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ROBERT WHITAKER | JORNALISTA INVESTIGATIVO

“A psiquiatria está em crise”


Jornalista quer provar que doenças mentais não se devem a alterações
químicas do cérebro
JOSEBA ELOLA

6 FEV 2016 - 21:03 BRST

Tudo começou com duas perguntas. Como é possível que os


MAIS INFORMAÇÕES
pacientes de esquizofrenia evoluam melhor em países onde são
Como um grupo de
menos medicados, como a Índia e a Nigéria, do que em nações como
desconhecidos
‘salvou’ um jovem os Estados Unidos? E como se explica, tal como proclamou em 1994
desaparecido a Escola de Medicina de Harvard, que a evolução dos pacientes de
esquizofrenia tenha piorado com a implantação de medicamentos,
O misterioso poder
da ayahuasca em relação aos anos setenta? Essas duas perguntas inspiraram
Robert Whitaker a escrever uma série de reportagens para o jornal
Élisabeth Boston Globe – finalista do prêmio Pulitzer de Serviço Público – e
Roudinesco: “Freud
nos tornou heróis dois polêmicos livros. O segundo, Anatomy of an Epidemic
das nossas vidas”
(“Anatomia de uma epidemia”, em tradução literal), foi premiado
Criatividade e como o melhor livro investigativo de 2010 por editores e jornalistas
psicose têm raízes norte-americanos.
genéticas comuns

Dependentes de No decorrer dessa pesquisa, surgiu uma corrente de dados


ansiolíticos
avassaladores: em 1955, havia 355.000 pessoas em hospitais com
um diagnóstico psiquiátrico nos Estados Unidos; em 1987, 1,25
milhão de pessoas no país recebia aposentadoria por invalidez por causa de alguma
doença mental; em 2007, eram 4 milhões. No ano passado, 5 milhões. O que estamos
fazendo de errado?

Whitaker (Denver, Colorado, 1952) se apresenta, humildemente, com as mãos nos bolsos,
em um hotel de Alcalá de Henares, na periferia de Madri. Sua cruzada contra os
comprimidos como solução contra os distúrbios mentais não vai mal. Prestigiadas escolas
de medicina o convidam a explicar seus trabalhos. “O debate está aberto nos Estados
Unidos. A psiquiatria está entrando em um novo período de crise no país, porque a
história que nos contaram desde os anos oitenta caiu por terra”.

Pergunta. No que consiste essa história falsa que, segundo o senhor, nos foi contada?

Resposta. A história falsa nos Estados Unidos e em parte do mundo desenvolvido é que a
causa da esquizofrenia e da depressão seria biológica. Foi dito que esses distúrbios se
deviam a desequilíbrios químicos no cérebro: na esquizofrenia, por excesso de dopamina;
na depressão, por falta de serotonina. E nos disseram que havia medicamentos que
resolviam o problema, assim como a insulina faz pelos diabéticos.

P. Em Anatomy of an Epidemic, o senhor afirma que os psiquiatras aceitaram a teoria do


desequilíbrio químico porque prescrever comprimidos os fazia parecer mais médicos, os
igualava aos colegas de profissão.

"Estão criando mercado para seus medicamentos e estão criando


pacientes. É um êxito comercial”

R. Nos Estados Unidos e em muitos outros lugares, os psiquiatras sempre tiveram um


complexo de inferioridade. O restante dos médicos costumava enxergá-los como se não
fossem médicos autênticos. Nos anos setenta, quando faziam seus diagnósticos
baseando-se em ideias freudianas, eram muito criticados. E como poderiam reconstruir
sua imagem diante do público? Vestiram suas roupas brancas, o que lhes dava
autoridade. E começaram a se chamar a si mesmos de psicofarmacólogos quando
passaram a prescrever medicamentos. A imagem deles melhorou. O poder deles
aumentou. Nos anos oitenta, começaram a fazer propaganda desse modelo, e nos
noventa, a profissão já não prestava atenção a seus próprios estudos científicos. Eles
acreditavam em sua própria propaganda.

P. Mas isso parece um exagero, não? É afirmar que os profissionais não levaram em conta
o efeito que esses remédios poderiam ter na população.

R. É uma traição. Foi uma história que melhorou a imagem pública da psiquiatria e ajudou
a vender medicamentos. No final dos anos oitenta, o comércio desses fármacos
movimentava 800 milhões de dólares por ano. Vinte anos mais tarde, já eram 40 bilhões
de dólares.

P. E agora o senhor afirma que há uma epidemia de doenças mentais criadas pelos
próprios medicamentos.

R. Se estudarmos a literatura científica, observamos que já estamos utilizando esses


remédios há 50 anos. Em geral, o que eles fazem é aumentar a cronicidade desses
transtornos.

P. O que o senhor diz para as pessoas que tomam remédios? Alguns talvez não precisem,
mas outros talvez sim. Essa mensagem, se for mal interpretada, pode ser perigosa.

R. Sim, é verdade. Pode ser perigosa. Bom, se a medicação funciona, fantástico. Há


pessoas para quem isso funciona. Além disso, o cérebro se adapta aos comprimidos, o
que significa que retirá-los pode ter efeitos graves. O que falamos no livro é sobre o
resultado de maneira geral. Não sou médico. Sou jornalista. O livro não traz conselhos
médicos, não é para uso individual. É para que a sociedade se pergunte: nós organizamos
o atendimento psiquiátrico em torno de uma história cientificamente correta ou não?

A trajetória de Whitaker não foi fácil. Apesar de seu livro contar com muitas evidências e
ter recebido muitos prêmios, a obra desafiou os critérios da Associação Norte-Americana
de Psiquiatria (APA) e os interesses da indústria farmacêutica.
Mas, a essa altura, ele se sente recompensado. Em 2010, seus postulados eram vistos
como uma “heresia”, segundo ele mesmo define. Desde então, novos estudos foram na
direção para a qual ele apontava. Entre eles, os trabalhos do psiquiatras Martin Harrow e
Lex Wunderink e o fato de a prestigiada revista científica British Journal of Psychiatry já
assumir que é preciso repensar o uso de medicamentos. “Os comprimidos podem servir
para esconder o mal-estar, para esconder a angústia. Mas não são curativos, não
produzem um estado de felicidade”.

P. Vivemos em uma sociedade na qual precisamos pensar que os remédios podem


resolver tudo?

R. Foi o que nos incentivaram a acreditar. Nos anos cinquenta, foram produzidos avanços
médicos incríveis, como os antibióticos. Nos anos sessenta, a sociedade norte-americana
começou a achar que havia uma fórmula mágica para curar muitos problemas. Na década
de oitenta, foi promovida a ideia de que se uma pessoa estava deprimida, não era pelo
contexto de sua vida, mas sim porque ela tinha um distúrbio mental – era uma questão
química e havia um remédio que a faria se sentir melhor. O que se promoveu nos Estados
Unidos, na realidade, foi uma nova forma de viver, que foi exportada para o resto do
mundo. A nova filosofia era: você precisa ser feliz o tempo todo e, se não for, temos uma
pílula. Mas o que sabemos é que crescer é difícil, surge todo tipo de emoções e é preciso
aprender a organizar o comportamento.

P. Buscamos o conforto e o mundo vai se parecendo com aquele descrito por Aldous
Huxley em Admirável Mundo Novo...

R. Desde agora. Perdemos a noção de que o sofrimento faz parte da vida, de que às vezes
é muito difícil controlar a própria mente. As emoções que sentimos hoje podem ser muito
diferentes daquelas da semana ou do ano seguintes. E nos fizeram ficar alertas o tempo
todo em relação a nossas emoções.

P. Centrados demais em nós mesmos...

R. Exatamente. Se nos sentimos infelizes, pensamos que há algo errado conosco. Antes,
as pessoas sabiam que era preciso lutar na vida; e não se incentivava tanto que
pensassem em seu estado emocional. Com as crianças, se elas não comportam bem na
escola ou não vão bem, logo alguém as diagnostica com déficit de atenção e diz que é
preciso tratá-las.
P. A indústria ou a APA estão criando novas doenças que, na realidade, não existem?

R. Estão criando mercado para seus remédios e estão criando pacientes. Ou seja, se
olharmos do ponto de vista comercial, o êxito desse setor é extraordinário. Temos pílulas
para a felicidade, para a ansiedade, para que seu filho vá melhor na escola. O transtorno
por déficit de atenção e hiperatividade é uma fantasia. É algo que não existia antes dos
anos noventa.

P. A ansiedade pode se transformar em distúrbio?

R. A ansiedade e a depressão não estão muito longe uma da outra. Há pessoas que
experimentam estados avançados de ansiedade, mas estar vivo é, muitas vezes, estar
ansioso. Isso começou a mudar com a introdução dos benzodiazepínicos, com o Valium. A
ansiedade deixou de ser um estado normal da vida para ser apresentada como um
problema biológico. Nos anos oitenta, a APA pega esse amplo conceito de ansiedade e
neurose, que é um conceito freudiano, e começa a associar a ele doenças como o
transtorno do estresse pós-traumático. Mas não há ciência por trás dessas mudanças.

ARQUIVADO EM:

Psiquiatria · Saúde mental · Jornalismo · Especialidades médicas · Medicina preventiva · Medicina


· Meios comunicação · Saúde · Comunicação

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