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Sensus Catholicus
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7 “Por detrás desta natureza externa há sempre um abismo, mas ele é selado pela luz. É por isto que se diz que maus
espíritos são atados às trevas deste mundo, esperando seu julgamento. Aqui a necessidade de abençoar e exorcizar a
matéria se torna óbvia. Ao homem foi dado o terrível poder de invocar espíritos e desencadeá-los. O Diabo é como
um vilão louco que deseja se libertar de sua prisão para se lançar ao mundo. Mas, ainda, esta prisão (a matéria) é a
única coisa que sacia o fogo consumidor. Assim que a materialidade desaparece, o Inferno se revela para o ímpio
[assim como o Céu para o santo]. Não abusai da matéria então, homem, pois jaz nela tanto uma maldição quanto
uma bênção” (Baader, Privatvorlesungen über Böhme’s Lehre 18).
8 Não é isto também mais eminentemente verdadeiro acerca de nossa “mente decaída”, a ratio analítica (dualística)
(representando uma dispersão do raio intelectual sobre as águas psíquicas), que, com suas habilidades de solucionar
problemas ímpares, permitiu ao homem subjugar toda a Terra, mas que também é uma das primeiras “cascas” que
nos separa de Deus.
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É por isto que Baader diz que a palavra “terra” (em hebraico, “ ʾāreṣ”) está
etimologicamente relacionada com a palavra “arrêt” (“parar”, “restringir”),
pois é a “terra” que contém o “caos” aquoso (a turba que dorme no coração
mesmo da matéria em si, d’onde toda matéria requer “bênção”). O Mundo
Material é como um “cobertor” ou “cobertura” (Decke) que foi jogado sobre o
Fogo Divino, diz Böhme, e isto é porque não apenas a materialidade grosseira,
mas também o tempo (como a condição definidora deste Mundo Corpóreo), é a
“misericórdia da eternidade” (Blake), pois apenas através desta “contenção”
temporária da Presença Divina temos a chance de nos “retificar”, de transmutar
o “chumbo” caído no ouro alquímico que pode suportar o crisol do Amor
Divino. Pois, uma vez que o “cobertor” deste mundo se “recolheu como um
livro, que se enrola” (Apocalipse 6:14), nós todos somos testados no fogo (“Mas
Ele sabe o meu caminho, e Ele me prova como ouro, que passa pelo fogo”, Jó
23:10).
Todavia, para cada um de nós este encontro com as chamas do
julgamento já começará depois da morte, quando as “vestes” protetivas que nos
pesam neste mundo estiverem finalmente rasgadas. E aqui finalmente vemos
que mesmo a morte, a maldição primeira da transgressão adâmica (“morrerás de
morte”, cf. Gênesis 2:17) é, em última análise, uma bênção, pois nos salva da
indefinidade (“O Diabo não tem morte nele”, diz Böhme, “e é por isto que ele
não pode morrer para o mal”, significando que, porque as hierarquias caídas são
imortais, elas também estão barradas da Salvação).
De acordo com a mais alta perspectiva, todavia, “água” e “terra” podem
ser vistas como a manifestação inferior da biunidade da Divindade mesma
(como o “Infinito” e o “Absoluto”)9, significando Sua Toda-Possibilidade (Seu
9 “O Infinito é, por assim dizer, a dimensão intrínseca do Absoluto; dizer ‘Absoluto’ é dizer ‘Infinito’, um sendo
inconcebível sem o outro. A distinção entre o Absoluto e o Infinito expressa os dois aspectos fundamentais do Real,
aquele da essencialidade e aquele da potencialidade; esta é a mais alta prefiguração principal dos polos masculino e
feminino. A radiação universal, e, portanto, māyā, tanto divina quanto cósmica, surge deste segundo aspecto, o
Infinito, que coincide com a Toda-Possibilidade” (Schuon, Survey of Metaphysics 1).
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lado “passivo”, “feminino”, isto é, a água) e Seu ato irrestrito de “Ser” (Deus
sob Seu aspecto “ativo”, “masculino”, isto é, a terra), Sua receptividade
maternal e Seu raio de manifestação paternal, Essência e Ser (similarmente a
seus dois atributos primários de “misericórdia” e “severidade”) que, em Deus,
são absolutamente unos.10
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O homem tem que conter o Dilúvio, ele tem que “estabelecer o espaço”.
Todavia, há não apenas o perigo do tempo devorar o espaço, mas também o da
“terra secar o mar”, isto é, um excesso de “ordem”. É a “cidade” (a primeira das
quais foi estabelecida por nenhum outro que Caim, que matou seu irmão Abel,
o pastor), Sodoma, Gomorra, Babilônia, a “Grande Prostituta” e “Mãe de
Todos os Pecados”.
A cidade é o símbolo último da vaidade humana (“Look on my works, ye
Mighty, and despair!”) e sua ilusão de asseidade (d’onde o ego é também uma
cidade cujos muros foram derrubados). Em algumas tradições, mesmo o
Inferno (como uma “inversão” do Jardim Éden) é concebido como uma cidade
(a Dis de Dante, ou o Pandemonium de Milton), a “reversão” desta cidade
infernal sendo a Jerusalém Celeste, Civitas Dei (como a “realização” final de
todas as possibilidades edênicas e a restauração da perfeição terrestre), em que
“não [há] templo. Porque o Senhor Deus Todo-Poderoso e o Cordeiro é o seu
templo” (Apocalipse 21:22), significando que é privada de todas as “cascas” 17 (em
hebraico, “qəlīppōṯ”), ou “coberturas”, suplementares, de toda Ersatz (d’onde a
“Cidade do Homem” é feita de pedra, mas a Nova Jerusalém é coberta de
“joias”, isto é, perfeitamente transparente à Luz Divina). Vemos, assim, que a
cidade (a Civitas Humana cainita) é a “veste de pele” (ou a “casca”) par
excellence, protetiva em um aspecto, mas também instrumental em satisfazer o
desejo cainita de “se murar” de Deus.
O extremo oposto da “cidade” (como ordem excessiva) é o “caçador”
(Nimrod e Esaú, que “Deus odiava”), que circula a periferia (4) eternamente,
perseguindo “animais” (isto é, bens mundanos) — “[…] andarei vagabundo e
fugitivo na Terra”, disse o amaldiçoado Caim (Gênesis 4:14).
O “meio dourado” entre os dois pode ser dito como representado pelo
(bom) pastor, que vive em “tendas” (tabernaculum) não feitas de pedra, que guia
suas ovelhas (controla a natureza animal), e “constrói altares”, isto é, estabelece
o “espaço”, ou dispõe “pedras” axiais como a pedra em Betel (marcando o Axis
Mundi da Escada de Jacó). Pois todo cultus requer algum enraizamento ou
conexão à terra, um “aqui” (hic) que o define “existencialmente” e que marca o
ponto concreto em que o vertical o horizontal se intersectam (“Terribilis est
locus iste non est hic aliud nisi Domus Dei”, Gênesis 28:17).
17 Estas “cascas” em que o homem se envolve depois da Queda (começando no Paraíso e continuando com a descida
dos cainitas; cf. Gênesis 4:17–22) poderia ser dita como representando a inversão do “Véu” Divino: o último revela
o Esplendor Divino, o primeiro nega e escurece; é a venda que o homem caído coloca para evitar enfrentar a Lei (ou
Nómos) Divina.
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“Contarás também sete semanas d’anos, isto é, sete vezes sete, que
fazem, ao todo, quarenta e nove anos; e ao sétimo mês, em o dia décimo
do mês, no tempo da expiação tocarás a buzina em toda a vossa terra; e
santificarás o ano quinquagésimo, e anunciarás remissão a todos os
18 Guénon diz que a progressiva “solidificação” da existência junto com os ciclos temporais se manifesta como um
movimento para longe da vida nomádica (Abel) rumo à sedentária (Caim), todavia tenhamos hoje completado o
ciclo, chegando a uma inversão da vida nomádica que carrega todo o pior aspecto da civilização cainita. Esta é a era
do Globalismo desarraigado em que o homem se torna “quantificado” ao puro “capital humano” e desligado de
todas as noções de espaço (não à toa isto ser acompanhado pela “Revolução Digital”, isto é, o movimento ao virtual,
o “reino sub-corpóreo” par excellence).
19 Isto também se apresenta a nós de maneira bastante bela em muitas Madonnas renascentistas, onde vemos Maria se
voltando (centripetamente) para o centro (isto é, a Deus Menino) e o Cristo se voltando para fora (centrifugamente)
rumo à periferia em moção de agarrar.
20 Este padrão também é encontrado numerosas vezes no calendário litúrgico, por exemplo nos quarenta e nove (7 x 7)
dias separando a Páscoa do Pentecostes (o “Quinquagésimo Dia”).
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23 A psicologia nos fala de duas esferas do cérebro, o “cérebro direito”, sendo a faculdade lógica analítica (masculina), e
o “cérebro esquerdo”, sendo a esfera criativa e passional (feminina) (esta dualidade também é espelhada na Árvore
Səp̄ īróṯica da Qabbālā, o “cérebro esquerdo” de ʾĀḏām hā-Qaḏmōn sendo Ḥoḵmah, o “influxo” criativo, enquanto o
“cérebro direito” é Ḇīnāh, isto é, o “Discernimento”, que é também o princípio de separação de dualidade). Aqui
também o equilíbrio é necessário, a dominância do “direito” (como racionalismo luminista) se degenera a
coagulações mecanísticas (os demônios são ditos como preferindo máquinas sobre natureza, afinal, d’onde o Satanás
de Milton aparece como o primeiro engenheiro), enquanto o “dilúvio” do esquerdo não raramente se manifesta
como um psiquismo “instável” (o “reino de Dionísio”), de modo que ambas estas tendências (simbolizando também
psychē e ratio) têm que ser “retificadas” pelo “eixo do espírito”, ou intelecto.
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monta um jumento, “ḥamor” (cf. Zacarias 9:9, Marcos 11), que é equivalente a
“ḥamer” (“matéria”, ou “substância”), significando que Ele domina as paixões;
n’Ele o intelecto domou completamente a psique inferior, Ele “anda sobre as
águas”.28
Mas uma das manifestações mais puras deste “padrão prometeico do 6” é
descrito no Livro de Daniel (3:1), em que lemos que “fez o Rei Nabucodonosor
uma estátua de ouro, que tinha sessenta côvados de alto, e seis côvados de largo”
como um ídolo para que o povo adorasse; um “tipo” claro de Anticristo.
Os seis planetas (tradicionais) precisam receber sua luz do sétimo, isto é, o
Sol (synthema primordial de Deus), e separados de sua luz eles permanecem frios
e “saturninos” (o Sol sendo também o “intelecto”, enquanto Saturno denota a
“razão”, de acordo com a astrologia microcósmica de Ibn ʿArabī. 29
Similarmente, São Boaventura nos diz que as seis “artes” (representando a
totalidade das disciplinas acadêmicas) sempre precisam da “iluminação” do “Sol
da teologia” (cf. De Reductione Artium), e, de fato, não precisamos procurar
muito para ver esta separação do 6 do 7 (que leva a uma dispersão maléfica, uma
queda da unidade mais alta, e uma contração “autocentrada” na particularidade)
manifestando de muitas maneiras diferentes nestes “Últimos Dias”.
O 7 e o 6, assim, poderiam ser ditos como se relacionando um ao outro
como centro e periferia, pois (de acordo com o simbolismo geométrico), o 6
marca a perfeição terminal do círculo, enquanto o 7 denota seu princípio (o
ponto central). As seis direções da extensão universal sempre precisam ser
“reatadas” a seu princípio, o “santo palácio” do centro, que é seu fundamento. 30
28 Quando Abraão faz a jornada para sacrificar Isaque, ele é acompanhado por um jumento (cf. Gênesis 22:3), mas,
quando ele desce novamente após ter ascendido à “Montanha da Theognosía”, o jumento não é mais mencionado (cf.
Gênesis 22:19), significando que ele superou o Mundo Material após receber a Iluminação do Senhor. Também
poderíamos apontar que “cavaleiro” (rāḵaḇ) em hebraico vale 200-20-2, então o “cavaleiro” (222) sobre o “cavalo”
(666) é 888, o número do Cristo Jesus.
29 Este princípio também é mostrado na gematria hebraica pertinente à “tigela dourada” ( ḡullāh) vista pelo profeta
acima da mənōrā de sete braços (cf. Zacarias 4:1–14, assim como Acapolipse 11:4). Ora, “ ḡullāh” vem da raiz “G-L”
(3-30), que é também o “corpo” (gal), “cativeiro”, ou “exílio” (gōlāh), golem (“massa não-formada”, ou “corpo sem
vida”), e “Gólgota” (Ḡāluṯ), isto é, todas as coisas que pertencem à “maldição” do mundo caído. Mas quando o 1
(ʾĀlef) é introduzido no meio de “gul”, torna-se “Gōʾēl”, o “Redentor” (ou “Gəʾūllāh”, “Redenção”), isto é, 3-1-30
(o padrão da mənōrā, o 3-3 atado à unidade pelo 1 “central”) que é também o Sol no meio dos sies planetas, assim
como o Cristo, o Redentor, pregado ao eixo central da cruz (1) sobre o Monte Gólgota em seu trigésimo terceiro
ano.
30 “São Clemente de Alexandria diz que de Deus, o ‘Coração do Universo’, se espalham as vastas direções, uma para
cima, uma para baixo, uma para a direita, uma para a esquerda, uma para frente, e a outra para trás; direcionando
Seu olhar para essas seis direções como rumo a um número sempre igual, Ele completa o mundo; Ele é o princípio e
o fim (Alfa e Ômega), n’Ele as seis fases do tempo se completam, e é d’Ele que recebem sua indefinita extensão; este
é o segredo do número 7” (Vulliaud, Kabbale Juive 6:2).
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Do mesmo modo, não há círculo possível dividido em sete partes iguais (assim
como o 7 é o único número até 10 que não é divisível por, nem para, qualquer
outro; “não é gerado, nem gera”, como Fílon diz), significando que, enquanto o
6 “fecha”, o 7 deixa sempre um “vão” para a Graça Divina fluir; ele salva o 6 de
ser “selado” e o abre à verticalidade. 31 O Sétimo Dia faz um buraco no edifício
do cosmos e também na ilusão de nossa existência fechada; é o sábado em que
cessamos nossos afazeres mundanos e nos voltamos para o Senhor em adoração.
Agora, como dissemos, a natureza do amor jaz no dom de si mesmo, isto é, em
sua abertura ontológica. A dialética de amor entre Pai e Filho engendra (ou
melhor, “espira”) o Espírito Santo como Seu “beijo” comunal, a “caridade”
profana da justiça social que se fecha para Deus ao deificar o “próximo” é estéril
(o equivalente social da contracepção ou “sodomia”) e nada além de um egoísmo
externalizado (“ama teu próximo como a ti mesmo”); e, como tal, “não vale
nada” (nihil mihi prodest), como o Apóstolo diz. O amor a Deus e o amor ao
próximo mutuamente supõem um ao outro, amar a Deus significa odiar minha
própria alma e apenas através dessa “pobreza de espírito” abnegada em que “eu”
e “você” desaparecem eu posso verdadeiramente amar meu próximo (através de
Deus) e Deus através do meu próximo (“Lā anā wa lā anta: Huwa”). Assim, o
verdadeiro amor (sendo uma participação no “Amor Essencial” da Santíssima
Trindade, que é o único digno desse nome) é “extático” e “fecundo”; deixa
espaço para a graça (7), para Deus estar “em seu meio” (cf. Mateus 18:20) e se
abre à verticalidade, enquanto o “amor” horizontal do Progressismo /
Marxismo conhece apenas a “Cidade dos Homens” e permanece fechado em si
mesmo (6).
Podemos concluir dizendo que, para estabelecer uma “ordem espacial”
duradoura, é necessário não apenas integrar a “pedra de tropeço” (o “caos”
aquoso, ou as “margens”), mas esta ordem também precisa ser construída sobre
a “pedra fundacional” de Deus, deve ser “ordenada” para Deus, pois “se o
Senhor não edificar a casa, em vão se tem posto ao trabalho os que a edificam”
(Salmos 127).
Que possamos, assim, “edificar o Templo de Deus” (cf. 1 Coríntios 14:12),
ajudai-nos o Supremo Arquiteto, agora e para sempre. Amém.
31 Este “vão” também simboliza o “período irracional” entre dois ciclos (6) quando o fim encontra um novo começo,
d’aí que nenhum ciclo esteja verdadeiramente “completo” até passar pelo 7 (cf. Pageau, Language of Creation 44).
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