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Linhas de leitura do poema “O Infante”, de Fernando Pessoa:

1.ª parte: v. 1
O poeta usou o nome «homem» para conferir um valor universal à afirmação. Aliás,
os verbos no presente do indicativo confirmam essa intenção.

O poema parte, pois, de uma concepção providencialista da vida humana (a vida


humana é regida por interesses superiores).

O 1.º verso é a expressão lapidar da conceção messiânica que já vinha a ser afirmada
e continuará a ser um tema-guia da obra. Os três termos da afirmação axiomática ou
aforística (de tipo proverbial) encadeiam-se por uma ordem lógica de causa-efeito:
«Deus quer» (é o agente primeiro), «o homem sonha» (capta a intenção divina, está
em sintonia com o divino), «a obra nasce» (efeito de um agente primeiro e de um
agente segundo). Se Deus não quisesse, o homem não sonharia e a obra não nasceria.

2.ª parte: vv. 2-8


A missão para a qual se escolheu o Infante foi unir a terra e o mar (vv. 2-3: «que a
terra fosse toda uma, / Que o mar unisse»). Trata-se de uma teofania, isto é, uma
revelação divina. Assim, as palavras estão carregadas de simbolismo iniciático:
 vv. 3, 10 e 11 «mar» (símbolo de desconhecido, mistério); v. 8, «o azul
profundo» (do mar imenso, do fundo do mistério, a ideia de origem,
profundidade);
 v. 4, «Sagrou-te», v. 9, «Quem te sagrou criou-te português» (consagrou-te,
ungiu-te, destinou-te, Sagres. O infante surge-nos aqui mais como o símbolo
do herói português escolhido por Deus para ser agente da sua vontade do que
um ser individual),
 v. 4, «desfazendo a espuma» (desfazendo o mistério);
 v. 4, «espuma» (branca), v. 5, «orla branca», v. 6, «Clareou», v. 8 «Surgir» -
aparecimento (todas estas palavras exprimem a passagem do mistério para a
plena luz, sair das sombras, revelar-se, desocultar-se, tornar conhecido o
desconhecido);
 v. 7, «de repente» (carácter súbito e miraculoso da Revelação);
 v. 8, «redonda» (a esfera é símbolo da unidade, da perfeição cósmica; no
texto, símbolo da totalidade da obra querida por Deus);
 v. 10, «nos deu sinal» (dar um sinal da partida para a aventura é dar a chave
para decifrar o mistério).
A segunda parte do texto (vv. 2-8) apresenta-nos a vontade de Deus que quer toda a
terra unida pelo mar (que a separava), confiando essa missão ao Infante, que levou,
como por encanto, essa «orla branca» até ao fim do mundo, surgindo, em visão
miraculosa, «a terra […] redonda, do azul profundo».
Esta segunda parte do texto subdivide-se em três momentos:
 vv. 2-4: «Deus quis» até «Sagrou-te»: a ação de Deus (Deus, o agente da
vontade, quer a unidade da terra);
 v.4: a ação do Infante, herói ungido por Deus;
 vv. 5-8: e a realização da obra por Revelação (o grandioso feito que transcende
as forças humanas, próprias de heróis).

«O que interessa a Pessoa é que o infante é agente sacralizado de uma missão


de descobrir o Mundo, de estreitar os laços entre os continentes e de criar
um mar português [aspectos que se ligam à simbologia do grifo]» (António
Machado Pires, 1987).

3.ª parte: vv. 9-12


A 3.ª quadra representa um momento de síntese[3] e reflexão. Retoma-se a trilogia:
«quem [Deus] te [o homem] sagrou criou-te português» para reflectir sobre ela e o
seu significado histórico: «Do mar e nós em ti nos deu sinal.» – e aqui retoma-se a
ideia de sinal, signo, bandeira – «Cumpriu-se[4] o Mar» (resultado do sonho do
Infante e da vontade divina).

Transpõe-se para o povo português a glória do Infante («Quem te sagrou criou-te


português», v. 9). O povo português foi, pois, o eleito por Deus para esta façanha.
ruscamente, em corte abrupto, o poeta assinala o desmoronar-se do império dos
mares – «e o Império se desfez» – é a tristeza, o «nevoeiro» a ensombrar os nossos
dias.

O que falta, então, no futuro?


«Senhor, falta cumprir-se Portugal!» (a “obra”).
Como? É lícito, desde já, apontar a fórmula redentora: Que Deus volte a querer, que
os homens (portugueses) voltem a sonhar – daí nascerá, certamente, a obra
necessária a um novo ciclo histórico de grandeza.

Portanto, no último verso repete-se a dinâmica do primeiro:


Deus –> homem –> acção = vontade de Deus –> sonho do homem –>
epopeia.

O percurso do poema é do geral para o particular e do particular para o coletivo:


O assunto evoluciona primeiro do geral (universal) para o particular: o «homem» e a
«obra» do 1.º verso têm aplicação universal, ao passo que, na 2.ª parte, o «homem»
se particulariza no Infante e a «obra» na epopeia marítima. Dá-se, depois, na
passagem da 2.ª para a última parte do poema, uma mudança de sentido oposto:
transição de um plano particular (Infante) para um plano geral/colectivo
(Portugueses).

Este é um poema onde se verifica a economia de linguagem e uma densidade de


sentidos:

 o vocabulário próprio da Revelação, acima referido;

 a utilização das maiúsculas, que vem do Paulismo (Mar, Português) e procura


chamar a atenção para a riqueza significativa das palavras;

 a rima, sempre cruzada, valoriza certas palavras que, aparecendo em fim de


verso, vêem o seu significado alargado: «nasce» (v.1), «uma» (v. 2), «mundo»
(v. 6), «português» (v. 9), «sinal» (v. 10), «Portugal» (v. 12).

O último verso só indiretamente formula uma súplica a Deus. Apenas se enuncia


perante Ele um facto: «falta cumprir-se Portugal». Segundo a técnica simbolista, é
mais belo sugerir do que afirmar por claro. Além disso, esta enunciação da súplica,
não em forma imperativa, mas em forma informativa, relaciona-se com as
características messiânicas do texto: o povo português é o eleito de Deus; basta que
Deus veja o que falta a Portugal para na hora certa desencadear as acções necessárias
para restabelecer a glória do seu povo.

As frases são curtas: seis frases correspondem cada uma a um verso. Isto está
também dentro da técnica simbolista: exprimir muito em poucas palavras. Note-se,
por exemplo, que o último verso do poema sugere mais do que claramente afirma. É
uma frase aberta a muitos cambiantes de sentidos: não afirma claramente, sugere.

Análise
Este poema começa com uma reflexão que será depois desenvolvida
e confirmada “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”: com a ajuda de
Deus e a vontade do homem em lutar por ideias e trabalhar para os
alcançar, os feitos acontecem e o mundo avança.

E o que é que Deus quis para este Infante (D. Henrique, figura
impulsionadora das Descobertas Portuguesas)?

Quis que a “terra fosse toda uma” e “o mar unisse não separasse”, o
que significa que a terra fosse toda conhecida e os mares se tornassem
veículos de navegação por toda essa terra. E ao cuidado de quem é que
Deus colocou estas duas tarefas (descoberta e navegação marítima)? Ao
Infante: “Sagrou-te e foste desvendando a espuma e “Quem te sagrou
criou-te português”, isto é Deus quis que o grande descobridor fosse
português, o que daria glória e prestígio ao nosso país, pois “viu-se a
terra inteira, de repente, /seguir, redonda, do azul profundo.”

Na terceira estrofe, espaço de crítica pessoana, afirma-se “Cumpriu-


se o Mar, e o Império se desfez.”, sequência que resume a ascensão
económica e política de Portugal (como Deus queria) e a sua respectiva
queda, o que é muito negativo para nós. E vai mais além, voltando-se
para Deus, dizendo “Senhor, falta cumprir-se Portugal.” ou seja, cumpriu-
se a missão de descobrir e conquistar mares e terras, mas Portugal ainda
não está no patamar de sucesso desejado, pois já não existe Império
(porque outros povos os tomaram) e não existe qualquer poderio para
nós, portugueses.

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