaborado o novo Plano Nacional de Educação (PNE). De fato, pela primeira vez, um plano
nacional de educação contemplará as metas da pós-graduação, isso porque o PNPG será parte integrante do PNE.
Fonte: http://www.capes.gov.br/plano-nacional-de-pos-graduacao.
73
O projeto pedagógico é aqui entendido como um projeto de formação, que deliberam um “conjunto de
diretrizes e estratégias que expressam a prática pedagógica de um curso, como seu núcleo catalisador, não se
confundindo com currículo. [...] É a definição das ações intencionais de formação, de como as atividades de
professores, de alunos, da administração do curso que se organizam, constroem e acontecem, como um
compromisso definido e cumprido coletivamente. [...] É projeto político, porque estabelece e dá sentido ao
compromisso com a formação do cidadão e da pessoa humana para um tipo de sociedade, revelando, portanto, a
intencionalidade da formação e os compromissos deste profissional com um tipo de sociedade” (Ana Célia Bahia
Silva, “Das diretrizes curriculares à construção dos projetos pedagógicos em cada instituição”. Cadernos
ABESS. S. Paulo, Cortez, 8, 1998, pp. 20-21).
133
Sobre os projetos pedagógicos, eles se destacam, pois tem como direção principal, o
estudo do serviço social como profissão, a formação continuada e o aprimoramento dessa área
de conhecimento, e onde se constituem a base a partir da qual se estruturam os objetivos dos
programas de pós-graduações, voltados principalmente para a formação de pesquisadores e
docentes, tanto no âmbito do serviço social como das áreas que com ele se relacionam.
Os eixos norteadores impulsionam e materializam as diretrizes para a pós-graduação
brasileira e também os problematizam, pois, partem de um conjunto de questões que por
vezes são complexas e ainda contraditórias. Portanto, seguir nessa direção de reflexão, é um
dos caminhos que permite não só a busca por respostas capazes de nos fazer compreender as
novas configurações da questão social – e das relações que se estabelecem entre o Estado e a
sociedade –, mas também os rebatimentos que tais questões acarretam para a educação no
Brasil.
Cabe aqui uma reflexão a respeito do PNPG, uma vez que ele não só influencia como
também expressa à política nacional de pós-graduação, e onde se encontram os eixos
orientadores que materializam as diretrizes gerais para a pós-graduação brasileira. Todavia, é
interessante que façamos uma análise crítica sobre esse plano, tendo em vista que é a partir
dele que se desenvolvem as políticas voltadas para os programas de pós.
Uma das estratégias do PNPG para levar o Brasil a superar a distância existente entre à
pós-graduação daqui e dos demais países, é desenvolver as seguintes exigências: 1) na pós-
graduação à distância; 2) nos Mestrados Profissionais (destinados à formação de recursos para
as empresas; 3) na interdisciplinaridade; 4) em áreas estratégicas; 5) na internacionalização e
cooperação internacional. Conforme se observa, esses “incentivos” foram traçados com o
objetivo de alavancar a pós-graduação Brasileira, na tentativa de superar a ideia de que a
educação superior aqui ainda se assemelha a um país periférico. Tais estratégias foram
pensadas a partir da “política de bolsas”, que considera os cursos de pós-graduação à distância
e interdisciplinares, como saída para o cumprimento de metas, além de privilegiar o
desenvolvimento e o maior repasse de verbas para outras áreas, tidas como estratégicas.
Não por acaso, o PNPG está divido em cinco eixos principais que norteiam suas ações:
1º) Refere-se à expansão do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), onde seus objetivos
principais prezam pela “primazia da qualidade, a quebra da endogenia e a atenção à redução
das assimetrias”. 2º) Aponta para a necessidade de elaboração de uma agenda nacional sobre a

134
pesquisa associada com a pós-graduação. 3º) Diz respeito a formas de avaliação, primando
pelo aperfeiçoamento, bem como a expansão de outros segmentos diretamente ligado ao
sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação. 4º) Determina a interdisciplinaridade e a
multidisciplinaridade, dando destaque entre as principais características da pós-graduação e os
importantes temas da pesquisa. 5º) Assinala como diretrizes centrais do plano, não só o apoio
à educação básica, como também a outros níveis e modalidades de ensino, sobretudo, o ensino
médio. (Amaral, 2012).
O que se evidencia com esse plano, é a maneira burocratizada com que se conduz a

relação entre a universidade e as agências de fomento, que transforma, sobretudo, a produção


de conhecimento em uma relação pesada e endurecida, onde cada vez mais se enrijecem as
exigências pela sua regulação, além do controle das atividades desenvolvidas, principalmente
nos programas de pós-graduação, criando entre outras coisas, mecanismos de subordinação e
domínio sobre as pesquisas realizadas.

Nas últimas décadas, com a revolução informacional, o mundo do trabalho sofreu


profundas mudanças. Instaurou-se – algo que ainda está em andamento – um novo
modelo produtivo, caracterizado pela incorporação cada vez maior da ciência e da
tecnologia à produção, pela flexibilidade, pela descentralização, pela necessidade de
um giro muito rápido dos produtos e por uma produção voltada para o atendimento
de uma demanda mais individualizada. (TONET, 2012. p. 13-14).

Compreende-se que as orientações que se seguem, cumprem ao papel de induzir o


desenvolvimento de estratégias nas atividades entre a pós-graduação e as fundações estaduais
e os fundos setoriais. No entanto, são combinações como essas, que direcionam, em grande
parte, a política de editais das agências de fomento. Dessa forma, além de ampliar as
possibilidades de refuncionalizar as relações entre o público e o privado, também fortalece o
traço histórico conservador, que permeia a formação da sociedade brasileira nesses setores.
(Amaral, 2012).
As questões que se apresentam, revelam um cenário nada otimista sobre os rumos da
educação brasileira. Nesse cenário de disputas, há forças conservadoras, que querem a
preservação e manutenção da ordem vigente. No entanto, a categoria profissional junto às
suas entidades representativas, vem somando forças e desenvolvendo ações que visam

135
fortalecer à Pós-Graduação em Serviço Social no Brasil, além de contribuir com o
fortalecimento dos Programas dos cursos stricto sensu na área, e sobretudo, resguardar a
atuação da ABEPSS como associação científica que torna a pós-graduação mais orgânica
nesta relação. Dessa forma, destaca-se inclusive a participação desta quanto à efetivação das
atribuições estatutárias que competem à Coordenação Nacional de Pós-Graduação,
especialmente no que diz respeito à consolidação e qualificação do Serviço Social como área
de conhecimento.
Um dos principais desafios da pós-graduação, sobretudo, em serviço social, consiste
em compreender o histórico movimento dos avanços e retrocessos que marcam a política
educacional no Brasil, impulsionado pelo processo da contrarreforma na educação superior e
seus rebatimentos na pós-graduação. Nesse sentido, o RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO 2010-
2012 TRIENAL 2013 da CAPES74, aponta alguns dados que nos auxiliam a compreender de
que maneira se tem efetivado o processo de expansão dos cursos de pós-graduação em serviço
social no Brasil. (p. 2)
De acordo com o relatório, a área de serviço social é composta por 31 Programas de
Pós-Graduação assim distribuídos espacialmente: 12 na região Sudeste (36,66%), 10 na região
Nordeste (33,33%), 04 na região Sul (13,33%) 03 na região Centro-Oeste (10,0%) e 02 na
região Norte (6,68%). Dos 31 Programas 14 estão compostos por níveis de doutorado e
mestrado (PUC/RS, PUC/SP, PUC/RJ, UFMA, UFRJ, UFF, UFPE, UnB, UNESP, UERJ,
UEL, FUFPI, UFSC, UFES) e os demais (UFPA, UFRN, UFAL, UFPB-JP, UFJF, UCSAL,

74
Esse relatório foi elaborado a partir das orientações oferecidas no seminário preparatório, a área organizou um
conjunto de informações sintéticas com o objetivo de apoiar a comissão em suas atribuições. Além disso, dividiu
os Programas por dupla de avaliadores considerando a região de tal modo que os professores avaliadores não se
ocupassem dos Programas de suas próprias regiões. No início dos trabalhos houve uma explicação sobre o
material e o processo de validação da produção bibliográfica excetuando os periódicos que dispõem de
metodologia própria. Também nesse processo introdutório houve a redefinição das tarefas, sendo que num
primeiro momento as duplas de avaliadores dedicaram-se ao Programas/cursos a eles designados e num segundo
momento houve a discussão coletiva de cada programa. Os critérios de avaliação balizaram-se tanto pelos pesos
definidos para cada quesito e também numa perspectiva do desenvolvimento da área como um todo e, para tanto,
houve uma análise dos dados sistematizados nos instrumentais disponibilizados pela CAPES (SDI).
(RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO 2010 – 2012/ TRIENAL CAPES/ 2013. p. 3) Disponível em:
http://www.capes.gov.br/images/stories/download/avaliacaotrienal/Docs_de_area/Servi%C3%A7o_Social_doc_
area_e_comiss%C3%A3o_16out.pdf.

136
UCPEL, PUCGO, UFAM, UFMT, UFV, UNICSUL, EMESCAN, UFCE, FUFSE, UFF 75. (p.
2).
Também a partir da desse relatório, pode-se observar que a formação pós-graduada em
Serviço Social é desenvolvida majoritariamente nas universidades públicas 23 (73,33%),
seguida das universidades comunitárias 06 (20,0%), com pouca expressividade de instituições
privadas 02 (6,67%). A área básica dos 31 programas de pós-graduação é a seguinte: 20 em
Serviço Social (66,6%), dos quais 01 em Serviço Social e Desenvolvimento Regional e 01 em
Serviço Social, Trabalho e Questão Social; 07 em Política Social (23,3%), dos quais 01 em
Políticas Sociais e Cidadania; 01 em Política Social e Serviço Social; 03 em Políticas Públicas
(10,0%), sendo um deles em Política Pública e Desenvolvimento Local; e 01 em Economia
Doméstica (3,1%). (Avaliação Trienal CAPES/2013, p. 2).
Entre os anos de 2010 a 2012, o relatório destaca que foram recomendados cinco
novos mestrados acadêmicos em Serviço Social e um em Economia Doméstica, além de
quatro doutorados em serviço social. Dos mestrados – três são em Serviço Social e um da
Economia Doméstica – que não foram avaliados nessa trienal, eles foram alocados nas
Universidades Estadual da Paraíba, Universidade Estadual do Oeste do Paraná e Fundação
Universitária Federal do Sergipe e em Economia Doméstica da Universidade Federal Rural de
Pernambuco. (Avaliação Trienal CAPES/2013, p. 3).
Outra observação importante que esse relatório nos permite realizar é a constatação do
crescimento dos cursos no período desse triênio. No entanto, segundo o relatório, houve o
“cumprimento de uma das principais diretrizes dessa área”. A preocupação girava em torno de
um possível esvaziamento dos cursos, uma vez que a maioria deles foi desenvolvido nas
regiões menos povoadas do Brasil. Nesse período, foi criado um curso de doutorado em
Serviço Social na Universidade Federal do Piauí e dois outros cursos, também na mesma área
aprovados em 2010, foram postos em funcionamento em 2011 na Universidade Estadual de
Londrina e Federal de Santa Catarina. Os dois novos doutorados na região sul inauguraram a
presença deste nível de formação em Instituições públicas no sul do país. Até 2011, havia
apenas um doutorado em funcionamento oferecido pela PUC/RS. (Avaliação Trienal
CAPES/2013, p. 3).

75
Cabe observar que durante esse triênio a Universidade Federal Fluminense aprovou um novo Programa de
Mestrado em Serviço Social e Desenvolvimento Regional.
137
No que se refere à região nordeste, também o relatório ressalta que lá, contava-se
apenas com um programa de mestrado e um doutorado, todavia, a criação de um curso de
doutorado no Piauí, passou a contar com dois, ambos em universidades federais. Por fim o
relatório também destaca que a ampliação deste triênio indicou, para o nível de doutorado um
percentual de 40% e, em nível de mestrado de 21%. Dessa forma, em ambos os níveis os
novos cursos povoaram as regiões com maior déficit e ampliou a possibilidade de formação
de professores e pesquisadores em universidades públicas. Cabe ressaltar que os dados obtios
por esse estudo, também apontou um notório crescimento quantitativo dos cursos em ambos
os níveis, embora estes sejam divididos pela maioria das regiões do Brasil, o destaque vai,
sobretudo, para a observação de que os cursos de mestrados tiveram maior incidência no
Nordeste e os cursos de doutorado, majoritariamente no sul do país. (Avaliação Trienal
CAPES/2013, p. 3-4).
O crescimento histórico da pós-graduação em serviço social aponta algumas
tendências conforme se observa:

Crescimento, descentralização e amadurecimento da área de Serviço Social na


Capes; Ampliação de convênios para intercâmbios acadêmicos com instituições
nacionais e internacionais; Ampliação da produção intelectual da maioria dos
programas, com destaque à produção técnica; Corpo docente composto, na sua
totalidade, de doutores, vários com pós-doutorado desenvolvido no Brasil e no
exterior; Expressiva participação de professores e pesquisadores externos nos
programas, representados principalmente por docentes de outros programas
nacionais e internacionais de pós-graduação; Tendências de constituição,
organização e fortalecimento de grupos e núcleos de pesquisa, com vários grupos
consolidados e altamente produtivos; Articulação sistemática dos programas com
cursos de graduação, contribuindo para a elevação do padrão de qualidade da
graduação, principalmente no que se refere ao desenvolvimento de atividades de
pesquisa; Diminuição do tempo médio de titulação dos alunos com aproximação do
requerido pela Capes7; Inserção internacional de alguns Programas, com destaque
aos Programas da PUC-SP e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, entre
outros, que mantêm a extensão de seus cursos de mestrado e doutorado para alunos
de países da América Latina e Portugal; Desenvolvimento de estágios de pós-
doutorado, principalmente junto aos Programas de Pós-Graduação em Serviço
Social da PUC-SP e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o que evidencia o

138
avanço no campo da pós-graduação em Serviço Social no Brasil (CARVALHO;
SILVA, 2007. p.201).

A reflexão acima aponta um diagnóstico que outros estudos sobre a pós-graduação em


serviço social já constataram. É notório que essa área cresceu, tanto do ponto de vista
quantitativo como qualitativo, descrito inclusive no relatório da última avaliação trienal
(2010/2012). De acordo com a ABEPSS (gestão 2013-2014), esse crescimento demonstra de
fato a maturidade alcançada por essa profissão. Sobre isso, a ABESS ressalta o acúmulo
teórico, plural e intelectual que o serviço social adquiriu ao longo da sua trajetória de luta e na
busca por outra forma de sociabilidade.
Nesse sentido, com a intenção de fortalecer a área tanto na produção intelectual, como
também na análise crítica da realidade que a os Grupos de Trabalho sobre Pós-Graduação76 e
a Coordenação Nacional de Pós-Graduação também da ABEPSS, buscam construir estratégias
de garantir a autonomia da produção acadêmica e assim fornecer subsídios para problematizar
a política nacional de pós-graduação. Dessa forma, compreendemos tanto os dilemas dessa
política, como também dos desafios que se colocam para os programas de pós-graduação em
serviço social.

76
Os Grupos de Trabalhos sobre a Pós-Graduação da ABEPSS, os (GTPs), são eles: Serviço Social,
Fundamentos, Formação e Trabalho profissional; 2 - Movimentos Sociais e Serviço Social; 3 - Trabalho,
Questão Social e Serviço Social; 4- Ética, Direitos Humanos e Serviço Social; 5- Serviço Social, Relações de
Exploração/Opressão de Gênero, Raça/Etnia, Geração, Sexualidades; 6- Questão Agrária, Urbana e Ambiental.
139
Análise dos dados pesquisados

Demarcamos como marco temporal para início do recolhimento dos dados que
materializam essa pesquisa, o período que vai do primeiro semestre do ano de 2012 ao fim do
primeiro semestre do ano de 2015. Diante mão quero ressaltar, que a escolha do ano de 2012
como marco inicial para a realização dessa pesquisa, não se deu ao acaso.
Após inúmeras tentativas de deslegitimar a política de cotas nas universidades
públicas, e como prova real da existência material do racismo brasileiro, o Partido dos
Democratas (DEM), entrou com uma ação questionando a constitucionalidade das ações
afirmativas oferecidas como reserva de vagas, sobretudo, na Universidade de Brasília – UNB.
Em julgamento presidido pelo Supremo Tribunal Federal - STF, e por unanimidade, a ação do
DEM foi julgada improcedente e as cotas tiveram sua constitucionalidade reconhecida77.
Outra grande conquista, é a promulgação da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012,
que determina que as instituições federais de ensino superior e que estejam vinculadas ao
Ministério da Educação – MEC, reserve até 50 % das suas vagas para alunos que estudaram
em escolas públicas. Portanto, como se pode observar, o ano de 2012 entrou para a história
brasileira, por ser o ano que marca importantes vitórias, não só para o MN brasileiro, mas
também para toda a sociedade.
No entanto, os dados revelados em nosso estudo, apontam aquilo que Rocha (2014)
também já evidenciou em seu trabalho 78. A constatação a qual chegamos é que embora com
grandes e importantes avanços, a discussão acerca das relações raciais ainda aparece de forma
tímida e pouco relevante para a categoria dos assistentes sociais.

77
Cada processo seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, deve reservar no mínimo
50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em
escolas públicas.
78
O trabalho de Rocha (2014) a qual nos referimos consta da sua tese de doutoramento, apresentada à Escola de
Serviço Social da UFRJ em maio de 2014. Intitulada de: A INCORPORAÇÃO DA TEMÁTICA ÉTNICO-
RACIAL NO PROCESSO DE FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL: AVANÇOS E DESAFIOS. Essa é uma
pesquisa que trata da análise da temática étnico-racial não só cursos de serviço social das universidades públicas
do Brasil, como também nos principais fóruns da categoria profissional, como o CBAS e o ENPESS no período
de 2001 a 2013. Na ocasião, também destacamos que tal obra foi fundamental para a realização desse trabalho,
pois, conforme evidenciado na pesquisa desenvolvida por Rocha, a produção de conhecimento acerca da referida
temática ainda acontece de forma branda, de modo que concordamos com a autora que esse constitui-se em um
grande desafio, pois, nos aponta uma lacuna no serviço social brasileiro que precisa com urgência ser superada.

140
A nossa pesquisa tratou de analisar a temática racial no interior das mais relevantes
pós-graduações em serviço social da cidade do Rio de Janeiro, UERJ, UFF, UFRJ e PUC/RJ.
No entanto, não é com surpresa que constatamos aquilo que em estudos anteriores já haviam
denunciado, ou seja, no que tange a produção de conhecimento, fica evidente que o tema das
relações raciais continua sem o merecido respeito nesse espaço de produção de conhecimento,
e, portanto, espaço de poder.
Com a finalidade de facilitar a compreensão, elaboramos um quadro ilustrativo, onde
apresentamos todas as linhas de pesquisas das pós-graduações analisadas, bem como as
ementas das disciplinas obrigatórias ou mesmo dos tópicos especiais que tratam da temática
racial. Também nos preocupamos em trazer um breve histórico sobre os cursos e as suas
respectivas pós-graduações, com o objetivo de situar o leitor sobre tempo de existência de
cada uma delas.

141
Quadro 1

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ PPGSS/UERJ

Linhas de pesquisa Linha de pesquisa que Disciplina obrigatória Título do tópico: Gênero, Geração e Etnia e
contempla a questão ou Tópicos especiais Relações de Gênero e Sexualidades: limites e
racial possibilidades para os estudos em serviço social.
1) Trabalho, Relações
Sociais e Serviço Social; Identidades, Cultura, Ementa: Contribuições dos Estudos de Gênero e

2) Questão Social, Políticas Tópicos especiais Sexualidade para a produção do conhecimento. Tensões
Políticas Públicas e
constitutivas desses campos e suas relações com a
Públicas e Serviço Social; Serviço Social.
episteme moderna e contemporânea. Possibilidades
3) Identidades, Cultura,
analíticas decorrentes de distintos marcadores sociais,
Políticas Públicas e Serviço
tais como: classes sociais, raças/etnias, gêneros,
Social. 79 sexualidades, geração entre outros. A emergência de
“novas” proposições conceituais: interseccionalidade,
consubstancialidade e suas inflexões para as discussões
em torno da cidadania. As particularidades e desafios
dos estudos de gênero e sexualidade no Serviço Social
(UERJ, 2015).

79
Essa linha de pesquisa de divide em cinco eixos, são eles: 3.1. Direitos Humanos, relações de gênero, geração,
raça e etnia: Produção de desigualdades, incluindo classe social, geração, gênero, raça/etnia, religião e orientação
sexual, bem como nas diferentes formas de violência e suas implicações para o Serviço Social; direitos sexuais e
reprodutivos na contemporaneidade; 3.2. Formação de identidades no espaço educacional, nos espaços sócio-
ocupacionais e das profissões: O espaço educacional e sua interface com diferentes determinações como a da
questão étnico-racial; a da educação sexista e discriminatória diante das diferentes expressões da sexualidade.
Expressões contemporâneas da divisão sexual e étnico-racial do trabalho; 3.3. Relações de gênero, étnico/raciais,
sexualidade e políticas públicas; Políticas e programas sociais relacionadas a gênero, às relações étnico-raciais e
à sexualidade; políticas afirmativas e acesso de sujeitos não-identificados como masculinos ou femininos às
políticas sociais; políticas sociais e biopolítica; 3.4. O impacto da cultura nas sociedades contemporâneas: As
diferentes abordagens da cultura na sociedade contemporânea: interface com o poder e reprodução de
desigualdades; o espaço cultural como resistência e expressão da autonomia; o papel da mídia; experiências com
projetos culturais na prática dos assistentes sociais; 3.5. Gênero, Família e Desigualdades Sociais: A relação
entre estudos feministas/de gênero e estudos de família. Gênero, vulnerabilidade e desigualdade social.
Intersecção das desigualdades de gênero, sexuais, étnico-raciais, de idade e geração nos estudos de família.
Família, políticas públicas e Serviço Social; 3.6. Cultura, Infância, Relações Geracionais e de Gênero: Relações
inter e intrageracionais e produção de cuidado. Violência, gênero e infância. Modelos sociais, culturais e
institucionais de proteção à infância. Trajetórias biográficas e narrativas sobre a infância. Aspectos sociais e
culturais na produção da infância (UERJ, 2015).

142
O Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - PPGSS/UERJ foi criado no último
ano da década de 1999. Elege como áreas de concentração: trabalho e política social. De
acordo com informações fornecidas pela página oficial do programa, o objetivo central do
PPGSS/UERJ é o de formar pesquisadores de alto nível, em Serviço Social e áreas afins,
qualificados para o ensino superior, para a produção e difusão de conhecimentos sobre as
questões afetas ao trabalho, as políticas sociais e Serviço Social na América Latina, com
ênfase no Brasil e para a intervenção qualificada no âmbito das políticas sociais (UERJ,
2015). O tempo de existência dos cursos – o Mestrado completou 16 anos e o Doutorado
completou 11 anos, bem como os objetivos do programa, tem o projetado como um dos
principais espaços de produção de conhecimento na área de serviço social não só no Brasil,
mas também internacionalmente.
Apesar de a linha de pesquisa trazer excelentes propostas de discussão e debate,
constatamos a existência de apenas uma disciplina eletiva que apresenta a temática racial.
Cabe ressaltar, ainda, que entre todas as eletivas ofertadas, esta é a única que não possui
conteúdo programático para consulta, tampouco as referências bibliográficas. Isso pode ser
interpretado como reflexo da marginalidade dessa discussão em uma universidade de
irrefutável destaque e projeção, conforme apresentação na própria página do programa.
No entanto, o que fica evidente é que a questão racial praticamente desaparece ao ser
posta junto com as outras opressões80. A proposta é de proporcionar reflexões extremamente
relevantes e de muita densidade teórica em apenas uma disciplina, o que sem dúvida não
possibilita tempo nem fôlego para que as temáticas sejam suficientemente contempladas.
Desse modo, apontamos para a incoerência deste programa ao apresentar uma linha de
pesquisa com tantas possibilidades de interface e diálogo com as relações raciais, e não
contemplar o debate em sua grade curricular, o que, inclusive, é constrangedor para uma
universidade que foi pioneira na implementação das ações afirmativas, em 2003. Doze anos
mais tarde, um dos principais pilares na produção de conhecimento do serviço social
brasileiro ainda negligencia as relações raciais, prestando, desta forma, um evidente

80
Cabe ressaltar que durante muito tempo, até mesmo a ABEPSS e demais órgãos representativos da categoria
secundarizaram todos esses debates ao colocá-los juntos em um mesmo grupo e linha de pesquisa. Acreditamos
que o despreparo e falta de cuidado ao trabalhar a temática racial é o reflexo de como esta foi e ainda é
negligenciada pela categoria.
143
desserviço à agenda antirracista, e descortinando um escancarado desrespeito para com as
lutas e conquistas do povo negro.

Quadro 2

UFF – Universidade Federal Fluminense - Política Social e Serviço Social

Linhas de pesquisa Linha de pesquisa que Disciplina obrigatória ou Tópicos


contempla a questão racial especiais
a) Área de concentração: Avaliação de políticas
sociais - Linhas de pesquisa: • Avaliação de
políticas de seguridade social; • Avaliação de Linhas de pesquisa: Gênero, Nenhum/a
políticas de programas e projetos orientação sexual, raça e
governamentais e não-governamentais. política social; • Geração e
política social (UFF, 2015).

b) Área de concentração: Sujeitos sociais e


proteção social – Linhas de pesquisa: • Gênero,
orientação sexual, raça e política social; •
Geração e política social (UFF, 2015).

Apresenta dois programas de pós-graduação na área de Serviço Social: Política Social


e Serviço Social e Desenvolvimento Regional. O Programa de Estudos Pós-Graduados em
Política Social iniciou as suas atividades no segundo semestre de 2002 com o curso de
Mestrado Acadêmico em Política Social. No ano de 2009, começaram as atividades do Curso
de Doutorado. Contudo, não encontramos em sua grade curricular nenhuma disciplina que
contemplasse a discussão das relações raciais.

144
Quadro 3

UFF – Universidade Federal Fluminense – Desenvolvimento regional e políticas públicas

Linhas de pesquisa Linha de pesquisa que Disciplina obrigatória


contempla a questão racial ou Tópicos especiais

1 - Desenvolvimento Capitalista e Formação Social Brasileira: Essa linha


volta-se para a análise das transformações macrossocietárias advindas da
A segunda linha se propõe a Nenhum/a
“mundialização do capital”, da reestruturação produtiva e da financeirização
debate a questão, embora não
da economia e suas particulares incidências no redimensionamento do
tenha desenvolvido nenhuma
desenvolvimento das nações latino-americanas e o aprofundamento das
disciplina ou tópico especial.
heterogeneidades regionais. Nessa linha estão concentrados estudos sobre a
história do pensamento social brasileiro e latino-americano, cultura política e
a questão da pobreza e da desigualdade social no Brasil e suas
particularidades regionais.

2 - Serviço Social, Políticas Públicas e Formação Profissional: Essa linha


volta-se para o estudo da relação entre políticas públicas e serviço social.
Para tal, trata do aprofundamento do movimento de refuncionalização do
papel e das funções clássicas do Estado e seus desdobramentos no campo
das políticas sociais, a análise das políticas sociais setoriais e as propostas de
políticas sociais ditas “alternativas”. Estudos sobre as controvérsias acerca
da noção de sociedade civil, da relação público-privado. As questões da
ampliação da democracia, dos direitos sociais e da cidadania, se inscrevem,
como tematizações investigativas dessa linha de pesquisa. Aqui estão
nucleados estudos sobre os resultados empíricos dessas transformações na
intervenção profissional, enfocando as múltiplas expressões da questão
social e suas respectivas formas de enfrentamento nas esferas do trabalho,
gênero, raça/etnia, das diferentes formas de violência, da questão urbana e
rural, porém resguardando a perspectiva de totalidade da análise; e o papel
das classes sociais nas lutas sociais em geral e a inserção do Serviço Social
nestas manifestações sociais. Essa linha concentra ainda temas voltados para
o desenvolvimento sócio-histórico da profissão nos marcos do capitalismo
brasileiro e latino-americano. A “questão social” e suas polêmicas enquanto
conceito norteador da formação profissional. Os diferentes projetos
societários e o Projeto Ético - Político Profissional (UFF, 2015)

145
Igualmente, o recente Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e
Desenvolvimento Regional, Área de Concentração em Serviço Social, Desenvolvimento
Regional e Políticas Públicas. Não existe nenhuma disciplina ofertada por esse programa de
pós-graduação que incorpore a discussão das relações raciais, embora a segunda linha de
pesquisa se proponha a debater a questão. Além disso, urge destacar que nenhum dos
professores que compõem o quadro docente apresenta a temática como linha de pesquisa.
Destarte, esses dados revelam que também esta universidade negligencia e marginaliza a
discussão racial em suas pós-graduações na área de serviço social.

Quadro 4

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro/ PPGSS/ESS/UFRJ

Linhas de pesquisa Linha de pesquisa que Disciplina obrigatória


contempla a questão ou Tópicos especiais
racial
1) Políticas sociais - Estuda a Política Social na sociedade capitalista, sua gênese e
desenvolvimento; as perspectivas de análise das Políticas Sociais; as Políticas Sociais e lutas
sociais na sociedade civil e no Estado; a seguridade social e direitos na Constituição brasileira; a
Linha 7) CULTURA E Nenhum/a
particularidade da assistência social no Brasil; a reforma do Estado e o novo trato à questão social
e o debate do Terceiro Setor no contexto das transformações do capital.
MOVIMENTOS SOCIAIS -
Análise da dimensão cultural
2) Processo de trabalho e classes sociais - Estudo das alterações que ocorrem no processo de dos fluxos globais, dos
trabalho nos diferentes setores da economia e seus impactos no mundo do trabalho. Análise das processos de subjetivação e
propostas do Estado e da sociedade civil no enfrentamento das expressões da “questão social”, de construção de identidades
derivadas da relação Capital e Trabalho. Análise da estrutura de classes no capitalismo
coletivas; os movimentos
contemporâneo.
sociais - urbanos e rurais - e
suas relações com o Estado e
4) História e concepções contemporâneas do serviço social - Análise do surgimento e da
o mercado; a cultura política,
institucionalização do Serviço Social. Exame dos fundamentos teórico-metodológicos e ético-
políticos do Serviço Social. Estudo da agenda contemporânea do Serviço Social. Análise da as ações coletivas e as
formação, do espaço sócio-ocupacional e de práticas do Serviço Social. inovações institucionais; a
participação, as relações de
5) Teoria social e serviço social - Análise das relações entre as matrizes clássicas da teoria social poder e a cidadania; as
e a constituição do Serviço Social. Estudo da incidência das Ciências Sociais no desenvolvimento experiências de democracia
do Serviço Social.
participativa no Brasil; as
relações de gênero,
6) Temas urbanos - Estuda as contribuições teóricas e metodológicas sobre a cidade; as
intergeracionais e interétnicas
transformações urbanas; os processos sociais e as representações sociais da territorialidade; as
nos espaços públicos e

146
redes de produção e circulação; as políticas públicas de desenvolvimento local integrado e privados.
sustentável, habitação, meio ambiente, transporte, poder local e gestão pública das cidades,
violência urbana; trajetórias e construções identitárias; redes sociais e sociabilidade.

7) Cultura e movimentos sociais - Análise da dimensão cultural dos fluxos globais, dos processos
de subjetivação e de construção de identidades coletivas; os movimentos sociais - urbanos e
rurais - e suas relações com o Estado e o mercado; a cultura política, as ações coletivas e as
inovações institucionais; a participação, as relações de poder e a cidadania; as experiências de
democracia participativa no Brasil; as relações de gênero, intergeracionais e interétnicas nos
espaços públicos e privados.

8) Estado, sociedade e direitos humanos - Investigação das relações entre Estado/sociedade civil
na configuração de um campo de lutas sociais centradas nas múltiplas expressões dos direitos
humanos, e suas implicações na formulação de políticas públicas. Estudo das condições de
construção democrática e do fortalecimento da esfera pública, no quadro da mundialização da
economia e da cultura, para a implementação de políticas de Direitos Humanos, contemplando
análises de suas determinações de classe, gênero, étnicas e enfoques geracionais.

9) Democracia e globalização - Análise da problemática da democracia no contexto da


globalização da política: os novos constrangimentos à soberania do Estado nação e os projetos
democráticos; as tensões entre a ampliação da democracia, com as novas dimensões da cidadania,
e os sistemas concentrados de poder; as exigências da extensão global da cidadania e os
obstáculos que lhes são postos pelas novas relações internacionais e o conteúdo democrático dos
movimentos sociais anti-globalistas. (UFRJ, 2013).

O Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da


Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSS/ESS/UFRJ) foi criado em 1976 e
reestruturado em 1987, oferecendo inicialmente o nível de Mestrado e, desde 1995, também o
nível de Doutorado. Segundo a apresentação disponível na página oficial, nos últimos anos, o
Programa firmou convênios internacionais com congêneres latino-americanos e europeus, e
tem colaborado na implantação de programas similares em outras universidades brasileiras.
Apresenta como objetivo:

[...] a formação de pesquisadores e docentes qualificados em nível de excelência


acadêmica, tendo por objeto privilegiado o Serviço Social e suas relações com as
áreas profissionais e científicas afins. O corpo docente, constituído por doutores das
áreas de Serviço Social, Teoria Política, Sociologia, Antropologia Social, História
Social, Saúde Coletiva, Política Social, Geografia e Economia, desenvolve seu
trabalho docente e conduz suas pesquisas numa perspectiva interdisciplinar. O
Programa dispõe de instalações com recursos bibliográficos e documentais, suporte

147
informacional e conta com um periódico científico, a revista Praia Vermelha -
Estudos de política e teoria social (UFRJ, 2013).

O que constatamos é que a temática “étnica” aparece em duas linhas de pesquisa,


quais sejam Cultura e Movimentos Sociais e Estado, Sociedade e Direitos Humanos.
Entretanto, esse programa de pós-graduação também não oferece nenhuma disciplina que
discuta as relações raciais ou “étnicas”. Concordamos com Magali Almeida (2013, p.141):

Em que medida nossa intervenção nos vários espaços sócio-ocupacionais, tem


reconhecido (e conhecido) a diversidade humana como mediação ontológica do ser
social? O que sabemos da história, cultura e reivindicações coletivas dos sujeitos
sociais, negros, mulheres, indígenas, população LGBT, crianças, idosos, pessoas
com deficiência e os legados das religiões não hegemônicas?

Nesse sentido, denunciamos que o silêncio dessa escola no que tange a discussão das
relações raciais alimenta a engrenagem racista que também é estruturante da sociedade sob a
hegemonia do capital. Considerando que o racismo é também parte do sistema de dominação
e exploração que o serviço social reivindica ser contrário, é indiscutível que a indiferença e
silenciamento para com esse debate funciona como mecanismo de manutenção e reprodução
da ideologia racista e, portanto, vai de encontro ao projeto ético político profissional.
Por tudo isso, concordamos com Magali Almeida (2013) de que a análise das
expressões da questão social na perspectiva de totalidade deve ser orientada por valores
historicamente construídos em defesa da democracia, liberdade, cidadania, justiça e
igualdade, os quais cimentam o projeto ético-político profissional. É preciso estar atento aos
processos que naturalizam as diferenças a que estamos mergulhados.

Nossa educação é alicerçada em valores burgueses. Entretanto, a capacidade


criativa/transformadora e histórica dos sujeitos permite, através da práxis social, a
consciência dos limites da sociabilidade burguesa à realização plena de sua
humanidade. A consciência desse limite é o que o faz promover transformações.
Mas o processo de desconstrução não é de forma alguma linear. Trata-se de um

148
processo contraditório, sempre exigindo a crítica do instituído na sociedade
capitalista (ALMEIDA, M. 2013, p. 140).

Portanto, esse é um fator que contribui para a apreensão fragmentada da realidade e


do entendimento que as relações sociais são efêmeras e instáveis, e que delas decorrem
também as vivências objetivas, Barroco (2011). Esses processos se expressam através do
empobrecimento de análises reais que ultrapassem os limites dessa sociabilidade burguesa, a
qual estamos inseridos e condicionados. Assim, urge rompermos com a naturalização das
desigualdades e das opressões que se recalcam sob a lógica do natural.

Quadro 5

PUC/RJ – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Linhas de pesquisa Linha de pesquisa que Disciplina obrigatória Ementa da disciplina:


contempla a questão ou Tópicos especiais
racial
1) Trabalho, Políticas Sociais e Disciplina eletiva que Reflexão sobre identidade
Sujeitos Coletivos; Linha 3 - também pode aparecer enquanto um instrumento para a
2) Violência, Direitos, Serviço Questões socioambientais, em outros cursos como construção de agendas políticas e
Social e Políticas Intersetoriais; urbanas e formas de tópicos especiais. demandas sociais. Identidade
81 tomada como conceito, a partir
resistência social.
3) Questões socioambientais, das suas múltiplas significações:
urbanas e formas de resistência indivíduos e sujeitos,
social. comunidades e nações, pertenças
e culturas, raças e etnias,
territórios e redes.

81
Esta linha de pesquisa vem tratando das atuais formas de resistência social no espaço urbano, com ênfase em
relações raciais e de gênero tomadas como relações de poder. A linha adota uma reflexão histórica com
perspectiva de intervenção social e ênfase nos aspectos socioambientais discute e relaciona os temas: meio
ambiente, cidade e expressões de movimentos de resistência social (PUC-RIO, 2011).
149
Na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio ocorreu a
criação do segundo curso de graduação em Serviço Social do Brasil, em 1937. Em 1972, sua
atividade acadêmica foi enriquecida com a criação do primeiro programa de Mestrado em
Serviço Social a ser oficialmente credenciado pelo Conselho Federal de Educação, voltado,
sobretudo, para a formação de docentes e pesquisadores. A aprovação do Doutorado ocorreu
em 2002 (PUC-RIO, 2011)82.
De acordo com Lopes (2013), desde 2003, este programa vem se destacando por
ser a única Pós-Graduação stritu sensu em serviço social no Brasil, a receber pesquisadores
com propostas de estudos que abranjam a temática de raça/etnia, articulando-a ao debate de
gênero. Para a autora, estes estudos apresentam consistência e avanços teóricos importantes
para a profissão, e seu caráter interdisciplinar e plural representa o investimento com ímpeto
em uma área ainda secundarizada nas reflexões e práxis 83 do Serviço Social. Todos estes
estudos foram orientados pela Professora Doutora Denise Pini Rosalem da Fonseca, e já
somam 2 (duas) teses de doutorado e 7 (sete) dissertações de mestrado defendidas. Essas
peculiaridades do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC/RJ renderam a
publicação do livro “Outras Mulheres: mulheres negras na primeira década do século XXI”,
lançado no final de 2012, especificamente expondo os resultados destes trabalhos que
articulam raça e gênero, ou seja, que tem como foco de análise as mulheres negras 84.
Contudo, ao analisarmos a estrutura curricular do programa, encontramos apenas uma
disciplina eletiva que, minimamente, contempla a discussão étnico-racial intitulada de Cultura
e Identidade. (PUC/RIO, 2015)
A partir da ementa apresentada, o que percebemos é a temática étnico-racial inserida
numa perspectiva identitária, entrelaçada ao debate pós-moderno que, lamentavelmente,

82
Disponível em http://www.puc-rio.br/ensinopesq/ccpg/progser.html#historico. Acesso em 22/12/2012.
83
Compreendida aqui como o conjunto de atividades reflexivas que visam, a longo prazo, a transformação da
realidade e, particularmente, das estruturas sociais vigentes. “Para Gramsci filosofia da práxis é a atividade
teórico-política e histórico-social dos grupos ‘subalternos’ que procuram desenvolver uma visão de mundo
global e um programa preciso de ação dentro do contexto em que vivem, com os meios que têm à disposição,
visando a construir um projeto hegemônico alternativo de sociedade” (Semeraro, 2005, p. 30).
84
São seis mulheres, negras, brasileiras e intelectuais, egressas do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
da PUC-Rio, as pesquisadoras que compõem essa obra e que apresentam seus estudos sobre as mulheres negras,
nos mais diversificados espaços.

150
representa a ofensiva neoconservadora, ameaçando, portanto, a hegemonia do projeto ético-
político profissional.
Segundo Almeida (2013), a construção de uma nova ordem societária sem dominação-
exploração de classe, etnia e gênero requer um compromisso claro com o processo de
emancipação humana, com a produção cotidiana das condições sociais que possibilitem não
uma liberdade idealizada, mas um progressivo e radical processo de autodeterminação dos
sujeitos, seja na condição de indivíduos singulares como e, sobretudo, humano-genérica.
Nesse sentido, uma sociedade sem qualquer tipo de dominação e exploração hoje deve
ser pensada a partir das condições de dominação e exploração as quais estamos submetidos
enquanto gênero humano nas mais diversas formas sociais concretas. Aquelas que se
reproduzem social e institucionalmente nas práticas familiares, escolares, no âmbito do Estado
– nos espaços públicos e privados – a partir da extensão das relações de dominação e
exploração, de uma classe que detém os meios de produção sobre a outra que, por sua vez, é
obrigada a vender sua força de trabalho (ALMEIDA, 2013). Portanto, fragmentar e
desestoricizar a questão social vai de encontro com o que o nosso projeto ético-político traz
como principais prerrogativas, quais sejam, a superação da sociedade capitalista e a
emancipação humana.
Também aqui, fica evidente com esse estudo, que ainda temos muito para avançar se
quisermos continuar caminhando na perspectiva de totalidade, conforme preconizam os
instrumentos que materializam a nossa profissão, como o Código de Ética Profissional (1993),
as Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996), o Projeto Ético-Politico Profissional e ainda a
Resolução Nº 1, de 17 de junho 2004 ou Resolução 01/2004 como é conhecida, do Conselho
Nacional de Educação em seu artigo primeiro, atesta que:

A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das


Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
Africana, a serem observadas pelas Instituições de ensino, que atuam nos níveis e
modalidades da Educação Brasileira e, em especial, por Instituições que
desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores.
(Resolução 01/2004. Art. 1°)

151
As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e
atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-
Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos
afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004. (Resolução
01/2004. Art. 1°, inciso 1º)

O cumprimento das referidas Diretrizes Curriculares, por parte das instituições de


ensino, será considerado na avaliação das condições de funcionamento do
estabelecimento. (Resolução 01/2004. Art. 1°, inciso 2º)

O documento supracitado, sem sombra de dúvidas, representa uma das maiores


conquistas para a efetivação de ações de enfrentamento do racismo e outras discriminações.
Trata-se de um documento legal, legitimado pelo Estado brasileiro que determina que as
instituições de ensino superior desenvolvam meios de pautar a discussão acerca da temática
étnico-racial. Como se pode ver nos incisos acima, essa resolução preconiza um dos maiores
avanços para a efetivação dessas determinações. Pois, além de deliberar sobre a obrigação
dessa temática, o seu cumprimento também é condição primordial para a avaliação do
estabelecimento de ensino. De modo que, o descumprimento desta infere diretamente contra
este instrumento, como bem determina o inciso 2º.
Sobre isso, Rocha (2014) ao avaliar o cumprimento dessa resolução, analisou 25
currículos dos cursos de graduação em serviço social de unidades de formação acadêmica
federal e filiadas à ABEPSS, e o resultado encontrado aponta que apenas dois cursos não
cumprem tal determinação (p. 163).
No entanto, Rocha ressalta que apesar desse resultado se mostrar bastante promissor,
ela chama a atenção para dois importantes movimentos encontrados em sua pesquisa.

Tal retrato nos aponta para um horizonte bastante promissor. Todavia, considerando
que, para fins dessa pesquisa, elegemos apenas os cursos filiados à ABEPSS, tal
resultado não pode ser celebrado como expressão da totalidade de todos os cursos de
graduação existentes hoje no país. Ao contrário, nos instiga a realizar novos estudos
que contemplem para além dos cursos públicos alinhados à orientação da ABEPSS,
aqueles de âmbito privado e sem vínculo com a Associação. O segundo movimento

152
nos chama a atenção para um fato, que também a priori nos parece positivo, em
relação às modalidades das disciplinas que abordam a temática étnico-racial. Das 39
que contemplam essa discussão, 59% são de caráter obrigatório. Tal resultado parece
positivo se consideramos que ele representa a maioria do conjunto das disciplinas.
Entretanto, sem desconsiderar esse aspecto positivo, chamamos a atenção para o
resultado referente às outras disciplinas, aquelas que possuem caráter eletivo,
optativo ou complementar. (ROCHA, 2014. p.p. 163 – 164).

Nesse sentido, concordo com a autora que esse resultado não pode ser considerado de
todo positivo, uma vez que nem todos os currículos abordem a temática étnico-racial como
conteúdo obrigatório. Assim como Rocha (2014), também recorro às diretrizes curriculares da
ABEPSS de 1996, que representa outro importante documento para o serviço social brasileiro.
Essas diretrizes, que vigoram há quase vinte anos, portanto, já expressam um conteúdo
maduro, e que também determinam a inclusão da temática étnico-racial nos cursos de serviço
social. Nessa perspectiva, de volta a Resolução 01/2004, destacamos ainda o seguinte trecho:

A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção


de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos
quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar
objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de
identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira. (Resolução 01/2004.
Art. 2°, inciso 1º - Grifo nosso)

Esse inciso toca bem de perto a nossa pesquisa, pois, conforme demonstramos ao
longo de todo esse estudo, pautar a discussão acerca das relações raciais expressa muito mais
do que a simples tarefa de enfrentar o racismo e suas consequências. Essa é uma discussão
que objetiva o respeito à pluralidade que conforma os sujeitos individuais e também coletivos.
Dessa forma, nos questionamos o porquê tal discussão simplesmente não aparece nos cursos
de pós-graduação em serviço social das universidades estudadas, conforme demonstramos nos
quadros acima.
Uma vez que essa categoria profissional se coloca na luta pela afirmação de direitos
dos usuários dos seus serviços, e se a questão racial também compõe o conjunto das relações
sociais brasileiras, é urgente que tal debate ocupe o devido destaque na agenda e nos fóruns de
formação profissional. É necessário também, que esta categoria assuma o compromisso
153
político de debater outros assuntos que se interseccionam com a temática étnico-racial como
classe, gênero, sexualidade e outros. Tendo em vista que,

[...] silenciar, invibilizar o negro não é um ato restrito à história do Serviço Social,
uma vez que “no registro que o Brasil tem de si mesmo o negro tende à condição de
invisibilidade” (HASENBALG, 1982, p. 105). Cumpre desvendar os motivos pelos
quais essa invisibilidade registra-se [...]. Afinal, “é preciso pensar nas
especificidades dessa história brasileira, que fez da desigualdade uma etiqueta e da
discriminação um espaço não formalizado” (SCHWARCZ, 2001, p. 36). Esta
análise tem em mira que o silêncio sobre os negros na produção incipiente do
Serviço Social não é um acidente mnemônico, mas um silêncio – e “silêncio não é
sinônimo de ausência”. (SCHWARCZ, 2001, p. 52). (FERREIRA, 2010. p. 13).

Conforme a reflexão acima, de fato nem sempre o silêncio representa a ausência.


Apresentamos ao longo desse trabalho diversos dados que comprovam a necessidade da
produção de conhecimento sobre a população negra brasileira. Sabemos que esse não é mérito
exclusivo desse trabalho. Outros estudos já foram produzidos com o mesmo enfoque.
Todavia, afirmamos que a secundarização desse tema no espaço acadêmico, empurra-o para a
subalternização como vem acontecendo constantemente.
Compreendemos que escamotear ou mesmo silenciar tal discussão, é também assumir
uma posição política. Embora, o serviço social brasileiro, tenha preconizado em seus
instrumentos legais a necessidade desse tema, o mesmo não acontece nas pós-graduações. O
conteúdo exposto nesse trabalho aponta que não são discussões como essas que fragmentam a
luta de classes. Antes, o que nos faz caminhar na contramão da perspectiva da totalidade, é a
forma como certos assuntos são secundarizados e, por vezes, ignorados por essa profissão.
Guerra (2013) afirma que: “... uma formação teórico-política crítica permite revelar o
significado de uma capacitação contínuo e as implicações de sua negligência”. (p. 131).
Somente uma formação crítica é capaz de desnudar a realidade que se apresenta. Sem isso,
não é possível transpor aquilo que de tão comum se torna natural.

Há um tipo de formação que deforma: aquela que se limita ao treinamento na


utilização de sistemas ou procedimentos, que visa orientar um passo a passo, nos
moldes de muitas que se nos colocam na atualidade, que se limitam a ensinar um

154
fazer despido de significado social que promove um empobrecimento da razão.
(GUERRA, 2013. p. 130)

Concordamos com Guerra, que uma formação mecanizada acaba por limitar e
empobrecer as formas reais e concretas de enfrentamento às expressões da questão social,
como também relegam o fazer profissional a responder de forma imediata situações
complexas. E nisto, reiteramos que a pós-graduação cumpre o papel não só da continuidade
da formação, como também do aprofundamento do conhecimento, com vias a fornecer
subsídios para a produção de estratégias e novos instrumentos para o que se pretende intervir.
Dessa forma, podemos afirmar que por ser o serviço social brasileiro, a profissão que
por estabelecer íntima relação com as dimensões ético-política, teórico-metodológica e
técnico-operativo85, e, portanto, são dimensões essenciais para a materialização dessa
profissão, adquira não só maior aproximação entre teoria e prática, como também desenvolva
possibilidades que a produção do conhecimento por ela realizada, interprete de forma eficaz o
fenômeno que por vezes se esconde.

Considerações finais

Nosso objetivo na realização desse trabalho pautou-se não só pelo enfrentamento da


lacuna existente quanto à produção de conhecimento sobre a questão racial, como também no
intuito de apresentar subsídios que nos forneçam instrumentos legais na luta contra o racismo
e a outras formas de opressão. Tendo em vista que tal discussão não possa mais ser
invisibilizada ou silenciada pela categoria de assistentes sociais, propomos ao longo desse
85
As dimensões a qual nos referimos, são: a dimensão ético-política e dispõe que o profissional de serviço
social não é neutro, mas que sua prática se efetiva no campo da correlação de forças sociais que se encontram na
base da sociedade capitalista. Portanto, essas relações se estabelecem de forma contraditória, exigindo assim, que
esse profissional mantenha firme sua postura política, a fim de assegurar a direção social que se pretende seguir.
A dimensão teórico-metodológica exige que o profissional tenha conhecimento sobre a realidade social,
política, econômica etc. a qual se pretende intervir. É preciso ter não só o rigor teórico, quanto metodológico,
pois, só assim é possível desnudar a realidade, para além dos fenômenos que se apresentam, permitindo-lhe o
desenvolvimento de ações que possibilitem novas realizações. Por fim, a dimensão técnico-operativa, onde o
profissional deve conhecer se apropriar e criar um conjunto de habilidades técnicas que lhe permita desenvolver
habilidades técnicas junto à população usaria e às instituições como o Estado, empresas, ONG, entre outras que
disponham desses profissionais. A partir dessas ações é possível garantir não só uma inserção qualificada, como
também responder criticamente às demandas trazidas não só pelos empregadores, mas também pela própria
dinâmica social. (GUERRA, 2007).

155
trabalho, a efetivação de um diálogo franco e necessário sobre a urgência que se faz em
superar a lacuna existente entre o serviço social brasileiro e discussão acerca das relações
raciais.
Buscamos problematizar a formação histórica do Brasil, as transformações
desenvolvimentistas e, ainda, os investimentos capitalistas nessa sociedade, com o intuito de
compreender as complexidades sociais, econômicas, culturais, entre outras, que aqui se
desenvolveram. A constatação a qual chegamos, é que ainda estamos inseridos num contexto
de manutenção e ratificação histórica das disparidades sociais, na qual os privilégios de uma
classe em detrimento da outra, bem como a hierarquização das diferenças, acabaram se
naturalizando.
Como fio condutor, optamos por apresentar no primeiro capítulo desse trabalho, uma
reflexão sobre a temática das relações raciais e sua relação na formação social brasileira. No
segundo capítulo, abordamos a reflexão sobre o estado de exceção e de que maneira a questão
racial se estrutura nesse cenário. Por fim, apresentamos os resultados da pesquisa
desenvolvida sobre as relações raciais e a pós-graduação. Aqui, o ponto de partida se deu no
processo de formação profissional, objetivando, sobretudo, o fortalecimento do projeto ético-
político profissional e o compromisso na defesa intransigente dos direitos da classe
trabalhadora, no combate a todas as formas de opressão e pela construção de uma nova
sociabilidade com vistas a alcançar a emancipação humana.
Esse trabalho acabou por evidenciar o crescimento de estudos e reflexões acerca das
desigualdades, tanto sociais como advindas de outros mecanismos de opressão, como as
étnico-raciais e de gênero, ainda permanece uma dificuldade de articulação dessas estruturas
de poder, que, ao serem denunciadas e combatidas separadamente, repercutem negativamente
na construção de propostas e ações revolucionárias que visem a edificação de outra sociedade,
livre de desigualdades e de hierarquização das diferenças.
Também, a reflexão acerca das transformações históricas ocorridas no interior do
serviço social, nos permitiu compreender a intrínseca relação existente entre a inserção dessa
profissão na divisão sócio-técnica do trabalho, a questão social e sua dimensão política. Por
isso, é possível afirmar que, no contexto brasileiro, há uma série de particularidades que
devem ser contempladas no bojo da formação do assistente social. Dessa forma, atuar em
consonância com o projeto ético-político exige um profissional crítico, propositivo, que

156
possua a habilidade de análise das relações sociais em sua totalidade para compreensão das
particularidades vivenciadas no âmbito do cotidiano pelo conjunto da classe trabalhadora.
O serviço social brasileiro é marcado por processos históricos de ruptura, e nisso, o
principal objetivo foi de repensar o seu lugar na sociedade. Dessa forma, a partir do resultado
das transformações histórico-sociais dessa profissão, foi provocado um rompimento enfático
com as raízes conservadoras que conformam o nascimento da profissão – justamente no bojo
da emergência da sociedade capitalista. Esse rompimento permitiu inclusive que essa
categoria se posicionasse criticamente a favor da classe trabalhadora, da qual faz parte, e
assumindo, assim, uma dimensão política que orienta suas intervenções e rompe com a
perspectiva funcionalista de neutralidade no exercício profissional.
Em tempos de hegemonia neoliberal e precarização das relações de trabalho, o
cotidiano do assistente social é permeado de desafios que lhe exigem cada vez mais, para que
as demandas dos usuários de seus serviços sejam minimamente atendidas. A
contemporaneidade é marcada pela falência do sistema econômico vigente, que, como
tentativa de superação da crise estrutural descortinada nas últimas décadas, adota um conjunto
de estratégias cujos impactos são duramente sentidos pela classe subalterna. Estamos imersos
em uma crise cujas proporções certamente irão ecoar pela história e, no caso brasileiro, o
contexto mundial soma-se às particularidades que marcam o desenvolvimento do capitalismo
no país.
Ao trazermos essa reflexão para o campo da pós-graduação em serviço social,
salientamos que é de essencial importância, firmar no Projeto Ético-Político profissional e sob
a perspectiva dos interesses – único e exclusivo – da classe trabalhadora. Desse modo,
compreendemos que na lógica dominante e dentro dessa forma de sociabilidade, é impossível
que o ser humano tenha uma vida plena.

A ordem do capital nunca deixou de nos ajudar no trabalho da consciência. Ela é


injusta, desigual, fundada na exploração, na desumanização, e destrói qualquer
capacidade da vida se expressar como vida sendo fácil entender porque as pessoas se
antagonizam contra a exploração e a reificação. Por outro lado, não é fácil entender
porque a maioria mantém-se passiva diante deste antagonismo da ordem do capital
em relação à vida. Não pode ser somente pela reprodução e imposição de ideias,
valores e conceitos prontos.

157
No entanto,

[...] a existência do antagonismo de classe também implica o surgimento – sob


formas explícitas ou implícitas – de outras propostas, com outros fundamentos,
outros valores e outros objetivos. Isto nos permite constatar que o campo da
educação também é um espaço onde se trava uma incessante luta, ainda que a
hegemonia esteja sempre em mãos das classes dominantes. Qualquer outra proposta
sempre terá um caráter muito limitado. (TONET, 2005. p. 478).

Todavia, o que se percebe nos dias atuais, é que a educação passou a se adequar ao
capitalismo e segue subordinada às suas exigências. Na maioria das vezes, são discussões que
se colocam como determinantes para a manutenção da ordem capitalista e que alimentam a
produção e reprodução da vida como coisas ou mercadorias 86, unicamente voltadas para o
mercado de trabalho.

[...] Quando, porém, essa formação é desnudada dos seus elementos superficiais e
ideológicos, deixa ver que ela nada mais é que, formação de mão-de-obra para o
capital. Como o caráter de mercadoria da força de trabalho não é questionável, antes
é tomado como algo natural, então essa parte de preparação “integral” nada mais é
do que a transformação do ser humano em mercadoria apta a atender os interesses da
reprodução do capital. (TONET, 2006. p. 4)

Portanto, o trabalhador sequer é dono da sua força de trabalho, tendo em que vista que
ele precisa vendê-la para garantir os meios necessários para a manutenção da sua própria vida.
Nesse sentido, também a formação, seja ela cultural, moral, educacional, ética e tudo que
envolve a vida do sujeito, está subordinado aos interesses capitalistas.

A pesquisa no Serviço Social destaca-se como preponderante, sobretudo, para a


análise de determinações sócio-históricas, tais como conjunturas políticas,
econômicas e sociais que redesenham, redefinem e desafiam a agenda das políticas

86
C.f. Marx, 1988. A mercadoria. Cap. I – O processo de produção do capital. Seção I: Mercadoria e dinheiro.
158
sociais, substratos basilares para as requisições das ações profissionais dos
assistentes sociais. (MAURIEL e GUEDES, 2013. p. 15)

Neste sentido, compreendemos que o presente estudo ultrapassa os limites do tema


proposto, ao considerarmos as imbricações das mudanças na cultura política do país com o
desenvolvimento da profissão de serviço social, o que implica, inclusive em alterações quanto
à auto-representação dos profissionais dessa categoria, conforme se discutirá a seguir.
Assim como destacado em outros momentos desse trabalho, é notório que o debate
acerca das relações raciais, adquiriu certa relevância na agenda política brasileira nos últimos
anos, embora de forma tímida, vem se tornando objeto de estudo em pesquisas, tanto no meio
acadêmico quanto em instituições estatais, não governamentais e organismos públicos e
privados. No entanto, ressaltamos que isso ocorre porque de alguma forma, o Brasil ainda se
encontra inserido em um quadro de permanência das desigualdades e assimetrias raciais, que
contrastam com o status de país em desenvolvimento progressista.
Embora reconheçamos os avanços na legitimidade política e nas bases teóricas que
permeiam o universo da produção de conhecimento no que tange às relações raciais, verifica-
se também, a existência de barreiras ideológicas e políticas de predominância dessa
abordagem no meio acadêmico, estatal e também societário. Assim, esse trabalho se propôs a
abordar de que maneira tais barreiras aparecem, entre o fazer profissional de forma
qualificada e as investidas capitalistas que fragmentam cada vez mais essas relações. Nesse
sentido, observa-se que:

O projeto ético-político profissional inclui elementos político-normativo que


postulam, no plano ideal, o dever ser profissional e elementos político-operativo,
que apontam, no plano real, condutas. Mas a relação entre essas dimensões é
absolutamente orgânica, já que no plano prescritivo está subjacente à realização do
dever ser. O dever ser, independentemente de realizar-se ou não, tem caráter
obrigatório para todos os membros da coletividade profissional; logo, trata- se de
uma referência universal para toda a categoria. O projeto ético-político indica o
dever ser à razão. A vontade opera livremente no sujeito profissional na direção das
escolhas, somente assim podendo ser o mesmo responsabilizado pelos seus atos.
Para responder, portanto, pelos seus atos, o sujeito ético deve conhecer as

159
alternativas possíveis e fazer escolhas livres e conscientes [...]. (SILVA, 2004. p.
199)

Portanto, para que o assistente social possa intervir na realidade de maneira a


fortalecer os sujeitos da classe subalterna e contribuir para a superação das desigualdades, faz-
se necessário que sua formação contemple a apreensão crítica da realidade sob a égide do
Capital, seus movimentos, inflexões e formas de produção e reprodução na vida social. Essa
dimensão é suficientemente considerada no processo formativo. Contudo, existem outros
mecanismos de dominação-exploração engendrados nas relações sociais, e que devem ser
igualmente compreendidos na formação em Serviço Social, quais sejam, o Patriarcado e o
Racismo.
Segundo Saffioti (1987), estamos diante de um único sistema de dominação-
exploração, qual seja, o Patriarcado-Racismo-Capitalismo. A autora propõe a expressão
construída pela ordem de emergência de cada um desses sistemas, que se transformaram e
que, na sociedade capitalista, através de um processo simbiótico, transmutou-se em um só.
Concordamos com a autora de que ambos os sistemas são indissociáveis, e que operam
simultaneamente nas opressões sofridas por sujeitos em situação de desigualdade, seja pelo
gênero, raça/etnia, classe social ou pela intersecção desses. Contudo, hegemonicamente, à
direção teórico-política do serviço social, vem sinalizando que o debate acerca das relações de
gênero e étnico-raciais são complementares à perspectiva crítica adotada pelo curso, explícita
no Código de Ética Profissional e nas Diretrizes Curriculares.
Contudo, conforme buscamos apresentar ao longo deste trabalho, para que de fato o
Projeto ético-político do serviço social se efetive, para que o fortalecimento da classe
subalterna seja possível, é condição sine qua non que esse profissional apreenda, ainda, as
dimensões do sistema de dominação-exploração composto pelo patriarcado, racismo e
capitalismo, e como esses se conjugam e se expressam na produção e reprodução da vida
social. Em um país marcado por mais de três séculos de escravidão, que abriga a segunda
maior população negra do mundo, onde a cada 15 segundos uma mulher é agredida
fisicamente e onde as mulheres negras ocupam as piores posições em todos os indicadores
sociais, é imprescindível compreender que a simbiose entre patriarcado, racismo e

160
capitalismo, projeta um caleidoscópio de multifacetadas expressões de uma mesma Questão
Social.
Os pesquisadores que se dispõem a discutir e construir o arcabouço teórico-crítico que
compõem a formação profissional, em sua maioria, tende a priorizar a luta de classes em
detrimento do combate ao patriarcado e ao racismo. Entretanto, as experiências socialistas
evidenciadas na história mostram que o fim da sociedade de classes não resulta no fim das
demais formas de opressão (Saffioti, 1987), o que nos leva a propor que o sistema de
dominação-exploração deve ser considerado em suas três dimensões, igualitariamente. Desse
modo, sendo o assistente social um profissional que lida diretamente com as demandas que
emanam da classe subalterna, esse deve munir-se de embasamento para dar conta do conjunto
de expressões de dominação-exploração advindas da simbiose desse sistema, que se manifesta
cotidianamente na vida dos sujeitos que compõem a heterogênea classe trabalhadora.
Concordamos com Rocha (2014), que “a formação profissional é um processo
contínuo e permanente”. No entanto, isto não se restringe apenas à formação inicial de
graduação, mas amplia-se, com o fazer profissional, na prática cotidiana e, sobretudo, na pós-
graduação. Portanto, a nossa investigação, buscou analisar a produção de conhecimento do
Serviço Social no que tange às relações raciais. Para isto, elegemos tanto as linhas de
pesquisas quanto as ementas das disciplinas dos cinco programas de pós-graduações da cidade
do Rio de Janeiro. A eleição desse campo de análise se deu por compreender que tais
programas cumprem um papel privilegiado no cenário brasileiro das pós-graduações.
Os achados da pesquisa documental apresentado no terceiro capítulo desse trabalho,
levam-nos a refletir que o posicionamento crítico do serviço social a favor da heterogênea
classe subalterna, composta por mulheres, homens, crianças, adolescentes, pessoas trans,
idosas (os), negras (os), lésbicas, homossexuais, pessoas com deficiência, e tantos outros
segmentos, que muitas vezes interseccionam-se em maior ou em menor grau, exige a
compreensão do sistema simbiótico de dominação-exploração, denominado patriarcado-
racismo-capitalismo (Saffioti, 1987), para o entendimento da dinâmica das relações sociais e
para uma intervenção profissional qualificada.
A formação do assistente social, inclusive na pós-graduação – foco de nossa análise –
necessita de adensamento nessas temáticas, no sentido de munir-se de embasamento teórico-
metodológico, para posteriormente dar conta das dimensões ético-política e técnico-operativa,

161
de maneira a efetivar o exercício da profissão conforme determina seu Código de Ética e,
sobretudo, o Projeto Ético Político do Serviço Social.

Quando o projeto societário hegemônico é claramente oposto àquele em que se


acredita, tornam-se mais fáceis as escolhas. Isto é, quando a conjuntura obstaculiza a
possibilidade de realização dos componentes da essência humana – o trabalho, a
sociabilidade, a universalidade, a liberdade e a consciência –, a possibilidade de
desenvolvimento de consciência/comportamento ético é maior, posto que o inimigo
a quem se contrapor é facilmente identificado: o neoliberalismo, o racismo, a
xenofobia, o sexismo, a homofobia, e qualquer forma de violação aos direitos
humanos. (SILVA, 2004. p. 200)

Dessa forma, almejamos uma pós-graduação que se funda em princípios éticos,


democráticos e, sobretudo, emancipatórios. E que nela seja possível a participação concreta
dos docentes, discentes, pesquisadores, profissionais e da sociedade civil, com discussões e
proposições para a formulação de pesquisas e ação real no enfrentamento às várias formas de
desigualdades.
Que o princípio basilar de sua direção seja em prol de políticas sociais que atendam às
necessidades de uma imensa parcela da sociedade brasileira que se encontra às margens dos
projetos centrais desse país. Que as instituições de fomento garantam a autonomia das
pesquisas, sem reduzi-las a meras produtoras de dados ineficazes, mas que priorize pesquisas
com propósitos socialmente relevantes, que caminham lado a lado com uma educação laica,
autônoma, socialmente referenciada e, sobretudo, que segue na construção de uma sociedade
sem desigualdades, justa e livre de opressões.
Assim, conforme aponta Silva (2004), o desafio consiste em realizar a análise da
realidade, porém “sem conformismos, mas com indignação e rebeldia, mas também com o
máximo de criticidade”. Ainda segundo Silva, só o diagnóstico, não basta, é preciso ter
proposição, otimismo e a vontade de romper com a lógica capitalista que a tudo transforma,
corrompe e molda ao seu desejo.
Nessa direção, salientamos a necessidade da criação de parcerias e compromisso
político entre as entidades representativas dessa categoria, como o conjunto CFESS/ CRESS,
ABEPSS, ENESSO, movimentos de mulheres, Movimento Negros entre outros, que também
162
almeja a defesa dos direitos humanos, sem distinção de cor, raça, etnia, sexo, identidade de
gênero, crença, etc. Que a prática profissional seja verdadeiramente comprometida com a
classe trabalhadora e a todas (os) que a ela pertença.
Compreender que a radicalização ética aqui desenhada é que devemos desenvolver,
tendo por pressuposto o sujeito ético dotado de teleologia, liberdade, razão, consciência,
vontade e responsabilidade: o sujeito criador, propositivo e prático (Silva, 2004). Assim, o
desafio é deixar que os princípios firmados no Código de Ética de 1993, que apontam a
direção pelo projeto ético-político hegemônico do serviço social, sejam cotidianamente
alimentados pelo sonho que impulsionam a nossa práxis. (p. 205)
Por fim, sem a pretensão de esgotar as reflexões aqui apresentadas, buscamos apontar
alguns elementos que possam subsidiar uma efetiva mudança no comportamento dessa
categoria, em não mais invisibilizar temas tão caros a população brasileira. Portanto,
almejamos assim contribuir com esse processo, seguindo acima de tudo na perspectiva de
totalidade e da emancipação humana.

163
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