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Análise do poema "O Infante"

Este poema faz parte da segunda parte de Mensagem denominada “Mar Português”,
esta parte representa a descoberta, a conquista e o domínio do mar .A acção dos
portugueses alarga o conhecimento sobre o mundo, possibilitando o inicio da
modernidade europeia.
Este é o primeiro poema da segunda parte de Mensagem, o que faz todo o sentido se
tivermos em conta que o Infante D. Henrique foi o impulsionador dos
Descobrimentos, por exemplo ao fundar a Escola de Sagres. Daí o título do texto:
embora nele se refira a aventura marítima levada a cabo pelos portugueses, foi o
Infante quem desempenhou um papel crucial nessa aventura, o de protagonista, de
impulsionador, o de símbolo do início da construção do império. Daí que lhe caiba o
papel de protagonista da «Possessio Maris» (Posse do Mar), dedicada à gesta dos
Descobrimentos.

Estrutura interna

. 1.ª parte (1.º verso) – «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce». Traduz as 3 etapas
que constituem a construção da obra humana.
Duas acções:
--- a vontade divina;
--- o sonho do homem;

Efeito:
o nascimento / a concretização da obra
. Os três «sujeitos» dependem mutuamente, numa relação de causa efeito: sem a
vontade do primeiro, o segundo não sonharia e a obra não poderia nascer.Establece-
se assim, uma relação causal.
. O verso é constituído por três orações assindéticas justapostas sublinhando uma ideia
de gradação, enumerando as etapas que irão dar origem ao nascimento da obra.

. 2.ª parte (versos 2 a 8) –É o desenvolvimento do primeiro verso e também ela está


dividida em 3 momentos:

1) . Apresentação da vontade de Deus(verso 2 até verso 4)


. a unidade da terra, através do mar, de forma a servir de elemento de união entre os
continentes e os povos, daí a existência de um conjunto de palavras e expressões que
sugerem a ideia de unidade: «uma», «unisse», «não separasse», «inteira»;
.  A sagração do Infante: para o cumprimento dessa missão, Deus sagrou o Infante (a
decisão de se aventurar no mar tem origem divina e não num qualquer capricho
humano)), isto é, predestinou-o para os grandes feitos das descobertas («… em ti nos
deu sinal.» - v. 10). Foi, portanto, Deus (cuja vontade é impreterível) quem quis que
o Infante (= os portugueses) sonhasse dominar os mares, desvendar o desconhecido e
estabelecer a comunicação entre os povos e os continentes, a nível matéria e
espiritual / cultural, isto é, que desse sonho nascesse a obra dos Descobrimentos.
           Assim, o Infante é o símbolo do herói, o agente por vontade divina, destinado a
criar uma obra superior.
. A forma verbal «Sagrou» encerra grande expressividade:
-contém conotações religiosas;
- evoca o nome próprio «Sagres», a escola de navegação fundada pelo Infante,
símbolo do início da construção do império português;
- remete para o caráter mítico e predestinado do Infante, o escolhido por Deus
para a execução da obra, daí que possamos também falar na sua divinização;
- traduz o caráter providencial e iniciático das Descobertas.
. O complexo verbal «foste desvendando» (v. 4) apresenta a ação como uma
continuidade, como algo que se concretizou de modo progressivo; a forma verbal
«desvendando» (desvendar = revelar, descobrir, mostrar), por outro lado, remete
para a ideia de revelação de algo desconhecido.
. O mar por sua vez é também simbólico do mistério e do desconhecido, daí o uso de
expressões como “desvendando a espuma” (desfazendo o mistério).
2) Refere-se ao homem.(2ª quadra)
. Aqui se desenvolve a ideia de que o homem sonha e põe em prática a vontade de
Deus.
. passagem do mistério para a luz em palavras e expressões como “orla branca”
“clareou” (sair das sombras, revelar-se) já adivinhada na “espuma”(branca) da
segunda parte e que se prolongará pelo “surgir”(sair das sombras, revelar-se) e
pelo azul profundo” (do mar imenso, do fundo do mistério).
3) Refere-se à obra e corresponde à revelação. Há no poema vários indícios de revelação “ de
repente”, “surgir”, “o azul profundo” e na terceira estrofe “sinal”. A revelação é repentina,
espectacular, miraculosa. Tal é sugerido pela expressão “E viu-se a terra inteira, de repente,/
surgir , redonda, do azul profundo”. Esta visão da terra sugere a ideia de que a obra dos
portugueses é o realizar de um plano divino. O redondo, a esfera, é o símbolo da perfeição
cósmica, da unidade, da obra completa e perfeita que Deus quis. Ao longo desta segunda parte
o tempo verbal predominante é o pretérito perfeito que permite narrar os acontecimentos
passados.

. A realização da obra é sugerida por Pessoa através do recurso a diversos recursos
poético estilísticos:
. a gradação: começou por desvendar «ilha(s)» e «continente(s)», chegando ao «fim do
mundo» e dando assim a conhecer «a terra inteira»;
. as metáforas e as sinédoques: «desvendando a espuma», «orla branca», «clareou,
correndo»;
. a perifrástica «foste desvendando»;
. o gerúndio «correndo»;
. a locução adverbial «de repente»;
. as sugestões cromáticas e luminosas;
. a aliteração do /r/;
. o verbo «desvendar», que remete para a ideia de revelação;
. os adjetivos «inteira» e «redonda» aponta para a unificação da terra, concretizando-
se assim o desejo expresso no verso 2. Por outro lado, «redonda» aponta para a
«esfera», o símbolo da unidade e da perfeição cósmica.

3.ª parte (3.ª estrofe) – Conclusão:


. a transposição da glória do Infante para o povo português:
- Deus sagrou o Infante e criou-o português;
- enquanto tal, simboliza o povo a que pertence, o que significa que também
ele foi assinalado, predestinado, escolhido por Deus para desvendar o mar
desconhecido;
. o sonho cumpriu-se: o desvendar e a unificação dos mares e a criação do império
(sonho simultaneamente nacionalista e universal);
. o sonho desfez-se: o império (do Oriente) desfez-se, pertence a outro tempo;
. a pátria, presentemente, não tem desígnio;
. o apelo ao cumprimento do destino mítico de Portugal: uma nova e espiritual missão
(«Senhor, falta cumprir-se Portugal!» - v. 12). Trata-se do apelo a um novo sonho, de
cariz espiritual, visto que a dimensão material do império já foi conseguida, ou seja,
falta que Portugal se cumpra como pátria e entidade nacional (notar o uso do
presente do indicativo na palavra “falta” para exprimir urgência). De notar que o
sujeito poético se dirige agora diretamente a Deus, apontando para o desencadear de
um novo ciclo que, no fundo, constitui o regresso ao início do poema: uma nova
vontade divina, um novo sonho do homem e uma nova ação / obra.

         Mas, afinal, o que falhou em todo o processo? Porque se desfez o império? Deus
quis, o homem sonhou e a obra nasceu, mas uma obra efémera, perecível, como tudo
o que é material e humano. A culpa não é de Deus, já que ele sagrou e destinou o
Infante e o povo português ao cometimento de feitos muito acima da sua condição de
mortais. Mas como ser humano limitado, não houve continuidade para o império, que
se desfez, daí que Pessoa aponte para a necessidade de Portugal se cumprir
integralmente, de complementar com a dimensão espiritual a materialidade do
império passado, novamente sob a predestinação divina.
A ação do Infante:
- representa o povo português («… e nós em ti nos deu sinal.» - v. 10) e «foi
desvendando [descobrindo, revelando] o mar», ultrapassando dificuldades;
- os seus esforços foram coroados de êxito («Cumpriu-se o Mar» - v. 11); fisicamente, o
mundo tornou-se um, a terra tornou-se una, os povos e continentes unificaram-se;
- o Infante é o herói que obtém a imortalidade através do cumprimento de um dever
individual e pátrio;
- é também o herói que busca a universalidade, daí a utilização do artigo definido no
título («O Infante») e em «o homem» (verso 1) com um valor universalizante;
- possui um caráter divino, dado que foi o eleito, o predestinado por Deus para o
cumprimento desta missão; por extensão, como é português e representa o seu povo,
a sua sagração significa a divinização do homem português;
- a sua sagração, a sua obra, tem como consequência o acesso ao conhecimento: dos
limites geográficos do planeta, do mar, de outros povos, de outras culturas.

. Tom dramático do poema:


- a tensão emocional resultante da visão da terra redonda surgindo magicamente das
profundezas do mar;
- as três personagens:
. o sujeito poético, que se dirige ao Infante e interpela Deus, significando este facto a
existência de um diálogo (implícito), o que está de acordo com o caráter misterioso e
messiânico do poema;
. Deus;
. o Infante.

Recursos poético-estilísticos

1. Nível fónico
. Estrofes: três quadras.
. Métrica: versos decassilábicos
. Rima:
. esquema rimático: abab / cdcd / efef;
. cruzada
   A rima permite que certas palavras-chave se encontrem em posições de destaque:
«nasce», «uma», «mundo», «português», «sinal», «Portugal».

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