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Antonio S. T. Pires



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idéias da ._.... •
Antonio S. T. Pires

das
idéias da

Edttora

Material com direitos autorais


Copyright @ 2008, Editora Livraria da Física
1° edição

Direção editorial
José Roberto Marinho

Revisão
Maria Angelo Rodrigues Figueiredo

Copo
Ano Mo rio Hitomi - Typography

Projeto gráfico e diogromoção


Typogrophy

Dados Internacionais de Catalogação no Publicação (CIP}


(Cômoro Brasileiro do Livro, SP, Brasil)

Pires, Antonio S. T.
Evolução dos idéios do físico / Antonio S. T.Pires.
- São Paulo: Editora Livraria do Físico , 2008.
Bibliografia

ISBN 978-85-88325-96-8

1. Físico - Estudo e ensino 1. Título.

08-00127 CDD-530.07

'
lndices poro catálogo sistemático:
1. Física : Estudo e ensino
530.07

Todos os direitos reservados. Nenhuma porte desta obro poderá ser reproduzido
sejam quais forern os meios empregados sem o permissão do Editora.
Aos infratores aplicam-se os sanções previstos nos artigos 102, 104, 106 e 107
do Lei nº 9 .6 1O, de 19 de fevereiro de 1998

Editora

Editora Livraria do Físico


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Material com direttos autorais


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Sumário

1 . A Ciência na Anti uidade ........ .. ........................................ 1 1

2. A Física na Idade Média ... ................................................. 59

3. A Nova Astronomia ........................ ..... .. .... ...... ... ... .... ........ 85

• • • •••••••••••••••••••••••••••• • • • •• •• • •• • • • • • •• •••••••••• •• • • •• •• • • ••• 115

5. Bacon Descartes e Hu ens ............... ............................. 169

• • • • •• • • •••••••••••••••••••••• ••• •• • •• •• • •• •••• 179

7. Energia, Calor e Entropia ............ ............ .... ... .. .... ........ ... 233

8. Teoria Eletromagnética ....... ... .... ... .. .. ... ... .... ..................... 263

9. Teoria da Relatividade Restrita .... ... .. ... ... ... ... ..................... 299

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10.0 Universo Geométrico ...... ... ..... ............ ...... ........... ... ... .. 339

11.Caos e Determinismo .. .... ... .. .... ... .... .. ........ .. .. .... ....... ... ... . 361

12 . O Est ra n h o M u n d o Q uâ nti co . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 7 3

13. A Mecânica Quântica e a Natureza da Realidade ... ... ....... 403

14. As Várias Interpretações da Mecânica Quântica ... ..... ........ 413

15. Partículas Elementares .. .... .... .... ... ... .... ... .. .. ........ ... .... ..... .. 423

16. Conclusão ...... .. ........... ... ....... ... ......... .... ........ ..... .. .. .... ... . 44 7

Apêndice A: Método usado por Aristarco para determinar as


distâncias relativas do Sol e da Lua .... ... ... ......... ........... .. .. .... .. 459

Apêndice B: Método usado por Hiparco para determinar a


distância da Terra à Lua durante um eclipse lunar................ ... 460

Apêndice C: Cálculo de Ptolomeu da distância à Lua .. ........... 461

Apêndice D: Algumas noções de astronomia ......... ... ..... .... ... . 463

Notas .............................. .... .. ...... .. ..... ...... .. ... ..... ... .... ... ........ 467

BibIio r afia . .. . . .. . .. . .. . .. . .. . .. .. . . .. . .. . . .. . .. . . .. . .. .. . .. . . .. .. . .. . .. . . .. . ... .. .. . 4 73

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A ciência na Mesopotâmia e Egito


Embora nações antigas, tais como a Babilônia e o Egito, tc11ha1n contribu-
ído para o deser1volvim.ento inicial da Matemática e da Astronomia, em nad.a
contribuíram para o desen volvime11to da Física. A As tronomia e a Matemática
egípcia se d esen volveram com fins práticos: prever a ép oca d as ir1undações d o
N ilo, plan.ejar a construção de pirâmides e templos, resolver os problemas de
irrigação. A principal contribt1ição d os egípcios nessa área foi a invenção d o
calendát~io. Eles dividi ra1n o ano em 365 dias: d oze meses de trinta dias mais
cinco dias adicionajs, um sistcn1a superio r ao calendário lunar dos babilônios.
O calendário babilônico aos p ottcos ficava dcfasad o em relação às estações
d o ano (que ti1iham como re fe rência o sol). Ao verificar tiuc o ca]endário e
as estações esta\ra m muito fora de si11cronia, o rei acresce11tava ttm tnês extra
para corrigir o problema. A Astronomia babilônica, por outro lado, foi um d os
primeiros tra tamentos científicos sistemá ticos do mundo físico. Ao contrário
d os egíp cios, os astrônom os d a Babilônia estavam interessados 1.1a previsão

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12 - - - - - - - - - - - -- - - - - - Evolução das idéias da Física

p recisa de vários fenôme11os astronômicos. A astronomia n a Babilônia alcan-


çou, especialmente nos sécs II e III a.C., un1 n ível d e desenvol\1imento mate-
mático igt1alad o som e11te aos d os gregos d o período helenís tico, conqt1anto
diferente en1 conteúdo e 111odo d e ope ração.
Cerca d e 3000 a.e. os egípcios dese11volveram L1.111 sistema r1umérico d cci-
n1al emprega11d.o un1 símbolo para cad a po tên cia de 10 (1, 10, 100, e tc.). Nesse
sistema, a adição e a st1btração errun operações simples, m as a 111ultiplicação e
a divisão eram complicad as. Eles conheciam aperlas frações com o nttmerador
1. Podiam calcL1la1· a área d e figuras planas simples tais como o re tângulo, o
triâr1gulo e o círculo (para o círct1.lo u savam uma regra que corresp onde l1oje a
usar um valor de 1t d e cerca de 3,17) e o volume de alg tms só lidos.
Por s ua vez, o sistem a nu1néri co babilônico estava bem d esenvolvido
em 2000 a.C .. Esse sis tema era sim11lta neam ente d ecimal e sexagesimal (ba-
sead o n o núm.e ro 60). Usava1n tabelas d e 1nultiplicação, potê11cias e raízes
para facilita r os cálculos. Un, a d as va11tagc11s d o sistem a sexagesim.al é a fa-
cilidade co1n qtle cálculos usa11do frações p od em sei· feitos. A raiz qLradrada
d e d o is, qu e os gregos provaram que era irracion al, foi ca lculad a com g rande
precisão. Foram encontrad as tabelas m a tem áticas c t1ne i fo rn1cs d o per íod o
1800-1 600 a.e ., as qt1ais lidam com problemas algébricos e mostram qt1e os
babilônios sabiam, en.tre outras coisas, resolver equações qu adrá ticas. Os
,
g regos, pelo qt1e p arece, recebe ram seu conJ1ecin1ento básico de Algebra d os
,
babilô11ios, m as 11a G récia a Algebra ton1o u um cará ter m ais geomé trico.
Os babilôruos d esen volveram a Astronomia 1notivad os pela agricultura,
1·e ligião, ast1·0Iogia e confecção de calendários. A prática d a Astro11omi a, tinha
na Babilô1ua, um significad o po lítico e principalmente relig ioso; os astrôno-
mos trabalhavam em templos _religiosos. As observ ações astron ômicas não
eram particularmente acuradas, mas o in1porta11tc é que havia uma tradição
de obse1~var e registrar cuidadosame nte essas observações. Pode-se fazer pro-
g resso quando se tem um conjunto extenso d e observações, mcs1no qt1e as ob-
servações i11dividt1a is não sejam precisas. Um texto babilônico de 700 a.C. que
resistiu ao tempo ch am ad o de MUL.APTN apresenta ttm calendário estelar
que pern1itia a de terminação d a ép oca do ano pela observação do n ascimento
e ocaso das estrelas. Um 1napa celeste de 500 a.C. identificava as cons telações
e1n 12 segme ntos de trinta gratts cada e d eu origen1 aos s ig r1os do zodíaco.
De 500 a 300 a.C. d esenvolvera m uma téc11ica a través d a qual manipulavam
uma grande quantidade de dad os astron ômicos e faziam alg umas predições.
Eles possu íam técnicas n1atemáticas p ara lid.ar com cálculos e11,,olvend_o nú-
m.e ros gr andes e operações co1nplicad as. Fazian1 u so d e séries d e seqüências,

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A Ciência na Antiguidade - - - - - -- - - - - - - - - - - - - 13

compostas d e números que aume nta,,a.m ou diminuíam d e maneira cons tan-


te . Pttde ram, assim, calcula r o movimento diá rio d o Sol e da Lu a a través d o
zodíaco e pre ,,er o surgimento da lua nova (que indicava o com eço d e um
novo mês). Eram ca pazes, também, d.e prever eclip ses lunares e a possibilida-
de d e eclipses solares. Tais predições eram basead as 11ão em m ode]os geomé-
tricos dos corpos celestes, m as e m procedime11tos inte iramente a ritméticos, o u
seja, em cá lculos de tabelas construíd as a partir d e observações registrad as. O
interessante é que tod as as constantes numéricas foran1 calculadas de maneira
engenhosa para fornecer as periodicidades e fornecer rcSLlltad os quantitativa-
mente acurad os, sem a intervenção de qL1alquer modelo ou figu ra geométrica.
Assim, enquanto os gregos tinhan1 Ltma imagem geomé trica dos m ovimentos
celestes, mas com um acordo grosseiro entre m odelos e observações, os babi-
lónios ti1u1arn as constantes d os rnovimentos pla netários e os mccanisn1os d e
ligação entre cálculos e observações, mas sem uma imagem que pudesse fazer
d e seu sistema algo m ajs do que Ltm incro conjunto de números; eles não esta-
vam preocupad os com os princfpios físicos subjacentes.
Os astró nom os babilôn.icos dividi am o dia em três partes, a 11oite tam-
bém era dividida em três p artes. o ,,erão as partes diári as eram m ais longas
e as p a rtes no turnas m ais curtas, c11qu anto no in verno acontecia o contrá rio.
Pos teriormente, di vidiram cad a urna d essa.s p artes e m q uatro, o qu e resul-
tou em uma divisão d o dia em d oze "ho ras". Para a.s s ubdi,,isões das horas
usava m a no tação sexagesi ma l. Nossa divisão cm 60 partes d as unidad es d e
tempo e âng ulo deri,,a da prática babilóni ca antiga.

Os primeiros filósofos gregos


Segund o o historiador David Lindberg 1, o mu.ndo dos g regos antigos
era um mundo de deidades a ntropom ó rficas interferindo nos afazeres hu-
manos e usa ndo esses l1u mar\os c 11, s uas tra n1as. Era u1n n1 u11do d e cap ri-
ch os em que nad.a podia ser predito devido às p ossibilidad es ilimitadas da
interven ção divina. Contu.d o, no i11ício d o séc VI a .C . surgira m novos m ode-
los d e pensamento, que algumas vezes estava m mis turad os com a mitologia.
Um grupo de pensado res 11a Jô ni a, nas costas d o mar Egeu (}1ojc Turquia),
iniciou um question amento sobre a natureza d o mundo n o qual vi viam. Ten -
taram e ntende r d o que as coisas e ra m fe itas, e quais eram as origens d e las
e corno ocorria o processo d e muda nça (como as coisas s urgia m e como se
trans fo rmavam umas n as o utras) . Procuravam explicações raciona is para

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14 - - - - - - - - - - - - - - -- - Evolu ção das idéia s da Fís ica

os fenômenos da atureza tais


como terre.motos, tempestades
e eclipses. Queriam entender a
origem e a natureza do mundo
físico. Perceberam que haviam
.regularidades na Na tureza que
pernútiam desvendar seus se-
gredos e os deuses desaparece-
ram das ex plicações naturais. Os Zoroasfro, pintura de Rafael
filósofos di vergiam entre si e a
Filosofia, separando-se da Mitologia, passou a oferecer uma multiplicidade
de explicações possíveis. O séc VI antes da era cristã, considerado pelo escri-
tor Arthur Koestler o ponto crítico da espécie humana, foi também o séc VI
de Buda, Zoroastro, Confúcio e Lao-Tsé.
As teorias apresentadas por esses pensadores não nos parecem hoje so-
fi sticad as, mas o que é importante é que elas excluem os ''deuses'' das ex-
pli cações do que ocorria na Natureza. As respostas têm menos impo rtância
do que o fa to deles estarem aprendendo a formular um novo tipo de per-
gunta. Teori as, que hoje .nos parecem não científicas e místicas, que devem
ser considerad as como o resultad o de um conceito inteiramente diferente da
Natureza, em vez de julgá-las aberrações de mentalidades não cie11tíiicas. A
Física de hoje, de certa fo rro.a, teve sua origem no materialismo racional que
surgiu na Grécia clássica. Cada fil ósofo teve a sua teoria própria com relação
à Na tureza e ao Universo, mas cada teoria, por mais estranha que fosse, se
prendia às causas naturais. Alg uns estudi osos, no entanto, observam que
embora a atitude da fi losofi a jônica fosse a expressão d o pensam ento racio-
nal, recorrendo a argumentos e não a explicações sobrenaturais, o conteúdo
dessa filosofi a permanecia semelhante ao mito.
Os historiado res a pontam várias razões para a tendência desses filóso-
fos en1 procurar explicações não mitológicas para a o rigem do mundo. Para
uns isso foi cau sado pelo fato de que eles viviam na costa d a Ásia Menor,
cercados po r várias n ações em tlm estado de ci vilização m ais adiantad o
do que aquele d a Grécia, cujas explicações mitológicas diferi am eno rme-
mente, não só entre si, mas também d aquelas d os gregos. Parecia necessá-
rio, p ortanto, seguir um ca minho novo buscando expli cações a partir d as
observações do mundo. O utros histo riad ores men cio nam que h avia uma
g rande varied ade de sistemas p olíticos nas colônias gregas. As cid ades es-
tados da Grécia introduziram e exp erimentaram uma grande variedade

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18 - - - - - - - - - - - - -- - - - - Evolução das idéias da Física

abstratas como a natureza d o ser e


o sentido da verdade. Pouco se sabe
sobre Pitágoras. Acredita-se que e le
nasceu em Samos e m tomo de 580
a.C. e d epois se mudou para Crótona.
Fundou a irmandade pitagórica, que
em.b ora de natureza religiosa, se d e-
dicava à Matemática e à Filosofia ra-
cional . .É provável qt1e muito do que
se atribui a ele pode ter sido obra de
um d.e seu s discípLtlos. Os pitagóri-
cos considerava m que a essên cia das
coisas não era um princípio material,
Pitágoras, em pormenor d'A Escola de com o os filósofos jônicos que os pre-
Atenas, quadro de Rofoe/ Sônzio cederam, mas o número, ou seja, um
princípio imaterial, identificado à
razão. Acreditando que a o rdem no cosmo e ra fundamentalmente mate-
mática, afirmavam que o homem era cap az d e d escobrir as harmonias do
Universo pe la contemplação do movimento regular nos céus. As idéias não
procediam d e observações, mas d e hipóteses baseadas na intuição mate-
mática e na estética, ainda arraigadas fortemente na religião. Para eles, os
números eram sagrados e eternos, a ligação entre o homem e a divindade.
Tanto quanto se sabe, os pitagóricos foram os primeiros fi lósofos que ten-
taram dar ao conhecimento da Natureza uma fundamentação quantitativa
matemática. Parece que foi Pitágoras a primeira p essoa a mencionar que a
Terra era uma esfera e o primeiro a usar a palavra Cos,nos para indicar um
Universo harmonioso. Ensinou que as leis da Natureza podem ser d edu-
zidas p elo pensam ento puro. Sua teoria dos núme ros levou-o a fazer ex-
periências com notas musicais. Usando um monocórdio, um ins trumento
musical composto por uma única corda, d escob_riu que cordas em vibração
e mitiam sons que d ependiam d os seu s comprimentos. Daí surgiu a d es-
coberta dos intervalos harrnônicos. Os intervalos concordantes na escala
são produzidos por razões numéricas simples (2:1 oitava, 3:2 quinta, 4:3
quarta, etc.). Essa d escoberta foi, provavelmente, a primeira formulação
d e uma lei física, e a primeira experiência registrada na his tória da ciência.
Não obstante, alguns his toriadores dizem que este fato isolado está longe
d e mostrar que os pitagóricos reconheciam o valor do m é todo exp erimen-
tal, apenas indica que a lguns d e les executaram expe riên cias simples com o

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22 - - - - - - - - - - - - -- - - - - Evolução das idéias da Física

defendeu a doutrina do mestre apresentando um conjunto de provas contra a


possibilidade da existê11cia do movimento. Propôs vários paradoxos, mas a úni-
ca versão que temos desses paradoxos é através dos escritos de Aristó teles, que
os apresentou com o objetivo de refutá-los. Em. seus paradoxos, ele aponta para
problemas subjacentes aos conceitos de espaço, tempo, movimento, continui-
dade e infinito. Ainda l-1oje esses parad.o xos são temas de discussões filosóficas.
A dicoto1nia tem o propósito de provar que nu11ca podemos completar uma jor-
nada em um tempo finito. Para tanto precisamos percorrer primeiro a metade
da distância até nosso destino, depois a metade da distância restai1te, e de novo
metade do que falta, e assim por diante. Por mais perto que cheguemos do lu-
gar onde pretendemos ir, sobrará sempre alguma distância a. percorrer. No seu
paradoxo mais famoso, Zenão afirma que Aquiles, corredor veloz, não poderia
ultrapassar uma tartaruga em uma corrida na qual a tartaruga tivesse saído na
frente. Pois, antes de ultrapassar a tartaruga, Aquiles precisaria primeiro chegar
ao ponto do qual ela partiu. Mas, nesse instante, a tartaruga teria avançado até
algum ponto adiante. E quando Aquiles alcançasse esse ponto, a tartaruga teria
avançado ainda mais. É obvio, afirma Zenão, que a série é inter111inável. Haverá
sempre alguma distância, por menor que seja, entre os dois competidores.
Este argumento pressupõe que qualque r co1nprimento contém um nú-
mero infinito de pontos tal qtte Aquiles alcança a tartaruga somente d.epois
de um número irtfinito de ''instantes'' (o problema é resolvido se um com-
primento mínimo é pressuposto). Se o comprimento é co11.siderado como um
co11tí11uo, a conclusão d e que ele é infi11itamente divisível é matematicamente
correta, mas é incorre to concluir que a soma de um número infinito de instan-
tes seja um número infinito. Uma soma infinita de termos qu.e se tornam su-
cessi\1amente menores pode con\ ergir para um número finito. Por exemplo:
1

l/2 + 1,4 + 1/8 + 1/16 + ... = 1.

Alguns filósofos, no entanto, con, entam que se somássemos todos os


termos d e uma série infinita. n.unca provarían1os que a série tem uma soma
finita. Dizer que a "son1a'' d e uma série infinita é Sé dizer que, se somarmos
um número e levad o de te rmos, a diferença entre essa soma e o número S fica-
rá cada vez menor. A ''soma'' S é um limite mate.m ático qt1e não é calculado
através da soma de um 11úmero finito d e termos. Zenão não disse que Aquiles
seria incapaz de alcançar a tartaruga num tempo finito, o que afirmou foi que
era impossível para Aquiles efetuar um número infinito d e atos. A soma da
série acima converge, mas com um número infinito de termos. Zenão sabia

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26 - - - - - - - - - - - -- - - - - Evolução das idéias da Física

Nos meados do séc III a.C. o filósofo ateniense nascido


em Samos, Epicuro, criou uma escola que além de promo-
ver o sistema filosófico dos atomistas, adaptou esse siste-
ma de tal maneira que ele pudesse servir para fins éticos.
Epicuro disse que os átomos além de ter tamanho e forma
(como Leucipo e Demócrito haviam dito) tinham também
peso. Demócrito e Leucipo descreviam o movimento atômi-
co como determinístico. Epicuro introduziu, visando preser-
var o livre arbítrio, tun fator de aleatoriedade intrínseco que
Epicuro de influenciava o movimento dos átomos de uma maneira im-
Somos previsível. Quanto maior esse fator em uma dada entidade,
mais espiritual (e, portanto, menos material) era sua nature-
za. No cume da hie.r arquia espiritual estava a alma humana.
Empédocles, contemporâneo de Leucipo, não aceitava a idéia de um
único elemento primordial. Identificou quatro elementos, eternos e não
criados, ou raízes como os chamava (ele não usou a palavra elem ento que
foi introduzi da por Platão), dos quais todas as coisas materiais eram consti-
tuídas (combinadas em proporções diferentes): fogo, ar, terra e água. Note-
mos, no entanto, que esses elementos não eram st1bstâncias quimicamente
puras. A palavra ''terra'', em grego, era aplicada a uma grande variedade
de substâncias sólidas, ''água'' era usada para designar vários líquidos e
''ar'' era a palavra grega para qualquer gás. Mas, como ingredientes mate-
riais não podem expljcar o movimento e as mudanças, introduziu o amor e
o ódio, que levavam as quatro raízes a se juntarem e a se separarem, fazen-
do, assim, uma diferença entre elemento e força, p ois esses agentes, amor e
ód io, como causa do movimento, podem ser interpretados como ''forças'' .
Na sua doutrina, pela primeira vez na filosofia grega, aparece ''força '' como
um age11te regulador da natureza. Ele acreditava que a luz tinha velocida-
de finita. Reali zou uma experiência com a clepsidra (uma esfera de bronze,
com um garga lo aberto e furos na parte inferior, que era preenchida mergu-
lhando-a na água. Se fosse retirada com um dedo tapando o gargalo, a água
ficava retida na esfera) descobrindo a existência do ar. Com Empédocles
fica mais óbvio que as teorias, ou causas, propostas pelos filósofos daquela
época eram derivadas da analogia com. objetos conhecidos, acontecimentos
da vida diária e sentimentos humanos.
Como veremos a seguir, a crítica racional dos fundamentos do conhe-
cimento ocorreu em Atenas. Sócrates, nascido em torno do ano 470 a.C.
foi o primeiro do grande trio, que inclui Platão e Aristóteles, responsáveis

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30 - - - - - - - - - - - - -- - - - Evolução das idéias da Física

e independente do mundo físico é, por essa razão, chamado de platorzismo. O


físico Reger Penrose, um platonista declarado, escreve:

Platão parece ter previsto, tendo como base as raríssimos


evidências então existentes que, de um lado, a Matemático
deve ser estudada e compreendida por si mesma, e não
devemos querer uma aplicabilidade totalmente exata aos
objetos do experiência física; do outro, que o fun cionamento
do mundo externo concreto só pode, em última análise, ser
entendido em termos da Matemática precisa 3.

Para algun.s at1torcs, o conceito de leis da Na tureza, que sendo imu-


tá\.1eis se revelam pela análise racional da experiência, e a crença 11a estru-
tura matem.ática d o Universo - tomada dos pitagóricos - são as grandes
contribt1ições de Platão para o pensame11to científico. Ma.s não existe um
consenso entre os físicos sobre as idéias de Platão. Alguns dizem t]Ue mes-
mo que se pudesse associar a visão de Platão com ''leis da Natureza'', ele
colocava essas ''leis'' fora do mundo da observação e da medida. O físico
John Barrow acredita que as consequências imediatas das idéias de Platão
foram desastrosas para o dese11vo]\rimento da investigação científica, pois
elas levavam ao desprezo p ela ciência aplicada, e dirigiam a ate11ção para
a procura mística do que as coisas ''eram'', em vez de '' como'' se compor-
tavam. Outro físico, Michael Riordan 4, ao comer1tar que muitos dos físicos
teóricos de hoje, trabalh.ando em cosmologia, não parecem estar preocupa-
dos que suas l1ipóteses devam ser confrontadas com observações objetivas
do mundo real, chama essa maneira de fazer teoria de física platôrzica. Mas
não podemos negar que Platão estava certo em insistir que a pesqttisa cien-
tífica fosse dirigida para a descoberta de leis abstratas que estivessem por
trás dos dados empíricos.
Influenciado pelos pitagóricos, e por algumas idéias dos atomistas,
Platão compôs su.a teoria física da constituição do Universo baseada em
t1.m modelo geométrico (enquanto com Pitágoras a ''Física'' era Aritmética,
com Platão ela se tornou Geometria). Segundo o filósofo Karl Popper a
principal contribuição de Platão para a ciê11cia foi sua modificação do pi-
tagorianismo e atomismo para resolver o problema dos irracionais. Platão
percebeu. que um.a teoria da natureza totalmente aritmética era impossível
e que um novo método matemático para a descrição do mundo se fazia
necessário. Encorajott assim o dese11volvimcnto de um método geométrico

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34 - - - - - - - - - - - - - - -- - - Evolução das idéios do Físico
\

não deixando qualquer espaço vazio. Para ele cada um dos elementos era, por
sua vez, constituído de forma e matéria. Como a matéria é capaz de assumir
várias formas, os ele.m entes podem se transformar uns nos outros. As forn1as
instrume11tais para produzir os elementos eram aquelas associadas com as
quatro qt1antidades primárias: quente, frio, úmido e seco. Temos as combi-
nações: frio e seco= terra, frio e úmjdo = água, quente e úmido = ar, quente e
seco = fogo. O céu, por sua vez, era composto de um único elemento: o éter,
um elemento imutável, do qual falarei mais adiante.
O mttndo de Aristóteles, ao con.trário do mundo inerte dos atomistas,
onde átom os individuais se moviam aleatoriainente, não era um .mu11do de
chances e coincidências, mas um mundo organizado, orde11ado, um inundo
de propósito, onde as coisas se moviam para fu1s detern1inados pelas suas
naturezas. Em seu empiricismo não podia aceitar a suposição atomística de
que a realidade se apoiava crn entidades microscópicas não observáveis.
Igualava o atomismo a um ti esejo cego de abrir mão do controle da atureza
em favor da pura cl1ance. O movimento dos átomos, dizia, não derivava de
propried ades inerentes deles próprios: não possttíam uma cau.s a final. Para
e]e a Natt1reza e ra um sistem a vivo, complexo e at1to regulante. Via o Unj-
verso como um organismo \ ri\ro em vez de um mecanism o qt1e funcionava
como un1 relógio. Não aceitava a geometri zação n1ística da Natureza feita
pelos pitagóricos. Pensava que uma explicação completa de qualqu.er coisa
deve.ria considerar não somente o material, a forma e as causas eficientes,
mas também a causa final - o propósito para o qt1 al a coisa existia ou foi
criada. Stia concepção do Ur1iverso era teleológica, isto é, concebia-o como
gover11.a d o por uma finalidade. A ciência moderna teve um sucesso enorme
no ente11dimento do Universo, mas o preço pago por esse vasto conhed-
me11to foi o de ignorar deliberadarnente a questão de propósito, que era tão
importante para Aristóteles.

A lógica de Aristóteles
Aristóteles praticamente criou a ciê11cia da lógica, que ele definiu como
a arte e o método de pensar corretamente, e que permanece até hoje e.n tre as
grandes criações d a mente humana. os tratados sobre lógica, conhecidos
coletivamente como Orga1'zo1i, ele está particularmente interessado em argu-
mentos dedutivos e provas. Chama a atenção para a difere11ça entre o mé-
todo usado em ·u n1.a demonstração e aquele usado em uma descoberta. No

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38 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução das idéias da Física

pretendia, fundamentalmente, não somente descrever como o movimento


ocorre, mas também porquê ele acontece. Vários historiadores acreditam que
de todos os obstáculos intelectuais que a mente humana confrontou o mais
surpreendente em caráter e o mais assombroso no alcance de suas conseqü-
ências foi o problema do mo,,imento.
Aristóteles começa o livro III dizend.o que a Natureza pode ser definida
como ''um princípio de movimento e mudança'' e que se não entendermos o
significado de ''movimento'' não entenderemos o significado de ''Natureza''.
Escreve que o movimento pertence às coisas que são contínuas. Distingue
em relação ao movimento: (1) aquilo que existe som.e nte em um estado de
realização, (2) aquilo que existe como potencial, (3) aquilo que existe como
potencial e também como realização. Segundo ele, o movimento ocorre com
relação à substância, à quantidade, à qualidade e ao lugar. Define o movi-
mento como a realização daquilo que existe potencialmente e distingue qua-
tro categorias de mudanças: geração e destruição na categoria de substância,
alteração na categoria de qualidade, aumento e diminuição na categoria de
quantidade e locomoção na categoria de lugar. Estarei particttlarmente inte-
ressado na última, mas chamo a atenção que Aristóteles trata todas elas em
pé de igualdade. Ele cita como exemplos de movimentos: construir, apren-
der, praticar medicina, rolar, pular, amadurecer, envelhecer.
Em geral, aquilo que causa m,ovimento como um agente físico pode ser
m,o vido, mas é possível que uma coisa cause movimento, embora ela mesma
seja incapaz de ser mo,,ida. A função ontológica do movimento fica claro
quando Aristóteles diz que: ''O movimento é o que um ser faz para che-
gar à sua atualização, enquanto aii1da não a alcançou''. Ele estabelece, desse
modo, uma diferença ontológica entre movimento e repouso.
Aris tóteles diz que a ciência da Natu.reza ocupa-se com grandezas es-
paciais, movimento e tempo, e cada um desses é necessariamente infinito ou
finito. Ele passa então a discutir o i1tlinito. Escreve que Platão considerava
que os infinitos podiam ser de dois tipos, pois se pode proceder ad infi11itum
na direção, ou do aumento ou da redução, mas o mesmo não acontece com
os números, pois para Platão o menor número é a monada e o maior a década.
Concorda que é 11atural supor que nos nú1neros exista um limite na direção
do mínimo, mas na outra direção qualquer nwn cro pode ser suplantado. Os
números devem parar no indivisível, mas na direção do aumento é sempre
possível pensar em um número 1naior, afirma. Mas esse infinito é potencial,
nunca real. Com o contínuo o co11trário se aplica. O que é contíntio pode ser
dividido ad ir1fi11itum, mas não existe infinito na direção do aumento. Foi o

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42 - - - - - - - - - - - -- - - - -- Evolução das idé ias da Física

en1 loco m oção é m ovido o u p o r si m esm.o o t1 p or o utra cojsa. No caso de


coisas que se m ovem p or si m esm as é evide nte qtte o m o to r e o m ovido
estão juntos (eles contêm cm si m esm o seu prime iro m otor ta] que nada
exis te entre eles) . O m ovimen to d e o bje tos que são m ovidos p o r o utros o b-
je tos acontece em uma das qu atro ma·n e iras: pu xar, e mpurrar, tran sp o rtar
e girar. M as em ttltima a11á lisc tra11sp o rta r e g ira r pod em ser reduz idos a
pt1 xar e em ,p urrar, A ristó te les con cl t1i . a locom oção, n ad a existe de in-
ter1nediário entre o m.o tor e o m óvel: é impossível m over um objeto sem
estar cm conta to com ele. Segu e-se que um m o to r (ou p o tên cia m o tora) era
dis tinto das coisas <.Jue ele m ovia. Em o bjetos animad os, com o os animais,
a al1na era o m o to r, e o corpo d o anima l a coisa m o \rid a; n os m o,rimentos
plan e tários o n1otor e ra u.m a i11teligência celeste e a cois a m ovid a a esfe ra
física d os pla11etas. Em ambos os casos, m o tor e objeto m ovido eram d is-
ti11g uíveis u m d o o u tro, m as não estavam espacialrnente sep arad os. Em
u m m ovi1ner1to vio lento o t1 n a tural d e o bjetos it1animad os, m o to r e o bje to
m ovido eram fisicam e n te d istin tos.
Aris tó teles diz q ue duas coisas têm a m esm a velocidade se elas gastam o
m esm o te m po p a ra comp le ta r a m es m a gL1a ntidadc d e 1novi.tnento . No caso
d e locom oção, d ois o bjetos tê1n velocid ad es ig u ais se eles p ercorrem a 1ncs-
rna d istância e1n um m esm o tempo. o caso d a alteração, as velocidad es são
:igu a is se as m.e sm as mud a nças ocor rem e m um rnesm.o tempo, ·p or exemplo,
duas p essoas doen tes sa rarem n o m esm o tem po. Ele não tinha t1m con ceito
d e velocid ad e com o uma n1edida quat1tita ti va do n1ovimento. Introduziu a
id éia d e velocid a.d e com o a intensidade temporal d o movimento (a aceler a-
ção era con sid erad a, por ele, com o a \rari ação d a intens id ade te mporal, m as
velocidad e e aceleração n ão er am cons ide rad as com o duas vari áveis distin-
tas). É jnteressante cl',amar a aten ção aqui pois ele usou a Matemática grega
de então. Nela, as grandezas 11unca são apresentadas de man eira direta, mas
11a fo rma d e pro p o1·ções entre quai1tidad es d a m es1na esp écie : o u seja, razões
e11tre d istâ ncias e razões entre tempos . (Se não p ode m os divid ir laranjas p or
b anan as po rq ue pod eríam os di,,idir com p rime11to p or tempo?). A velocida-
de usad a com o um term o técnjco ao qt1al um valo r nttméri co é atrib uído só
surgiu n.a idade média.
Assim, 11,a lingu agem d e Aristó te les, n o caso d a locom oção, d o is corpos
têm a m esm a ve]ocid ad,e se e les percorrem uma m esm.a distância em ttm
m esm o tempo . As noções d e mais rá pido e ·m ais le11to, se d e finem d a m esm a
forma, m edía11te razões d e m ovime11to, ttm d os q_tta is p e rcorre um a d istân -
cia m e11or 110 111cs1no te mpo, um a dis tân cia igu al em um tem·po m eno r, ou

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46 - - - -- - - - - - - -- - - - - - Evolução das idéios da Física

onde F é a força motriz e R a resistência do meio. (Observemos que,


quando escreve_m os v oc F, na linguagem de Aristóteles melhor seria escrever,
v1 : v 2:: F 1: F2 ). Alguns comentários se fazem necessários. O que Aristóteles
chamava d e fo1·ça, ou m ell1or, o ''esforço'' r,eccssário para o d eslocamento d e
um objeto, não tinha para ele um significado bem definido. Algumas vezes
o conceito era usado também para significar o que chamamos hoje d e ação
ou energia. A palavra resistência, també m, podia indicar tanto ''força d e re-
sistência'' (embora ele não considerasse estritamente a resis tência do m eio
como uma força) como densidade ou viscosidade. Notemos que Aristóteles
estava procurando mais por uma descrição qualitativa do movimento (o mo-
vimento d evia ser explicado nos mesmos te rmos que as mttdanças de cor ou
da saúde física), o que explica o pequeno conteúdo quantitativo d e suas leis.
Ele escreveu que a precisão rigorosa da_Matemática não deveria ser exigida
em todos os casos, n1as som ente no caso das coisas que não possuem maté-
ria. Mas como toda a atureza possui matéria, conclui que o método a ser
l1sado nas ciências naturais 11ã.o era a Matemática.
Na obra Do Céu Aris tóteles estende seu s estudos para a região s upra-
lunar. Segundo ele o céu era constituído d e um quinto elemento, não gera-
d o e i11destru tível, que não exis tia na Terra e que estava sempre em movi-
111-e nto circular uniform e, ao qual ele d e u o nome d e éter, d erivado do fato
d e ''m over para sempre''. Dessa forma a região celeste era caracterizada
pe lo m ovimento circltlar tinifo rme. A forma d o cétt é por necessidade esfé-
rica, ele d iz, pois essa é a forma mais apropriada à s ua subs tância e também
pela s ua 11atureza primária. As estrelas são formadas d e é ter e não d e fogo.
O calor e luz que proced e d elas é ex plicad o p e lo atrito com o ar d evido ao
movi.m ente d e las. A Terra está ern rep ot1so n o centro d o Un iverso. As estre-
las mo,,e n1-se em círculos e1n torno d a Terra., mas ·n ão g ira.m e m torno d e
si mesmas, com o aco11 tece com a Lua, ele conclttiu errorleamente. Ele disse
que os pitagóricos, entre outros, ao dizere m qtte a 'l"'e rra 11ão estava no cen-
tro, não estavam procura ndo por teorias e causas que explicassem os fatos
observados, mas forçando s uas observações na tentativa de aco modá-las às
teorias e opi11iões d eles.
Em relação à queda dos corpos escreveu que, quando dois corpos d e pe-
sos diferentes caem, os tempos n.ecessários para eles percorrerem uma dada
distância serão inversan1ente proporcionais aos set1s pesos. Ele acreditava
que quanto ma is le,,c fosse um objeto, mais rápido ele subiria, e, inve rsa-
m ente, quanto mais pesad o, mais rápido cairia. Ele predisse corretamente
que todos os objetos cairiam com a mesma velocidade n o vácuo. Afirmou, 110

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50 - - - - - - -- - - - - - -- - - - Evo lução das idéias da Física

quando seus pensame ntos se transformaram em d ogm as. Nos séculos seguin-
tes surgiram várias críticas ao sistema aristotélico, principalmente em relação
à teoria d o movimento. Mas exemplos contrários entre resultados teóricos e
medidas experimentais não resultam, por si só, na rejeição de uma teoria, prin-
cipalmente quan.d o ela está basead a em um esquem a metafísico mais amplo,
como era o caso do conceito de m ovimento de Aristó teles. Os seus disdpulos
não eram ignorantes, eles acreditavam que as discrepâncias existentes entre
observações e teoria pod eriam, ultima mente, ser corrigidas satisfatoriamente.

A ciência grega depois de


Aristóteles e a ciência Alexandrina
De pois da morte d e Aristó teles, Teofrasto (371-286 a.C.) assumiu a li-
d erança d.o Liceu onde fico u por trinta e seis a nos. Foi quase tão produtivo
quanto seu pred ecessor, com g rande espírito d e crítica científica. Discordava
d e alguns pontos d a filosofia aristotélica, e m particular sobre a explicação
teleológica de que todas as ca racte rísti cas d o Universo serv iam para um p ro-
pósito identifi cável. Não acred itava na idéia d e q ue tudo te m uma fin.alidad e
e afirm ava a existê ncia de um certo elemento d e chance no mundo.
Estra ton (286-268 a.C.), sucessor d e Teofrasto, tinha i11teresses tão am-
plos qLtanto Aristóteles e Teofrasto, porém seus trabalhos não sobre\1iveram
intactos. Dedicou.-se ao estudo da Natureza, construindo eqt1ipamentos e
fa zendo observações expe rime ntais especifi camente destinad as a testar al-
gumas d as hipóteses por ele aventad as (tais como a de que existe um vácuo
descontínuo). Pro pôs uma revisão fundam ental d a teori a de movimento de
Aristóteles, negando a d istinção entre corpos leves e pesad os (arg u1nentou
qtte todos os corpos tinham peso). Acreditava ta mbé m que a velocidade d os
corpos pesad os a umenta va quando eles caíam.
Com a morte d e AJexandre Magno em 323 a.C. a civilização helênica ch.e-
gou ao seL1 termo, dando lugar a uma nova forma
d e civilização baseada num misto de elementos
gregos e orientais. A essa nova civilização, que
se estendeu aproximadamente até o início da era
cristã, foi dado o nome de helenística. AlgLms
autores consideram essa época a mais brilhante
da história da ciência antes d o séc XVII da nos-
Alexandre e Aristóteles sa era. Os conhecimentos científicos foram mais

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54 - - - - - - - - - - - - -- - - - - Evolução das idéias da Física

dadas usando apenas geometria. É bem conhecido o seu famoso princípio,


que em ling uagem mod erna diz: um corpo sólido subm.e rso em um fluído
ficará sujeito a uma força igual à diferença entre seu p eso e o peso d o fluído
d eslocad o. Ele foi considerado o maior d os matem áticos antigos e o fundador
da Mecânica. Mas trato u a Mecânica de un1a maneira inteiram ente geomé-
trica, u.sand.o n oções de distância.s e p eso, ond e peso era considerad o como
uma noção primitiva, sem qualquer análise p osterior. Dentro d as s uas contri-
buições à Matemática cons tam os procedimentos para o cálculo de áreas de
figuras planas limitadas p or linhas curvas e volumes d e corpos, tais com o a
esfera, o cone e o cilindro.
Embora 11ão tendo passad o p or Alexandria, um importante persona-
gem no prim eiro séc VI a.C. foi Posidorúus. Ele n asceu n a Síria, d e pais g re-
gos, mas estudo u em Aten as. Teve grande influên cia sobre a comunidade
inte lectual romana através d e vários de seL1s pupilos. Explicou o fenôm e110
das m arés com o a m anifestação de forças p ermeando tod o o espaço, forças
essas que eram comple tamente dife rentes d o co11ceito aristotélico. Para ele
força era urna corresp ondência mútua d e ação, uma ''simpatia'' entre corpos.
Escritores ro rnanos, com o Ploti11us e Cíce ro, redu zira m a idéia de ação à dis -
tân cia à ''si mpatia'' e o concei to fo i u sad o p ara dar suporte à Astrologia.
O último cientista em Alexandria foi Hipácia, m atem ática e astrôn o ma,
q ue no ano 415 d .C., em um.a revolta antigrega organizada p elo bisp o Ciri-
lo (mais tarde canonizado), foi esfolad a v iva e esqL1artejada; a biblioteca foi
comple tamente d estruíd a.

Ptolomeu

Não se sabe ao certo onde Cláudio Ptolo-


meu nasceu. Provavelmente no Egito. As datas
de seu nascimento e morte também são incer-
tas, embora o ar10 100 d a era cristã seja toma-
do como o ano de seu 11asci111ento. Seu liv ro
mais importante chamado inicialmente de Os
13 livros dn composição n1ate111áticn de Clnudiits
Ptolo111eu, passoLt a ser conl1ecido m ais tarde
com o Megale Sintaxi (A grande composição).
Quando traduzido para o ára.be recebeu o __ .,,./

nome de al-111egiste, e ao ser reintroduzido na •

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58 - - - - - - - - - - - - - - - -- - Evolução das idéias da Física

imagens em esp elh.os planos, esféricos e cilíndricos. Usou um disco, com su.a
circunferência marcada em graus, para medir os ângulos de incidência e re-
fração. Apresentou uma tabela para esses ângulos para o caso onde raios de
luz iam do ar para a água, do ar para o vidro e da água para o vidro, mas não
chegou a escrever uma fórmula m.atemática que expressasse seus resultados.
H oje sabemos qt1e a idéia de Aristarco estava correta e a de Ptolomeu
não. Mas a partir daí não podemos dizer que a ''teoria'' do primeiro era supe-
rior a do último. Uma teoria para ser levada a sério precisa explicar, se não to-
dos, pelo menos a maioria dos fatos conhecidos, fazer previsões e ser expressa
em uma forma matemática. O modelo de Ptolomeu preencl1ja, em parte, esses
requisitos. Mesmo hoje se alguém apresentar uma idéia (por exemplo, que a
velocidade da lu z varia com o tempo) e não apresentar uma razão pela qual
ela acredita nisso, não fa zer previsões que possam ser verifi cadas experimen-
talmente e não formular um modelo preciso n ão será levada a sério. Mesmo
que no futuro venl1amos a descobrir que esse alguém tinha razão, o fato ob-
jetivo é que teve apenas uma idéia. Existem hoje centenas de idéias. Possivel-
mente poucas, ou até muitas, podem se mostrar corretas, mas não tem os corno
averig u a r qua is são corre tas se fore1n a p eI1.as isso: u 1na idé ia.

Figura 1. 1. Alguns dos


dispositivos usados por (a}
Ptolomeu: (a) excêntrico; p
(b) epiciclo (e) órbita
de mercúrio; (d) geração
do movimento retrógrado; T
(e) igualante (o centro
E
do epiciclo move-se to/
que o ângulo aumento
uniformemente com o tempo).

(e) (d) (e)


T I

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62 - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução das idéias da Física

Nele, entre outras coisas, ele refuta a teoria aristotélica do movimento, criti-
cando a teoria de movimento de um projétil e a alegação de que um objeto
pesado cai com a velocidade proporcional ao seu peso.
Uma centena de anos depois da morte de Maomé em 632 d. C., qu.a se a
tnetade do mundo civilizado estava sob a dominação muçulmana. O impé-
rio sarraceno estendeu-se das fronteiras d a Índia até o Estreito de Gilbratar
e os Pirineus. Em 762 d .C. foi construída Bagdá a capital do Império Ára-
be e no ano 800 d.C. Haroun Al-Raschid fundou nessa cidade uma escola
de ciência. Nos sécs VII e VIII a corrente muçulmana colheu os restos da
,
filosofia e ciência grega na Asia m enor e Alexandria, levando-os para a
Europa. Do ano 800 até 1300 d..C. o árabe foi a língua dominante na Ciência
e Filosofia, como o grego o havia sido nos séculos preced entes. A partir do
séc Xll, começaram a surgir fragme11tos de trabalhos de Arquimedes, Eu-
clides, Aristarco e Ptolomeu.
Os eruditos árabes estudaram e traduziram os manuscritos gregos sal-
vos das bibliotecas helênicas, que foram parcialmente destruídas, desen vol-
,,
verain a Algebra, e introduziram. os algarismos arábicos qt1e tornavam as
operações aritméticas mais fáceis de serem realizadas do que com o sistema
roma110. Havia, naquela época, dois sistemas rivais em Astronomia. Um era
o sistema de esferas hom ocê11tricas de Etidoxo e Calipus, adotado por Aris-
tóteles. Teorias homocê11tricas não reproduzem completamente os detalhes
dos movimentos planetários e são incapazes de explicar a variação de brilho
dos planetas. Essa variação era explicada como uma conseqüência da varia-
ção das distân cias e.n tre os planetas e a Terra, mas um modelo homocêntrico
por st1a própria natureza excluía tais distâncias variáveis. Como resultado
desses pro.blemas esse modelo foi suplantado pelo outro de Hiparco e Pto-
lomeu, mais fl exível, m as mais complicado. Esse modelo tem a virtude de
tecnicamente prodt1zir boas prevjsões de fenômenos astronômicos, mas ao
custo de uma suposição - que L1n1 corpo celeste pode ter movime11to circu-
lar uniforme em torno de um ponto outro qLte o centro d a Te1·ra. Alguns
astrônon,os árabes tentaram modificar o primeiro sistema, introduzindo
m.a is esferas para melhorar o acordo com dados de observação. Outros se
dedicaram ao sistema de PtolomeLt, fazendo algumas correções, com o deixar
que os epiciclos rolasse1n em torno de seLts deferentes. Algttns astrônomos
islâmicos, como Averroes (Ibn Rushd, 1126-1198) questionaram os modelos
geo'l11étricos que Ptolomeu inventara, alegando qLte ele não se ative1·a próxi-
mo da filosofia aristotélica, especialmente em relação ao movimento circular
uniforme. Os árabes desenvolveram a trigonometria esférica, inclt1indo o

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66 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução das idéias da Física

dizer que o Universo foi criado (isto é, d ep ende de um p od e.r criativo divi-
no para sua existên cia), mas no entanto, ex iste eterna mente. Escreveu que a
origem d o nosso conhecim ento está nos sentidos, mesm o p ara as coisas que
transcendem os sentidos.
Tomás rejeitou o argumento ontológico (ontologia é o estudo d as caracte-
rísticas básicas da realidade), formulado pouco m ais de um século antes de seu
nascimento por Santo Anselmo, que afirmava que a idéia de Deus é a maior que
p odem os con ceber. Se essa idéia não existe, deve l1ave r t1ma id.éia runda maior
como ela que também inclua o atributo d a existência. Assim, a maior de todas as
idéias deve existir, do contrário un1a idéia ainda maior seria possível.
Tomás re futot1 a idéia d o v ácuo com o m esm o arg umento usado por
Aristóteles: um corpo colocad o em m ovimento no vácuo continuaria a se
m over indefinid amente. Mas disse que isso seria possível em um vácuo hi-
p otético. Ao contrário d e Aristóteles, afirmou que o movimento n o vácuo
exigiria um tempo não 11ulo, pois para ir d e um po11to a o utro o corpo de-
veria p ercorrer a distância interveniente. Acredita\ra, todavia, que mesm o
um m ovimento n o vácuo exigia a ação d e uma força e d e uma resistência. A
resistê n cia e ra fornecida. p elo corp1,1s quar1ti11n o Lt ta m a nho o u dimen são do
corpo. Mas uma vez colocado e m movimento no ,,ácuo o corpo conti11uaria
a se m over p ara sempre.
Roger Bacon (1220-1292), filósofo fra11ciscano e reformad or ed.ttcacio-
nal, n egou que ta r1.to a razão com o a autoridad e pudessem fornecer conhe-
cimentos válidos, a 11ão ser quando b asead os na p esquisa experimental. Fez
trabalhos importar1tes em ó·p tica rclacio11ados com le11tes d e aumento . Foi
o p r imeiro a t1sar expli citam ente a palavra leis da Natureza n o seu sentido
m od erno, quand o falou d e leis de reflexão e re fração. u ·sou o termo lei para
d escrever regularidades n a N atureza da m aneira como l1oje o fazem os. Se-
gundo Bacon tod o ser fi11ito era composto d e matéria e forma. Os obje tos do
Universo, ernbora distintos uns d os outros quanto às su.as substâncias, eram
unidos em urna red e imensa d e ações e reações recíprocas. Para explicar a
prop agação d essas '' forças'' usou o termo ''esp écies'', um con ceito obscuro
que n ão chegou a ter uma d efinição precisa. Ele afirmou que a espécie não
era emitida pelo agente, p ois se o fosse o agente seria even tualmente consu-
mido pela emissão. O agente excitava a atividade poten cial d o m eio entre ele
e o paciente e finalmente a ativ idade potencial do pacie11te. O agente a tua-
va naquela parte d o meio que era adjacen_te a ele e esta parte, por sua vez,
transmitia a esp écie p ela estjmulação da energia latente d as p artes adjacen-
tes e assim p or dia nte. A transmissão d a força era uma espécie d e reação e.m

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70 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução das idéias da Física

Jean Buridan lembrou que os astrônomos observam movimentos relativos


em vez de absolutos e um possível movimento rotacional da. Terra não mu-
daria os cálculos astronômicos. Disse que não perceberíamos um movimento
rotacional da Terra da mesma forma que uma pessoa em um navio em movi-
mento, ao ·p assar por outro navio em repouso, não poderia dizer qual navio
está em repouso e qual está em movimento. A afirmação de que a Terra está
em repouso ou movimento 11ão poderia, portanto, ser feita apenas a partir
de observações celestes, mas sim usando argumentos físicos. Em seguida
diz que, ao lançarmos uma pedra para cima em uma Terra em movimento, a
pedra não volta ao ponto de lançamento, pois enquanto ela está no ar a Terra
terá se deslocado sob ela. Como uma pedra se.m pre retoma ao ponto de par-
tida, podemos afirmar que a Terra não se move.
Alguns anos mais tarde Nicolau de Oresme (1325-1382), bispo ca tó-
lico, economista e matemático, refuto11 o argumento de Buridan, usando
o mesmo argumento d o movimento relativo de navios. Ele disse que em
uma Ter.ra girando, enquanto a pedra está se movendo verticalmente para
cima e depois, verticalmente para baixo., ela também está se movendo ho-
rizontalmente. Assim, a pedra tem dojs movimentos simultâneos, vertical
e horizontaJmente circular e permanece sempre acima do local de onde foi
lançada. Ilustrou esse argumento com um exemplo em um navio similar ao
que Galileu usaria anos mais tarde.

Se um homem estivesse em um navio movendo-se rapidamente


na direção leste sem saber do movimento., e se ele deslizasse
sua mão em uma linha reta para baixo ao longo do mastro,
pareceria poro ele que suo mão estaria se movendo em um
movimento retilíneo, assim, de acordo com essa opinião nos
parece que o mesmo coisa acontece com uma flecha que é
lançada diretamente para baixo ou para cima. Dentro do navio
pode haver todo tipo de movimento- horizontal., em zigue-zague,
para cima, para baixo, em todas as direções - e eles parecem
ser exatamente o mesmo daqueles em que o navio estivesse em
repouso. Então, se um homem neste navio caminhasse para oeste
menos rapidamente do que o navio estivesse se movendo para
o leste, pareceria para ele como se estivesse se movendo para
o oeste quando no verdade estaria se movendo para o /este, e
similarmente como no coso precedente, tod os os movimentos
pareceriam o mesmo como se o Terra estivesse em repouso 1•

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74 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução das idéias da Física

Oresm e d e m on strou, em torno d e 1350, p or m eios geom étricos, o


teore ma fortnttlad o p elos sábios d e Merton (co nsiderad o p or alguns his-
toriadores como uma das contribuições me dievais m a is impo rtante para
a his tória d a Física), que diz que um co rpo m ovendo-se com m ovimento
uniformemente acelerado p ercorre a mesma distância em um dado tempo
que aquele que ele percorre.r ia, caso se m ovesse com mo\1im.ento uniforme
com velocidad e ig u a l à velocida d e média. A d em on stração é s i.m ples. O
m ov ime11.to, n o primeiro caso é representad o p elo triâng ulo A GC na fig ura
2.4, e sua velocidade méd.i a p elo segm ento EB. O m ov imento n o segundo
caso é representa d o p elo re tân g ulo AFDC. Com o a área d o triângt1lo A GC
é igu al à á rea d o retân gt.110 AFDC, e a dis tâ ncia p e rcorrida é prop orcio11al
à á rea, o teore ma fica d em on stra d o . D a figura 2.4 p od em os d em ons trar
também outro teorem a d a escola d e Merto.n , qu e diz que a dis tância p e r-
cor.r ida na primeira n1cta d e d e um m ovimento uniformem ente acelerad o
é ig ual a ttm terço d a distância p e rcorrida na segunda n,e tad e (a ár ea d o
qua driláte ro BEGC é três vezes a á rea d o triân g ulo A EB). O resrne gene rali-
zou essa relação ao indica r qu e as dis tân cias p erco rridas em intervalos d e
te mpos igtta is, s u cessivos, c m um 1nov i1n.e nto u11iforn1.em e 11-te acele r a d o
estão entre si na razão 1:3:5, etc. (a série d e números ímpa res com eçando
com 1), o que po d e ser facilmen te d em on strado con sid erando a área sobre
a curva em cada intervalo d e tempo . Desse teorem a segL1e-se um rest1ltad o
importante. Con sjderem os cad a segm ento AB, BC, ... (n o eixo do tempo e
estendendo a figu ra 2.4) como ig ual à unida d e d e tempo, e o triângulo AEB
com o unidad e d e dis tâ ncia . No primeiro interv alo d e tempo tem os, p o r d e-
finição, t = 1, d = 1. No segundo inter\ra lo t = 2, d = 4 (a som a d as áreas n os
d ois inter valos), no terceiro t = 3, d = 9, m os trand o que a d istân cia p ercor-
ri.d a é pro porcion a l ao qu adrad o d o tempo. 01.1tra contribuição d e O resm e
foi a dis tinção entre velocidad e linear e velocidad e an gt1lar. Escreveu que
em um n1ovime nto circul a r a velocidade linear med e -se pela distâ11cia. line -
ar que o corpo percorre, mas a velocidade rotaciona.l indica-se mediante os
ângulos d escritos ao re d or d o centro d o m ovimento.
Os fil ósofos med ievais lidava m com os proble mas relacio nad os ao
m ovimento d e uma mane ira hipo tética sem fazer qua lquer tentativa p a ra
relacion á-los com m ovim.entos reais n a Na tureza. M as é jus to di zer que
n a quela ép oca seria muito difícil, p o r exemplo, d e terminar exp e rimen-
talme nte se um d ad o m ovimento era unifo rmem ente acelerad o ou n ão.
N o enta11to, n os m ead os d o séc XVI o esp anhol D omingo d e Soto (1 494-
1570) associou o conceito d e m ovimento uniform,e m ente acelerad o com a

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78 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolu~ão das idéias da Física

que o in1peti1.S era adquirido, limitava a velocidade do corpo. Foi ele, apa-
rentemente, o primeiro a fazer uma distinção, embora de maneira intuitiva,
entre massa e peso. Complementando a tese de Aristóteles, propôs que era
o centro de gravid ad e de um corpo que aspirava alcançar o centro do Uni-
verso. Disse que quando um homem caminha na superfície da Terra sua
cabeça move-se mais rapidamente do qt1e seus pés.
Oresme continuou o trabalho de Buridan, mas acreditava que o i1npe-
tus se consumia por si mesmo e dependia da aceleração e da velocidade do
corpo. Mesmo os adeptos da teoria do impetus acreditavam porém que um
projétil se movia em linha reta até que essa força tivesse exaurido, e só então
se encurvava rapidamente caindo verticalmente para o solo. No final do séc
XIV Blasius de Parma, estudando choques de corpos, rejeitou a teoria do
impetus e falott da persistência do movimento:

E isto é evidente porque quando um corpo pesado e ncontra


um corpo rígido e rebate em uma direção contrária,
uma qualidade tal como o movimento não pode ser
destruída instantaneamente 5 •

Como elementos leves e pesados, acreditava-se, d eviam por s uas


pró prias naturezas, se mover cm sentidos opostos e como havia surgido a
prá.tica de d esigna r graus a cada um dos elementos (terra, água, ar e fogo)
em um corpo composto, chegou-se à idéia de l1ue peso e leveza eram
forças atuando em sentidos contrários, ou seja, qualidades dentro d e um
mesmo corpo composto. A qualidade com o número maior de graus era,
portanto, designada de força motriz e sua oposta d e resistência i11terna.
Na queda de um corpo, peso e leveza funcionavam como força m.otriz e
resistência interna respectivamente. No movimento para cima os papéis
eram invertidos. Se dois corpos com.postos eram com parados tais que em
um o peso excedesse à leveza d e seis para dois e em outro de seis pa1·a
qua.tro, era razoável s upor que o corpo con1 menor grau de leveza cairia

com maior velocid ade.


Dentro do co·n tcx to da física medieval e restrito aos corpos compos-
tos, a resistência interna parecia ser a maneira mais razoável de justificar
o movimento natural no vácuo. A partir daí um resultad o interessa nte
foi d erivad o por Thomas Brad.wardine (1290-1343) matemático d o Co-
légio de Merton e arcebispo de Canterbury. Ele concluiu que dois cor-
pos homogêneos de tamanhos difere ntes e, portanto d e pesos diferentes,

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82 - - - - - - - - - - - - - - - -- - Evolução das idéias da Física

Neste ponto se faz interessante a apresenta.ção de um tema curioso do


ponto de vista histórico. Quando astrónomos árabes no séc IX compararam
suas observações com aquelas de Ptolomeu, fizeram duas descobertas im-
portantes: uma verdadeira a outra falsa. Primeiro, en contraram que a obli-
qüidade da eclíptica era menor do que tinha sido antes. Segundo verificaram
que a taxa de precessão dos equinócios era mais rápjda. O fenómeno da pre-
cessão variável, cl1amado de trepidação, originou-se em erros de observação,
passad os através de gerações de astrónomos entre Ptolom.eu e Copérnico.
Copérnico aceitou o fenómeno como verdadeiro e montou um mecanismo
elaborado para explicá-lo (como veremos no capítulo seguinte). Tycho Brahe
(de quem dou mais deta1hes no próximo capítulo) foi o primeiro a perceber
que os moviJnentos complexos das estrelas fi xas não eram reais, mas advi-
nham da falta de apreciação para os erros de observação. Um mecanismo
foi proposto para explicar essas mudanças. O astrón·o mo Thabit ibn Qurra
envolveu a oita\ra esfera com uma nona esfera, que foi chamada de ''pri-
mus mobile''. Lembremos que a esfera das estrelas fixas, ou firmamento, era
a oitava. O Sol, a Lua e os cinco planetas conhecidos ocupavam as esferas
inferiores. A nona esfera, na teoria de Thabit, era a responsável pela rota-
ção diária do cosmos, cujo movimento ela comunicava às esferas inferiores.
Tl1abit sugeriu que os equinócios (aparentes) da oitava esfera moviam em
círculos pequenos centrados nos equinócios (verdadeiros) da nona esfera. O
efeito desse movimento oscilatório, ou trepidação, era aumentar e diminuir
alternativamente o movim,ento de precessão da nona esfera. No séc Xlll a
precessão total desde o tempo dos antigos gregos chegou a um valor gran-
de o suficiente para fazer do movimento proposto por Thabit difícil d e ser
mantido sem mudanças e um,a precessão estacionária foi proposta. A super-
posição de um ''movimento oscilatório'' a um movime11to estacionário para
frente dava origem à taxa de precessão ,,ariável. Como na física aristotélica
um co.r po podia ter somente um movimento, a adição de uina precessão es-
tacionária exigia a introdução de uma décima esfera. Assim, o movimento
da oitava esfera era a trepidação, o da nona a precessão e o da décima a rota-
ção diária. Posteriormente uma décima primeira esfera, h.a bitada por Deus e
seus eleitos, foi acrescentada.
É importante dizer que a Astronomia tinha em geral pouca conexão
com a Cosm.ologia, havendo uma clara distinção entre esses dois ramos do
conhecimento. A Astronomia era uma disciplina técnica relacio11ada com a
observação e a análise matemática do movimento dos corpos celestes. A Cos-
mologia, por outro lado, era o d omínio dos teólogos e filósofos naturais, que

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A Nova Astronomia

ar próximo e os objetos nele compartilhavam com a Terra seu movimento de


rotação. Segundo ele, as nuvens e as pedras que caem mantêm o passo com
a Terra porque participam do atributo metafísico de . .' terranalidade'', sendo-
lhes pois natural o movime11to circular. Em relação à gravidade escreveu :

Eu penso que o gravidade nodo mais é do que uma certo


tendência natural implantado nas partes pelo divina
providência de um Artesão universal, paro que elas se unam
umas com as outros em um todo e ver1ham o se jur1tor em formo
de um g/obo 2•

Copérnico considerava a gravidade como uma disposição d.a matéria de


se agregar em uma esfera. A teoria aristotélica implicava o contrário; a. Terra
era esférica devido à tendência da matéria de se agregar tão próxima de seu
centro quanto possível. Ele percebeu que outros corpos celestes além da Terra
- o Sol e a Lua, por exemplo - possuíam a v irtttde da gravidade, mas não quis
dizer com isso que a Terra, o Sol e a Lua estivessem unidos em um sistema
gravi tacional universal. Ele acreditava que um objeto terrestre almejava se
dirigir para a Terra mesmo se tivesse sido levado para a superfície da Lua.
Mas o principal problema é que h avia um conflito entre seu modelo e
a física da época. A rejeição da física aristotélica deveria ser acompanhada
pela formulação de uma alternativa. Copérnico não criou uma física r1ova
que substituísse a física aristotél ica e teve, assim, que usar os princípios de
Aristóteles. Manteve o axio1na segundo o qLtal o m.ovime·n to observa.do dos
planetas deve ria ser explicado por movimentos circulares uniformes ou pela
combinação desses movimentos. E nessa filosofia o n1ovirnento da Terra é
co11trário à sua natureza. Se ele considerasse a Terra simplesmente como ou-
tro planeta ele ia de en co11tro à afirmação de Aristóteles de que a Terra e os
planetas eram feitos de m atéria distinta e estavam sujeitos a diferentes tipos
11
de lei. Ele postulou, então, que a rotação é natural para uma esfera' e como
1

a Terra é esférica ela deveria gi1·ar (mas o Sol é esférico e, em seu modelo,
não girava). O movimen to natL1ral, disse, não pode conduzir a resultados
violentos. O movimento natural da Terra é girar; tendo formato esférico 11ão
pode deixar de girar, sendo-lhe a rotação um.a conseqüê11cia natural de esfe-
ricidade, assim como a gravidade é o desejo n.atural de esfericidade.
Copérnico apesar de radical em relação à sua hipótese era um conserva-
dor n.o s detalhes técnicos da astronomia. Acreditava, como outros astrônomos
o haviam feito antes, qLte o eixo de rotação de um planeta estava fixo no seu

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A Nova Astronomia

financeiro, para a construção d e um observatório que continha os melhores e


mais caros instrumentos astronómicos daquela época. O observatório tinha
também relógios, globos, quadrantes solares e estátuas que giravam movidas
por mecanism os ocultos. Na ilha haviam também. reserva d e caça, aquário,
uma tipografia, fábrica de papel e uma cela para os súdi tos insubordinados.
Tycho passot1 a receber uma pensão anual que faria de suas rendas uma das
mais altas da Dinamarca. Ele chamou o observatório d e Uraniburgo, em ho-
menagem a Urânia, a musa da Astronomia. Visitado por sábios de toda a Eu-
ropa, Tycho e setts assiste11tes fizeram observações astronômicas extremamen-
te precisas durante vinte anos. Segun.d o Koestler, Tycho constitui uma exceção
entre os gênios sombrios, torturados e neuróticos da ciência. Não foi um gênio
criador, mas um gigante da observação precisa. Frederico morreu em 1588 e
seu filho Cristiano IV não continuou o apoio dado à Tycho. É verdade que ele
se tomara arrogante, exigente e se.m levar à frente as tarefas civis exigidas em
troca d a quantia recebida d os cofres públicos. Ele d eixou a ilha em 1597 e, d e-
pois d e algumas paradas, se estabeleceu em Praga em 1599 sob o patrocínio do
imperad or Rodolfo II. Lá continuou suas observações, até sua morte em 1601,
com os poucos instrumentos que havia trazido de Uraniburgo.
Tycho catalogou com precisão m ais de 700 estrelas (onde m edidas
prévias tinl1am uma incerteza d e 1O minutos d e arco, seus dados eram da
ordem d e 4 minutos d e arco), e d e te rminou a p osição d e ca da planeta em
toda a extensão de suas órbitas. Levou em conta erros d ev ido às falhas
ins trumentais e corrigiu o utros d evid o à refração atmosférica. Melhorou a
eficiência d os instrumentos com vá rias técnicas inovad oras. Suas m edidas
e ram tão sistemáticas quanto precisas . Ele obser vou o céu continuamente,
tomando o cuidado (ao contrário d e seu s antecessores) d e anotar os m o-
vim entos e posições d os corpos celestes d e mar1eira coerente. Resolveu
um engano d e 700 anos (mencionado no capítulo II) sobre a na tureza d o
d ecréscimo da obliqüidade da eclíptica. Do ponto d e vista da m ecânica
celeste m od erna ela se d á por conta d e um d esvio d o plano da órbita da
Terra em torno do Sol causado pela ação gravitacional dos o utros plane tas
sobre a Terra. O fenó meno era conhecido d esd e o séc IX (com o já foi m en-
cionado), mas acreditava-se erroneam ente que era d evido a um d esvio
da oitava esfera em relação ao equador celeste, em vez d e um d esvio da
eclíptica em relação ao equado r e ao conjunto das estrelas fixas. Não tendo
conseguido observar a paralaxe estelar, Tycho pro pôs um novo m od elo
plane tário onde a Terra estava no centro, o Sol e a Lua giravam em torno
da Terra, enquanto que os outros cinco plane tas g iravam em to rno d o Sol.

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A Nova Astronomia

sólidos perfeitos e cinco intervalos entre os planetas. Aquilo não podia ser
um. acaso, pen sou Kepler. Na órbita de Saturno, inscreveu um cubo; e no
cubo outra esfera, que correspondia à esfera d e Júpiter. Inscreveu n esta o
tetraedro, e nele inscrita a esfera d e Marte. Entre as esferas de Marte e da
Terra colocou o d odecaedro; entre a Terra e Vê11us o icossaedro; entre Vê-
nus e Mercúrio o octaedro. Estava fi11almente explicado p orque existiam
seis plaT1etas e n ão vinte ou cen1. No di zer de Koestler 3, naquele momento
''tivemos o privilégio de testemunhar um dos ra ros exemplos registra-
dos d e falsa inspiração e supremo embuste'' . A compo11ente ·p latônica e
pitagórica na concepção d e Kepler da h armonia celeste, embo ra tendo
origens místicas, o ajudou a chegar às leis que agora têm o seu nome.
A_p resentou sua teoria d e então 110 Myster·iu.rn Cosn1ogrnpliicurn em 1596
quru1do tinha vinte e cinco an os. Quando escreveu o li vro ele n ão estava
procurando p or leis física s abstratas, m as tentat1do explicar as razões pe-
las quais Deus criara o U11iverso com um Sol e seis planetas tnovend o-se
em torno dele com velocidades e órbitas específicas.
Para explicar o fato de que as distâncias de cada pl a11c ta ao Sol va-
riam dentro de certos limites (ele ainda 11ão havia descoberto que as órbi-
tas eram elípticas) deu. a cada planeta uma carapaça esférica de espessura
suficie11te para aco1nodar as órbitas entre as s·u as p aredes. Co1n o havia vá-
rias discrepâncias entre seu modelo e os dados observados colocou a culpa
nos dados. Pa.r a explicar porquê a velocidade dos planetas dirni11ui com a
distância, postulou que deveria l1aver uma força. emanada do Sol, que ele
ch amou de a11itna rnotrix, que conduzia os pla11etas 11as su as órbitas e que
diminuía com a distância, como a lu z o faz (para ele a força era uma e11tida-
de não substancial, emanada d e ttm corpo substancial). Pela pri1neira vez
d esde a antiguidade fazia-se uma tentativa para atribuir uma causa física
ao movimento dos plan etas. Lembremos que no sistema copernj ca"n o, o Sol
não tinha qualquer influência física nos movimentos d os planetas. Kepler
colocou, assim, o Prin1eiro Motor de Aristóteles no Sol. Ele foi o primeit·o a
reconhecer qtte forças entre os corpos eram ca Ltsadas 11ão pelas sttas posi-
ções relativas ou configurações geométricas, mas por interações n1ecâ,n icas
entre os objetos m ateriais.
Sua primeira te11tatíva pa ra relacio11ar as di stân cias d os planeta.s ao
Sol aos p eríodos d e rotação fora m desajeitadas. De qualquer forma, ele
não poderia ch ega r a um resultado corre to: alg un1as das distât1cias qu e
ele u sou estavam errad as . Represe11tando os p eríodos de rota.ção d e um
planeta e daquele im.edi atam ente superj or p or 1·, e T 5, e suas d.istân cias

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102 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução das idéias da Física

o objetivo da Astronomia não é só ''salvar as aparências'', mas também for-


necer a estrutura verdadeira do cosmo. Além dos trabalhos em Astronomia
e vários ensaios lidando com cronologia, Kepler dedicou anos preparan-
do para publicação as tabelas astronômicas compiladas de suas próprias
observações e daquelas de Tycho. A despeito de dificuldades financeiras
e conflitos religiosos elas finalmente apareceram em 1627 com o título de
Tábuas Rodolfi-,1as. Esses dados foram usados para o cálculo de calendários
com uma precisão nunca antes alcançada. Naquela época, a oposição ecle-
siástica ao heliocentrismo havia se intensificado. Os protestantes condena-
vam as idéias copernicanas mais qt1e os católicos, mas não possuíam uma
instituição comparável à Inqt1isição que exercesse um controle do pensa-
mento, e por essa razão Kepler não foi m olestado.
Em 1630, com a Europa assolada pela Gue.r ra dos Trinta Anos, Kepler
deixou sua farm1ia em Sagan, na Silésia, para onde havia se mudado três anos
antes, e seguiu viagem na tentativa de receber parte do dinheiro que lhes de-
viam o imperador e os Estados Austríacos. No caminho parou em Ratisbona,
onde estava reunida a Dieta (assembléia religiosa) sob presidência do impera-
dor. Pouco depois da su.a chegada ficou doente e morreu em 15 de novembro.
Kepler, possivelmente, foi a primeira pessoa a escre·v er um romance de
fi cção científica sobre extraterrestres. Em Sornniun-z, escrito em 1609, relata so-
bre uma viagem à Lt1a que era habitada por duas raças difere11tes. Embora ele
fosse respeitado como astrônon10, o sigr1ificado e implicação de seu trabalho
não foram reconhecidos de imediato. A maioria d.os astrônomos estava tão
imbuída com a idéia de movimento circular que não ficaram impressiona-
dos com as descobertas dele. Por outro lado, não era fácil localizar suas três
leis no emaranhado de seus escritos. As leis, que não são chamadas de leis
por ele, são apresentadas, sem qualquer destaque, no meio de especulações
relacionando harmonia musical com o movimen.to planetário, especulações
sobre a arquitetttra geo.m étrica do Universo e sobre a dinâmica celeste. Elas
não eram especialmente importantes para ele, sendo apenas três e11tre várias
relações matemáticas para descrever os movimentos planetários.

As leis de Kepler
O modo pelo qual Kepler ch egou às suas duas primeiras leis, que po-
demos consid.erar como as primeiras leis no sen.t ido moderno, é descrito
em A Nova A s troriornia e recontado por Koestler4 e Stephenson 5 • Aqui vou

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104 - - - - - - - - - - - - - -- - - Evolução das idéias da Física

Figuro
,
3.2.
Orbito circular de Morte em
s torno do ponto C. 5 é o Sol e
E o igualante.
e
E

Com as três inovações acima Kepler eliminou vá rias complicações d o


sistema d e Copérnico. No sis te ma copernicano se faziam necessários cinco
epiciclos para explicar o movimento de Marte, no m odelo d e Kepler basta-
va um único círculo excêntrico. O problema agora era d eterminar o raio da
órbita, a posição d o Sol S, o centro de rotação C, o igualante E e a direção
(relativa às estre las fixas) da li11ha ECS para Marte (figura 3.2). Ao contrário
de Ptolomeu, Kepler não considerou, de início, que a distân cia CS fosse igual
à distância CE. Segundo Koestler, os cálculos de Kepler, com let"ra pequena,
ocuparam 11ovecentas pág inas e levaram alguns anos para serem feitos. Não
conseguindo ajuda de outros tnatemáticos e astrônomos, fez os cálculos sozi-
nho. Com ete u alguns erros que, por sorte, cancelaram-se uns aos outros.
Para o cálculo d os p arâm e tros d o m od elo se faz iam n ecessárias quatro
observações, feitas q11ando a Terra estivesse dire tam ente em uma litilia entre
o Sol e o pla11eta observad o, p ois estava calculando a posição d e Marte em
relação ao Sol a partir de observações feitas n a Terra. Kepler usou quatro po-
sições d o plan eta Marte das d ez observad as po r Tych.o. A partir d o modelo,
assim estabelecido, predisse C)S d ez resultados d e Tycho, e mais dois obser-
vados p or ele, com t1ma precisão d e cerca d e dois minutos.
A teoria fornecia a lo11gitudc (lon gitude é a distância angttlar de um corpo
celeste, n o plano da eclíptica, a partir de um po11to de referência) correta, mas
não fornecia a posição espacial correta para o planeta. E·m un1a tentativa .p ara
obter as distâncias reajs, Kepler usou então a hipótese (usada por Ptolomeu em
seu modelo geocêntrico) de qt1e as distâncias do igualante e do Sol, ao centro d e
rotação, eram igt1ais. Este modelo produziu as distâncias reais razoavelmente
bem, mas não forneceu tão bem as longitudes. Na verdade, a d iscrepância p ara
as longitudes aumentou para oito rni11utos. Kepler, cormecendo a p recisão das
observações de l ycho, não podia ignorar erros com esses valo res.

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106 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução dos idéias da Física

simplicidade continuarei usando a palavra velocidade). Ele escreveu: ''A ra-


pidez no periélio e a lentidão no afélio são prop orcionais aproximadamente
às linhas traçad as do Sol até o planeta'' . Apesar dele ter afirmado que a ''lei
das distâncias'' valia aproximadamente nos apsides, ela é exata para o caso
de uma elipse. Fora das apsides a lei não se aplica.
Depois generalizou incorretamente a lei para toda a órbita porque acha-
va que ela era fisicamente \rerdadeira, mas mais tarde a deixou de lado. In-
ventou uma força que, parecida ao uso de uma vassoura, ''varria'' o planeta
n.a órbita circular. Supôs que o Sol girava em torno d o seu eixo e a força
emitida (que se prop agava instantaneamente) girava com ele e ''varria'' os
planetas, os qu ais não tinham a mesma velocidade angular devido à inér-
cia ou ''preguiça'' deles e que desejavam ficar no mesmo lugar resistentes
à ''varredura''. O poder da força de ''varredura'' diminuía com a distância
e assim a capacidade de vencer a ''preguiça'' diminuía também, levando os
planetas mais dis ta11tes a se n1overem com velocidades menores. Foi o intro-
dutor da p alavra inércia na física do movimento, m as para ele essa palavra
(que em latim sig11ifica preguiça oti i11diferença) implicava primariamente
que a matéria não podja por si só começar a se mover ou, se cm movimento,
permanecer e1n m ovimento. Kepler acreditava que se a matéria dos corpos
celestes não fosse dotada com a inércia (algo similar ao peso, segundo ele)
nenhuma força seria 11ecessária para seu movimento, pois a menor força se-
ria suficiente para fornecer-lhe uma \1e locidade infinita. Esc.reveu que ''inér-
cia ou oposição ao movimer1to é uma ca racterística d a matéria; é mais forte
quanto maior a qu.antidade de m atéria em um dado volume''.
Em um livro sobre ótica, publicado em 1604, Kepler mostrara que a
intensidade da luz diminuía com o qt1adrado da distância. Ele acreditava
também que a força solar, da 1nesma forma que a intensidade luminosa, de-
caía com a distância, mas não se esparramava em todas as direções como a
luz solar o faz, e sim no plano da eclíptica de acordo com uma Jei diferente.
Chegou à essa idéia talvez pelo fato de qt1e todos os planetas têm suas ór-
bitas aproximadamente no mesmo pla110 (este p onto de vista é, no entanto,
contestado por B. Stephenson). Admitiu assim que a força solar diminuía
11a razão inversa da dístância. Segw1do Stephenson, Kepler acreditava nesta

prop t)rcionalidade por razões básicas. Na sua física, os plai1etas variavam


suas velocidades na proporção inversa de suas distâncias ao Sol: então aqt1i-
lo que os 1novia seguia a mesm a regra. A velocidade era, na física kepleria-
n.a, subentendida como proporcional à força. Sua con clusão estava errada,
mas o que importa é a sua procura por uma definição quantitativa de força .

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A Nova Astronomia

substituir o raio pela secante através d e toda a órbita e assin1 obter uma ór-
bita oval de formato correto. Substituindo o raio pela secante, Kepler chegou
a uma '' distância'' que não estava. ligada n.e m ao Sol nem ao planeta na sua
oval. Vou fazer referência à fig ura 3.3, onde temos um círculo de raio uni-
tário, B é o centro d e rotação, A é a posição do Sol e P representa o planeta
Marte; a equação óptica no ponto P é o ângulo a. A secante d esse ângulo é a
razão entre AP e EP, onde EP = 1 + ecosp (e = AB é a excentricidade e m um
círculo de raio unitário). BP é o círculo de referência. Tomando a distância
AP como uma secante, Kepler a substituiu por um raio igual a PE. Agora esta
distância d everia ser medida a partir do Sol, em A, até um ponto não muito
bem definido dentro d o círculo, próximo de P. Stephenso11 comenta que essa
era uma maneira estranha de se constn1ir uma oval. Notemos que R = 1 +
ecosp é a equação d e uma elipse onde R é a distância de um dos focos até a
curva e ~ é o ângulo pola r. Kepler tinha agora uma teoria matemática d as
distân.cias que descrevia o movimento d os plane tas, mas não percebia ainda
que a ''curva'', na \rerdade, era uma elipse.

Figura 3.3.
Esquema usado por Kepler em seu
cólculo do órbita de Morte.

E
A

Kepler partiu para calcular a órbita correspondente à sua equação, mas


cometeu um erro de cálculo, e chegou a uma curva protuberante em forma
d e bochecha, uma via buccosa como ele a chamou. Desistiu da equação e se
p erdeu em uma teoria de libração onde o movime11to resultante era com-
posto d e uma revolução orbital e d e uma oscilação radial do diâmetro, para
voltar, em desespero, a uma construção geométrica da curva que ele fina l-
mente identificou como sendo uma elipse. E só então percebeu que os dois

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110 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução das idéias da Física

mé todos davam o mesm o res ultado. De pois d e seis anos de trabalho chegara
finalmente à órbita d e Marte.
N o Epito,ne Ast1·011.omie Cope1·nica'l1ae as duas leis, que o rig inalmente
só se referiam a M arte, fo ram estendidas para tod os os planetas e aos
satélites d e Júpite r (d escobertos p o r Galile u). Este é um exemplo célebre
d e indução analógica. Neste li vro ele apresenta também sua teoria para
o movimento da Lua . A segunda lei, generalizad a p a ra órbitas elípticas,
foi escrita con10 : '' ....Portanto o a traso d o plane ta n o arco PC está para o
atraso n o a rco igual RG como a área d o triâng ulo PCA está p a ra a á rea d o
triângulo RGA '' (fig ura 3.4). Por atraso Kepler q.u cri a dizer o tempo d e
trân sito a o lo ngo d o arco e m questão.

Figura 3.4.
C Segundo lei de Kepler

A Tercei ra Lei que diz, en1 n o tação mod e rna:

Os quadrados dos períodos dos planetas são proporcionais aos


cubos das distâncias médias ao Sol,

está enuncia d a como: ''Mas é a bsolutame nte certo e exato que a razão que
exis te e n tre os tempos peri ódicos de qt1 aisqu er dc,is pla11e tas é precisamen -
te a razão da potêr, cia 3/2 d e suas d istâ11cias médias ... ". Segu nd o Koestler,
di\1ersa me n te d as outras duas leis, d escobertas p ela intu ição e seguindo
um camin ho tortuoso, a 'J"erceira Lei foi fruto d e tentativas p acie ntes e obs-
tinad as. Na física de Kepler a i11ércia d e um plane ta a umentava com a su a
massa., m as n ão l1a.via um aume nto corresp ondente na fo rça exercida so-
bre ele p elo Sol (a for ça ap enas d ecresc ia com a dis tâ ncia). Para ex plicar a
terceira le i e le supôs qt1e as massa.s d os pla netas aum entavam co1n a raiz
quadrad a d e s u as distân cias ao Sol.
Estritamente falando, as leis d e Kepler são \terd.adeiras somente se o
corpo centra.1 estivesse fi xo. Co.m o Nev,,ton m ostrou m ais tard e, d ois corpos

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A Nova Astronomia

atraindo-se mutuamente giram em tomo do centro de massa do sistema. No


caso dos planetas girando em tor,no do Sol o centro de massa está pratica-
mente n.o Sol. Entretanto tal não é o caso para o sistema Terra-Lua.

A física de Kepler
Na introdução de Nova Astronomia, Kepler tentou explicar como a Terra
em movimento permanecia coesa e mantinha objetos pesados nela. Descar-
tando as idéias aristotélicas ele precisava propor algo novo. Sugeriu uma
força de atração entre os corpos, uma virtude atrativa (virtus tractoria) que
era mútua e proporcional às massas (moles) dos corpos. Ele usava virtus (vir-
tude) e vis (força) indiscriminadan1ente. Escreveu:

Logo, é cloro que o doutrino tradicional acerco do


gravidade está errado .. .. A gravidade é o tendên cia
corpóreo mútuo entre corpos materiais poro o unidade
ou contato de cuio espécie é também o forço magnético,
de modo que o Terra atrai uma pedra muito mais do que
uma pedra atrai o Terra .
.. .Se duas pedras fossem colocados em qualquer lugar
do espaço, uma perto do outro, e foro do alcance do
forço de um terceiro corpo, unir-se-iam, á maneiro de
corpos magnéticos, num ponto intermediário,
aproximando-se cada uma do outro em proporção
à mosso do outro7 .

Mas a ''virtude atrativa'' era de alcance finito e limitada a corpos


semelh.antes, sem explicar o que ele entendia por isto . Sugeriu que a força
de atração diminuía com a distância, mas não elaborou sobre o assunto.
Acreditava que a virtude atrativa da Terra ia até a Lua, mas não usou essa
atração em sua teoria. lunar, embora tenha concluído, mais tarde, que a
atração da Lua era a responsável pelas .m arés. Observemos, n o entanto,
que essa ''virtude'' nada tinha a ver com a força que o Sol exercia sobre os
planetas. Kepler acreditava que uma teoria astronômica, deveria ser mais
do que um conjunto d e regras matemáticas para descrever os fenômenos
observados. Ela deveria se fundamentar em princípios físicos que expli-
cassem os movime ntos dos planetas.

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112 - - - - - - - - - - - - - - -- -- Evolução das idéias da Física

Com o eu já m encion ei a ntes, Ke pler


fo i influe nciad o p elo tra balho d e G ilbe rt.
Willia m Gilbert (1540-1603) m atem á tico e
médi co inglês, d edicou-se ta mbém à Q u í-
mi ca, Ma tem áti ca e Cosmo log ia. De fende u
o sistem a copernicano e acreditava que as
estre las fi xas não estavam tod as à mesm a
distâ ncia d a Terra. Mas a s ua re putação
como cie ntista se deve ao seu liv ro Do 1r1ag-
neto, corpos 1nng11ét icos e do grn11de mng11eto
Terra, publicad o e m 1600. Foi o primeiro
trabalho impo rta nte e m Física publi cad o
na Ing la te rra e que to rno u Gilbe rt famo-
so e m tod a a Europ a. Não só Kepler, mas William Gilbert
Ga lile u e Bacon, fi zera m referência a ele.
Em 1601 foi indi cad o médico d a rainha Elizabeth. Depo is d e anos d e ex-
pe rimentos con cluiu que a agulha d e uma bússola se o rientava n a direção
no rte-s u.I e inclinava-se pa ra baixo porque a Terra agia com o um m agne-
to g igante, com os d o is p ó los magn é ticos situad os nas regiões próximas
d os p ólos geográficos. (O n om e p ólo havia sido prop osto por Pierre d e
Maricourt n o séc XIII). Descobriu que esquentando um m agne to ele per-
dia suas pro pried ad es m agné ticas. Fez ta mbé m estudos qt1alita tivos das
forças atuando e ntre mag ne tos. Os a ntigos gregos já hav iam observado
que, ao se esfregar um bastão d e âmbar com um p ed aço d e lã, o bastão
p assava a atrair o bjetos leves. Gilbe rt mostrou que o mesm o e fe ito o co r-
ria co m vá ri as o utras s ubstâ ncias com o o vidro, enxo fre, o lacre e vá rias
pedras preciosas. Ch amo u d e força elétrica a essa força que se m a nifesta va
nessas substân cias (em alusão ao â mbar, elektron em grego) e fez várias
distinções entre essa for ça e a fo rça m agné tica. Supôs que os fenô me nos
elé tricos ocorriam devido a alg uma coisa d e natureza m a te rial, que sobre
a influê ncia d o a trito e ra liber ad o d a substâ ncia esfregad a. O a trito libera-
va um fluíd o, o u ''humor'' que formava um ''eflú vio'', ou a tmosfe ra, em
to rno d o corpo. Ele não acreditava em ação à dis tância e, assim, se um
corpo atuava e m um o utro sem to cá-lo, alg uma co isa invisível d everi a te r
sido en viad a d e um corpo ao outro .
Kepler acreditava que a força que o Sol exercia sobre os plane tas era em
parte mag nética. Imag inou forças magnéticas emanadas d o corpo central, o
Sol, por exemplo, como braços gigantes que propeliam os plane tas em suas

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A Nova Astronomia

órbitas. I~ara este propós ito, era necessário que o corpo central estivesse em
rotação (e assim predisse a rotação do Sol). No c11tanto, um co1-po celeste sem
satélites, corno era o caso da Lua, não deveria possuir 1no\1imento rotacio-
nal, pois este seria supérfluo. Ke pler disse explicitan1ente que anteriormente
acreditara que a causa do movimento planetárjo fosse utn espírito, n:1as en-
tão se deu conta de que as causas motoras decresciam com a distância do Sol
e concluiu que essa força era algo corpóreo. Para explicar porque os planetas
se n1ovem cm órbitas excêntricas supôs que eles eram enormes imãs redon-
dos, cujo eixo magné tico se voltava sempre para a mesma direção. Assim,
o planeta seria periodicamente atraído para mais perto do Sol, e repelido,
conforme o pólo magnético se voltasse para ele.
Acreditava que a região entre os planetas era preencllida p elo éter~ que
era bem mais rarefeito e mais puro que o ar. Foi ele un1 mis to d e mís tico e
cientista, não conseguindo se desvencilhar, por completo, das idéias aristo-
télicas e pitagóricas. Fica claro isso na s ua afi1·mação de que o Sol estava situ-
ado no centro do mundo, baseado no argumertto pitagórico da dignidade do
Sol, e de sua função de ser fonte da. vida e de iluminar o mundo. Não chegou
a completar a tra11sição de um universo movido por uma inteligência inten-
cional, a outro regido por forças inanimadas. Não tinha ainda o conceito de
força, como nós o temos hoje, algo des tituído de i11tenção. Vejamos o que
escreveu na Nova .Astro1'lo1nia:

Essa espécie de força, assim como a espécie de força que é


a luz... nóo pode ser considerado coisa que se expondo no
espaço entre o fonte e o corpo móvel, mos coisa que o corpo
móvel recebe do espaço por ele ocupado ... Propaga-se através
do Universo .... mos só é recebido onde há um corpo móvel, por
exemplo, um planeta 8 .

As idéias de Kepler não foram aceitas de imediato como já foi dito an-
tes. Deixando de lado a simplicidade geométrica de s ua teoria, havia pou-
cas evidências a seu favor. Ainda em 1657, o astrônomo Ismael Bullialdus
rejeitou o conceito kepleriano de uma força atrativa exercida pelo Sol sobre
os planetas, cl1amando-a de pura imaginação, não jus tificada pelos fatos. Se-
gundo ele, o movimento de um planeta tinl1a sua causa no próprio planeta.
Disse também que se tal força existisse ela não se propagaria em um único
plano, mas se dispersaria em todo o espaço, e seu valor decresceria com o
quadrado da distância.

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114 - - - - - - - - - - - - -- - - - Evolução das id·éias da Física

O brilhante astrônomo inglês, Jeremiah. Horrocks, que nasceu em 1617 e


morreu prematuramente aos 24 anos d e idade, tentando fazer ada.p tações na
teoria lunar de Kepler, d esenvolveu a sua própria, na qLtal a excentricidade e
o apogeu oscilavam. A partir de observações astro11ômicas ele foi o primeiro
a provar que a órbita da Lua era aproximadamente elíptjca. Suas medidas
da posição da Terra em relação ao Sol co11firmaram a teoria d e Kepler para
a órbita terrestre. Horrocks estudou também marés e sugeriu corretamente
que o Sol deveria exercer uma perturbação sobre a órbita d a Lua.

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a I eu

GaliJe u Galilei nasceu em 15 de feverei-


ro de 1564 em Pisa, filho de Vincenzio Gali-
lei, um nobre empobrecido, mas cu lto, com
habilidades em Matemática e Música. Aos
doze anos foi para o mosteiro de Vallombro-
sa, onde estudou os clássicos latinos e apren-
de u grego. Seu pai, querendo que ele fosse
mercador, o retirou da escola, mas quando
completou dezessete anos o enviou para a
Universidade local para estudar Medicina.
Vincenzio não queria que o filho se fizesse
músico ou matemático, profissões que, bem
o sabia, não eram bem remuneradas. Conta-
se que no segundo ano de universidade, observar1do um candelabro preso no
teto de uma igreja, verificou, usando seu pulso como relógio, que a duraçã.o
de uma oscilação era constante, fosse qual fosse a amplitude. Dizem contu-
do, que o candelabro existente na catedral de Pisa, que teria dado a idéia a

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116 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução das idéias da Física

Galileu, só foi instalado vários anos após o suposto acontecimento. A história


do candelabro, como a afirmação de que Galileu deixou cair p esos do alto da
Torre d e Pisa, têm sua origem na biografia apologética escrita por Vi11cenzo
Viviani . Essa d escoberta permitiu a construção d e um instrumento (chamado
d e pulsilogium) usado pelos m édicos para medir as pulsações de seus pacien-
tes, mas a idéia d e construir um relógio não ocorreu a Galileu na ocasião.
Por falta d e dinheiro, Galileu foi obrigado a d eixar a Universidade em
1585, sem o bter o grau d e d outor, mas continuou com as suas investigações
e estudos matemáticos. Publicou um ensaio d escrevendo sua invenção da
balança hidrostática. Em torno d e 1587, ou 1588 (11ão se sabe ao certo), deu
duas palestras na Academia Florentina sobre o local e o tamanho do inferno
de Dante. Escreveu um tratado sobre a d eterminação do centro d e gravidade
dos sólidos que o levou a ser chamado d e o Arquimedes d e seu tempo. Ten-
tou várias vezes, sem sttcesso, obter urna posição d e pro fessor. Finalmente,
em 1589, sob a recomendação de Guidoba]do dal Monte (1545-1607) foi con-
vidado para lecionar Matemática na Universidade d e Pisa, um cargo hono-
rável, mas não lucrativo. Por volta d e 1590 escreveu um manuscrito De Motu
(D o 1novim e nto), d e circ ulação restrita, o nde a preserlto u a teoria d o ímpeto
proposta por Philoponus, e seguiu esse autor ao usar a relação V = F - R
(onde V é a velocidade de um corpo sujeito a uma força F e a uma resis tência
R). Ao considerar o mov imento d e objetos na água (uma aplicação dinâmica
do principio d e Arquimed es) escreveu 1:

Se, por exemplo, um pedaço de madeiro cujo peso é 4 move-


se poro cimo no água, e o peso de um volume de água igual
àquele do madeiro é 6, o madeiro se moverá o uma velocidade
que podemos representar como 2.

Mais tarde, ele corrigiria as idéias erradas de e ntão. No texto rejeita


a visão aristotélica d e que um m eio su s tenta o mov imento de um projétil,
usando argumentos similares aos usados p or Philoponus e outros. A.firmou
que nenhuma força é necessária para mover um objeto em uma s uperfície
horizontal pe rfeitamente polida (parece que Herão da Alexandria foi o pri-
meiro a fazer tal afirmação), mas nada disse sobre o que aco11teceria com um
objeto colocado em movimento em tal plano. Diz também que Aristóteles
era ignorante em Geometria e tudo que escreveu sobre o movimento estava
errado. Em contraste p o rém, demonstrava a maior admiração por Arqui-
m ed es. Alguns hjstoriadores consideram que a publicação d os trabalhos d e

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Galileu---- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 117

Arquimedes durante a Renascença foi um dos principais fatores que leva-


ram à matematização da Natureza, sendo essa matematização a característi-
ca principal da Revolução Científica. O método geométrico usado po·r Arqui-
m edes mostrou qu.e era possí,,el aplicar ao estudo dos fen ômenos naturais
um instrumento m ais preciso do que a lógica escolástica. O renascimento das
idéias de Arquimedes teve início na cidade italiana de Urbino, com Federico
Comma11dino (1509-1575), Bernardino Baldi (1553-1617) e Guidobaldo dal
Monte. Foi sob a influência de dal Monte que Galileu ad otou os princípios
da filosofia de Arquimedes.
Nos dois anos seguintes, Galileu realizou várias experiên cias sobre a
queda dos corpos. Essas experiências seriam utilizadas, muitos anos mais
tarde, nos seus dois livros mais importantes. Existem relatos de que suas
aulas ofendiam aos membros aristotélicos da faculdade, e a maneira burles-
ca como ele ridicularizava os regulamentos universitários irritava às auto-
ridades. Além d o mais, ele ti11ha a língua afiada, era presunçoso, vaidoso e
sarcástico. Fez vários inimigos e se envolve u em várias disputas. Em 1592,
d eixou a Toscana com destino à República de Veneza onde assumiu a cáte-
dra de Matemática na Universidade de Pádua. Lá ensinou durante dezoito
anos e dura11te esse tempo levou a cabo a maior parte de seu trabalho em
Mecânica estabelecendo sua reputação na Europa como cientista e inventor.
Mas apesar de sua re putação, seu salário (como professor de Matemática)
era baixo e ele se viu obrigado a dar aulas particulares e a receber alunos
pensionistas em sua casa. Suas publicações nessa ép oca consistiram essen-
cialmente em tratados e lições em manuscritos circulados entre seus alunos.
Escreveu sobre alavancas, roldanas, o parafuso, arquitetura militar e cons-
truiu vários instrumentos, entre eles um tern1oscópio (aparelho que permite
observar a variação de temperatura de um corpo, m as que não possui uma
escala termométríca). Suas invenções mais notáveis, de então, incluem uma
máquina para elevar água, uma bússola geométrica e um termómetro de
ar. Suas palestras, assistidas pelas pessoas da mais alta distinção e de todas
as p artes da Europa, eram tão populares, que aconteciam em um salão com
capacidade par a duas mil pessoas.
Em 1597, recebeu de Kepler o Mistério Cós111ico e em uma carta de agra-
decimento pelo livro, confessa que se convertera às idéias de Copérnico mui-
tos anos antes, mas ao mesmo tempo diz qt1e não tornava pública sua crença
temendo ser r,i dicularizado. Ele continuou ensinando o siste ma de Ptolomeu,
por quem demonstrara uma certa admiração, durante sua permanência em
Pisa, a.té o advento do telescópio. Entre 1600 e 1610 pesquisou sobre a qued a

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118 - - - - - - - - - - - - - - - - -- Evolução da s idéias da Física

dos corpos, o movimento de projéteis, as leis do pêndulo, mas nada publi-


cou. Por volta de 1600, teve uma amante com quem teve duas filhas (Virgínia
e Lívia), que mais tarde se tomariam freiras, e um filho (Vincenzio). Quando
deixou Pádua a amante também ficou para trás.
Em 1608, um fabricante de óculos holandês pediu uma licença para a
fabricação de telescópios de lentes simples e duplas, chegando mesmo a ven-
der vários desses instrumentos (o aparelho foi chamado originalmente de
pe1-spicillum, a pala.vra telescópio foi criada em 1611). À época, três outras
pessoas reinvidicaram a descoberta. No ano seguinte, o inglês Thomas Har-
riot fez observações da Lua usando um telescópio. Galileu não inventou o
telescópio e nunca afirmou ter feito. O importante não é se ele teve ou não
contato com um deles, mas sim, que construiu instrum.entos de qualidades
superiores aos já existentes e de maior poder de aumento. Ele transformou
o telescópio em um poderoso instrumento de pesquisa e foi o primeiro a
publicar urna descrição do Uni verso visto através dele. Deve-se notar que
o telescópio foi o primeiro instrumento artificial a ser usado no estudo da
Natureza. Seu primeiro telescópio, com o qual fez várias demonstrações, foi
construído em 1609. Deu um de presente ao senado dizendo que o instru-
mento seria de grar1de utilidade em batalhas navais e, em a.g radecimento, o
senad o tornou sua cátedra em Pádua vitalícia.
Na sua primeira publicação científica, o Sidereus Nr,tncius (o Mensagei-
ro das Estrelas) publicado em 1610, Galileu descreve os resultados de suas
observações astronômicas. É útil lembrar que foram suas descobertas feitas
usando o telescópio que o tornaram famoso. Imediatamente depois de des-
crever a construção e uso do telescópio passa a
relatar os resultados. Quando examinou a Lua
SIDEREVS viu um grande número d.e manchas, algumas
NVNCIV S
MAG~A, LONGl!wll AOMllAll ll ,\
~,-,,.,,uhu. fi ;..t,,f t , p , ~
,...r.n- ""
...k .......
delas mais escuras e maiores do que outras,
l'•tl.Ol•tJltl, "t .11ra•1t•M1l,r•l
GALILEO GALlLEO e várias manchas menores. Interpretou esses
PATR. IT I O FLORENTINO
J'11 1t1IÇpn't~M •••lco d ados escreven.do que a superfície lunar não
PBRSPJCILLI
~/t.,,... .. tili•'-.........
J,,,.. ......
••V'l(,41-«U.llffl nt,
~ S , l..ttTIO ~ - ST•llll ~
Q _V A T V O I P LA H e T S
t,
I
era suave e uniforme, m.as irregular, cheia de
__.._--=,_-. -·-·-·••\•
CIN• 10~11 hlll,a:, :~ nf

.
a:u,a. , ..,..,....._,ali.

. - . . .
MEDI CEA S ID E RA -·-
N\'WCVPAHDOS DBCll!VIT ,
cavidades e protuberâncias. Ele não só descre-
veu a aparência das montanhas da Lua, mas
chegou a estimar suas alturas. Observou que
as estrelas fi xas não pareciam aumentadas de
tamanho qu.ando vistas pelo telescópio, con-
cluído assim que elas estavam a um.a enorme
distância da Terra. No entanto, a quantidade

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Galileu - - - - -- - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - 119

delas era muito n1aior. Ele mesmo d.escobriu mais de qu.inhentas estrelas
nunca vistas antes. Obser\ro11 também que a V.ia Láctea e as chamadas nebu-
losas eram formadas por um número grande de estrelas. Descob1i u também
os quatro satélites de Júpiter (sua descoberta mais importante), qtt.e chamou
de ''astros mediceus'' em homenagem a Cosn1e de Médicis, grão-duque de
Toscana. Ele usou a palavra plarzeta para os satélites no sen tido grego origi-
11aJ de corpo errante. O termo satélite se tornou parte d a linguagem científica
somente depois que foi usad o por Ne\l\,ton. Antes d a descoberta dos saté lites
de Júpiter, a Lua girando e1n torno da Terra (um pla11eta circulando outro
planeta) parecia uma a.n omali a não explicad a pelo sistema heliocêntrico e,
portanto, uma objeção a ele. Os satélites de Júpiter 11ão explicavam o fenô-
meno, mas pelo mc11os destruía sua uni cidade.
Três outras descobertas astronômicas feitas por Galileu mais tarde e,
portanto, não apresentadas no livro foram: qt1e Vênus tinl1a fases como a
Lua (essa descoberta foi feita independentemente pelos jesuítas do colégio
de Roma), que Sa tur110 tin.l1a t1n1 par de ''orelhas'' que mudava de for1na e
algumas vezes desapareciam (os a11éis), e as ma.n ch as solares (que já tinham
sido observadas antes). Esc1·eveu qu.e as n1anchas provavam que o Sol não
somente n.ão era um corpo perfeito, mas que girava em tor110 d o seu eixo.
Segundo Cohen, o comportamento de Galileu, ao interpretar as observações
feitas, mostrava um comprometimento com a doutrir1a. copernicana condi-
cionando e dirigindo as interpretações do que realmente observava. É inte-
ressante observa r que o uso do telescópi o desviou Galileu de seus estudos de
queda dos corpos e movimento de p1·ojéteis.
A notícia das descobertas de GalileL1 correu por toda a Itália e além.
Quinhentas cópias do liv ro foram irnpressas e a ed ição logo esgotada. Foi
aclam ad.o por cientistas e filósofos e comparad o a Cristóvão Colombo (que
por então já era famoso por ter descoberto a América). O Cardeal Barberi-
ni escreveu um poema em lot1vor às suas descobertas. Galileu não perdeu
tempo em utilizar sua celebridade súbita para tentar conseguir uma posi-
ção na corte de Toscana. Escreveu uma carta para Belisário Vinta, Secretário
de Estado de Cosme, onde fez uma súplica eloqüente. Na carta dizia que
em suas lições públicas podia ensinar apenas aqueles rudimentos para os
quais a maioria das pessoas estava preparad a e isto em 11ada o ajudava em
seu trabalho, mas por outro lado julgava ser sua maior glória poder ensinar
príncipes. Pelo que parece a carta surtiu efeito pois q.uatro meses depois da
publicação do Me11sageiro das Estrelas, ele foi nomeado ''fil ósofo e matemático
extraordinário'' do Grão-duque, com um alto salário e com tempo ilimitado

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120 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução dos idéias do Física

para p esquisa. Ao mesmo tempo recebeu o titulo d e ''ma.ten1ático chefe'' da


Universidade d e Pisa, sem a obrigação d e morar ou en sinar lá. Sua d ecisão
de d eixar a República d e Veneza, indo para Florença, foi tomada como um
ato d e ingratidão e alguns his toriadores afirmam qtte Veneza nunca o teria
entregt1e para a Inquisição. Em 1.611, Galileu viajott para Roma 011de fez uma
demonstração d·e grande s ucesso do te lescópio para as autoridades eclesiás-
ticas. Foi recebido p elo Pa·p a Pat1lo V e l1omenagead o p elos jest1ítas. A Acca-
de,nia dei Li11cei elegeu-o membro e ofereceu-lhe um jantar.
As descobertas d e Galileu, como os anéis d e Saturno e as fases de Vê-
nus, foram confirmadas po r astrónomos da Igreja que, nessa época já se
afastavam cada vez mais d e Aristóteles e Ptolomeu, ad.otando uma posição
intermediária em relação à Copérnico. Nesse sentido, os astrô11omos jesuítas
tendiam a apoiar o s is te ma d e Tycho Brahe. O siste ma copernicano podia ser
discutido livre mente, só não p odia ser apresentado como verdade estabeleci-
da, o que de fato não o era, até que fosse ap·r esentada uma prova definitiva . .A
oposição a Galilet1começou a ser feita pe los aristotélicos das t1nive rsidades e
professores medíocres que temiam pelos seu·s cargos e se sentiam ameaçados
p e las novas idéias. Alguns a ris totélicos se recusavam a olhar pelo telescópio
ou negava m que as observações feitas fossem reais, is to é, afirmavam que se
tratavam d e ilusões .p roduzidas pelo próprio apare lho. E os que não podiam
se expressar de maneira científica levantavam oposições teológicas. Aparen-
temente, a experiência d e d eixar cair p esos da torre inclinada d e Pisa foi feita
por Giorgio Coressi, adversário de Galilet1, com o objetivo d e confirmar as
idéias d e Aristóteles. O principal argumento apresentado contra as desco-
bertas de Galileu era que os fenômenos q uc ele tinha descrito eram apenas
ilusões crjadas por seu telescópio e não tinham existên cia real nos céus. No
final de 1611 e it1ício do ano seguinte, Gailleu trabalhou no sett tratado Dis-
curso sobre Corpos Fluti,a11tes, um ataque d emolidor contra a filosofia aristoté-
lica. Várias refutações contra seu texto foram apresentadas, sem sucesso.
Em 1612, o padre alemão Christopher Scheiner, reputado astrônomo je-
suíta, descobriu manchas na superfície solar. Ele as interpretou como sendo
produzidas por um grande número d e pequenos corpos opacos que giravam
em torno do Sol, e cujas sombras projetadas sobre a superfície solar produ-
ziam as manchas observadas. Julgando ser uma descoberta n ova, mas não
podendo publicá-la em seu próprio nome (pois seus superiores temiam que
ele estivesse errado) apresentou-a na forma d e várias cartas à Marcus Wel-
ser, um patrono das ciências. Welser publicou as cartas, sob o pseudônimo
de '' Apelles'', e enviou uma cópia a Kepler e outra a Galileu, pedindo-lhes

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G a l i l e u - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 121

a opinião. O primeiro respondeu prontamente dizendo que man.chas sola-


res já haviam sido observadas antes, ele mesmo já o fizera, e acreditava que
elas eram regiões mais frias na superfície do Sol (os chineses já estavam fa-
miliarizados com o fenômeno há séculos). Galileu demorou algum tempo
para responder, mas quando o fez reclamou a prioridade do descobrimento
e criticou asperamente a interpretação de Scheiner, tornando-o seu inimigo.
A polêmica de Galilet1 com os jesuítas não se resumiu à divergência com o
padre Scheiner. Com início em 1618 durante os seis anos seguintes, ele con-
frontou outro jesuíta, o padre Horácio Grassi, dessa vez sobre a natureza dos
cometas. Voltarei a esse tema 1nais tarde. Atacou ainda outro jesuíta, o padre
Firenzuola, em uma questão relativa à engenharia militar (Firenzuola foi o
comissário geral da Inquisição no julgamento d.e Galileu). Foram aconteci-
mentos infelizes, pois os jesuítas eram muito poderosos e se voltaram contra
ele. Galileu não gostava de dar crédito aos seus contemporâneos e conside-
rava os descobrimentos usando o telescópio um monopólio seu.
As cartas que Galileu enviara a Welser, três ao todo, foram publicadas
em 1613 (depois de um atraso devido às cen.suras eclesiásticas onde algumas
críticas anti-aristotélicas foram omitidas do texto original) com o título Ca1'-
tas sobre Ma11.c/1as Solares. O livro causou grande admiração, inclusive pelo
cardeal Barberini, futuro Papa Urbano VIII. No livro, Galileu mostrava que
as manchas solares estavam na supe.rfície, ou perto da superfície do Sol, e
tinham a natureza de exalações ou nt1vens de fumaça (semelha11tes às ntt-
vens na Terra, mas não do mesmo materiaJ). O livro era uma 11ova ameaça
à filosofia aristotélica; se manchas podiam aparecer e desaparecer na st1per-
fície solar, a incorruptibilidade e inalterabilidade d os corpos celestes estava
destruíd a. O livro continha a primeira en·u nciação do p1·inápio de inércia,
confinado aos casos de corpos em rotação ou movendo-se liv remente sobre
esferas lisas concêntricas con1 a 'ferra, e a primeira menção impressa a favor
do sistema copernicano. A p artir de então, Galileu passou a apoiar aberta-
mente o m odelo de Copérnico, provocando uma oposição dos teólogos, filó-
sofos e astrônom.os.
Em dezembro de 1613, o padre Benedetto Castelli, professor de Matemáti-
ca da Uruversidade de Pisa e amigo de Galileu, foi co11vidado para um jantar na
corte, onde estavam presentes a .m ãe do dt1qt1e, a duquesa Cristina de Lorena, o
grão-duqt1e Cósin10 de Mediei, várias pessoas ilustres e Cósimo Boscaglia, pro-
fessor de Filosofia na Universidade de Pisa. Resumindo a história, Castelli, em
uma carta a Galileu, disse que Boscaglia, du1·ante o jantar, havia dito que en1bora
concordasse que todas as coisas novas descobertas nos céus por Galilett fossem

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122 - - - - - - - - - - - - -- - - - - Evolução das idéias da Física

verdadeiras, som e11te o movimento da Terra tinha algo de incríve] e não pode-
ria ocorrer, em partiettlar porque as Escrituras Sagradas eram contrárias a. essa
visão. A resposta de Galileu se deu na forma de Ca1,ta a Castelli, u1n manifesto
lo1lgo, que foi escrito para se tom.a r público, onde ap·resentava sua opinião sobre
a relação entre ciência e religião e faz uma defesa da liberdade da pesquisa cien-
tífica. Na carta, reafirmava sua crença de que o Sol se encontra imóvel no centro
das revoluções dos orbes celestes, enquanto a Terra gira em seu eixo e revolve
em tomo do Sol, e que suas descobertas celestes confirmavam essa hipótese.
Disse que certas afirn1ações da Bíblia não deveriam ser tomadas literalmente,
por estarem em li11guagem '' de acordo com a capacidade da gente comum, po.r-
tanto rude e ignorante''. Gta várias vezes Santo Agostinho em apoio às suas
idéias. Transfere a responsabilidade da prova dize11do gu.e os críticos do sistema
copernicano deveriam ''mostrar que ele não está demonstrado'' e em, alguns
trechos, fez pouco caso da inteligência de seus opositores. Cita as palavras do
Cardeal Baronius ''o Espírito Sru1to pretendia nos ensinar na Bíblia como ir para
o céu e não como o céu funciona''. Afinna também que as passagens bíblicas
·n ão p ossuem at1toridade nos debates científicos, e que o conhecimento científico
deve ser analisado pe1a demonstração e observação. A ciêrlcia. possui critérios d e
avaliação que são ir1.dependentes dos critérios da autoridade religiosa, dizia ain-
da. No final, escreveu que no milagre d e Josué, d escrito na Bíblia, qt1ar1do o Sol
parou de girar, a Terra també.m o fez. Essa Carta seria usada mais tarde contra ele
próprio no seu julgamento.
Em d ez.e mbro d e 1614, um frade domirlicano, Ton1maso CacciJ.1j, pre-
gou ttm sermão dominical contra os matemáticos em geral e Galileu em par-
ticular, dizendo que s uas cre11ças eram co11trárias à Bíblia. Em fevereiro d e
1615, outro dominicano, Niccolo Lorini, professor de História da Religião,
e,m Florença, fez à Inquisição (a Inquis ição foi criada n o séc XIII e seu objeti-
vo era julgar aqueles cons iderados uma ameaça às dot1trinas católicas) uma
queixa escrita contra Galileu anexando uma cópia da carta como evidência
incriminadora. Comentou, no e11tanto, que achava que os galileistas eram
bons cristãos, mas presunçosos, e a sua ação era motivada apenas pelo zelo
com a causa sagrada. A Carta foi examinada e chegou-se à conclusão de que
ela não contrariava a doutri11a católica. No entanto, o comitê decidiu consul-
tar especialistas para uma opi11ião sobre o sis tema de Copérnico e a decisão
final foi adiada. Quando Galileu ficou sabendo que Lorini tinha uma cópia
da carta e te11do em vista que circulavam exemplares distorcidos da mesma,
ele recuperou o original com Castelli e a enviou ao seu amigo, o card.ea1
Piero Dini e m Roma, pedindo que ela fc.)sse mostrada, se possível, ao cardeal

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Galileu - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - 123

Bellarnúno. Mais tarde ele fez algu11s melhoramentos, incluiu novo material
e a nova versão foi publicada com o título Carta à Grã-duquesa Cristina.
O processo tod o transcorrera a portas fechadas, sem que Galileu ficasse
sabendo o que ocorria, mas amigos e m Roma o avisaram de que algo estra-
nho se passava. Ele escreveu ao cardeal Dini, em Roma, pedindo conselho
em re lação às acusações que lhe ha,v iam sido feitas. Em março daqLiele m es-
mo ano recebeu a resposta onde Dini lhe inforn1ava qu e ouv ira d o cardeal
Roberto Bellar111i110 - jesuíta, o teólogo mais respeitado e influente da Igreja,
consultor d o Santo Ofícjo e resp onsável p ela condenação de Giord an o Bruno
à morte - que p od eria escrever ]jvremente sobre Física e Matemática desde
que n ão se envolvesse em interpretações teológicas da Bíblia. No mesmo
mês, Galileu recebeu a notícia de que um monge carmelita de Náp oles, Pao]o
Anto1uo Foscarini, havia escrito um livro em s ua defesa e também de Copér-
nico. O livro de Foscarini pode ter sido o fator cru cial na d ecisão de Galileu
d e continuar su a luta cm d efesa de Copér1tico. Escrevct1 a Di1ú dizend.o q ue
o siste ma copernicano era. verd adei ro e não somente uma hipótese e se recu -
sou a qualquer comprom isso.
Em 12 d e abril d e 1615, BelJarmino escreveu uma carta ao p adre Fosca-
rini, mas dirigindo-se à Galileu, onde apresentava sua opinião sobre o livro
de Foscarini. Vou citar apenas a lg t1ns trech os. A carta completa encontra-se
n,o livro de Drake.

.. . Porque dizer que o hipótese de se mover a Terra e permanecer


parado o Sol salva as aparências celestes melhor que
excêntricos e epi,ciclos é falar com excelente bom senso e
não correr nenhum risco ...Mas querer afirmar que o Sol, na
realidade, se encontra no centro do Universo .. .é perigosíssima
atitude e destinada não apenas a levantar todos os filósofos
escolásticos e os teólogos, senão também a prejudicar a nossa
santo fé contradizendo as Escrituras.... digo que, se houvesse
uma prova real de estar o Sol no c·entro do Universo, a Terra
na terceira esfera, e o Sol não girar em torno da Terra, mas
a Terra em torno do Sol, teríamos de proceder com grande
circunspeçõo para explicar trechos do Escrituro que parecem
ensinar o contrário, e deveríamos an tes dizer que não os
corn preendemos e não declarar que é falso uma opinião
provavelmente verdadeira. Mos não creio que haia uma provo
dessas, visto que nenhuma me foi apresentado 2...

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124 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução das idéias da Física

A carta de Bellarmino é vista por alguns autores como uma indicação


de que ele conside.r ava a Astronomia como uma ciência cujas hipóteses não
tinham significado real, sendo mero i11strumento de cálculos e se recusan.d o
a aceitar a independência da ciên.c ia com relaçã.o à Teologia. É difícil tam-
bém saber o que ele aceitaria como uma prova adequada. Galileu não forne-
ceu a prova, d izendo que tinha mu.itas, mas não ia p erder tempo tentando
convencer p eripatéticos i11capazes. Mesmo assim, em 11 d e d ezembro ainda
daquele ano, foi à Roma se defende r, contra a vo11tade de Bellarm.ino que
sabia que Galileu estava sobre escrutínio e l1av ia sugerido que ele não fosse.
Galileu queria mostrar que estava certo, para ele era uma questão de orgulho
pessoal. Acreditava que limparia seu n o.m e e defenderia a causa do sistema

copern1cano.
O Papa Paulo V d e testava as artes liberais, já hav ia tido problemas com
Bellarmino, e não estava a par do que estava acontecendo com Galilet1. Al-
guns cardeais queriam evitar que a Igreja tomasse uma decisão oficial sobre
o sistem.a copernicano até que mais detalhes fossem esclarecidos. Entre os
dominicanos, circulava todo tipo de b oato sobre a personalidade de Galileu.
A prova que ele pretendia apresentar era a teoria das marés, qLte por sinal
estava totalmente errada. Embora ele conseguisse d estrui1· os argtuncntos
a favor do siste ma ptolomaico, não conseguia provar seu próprio lado do
argumento. Peditt ao cardeal Orsini que co11versasse com o Papa a favor do
coper11icanismo. Orsini assi1n o fez, mas i1tleliz mente só levou o Papa a en-
caminhar o assu 11to para a Inqt1isjção.
Em 24 d e fevereiro d e 1616 os peritos em Teologia do Santo Ofício se
reuniram para dar a opinião fina l so.b re o processo iniciado com a denúncia
de Lorini. Concluíram que a idéia do Sol como centro do n1u11do era absur-
da e h e rética, mas sob pressão dos Cardeais o \reredicto n ão foi pttblicado.
O processo, segundo alguns historiadores, revela as ten sões d e um p eríodo
marcado pela into lerância religiosa. A In<1uisição não emititl qualquer con-
d enação forma l. Em vez disso, por orde1n do Papa, o Card eal Bellarmino
enviou um aviso privado, mas oficial a Galileu: para que e le parasse d e de-
fe11der e e11si11ar o sis tema copemicano. Se ele se recusasse a obedecer seria
encarcerado. Bellarmino disse à l11quisição que Galileu lhe havia prome tido
obedecer à notificação. E.m março d e 1616 a Congregação do Index, o depar-
tamento da Igreja responsável p e la censura de livros, publicou um decreto
contendo quatro p o11tos. Primeiro, estabelecia que a doutri11.a da Terra em
.m.ovimento era falsa e co11.trária à Bíblia. Os astrónomos poderiam usa r o
sistema d e Copérnico, desd e que o conside rassem apenas como hipotético.

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GaliJeu - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 125

Segundo, conden ava e pro ibia o livro d e Foscarini. Terceiro, su sp endia a cir-
culação d o livro d e Copérnico a té que fossem feitas correções e revisões (as
quais só fo ram concluíd as em 1620). Q u.arto, censurava liv ros análogos (sem
dizer qua l era a a.n alogia). Em geral, a lingu agem d o decre to era vaga e o
nom e d e Galile u não foi m en cion.ad o. A lg uns dias d ep o is Galileu teve uma
audiên cia com o P a.p a, n1as o conteúdo p reciso d essa re uni ão n ão é conheci-
d o . Ao m esm o ten1po, Galile u recebeu cartas de amigos dize·n do que h avia
rumo res de que ele h.avia sido conde11ado pela Inquisição. Para acaba r com
esses rumo res, obteve d o Cardeal Bellarn1ino um certificad o dizendo que n ão
teve que a bjt1rar suas o piniões e nen1 execu tar p enitên cias. Não h.avia sid o
condenad o pela I11qtrisição, a penas 11otificad o de que não p od eria d.efender
a d o utrina he li ocêntrica. Neste m esm o a no, p orém, o impressor d o liv ro de
Foscarini foi en carcerado e o atttor m orreu e111 circu11s tân.cias obscuras.
E1n 1618, o p adre H o rácjo Grassi (já m encio nad o anteriorm ente) publi-
cou Ltm tra tad o o nde dizia que os com e tas se m ovia1n e m ó rb itas circula res
com o os pla11etas, a um a d is tâ11cia muito m aior qu e a d a Lu a, e ci to u Tych o
Brahe. Galileu ficot1 fur ioso p or não ter sido citad o e desacreditou Grassi
dizendo que os com etas n ão eram objetos reais, m as fenômenos ópticos cat1-
sad os p ela refração da luz do Sol nos vap ores atm osféricos. Disse que os co-
m etas podia m se d issolver em p ou cos d ias e não tinham un1a fo r·m a defini -
d a . Com en tou tambén1 que Grassi e T)1cho n ad a enten d iam d e Astron o m ja.
Um a outra razão pa ra Galile u d esacre ditar a existên cia d os com e tas era qt1e
su as órbitas 11ão podi a1n ser conciliad as com círcLtlos. Em m aio de 1619, ele
p ublicou Disci,rso sobre Co,nctas, uma crítica ao padre Grassi, m as o fez em
n o m e de set1 di scípulo Mari o Gu id u cci. G rassi replicou sob o p seudônimo
de Lotha rio Sarsi e, d,c ixando de lado G t1id u cci, lan çou um ataque d ireto
contra Gali leu . Por su a vez, Galileu d en1o ro t1 d o is a nos escrevendo a resp os-
ta e o fez n a forma d e uma carta di1·igida ao seu amigo o m o11Senhor VirgJnio
Cesa r-ini. A carta, conside:r ada uma d as 111aiores po lêmicas escrita 11as ciê11-
cias físicas e ch am ad a de o m anifesto d e Ga lileu., fo i p t1 blicad a em 1623 com
o titulo li Saggiatore (O Ensaiad or). SegL1ndo Drake3, essa ob ra m a rcou u1n
p o nto crucial 11a histó ria d o pensam ento d e Ga lileu. An tes, ele faJo t1 com o o
cientista experimental; de p o is falaria com o ltm teórico. este tra balho fala
com o o fil ósofo d a ciên cia.
Logo 110 in.ício d o liv ro, Ga lil eu reclam a d aqu eles qt1e querem ro u -
ba r-lhe a g ló ria . A m ai o r p a rte d o tex to co11siste em refutações d a quilo
que for a escrito p o r Grassi, m as no m eio d e a firm ações sa rcásticas Sttr-
gem trecl1 os a presentan d o u ma n ova co11ce pção d e Ciên.cia e Filosofi a.

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126 - - - - - - - - - - - - - - - - -- Evolu~ão das idéias da Física

Ele diz que p ara a Filosofia se tornar Ciên cia, ela d eve se livrar d o jugo
d a autoridade e que a Filosofia verdadeira d eve se basear na observação,
raciocínio e uso d a. Matemática. O filósofo deveria se contentar em per-
seguir objeti vos limitados, procurando entender gradualmente as leis da
Natureza. Escreveu :

A Filoso fia está escrita neste grande livro, o Universo, que


permanece continuamente aberto poro nossa inspeção.
Mas o livro não pode ser entendido o não ser que primeiro
aprendamos o linguagem e a ler os palavras nos quais ele foi
composto. Ele está escrito no linguagem da maternático e seus
caracteres sã o triângulos, círculos e outras figura s geométricas
sem a s quais é humanamente impossível entender uma único
palavra dele; sem isto, caminhamos para um labirinto escuro. 4

Ap rese11tou a distinção entre qu.al idades primárias n a Natureza,


com o a posição., o n·ú me ro, a form a e o m ovimer,to d os corpos, e as qua-
lidad es secundári as com o gosto, cor, cheiro e sabor, que existem ap enas
n a consciên cia d o observa d or. Diz também que uma explicação d o calor
seri a e11contra d a, no futu ro, n.o m ovim ento d as minúsculas p ar tículas
q ue constituem os obje tos que vem os. O liv ro, d edicad o ao seu velho
an1igo Maffeo Barberini, ele itc) papa U rban o VIIl em agosto d e 1623, foi
muito bem recebido p elas autorid ad es eclesiásti cas e cientí ficas, e du-
rante d ois meses Ga lil eu teve seis aud iê ncjas com o p ap a. Urbano era
b em edu cad o, esclarecido e ti vera um p ap el fund am e ntal em 1616 em
ev itar a condena ção d e Galil eu e a condenação formal da d outr ina co-
pe rnican a com o um a h eresia. Ele d eu per1ni ssão a Galile u p a ra di scutir
as teorias rivais d.e Ptolomeu e Cop érnico d e m an eira hipotética sem
d efender nenhuma d elas. Deve, n o entanto, te r ficad o evid ente para
ele que Urban o ser1tia n1aior respon sabjlidade em preservar a auto rida-
de d a Bíblia d o que no avan ço d o conhecimento científico. En corajado
p ela boa recep ção que seu liv ro tivera, e n as con versas que tivera com
U rbano, d edicou os próximos sete anos a escrever Diálogos sobre os dois
1náximos siste1nas do 1nu.11do ptolomaico e coper11ica1-10, q ue terminou em
jan eiro d e 1630. O li vro foi escrito como um a con versação entre três
person agen s: Sa/víati, que fala p elo própr io autor; Sng·redo, um le igo
inteligente; e Si1nplicio, um person agem pou co inteligente que d efende
Aris tó teles. O livro foi um tributo a d o is a migos próx imos falecid os

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Galileu - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - 127

prematuramente : G iovanfra.n cesco Sagredo e Filippo Salviati. Simpli-


cio era o nome d e um autor d o séc VI que escrevera sobre Aristó teles.
O principal o bje tivo d o livro é m ostrar a validade d a teo ria d e Copér-
nico, mas os argumentos apresentados não constituem uma prova convin-
cen.te d o sistema heliocêntrico, embora tenha desacreditad o a cosmologia
aristotélica. 'É bom qu e se diga que a oposição de Galile u a Aris tóteles
é antes cosmológica que propriamente metodológica. É verdade que ele
mos trou. que a idéia d e uma Terra em movimento era p e rfeitamente p os-
sível do ponto d e vista da Física, mas isto por si só não era uma prova d e
que estivesse e m mov imento. Po r o utro lado, ele não aceitava as órbitas
elípticas de Ke ple r, afirmando que, sendo o movimento circular o mais
natural, os planetas tinham de ter ó rbitas circulares. Ele ig norou também
os epiciclos d o modelo de Copérnico e contesto u o valo r das observações
astronô micas feitas por Tycho Brahe, levantando dúvidas quanto à ho-
n estjdade de seus pro pósitos científicos. Na verdade, o mais importante
não foi a d efesa da teoria copernicana a qual Galile u não conhecia em
d e talhes, mas a defesa da liberdade do pensa mento e a expressão do co-
nhecimento científico, ind ependente d os critérios de at1toridades, sejam
elas religiosas o u não. E ao resolver
os proble mas da Física em uma Ter-
ra em m ovime nto, lançou as bases
da física moderna .
O padre Ri ccardi, censor em
Rom a, leu o li vro e pressentiu que
o mesmo era uma propaganda dis-
farçada d o sistema de Cop é rnico,
• infringind o assim o decreto de 1616 .
Correções precisavam ser feitas. Sem
tempo para fazer essas correções con-
cedeu um imprimatur para o livro,
sob a condição dele revisá-lo d epois
de Ga lile u o tê-lo corrigido. Mas as
coisas se complicaram d evido a um
surto d e p este que inte rferiu com o
serviço postal. Galile u, com a ajuda
Copo do livro Diálogos sobre os do embai xador toscan o em Roma,
dois máximos sistemas do mundo conseguiu permissão para que o
ptolomoico e copernicono li vro fosse revisto e publicado em

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128 - - - - - - - - - - - - - - -- - Evolução das idéias da Física

Flore nça, d esd e que se confor masse às instruções enviadas por Riccardi. Su-
p ondo que isto lhe d a\ a o direito d e dizer que tivera a p ermissão d e Riccar-
1

di, Galileu incluiu no livro, publicad o em 1632, un1 irnpri,natur no nome d o


cen sor rom ano . Urban o, d escobrind o que havia sido engan ad o, e em meio
à luta pelo p od e r entre Jesuí tas e Dominicai1os, além d os sérios pro blemas
p olíticos d evido ao seu comportam e11to em relação à G uerra d os Trinta anos
(entre católicos e protestantes), foi forçad o a agir e e11v iou o caso à In quisição.
O livro foi confiscad o e Galile·u intimado a comparecer perante a Inquisição,
em Rom a. De nada adiantaram as súplicas, os pedidos d e amigos influentes,
o estado precário d a saúde d e Galile u e nem sua id ad e já avan çada. Ele adiou
a v iagen1 ta nto quanto pod e, mas fin almente, quando recebeu um ultima to
dize11do que se n ão fosse p or sua liv re vontade seria preso e levad o acorren-
tad o, não teve outra alterna ti va.
Quando Galile u ch egou em Rom a em fevereiro d e 1633 teve permis-
são p ar a ficar l1osp ed a.d o n a embaixad a toscan a, embora d evesse se manter
recluso. Mesm o d ep ois, qu ando se mudou para o local da Inquisição teve
acom od ações confortáveis. O p1·imeiro inte rrogatório acon.teceu em 12 d e
abril. Ele resp ondeu várias p erguntas sobre o Diálogo. Foi-lhe perg untado
p orque n ão men ciona ra o aviso de Be llar.m ino quando obtivera permissão
p ara in1primir o liv ro; essa omissão levara o Pap a a se se11tir enganado . Gali-
leu respondeu que assim o fizera porque o livro n ão defendia o m ovimento
d a. Terra, p elo contrário, m ostrava que os argumentos n ão eram. con clusivos.
Chegot1 mesm o a dizer q ue no livro refuta ra Cop érn ico. Negou ter recebi-
d o qualquer proibição p ara não discutir o movimento d a Terra, desde que
o fizesse d e m aneira hipotética e apresento u uma cópia d o certificad o qu e
Bella rmino lhe forn.e cera.
Pareceres ap resenta d os p or três co11sultores e1n 17 d e abril d aque]e
an o, indicavam que no Diálogo Galileu l1avia d efendido e mantido a d ou -
tr ina d e Copé rnico com o verda de ira e n ão com o hipó tese, que ens i11ara,
d e fend e ra e su stentara a teoria cop ernicana e q·u e ch am ar a os que n ão a
aceitavam d e idio tas e pig me us me nta.is. No fin al d ac.1ue le m ês, o comi s-
sário geral da lnqt1isição, pa dre Vi ncen zo Firen zu ola, perceb e u que se Ga-
lile tt contin u asse n ega11d o, o que podia se r v is to cla ram ente n o liv ro q u e
escrevera, seria n ecessário u sai· d e n1a.ior .rigor n a administração d a jus tiça.
Para e \rita,r que isso acontecesse, obteve a utorização pa ra uma con versa
extra judicial com o acu sado. O resultad o foi que, no segu11do d ep oimento
d e 30 d e abril, Galile u disse que ao reler seu li.v ro fi ca ra surpreso com o que
encontrara, p ois o livro d ava ao leitor a impressão d e que o autor de fendia

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130 - - - - - - - - - - -- - - - - - Evolução das idéias da Física

discípulos Viviani e Torriceli s uas idéias sobre a teoria d o impacto quando


foi tomad o por muita febre. Morreu cm 8 d e janeiro d e 1642 e foi enterrado
na ig .r eja d e Santa Croce em Florença em ttm tún1t1lo sem qualquer inscri-
ção. O Grão-duque queria um funeral oficial e a construção de um monu-
mento, mas não obteve a autorização da Ig reja. O Diálogo só foi re tirado do
Index dos livros pro ibidos e1n 1835. Em outubro de 1992 o Papa João Paulo
IJ admitiu que Galileu sofre ra. injus tamente nas mãos da Igreja e d ecidiu
pela s ua absolvição.
É i11teressante mencionar qtte os missionários jesuítas na China, a partir
do final do séc XVI, ensir\avam a astrono1nia coper11jcana sem qtte encon-
trassem qualque r objeção por parte da [greja.
A seguir d a rei uma idéia ao leitor d o conte(1do dos dois livros mais im-
portantes de Galileu, o Diálogo e o Discurso. A1nbos são djvididos cm quatro
jornadas e, como já foi 1ne11cionado antes, apresentados como uma conver-
sação entre Salviatj (qt1e fala por Galileu), Sagrcdo e Simplicio. Em geral,
quando e u fizer uma afirrnação referente a Galileu estarei me referindo a
urna feita p or Salviati. Mas Galileu utiliza também o recurso de fazer os per-
son_a gens referirem-se ao Acad.ê mico, ou ao Autor, para falar de si próprio na
te rceira pessoa, e em geral, para reivindicar a autoridade ou prioridade d e
uma idé ia ou d escoberta.
Antes de apresentar o trabalho d e Ga lileu seria interessante porém,
u1.n breve comentário sobre o significado d e alguns conceitos físicos . Hoje
todos os termos u sados na Física são be m definidos, mas isso só aconte-
ceu a pa,r tir d e New ton. Os conceitos científicos tend em a ser mold.ados,
tanto quanto possível, cm analogias com os co11ceitos da experiência or-
dinária. O pape l da anal()gia é muito importante p·ara o progresso do
co11.hecimento, redu zindo o d esconhecido a termos familiares. Conside-
re m os, por exemplo, a palav ra ''força''. Mesmo quando usada como um
termo técnico, ela pode implicar s ignificados diferentes de acordo com
o contexto no qu,al é empregada. No passado, força, esforço e potência
eram s inónimos, como ainda o são na ling uage m popu lar. Para Galile u,
''força'' era essen cialmente um conceito ffs ico, porém o significado exato
d essa palavra es tava além da s ua capacidade, como ele mes mo m en-
cionou. Naquela é poca, a noção de ''força'' era qualitativa, e não havia
nenhum critério d e m edição d essa grandeza . Para designa.r força usou as
palavras em italiano: for za, pote1ize, virtú, possanza, 111-omento de/ln potenza,
etc. Ao discutir a inten sidad e do que h oje chamaríamos a componen-
te da força na direção d e t1m plano inclinado diz: ''Portanto o ímpe to,

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G a l i l e u - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 131

habilidad e, en e rgia, o u p od e-se dizer o m om e nto da d escida d o corp o


e m m ovimento é diminuído p elo pla no que o suporta e ao longo d o qual
e le r ola'' . Impeto (em italiano) é u s ado p or Galile u a lg um as vezes para
d esig nar a ação ins tantâ nea de um a força, o que ch a m am os h oje d e i111-
pulso. A palavra '' ímpeto'' usa da p or Galileu não era m atematicam ente
definida e, até certo p o nto, difere11te d o i111petu s d e Buridan. Mas o utras
vezes o te rm o indi ca a veloc idade adquirida por um obje to no final d e
um dado tempo. Ga lile u us a também a pala vra 1110111e11 to para i11dicar a
ação d e uma força (origina lme nte mo111ento fo i d efinid o por Bened e tti
co·m o torgu e). No Dialógo o te rmo t1101ne11 to, ou n'lo111ento delln po ter1 za in-
dica ''força'' no se11tid o está ti co. Com o d evido cuid ad o na interpret ação
das palavras u sadas por Ga lile u passem os ao n osso obje tivo.

Diálogo
O Diálogo sobre os dois ,11á.tin1os siste,nas do r11itrzdo ptolo,na ico e coper11i-
cano é uma d e fesa do siste·m a d e Cop é rni co. É este o propósito do li vro e
n ão o d e apresentar uma nova ciêr1 cia d o m ovime11to (o que acontece 11 0
Discurso). Alguns hi storia.dores afirmam n1esm o que a carreira científi ca
d e Galileu foi uma ba talha a favor d esse sis te ma. Ele n ão discute n o livro
os aspectos técnicos e as dificuldades matemá tica.s do sistema coper11ica-
no; seu objeti vo não é introdu zir o mod e lo, m as re m over as objeções a e le.
E mbo ra faça a teori.a he liocêntrica parecer mai s pla ttsívcl, não prova real-
rne11te sua valida d e. Ele n ão se oct1pa muito com deta lhes, fa la d e órbitas
circulares sem fa zer qualque r re fe rência d e q tte o m o d e lo copernica110
exigia. o u so d e epicicl os e excêntricos (assin1 o que ele chama d e s jstem a
cop ernica no n ão o é de fa to). Afirma que não pretende pro \rar a n1obi-
li.dade d a Te rra m as somente m ostrar qt1c, d os arg umentos d e in1obili-
dade 11ada se pode provar. O Diál ogo n ão é un1a o bra d e A s tro 11.on1ia (as
questões técnicas e m ate111á ti cas são e \1itadas ) e nem t1m tex to d e Fís ica.
Os resultados c n1 re lação ao movimento d os corpos, obtidos por Ga lile u
.n o in ício de Stta carreira científica em Pádua, s ão a presentados sem uma
orden ação s is temática e d.e maneira esp ars a. Ele apresenta d e n1an eira
resumjda, e sem d e m on stração, 1na tc1·i a l que ser á trata do em d e tall1es n o
Discurso. A obra se ca ra cteriza pe la crítica re pe tida ao princípio da a uto-
ridade e a ênfase 11a aplicação d a Matcn1á ti ca ao estud o da · a tL1reza. Se-
g t111dos a lg t1ns es critores hav ia na ép oca de Galile u uma se paração entre

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132 - - - - - - - - - -- - -- - - - - Evolução das idéias da Física

a. M a tem.á tica, usad a a p en as co m o ins trumento p ara d escre \1er me didas


exp erime11tais, e a ''Física'' qu e tra tava d a realida d e d a N atureza . Galileu
ao m isttir ar a Ma tem á tica com a Física se op ôs à cren ça d os teólogos que
j11lg ara m seu pro cesso n a Inquis ição.
O texto e11co11tra-se div idj d o em quatro jo rnad as, qt1e Jjdam resp ectiva-
n1ente com a re ftttação d as idéias cosmológicas d e Aris tó teles, com as obje-
ções mecânicas ao 1no\1ime nto d e rotação d a Te rra, com as objeções astron ô-
micas ao m ovimento d e translação d a Terra e com a teoria das ma rés.
Na p rimeira jo rna d a, Ga lile u re futa a di coto n1i a a ri sto téli ca e ntre
cét1 e Terra procura nd o m ostra r q ue 11ão h á di fe·re11ça d e natureza e11tre a
'ferra e os d em a is corpos celes tes. Com eça estud ando o m ovime nto. Con -
corda com A ris tó te les qu e os m ovime11tos são d e três tipos: circular, re to,
e t1m a mistt1ra d este com a qu e le . O m ovin1e nto circular, seg undo e le, é
p e rfeito, mas o m ovime nto re to é impossí,,e l n o mundo bem o rden a d o,
p ois a linha re ta é imperfeita, p orque se é infi11ita, falta -lhe o início e o fim,
se é finita, fora d e la exis te algo 110 q11 al p od e ser prolo 11gada . O mov ime n-
to re to é a tribuíd o aos corpos n atura is para re to rn a rem à ord em pe rfe ita,
qt1 a 11d o d e la fo re m re n1.<.)v id os e 11.â() p o d e, 11.a h.Lra lme n te, ser p e r p é tuo.
Assin1, o movim e nto re to te m duração limitada . Ele escre ve: '' ... sendo o
n1ovim ento reto, p or rt a tu reza, infinito, ,p orqu e infi11ita e i11.de termin a d a é
a linl1a re ta, é impossível que m óvel a lg um ten l1a p or n a tureza o princípio
d e m over-se p ela linha re ta, ou seja, p ara ao11de é i111poss íve l chegar, ine-
xis tindo um térmi110 pred e te rmin ad o''. Des te m od o, qu a ndo Galileu fala
d e m o,,imento re tilí11co e le qu e r dizer mov ime nto ao lon go d e uma p o r-
ção lim itad a d e u.m a lin.h a re ta. Pa ra e le, o m ovimento te m. 11m sign ifi cad o
a p e n as local, um a tra r1slação d e um po nto p ar a o utro, nunca um m o vi -
m ento que continu a e m uma d.ireção especificada p ara sempre. Alg uns
a uto res, b asea11do-sc n essas id é ias d e Ga lile Lt, dizem que ele pe nsava,
con10 Co pé rnico, qu e o Uni verso e ra finito. Sendo assim, e le n ão p odi a
con ceber um m ovim ento infinito. Na verdade, n o Diálogo ele afirma que
11ão l1avia s ido p ro,,a d o se o Universo era infinito ou finito, e que estav a
dis p os to a aceitar t1m U 11iverso finito para efei to d e a rgumentação. No
enta11to, cm uma carta a Fortuni o Lice te e m 1639 di sse que tinha dú v idas
sobre qua l asserção era a verd a d e ira, m as estava m a is inclina d o p ara a
id éia d e um U niverso infinito, embora acrescenta ndo que o infir1ito não
p odia ser compreendid o p elo 11osso it1.tclecto.
Conti11L1ando diz que, se por acaso uma parte d o Sol, ou d a Lu a, fosse
separad a d o seu tod o com violência, ela re tornaria para aí, espontaneamente,

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Galileu------- -- - - - - - - - - - -- - - - - 133

em movime11to re to. Ele prete·n dia, assitn, atacar a mencionada dico tomia d e
Aristóteles entre o céu e a Terra, mostrando que 11ão só o m o,,imento circular
podia acontecer na Terra, n1as que o movime11to reto também poderia ocor-
re r 11a região celeste.
A seguir esc1·eve que a Natt1.1·eza, para co11fe rir a um móvel, qtte a n-
tes estava e m rep o uso, uma d e te rmin ada velocidade, ela faz cotn que ele
se mo,,a p o.r algttm te mpo e m t1m m ()\timerlto re to . O mo,,ime nto circul a r
jamais p oderia ser adquirido ·n a turalmerlte sen1 o m ov imertto reto prece-
d ente, ma s tt1n a vez adquirido corlti11t1aria p e rpe tt1amente com velocida-
d e unifo rme. Afirma que: ''o movi111c11to re to ser,,e para g uiar a maté ria
na construção da obra, n1as uma ,,ez construída, ou fica imóvel, ou, se
é 1116vel, move-se circularmente''. Po t1co d e pois conti11ua : ''Tod o corpo,
constitttído e n1 um estado de repouso, n1as que por st1a na tureza seja
capaz de movimento, quando coJocado em liberdade m over-se-á, sempre
que tc nl1a por 11a tureza uma te ndê11cia a u111 lugar particular qLtalqucr ''.
U m corpo não pod e, portanto, segt111d o ele, simpl esme n.tc se afastar d e
un1 lugar, m as some nte se dirigir para un1 lu gar. Diz que d o is co rpos tê m
as mesmas ve locidad es quando os espa ços pe rcorridos tê:m a mesn1a pro-
p o rção que os tc1npos nos qt1ais são percorridos. Notem os que o te rm o
·v elocidade não tinha p ara Galileu o sig11ificado técnico qu e ele tem hoje.
Como já foi m e ncionado, Galilet1, como o utros, nã o acl1a va possível dj-
,,idir um comprime11to por um inter va lo d e ten1po . Ele raciocinava sobre
o quocie nte d e duas \rclocidades sem, contudo, d efi11ir velocidade com o
hoje o fazemos.
Outro ten1a dessa jor11ada é um estudo ex tc11so sob1·e a Lua. Ga lileu
analisa s ua superfície e a manei ra com o ela reflete a luz, e p a ra fa zer Isso
discute a física da reflexão. Faz tan1bé n1 comparações e nt.re as propri eda-
des da Lua e da Terra. Escreve que a Ltta e a Terra ilumin a1n-se 1nutua-
mente. Ele l1a via verifica d o, usando o telescópio, qtte existe uma ilumina-
ção secundária 11a superfície escura d a Lt1a, qu e e le expli cot1 como sendo
a ltl Z do Sol refl e tid a pela 1crra. Mostrou assim qu e a Terra dev ia brilhar
como os outros pla11etas e a própri a Lua, 11ão p orquê ti11h an1cluz pró pria,
ma s por refle tirem a luz sola1·. Rcafi1·ma a tese d e que não 11á dife re nça de
11atureza entre a Terra e os de n1ais corpos celestes . En1 res um o, a i1nutabi-
l1dade do céu fo ra destruída.
Na segunda jornada, Galile u coo1eça fazendo vários comentários so-
bre Aristóteles. Diz que, se Aristóteles estivesse vivo e visse as 11ovidades
d escobertas 110 cétt certamente mt1daria de o pini ão e corrig iria set1s Ii,,ros.

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134 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução das idéias da Física

Comenta que, com o telescópio, se viam coisas que Aristóteles não podia.
Louva o filósofo e diz que se deve estudá-lo, mas censura quem subscreve
cegamente cada afirmação dele como se fosse um decreto inviolável, isto é,
distingüe entre Aristóteles e o aristotelismo.
Em seguida, estuda o movimento: caracteriza o movimento com relação
a objetos que não participam desse movimento e o repouso co.m rela.ç ão a
objetos q.u e participam do mesmo movimento. É importante observar que
para Galileu o movimento é extrínseco à natu.reza das coisas, porque é de-
finido apenas como uma modificação das relações entre as coisas que não
têm sua co.n stituição natural modificada. Desse modo, movimento e repouso
são simples estados dos corpos. Essa definição elimina, porta11to, a distinção
ontológica aristotélica entre re pouso e movimento . .Esses conceitos passam
a serem relativos: só podemos dizer que um corpo está em movimento ou
e m repouso em relação a outros corpos. Na concepção pré-galileana o mo-
vimento e ra considerado como uma espécie de processo de mudança que
afetava os corpos submetidos a ele. Galileu i11terpretou o movimento como
uma esp écje de ser, não como um processo. Refutou, como outros o .h aviam
feito, a cc)ncepção aristotélica de que um corpo só se m ove se algum age11te
o m over. Afirmou gue o m o,;imento ·perseve.r a e 11ão precisa de agente. Vem
então uma parte importa11te onde a11a)isa os movimentos do nosso plane ta.
Afirma que não conseguimos pe rceber os tnovimentos da Terra e conclui:

Se para alcançar o mesmo efeito tonto faz se somente o Terra


se movo, ficando parado todo o restante do Universo, que se,
ficando parado somente o Terra, todo o Universo se mova com
um mesmo movimento, quem quererá acreditar que o Natureza
tenho escolhido fazer mover um número imenso de corpos
enormes, e com uma velocidade inestimável, para obter aquilo
que com o movimento insignificante de um só em torno do seu
próprio centro poderia obter'.

Parte a seguir pa1·a n1ostrar que o sistema de Copérnico é mais plausível


que o de Ptolomeu, apresentando sete argun1e11tos. No fundo todos os argu-
me·n tos são baseados na maior simplicidad.e do sistema de Copérnico, que
ele assim o afirma expli citamente como o primeiro argumento. otemos que
se a idéia de que ''a ah.1reza é simples'' é apenas uma suposição ontoJógica,
rigorosam.ente nada prova. Como segundo argumento, diz que no sistema de
Copérnico todos os corpos celestes se movem no mesmo sentido, isto é, para

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Galileu - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - 135

o leste, e11quar1to n o modelo d e Ptolomeu.


o m ovimento diurno d os corpos celes tes é
para o oeste, mas os m ovime ntos anuais d o
Sol e d os planetas são para o leste . Conclui
que isso não é impossível d e acontecer, m as
é m ais provável que nã.o aco11teça.
No terceiro argumento, escreve que no
sistema geocên.trico o n1ovim ento diurno
das estrelas fi xas viola o princípio da cor-
resp ondência entre o tempo d e revolução
e o tamanho da órbita. No quarto come n-
ta que, no caso em q ue a esfe ra das estre las Ptolomeu
fixas esteja em m ovimento, os movimentos
d essas estrelas aceleram-se e retardam-se em te mpos diferentes, o q ue é be m
mais improvável d e acontecer. Con10 quinto a rg umento usa o fato d e que a
precessão dos equinócios é tratada d e mane ira mais simples no sistema h e-
liocêntrico. o sexto discute a solidez da esfera celeste. Perg unta: o céu é só-
lido ou fluído? Q ual a lei que regula o movimento das estrelas? ''Parece-me
que, para isso, seja muito mais fácil e apropriado fazê-las imóveis ao invés
d e vagantes'', conclui. Fina lmente escreve que, se atribuirmos rotação à es-
fera st1perior (responsável p elo movjmento diurno de 24 horas) será preciso
dotá-la d e tanta força e p otên cia que colocará em movimen to todas as d e-
mais esferas (a esfera estelar, a esfera d os plane tas, até a esfera da Lua). Mas
o movimento não se trans fere à Terra que se encontra imóvel e indiferente ao
movimento e ao re pouso, cor1ti11ua. Por outro lado, se só a Terra girasse não
teríamos essas dificuldades, conclui. Os aris totélicos sabiam perfeitamente
que uma Terra em rotação era mais simples, apenas consideravam que isso
era impossível. O próximo passo é refutar os argum,entos contra os movi-
mentos da Terra. O mais comum é o seguinte.
Se a Terra estivesse e m rotação e d e ixássemos cair uma pedra do alto d e
uma torre, a p edra d everia chegar ao chão afas tada d a base da torre. Esse e fei-
to é comparado com a experiência n a qual d eixando cair uma b ola d e chumbo
do alto do mastro d e um na,,io que está parado, ela cai próxima à base do
mas tro; mas se o navio estiver em movimento, a bola tocará o chão afastada
de uma distância da base do mastro igual à distância que o n avio se deslocou
durante o tempo de queda da bola, e isto porque o m ovimento natural da
bola em queda é uma reta no sentido do centro da Terra. Finocchiaro5 comen-
ta que houve, na ép oca, relatos da exp e riência tendo sid o feita e fornecendo o

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G a l i l e u - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - 137

da revolução em torno do Sol é peq L1 e110 em comparação). Se não houvesse


a força da gravidade, os corpos que 11ão estivessem fixos ''seriam deixados
para trás'' devido ao movimento rotacional. O que acontece é que um. cor-
po sob a ação de uma força central descreve um movimento em torno do
centro da força. Como todos os corpos estão sujei tos à gravidade eles ''se-
guem a Terra girando'' . Gali leu, no entanto, pensava em um tipo de ''i11ér-
cia circular''. Notemos que o efeito de rotação da Terra pode ser detectado
experimentalmente. Um exemplo é o aparecimento da força de Coriolis,
que afeta o movime11to de grandes massas de ar e faz com que ciclones e
tornados tenham sentidos opostos de rotação nos d ois l1emisférios, e tem
um efeito apreciável em tiros de artilharia em navios quan.d o próximos dos
pólos (onde a força é maior). Dttrante a Primeira Guerra Mundial, e1n uma
batalha naval perto das Ilhas Malvinas, os artilheiros britânicos não co·n-
segu.iram acertar navios alemães, porque os m ecanismos de tiro estavam
calibrados para o hemisfério norte.
Galileu complemer\ta a experiência do navio com u,ma outra. Se uma
pessoa que estivesse montada em um cavalo correndo velozme11te soltas-
se uma bola, esta, atingindo o S()lo, continuaria seu movimento seguindo
o cavalo, sem ficar para trás, a não ser que fosse impedida pela aspereza e
irregularidade da estrada. E se o cavaleiro atirasse uma pedra para o alto, do
mesmo modo que o faria se estivesse parado, ela (desde que não fosse muito
leve) voltaria sempre a cair em sua mão.
Simplício apresenta a seguir argumentos de Ptolomet1 co11tra o movi-
mento de rotação da Te.r ra que trata das coisas que, separadas dela, man-
têm-se no ar, como as nu vens e os pássaros, e a inexistência de um vento
qu.e de·v eríamos sentir constantemente, como acontece qu ando corremos a
cavalo. Salviati responde ao argumento dizendo que a parte do ar inferior
às montanhas ma.is altas é transportada circularmente pela aspereza da su-
perfície terrestre, ou seja, segLte naturalme11te o movimento diurno, o que
r1ão acontece com o ar que está ein volta do navio. Por outro lado, a pedra
que cai do topo do mastro entra 11um meio que não te1n o movimento do
navio.O movimento de rotação é natural para a Terra e para tudo que faz
parte dela, Galileu escreve, enquan.to o movimento do navio é violento, e o
ar comporta-se diferentemente em cada um dos casos. Ele, como outros em
sua época, acreditava que o a.r ia até à órbita da Lua, por isso pensava que o
arrastamento do ar era parcjaJ.
Em uma passagem famosa, Sa1viati djz que se colocarmos uma bola
perfe itamente esférica e pesada sobre uma su perfície inclinada plana e

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138 - - - - - - - - - - - - - -- - - Evolução das idéias da Física

polida e a soltarmos, ela se m overá espontaneame nte .n a direção do d e-


clive. Ele s upõe q_u e a resis tên cia d o ar e qualque r o ut_ro impedime11to
sejam retirados. Si1np lício, inte rrogado, concorda que a bola continuaria
a se move r a té ao i11.finito, se tanto durasse a inclinação do p lan o, com um
m ovime nto continuamente acele rado, e, quanto mai o r fosse a inclin.ação
maior seria a velocidade. No caso contrário, para fa ze r a bo la se mover
para cima seria necessário que fosse impelida por algum ímpe to n ela im-
presso. O movimento que lhe foi impresso \rai continuamente enf1·aque-
cendo, até que finalm er\te se anula.
Notem os que p ara Galileu o te rmo ímpeto não correspo11de a um con-
ceito d efinido m at en1aticam ente, mas a uma idéia intuitiva, d e uma quali-
dade p oss1.1ída por um corpo em m ovimento e que lhe p ern1ite conservar o
m ovimento, não é uma cat1sa d o m o,,imento, m as um efeito d o m ovimento
e da velocidade. Em a lg umas passagens usa o termo como se fosse s inô11imo
de velocidade, n o Disc1,1rso identifica o termo com o n1omento.
Galile u passa e ntão a co·n.s ide ra r ttma s uperfície que n ão está n e m
em aclive ne m e m d ecli ve. Sa lv iati pe rg unta: ''se fosse dado um ímpe to
à bo la o que aconteceria?'' Co11 clui qu e se a s upe rfície fosse ilimitada, o
m ovim e nto ne la seria ig t1alm e nte sem fim, a m e n os que a lg u1n o bs tácuJ o
a impedi sse d e assi c11. o fa zer. Ao qt1 e parece, Galil eu p od e te r sido in-
flu en ciado por N ico lau d e C u sa (1ue hav ia discutido anteriorme11tc o mo-
vimento p e rpé tu o de um obje to colocad o em m ov imento em uma Ter1·a
p er.feitamente esfé rica e s uave.
Essa passagem sobre o comportame nto de Ltma esfe ra e m um plano
horizontal levot1 a uma Jo nga discu ssão acerca do conceito galileano d e
m ovimento inercia} e na tura l. Os esttrdiosos apontam três p o rttos d e dife-
rença entre a idéia d e Ga lile u e a primeira Lei d e · e'A,to n_: a) Para Galile u,
a direção h o ri zontal 11ão é re tilí11ea, mas circt1la1· ao longo da ci rcunferên cia
terrestre, po is, com o ele m esm o escreve maj s à frente, uma superfície que
n ão fosse ne m d eclive ne m aclive d everia ser e m todas as su as partes igt1al-
m cnte afastadas d o cent1·0 d a Terra. Ele d eu o primeiro passo em direção à
inércia 11ew to nia na: em te rra, os corpos tcr1·estrcs poderiam continuar a se
mover e tcrn.a n1entc, tal como os corpos celestes, n1as não d et1 o segundo
passo introdu z ind o o m ovim-e nto re tjlíneo. b ) ão é dito explicitamente
que o m ovi111ento é uniform e, e mbo ra pareça ser essa a idéia. e) Os impedi-
m entos 11ão são pensados como forças . Vemos que Galileu estava cm con-
tras te com a noção aristotélica d e qu e todo m ovimento circular n a região
sublur1ar d everi a ser forçado.

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Galileu---- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 139

Galileu fez toda a discussão do plano inclinado para voltar ao caso do


navio. Escreve que um navio que percorra um mar calmo é um daqueles mó-
veis que transita sobre uma daquelas supe·r fícies (ou seja, que n ão está nem
em ac}i\1e nem em declive) e a pedra no to po do mastro se move levada pelo
navio seguindo a circunferência de um círctilo em tom o do centro da Terra e,
em. conseqüência, com um movin1ento indelével nela.
Em seguida, introdu z o principio de composição d os movimentos, que
associa ao d a conservação do tnov imento. A pedra em queda tem um mo-
vimento composto: o movimento de queda não destrói o mov imento hori-
zontal já possuído pela pedra. Os dois movimentos (ho rizo11tal e vertical)
se comportam como se agissem independentemente. A aceleração da queda
age do mesmo mod.o em um corpo que cai livremente como em um corpo
lançado em uma direção qualquer. O tempo d e queda p ermanece o mesmo,
qualquer que seja a velocidade do movimento na l1o ri zontal. Afirma que se
déssemos um tiro com uma arma apontada na ho.rizontal e, ao sa ir a bala
da p onta do can o, deixássemos caj r uma outra da mes,m a altura para baixo,
ambas chegariam ao solo no mesmo instante. A composição de movimentos
é estudada em mais detalhes no Discurso.
Salviati analisa a trajetória da pedra caindo do alto da torre vista por
um observador fo ra da Terra e, po rtanto, não te11do o movimento de ro ta-
ção. Ele vê a pedra com Ltm movimento composto do movimento vertical
acelerad o de qued a e1n direção ao centro da Terra e do movimento circular
unifor1ne de rotação. Conclui, erro11eamente, que a linl1a descrita pela pedra
é -u m semiá rculo começando no alto d a torre, e, se prolon gad o dep ois de
tocar o chão, terminaria no centro d a Terra.
Galil eu escreve aqui que o corpo ch ega nd_o ao centro da ..fe rra ficaria
lá em re po uso, mas comete uma contradi ção ao a firm ar m a.is tard e que
se o globo terres tre fosse .p erfurado p elo centro, um a pedra d escend o po r
tal p oço, adquiriria a té o centro ta l ímpeto que, ultra passand o o cent.r o,
subiria por um.a distância ig ua l àqu ela que tivesse sid o o d e stta qued a,
diminuindo se1npre d e \1 clocidad e p ara alén1 d o centro. Ele compara esse
m ovimento com aquele d e t1m pêndt1lo. Um a discussão sem e lhante a
esta fo.r a a,p resentad a a-n teriorm ente p o r Alberto d a Saxôni a (1316-1390).
O _resme também h avia considerad o o problema d e um objeto cair1do em
um buraco n a Te rra e compara ra esse movimento com aquele d e um
pêndulo, m as n ão provara que esses d ois mov imentos era m matemati ca-
men.te equi valentes.
Quando falamos de um corpo cair1do em direção ao ce11tro d a Terra

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140 - - - - - - - - - - - - - -- - - - Evolução dos idéias do Física

precisam os fa.zer algumas suposições. Se o corpo cai ao lon go d e um túnel


oscilar á em torno do cen.tro d a Terra. Se, por outro lad o, imaginarmos que a
Terra fi casse permeável ao corpo, ele não alcan çari a o centro, m as gira ria em
torno dele, como pod e ser dem ons trad o usando as leis d e Ne\t\1ton.
Par a explicar p orque em tiros para o p oente e para o nascente a bala
toca o ch ão à m esm a dis tâ11cia d o ca1u1ão, Galile u a p rese11tou a experiên cia
d e uma carroça em m ovimento, o nde d ela são a tira d as duas flechas, uma
n a direção d o m ovim.e nto e outra na direção op osta. Marcando a p osição
d a carroça no m omento exato e m que as flechas tocam o solo, veremos que
as dis tân cias entre as flechas e a carroça serão iguais 11os d ois tiros. Ele
explica em segu id a a razão: supondo que a velocid.ad e d a carroça é d e um
gra u, e a d a flech a d e três g rau s, a fl ecl1a atirad a para f.r ente terá qua tro
grau s d e velocid ade e a p ara trás d ois gra us, a p artir d aí fi ca fácil m ostrar
a igualdad e d as dis tâ11cias.
Um d os argume ntos d e Aristóteles a favor da in1obilid ad e da Terra é
verificar que os projéteis lançad os ou d ispa rad os d iretam ente para cima vol-
ta m ao longo d a mesm a linha ao m esm o local d e 011de .foram disparad os ou
lan çados . Na é p oca dos gregos e le s se re feria m a p edras, flecl1.as o u la n ças.
Na época d e Galileu e ra m ajs comu1n o exemplo d o tiro d e canhão. Galile u
ai1a lisa o tiro d e canhão para cima (tiro vertical) e diz que a solt1ção é ames-
m a d aque la da pedra que cai d a torre. O canhão e a bala que está d entro d ele
pa rticipa m do mesm o m ovimento que tem a Terra. Ao discutir a composição
de m ovimentos d a bala d entro d o canhão, Galileu faz alguma confu são. Ele
s upõe a composição d e d ois m ovim entos retilíneos. O que não é o caso, pois
o canhão desloca-se por uma circunferên cia; a bala te m u111 1novim ento cir-
cula r ao acompa11har a Terra. A trajetória d a ba la fora d o canhão, para. um
observad or fo ra d a Terra, é pa rabólica, com o Galileu d emons tra m ais tarde.
Ele tem aqui dificuldad es n a composição de un1 m ovim ento retilín.e o com o
movimento circular d e ro tação d a '"f erra.
No caso d e tiros para o sul ou pa ra o norte, Galileu afir ma, d eve-se
esperar um peque110 d esvio como efeito d o m ovimento d e rotação d o n osso
planeta, pois se o canhão é colocad o m ais para o pó]o que o alvo (no caso
d e tiros para o sul ) o seu m ovimento é m ais len to por ser feito num círculo
men or, no entanto tal diferen ça pod.e se.r d esprezad a p or conta d a pouca
distân cia en tre o ca,nhão e o alvo. Ele previu, assim, u1n efei to real d a ro tação
d a Terra. A11.alisa a seguir tiros em alvos n1óveis, vôos de pássa ros e, com o
argumento final d a nulidad e d e tod as as experiências apresentad as contra o
m ovimento d a Terra, volta à experiên cia do nav·i o, escrevendo:

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142 - - - - - - - - - - - - -- - -- - Evolução das idéias da Física

corpo de continuar seu movimento p ela tangente for maior do que sua ten-
dência de cair para o centro da Terra, conclui. Tenta a seguir demonstrar, er-
roneamente, que nen_huma velocidade tangencial, por maior que seja, p ode
su.perar a tendência natura l de dirigir-se para o centro, p or menor que seja.
No final do estudo sobre a ex.trusão ele escreve:

... a resistência que vem da velocidade do movimento compensa


aquilo que depende da gravidade de um outro móvel; de modo que,
consequentemente, tanto resiste o ser freado um móvel de uma libra,
que se mova com cem graus de velocidade, quanto um outro móvel de
cem libras, cuia velocidade seja de apenas um grau 7..•

Galilett chega, assim, implicitamente à idéia de que o produto da massa


pela velocidade não muda, mas notemos que ele fala de peso, não de m assa.
Galileu apresenta o cálculo p ara o tempo que levari a uma bola de fer-
ro para cair d a Lu a até a Terra. Escreveu: ''Em rep etidas experiên cias veri-
fi camos que urna bola de ferro pesando 100 libras cai de uma altura de 100
b raças c n1 cinco s cgur1.d os''. A 11tcs d e prossegt1i r n o te m os q u e, s e to m a rmos
1 'b raça. = 583 mm., obtemos para a aceleração d a gravidade g = 467 cm / s 2,
que é a metade d o valor médi o co rreto g = 980 cm / s2. Ele continu a: ''se
100 braças se percorrem em 5 segundos, 588.000.000 braças (a dis tância d a
Terra à Lua usad a por ele) serão percorridas em 1_2124 segundos, que são
3 horas, 22 minutos e 4 segundos''. Ele usou a relação, que será discutida
em mais deta lh es no Discurso, de qu e a distância percorrida por um corpo
em qued a li v re varia com o quadrado d o tempo. Historiadores têm di scu-
tid o porqu.e Galileu forneceu um valor in correto p ara a gravidad e. Alguns
alegam qu e ele não fez a experiência e esta \ra ap enas usand.o um número
inteiro p ara estima r uma ordem de grarid eza. 1\tlas parece, como ele mes-
mo men ciona, que queria apen as refutar um filósofo aristotéli co (em uma
carta escrita mais tarde ele ide11tifica esse filósofo com o Padre Schciner)
que ha via escrito que uma bala gastaria m ais d e seis dias :n a qu eda d a Lua
até a Terra. Ele supôs que a ace leração da gravidcade era constante, porque
para ele a gravidad e era uma propried ade inerente d os corpos físicos. Seu
conceito d e grav idade nad a tinha a ver com o sentid o que esse conceito
adquiriria na teoria d e e,.v ton. De certa forma era a.inda u.m con ceito aris-
totélico. Galileu, também, nunca imaginou o peso como uma fo rça. Para ele
''peso'' era um a propriedade do corpo. Ele sempre falava d a tendência dos
corpos pesados em se mover p ara o centro da Terra.

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G a l i l e u - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 143

Escreve também que se a bala tivesse o movimento circular das vinte e


quatro horas ju11tamente com a Terra, ''aquela mesma virtude que a fazia gi-
rar antes, continuaria a fazê-la girar também na descida'', e ela p ermaneceria
sempre sobre o mesmo ponto da Terra, sobre o qual estivesse no momento
da caída. ''Mas se a bala na órbita da Lua não tivesse rotação, ao descer, não
estaria obrigada a permanecer-se perpendicularmente sobre aquele ponto da
Terra que lhe estivesse por baixo quando começou a descida''.
Discute e critica a teoria de movimento de Aristóteles dizendo que consi-
dera movimento natural tanto o movimento para cima de um corpo devido ao
ímpeto, como o movimento para baixo devido à gravidade. Ele menciona que
palavras corno gravidade, a 11ati1reza, virti,de impressa, etc. são simples nomes que
atribuímos às causas desconhecidas da queda dos corpos e ao movimento plane-
tário. Segundo ele, sabemos o nome, mas não sabemos a essência do movente.
Ele critica a diferença entre mov imento natt1ral e violento e volta à
p edra ca indo em um túne.l passa11do pelo ce11tro da Terra dizendo que ao
passar pelo centro o movimento natural converte-se em violento. O mesm o
acontece com uma bola deslizando p or uma superfície curva, ou com um ob-
jeto preso em uma corda afastada da perpendicular, conclui. Algumas idéjas
sobre o movimento apreser1tadas de uma ma11cira breve na segunda jornada
são discutidas em mais detalhes no Disci,rso.
A terceira jo rnada é dedi cad a à Astronomia e ao estudo d o movime11to
anual da Terra, mas é bom que se diga que Galile u nunca te11to u uma ex-
plicação para a causa dos movimentos planetários. Começa com uma longa
e monó tona discussão sobre o problema d as estrelas supernovas (que na-
quela ép oca eram chamadas d e novas). Elas punham em cl1eque a eternida-
de, a imutabilidade e a incorrLtptibilidade dos céus. Elas não podiam estar
a distâncias infinitas, pois tal lugar 11ão existe e se
existi sse seriam i11 visívei s, afirma. Por o utro lado,
com o bem o sabia, a não precisão dos instrumentos
astronômicos daquela é poca não p ermitia dizer se
a estrela estava no infinito ou não. Em relação às
estrelas fix.as, Galileu não acreditava qt1e elas esti-
vessem espalhadas numa supe rfície esférica, ig ual-
m ente d istantes de um centro, mas suas distâncias
da Te rra deveriam ser diferentes, tal que algumas
poderiam estar duas o u três vezes mais afastadas
que o utras. Aproveita a o portunidade para explicar
Friedrich Bessel o fenômeno da paralaxe. A paralaxe estelar só foi

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144 - - - - - - - - - -- - - -- - - Evolução das idéias da Física

obervada em 1838 pelo astrónomo alemão Friedrich Bessel, mas, por então,
a teoria l1eliocêntrica já estava bem estabelecida.
Para o n1ovimento d,a Terra em tor110 do Sol ele nova1nente apresentou
argumentos de sin1plicidade, a variação da distâ11cia dos planetas à Terr·a, as
fases de Vê11us, etc. Apresentou ainda algt11nas razões plausíveis para esse
movimento da Terra. Entre elas a afirmação de q,ue a Terra está posicionada
entre Vénus e Marte qt1e realiz,a vam revoluções orbitais. O pe.ríodo de tim
a11:o da revolução orbital da Terra é intermediá.rio entre os períodos de nove
meses e de d ois anos de Vênus e de Marte, respectivamente. São todos argu-
mentos plausíveis, .m as rigorosam ente n ada provavam. Júpiter ter satélites
indica\ra apenas qt1.e havia no sistema solar corpos que não giravam son1ente
em torno d a Terra. A existência das fases de Vênus era compatível com a teo-
ria av·e ntada por Tycho Brahe. Em segt1ida faz uma di scussão longa sobre as
manchas solares, afirmando, incorre tame11te, que foi o primei1·0 a descobri-
las. No final dessa. jornada, Galileu discute as idéias de Gilbert sobre o mag-
netismo terrestre e descreve experiências com a calamita. Suas investigações
sobre o magnetismo d ão mais uma mostra de sua capacidade de observação
s is tem ática e da a pli cação d o m é todo experime ntal.
Na quarta jornada, apresenta o que e le acredita va ser a prova d efi-
nitiv a do siste ma d e Copérnico (e este é o objeti,10 principal do Diálogo):
as marés só pode riam resultar do movimento combinado d e rotação e
translação da ~ferra. A teoria esta,1 a errada e aq ui vou apresentar apenas
t1m bre\re resumo.
Consideremos t1m ponto na superfície da Te rra. Ele tem dois movime11-
tos: a rotação diária em torno do eixo d a Terra e a rc,,olt1ção anti ai em tor-
n.o do Sol. Segundo Galilett, à noite, os dois mov imentos se somam, de dia
eles se subtrae1n. Assim a ter-ra firme mo\,e-se mais depressa de noite e n1ais
devagar de dia. Como resultado, a ágtta fica para trás de noite e move-se
para frente de dia. (O erro de Galileu foi considerar o mo,,imento da Ter-
ra em relação às estrelas fix as e o mov ime11to da água em relação ao eixo
da Terra). Mas essa cau.sa primária 11ão é suficic11te para prodt1zír as dttas
marés diárias. Ga lileu se vít1 obrigado a introduzir causas sectmdárias que
afetariam o efeito primário. Um desses efeitos ele associou ao movimento
de utn pênd·u lo: a água realizaria uma série de movimentos alte1·nados de
ida e volta, como acontece com o pêndulo, antes de alcançar o repouso, e a
freqi.iê ncia desse movim.ento dependia da proftu1didade do mar. Galile u cri-
ticot1 aqt1eles que atribuía m a cau sa. das marés à Lua, mas devemos lembrar
qt1e ele procurava uma explicação mecanicista, e a influência da Lua soava

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146 - - - - - - - - - - - - - - - - - - Evolução dos idéios da f ísico

coesão qu e aparece entre as duas placas d eve estar preserlte também


e11tre as partes d e um sólido.
Analisa o problema do infinito e conclui que, da mesma forma que
uma. lirlha finita tem infi11itos pontos, um sólido é feito de um número in-
finito de átomos. Discute a metamorfose da transição do fi11ito para o in-
finito. Escreve que, quebrando u.m sólido em muitas partes, reduzindo-o
ao mais 6110 pó e resolvendo-o em infinitamente pequenos átom os ir,divi-
síveis, o sólido é reduzido a um co11.tinui1n-i, talvez t1m fluíd o co.m o a água
ou um metal líquido. Essa p assagem d eixa claro que Galileu sustentava
a concepção atomista da con stituição da matéria. Ele, através de Sa]viati,
afirma que podem os provar c1ue dentro d e LLma ex ter1são fin ita é possível
d escobrir um número infinito d e ''vazios'', e em assim o fa zend o cl-lega1:
a uma solt1 ção para um dos problen1as mais n otáveis desde Aristóteles.
O problema, chamado d e "a roda de Aris tóteles'' a p artir d o final do séc
XV, levou a di\rersas investigações sobre a estrutura do espaço e em al-
g uns casos a rejeição da doutrina tradicional aristotélica da continuidade.
O problema é essencialmente esse: dois círcuJos co11cê11.tricos com raios
difere11tes, liga dos rigid amente um ao outro, move m-se de taJ forma q,ue
ca da um deles, durante t1ma rotação completa, 1·olam ao lo11go de um a
linha reta (figura 4.1). Como podem essas linl1as te r o mesmo comprj-
mento, sendo geradas po1· circunferências de rai os dife rentes? ''Va zios
interpostos'' ou ''m o1nentos de repouso'' infi11itesimais e ram postt1lados
para ·resolver o problema. Ga lile11, depois de uma longa disct1ssão sobre o
tem a, diz qu e a li11ha descrita pelo círcul o maior consiste de um n(1mero
infinito d e pontos qt1c a prec11cl1em compl etamente, enquanto que aqu,ela
traça.da pelo círculo menor consiste d e um nú1nero infinitos d e p ontos
qLte deixa m espaços \razies e preen chem a linh a apenas parcialmente (in-
finiti punti parte pi eni e p arte vacui).

Figura 4 . 1. Rodo de Aristóteles

A1---+---+---~~--------~-----º~
e E
F
B

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G a l i l e u - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 147

Descreve, então, uma experiência onde duas pessoas, à noite, carregan-


do duas la11te rnas providas d e obturadores, postam-se distanciadas uma da
out1·a a uma longa dis tância. U ma a bre e fecl,a o obh.1rador e a outra, ao ver
o lan1pejo, faz o mesmo. A d em ora na cl1egada d o sinal d e vo lta indicaria que
a luz se propaga com uma velocidade finita. Galileu diz q11e fez a experiência
em curta dis tância, menos que uma n1ilha, e não foi capaz d e asseverar com
certeza se o aparecimento da lt1z oposta foi i11s tantâ11eo o u não; mas se 11ão
foi instantâneo foi muito rápido, co11clui. Hoje sabem os que a velocidade da
luz é enorme e jamais pod eria ser m edida em u1na experiê11cia como a d es-
crita por Galileu, 1nas o interessante é observar s11a capacidade para propor
m étodos experimentais.
Galileu critica a afirmação d e Aris tóteles d e que se duas p edras, uma
p esa11do d ez vezes mais que a o utra, são soltas ao m esmo tempo e cai11do da
m es1na altura, a mais pesad a ch egaria ao solo primeiro. Ele faz Sagred o di-
zer ter verifi cad o exp erimentalmente que t1m a bala d e ca11hão e uma bala. d e
m osquete, em queda li vre, chegavam ao so]o q uase ao mesmo tempo. Salvia-
ti responde que mesmo sem faze1· a experiência é p ossível provar por m eio
de um breve a rg umento qt1e t1m corpo pesado não ca i 1nais rapidamente que
um leve, d esd e que ambos sejam feitos do n1esn10 m.aterial. O argt1me11to
(tomado d e Be ned ctti) é como segue. Se ton1armos dois corpos cujas veloci-
dades naturais de qL1ed a sejam dife rentes, é óbvio que ao unirmos os dois, o
mais rápido será parcialmente reta1·dado pelo m ais len.to, e o n1.ais lento será
apressad o pelo mais veloz. Galile u co11tinua:

Ma s se isto for verdade, e se uma pedra grande move-se com


uma velocidade, de, digamos, oito, enquanto uma meno·r move-
se con, unia velocidade de quatro, então quando elos estiverem
unidas, o sistema se moverá com uma velocidade menor que
oito; mas as duas pedras quando an1arradas iuntas constituem
uma pedra maior que aquela que sozinho antes movia-se com
uma velocidade de oito. Então o corpo mais pesado move-se
com uma velocidade menor do que a·q uela do mais leve, um
efeito que é contrário à suposição inicia/8 .

Esse argumento não prova qLte ''os corpos caem com a m esm a velocida-
d e'', apertas refuta a afirmação d e que a velocidade d e queda é proporcio11aJ
ao peso, gue em si já é uma afirn1ação estranha, pois a velocid ad e aume11ta à
medida qt1e o corpo cai . Pouco d epois Salviati co11clui: '' .. durante uma qued a

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148 - - - - - - - - - - - - - - - -- - Evolução das idéias da Física

livre e n atural, a pedra pequena 11ão pressiona sobre a .m aior e conseqüente-


mente não a.umenta seu peso com o ela o faz quando em repou so''.
Come nta depois sobre o efeito d a resistência d o meio em um obje to
caindo. U m ped aço de o·u ro, escreve, ''a m ais den sa d e tod as as substâncias''
quando batido em uma folha muito fina flutu.a no ar. U m corpo que tem a
''gravidade específica'' me11or que a d a ágt1a não afunda qttando colocado
de ntro d a água, mas sobe. Um balão sobe no ar, mas cai no vácuo. Depois d e
disctitir vários problem as, Salviati afirma expl icitamente: ''Tendo observad o
tudo isso cheguei à conclusão d e que em um meio totalmente livre d e resis-
tência todos os corpos cairiam com a mesma velocid ade''. Galj leu foi capaz
de fazer (o que Aristóteles nunca foi capaz d.e conceber) ''experiências d e
pensamento'' onde corpos caiam sem resistência no vácuo. Com essa ideali-
zação ele isolou os feitos essenciais d os não essen ciais do fenômeno d o mo-
vimento. Para os aristotélicos, d espreza r a resistêr1cia d o ar (ou o atrito) er a
abandonar o mundo real a fa\1or de uma fantasia matem á tica. Se partirmos
apenas d a experiência é m ais provável que chegt1em os à mecânica aristo té-
lica. Em contraste, Galileu começou com a análise de condições idealizad as
qt1e a experiên cia não podia alcançar. Tendo d efinido o ideal ele pod e, e ntão,
e ntender as limitações que as con.d ições materiais acarretavam .
Continua11do a conversa sobre a qued a d e corpos, Salvia ti d iz que é
muito provável que tim corpo caindo d e uma certa altura, ao chegar ao solo
terá ad quirid o tanto 1no111e11tu1n quanto o necessário par a levá-lo à mesma
altura de ond.e ele foi solto, como pod e ser verificad o no caso d o pêndulo. O
pê11dulo diminui a amplitude d a oscilação porque perde mo11·1ent u1n d evido
ao atrito com o ar. Da mesm.a form a, um bal a de canhão a tirad a para cima
volta ao ponto de p artida com qt1ase a mesm,a velocidade d e lan çamento,
a diferença se d eve ao a trito com o ar. Observemos que Galileu tinha uma
idéia d a conservação d o mo1ne11tun1 (quan tid ad e de movimento), mas não
chegou a definir exa tamente o que e11tendia por esse termo.
Galile u m ostra como p odemos e11contrar o peso d e um corpo no vácuo,
pesando-o no ar. Explica que quando um corpo está imerso no a r ele perde
en1 peso uma qua r1tid ade ig ual ao _p eso d e um volume d e ar equivalente ao
volume d o corpo. Ele, ao contrário d e Aristóteles, não disting ue entre corpos
leves e pesados. Diz que quai1do uin corpo sobe, não é porque seja leve, m as
porque se encontra em um meio rela tivamente m ais pesad o, isto é, com um
grau de d ensidade maior que a d o corpo que está imerso nesse meio.
Na parte final d a pri1n.eira jornad a há urna discussão sobre música e
som . Sagred o diz que não entende p orque algumas combinações de tons são

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Galil e u - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - 149

mais agradáveis d o que o utras, e p o rq ue se temos duas cord as esticadas em


uníssono, quando uma delas é tocada, a outra começa a vibrar e a emitir uma
n o ta . Salviati passa a explicar faze ndo uma an a logia com o m ovimento d o
pêndulo. Começa com a afir1nação d e que o te1npo d e oscilação 11ão d ep ende
da amplitude. Em seg1.1ida fala:

Os tempos de vibraçã o de corpos suspensos por cordas de


comprimentos diferentes, estão ur1s para os outros na mesma
proporção que as raízes quadradas dos cornprimentos das
cordas; ou podemos também dizer que os comprimentos estão
uns para os o utros como os quadrados dos tempos 9 .

U1n p êndul o tem um tempo de vibração (p e ríod o) b e.m definid o, Sal-


viati continua, e n ão tem os com o mu.d á-lo . Po r o utro lad o, pod e m os trans -
mitir n1()v ime nto a um pê ndulo pesad o que está em re p o u so simplesmente
sopra11do ne le; rep e tindo os sopros com uma freqüên cia que é a m esma
daquela do pêndulo podemos fo rnecer um movimento conside rável. Em
seguida escreve.

Suponha que pelo primeiro sopro deslocamos o pêndulo da


vertical de meia polegada; então se, depois que o pêndulo
retornou e estó prestes a começar a segunda vibração,
acrescentarmos um segundo sopro, forneceremos movimento
adicional, e assim com os outros sopros desde que eles se;am
no momento certo, e não quando o pêndulo está vindo em
nosso direção, pois neste caso o sopro irnpedirá em vez de
ajudar o movimento. Continuando esse processo, com muitos
impulsos forneceremos a o pêndulo tanto momentu m tal que um
impulso maior do que aquele de um único sopro será necessário
poro pará-lo 'º·

Salviati diz, então, qt1e o m esm o acontece com as cordas da cítar a, isto
é, ttma corda vibrando colocará outra e m 1novimer1to não somen te quando
as d t1as estão em un'Íssor10, mas mesm o qua11do diferem uma d a o utra por
um oitavo o u um quirtto . Colocando em vibração a corda de uma vio la e
a proximando d ela um cálice d e vidro fino co1n o m esm o tom que aquele da
corda, o cálice vibrará e ressonará at1dível. Finalmente há uma discussão de
com o a freqüência de ttma corda vibrando d epende d e seu comprin1e nto e

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150 - - - - - - - - - - - - -- -- - - Evolução das idéias da Física

como percebemos o som. A descrição deixa claro que Galileu. acreditava que
o som se propagava no ar com o ondas.
Na segt1nda jornada, Galileu estuda principalmente a causa da coesão dos
materiais. Vou escolher apenas algumas das afirmações dele para ilustrar.

• N o coso de fraturas, o resistência é maior em um puxão direto


do que em um encurvamento.
• Em uma alavanco, a força está para o resistência na
razão inverso do distância q ue separo o fulcro do forço e da
resistência respedivomente.
• Em prismas e cilindros de iguais comprimentos, mos de
espessuras desiguais, a resistência à fraturo aumento na mesmo
razão que o cubo do diâmetro do espessura, isto é, da base.
• Um osso cuio comprimento natural aumente três vezes
e cujo espessura foi multiplicada até que, paro um animal
correspondente, execute os mesmos funções que o osso inicial
executaria, pareceria foro de proporções. Se desejarmos manter
em um gigante os mesmos proporções de membros que aquelas
encontrados no homem normal deveríamos ou encontrar
um material mais resistente, ou admitir uma diminuição do
resistência em comparação com o homem normal. Esse gigante
poderia até mesmo desmoronar sobre o próprio peso. Ao
compararmos um animal em terra com um peixe, devemos levar
em conto que o peso aparente de um animal dentro da água é
menor do que se ele estivesse em terra.
• Dado um cilindro ou bloco é possível encontrar o
comprimento máximo além do qual ele não pode ser
prolongado sem quebrar sob o seu próprio peso. Observemos
que os demonstrações geométricas é que tornam o tratamento
de Galileu em uma novo ciência.

A terceira jornada, dedicada ao estud o do movimento é dividida em


três partes. A primeira lida com o movimento uniforme, a segund a com o
movimento uniformemer1tc acelerado e a terceira trata d o movimento d e
projéteis. A partir daqui o tratamento fi ca mais matemático e mais difí-
cil de ser acompanh ado pelos leitores leigos. Galileu. começa escrevendo
''Meu propósito é apresentar uma nova ciência lidando com ttm assunto
muito anti go'', e o assunto é o movi mento. O método usado consiste de,

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Galileu - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 151

a partir d e axiomas e d e certas d efini ções adicio11ais passar para a análise


dos conceitos d e movimento e e.n unciar teore mas e seu s corolários, que ele
d emonstra geom etricamente. A ciência d o movimento é reduzida assim a
leis matemáticas d eduzi das m ediante um processo d e inferência d os p os-
tulados previam ente enunciados. Essas leis levam a predições que podem
ser verificadas exp erime ntalmente.
Ele começa d efinindo o movimento uniforme com.o a.quele onde as dis-
tâncias p ercorridas p e lo corpo cm m ovimento, durante quaisque r intervalos
d e tempos ig uais, são elas mesm os iguais. Enfatizou que d everíamos acres-
centar na d efinição antiga, apresentada por outros estudiosos antes d ele, a
palav ra quaisquer, sig nificando com isto qualquer intervalo, não importando
quão p eque110 e le fosse, pois p od eria acontecer que entre d ois p ontos, en-
tre as medidas realizadas, o o bjeto pod eria não estar se movend o com uma
velocidade uniforme . Dessa d efinição seguem-se quatro axiomas, que vou
apresentar d e maneira resumida usando uma notação compacta. Tomando x
= d istân cia percorrida, t = tempo, v = velocidade, ternos:

I) Se t 1 > t2 , mesmo v, então x 1 > x2 •


li) Se x 1 > x2 , mesmo v, então t , > t2 .
Ili) Se (em um mesmo intervalo de tempo) v 1 > v2 , então x, > x2 .
IV) Se x 1 > x2 (em um mesmo intervalo de tempo), então v 1 > v2 .

Podemos p erguntar porque Galileu apresentou quatro postulad os óbvios.


A explicação a_p resentada por alguns historiadores é que as provas dele faziam
uso d a Geometria e e.l e era assim obrigado, quando estudando o movimento,
a comparar comprimento com comprimento e tempo com tempo. A seguir ele
enuncia e d em onstra alguns teorem as. Vo·u apresentar alguns sem as demons-
trações, que embora simples, são lo11gas por en volverem razões e prop orções.

Teorema 1: Os intervalos de tempo poro umo portículo em


movimento uniforme percorrer duas dados distâncias estão um
poro o outro no mesmo razão dessas distâncias.

Depois de enuncia r o teore ma ele complem enta:

Consideremos umo partícula movendo-se uniformemente com


velocidade constante através de duas distâncias AB e BC e seio
o tempo necessário poro percorrer AB representado por DE, e o

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152 - - - - - - - - - - - - - -- - - - Evolução das idéias da Física

tempo necessário poro percorrer BC por EF; então eu digo que


o distância AB está poro o distância BC como o tempo DE está
poro o tempo EF.

Teorema 2: Se uma partícula em movimento percorre duas


distâncias em intervalos de tempos iguais, estas distâncias
estarão uma poro a outro no mesma razão que as velocidades.

Teorema 3: No coso de velocidades desiguais, os intervalos de


te mpos necessários paro percorrer um dado espaço estão um
poro o outro no razão inverso das velocidades.

Teorema 4: Poro duas partículas em movimento uniforme, mas


com velocidades desiguais, percorrendo distâncias desiguais, o
razão entre os intervalos de tempos serão o produto das razões
das distâncias pelo razão inverso dos velocidades.

Galileu diz então que qt1.alquer pessoa pod e inventar um tipo arbitrário
de movimento e disct1tir s uas propriedades, mesmo um movimento que não
exista n.a Natureza, mas que ele d ecidiu considerar o fenômeno de corpos em
queda livre com uma aceleração que ocorre realmente na Natureza, e fa zer
essa d efinição d e m ovimento acelerado exibir os feitos essenciais dos m ovi-
mentos acelerados observados.
Uma coisa é d efinir o m ovimento uniforme m ente acele rado e d e-
du zir as leis d esse movimento . Outra é afirmar que um corpo em queda
liv re tem esse movime nto . Podia não ser verdade, como d e fato n ão o
é quando consideramos um corpo caindo d e grande a ltura, pois a ace-
leração da gravidade varia com o inver so do quadrado da distância ao
centro da Terra. Galile u p a rtiu d o pressupos to d e que a Natureza se
comporta da maneira mais simples. Ele faz então a seguinte d efinição:
Um movimento é chamado d e uniforme m ente acelerado qua ndo, par-
tindo do re p o uso, ele adquire, dura nte inter valos d e tempos ig uais, in-
crementes igu a.is d e velocidade.
Sag.red o apresenta uma objeção argumentand o que se ta l fosse o caso, a
velocidade d e um objeto, partindo d o repouso, passaria por tod os os valores,
não importando quão pequeno. No início, como a velocidade é proporcional
ao tempo decorrido, o objeto se m overia com uma velocidade tão peque-
na que seria necessário um tempo extremamente longo para ele percorrer

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Galileu-- - - -- - - - -- - - - - - - - - - - - - - 153

qualquer distância. No en.tanto, sen1pre observan1os que um corpo em que-


da adquire uma grande velocidade logo no início, ele conclui.
Sal,,iati, falando p or Galileu, resp onde que, o m ovimento inicial de
um corpo em queda livre, não importa quão pesado, é lento. Para m ostrar
isso, sugere a exp eriência onde c.o locam os um corpo pesado sobre um m a-
terial não rígido e o d eixam os aí. Se Jevantarmos o corpo de uma pequen a
altura e o deixarmos cair sobre o m aterial, ele, com o impulso exercerá uma
pressão maior d o qu.e quando esta va em repou so, que é m aior d o que seu
peso. Esse efeito é ca usado pelo corpo em qued a junto con1 a velocidade
adquirida durante a qued a; um efeito que é maior quanto maior for a altu-
ra d a qued a e, portanto, m aior a velocidade fin al. Se o co rpo é levantado
da altura d a espessura de uma folha o efeito será pec]tteno.Tendo provado
seu argumento, Galileu conclui que, da intensidade do ch oque poden1.os
estimar a velocidade do corpo cm qued a livre. Em seguida apresenta outro
argumento: a simetria entre corpos em queda e corpos lançad os para o alto.
Diz que quando um corpo é arremessado p ara cima sua velocidade d iminui
gradualmente, até que ele p ára. Simplício contradi z a afirmação dizendo
que se un1 objeto estivesse se movendo com uma velocidade infinitamente
lenta próximo do ponto final ele nunca chegaria lá e nunca ficaria em re-
pouso. Essa não é uma afirmação trivial e tem a ver com a co11tinuidade do
movimento. Lembremos os p arad oxos de Zen ão discutidos no capítulo 1.
Poderíamos perg untar: quanto tempo fica um corpo em uma d ad a veloci-
d ade? (ou para completar, qua11to tempo ele fi ca parad o no ponto mais alto
d a trajetória?). Se a resposta fo r um valor finito, p or menor qu e seja, temos
um problema, pois como temos infinitos valores para a velocidade, a soma
de um número infinito de intervalos .fi n itos é infinita . Galileu responde
que isso seria verdade se o objeto manti vesse cad a grau de st1 a velocidade
durante um inter valo de tempo fi1úto, mas ele apenas passa cad a valor da
velocidad e sem permanecer nele m ais d o que um interval o, e como ca.da
inter valo de tempo, p or menor que seja, pode ser dividido em um número
infinito d e insta ntes, estes serão suficie ntes para corresp onde r ao núme ro
infinito de grau s de velocid ades redu.zidas. Nesta resposta estava presente,
embora de maneira rudime11tar, as idéias do cálculo infinitesimal.
Sagred o comenta sobre a causa d a aceleração no movimento natural.
No caso d e uma pedra lançad a para cima, ele diz que o a rren1essad or
imprime nela uma força suficiente p ara superar o p eso. Essa força p er-
m anece n a p edra d ep ois que e la d ei xa a mão, diminuindo gradualmente .
Quando a p ed ra se encontra 11.0 ponto ma is alto, a fo rça impressa não

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154 - - - - - - - - - - - - -- - - - - Evolução das idéias da Física

foi totalmente usa da . Ela não é m ais suficiente para suplantar o peso d a
p edra, ape nas ig ualá-l o; tudo que pode fazer é retard ar o estágio inicial
d a d escid a natural d a p edra para o chão. Então a pedra cai, d e início len-
tamente, d evido ao ímpeto oposto, u1n a. porção d o qual ain.da permanece
ne la, m as qu e diminui, e é cada vez rn ais superado pela gravidade. Em
segu id a, comenta que quand o seguramos um.a p edra em nossa m ão a
única coisa que fazem os é d ar-lhe uma força impelindo-a p ara cin1a igu al
à potência d a g.r avidade pu.xand o-a p ara b aixo. No te que esto u u.sando
exatamen.te as palavras u sad as p or Galileu p ara d ar uma noção d as idéias
dele sobre o co11ceito de movimento.
Salviati diz qu.c o m om en.to n ão é adequad o p ara uma i11vcstigação
d as causas d a aceleração, pois vá ri as idéias fo ram apresentadas p or vá-
rios fi lósofos. O pro pósito d o A utor (110 caso Galile u), 110 m omento, é
in,,esti ga r e d em on strar algumas das pro pried a.des d o m ovime11to acele-
rad o (quaisquer q ue sejam as cau sas d ele), significando um m ovimento
tal que a velocidade aumenta, a partir d o rep ou so, em prop orção simples
ao tempo. Em seg uida, diz q ue o A utor cometeu um erro 11.0 passado
ao imaginar que no movimento ltniforn1em ente acelerad o, a velocidade
aumentava em pro porção à d istân cia p ercorrid a. Demo11stra porqu e jsso
é impossível: se as velocidad es fossem p ropo rcior1ais às d istâ11cias pe r-
corridas, as distâncias seriam percorridas tod as em intervalos de tempo
iguais, o que resultaria é que, por exemplo, um corpo que h ou vesse caíd o
oito braças levaria o dobro da velocid ade (1ue levaria o mesmo corpo se
h ou vesse ca ído t1uatro braças, com o que p od eria caj r oito braças o u qua-
tro braças 110 m esm o i11terva]o d e tempo, o que não é o caso, como mostra
a observaçã·o d e um objeto cm queda li v re .
Ao fal armos de movimento uniformeme11te acelerado, a aceleração
pode ser uni fo rme em relação ac) tempo ou à d istâ11cia. Poderíamos ter, v oc
t , ou v oc d, ambas rep1·esentando incrementes que se repetem sempre d.a
mesma maneira: o mesmo increm,ento da velocidade em inter valos d e tem-
po iguais, ou o mesmo in c1·emento em distâncias iguais. Galileu excluiu a
segunda relação alegando uma inconsistência lógica, mas o raciocínio dele
é falacioso, ele faz confusão entre velocid ade média e velocidade instantâ-
nea. Não existe inconsistên cia lógica 110 argumento apresentad o, o proble-
ma é que a relação ,, ex: d impli ca em uma força proporciona] à velocidade
e é, portanto, inco,m patível com a suposição de um corpo começando d o
rep o uso. Já a primeira relação corresponde a uma força consta11te. Ga1ileu
faz a seguir a seguinte suposição:

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G a l i l e u - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 155

As velocidades adquiridos pelo mesmo corpo movendo-se em


planos de inclinações diferentes são iguais quando os alturas
destes planos são iguais, e se não houver resistência do ar, o
plano for liso e duro e o corpo perfeitamente redondo.

Esta suposição não é óbvia, pois ela implica em suposições adicionais


fundamentais (como por exemplo, a conservação da energia). Lembremos
também que Galileu nã.o tinha como medir as velocidades na base do plan.o
e fazer uma verificação experimental. Ele a usa para chegar a teoremas (ou
leis) do movimento uniformemente acelerado. Mais tarde, ele a justifica di-
zendo que os resultados obtidos a partir dela concordam com a expe.riência.
Mas, mesmo assim, apresenta um experimento para justificar a suposição
usando bolas de chumbo suspensas por cordas, de comprimentos diferentes,
presas em pregos numa parede. Ele afirmou que, na a.u sên.cia de resistência,
a v·e locidade adquirida durante a queda a partir do repouso é precisamente
suficiente para elevar a bola de volta à s ua. altura original, mas não majs.
Problemas env·o lvendo o plano inclinado já haviam sido considerados por
Herão de Alexandria, João Numerário, Benedetti e Gerolamo Cardano. Já
era conhecido que o peso efetivo de um corpo em movimento num plano
inclinado dependia do ângulo d e inclinação.
Galileu passa a enunciar e a d emonstrar alguns teoremas usando como
técnica de demonstração a Geo1netria. Seu primeiro teorema é o teorema da
velocidade média (a demonstração, com uma troca de eixos, é pareàda com
aquela fornecida por Oresme):

Teorema 7: O tempo no qual um espaço é percorrido por um


corpo uniformemente acelerado, começando do repouso, é
igual ao tempo no qual este mesmo espaço serio percorrido
pelo mesmo corpo movendo-se com uma velocidade uniforme
cujo valor é o médio da maior velocidade e da velocidade
exatamente no início da aceleração.

A demonstração, apresentada por ele e u sando a figura 4.2, é como se-


gue: seja AB o tempo no qual o espaço CD foi percorrido com urn movimento
uniformemente acelerado. EB representa a velocidade final. Desenhe a linha
AE. Linhas desenhadas de pontos eqüidistantes em AB e paralelas a BE re-
presentam o aumento no valor da velocidade começando no ponto A. Seja F
a metade d.e EB, então FB = EB / 2. Desenhe FG paralela à BA e GA paralela à

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156 - - - - - - - - - - - - -- - - - - Evolução das idéias da Física

FB, formando um paralelogramo AGFB, que é ig ual em área ao triângulo AEB.


O movimento uniform e é representad o pelo retângulo de base FB, que repre-
senta a velocidade constante desse movimento, e altura AB que representa o
tempo. Como AB é também a altura de AEB, os dois m ovimentos têm a mesm a
duração. Como a área do retângulo ABFG é igu al à d o triângulo AEB, está claro
que esp aços ig uais serão percorridos em tempos iguais pelos dois corpos, um
dos quais pa.r tindo do repouso, move-se com aceleração uniforme, enquanto
o momento d o outro, movendo-se, com velocidade uniforme, é a metade do
mome11tu1n m áximo d o movimento acelerad o. Galileu usa ora a palavra velo-
cid ade, ora a p alavra 1no1ne11tu11'1. Ele supu1tha que a distância percorrida era
proporcion al à área e não qLte a área representasse a distância.

e Figuro 4.2.
Figuro usado por Galileu poro
G.------,A
demonstrar o Teorema 1.

F B D

Teorema 2: Os espaços percorridos por um corpo com


movimento uniformemente acelerado, partindo do repouso,
estão entre si como os quadrados dos intervalos de tempo gasto
em percorrer essas distâncias.

Demonstração: representemos o tempo, começando no instante A, p ela li-


nha reta AB na qttal tornamos dois intervalos quaisquer AO e AE (veja figura
4.3). Seja HI uma representação da distância que o corpo em queda percorre
iniciando d o repouso em. H . Se HL representa o espaço perco.r rido durante o in-
tervalo de tem.p o AD, e HM aquele durante o intervalo AE, então o espaço MH
está p ara o espaço LH n a razão que é o quadrado d a razão do tempo AE para o

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Galileu - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - -- - - 157

tempo AD; ou podemos dizer simplesmente q11e as distânàas HM e HL estão


relacionadas como os quadrados de AE e AD. Dese11.he a linha AC fazendo um
ângulo qualquer corn a linha AB; e dos pontos D e E desenhe linl1as paralelas
DO e EP; DO representa a maior ·velocidade alcançada durante o intervalo AD.,
enquanto EP represei1ta a velocidade máxima adquirida durante o intervalo AE.
Mas foi provado que a distância percorrida por um. corpo en1 queda livre, par-
tindo do repouso co1n tuna aceleração u11.iforme durai1te um inter,,aJo de tem-
po, é a mesma de um corpo se mover,do com un1a velocid.ade constante igual
à 1netade da velocidade n1áxima alcançada pelo co1·po durante o mo,rimento
acelerado. Seg1-1e-se, porta11to, qt1e as distâncjas HM e HL são as mesmas que
aquelas percorridas durante os inte1-valos de tempos AE e AD, con1 velocidades
unifonnes igt1ais à metade daquelas representadas por DO e EP respectivamen-
te. Se, portanto, pc)demos mostrar que as distâ11cias HM e HL estão na mesma
razão que os quadrados dos intervalos de tempo AE e AD, a proposição estará
provada. Mas 11a quarta proposição da prin1eira jornada foi mostrado qt1e os
espaços percorridos por dt1as pa rtíct1las em movime11to u11iformc estão um para
o outro na razão que é igual ao produto da razão das velocidades pela razão
dos tempos. Mas 110 nosso caso, a razão das velocidades é a mesn1a qt1e a razão
dos inten1a]os de te111po (pois a razão de AE para AD é a mesma que aquela de
EP / 2 para D0 /2 ou de EP para DO). Então a razão dos espaços percorridos é a
1nes1na (1ue a razão quadrada dos intervalos de ten1.po .
r ...

A H
.
Figura 4 .3.
.L Figuro usado por Galileu poro
O. D der11011stror o teorema 2 .
• •
p_ E ••

F M
G .
••

.
••

N
.•
.•
.

• •

••

1
e B
'\.. ~

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158 - - - - - - - - - - - - -- - - - - Evolução das idéias da Física

Usando os teoremas 1 e 2, Galileu demonstrou o seguinte corolário:

Durante intervalos de tempo ig uais, as ve locidad es


aumentam como os números na tu ra is, os incrementas das
distâncias percorridas durante estes intervalos iguais de
tem po aumentam como os números ím pares começando
com a unidade.

A demo11stração segue a mesma técnica das demonstrações anteriores


e eu vou om.iti-la aqui.
Simplício concorda que uma vez a definição de mov imento unifor-
m em en te acelerado tenha sido postt1lad a, os teoremas e leis devem seguir
como apresentados. Mas ele ten1 dúv idas se é este o movimento usado
pela Na tureza no caso de corpos em queda li vre, e ped e por uma expe-
riência qu.e confirme as conclusões demo.n stradas. Ga lileu concorda que
Simplício está faland o '' com o L1m verdadeiro cientis ta'' e passa a d escre-
ver a experiência, qu e foi tomada pelos hi storiadores como modelo do
m é to d o cie ntfficc), mas qu e Slts citot.1 vá rias contro,ré r s ias e ntre os h isto-
riad o res d a ciência.

Tomou-se um pedaço de moldura de cerca de 72 braças


de comprimento, meia braça de largura e três dedos de
espessura; na sua borda foi cortado um canal de pouco mais
de um dedo de largura. Tendo feito esse entalhe reto, suave
e polido, e depois de recobrí-lo com veludo, também o mais
suave e polido possível, deixamos rolar por ele uma bolo
de bronze, durai liso e perfeitamente redonda. Colocando
o moldura em uma posição inclinado elevando uma dos
extremidades por uma ou duas braças acima do outra,
deixam os uma bolo rola~ con10 estava dizendo, ao longo do
cano/, observando, de uma maneira o ser descrita, o tempo
necessário poro a descido. Repetimos essa experiência mais
de uma vez, o fim de medir o tempo com uma precisão to/
que a diferença entre duas observações nunca excedesse
o de um décimo de urna pulsação. Depois de realizar essa
operação e de assegurar-nos de suo confiabilidode, deixamos
rolar a bola somente de um quarto do comprin1ento do canal;
e tendo medido o ternpo de descido, verificamos que era

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Galileu--- - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - 159

exatamente a metade do anterior. A seguir, usan,os outras


distâncias e comparamos o tempo para o comprimento
total com aquele para a rnetade, ou com aquele para dois
terços, ou três quartos, ou qualquer outra fração. Em tais
experiências, repetidos umas cem vezes, sempre encontramos
que os espaços percorridos estavam na mesma proporção
dos quadrados dos ternpos, e isto era verdade para todos
as incli11ações do plano, isto é, do canal ao longo do qual
deixamos o bolo rolar. Observamos também que os tempos
de descido, para as várias inclinações do plano estavam
exatamente no mesma proporção, que, corno veremos mais
tarde, o Autor havia previsto e demonstrado.
Para a n1edição do tempo usamos um vaso grande de
água colocado em uma posição elevado, no fundo do vaso
soldou-se um tubo de diâmetro peque,10, pelo qual passava
um pequeno fluxo de água, o qual recolhemos en1 um copo
durante o tempo de descida, fosse poro todo o comprimento
do canal ou poro parte dele. A água assim recolhida foi
pesado, depois de cada descido, usando-se uma balança de
grar1de precisão. As diferenças e as proporções desses pesos
nos davam os diferenças e proporções entre os tempos, e
isto com tal precisão que, ernbora o operação fosse repetido
muitos vezes, não houve nenhu,na discrepância apreciável
,,os resu ltados 11 •

Uma réplica desse instrumento, co.r1struída mais tarde, encontra-se r10 Mu-
seu da História da Ciência, em Flore11ça. Notemos, uma vez majs, qL1e Galileu não
calculava velocidades em função do tempo, mas comparava razões entre veloci-
dades com. razões e11tre intervalos de tempo. Ele acreditava que a demonstraçã<)
que havia dado para a bola que rola po1· um plano inclinado devia ser \rerdadeira
para Lima bola em queda livre. De acordo com sua suposição, rolar por ttm p.lano
i11clinado equivale a cajr vertical1nente da mesma altw·a para efeito de \1elocidade
m.á xima alcançada ao nível do cl1ão. O ú.11ico efeito do plano inclinado seria o d.e
retardar o movimento, tomando possível que medidas pudessem ser feitas. Mas
no caso limite da queda livre, a bola 11ã<) rola no seu movimento de descida, como
ela o faz ao longo de plano inclinad<), um fato que GaJjJeu não m enciona. Não é
óbvio que a experiência com o plano inclinado mostrasse que a queda livre é uni-
for111emc11te aceJerada, embora fosse este o caso para a bola rolando.

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160 - - - - - - - - - - - -- - - - - - Evolução das idéias da Física

Foi d eixad o c]aro por Galileu que o propósito da ex periência com o


plan o inclinado não era verificar as leis d o movimento (essas leis são con-
seqüências lóg icas d a d efinição d e um m ovimento Ltniformemente ace-
lerado), mas m ostrar que o m ovimento uniformem ente acelerado existia
na atureza. Ele mostro u com o métod o cxperi.m ental, in ventad o por ele,
que as idéias sobre o movimento, que até então só h.av ia.m tid o um de-
sen volvi mento abstrato, estava m relacio11adas com o mundo real. Galileu
não tinha como medir a velocidad.e d e um corpo em q ued a li vre. Ainda
l1oje nós n ão medimos diretamente a velocidade, q ue é uma quantidade
abstrata. Medimos di stância s e tempos e infe rimos o va lor d a velocid ad e.
O raciocínio de Ga lileu foi o seguinte: ele observou qu e em queda livre
as distâncias percorridas eram proporcionais aos quadrados d os tempos
de queda . Ele postulou que a velocid ad e de um corp o em queda era pro-
porcion a l ao tempo d e qu eda (movimento unifo rmemente acelerad o).
Usa ndo a lógica da Geometria ele deduz iu o observado e concluiu que o
p ostul ado era ve rdadeiro. Sua es trutura de raciocínio pode se r apresenta-
d a com o: se A implica B e observamos B, então A é correto. Embora essa.
estr L1tura seja muito u sa da cm ciência e la não é logicam ente corre ta. E la
contém a fa lácia chamad a de "afirmação d o conseqüente'', pois podem
existir o utros sistem as lógicos, além d e A, que também implicam em B.
Para a estrutura .ficar log ica mente corre ta deveríamos 1nodificá-la para:
Se A e somente A impli ca B e observamos B, então A é correto. Mas isto
nunca acontece em ciência. Pode sempre l1aver uma explicação alternati-
va para um fato o bservado . Em seguida, Galileu apresenta e d emonstra
alg u11s teoren1as. Vou apresentar dois deles com o ilus tração.

Teorema: Se um mesmo corpo rolo ao longo de um plano


inclinado e cai ao longo do vertical, em cada coso partindo da
mesmo altura, os tempos de descidos estarão entre si como os
comprimentos do plano incli11odo e da vertical.

Teorema : Os tempos de descidos ao longo de planos de


mesmo comprimento, mas de inclinações diferentes, estão entre
si na razão inverso das raízes quadrados de suas alturas.

Segundo Cohen 12, no passado, muitos esn1diosos haviam concluído que


Galileu era apenas um pensador e tinham dúvidas de que ele tivesse rea-
lizado a experiência do plan o inclinado; ele queria apenas convencer seus

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Galileu - - - - - - - -- - - - -- - - - - - - - - - - -- 161

leitores de qt1e estava di zendo a verdade. Uma evidência apresentada era


que a precisão rela tada, de u111 d écimo d e pulsação, era maior d o que a capa.-
cidade d os instrumentos d.e m edida da ép oca e ainda m ais qt1e ele 11ão fornc-
cett d ados nLtméricos. Contudo expe riên cias rea li zadas e1n 1961 p or Tl1om as
B. Sellte mos traran1 qu e a precisão era exatamente aqt1ela apresentada p or
Galileu. Por outro lado, Stillman Drake 13 ar1a lisand.o alguns manuscritos de
Galileu que co11tinham d ad os exp erimenta is verificot1 que ele realme11te fez
experiências relacion ad as com o n1ovimento.
Na qu arta jor11 ad a, Galil eu estuda u1n corpo cujo m ovimento é con1-
p osto d e d ois o utros m o,,imentos: um uniforme e o outro u11iformem ente
acelerad o. Es te é o pro tó tip o d o m ov imento que tc1n um projé til. Esse
movi mento pod e ser ger ad o, p or exen1pl o, la11çando un1a p a rtícul a ao
lon go de un1 plan o h orizo11tal eleva do, sen1 atrito, e finito. A p a1·tíc11 la, e m
mo vime n.to, ao passai· alén1 d a bo rd a d o plano adquirirá, em ad ição ao
movime nto u.niforn1e p1·évio, ltm n1ovi1n ento uniforn'le n1cnte aceler ad o
p ar a baixo devid o ao se Lt p eso. O m ov ime11to resultante é composto d e
ttm m o,,i111ento uniforme h orizontal e de ot1t1·0 t1niformem ente acelerad o
verticaJ. Galileu supôs que, n a direção l1o rizonta l, 11ão havia acele ração
d evi d o à i.n ex istê11cia d e ttma força atu ando sobre o corpo nesse se11tido
(exceto a ação d a resistê n cia d e) ar, qu e podia ser d esprezad a), m as n a di-
reção vertical h a \1ia. un1 aume nto co11tínuo de veloci dade dev id o à fo1·ça
d o p eso a tu a ndo p a ra b a ixo. A composiçã o d os m ovin1e ntos d e Galil eu é
inteiramente original. Be11e d etti, por exe mplo, acreditava que à m e dida
que o ímpe to impresso p ela fo rça d imi11uía, a g rav idade inte rvinha g ra-
dualmc11tc, assi1n, qua nto 111aior a velocida d e conferida p ela p rojeção,
tanto m en o r er a a gravidade d o co rpo projetado. Galileu parte, em se-
g uida, p a ra d emonstrar algumas pro pried ades desse tipo d e m ovi111ento,
com eçando com t11n teore1na .

Teore,no: Um proiétíl cuio movimento é composto de um


horizontal uni forme e outro uniformemer,te ocelerodo vertical
descreve uma traietória que é umo semí-po ró bola.

Lembremos qLte na ép oca d e Galileu a Geometria Analítica ai11da n ão


hav ia sido inventad a. A par ábola era defi11ida cc)mo a curva obtida quando
um plano corta u.1n cone paralelo ao seu lad o. Galileu estttda as prop1·ied a-
d es geométricas d a parábola, enfatizando que sem Matem ática não se pode
estudar o n1ovimento, antes d e passar para a d c111ons tração d o tcorc.m a.

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162 - - - - - - - - - - - - - - - -- - ,E volução das idéias da Física

Figuro 4.4.
e d e b a Figuro usado poro
o
demonstrar o teorema do
9 movimento composto.

;...__ _....__ _ _..__ _~1

.---~t-------+----+----~n

Demonstração: ri o diagrama d.a figura 4.4 represe11tando o movimen-


to do corpo, d e a até b ele move-se com velocidade uniforme. O plano ter-
tnina em b e a partir d esse ponto o corpo adquire um movimento natural
para baixo. A linl1a be representa a medida do tem.po, bc, cd, de represen-
tam intervalos iguais d e tempo. Dos po11tos b, e, d, e desenhe paralelas à.
bn. Na primeira d elas trace uma distância qualquer ci, na segt1nda uma
dis tância qt1atro vezes mai or, df; na terceira uma nove vezes maior, eh;
e assim por diante, em proporção aos (]tiadrados de cb, db, eb, ou seja,
11as razões quadradas dessas lin.has. Vemos assim qu.e enquanto o corpo
move-se de b até e con1 velocidade uniforme, ele também cai perpendicu-
larmente à di stância ci, e n o fim do interva lo d.e tempo bc ele se encontra
no ponto i. Do mesmo modo no fim do intervalo bd, que é o dobro d e bc,
a queda vertical será quatro vezes a primeira distâ11cia ci; pois foi mostra-
do prev iamente que a dis tân cia percorrida por um corpo em queda livre
\1aria com o quadrado d o tempo. Similarmente, o espaço eh percorrido
durante o tempo be será nove vezes ci; então é evidente que as distâncias
e/1, df ci estarão umas para as outras como os quadrados das linhas be,
bd, bc. Agora. dos pontos i, f h desenhe retas io, fg, /1/ paraleJas a be. Essas
linhas l1l, fg, io são iguais a eb, db, bl respecti vam ente; assim também o são
as linhas bo, bg, bl respcctivamente iguais a ci, df e eh. O quadrado de hl
está pa.ra aquele de fg como a linha bl está para bg, e o quadrado de fg está
para aquele d e io como gb está para bo; portanto os pontos i, f, h estão na
mesma parábola.

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Galileu - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - 163

Pa·r a o postulado de que a co.m ponente d o m o\rimento para baixo é a


mesm.a que aquela d e um corpo em q ued a liv re, Galileu não d eu urna prova
experimental, embora indicasse a p ossibilidade de uma. Cohen 14 (citando
Drake) afir1na que Galileu descobriu a tra jetória parabólica, experimental-
m ente, em tor110 d e 1608.
Galileu a dmite dificuld ad es com o r aciocínio acim a . Ele com eça es-
crevendo que ''um corpo em m ovin1ento uniforme e n1 um plano seria
p erpétuo se o pl an o fosse d e exten são infinita'', mas em seguid a admite a
impossibilidade d a existên cia d e tal pla110, di zend.o que se ltm a li11ha fos-
se traçada num plan o h orizontal (tangente à Terra) ela se afastaria cad a
vez m ai s d o centro d a Terra, esta ria, p orta11to, subindo, e o movimc11to
t1nifo rme seria d estrt1íd o. Co11clui, todav ia, que para a expe riência em
questão as dis tân cias envolv idas são p equen as e m con1paração com a dis-
tânci a ao centro da Terra e tudo se passa com o d escrito. Ele com ento u qu e
''como essas traje t61·ias te rmina.m na s upe rfície d.a Terra, m.uito pouco al-
terarão sua forma p a rabó li ca que, admito, serão e no rmem e nte alte ra d as
se e las te r111inassem no centro d a Terra''.
Reconheceu que para aplicar o ''cálcL1lo abstrato'' ao 1nu11do real, algt1-
mas correções d e\1em ser feitas . A rcsis tê11cia do ar e a esfericidade da Terra
precisam ser le,,ad as em conta, prjncipalmente para dis tâncias gra ndes. As
perturbações surgindo d a resistên cia d o n1eio são grandes e não tê m u1na
d escrição exata . Se considerarm os som ente a resistência que o ar oferece ao
m ovim ento, a pe rtu.r bação d epe11de da fo rma, peso e velocid ade d o projé til.
Cohen 15, an.alisan.d o o trabalho d e Galileu, afirmou que um pJ ano sem limi-
tes é possível para um matem á tico puro que é um platonista, mas Galile u
combí110 L1 pla to11ismo com a preocupação d e aplicações no mundo real. Ele
não estava interessad o em abstrações, escre,,e Cohen, m as na an álise do mo-
v irnento real n a, ou p róximo d a, s t1perfície da Te1·ra.
Galileu discutiu então os efeitos d.a resistê ncia d o ar, afirmando que
essa resistên cia se n1a11ifesta de duas maneiras. Em primeiro I·u gar, a resis-
tên cia é maior para um corpo 1nenos d e nso d o que para um mais den so, e
como exemplo diz que uma bo la d,e chumbo e uma d e madeira d e m esm o
tamanho, em qued a livre, chegan1 ao solo con1 uma pequ.ena difcre11ça deve-
locidad e, mas o efeito é muito pcqu.e no, conclui. Essa diferc11ça é importante,
pois indica que o ar apresenta alguma resistê11cja, mas o valor da diferen ça
mostra que o efeito é peque no. Em segun.d o lugar, a resis tên cia do ar é maior
para corpos em m ovj me11tos rápidos. Gali leu disse também qt1e se urn corpo
cai d e uma grand e altura, a resistê11cia d o ar au.n1e11tará com o aume11to de

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164 - - - - - - - - - - - - -- - - - - Evolução das idéias da Física

velocidade até que a resistência iguale o peso que puxa o corpo para baixo,
e ele passará, então, a cair com um m ovimento uniforme. Se dois corpos em
queda têm o m.esmo tamanl10 e a mesma forma tais que a resistência do ar
é a m esma para os d.ois, o mais pesado será acelerado por um tempo maior
porque tem m aior p eso. Ele continuará a acelerar até que a resistência do ar
iguale o seu peso.
Mesmo o movimento horizontal, que sem resistência seria uniforme,
cessa devido à resistência do meio d epois de algum tempo. Galileu concluiu
que é impossível dar uma descrição exa ta para todos os casos e escreve:
''p ara tratar esse assunto de t1ma maneira científica é necessário nos livrar-
mos dessas dificuldades e, tendo descoberto e demonstrado o teorema no
caso sem resistência, usá-lo com as limitações que a experiência nos ensi-
nar''. Ele volta ao estudo de composição de movimentos enunciando seu
segundo teorema.

Teorema: Quando o movimento de um corpo é resultante


de dois movimentos uniformes, um horizontal, o outro
perpendicular, o quadrado do momentum resultante é igual a
soma dos quadrados dos dois momento componentes.

A de.m onstração, usando a fig ura 4.5, é como segue. Suponha que nb
represente o deslocamento verti cal, enquanto bc representa o deslocam ento
qt1e, no mesmo intervalo de tempo, ocorreria na horizontal . Se as distâncias
ab e bc são percorridas d urante o mesmo intervalo de tempo com movimen-
tos uniformes o n101ne11ta correspondentes estarão na mesma razão como a
distância ab está pa ra bc. Mas o corpo sob esses dois movimentos descreve
a diagonal ac; seu 1110111enf l1111 é p roporcional a ac. O quadrado de ac é igual à
soma dos quadrados de ab e bc. Então o quadrado do 1nome11t1,11n resultante é
igual à soma dos qu adrados dos dois 1non1e11tn ab e bc.

Figuro 4 .5 .
a
Movimen to resultante de
dois movimentos uniformes.

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Galileu - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - 165

Pela de1no11stração, fica claro que Ga lileu não ti11ha u.ma idéia muito
precisa do que fosse o 111on1e11.tut11 de um corpo. Essa palavra é usada muitas
vezes como um termo 11eutro que difere segundo o contexto em que é utili-
zad o. Ele tan1bém não sabia como medi-lo. Is to fica claro qua11do e le escre\1e:
''Imaginemos un1 corpo que se move com um mo1ne11ti,111 uniforme de 3'' . Na
d cm or,s tração, ele supõe que o n10111e11tu111 é proporciona l à distância percor-
rida pelo corpo (que só é verd.ade para movime·nto tJ11iforme). Para estudar
composição de mov i111e11tos 011de um deles é en1 queda livre, Galile u faz a
suposição d e que a velocidade aumc11ta diretamente com o tctnpo de queda
e propõe empregar con10 ''padrão d e velocidad e'' a velocid ade te rn1inal d e
um corpo caindo livremente de uma altura tal que o corpo cl1ega.ria ao tér-
mi110 da queda com a velocidade desejada, pois, escreveu, esta velocidade
aun1e11ta d e acordo con1 a mesma lei em qualqt1er lugar do mt1ndo. Para ele,
toda velocid ade l1orizo11tal conferid a artificia lmente a t1m corpo correspon-
de à uma altura a pa rtir d a qt1al o corpo d everia ca ir livremente d e n1od o a
adquirir wna velocidade vertical ig ual; p a ra e le a queda era a (1nica fonte de
movimento n atttra] . Ele escreveu:

Em ordem para determinar e representar tal momentun, e


velocidade particular, o Autor não enco,,trou método melhor do
que usar o mom.entum adquirido por um corpo em rnovimento
acelerado naturalmente. A velocidade de um corpo que desta
maneiro adquiriu momentum, qualquer que seio e/e, quando
convertido em movimento uniforme, reterá precisamente tal
velocidade como quando durante um intervalo de tempo iguo1
àquele da queda, levará o corpo através de uma distância igual
a duas vezes àquela da queda 16.

Tendo estudado o mo,,imento d e projé teis, Ga lileu passa a analisar


choques. Escreveu :

Paro de terminar o força e energia de um corpo não é su ficier1te


considerarmos somente a velocidade dos proiéteis, mas
devemos também levar em conta o natureza e condições do
alvo que determina, em grau n1enor a eficiência do choque 17•
1

Usa como exemplo uma lança atirada contra u,m inimigo corre11do.
O efeito causado será proporcional ao valor da velocidad e do projétil que

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166 - - - - - - - - - - - - - -- - - Evolução das idéias da Física

excede a velocidade do corpo em fuga, comentou. Se o projétil alcança o


alvo com uma velocidade de 10 enquanto este corre com uma velocidade
de 4, o momeritum e c,hoque serão representados por 6. Se o choque acontece
em 1.1m ângulo reto o momerztu,n fornecido pela estocada será máximo. Em
outro ângulo o choque será mais fraco.
Sagredo pergunta de onde ven1 a energia e força imensa que aparecem
em ttma n1artelada, bem maior do que a simples pressão exercida pelo mar-
telo. Salviati responde que este é um problema complicado e vai deixar a
r,e sposta para depois.
No final, Galileu faz um estudo longo de movimentos de projéteis lança-
dos em um trajetória inicial com inclinações diferentes em relação à horizontal.
Apresenta tabelas de alturas máximas atingidas e alcance de projéteis. No caso
de projéteis lançados na horizontal, comenta, por maior que seja a força de
lançamento, a trajetória nunca será perfeitamente horizontal. Relaciona este
fato com a impossibilidade de esticar1nos uma corda perfeitainente paralela
ao horizonte, afirmando qt1e a corda sempre ficará encurvada devido ao seu
peso, não importa quão forte seja a força com que a estiquemos.

Conclusão
Existe uma grande djscussão sobre o papel desempenhado por Gali-
leu na criação do método científico na Física. Vimos sua contribuição para
a Astronomia e sua luta a favor do sistema de Cop érnico. Em relação ao
estudo d o movimento ele fez Lima unific.a ção das idéias dispersas e1n uma
formulação matemática única, apresentada como tlm sistema coerente de
proposições. Ele teve algumas contribuições originais, como a decomposi-
ção do movimento em duas componentes. Alguns historiadores fazem uma
imagem dele como um cientista moderno, que rompeu com a tradição, en-
quan.to que, ou.tros o vêem como um inovador, mas ligado ao pensamento
medieval e renascerltista, visto que ele não ro mpeu de vez com os princípios
aristotélicos, não chegou a uma definição precisa do conceito de velocidade,
nem quan.tidade de movimento e força.
Uma qt1estão muito debatida é se Galileu realmente execLttou ex peri-
1nentos, e se o fez, com que p1·opósito. Tudo indica que ele realizou experi-
mentos quando esteve em Pádua. No entanto, em seus textos não apresentou
uma descrição das experiências reali2adas junto com os dados obtidos. Ele
apresentou as experiências para confirmar idéias, e não idéias obtidas de

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Gali leu - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - 167

experiên cias. Apare11tem ertte, ele considerava exp e riên cias primariam e 11tc
com o disp ositivos p ara conven cer os o utros d a verdad e de su as conclusões.
Insistiu que de uns po u cos experimentos po ctia-se tirar co11clusões, que iam
be m além d eles, sem a necessida de d e exp erime.11tos ulteriores. Ao que pa-
rece acreditava que, qua11do sabia em quê um expe rimento ia rest1ltar n ão
haveria necessidad e d e fazê-lo realmen te. No D iálogo ch ega m esm o a afirm_a r
que o rest1ltad o corre to d eve ser m antido, mesm o em face d a evid êncía d os
sentidos (na forma de experiên cias o u o bservações) que p odem ser antagôni-
cas. A cre11ça de que Galileu p e 11sava que 11ão era r\ecessário recor rer à expe-
riên cia p ar a se chegar à -v erdad e, e de que as exp eriências d esempenharam
um p ap el secundário em suas p esquisas, levou a lg u11s histo riad ores a con-
siderá-lo ttm platô nico. A p o ntam ta mbém q ue n o Diálogo é Simplício q u em
d e fe nde o ato d a observa.ção, enqu a11to que Sa]viati, fala11do po1· Galileu,
nega experiências sensoria is a favor d o racioánio. Essa visão é co11testad a
p or ou tros histo riado res que afirm a1n que G alile u era um cxperim e11tad o r
J1abil idoso e os seus resultad os são constru ções racio nais basead as cm exp e-
riên cias analisad as minuciosam ente. Ele combino u a visão m aten1ática d o
n1undo com a visão empírica obtid a pela observação e cxp eriê11cia . O d eb a te
cor1tinua e m aberto. a verdad e a disputa é en tre os empiristas q u e to m am a
experiên cia com o a fonte m ais importan te d o conhecimento e os racionalistas
qu.e con sideram o raciocínio puro com o tend o este pa.p el.
ão há dúvid as, no e11tc1nto, qtte no in ício d e s ua carrei ra cie11tífica Ga-
lile u executou experiências sobre o m ovimento d os corpos e q ue tais experi-
ên cias estavam relacionadas com as s t1as d escobertas. Cohen 1 tnen cion a g ue
em um m anuscrito n ão publi cado, Galileu descreveu experiên cias o nde ele
d eixou cair p esos d esig tta is de um a torre. As 11o tas i11dicam que alg t1mas ve-
zes t1n1a bola pesad a con1cçava a se n1over m ais lenta me nte d o que uma b ola
leve, m as a ultrapassa\,a a.lg um tempo d epois. Ga lilet1 tento t1, sem su cesso,
explicar essa estra11l1a ocorrência. O 111isté1:io foi esclarecido p or TJ1omas Set-
te, em 1983, que rela to u gu c qua11d o t11na pessoa segt1ra d ois pesos d esig ua is,
com os b1·aços esticad os, 11ão é possí,,cl solta r os d o is pesos simultaneam e.n -
te . Evidências fotográficas mostraran1 que a mão segurando o obje to pesad o
abre ttm p ou co d e pois d aque la segt1ra 11do o objeto leve. Cohen con clt1i q ue
essa d escob erta é un1a prova do q t1e Galileu executo u exp eriên cias precisas
e an o to u exata m ente o que observou . E n ão som ente isso, Galileu m ostro u,
ta111bém , que considerações teóricas e con cei tuais e ram importantes p ara a
ai1álise d e um exp erimento, não b astava a cons ta tação de um fato, era neces-
sári.o analisar con ceitua lmente os aspectos cm to rno dele.

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168 - - - - - - - - - - - - - -- - - - Evolução dos idéias da Física

É ,,erdade qt1e ,Aristóteles havia feito observações, mas a observação não


é eq,u ivalente à exp e rimentação. A observação é passiva, a experimentação
faz perguntas à Nat1.1reza. Para os aristotélicos, experiência era o testemunho
d os sentidos, para Galileu a interpretação racio11almente controlada. Galileu
d e u uma nova visão ao estudo da Natureza, q·u e passou a ser examinada de
uma maneira ativa, em \tez d e passiva.
Obser\1e mos também qt1e os sábios m.edievais estudaram o movime11to
do ponto de vista puran1e.11te teórico, sem qualquer relação com n1ovimentos
ocorrendo na Natureza. Galileu foi o primeiro a mostrar de maneira preci-
sa a relação que tinha com o n1undo real as idéias tJu.e até então só haviam
sido tratadas de maneira abstrata. (Vimos no capítulo 11 que Domingo de
Soto identificou o m ovin1ento d.e queda livre como uniforme1nente acelera-
d o, mas el.e não produziti t1ma cinemática baseada nessa idéia). Ele fez u so
explícito d e uma ciê11cia matemática da atureza em oposição à física quali-
tativa e imprecisa d e Aristóteles.

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. acon, escartes e
u ens
'

Desde o infcio d o séc XV II a questão d a exis tê ncia d e um mé tod o científi-


co geral e ra uma d as g randes preocupações d os fil ósofos. Os principais líderes
desse m ov imento fo ram o ad\rogado, filósofo
e estadista britâ ni co Francis Bacon (1561-1626)
que enfatizou o m é tod o indutivo e pr·ocuro u
redu z i-lo a um conjunto d e regras, e m a is tarde
o francês René Descartes, que ao contrá rio de
Bacon d eu ênfase ao mé tod o dedutivo .
Bacon acreditava que a lóg ica aristo té li ca
e nsinad a nas escolas e ra L1111 ins trL1mento inade-
quado para o estudo d a filosofia na tt1ral . Como
Aristóteles, enfatizou a impo rtâ ncia da ex peri-
ê 11cia para o a pre ndizado d as leis d a Natureza,
mas acreditava qtte se o ho m em quisesse alcan-
çar algo n ovo r1ão era adequado tentar alcançá-
lo u sa ndo os n1étod os antigos - 11ova práticas e Francis Bacon

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170 - - - - - - - - - - - - - -- - - - Evolução das idéios do Física

princípios se faziam necessários. Embora .A ristóteles houvesse afirmado que


todo conhecjmento tem su a origem na expe riê·n .cia, Bacon disse que Arjstóte-
les n ão fez realmente exp eriências e que sua filosofia era obcecada p ela lógi-
ca e sutileza verbal. C riticott a observação puramente d escritiva da Natureza
e o divórcio entre observação e explicação. Disse q.u e deveríamos resistir à
tendên cia da natureza h.umar1a d e impor n ossos d esejos e esperanças sobre
a d escrição e explicação d os fatos empíricos. Para ele, os dados sen soriais
tinham p·rioridade sobre con s truções teóricas.
Escreveu sobre os acidentes que p od erian1 impedir os cientistas experi-
mentais d e alcançar um resultado correto o u m esmo tmiforme. Insis tiu na im-
portância d o registro d as experiências feitas, na confirmação dos dados através
de rep eti ções sucessivas d os experimentos e na desconfiança d e grande parte
d o que era publicad o. Observou que cxjstcm algumas coisas que se tornam tão
familiares ou que são aceitas tão prontamente que as p essoas as tomam como
auto - evidentes, n1esm o embora elas sejam as coisas q.ue m.ais n eccssite.m de
um reexame. Citou com o exemplos: a causa da gr avidade, a rotação dos corpos
celestes, a luz e o calor. Ele não gostava d o método de Galileu de transformar
o problem a do movimento em um problema de um corpo geométrico m oven-
do-se em um espaço gec)métrico. Em vez d e se livrar da resistê11cia d o a.r, como
Galileu o l1avia fe ito, acrescentou ainda o utros ingredientes como as tensões
que, segundo ele, deveriam ocorrer no iJ1terior d os corpos em m ovimento.
Mesmo no caso dos corpos celestes, criticava o estudo puramente geométrico
do m ovimento dizendo que o estudioso n ão deveria d esprezar a questão do
tipo de m aterial do qt1al os plane tas eram feitos. Em relação ao mo,,imento d e
projéteis, não aceitava nem a teoria de Aristóteles de que o ar era a causa do
mov.imento, nem a teoria do i1npeti1s. Formt1lou uma hipótese segundo a qual
se o movimento continua\1a d ep ois de um impacto, a causa er·a um jogo de
forças internas colocadas em o_p eraçã.o pe lo ch oque inicial.
Bacon percebeu a impo.r tância d o m ovi1nento d e partíettlas e su gerit.t
que muitos fenôm.e 11os - o calor, p o r exemplo - p oderian1 ser explicad os
por esse n1.ovimento que ocorre ria d entro da estrutura das substâncias sóli-
d as. Em Astrono1nia, preferia o sis tema de Tycho Brahe, mas laine11tava que
Tycho n ão tivesse formulado os d etalhes matem á ticos de seu ·m od elo. Afir-
mo u, porém, que d o ponto de v is ta m.atemático, o sistema de Copérnico e ra
satisfatório, mas qtte do ponto d e v is ta físico não explicava várias coisas. Ele
não aceitava a redução d o m ovin1ento plane tário a círculos perfeitos e disse
que a época ainda não havia chegado para que uma síntese geral pudesse ser
feita. Bacon foi criticado pe la sua deficiência em M a temática. Ele p ercebeu

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Bacon, D escartes e Huygens - - - - - -- - - - - - - - - - - - - 173

trabalho do fil ósofo e padre francês Pierre Gas-


sendi (1592-1655), que fez várias experiências
(tais como deixar cair objetos u.m carruagens e
navios) para testá-lo. Gassendi explicava os fe-
nômenos da Natureza em termos de partículas
de matéria em movimento, acreditava nos áto-
n1os e afirmava que a lttz consistia de corpús-
culos movendo-se no vácuo a uma velocidade
imensa. Introd uziu a palavra 1110/écula para dc-
Pierre Gassendi signar um agrupamento de áton1os e imaginava
a Na tureza como um sistema hipotéti co b asea-
do e verificado somente através da expe riência. Fez objeções ao sistema de
Descartes, negou a igualdad e da matéria com a exter1são, e pelo que parece
teve uma forte influência sobre Newton. Ele acreditava que o conhecimento
da essência das coisas estava além da co111preensão humana e, portanto, só
poderíamos descrever os fenôme11os d a Na tureza e 11ão explicá-los.
No livro mencionado acima, Descartes tentou dar uma explicação
lógica para todos os fenôme11os naturais através de um sistema único d e
princípios mccâ11icos. Rejeitou qu alquer idéia espiritual ou qu alitati va
para a explicação científica, bem como ca usas teleológicas. Tentou expli car
todos os fenômen os físicos em termos mecâ nicos e rel acio11a r esses termos
con1 idéias geométricas. Escreveu que os ú11icos princípios que aceitava,
O Ll exig ia, em Física eram aqueles da Geometri a e d a Matemática pura e

que esses princípios expli cavam tod os os fe11ômenos nah.1rais. Para banir
qualidades do universo físico, Descartes teve qtte postular um rei no não
físico, aquele d a n1ente ht1r11 ana. Assim, por exempl o, cor só existia em
nossa mente. A filosofia ca1·tesia11a era um a forma de filosofi a mecar1icista
(esse n ome foi dado por Robert Boyle) segundo a qual o mur1do ina11imado
poderia, para propósitos científicos, ser co11siderado como t1m mecanismo
de relógio e que era possível imaginar um modelo mecânico para todo tipo
de fenôme110 físico. O objeti ,,o da filosofia mecanicista era o d e explicar os
meca nismos escondidos atrás dos fcnômenos. Seu ponto de partida era que
tod os os fenômenos da atureza são produz id os por partículas de m até-
ria em m_ov imento. A incapacid ade dos fi lósofos mecani cistas para tratar
qu alquer con ceito de força a lém da ''força de um corpo em movimento''
foj um obstáculo para a criação de uma teoria matem ática da D inâmica. A.
Mecânica ficou restrita a problemas cinemáticos, cujos movimentos eram
d escritos sem referência às forças que os causavam. Descartes acreditava

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174 - - - - - - - - - - - - - -- - - - Evolução das idéias da Física

que o Cosmo era uma máquina enorme e que todo acontecimento no mun-
do material poderia ser predito pelo cálculo matemático.
Um dos problemas da filosofia natural era explicar as ações transmiti-
das entre corpos que não estavam em contato uns com os outros, tal como
acontecia no Magnetismo e na Gravitação. Descartes se recusava a aceitar
qualquer tipo d e influências ''ocultas'' e assim propôs que qualquer tipo d e
a.ção deveria ocorrer por pressão ou impacto. Os corpos podiam interagir
som ente quando estavam em contato, em outras palavras, ele negou a ação
à distância e, em conseqüência, afirmou que o espaço não podia estar va-
zio. Assim se o ar pudesse ser retirado de um recipiente, aquele recipiente
ainda estaria cheio como antes, e a. substância nele seria contínua, embora
muito mais etérea. Postulou que os interstícios entre as partícL11as que cons-
tituíam os corpos e todo o resto do espaço estavam ocupados com partícu-
las de Ltma espécie m ais sutil, que pressionavam e colidiam umas com as
outras. O espaço era assim ttm plenum ocupado por um meio (o éter) que,
embora imperceptível aos sentidos., era capaz de transmitir força s e exercer
efeitos nos corpos nele imersos; o movimento de uma parte era comu.nica-
d o a o utra pelo impacto. Descartes foi o p .r imc iro a pos tular que o é te r ti-
nha propriedades mecânicas., e que suas partículas estava m continuam.ente
em movimento. Rejeitando a possibilidade de ação à distância, explicava o
movimento circu lar dos corpos celestes em term os de vórtices, dizendo que
existiam imensos redemoinhos circulares, ou vórtices, no fluído qtte enchia
o esp aço, que arrastavam os planetas e os satélites em suas órbitas. Nosso
Sol estava no centro de um desses vórti ccs e os planetas eram arrastados
em torno dele. Os vórti ces ofereciam uma expli cação mecânica grosseira
para os fenômenos celestes (no lugar das esferas cristalinas). Explicavam
porque os planetas giram em torno do Sol, todos no mesmo sentido e quase
.,
no mesm o plano, sem a introdução de forças ocultas. E interessante obser-
var que Descartes aceitou doi princípios básicos da filosofia aristotélica: a
impossibilidade do vácuo e a crença de que os corpos pod iam influenciar
uns aos outros somente pelo con tato direto.
Descartes acreditava que o mundo físico era composto apenas de maté-
ria, cuja natur·eza fundamental era a exte.nsão; extensão constituía matéria e
matéria constituía espaço. A identificação da matéria com a extensão tornou
possível a utilização do método geométrico na ciência. Como, para Descartes,
o espaço geométri co era equivalente à matéria, a ciência natural podia almejar
alcançar o mesmo rigor em suas demonstrações que aquele da Geometria. Ele
acreditava que a matéria podia ser di\ridida em partículas, as quais podiam

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176 - - - - - - - - - - - - -- - - - - Evolução das idéias da Física

su a teoria d os vértices eté reos. Ele era d e o pinião d e que o peso d e um corpo
dintinuia com a sua dis tâ ncia d.o centro d a Terra, mas apresentou evidências
estranhas, com o o '' vôo d os p ássaros'', p ar a essa conclusão. Supôs também
que a fo rça d e atração era in versam ente pro po rcio n.al à distância.
Em 1618 Isaac Beeckman (1588-1637) um professor d e latim holandês,
em colaboração com Descartes, calculou corretam ente o m ovimento d e um
corpo em um ca mpo g rav itacion al constante, supo ndo que a fo rça da g ravi-
dade atuava na forma d e pulsos periódicos. A idéia de subs tituir uma força
contínua por uma série d e pequen os impulsos variando periodicam ente no
tempo p ara tratar m ovi mentos acelerad os foi mais tarde u sad a p or H ooke
e Newto n. Beeckman d esenvolveu uma teoria das causas subjacentes aos
vários fenómenos físicos basead a na idéia de que a maté ria era con stituí-
da d e corpúsculos. As fo rmas, tamanhos e m ovimento d esses corpúsculos
eram resp o nsáveis p elos fenómenos macroscópicos visíveis. Para explicar a
atração mag né tica supôs que o m agne to e mitia corpúsculos diminutos que
afetavam um ped aço d e ferro po r impacto. Afirmou que t1m corpo uma vez
em m ov imento nunca ficaria e m rep o uso a me nos que fosse impelido em
assim o fa zer p o r um agen.te exte rno, mas (p ossivelmente influenciado po r
Descartes) n ão imagino u esse agente como uma força.
Huygens criticou Desca rtes dizend o que su as teorias não e ram confir-
madas pela exp eriên cia. De fato, Descartes se preocupava mais com expli-
cações d o que com fatos . Tentou explicar com o pod eria ch over sangue d as
nuvens (com o era a lg umas vezes afirmado) e como um relâ mpago poderia
se transformar em uma pedra.

Huygens
O fís ico, fi lósofo, matem á tico e as-
tró no m o ho la ndês C hris ti aa n Huygens
(1629-1 695) foi o fundador da teoria o n-
dulató ria da lu z . Ape rfe içoou o telescópio
com um novo m étod o d e polir as lentes,
d escobriu um sa té lite d e Saturno e a for-
ma verd ad eir a d e seus a11éis, dis ting uiu
as co mpo n entes estelares da nebulosa
d e Órion e i11troduz iu o u so d o p êndulo
com o regulador do re lógio. Afirmou que

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178 - - - - - - - - - - - - - - -- - - Evolução das idéias da Física

que os planetas cairiam no Sol se o efeito da força de atração não fosse


co11trabala.n çado por un1a tendência centrífuga, como acontece com uma
pedra em uma funda . Foi também o primeiro a sugerir (1ue os cornetas
tinham uma trajetória paiabólica.

A matematização da ciência
Alguns escritores afirmam que para explicar o nascimento da ciência
mod.erna não devem.os imagina.r que isso possa ser explicado recorrendo-
se apenas ao procedimento experim ental. Ch amam a atenção, como já foi
mencionado antes, que em um d os d iálogos de Galileu é Si1nplício, o porta
voz dos aristotélicos, quem d efende o método experime11tal de Aristóteles
contra o que é descrito como o métod o maten1áti co de Galileu . Em rela.-
ção ao estudo do mov imento, dizem que o feito mais importante foi uma
mudança que ocorreu no modo de pe11sar. No novo método, o movimento
foi concebido, de início em sua form.a mais si mples, ocorrendo no espaço
geométrico (vazio e isotrópico) onde 11ada interferia com ele. O movimento
era, de início, descri to matematicamente e depois os efeitos que ti11ham sido
d eixad os d e lado, como a resi stência d o ar, eram incluídos. As conclu sões
podiarn., então, ser testadas por experimentos reais: as experiências eram
realizadas com ·u m propósito. Este novo métod o expli ca p orque Bacon,
apesar d o grande número d e experimentos que reaJizou, não teve sucesso
como cientista . Tem sido afirmado que as mudanças surgem não por novas
observações ou evidências ad .icionais no primeiro momento, mas por uma
transformação qtte ocorre na m ente do cientista.
Mesmo Galileu, como vimos, não chegot1 à concepção total do espaço
euclidia110 se,m direções privilegiadas. Por essa razão, não alcançou a for-
mulação correta da lei de inércia, pois ele acreditava que a lei se aplicava ao
movimento circular. É verdade, 110 entanto, que o aparecimc11to d os instru-
mentos científicos no séc XVII, especialmente os ins trumentos de m edidas,
foi um fator i1nportante para o dese11volvimer1to científico.

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"
ecan1ca

A mecânica n ew toniana foi o primeiro sistema de conhecimento a al-


cançar o status de ciência teórica e empírica n o sentido moderno. Por outro
lado, ela apresenta alguns problemas conceituais que são interessantes d e
serem estt1dados no d omínio da lógica e da Filosofia da Ciência. Todos os
problemas sobre o status de uma Lei ou teoria física, a relação entre concei-
tos teóricos e empíricos e assim por diante, aparecem de uma forma par-
ticularmente clara na mecânica newtoniana, p ois não necessitamos de um
conhecimento científico aprofundado para apreciá-la. o universo newto-
niano, pela primeira vez, a física te rrestre e a física celeste são identificadas
e unificadas tornand o-as i11terdep endentes.
ewton foi o primeiro a dar uma formulação completa das leis da Me-
cânica e a introduzir leis universais, que podem ser expressas através de fór-
mulas matemáticas, as quais se harmonizam com a Natureza e das quais re-
gras empíricas anteriores são conscqt1ências lógicas. o entanto, ele não tinha
certeza (como Kep]er, Galileu e Descartes o haviam tido) de que o mundo era
matemático. Se leis matemáticas exatas pudessem ser descobertas tudo bem.
Caso contrário, deveríamos procurar outros métodos. Quando ele obtinha

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180 - - - - - - - - - - - -- - - - - - Evolução das id éias da Física

resultados a partir de cálculos abs tratos insis tia que eles d everiam ser verifi-
cad os experimentalmente. Acreditava que o objetivo da ciência era entender
como a Natureza funci ona e não como ela é. Foi o responsá vel pela m aior re-
volução científica, de impacto não só teórico, m.as também prático. Unificou o
métod o empírico introduzido por Bacon, com o método raciona l proposto por
Desca rtes e, e m assim o fa zendo, d esenvolveu a metodologia em que a cjên cia
passou a fundamentar-se desde então. Seu método combinou d eduções mate-
má ticas com induções extraídas dos resultados experimentais ou observad os.
Para o mundo d e inte resse da maio ria d a pessoas a mecânica newtoniana
fornece resultados corretos. Até l1oje, a abordagem e tratamento d e problemas
mecânicos usa11do essa mecânica ocupa a ma ior parte d os cursos de física in-
trodutórios e é o espírito, se não a subs tância, de muitos cursos avançados.
Áreas tais como a Engenharia Civil, a Engenharia Mecânica e parte da Mecâ-
nica Celeste fazem uso exclusivo d esse formalismo.
Sobre Newton, Edmond H alley (que será mencion ado mais a frente)
escreveu: nenhum mo rtal pôde chega r mais perto dos d euses. E Lagrange
(id em): já que só l1av ia um Uni verso a ser explicado, ninguém poderia repetir
o ato d e Newton, o mais afortunado d os mo rtais. De Alexru1dre Koyré: a gran-
deza si ng ular d a mente e do trabalho newto11iano consis tiLt na combi11ação de
um s uprem o tale nto experime nta l com um supre mo ta lento m atem ático.
Isaac ew ton nasceu e m Woolstho rpe, Ing laterra, e n1 25 d e d ezem -
bro d e 1642 d e acordo com o ca ler1dá ri o vigente, o u em 4 d e jane iro d e
1643 pe lo ca le nd ário e ntão usad o na Itá lia, pois 11aqu e)a é poca a reforma
papa l d o ca le11dá ri o não l,av ia sido ajn-
da ad o tada n a Inglaterra . Seu pa i, um
pequen o fazende iro também ch am ad o
Isaac New to11, fal eceu p ouco depois de
se casar e a lg uns m eses a11tes do nasci-
me nto d o filh o. ew to n n asceu prem a-
tura mente e escap o u da mo rte po r pOLt-
co. Em 1646 SLt a m ãe, Ha nnah, casou-se
corn o re ito r de Nortl1 Witham, o reve-
rendo Barnabas Smith. O pas tor, pelo
que pa rece, não se inte ressou e m receber
uma fa mília já cons tituída e Ne\l\1ton foi
d eixad o com s ua avó m aterna. Segt1n-
dos a lg uns his to ri ad ores, essa sepa ração
Isaac Newton trat1má ti ca pod e ter sid o a cau sa d e s uas

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Mecânica Newtoniano

tendências psicóticas, sentimento de insegurança e seu não envolvimento


com mulheres. Ha nnah teve com Smith três filh os, du.as meninas e um me-
nino. New ton ad quiriu os rudimentos da edu cação em pequenas escolas.
Com a id ade de 13 anos foi enviad o para o liceu de Grantham, onde morou
na casa d e um farmacêuti co. De início, foi um estudante indiferente até
que uma briga com um colega de escola mudou sua conduta e o levou a
se tornar o primeiro d a classe. Demonstrou desde ced o habilidad es mecâ-
nicas, construindo moi nhos, relógios de água, pipas e diais solares. Não
há evidências que ele tenl1a estudad o Ma temática ou Filosofia Natural em
Grantha_m, mas o La tim que aprend eu lhe foi útil mais ta rde.
Q uando sua mãe ficou viúva pela segunda vez em 1653, ela voltou a
residir em Woolsthorpe e devido a problemas financeiros retirou Newton
da escola para que ele cuid asse da fazenda. Mas os interesses do fi lho não
estavam no campo e sob conselho d e seu tio, o reitor de Burton Coggles,
ele foi enviado de volta à escola secund ária em Gra ntham. Ao concluir o
curso secundário foi para o Trinity College, em Cambridge, onde se matri-
culou em jurtho de 1661, tendo a tarefa de prestar serviços domésticos para
estudantes ricos para cobrir suas despesas (a posição ocupada chamad a de
''subsizar'' situava-se na base da estrutura social de Cambridge). Ele recebeu
um caderno de a11otações com 140 páginas em branco. Depois de ter feito
várias anotações nesse caderno sobre Aristóteles, começou uma nova seção
que chamou de: algum as questões filosóficas (45 ao todo). O currículo d as
universidades naquela época era ai11da dominado pelo Aristotelismo, mas
ao que parece, a partir de 1664, Newton passou a ler Descartes, Gassendi e
Boyle, sendo i11fluenciado por esses autores. A fil osofi a de Aristóteles foi o
primeiro sistem.a sofisticado que Newton teve contato. Ele aprendeu com
ela as regras do pensamento rigoroso. Achando as proposições do livro de
Euclides auto-ev identes, deixou o li vro de lado
como trivial até que seu professor Isaac Barrow o
convenceu a voltar a estudá-lo. Estudou a Geo111e-
trin de Descartes que aparentemente o inspirou a
realizar trabalhos originais em Matemática. Essa
disciplina, pelo que indica suas anotações, não fa-
zia parte do currículo em Cambridge. Assim ele foi
autodidata em Matemática, dedicando-se ao seu
estudo um tempo enorme durante um ano e meio.
Obteve seu grau de bacharel em humanidades na
primavera de 1665. Ele se interessou também pela Isaac Barrow

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182 - - - - - - - - - - - - - - -- - - Evolução das idéios da Física

tradição hermé tica que procurava explicar os fenô.m e11os naturais em termos
da Alquimia e d e conceitos mágicos. Esses d ois mundos, opos tos entre si,
estiveram sempre presentes em seu mod o de pensar. De certa forma ten -
tou em seus trabalhos conciliar a tradição mecânica que lidava com imagen s
concretas, com a tradição pitagórica que insistia n a natureza matemática da
realidade. Durante sua vida, d edicou mais tempo à Alquimia e a Teologia d o
que ao seu trabalho em Física. e Maten1ática. Entretanto, as suas crenças mís-
ticas 11ão atrapalharam seu trabalho científico. Ele nunca negou a existência
d e e11tidades que transcendem a experiência 'h umana, mas acreditava que a
existência d elas n ão era relevante para a explicação científica.
Quando a peste bubônica, que assolava a Inglaterra, atingiu Cambridge
em 1665, o colégio foi fech ado e Newton voltot1 à fazen.da em Lincolnshire.
Lá, realjzo·u experi1nentos em Ótica e Química e continuou a estudar Mate-
m ática. Ele com eçou suas pesquisas importantes sobre Mecânica n o início
de 1665. Ele acred itava, então, q ue uma força interna a um corpo o mantinha
em m ovim ento. Ele se dedicou, d e início, ao estudo de colisões d e corpos
rígidos e d o movimento circt1lar. Conco1·d ava com Descartes que um corp o
cm m ovim ento c.ircu]ar tinha uma tendê11cia d e se afastar do centro d e ro-
tação. Este esforço para se afastar do centro lhe parecia ser tuna tendê11cia
interna do corpo em m ovimento. Ele data d e 1666 su a d escoberta d a teo-
ria gra,,itaciona l: in1aginou a gravidade com o estender1do-se a té à órbita d.a
Lua, e comparou a força necessária para manter a Ltta cm sua órbita com a
força da gravidade n a superfície da Te·r ra (m as aqui ele pensou em um efeito
centrífugo e 11ão de uma força centrípeta com o o faria mais tarde). De,v id o
à imprecisão d os dados disp o11íveis, os seu s cálculos con corda,,am apenas
aproximadamente con1 os fatos, e e le abandon ou tudo por (1uase vit1te anos.
Durante esses anos, 111.edidas mais precisas do diâm.etro da Terra e da dis tân-
cia da Terra à Lu a foram elaborad as.
Ne1A1 ton resumit1 seus trabalhos i11iciais e m Mecânica em um artigo que
cham.ou d e As Leis do Movi111e1zto . Neste texto, propôs uma d efinição da quan-
tidade d e movimento circula r - o prodt1to do vulto do corpo (ele só d efiniria
massa e1n 1685) pela velocidade de um p onto que chamo·u ''equador d e ro-
tação'' . Apresento u o principio da conservação do m o\rimento angular p ela
prin1eira vez na l1istória d a Mecânica: tod o carpe.) m a11tém a mesma qu.a nti-
dade de movim ento circt1lar e velocidade tão logo ele não seja perturbado
por outros corpos. Aparentemente, começou seus estt1dos sobre a teoria das
cores também em 1665. A teoria co11tradizia afirm ações fU11damcntais e ne-
gava un1a tradição de d ois mil a nos fttndamentadas no bom senso. A opinião

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corrente considerava a luz branca com o simples e as cores como uma m odi-
ficação dela. Newton afirn1ou qt1e a luz branca é heterogênea e que raios d e
cores diferentes são refratados em ângulos diferentes. Ele propunha, assim,
uma mudança radical na relação entre lu.z e cor. Sua idéia era tão revolucio-
nária para a época que não foi aceita. Ele gastou \1á rios anos para estabelecer
sua teoria. Em março d e 1666 retornou a Cambridge, mas em junho, devido
à peste, afastou-se pela segunda vez.
Em outubro d e 1666, Newton concluiu um tratado onde apresentava
a idéia d o que hoje chamamos de cálculo infinitesimal. O trabalho usava a
Geometria Analítica e a idéia de qtte uma curva é a trajetória d e un1 p onto
em m ovimento. Denominou esse método d e fluxi onal (originando do latim
fluere, qtte significa fluir). Introduziu o conceito d e velocidade i11s tantânea
definindo-a como a razão d e duas quantidades tendentes a zero (distância
infinitesim.a l percorrida num ins tante de tempo). A velocid ade instantâ nea
é o valor limite d e uma seqüência de velocid ad es m édias para intervalos
d e tempo cada vez m enores, cuja dttração tende para zero. Ge11eraJizou o
seu métod o observando que era possível calci1lar a razão d e quaisquer duas
qua11tidades infinitesim ais. Usou p e q para expressar as velocid ad es ins tan-
tâneas d.c x e y, onde (x, y) representarn as coorde11adas de um ponto d e uma
curva.. Mais tarde mudou a 11otação: x passou a indi car a fluxã o de x. Foi
o primeiro a reconhecer que o método p ara calcular a área abaixo de uma
curva, chamado d e método das quadraturas (hoje integração) era o inverso
d o n1étodo d o cálculo da tangente à cur,,a (diferenciação). No tra tado, a.p re-
ser1ta tambérn o seu m étodo d e expansão 'b inomina l.
Quando o Trinity College foi reaberto em abril d e 1667, Ne\'\rton ob-
teve o cargo d e pro fessor (cm 7 d e junho d e 1668 obteve seu g rau d e
Mestre em Artes) e d ois a11os 111ais tarde tornou-se professor lucasiano d e
Matemática, su cedend o seu antigo professo1· Isaac Barro\,v (lucasiano é o
no me dado à cátedra, octipad.a p or um m ate m á tico eminente, criada pe lo
m embro d o p arlamento Henr,y Lucas em 1663). Os estatutos d o colégio
ex igia.m que os me mbros d o corpo d ocente fossem ordenados no cle ro
anglicano no pra20 d e sete an os, a co11tar d o recebimento do diploma de
m estre . Mas, antes que isso acontecesse, u .m a dis pensa em caráte r perpé-
tuo para o ocupante da cátedra lucasia na liv ro u Newton da ord en ação.
Ele negava a Santíssima Trindade e acredita\ra que Jesus Cris to era ape-
nas um. intermediário entre Deus e a humanjdade. Manteve suas crenças
em segred o, p ois se e las viessem a pú.b lico p erderia s ua cátedra em Cam-
bridge. No inverno d e 1669, construiu o prjme iro te lescópio d e reflexão.

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184 - - - - - - - - - - - - - -- - - - Evo luçã o das idé ias da Física

A vantagem d esse telescópio é que e le elimj11a a aberração cromática pro-


du zida por um a le nte e seu tubo é mais curto. En1 1671, foi e leito m embro
d a Royal Socie ty (a m a is resp eitada socie dade cie ntífi ca da época, loca-
li zada em Londres) p e los seu.s t.r aba lhos em ó tica, e no início d e 1672,
apresentou a essa Sociedade um resumo d e s ua teoria sobre a luz, dando
inicio a uma contro·v érsia qtte se estenderia p or n1uitos anos e n vol,re ndo
H ooke, Lucas, Linus e o utros. Fo i em uma carta para H ooke e m 5 d e fe-
vereiro d e 1676, se referindo ao seu traball10 em Ótica, que New ton disse:
''se vi m a is longe fo i p orqu e m e apoie i em o mbros d e g igantes'' . Seu s
artigo s em Ótica comLmicados e nt1·e 1672 e 1676 foram cole tados em Op-
tics (Ótica) que foi só publicad o em 1704. Nesse li vro, entre o utras coi sas,
a presenta s u a d escobe rta da d ecomposição d a luz branca .
P1·ovavelmente n o início d e 1668 Newton escreveu um ensai o Sobre a
Gravidade e Equilíbrio dos Fii,ídos onde a tacava a filosofia d e Descartes. Parte
d o material d o texto foi usada m ais ta rde no Li vro II d os Prirzcipia. Foi nesse
texto onde apresentou, pela pri.m eira vez, sua doutrina d o espaço e tempo
absolutos, baseada nas id é ias d e Gasse11_di. Aparentem ente foi a partir d·e
1669, qu e New to 11 se d e d icou com m a io 1· afinco ao estudo d.c A lqui mi a e
Teologia. Sob o pset1dônimo d e Jeova sa11ct i1s u11us produziu vários textos
sobre o assunto.
Enqt1a11to New to n se d edicava ao seu traba ll10 em Cambridge, Robert
H ooke, Edmt1nd H a llcy e Sir C1,ristopher Wre11, em Lo11dres, propunl,am
problem as uns aos outros e re latava 111 suas próprias pesqui sas. Eles tenta-
va1n en contra r ttma explicação para o m ovimento plan e tário. O pro blem a
consis tia em d e tcr1nina r q1.1al força m a11tc ri a t1n1 planeta girando em torno
d o Sol. Cad a um tinha interesse pessoal em se r o primei ro a en contrar a
solução, e este d esejo d e prio ridad e foi ca L1sa d e uma acirrad a compe tição
entre eles. Embo1·a H ooke e H aJey tjvessen1 calcula d o que a força m anten e-
d o ra d os plane tas em órbitas d everia d ecrescer com o inverso d o qtt adrado
da distâ11cia ao Sol, 11ão fora1n cap azes d e deduzir dessa hipótese uma ó r-
bita. teóri ca que co11cord asse co rn os m ov in1entos pl an etá rios obser\rad os, a
d espeito d o incentj vo d e u.m prêmi o o ferecido po r Wren .
W1·e11 (1632-1723) foi astrô11on10, geôn1.etra e o m aior arqttiteto i11glês d e
sua época. Proje tou 53 ig1·ejas e1n Londres, in clui11do a catedra l d e São Paulo.
Foi um d os fundad ores da Royal Society e projeto u um expe rimento com
bo las Sttspe.n sas para d emonstra r a te rceira le i d e Newto n.
H ooke (1635-1703), um cientj sta brilha11tc, inventou o microscópio e
descobriu a lei d a elasticida d e (que di z que o alo11gam ento de um corpo

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Mecânica Newton iana

sólido é pro porcional à força a plicada). Cons truiu um telescópio Gregoriano


refleto r, d escobriu a qui11ta estre la na co11s telação d e Órion e sugeritt que
Jú·p iter girava em torno d e seu próprio eixo. Fez contribuições fundamen-
tais pa ra a Física, As tronomia, Química, Geologia, Biologia e Mctereologia.
Pelo seus estudos d e fósseis microscópios foi considerad o um d os primeiros
prop onentes da Teoria d a Evolução. Propôs que a lu z se ori gina\,a d e um
m ovimento vibratório e era tra ns mitida como onda em um m eio. Descobriu
o fenôm eno d a difração da luz e usou a teoria ortdula tória para expli cá-lo.
Realizou centenas d e experiências. Como assiste11te d e Robe rt Boyle (1627-
1691) d escobriu a relação e n.tre a pressão e o volume d e um gás, que se to r-
no u conhecida mais ta rde con10 lei d e Boyle. Foi o pri1neiro a afirm ar que,
em geral, tod a matéria expande quando aquecida e que o ar é feito de partí-
cu las sep arad as uma das outras por dis tâncias relati vamente grandes. os
mead os de 1660 chegou a uma fonnulação qua litativa d.o princípio da dinâ-
mica aplicada à mecânica celeste. Em 111.a io d e 1666 deu uma pa lestra para
os membros d a Royal Society 011de afirmou que o movimento orbita l d e um
planeta podia ser de te rminado pe la com.posição d e s ua velocidade tangen-
cial com a velocid ad e radial impressa por uma força d e atração d o Sol. Os
princípios dinâmicos d e Hooke, como m en ciona Nauenberg, estavam base-
ados em exp eriências cuidad osas e obser vações d e sistemas m ecânicos bem
projetad os que serv iam de analogia p ara a dinâmica celeste. O mais conheci-
d o é o pêndulo cônico, ou circular. Afirmou:

.... Essa inflexão de um movimento direto em uma curva pela


a ção de um princípio atrativo eu tentarei explicar usando
experiências com um pêndulo: não que eu suponha que a
atração do Sol seio exatamente o mesmo como aquela em
um pêndulo 1•

H ooke percebeu uma deficiência d o mod e lo d o pêndulo para descrever


o m ovimento planetário: era que nesse caso o centro da força estava no cen-
tro da elipse, e não em um d os focos (como d emonstrou matem aticam ente,
pois a força horizontal nesse caso aumenta, aproximadamente, linearmente
com a distância ao eixo). Por outro lad o, o pe ríod o d o pêndulo é quase que
inde pendente d o tamanho da órbita, em contraste com a d epe ndência d o
período d os planetas dada pela te rceira lei d e Kepler. Ele partiu então para
estudar a dinâ mica d e bolas ro lando em vári as superfícies d e revolução, que
serviam d e mode.los para diferentes forças centrais atrativas. Suger·iu., e m

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a ação de várias forças centrais. Na carta, Newton incluiu um comentário


sobre o caso especial de uma força variando com 1 / r3 que levava a uma
órbita que girava para o centro ''através de um número infinito de revolu-
ções espirais''. A teoria inicial do movimento orbital de e,AJton era baseada
em uma descrição matemáti ca de curvaturas que ele (e independentemente
Huygens) tinha descoberto.

Figuro 6. 1. A
Diagrama de Newton em suo corto D B
poro Hooke poro demonstrar o
rotação do Terra.

E e

Figuro 6.2.
Desenhos apresentados no
correspondência de Hooke poro Newton
(a), e de Newton poro Hooke (b).

(a) (b)

B P 1 N
l
H E
e
o
N
e
n D

Hooke replicou, em 6 de janeiro de 1680, dizendo que se a força de atra-


ção central fosse constante, a órbita proposta por Newton seria correta, mas
como el e acreditava que essa força decrescia com o inverso do quadrad o da
distância, a órbita não poderia ser como Newto11 a havia descrito. Propôs,
em seguida, que Newton usasse o seu método (de Newton mesmo) para
ca lcular a curva do mov imento dos planetas. Essa proposta indica que, até

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1

t-

'

Este livro apresenta uma discussão dos avanços da Física desde a antiga Grécia
até os dias de hoje, dando ênfase aos aspectos históricos e filosóficos em que
eles ocorreram. O livro analisa as influências mútuas que Física e Filosofia tiveram
uma na outra. Procurou-se também ensinar ao leitor como testar idéias, avaliar
hipóteses, apreciar os argumentos de um dado problema no seu justo valor.
Em resumo, ensiná-lo a desenvolver um comportamento objetivo e imparcial frente
às informações recebidas. Mostrar que em Ciência é mais importante saber
pensar do que o conhecimento enciclopédico.
Supõe-se que o leitor tenha alguns conhecimentos de física básica,
mas nenhum conhecimento de relatividade ou mecânica quântica é necessário.
O livro é de interesse particular para alunos de Física, Filosofia, ou mesmo
cientistas que tenham um interesse em História da Ciência.
Ele pode, no entanto, ser lido por qualquer pessoa curiosa que tenha um desejo
de aprofundar seus conhecimentos sobre as idéias fundamentais que regem
nosso entendimento do Universo. O livro foi escrito usando, tanto quanto possível,
referências originais e uma bibliografia detalhada é apresentada.

ISBN 978-85-88325-96-8

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