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CARLOS ANDREAZZA

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O carnaval dos alienados


Escolas de samba, com raras exceções episódicas, estiveram ao lado do chumbo, algumas das
quais devendo o que são a torturadores

19/02/2019 - 00:00 / Atualizado em 19/02/2019 - 06:50

A Beija-Flor faz 70 anos. Comemorará na Sapucaí. Trata-se de uma história


de sucesso, mais alto estandarte de como o carnaval das escolas de samba
tornou-se cativo da associação entre Estado e crime organizado —
sociedade cuja plena constituição só será conhecida uma vez desbaratada a
Liesa, organização cuja existência, em 2019, explica o Rio de Janeiro, talvez
o Brasil, e cuja permanência se sustenta sob a cumplicidade do poder
público e a complacência da iniciativa privada, e com o entusiasmo, não
raro a adesão, de parcelas influentes do jornalismo.
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Diz a letra do samba (mediano) da Beija-Flor: “Meu pai direcionou o meu


destino”. O papai é o bicheiro. A “direção do destino”, eufemismo para a
blitz por meio da qual tomou a escola para si, no bojo de expurgos e
cassações que lhe dariam também o domínio político de Nilópolis.

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A ascensão da família que possui a Beija-Flor passa pelo controle do jogo


do bicho naquele município e arredores tanto quanto pelo apoio à
ditadura, parceria demonstrada na colaboração para limpar a Baixada de
adversários do regime e de pequenos bandidos. Prática miliciana que
contaria com a cooptação de agentes da repressão nas Forças Armadas e na
polícia. Por isso enoja ouvir, no samba da Beija-Flor, o verso em que a
escola se canta como “algoz da intolerância”; agremiação, de resto, que já
venceu carnaval exaltando tirania africana.
Alguns dirão que é detalhe e que a história desses porões vai amortecida
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num conjunto virtuoso de tradições culturais que deveria prevalecer. O
jornalismo carnavalesco, ainda que composto por notórios militantes
contra a opressão, é um que opera sob a lógica da exceção momesca; aliás,
definida em mais um dos versos da Beija-Flor: a moçada “esquece a dor e
só quer sambar”. Daí por que se deixe levar pela propaganda,
transformada em reportagem, de que uma agremiação como a de Nilópolis
ora passe por um processo de modernização, isto apenas porque o jovem
filho do contraventor ganhou a direção da escola de presente e vem com
papo de renovação e de práticas empresariais de última geração, sem ser
perguntado, porém, sobre se a fonte pagadora da conta também é nova ou
continua sendo o movimento do bicho.

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Há também o caso do samba da Mangueira, segundo o qual, no Brasil,


desde 1500, teria havido “mais invasão do que descobrimento” — isto a ser
entoado por uma escola em cuja quadra, não faz muito, havia passagem
secreta para livre trânsito de traficantes. A obra é uma beleza. Uma ode à
hipocrisia, mas uma beleza. Houve quem a apregoasse até como hino do
Brasil. Decerto porque faz homenagem a Marielle Franco. Tomo, contudo, a
liberdade de propor uma reflexão aos mistificados.

Marielle foi exterminada pelo escritório do crime, braço matador da


milícia criado para servir às necessidades facínoras de bicheiros e políticos,
sócios cuja articulação concebeu algo como a Liesa, produto da cultura de
intendência militar aplicada à lógica da contravenção, e fomentou a
existência pública de líderes como o atual presidente da Mangueira,
deputado estadual e preso, agente do esquema que sequestrou o Estado do
Rio via Alerj, o sujeito que paga ao carnavalesco badalado que criou o
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enredo que celebrará Marielle — e que enreda apostando na alienação.

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Quem matou Marielle?

Quem matou Marielle organiza o gurufim. Vai quem quer. Mas isto não faz
menos asqueroso ouvir escola de samba reverenciando “quem foi de aço
nos anos de chumbo” — isto porque escolas de samba, com raras exceções
episódicas, estiveram ao lado do chumbo, algumas das quais devendo o
que são a torturadores.

Chego à Portela. Outro belo samba. A agremiação é hoje tida como exemplo
de gestão profissional. Sua fortaleza recente, entretanto, é devedora de
Marcos Falcon. Quem matou Falcon? E por quê? Quem é Falcon? Era um
abastado policial militar, presidente da escola quando de sua revitalização.
Foi assassinado dentro de seu comitê de campanha — concorria a vereador
— às vésperas da eleição municipal de 2016. Nunca mais se falou a
respeito.

Tampouco se fala dos desdobramentos criminais do acidente com uma


alegoria da Paraíso do Tuiuti. Foi em 2017. Houve morte. Impune. Em 2018,
esta agremiação se tornou musa do progressismo de oportunidade ao
protestar contra supressões de direitos dos trabalhadores. Descobriu um
filão. Em 2019, com versos como “Ora, meu patrão, vida de gado desse povo
tão marcado”, seguirá a mesma trilha, embora seja chatinho o samba.
Especulo, no entanto, sobre o que sobraria desta bandeira se o Ministério
Público do Trabalho visitasse, agora, o barracão e a quadra da escola, de
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todas as escolas, e verificasse as condições — inclusive de ordem legal —
em que a rapaziada labuta. Talvez os procuradores saíssem cantando o
refrão da Beija-Flor: “Abre a senzala! Abre a senzala!”

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