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ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2011


(27 de Outubro de 2010)

Sumário Executivo

Desde a intervenção do FMI no início dos anos 80 do século passado que o modelo de
crescimento económico adoptado pelo Estado português tem levado a um crescimento do peso
do Estado na economia, a um nível baixo de competitividade, e ao aumento da dívida pública.
Demasiados investimentos públicos não tiveram verdadeiramente em conta a rentabilidade dos
projectos.

A crise internacional apenas revelou as falhas estruturais da economia portuguesa, e a


proposta de Orçamento do Estado para 2011 não vai longe o suficiente no que toca a corrigir
erros passados. Dever-se-ia apostar menos no aumento da carga fiscal e mais no corte da
despesa para reduzir o défice e começar a pagar a dívida.

O Orçamento terá um efeito recessivo na economia, sendo as previsões do Governo neste


campo demasiado optimistas. Muitas das medidas adoptadas poderiam e deveriam ter sido
adoptadas muito mais cedo. O atraso na redução do défice descredibilizou o país junto dos
seus credores.

O Orçamento do Estado para 2011 representa uma oportunidade, que deveria ser
aproveitada, de adopção de um novo modelo de crescimento económico assente no sector
privado, resumindo o Estado a sua intervenção às áreas em que é efectivamente necessário
nomeadamente na justiça e na regulação.
Orçamento do Estado para 2011

Parte I – Enquadramento histórico

No início dos anos 80 vivia-se em Portugal uma profunda crise. O país foi forçado a fazer, sob
a égide do FMI, ajustamentos financeiros e económicos muito exigentes. Paralelamente, em
1982 iniciou-se uma reforma constitucional, que viria a culminar na revisão de 1987, a qual
retirou da Constituição muito do seu conteúdo marxista. Em 1986, a entrada de Portugal na
então Comunidade Económica Europeia representou uma oportunidade de desenvolvimento
para o país.

Desde essa época que os sucessivos Governos não têm verdadeiramente aproveitado as
oportunidades que a agora União Europeia nos trouxe. É certo que Portugal tinha carências
várias e graves a nível de infraestruturas e que houve fundos bem investidos no sentido de
suprir essas necessidades. No entanto, em geral foi excessiva a preocupação em simplesmente
construir sem se pensar devidamente na rentabilidade futura dos projectos. Há um limite em
que as necessidades infraestruturais se encontram supridas, e é necessário pensar no resto da
economia.

As próprias privatizações, que poderiam ter sido oportunidades para que o Estado assumisse
as responsabilidades regulatórias que lhe competem em várias actividades económicas,
acabaram por aumentar o nível de promiscuidade entre o sector privado e o Estado. Neste
âmbito, as golden shares têm tido papel de destaque, tal como a forma como os titulares de
cargos políticos se relacionam com entidades que, supostamente, são totalmente privadas.

De forma a financiar este tipo de políticas, foi-se acumulando dívida pública de forma
insustentável (de forma directa e indirecta). A entrada no Euro não foi acompanhada de
reformas estruturais que fomentassem a competitividade, em particular de uma imprescindível
reforma de leis laborais anacrónicas. O peso do Estado na economia aumentou.

Em 2008 a crise internacional veio exacerbar os problemas estruturais que a economia


portuguesa sente há uma década. O défice público aumentou para níveis insustentáveis e a
economia portuguesa vê-se com extrema dificuldade em encontrar financiamento nos
mercados financeiros. Os sucessivos PEC, caracterizados pela sistemática recusa do Governo
em apresentar, desde cedo, medidas de fundo, têm minado a credibilidade das finanças
portuguesas e criado uma situação de instabilidade social.

É neste contexto que surge o Orçamento de Estado para 2011.

Parte II – Breve análise a algumas medidas emblemáticas

Nos últimos meses, o debate público tem-se centrado no Orçamento de Estado para 2011 e na
sua aprovação ou não-aprovação. O MLS considera que teria sido irresponsável apresentar
posição sobre um Orçamento desconhecido, dado que isso teria sido equivalente a passar um
“cheque em branco” ao Governo. A não aprovação a priori do Orçamento condicionou a
actuação do Governo no sentido de este tomar medidas que eventualmente não teria tomado
sem esse condicionamento, de forma a criar um documento de mais fácil negociação.

Os PEC I e PEC II revelaram-se insuficientes para atingir os objectivos a nível de défice público
aos quais o Governo se tinha proposto, a nível nacional e internacional. Supostamente, de
acordo com o Governo, não teriam sido necessárias medidas para além das contidas nesses
planos para atingir esses objectivos. É importante que o Governo torne claro por que é que

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isto aconteceu. Em particular, é importante entender como é que cortes na despesa que
estavam previstos se transformaram em meras reduções ao ritmo de aumento da despesa. É
imprescindível haver maior transparência na execução orçamental.

O Orçamento de Estado para 2011 apresenta várias medidas de redução do défice público,
quer através do aumento da receita, quer através do corte da despesa. As medidas mais
emblemáticas são as seguintes:

 Cortes na despesa com pessoal.

 Aumento da carga fiscal.

 Reestruturação administrativa.

Cortes na despesa com pessoal

O nível salarial actual para os escalões mais baixos da Função Pública é, em termos médios,
superior ao prevalecente para funções equivalentes no sector privado. Em 2009 a Função
Pública recebeu um aumento salarial de 2,9%, muito acima da inflação. Portugal é dos países
da União Europeia em que os encargos com pessoal são mais elevados em percentagem do
PIB.

Num contexto em que cortes na despesa com efeito imediato eram cruciais, as medidas
tomadas pelo Governo neste campo tornaram-se impossíveis de evitar, muito embora o
Governo não tenha cortado nos salários mais baixos, aqueles em que a disparidade em relação
ao sector privado é mais evidente. No entanto, cortes cegos, mesmo que progressivos, têm
como efeito reduzir os salários tanto a quem trabalha e tem mérito como a quem não trabalha
e não tem mérito. Esta injustiça poderia ser aliviada no caso de poder haver despedimentos na
Função Pública e de os órgãos de chefia sectorial da Função Pública fossem responsabilizados
pelas suas equipas.

O MLS considera que se deveria abolir a ADSE (Assistência na Doença aos Servidores do
Estado), sendo os funcionários públicos integrados no sistema geral. Para além de abolir o
sistema de saúde especial existente no Ministério da Justiça, dever-se-ia abolir todos os outros
sistemas especiais de saúde, os quais aumentam a complexidade e a injustiça do sistema de
segurança social. Todos os cidadãos devem ser tratados de forma igual pela lei e não se
discernem neste momento razões válidas para manter um sistema de saúde especial para
funcionários públicos.

Aumento da carga fiscal

O aumento da carga fiscal tem sido o recurso principal que, na última década, os vários
Governos têm utilizado para tentar reduzir o défice. Actualmente verifica-se que os sucessivos
aumentos não geram receita suficiente para colmatar as lacunas financeiras sentidas. O MLS
considera que este é um sinal claro de que se atingiu um limite.

Em 2009, ano de eleições, o Governo diminuiu a taxa normal do IVA de 21% para 20%. Este
ano o Governo começou por aumentar todas as taxas do IVA em 1%, e propõe agora um
aumento da taxa normal para 23%. O Governo propõe ainda uma diminuição da gama de

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produtos que se encontra sujeita à taxa reduzida do IVA. Simultaneamente, o Governo propõe
uma redução nas deduções fiscais em sede de IRS e uma redução dos benefícios fiscais a
empresas.

O comportamento errático do Governo em relação ao IVA é considerado pelo MLS como


extremamente negativo. A credibilidade constrói-se tomando medidas sustentáveis e que
perdurem, não com alterações constantes que dão sinais de se andar à deriva.

Os aumentos agora propostos vão ter um efeito recessivo na economia, sendo incerto que
tenham os efeitos desejados sobre a receita. Somente apontando exactamente onde se iria
cortar nas despesas é que se poderá dizer que a taxa normal do IVA não deveria aumentar
para 23%. Em todo o caso, o MLS considera que, se o Governo se tivesse preparado
devidamente e as medidas do PEC III tivessem sido tomadas muito mais cedo, seria agora
possível uma proposta de Orçamento com mais propostas de corte na despesa.

As deduções e os benefícios fiscais são equiparáveis (equivalentes) a subsídios estatais a


certas actividades, quer por parte das famílias, quer por parte das empresas, tendo como
efeito uma erosão da base tributável. Cortes nas deduções e benefícios fiscais têm o efeito
oposto, ou seja, o efeito de aumentar a base tributável. O MLS não se opõe, em princípio, a
reduções nos benefícios fiscais e deduções. Apesar de não utilizarem os serviços de educação e
saúde do Estado - argumento utilizado normalmente para defender algumas deduções fiscais -
os cidadãos e a economia continuam a usufruir de externalidades positivas decorrentes da
existência desses serviços acessíveis a todos. No entanto, estas reduções nos benefícios e
deduções fiscais deveriam ser acompanhadas de cortes nas taxas marginais dos impostos: em
vez de subsidiar uma certa prática ou actividade específica, o Estado libertaria recursos que as
pessoas utilizariam como preferissem. Aumentando a base tributável, as taxas do imposto
poderiam ser menores para auferir o mesmo nível de rendimento fiscal.

No entanto, para que seja possível cortar verdadeiramente os impostos é necessário


reestruturar a Administração Pública.

Reestruturação da Administração Pública

O Governo apresenta propostas de fusão e extinção de algumas entidades públicas. O MLS


considera que essas propostas são insuficientes e que este Orçamento deveria marcar um
corte mais radical com o passado. Deveria ser feito um esforço maior no que toca à extinção
de entidades desnecessárias e essa extinção não deveria significar apenas um corte nas
chefias mas também um corte no número de funcionários.

Cortes mais profundos em gastos improdutivos libertam recursos que poderão ser utilizados de
forma mais eficiente e, portanto, mais produtiva, pelo sector privado. Tais cortes serão
fundamentais para colocar a economia portuguesa a crescer. Cortar esta despesa supérflua
tornará menos necessário aumentar impostos no curto prazo e permitirá, no médio e no longo
prazo, cortar impostos de forma sustentável.

Este tipo de medidas será também um sinal para os investidores de que o Estado português
está a resolver, de forma estrutural e não apenas conjuntural, os seus problemas. Esses sinais
são necessários para promover e reforçar o investimento privado na economia portuguesa, que
tem vindo a decrescer. São ainda necessários para aumentar a confiança dos investidores de
que o Estado se encontrará em situação de pagar as suas dívidas daqui a dez anos.

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O MLS considera que as propostas do Governo não são suficientes, e que deverá ser feito um
esforço maior para reformar drasticamente a Administração Pública, o que passará
necessariamente pelo despedimento de funcionários supérfluos.

A reforma da Administração Pública deve incluir também uma redução drástica no número de
cargos de nomeação política, uma maior responsabilização das chefias pela constituição e pelo
desempenho das suas equipas e uma drástica redução no número de entidades na
Administração Indirecta e Autónoma.

Parte III – Análise ao modelo de crescimento subjacente ao


Orçamento de Estado para 2011

O modelo de crescimento subjacente ao Orçamento de Estado para 2011 mantém-se igual ao


modelo de crescimento que levou à nossa situação actual de estagnação permanente. Esse
modelo assenta em mega-projectos públicos realizados através de parcerias público-privadas
(PPP) e forte subsidiação de pequenas e médias empresas.

Parcerias Público-Privadas

Como referido acima, as PPP começaram nos anos 90, e as dívidas que as primeiras PPP nos
deixaram perduraram no tempo até agora. Em teoria, o Estado aproveitaria a eficiência dos
privados para aumentar a eficiência dos projectos. Na prática, nacionalizou-se o risco e
privatizou-se o lucro. O MLS considera extremamente positiva a actuação recente do Tribunal
de Contas na forma como tem controlado as mais recentes PPP, e considera que se deverá
promover uma revisão de todas as PPP no sentido de melhorar a posição do Estado.

Para o futuro, o MLS sugere testar, num projecto-piloto, as social-impact bonds recentemente
propostas no Reino Unido como alternativas aos PPP tradicionais. Estas obrigações de impacto
social consistiriam em contratos segundo os quais a entidade privada se comprometeria a
atingir certos fins públicos, pelos quais seria paga. No caso de não atingir esses fins, não
receberia pagamento. Uma entidade independente estaria encarregue de monitorar se os fins
dispostos no contrato seriam atingidos. O MLS considera que estas obrigações de impacto
social, colocando o risco do lado da entidade privada, ultrapassariam os problemas das PPP,
pelo que seria importante um programa-piloto para testar, na prática, os seus princípios.

Mega-Projectos Públicos

Sucessivos Governos têm insistido em mega-projectos públicos como motores de crescimento


da economia. O mais emblemático desses projectos é, neste momento, a construção de uma
linha de TGV. Esses projectos têm-se constantemente revelado como motores de crescimento
da dívida pública, sobretudo porque raramente são feitos estudos de rentabilidade credíveis. O
Governo, no entanto, mantém a aposta nesses projectos no Orçamento de Estado.

O MLS considera que a última década serviu para demonstrar claramente que este modelo não
funciona, e que tem de ser repensado. O MLS propõe um modelo de crescimento assente não
em mega-projectos públicos, mas no sector privado, assumindo o Estado um papel

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essencialmente regulador, mas sempre garantindo acesso geral a bens públicos de qualidade.
As medidas prioritárias deveriam ser, não mega-projectos de investimento público, mas uma
efectiva reforma do sistema de justiça, nomeadamente a nível processual, para a agilizar, e
ainda um fortalecimento das entidades reguladoras independentes.

O MLS considera ainda que os estudos elaborados sobre projectos de investimento público
devem, tanto quanto possível, ser efectuados por técnicos qualificados da Administração
Pública (que seria reformada nos moldes descritos acima), e não por consultoras privadas.
Garantir apoio técnico qualificado e independente é função primordial da Administração
Pública, e é demasiado fácil ao Governo contratar estudos privados que lhe garantam o
resultado que pretende, a expensas públicas. A utilização de consultoras privadas deve ser
reduzida ao mínimo útil, e não ser a norma.

Os estudos elaborados relativamente aos projectos de investimento público devem ser isentos,
tecnicamente válidos e devem ainda ser divulgados e sujeitos a efectiva discussão pública, em
particular quando sejam investimentos avultados. O MLS considera, de novo, que os esforços
de controlo da despesa pública que têm sido efectuados pelo Tribunal de Contas têm sido
extremamente meritórios.

Pequenas e Médias Empresas

O Governo tem considerado fundamental a subsidiação de pequenas e médias empresas neste


contexto de crise, com dois argumentos principais. O primeiro é que estas criam empregos e
que portanto têm de ser ajudadas a sobreviver à crise, e o segundo é que aumentar a
capacidade destas empresas para exportar criará crescimento económico e salvará a economia
portuguesa da recessão.

Porém, neste contexto de crise, a subsidiação de pequenas e médias empresas não as vai
impedir de entrar em situação de insolvência. Falindo as empresas, o dinheiro público
desvanece-se, sem proteger empregos e sem criar crescimento económico. O dinheiro público,
muito dele dinheiro do Fundo Social Europeu, não terá, portanto os efeitos excessivamente
optimistas previstos pelo Governo.

Por princípio, não é negativo criar condições para que as pequenas e médias empresas se
internacionalizem e consigam aproveitar as novas tecnologias para suprir os seus problemas
de escala. Numa situação de crise, e tendo em conta o estado do sector financeiro português,
é natural que estas não tenham acesso a fundos privados. A intervenção do Estado, no
entanto, vai criar distorções. Não deve ser o Estado a seleccionar que empresas se mantêm e
que empresas desaparecem, mas sim os consumidores.

Não é este, também, um modelo de crescimento económico credível. Não nos tornaremos
competitivos subsidiando fortemente pequenas e médias empresas e apostando em mega-
projectos de rentabilidade duvidosa.

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Parte IV – Conclusão

O MLS considera que este Orçamento terá como efeito uma recessão económica, e que as
previsões de crescimento do Governo são excessivamente optimistas. O MLS considera ainda
que este Orçamento tem como causa mais recente a incapacidade do actual Governo de agir
decisivamente no sentido de restaurar a confiança dos mercados internacionais, mas que
também é o resultado do adiamento constante de reformas estruturais por parte de sucessivos
Governos.

O MLS observa com enorme preocupação a incapacidade demonstrada pelo Governo de


cumprir sequer o que estava previsto no Orçamento de Estado para 2010 no que toca a cortes
na despesa, bem como o que se encontrava previsto no PEC II. Estes sucessivos falhanços
denotam uma incapacidade de realizar as reformas estruturais necessárias para que Portugal
se torne de novo competitivo e torne a crescer de forma sustentável.

Os sucessivos PEC revelam um Governo à deriva, um Governo reactivo e não pró-activo, e a


proposta de Orçamento de Estado para 2011 não é adequada a criar as condições para que a
economia cresça a longo prazo. É ainda um Orçamento muito baseado no aumento da receita,
assente num modelo de crescimento económico ultrapassado, e que não toma suficientes
medidas de reforma estrutural do Estado.

Conforme referido acima, o MLS nota que já não há espaço de manobra para aumentar mais
os impostos, e que está na altura de começar a cortar verdadeiramente na despesa. Aumentar
os impostos agora tem efeitos desnecessariamente recessivos, não resolve o problema de
fundo e impede um ajustamento maior do lado da despesa. O objectivo final de termos uma
economia competitiva apenas será atingido se o défice for cortado através de cortes na
despesa que até poderão, a médio prazo, levar a cortes nos impostos. Um Orçamento com
mais medidas neste sentido seria bem mais credível e levantaria verdadeiramente a pressão
internacional sobre as finanças públicas portuguesas.

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