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Anblise Psicológica (1988).

1 (VI): 77-86

O Império Zimbabwe-Monornutapa
Breve caracterização
de uma sociedade tributária africana

JOSE A . ORTA (*)

INTERESSE DO PROBLEMA ligioso e outro poiítico), o Rei ou o Impe-


rador onde os interesses dos seus membros
1. Interesse teórico já não são indimferenciados, mas se transfor-
mam em opostos e antagónicos. iÉ claro que,
Com o fim de dominar as populações perante tais sistemas sociais, podemos afir-
autoctones, o wlonialismo destruiu a sua mar que estamos em presença de sociedades
organização e reprodução materiais dessas com Estado.
sociedades, assim como as representações Várias investigações históricas, económi-
simbólicas que os homens construíram, quer cas e antropológicas tem sido feitas, nomea-
sobre a natureza quer sobre a sociedade. damente sobre as religiões africanas, mas
Entre estas sociedades fazemos ressaltar, existem poucas tentativas de estudw globais
em particular, a importância dos Reinos e sobre estas sociedades, que designamos por
dos Impérios A'fricanos que opuseram uma Tributárias ('). Tentamos aqui caracterizar
resistência notável a ocupação estrangeira. brevemente uma sociedade tributária alfri-
Contudo, a quase totalidade destas socie- cana, o Império Zimbabwe-Monomutapa,
dades desaparecem sob a influência do colo- por nas parecer tratar-se de um caso exem-
nialismo e com a construção dos Estados plar.
modernos da Africa de hoje, onde os seus Uma caracterização global não pode dei-
povos se integram; os poucos que subsistem, xar de encarar as diferentes interacções en-
conversam bastante pouco das suas estru- tre o processo de produção (no interior do
turas tradicionais. qual os homens estabelecem relações de
Até aqui, as ciências da sociedade, e em produção! determinadas, entre eles próprios
particular a Antropologia, têm considerado
estas sociedades como primitivas, mas a
Antropologia moderna mostra-nos que esta- (l) Nos estudos de Marx e de autores contem-
porâneos, estas sociedades enquadram-se na ex-
mos em presença de sociedades organizadas pressão «Modo de Produção Asiático)). Contudo
pcr uma estrutura centralizada, com um nós preferimos a designação de ((Sociedades Tri-
chefe supremo (ou por vezes dois -um re- butárias)), não só porque este tipo de sociedade
se estende a África e A América Pré-Colombiana,
com o adjectivo asiático restringe o conceito a
(*) Assistente do ISPA. a uma área geográfica.

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por um lado, e entre eles e a natureza, por dades pode vir a explicar certos traços da
outro), a organização colectiva da sociedade África contemporânea libertada do colonia-
e, em particular as representações simb6li- lismo.
cas que os homens constroem sobre as suas
múltiplas relações e sobre as relações entre
eles próprios e a natureza; representações 2. Interesses em função de Africa
simbólicas que vão1 desde os simples epife-
nómenos do quotidiano até a religião. Como atrás sublinhámos, a África, antes
Parece-nos importante sublinhar o fenó- da chegada dos Europeus não se encontrava
meno religioso e suas funções: em que me- num estádio de desenvolvimento, geralmente
dida intervêm na explicação e na legitima- designado de primitivo. Precisamente ao
ção das relações solciais de produção (o contrário, antes do século XIV, a África já
mesmo é dizer, na repartição da proprie- conhecia a existência de sociedades organi-
dade) e, em particular, a partir do momento zadas com estruturas estatais centralizadas,
em que a representaçgo, que 05 homens dum extremo ao outro do continente. F e
constroem sobre as suas trocas materiais ram os casos do Reino guerreiro Ashanti,
e simbólicas, já não é tida como igualitá- do Império Mossi, do Reino do Daomé e
ria("), ou então quando estas trocas envd- do Império Songai na Africa Ocidental;
vem bens religiosos indispensáveis A repro- foram os casos do Reino do Luango, do
dução do grupo. do Xongo e do Ndongo (Angola) e do Im-
Esta questão parece-nos importante p r - pério do Monomutapa na África Congolesa
que, en geral, no interior das sociedades e Austral; foram os casos dos Reinos do
tributárias, como por exemplo as Asiáticas, Rwanda, Urmdi e do G d a na ÁfTica
a leitura das relações sociais fundamentais Oriental, e de muitos outros que não men-
já não se faz por intermédio da religião. cionamos aqui.
Contudo na Sociedade Monomutapa o fenó- A existência destes reinos e impérios
meno religioso parece ainda desempenhar coloca vários problemas as Ciências da
uma função importante na explicação/legi- Sociedade. Estamos em presença de socie-
timação das assimetrias sociais. Por outro dades em que a divisão social do trabalho
lado os estudos realizados sobre as socie- já se encontra fortemente desenvolvida, de
dades ditas ((asiáticas)) não se têm preo- tal forma que aí surge a existência de
cupado, em geral, em integrar as represen- dois grandes grupos de cactores socia's: o
tações simbólicas e a religião no conjunto que trabalha na produção directa dos meios
do sistema social. É por isso que faremou de subsistência e o que se dedica as tarefas
uma breve referência $isua fun@o social de prestígio, políticas e simMlicas, etc.,
no Império (Monomutapa. e que vive do subproduto do trabalho do
Estamos convencidos que este problema primeiro.
tem ainda uma importância prática, visto Um problema importante aqui se levan-
que os próprios Africanos tentam hoje reen- ta: o de saber quais as circunstâncias que
cantrar as suas raízes históricas desintegra- produziram a emergência destas sociedades
das pelo colonialismo e ainda compreender, em África.
em que medida, a existência de tais socie- A existência dum sobreproduto, que se
encontra sempre associado a estas swieda-
des conduz-nos a mocurar mioritariamente
(') Que é o que acontece nas sociedades de
aquela explicação no desenvolvimento das
caçadores-recolectores e nas sociedades segmen- forças produtiva. Só um aumento de P r e
tárias - linhageiras. dução pode explicar a existência de um

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grupo de actores sociais que se pôde separar 1. A SOCIEDADE TRIBUTARIA
definitivamente da prudução directa dos MONOMUTAPA (de 1430 a 1500)
bens de subsistência e apropriar-se do exce-
dente da produção. Na realidade, o surgi- a) A ForrnaçGo do Império Tributário
mento destas sociedades está sempre asso-
ciado ao desenvolvimento da produção de A origem desta civilização está associada
instrumentos de metal, o que permite, nc- hs grandes construções de pedra desta re-
meadamente, o aumento da produção agrí- gião, conhecidas pela designação de ZIM-
cola. Este excedente não só permite a B A B W (casas de pedra) que datam dos
emergência dum grupo social privilegiado, séculos VI e VI1 segundo o método do
mas engendra ainda de forma mais genera- carbono 14.
lizada o comércio com o exterior. Contudo, a ausência de documentos escri-
Este comércio generalizado com o exte-
tos impede-nos de recuar no tempo e de
reconstituir com rigor a história sociob
rior vem gerar problemas das sociedades.
nos no desenvolvimento das sociedades. gica desta região na época citada.
Provavelmente os p v o s que aqui viviam
Muitas vezes sentem-se atraídas por certas
já conheciam os processos de extracção do
mercadorias estrangeiras (e tal é o caso do
ferro e o trabalho agrícola por ele permi-
Monomutapa) e para obtê-las especializam-
tido, e já produziam, por isso, um exceden-
-se na produção de um ou vários produtos
te; são os dados da arqueologia, constatando
de forma a gerar um excedente capaz de
uma concentração urbana considerável que
ser trocado, o que, por sua vez coloca o
nas permitem esta conclusão. Esta concen-
problema de dependência face ao exterior.
tração só se pode explicar pela existência
Outras sociedades ainda, são coagidas, pela
,do comércio e este só é p í v e l a partir
força, a produzir tal ou tal mercadoria ou
dum excedente capaz de ser trocado. Os
a utilizar certas técnicas estrangeiras no dados confirmados que possuímos reportam-
processo1 de produção. Estas relações com -nos aos finais do século XIII/princípim do
o exterior são factores que podem influen- século XIV.
ciar, e normalmente inlfluenciam, o desen- Fui uma tribo Banto, os Makaranga,
volvimento e as transformações internas de pertencendo a etnia Xona que, depois de
uma sociedade. ter atravessado o rio Zambéze, se veio fixar
Constatamos que as sociedades situadas no planalto central do actual Zimbabwé-
na confluência dos grandes eixos comerciais o planalto situado entre o Zambéze (ao
se desenvolveram mais rapidamente que ou- norte) e o Limpopo (ao sul); os Makaranga
tras situadas fora deles. Exemplificam o. que espalharam-se também para Oeste e Nor-
acabamos de afirmar, os Reinos e 05 Impé- deste do ZamMze.
rios da África Ocidental e do Sudão loca- Nesta região viviam já outras tribos orga-
lizadas ao longo das grandes vias comerciais nizados aqui e acolá em pequenos reinos que
dos Arabes. praticavam a extracção do ouro; estes povos
Encontrar as explicações da génese do locais deixaram assimilar-se ao invasor Ma-
desenvolvimento e da desagregação destas karanga.
sociedades, é uma tarefa importante para Por volta de 1320 os Makaranga funda-
a sociologia, para a História e para a An- ram o seu primeiro reino e apelidaram o
tropologia Africana actuais. É neste con- rei de Mwene Mutapa, isto é, senhor das
texto que situamos as breves referências minas ou, segundo outros autores, senhor
que a seguir vamos fazer sobre o Império da pilhagem, donde derivou o nome do
Zim ba bwé-Monomutapa. Império.

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b) Organização e Faqfies da Coimlau'dade seu chefe, nas zonas escolhidas para a ex-
Atdeã, pritmeiro termo das retações m tracção do ouro. A melhor qualidade era a
IciaPs de base do ouro dos rios, que se encontrava nas
regiões de IOngoé, Macanca e Mocray.
A existência material da sociedade Mono- Os povos do Monomutapa possuíam uma
mutapa baseava-se sobre o trabalho nas técnica muito avançada na prospecção dos
minas, na agricultura e na pastorícia. Assi- metais, e uma indústria de transformação
nalamos a importância da comunidade aldeã muito desenvolvida. Estes metais, e o ouro
na produção de bens de iexistêiicia, já que em particular, eram trocados através do
toda a produção se fazia dentro das suas comércio com os árabes (até ao começo do
estruturas. século XVI), por algodão, seda, missangas,
0 trabalho agrícola era ainda bastante pérolas pequenas, porcelana, drogas medici-
tradicional se bem que já fossem utilizados nais, perfumes, etc.... Não era contudo, a
utensílios de ferro, tal como a enxada. Três comunidade alemã que realizava estas tro-
cereais se cultivavam essencialmente: a cas mas uma castra especializada-os co-
eleusine,o milho paínço e o sorgo. A estes merciantes -muitas vezes funcionários de
acrescentava-se ainda o arroz, cultivado um Rei vassalo ou do Monomutapa, que
apenas perto do mar. As culturas eram se deslocavam até aos lugares costeiros onde
itinerantes e feitas sobre queimadas. se encontravam 05 árabes: Mogadiscio, Me-
Quanto A criação de gado conhecemos a linde, Mombaça, 'Kilova, IMoçambique (ci-
existência, no século XVI, de vacas, de ca- dade), Angoxe e Sdala. Estas cidades per-
bras, de carneiros e de galinhas. tenciam a um reino fundado na costa pelos
Em certas regiões os bovinos, eram árabes, cuja capital era Mogadíscio. O ouro
utilizados como animais de carga e de trans- do Império saía sobretudo por Sofala; a
porte, nomeadamente pelos Xangamires partir daqui circulava para as outras cida-
Rozwi e pelos Butua, questão importante des do reino árabe.
para facilitar, em particular, o transporte Parece que este trabalho nas minas tinha
de mercadorias. como finalidade a troca, visto que o ouro
O trabalho dos metais era considerado era canalizado essencialmente para a expor-
como tarefa de prestígio e era realizado tação a fim de obter, principalmente, bens
apenas por algumas famílias especializadaS. de prestígio.
Era a actividade ,fundamental da economia A divisão social do trabalho entre os clãs
do I'mpério. Extraía-se ouro, estanho e co- aparece a medida em que se desenvolvem as
bre; faziam-se ligas juntando o cobre com :forças produtivas. Certos clãs especiaiizam-
.o estanho ou com o Ichumb, estes metais -se no trabalho dos metais, enquanto que
depois eram trocados por mercadorias es- outros continuam a trabalhar sobretudo na
trangeiras trazidas pelos árabes e mais tarde agricultura e na criação de gado e são por
pelos portugueses. isso obrigados a produzir um excedente que
Em certas regiões como em Manica- possa limentar os primeiros. Por vezes esta
-Norte a extracção do ouro era feita durante especialização ultrapassa o quadro da comu-
todo o ano. Contudo na região central do nidade aldeã: certas tribos, d d c a n d e s e
Monomutapa, a extracção fazia-se sobre apenas ao trabalho dos metais, viam-se abri-
tudo nos meses de Agosto, Setembro e Ou- gados a importar todos os produtos alimen-
tubro. tares; é exemplo disso a tribo Amçoce, da
As aldeias organizavam internamente, de região de Manica.
forma colectiva, a produção: as famílias Pensamos que ao especializarem-se no
repartiam-se por aldeias sob a direcção do trabalho dos metais e tendo por isso maior

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acesso aos bens de prestígio, estes clãs e -Finalmente a Aldeia, unidade de base,
tribos tornam-se cada vez mais ricos; são dirigida por um chefe de aldeia.
eles que vão criar a estrutura política do
Império Monomutapa. O chefe de ddeica-Como atrás referi-
A vida da tribo, no início, apresenta for- mos, é no quadro da aldeia que se realiza
mas colectivas de organização. O devenvol- toda a produção. A aldeia agrupa uma ou
vimento das forças produtivas leva ao apa- várias famílias com um antepassado comum,
recimento do Estado e este por sua vez {o Muri. Cada família ocupa uma parte da
desenvolve a divisão social do trabalho. aldeia que lhe é atribuída, sob autoridade
Agora a vida é colectiva apenas no interior do seu chefe; este é responsávd perante o
da comunidade aldeã e não ao nível da chefe da aldeia.
tribo; é o Estado que intervém na distribui-
ção das terras, que controla a exploração O chefe da província- A província tem
das minas e que impõe a divisão social do por sede a Cidade; é aqui que habitam
trabalho. normalmate os ahefes de província. Esta
A comunidade aldeã não é proprietária função não foi atribuída sempre da mesma
da terra e das minas, que são propriedade forma. Por vezes estes chefes eram eleitos
dos antepassados. Desta forma a proprie- u pelos chefes das aldeias; outras vezes eram
dade aparece como colectiva e por essa ra- nomeados pelo IMwene Mutapa por serem
zão os aldeões têm sobre ela o direito de %dasua confiança ou por pertencerem i sua
uso. família. Alguns de entre eles controlavam
Mas o representante vivo dos antepassa- reinos vassalos e tinham, por isso, o título
dos é o rei, a quem a comunidade aldeã de Rei. (Estes reis vassdos e chefes de pro-
paga um tributo contra a troca de serviços víncia tinham de pagar o imposta anual
prestados por aquele, nomeadamente a orga- ao Imperador, o tributo, depois de o terem
rização da vida tribal. (Este tributo é pago exigido às comunidades aldeãs que contro-
ao rei local; uma parte é depois canalizada lavam.
para o Mwene Mutapa.
O Rei ou Imperador-O Rei constituía
o topo de toda a organização social. En-
c) O Estado- A Realeza, segundo termo quanto descendente dos ântqassados cum-
das relaqões sm'm's de base pria-lhe a função de distribuir as terras pelas
comunidades aldeãs. Conquistou para si a
A organização do Império era de base propriedade de todas as minas, das forjas
tribal. A tribo encontrava-se dividida em e de outros instrumentos de trabalho. M a
distritos ou províncias e estas em aldeias distribuição dava-lhe o privilégio de ter a
familiares: maior quantidade de minério, que mandava
trocar na costa por mercadorias, através do
-Primeiro as tribos unificadas em Im- ,comércio com os Arabes primeiramente, e
pério, tendo por Capital a grande depois com as Portugueses.
Zimbabwé, onde residia o rei ou im- Porque era descendente dos antepassados
perador, a sua família e os altos fun- e porque organizava o processo de produ-
cionários; ção em geral, tinha a direito de cobrar os
-Depois a Província tendo como capital impostos, as oferendas, as multas, de guardar
a Cidade onde habitava o chefe da para si (4s prisioneiros e a pilhagem resui-
província (muitas vezes um rei vas- tantes das guerras e também as rendas e
saio); os lucros do com6rcio externo, o que ihe

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permitia reproduzir a vida social, o que era encontrava Rei, que para subsistir s u b
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também um sinal de prestígio. Na adminis- traíam do trabalho das comunidades aldeãs


tração do reino era assistido por vários fun- um imposto - o Tributo. O pagamento
cionários importantes. Distinguimos entre deste Tributo apresentava-se como uma das
estes o Governador das Reinos, o Capitão partes da troca de serviços entre a comu-
Geral, o Capitão de Vanguarda do Exér- nidade aldeã e o Estado. Este organizava
cito, o Conselheiro, o Feiticeiro Chefe, o a Sociedade e oferecia os bens religiosos; a
Apoticário do Rei e o Tesoureiro. Todos comunidade oferecia em troca o Tributo.
estes funcionário tinham oi privilégio de Tal desigualdade encontrava a sua legitima-
controlar terras, ter vassalos e colectar im- ção num conjunto de representações que
postos. apresentavam as trocas entre os dois grupos
\Existiam ainda outros funcionários me- de actores sociais como igualitárias.
nores, tais como os que desempenhavam o
papel de embaixadores, nomeadamente junto
dos Portugueses que tinham por função re- d) As Representqôes Simbdicas e a Fun-
ceber os impostos pagos por estes. Outros ção da ReligiGo
ainda constituíam a guarda pessoal do Rei
na capital. Outros finalmente tinham a seu As antigas crenças religiosas evoluíram
cargo a Justiça. de forma diferente entre os Makaranga e
os Rozwi t3). Contudo, p r e c e terem desem-
Todos anos,, o Mwenne Mutapa en-
viava emissários a todo o Império com o penhado sempre a funçãode factor de inte-
gração do sistema político.
fim de assegurar o controle sobre os seus
vassalos e receber os tributos. Entre m Makaranga a autoridade supre-
Os comerciantes formavam um grupo ma era o Mwene Mutapa que podia comu-
privilegiado; constituíam uma camada inter- nicar com os antepassados. Depois da morte
medária entre o Rei e o Povo. A impor- tornava-se um Mudzimo, isto é, uma divin-
tância desta camada 6 grande numa socie- dade adorada a nível nacional. O Mudzimo
é o antepassado fundador e aprece como
dade (tributária. através das trocas comer-
ciais que o Império pode adquirir as mer- um Deus, que deixa o mundo dos vivos
cadorias de prestígio que constituem o depois de ter realizado a sua obra.
fausto do Poder Imperial. Para os autoctones, os imperadores vão
Estes comerciantes levavam os metais, e para o céu depois da morte, onde se trans-
em particular o ouro, para a costa onde o formam em Mudzimos. Então os Mudzimos
trocavam por mercadorias trazidas pelos são uma espécie de alma dos Imperadores
Arabes e mais tarde pelos Portugueses. defuntos. Através desta adoração dos de-
O Império de Monomutapa era um Es- ,funtos, o parentesco, o político e o religioso
tado a g r e w r e invasor e utilizava um forte aparecem como um todo integrado. O Rei
edrcito para conquistar os povos que sub- é o símbolo da unidade e do bem-estar do
metia ao seu domínio. Daí a importância seu povo porque é também representante
do exército nesta sociedade; alguns autores da divindade.
calcularam o seu efectivo em dezenas de
milhares durante o auge do Império. (7 Os Makaranga e os Rozwi eram duas
Os funcionários, as comerciantes, a estru- etnias, que através de lutas internas, alternavam
tura dirigente do exército, controlavam e entre si o poder do Império. Quando o Impera-
dor pertencia a primeira era designado por
viviam de uma maneira ou de outra do Mwene Mutapa; quando pertencia ti segunda era
trabalho do povo; constituíam a camada designado por Xangamire, nome atribuído pelos
dirigente da sociedade,& frente da qual se Arabes com quem se aliavam.

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Entre os Rozwi a divindade chamava-se tem direitos mpeciais sobre a terra e sobre
Mwari; esta divindade manifestava-se por as minas.
intermédio de trovões e de relâmpagos. Neste momento podemos avançar duas
O Rei era considerado de origem divina e, hipóteses para explicar o hgar/papel da
apenas ele, podia interpretar as mensagens religião no sistema de representações. A pri-
de {Mwari. O Rei vivo era assimilado ao meira consiste em dizer que a religião
antepassado Mwari, sendo, por isso o seu começa a intervir no sistema de represen-
estado teocêntrico. A seu lado existia uma tação que os homens constroem sobre as
camada sacerdotal que era também uma relações sociais a partir do momento em
espécie de porta-voz de Deus. Os chefes que estas rgpresentações deixam de explicar
eram responsáveis pela fertilidade da terra o sistema de trocas como igualitário. Isto
graças aos contactos que estabeleciam com é, a representação das trocas entre as comu-
os antepassados e com os médiuns que os nidades ddeás (em que o termo de troca é
representavam. o Tributo, proveniente do trabalho produ-
Vemos assim como o Rei ou a aristocracia tivo) e o Estado (em que o termo de troca
têm o poder de comunicar com os antepas- é a organização de vida tnbal e a produção
sados e, por isso, com os )Deuses que são de bens religiosos) é, numa primeira fase,
os antepassados daqueles: eis a razão do seu igualitária. A partir de um momento deter-
poder religioso. O Rei ou os chefes são res- .minado da histbria, a representação das re-
ponsáveis pela fertilidade da terra e pela lações sociais de produção deixa de ser
organização da sociedade. Em troca dos igualitária-é então que intervém a reli-
serviços políticos, simbólicos e outros, co- gião para legitimar e permitir reproduzir
bram um imposto, o Tributo, que permite aquelas relações sociais de produção.
a sobrevivência da toda a camada dirigente Podemos ainda avançar outra hipótese.
e desta forma a reprodução do sistema polí- O facto da troca incidir, num dos seus ter-
tico e do sistema religioso. O Tributo apa- mos, sobre bens religiosos, tal f a d o vem
rece assim como um dos componentes da permitir A religião um lugar/papel proemi-
troca. nente na construção e na reprodução das
Muitas vezes este Tributo era complemen- relações sociais fundamentais. Desta forma,
tado ou completamente substituído por uma o pólo Estado -Poder Real pode desenvol-
prestação de serviçosnas terras do Rei. ver uma troca, cada vez mais desigual, sem
O mais !frequente era a obrigatoridade que tal facto seja contestado, já que o fac-
simultânea do tributo e da prestação de tor religioso estava presente desde o início.
serviços. Esta prestação de serviços atinge Só um trabalho mais avançado poderia
grandes dimensões no Império Monomu- testar a validade destas hipóteses que aqui
tapa. Enquanto na Africa Banto, em geral, propomos.
a soma atinge apenas alguns dias por ano,
naquele Império chegou a atingir sete dias
2. O PAPEL DO COLONIALISMO
por mês!
MERCANTIL NO ENFRAQUECIMENTO
Vemos assim de que forma a religião DO IMPBRIO
intervém na reprodução global da sociedade.
A associação dos antepassados com o Rei, a) A s Contraidições Interm do Imp6rio
permite a este último o direito de ocupar
o cume da pirâmide social e ao mesmo A divisão do Império em duas grandes
tempo a pirâmide das funções religiosas,. dinastias, a dinastia Mwene Mutapa dos
Enquanto descendente dos antepassados, Makaranga e a dinastia Xangamire dos

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Rozwi, provoca guerras intestinas constan- outros, conseguem ter o apoio dos
tes que conduzem ao seu declínio que autóctones que, desta forma, eles pr6-
começa por volta de 1500. Certos reinos prios expulsam os Arabes.
vassalos não querem ser mais dependentes
duma ou de outra dinastia e revoltam-se. Mas os Portugueses não se contentam
Ora a natureza do Império tributário re- apenas em substituir os Arabes no comér-
pousa sobre a dominação das comunidades cio; querem também controlar as minas de
sobre as quais lança o Tributo. Uma vez ouro, situação que acabam por conseguir.
revoltados, estes reinos, recusam-se a pagar Ainda com o fim de dominar todo o Im-
o i m p t o ao poder central. Esta situação pério, iniciam a evangelização das popula-
contribuiu seguramente para o enfraqueci- ções a partir de 1560.
mento do Império.
Depois de terem contraído alianças com
muitos dos reinos vassalos do Monomutapa,
os Portugueses conseguem isolá-lo pela for-
b) O Colonidismo Portugws ça. O Mwene Mutapa vê-se finalmente
coagido a enviar uma embaixada aos Por-
Este enfraquecimento do Império expli- tugueses em 1572, em sinal de paz e de
ca-se também pela influência nefasta dos es- aliança. Como consequência desta atitude,
trangeiros que desde muito cedo lhe tenta- estes últimos aproveitaram, finalmente, para
ram impor os seus interesses. Dentre eles fazer exigências: expulsão definitiva dos
distinguimos os Arabes que provocaram a Muçulmanos e liberdade para implementar
primeira grande divisão do Império por a cristianização e para explorar directa-
volta de 1490, depois da morte do Impera- mente as minas.
dor Matope, da dinastia Makaranga. Nesta A partir deste momento os povos do Mo-
época o Império vivia o seu apogeu e estava nomutapa abandonam a fonte pirncipai da
por isso em condições para se opor aos Ara- riqueza do Império-o trabalho nas mi-
bes. A dinastia Rozwi era então a dominada nas, levando a que o comércio também
e via-se {porisso coagida a pagar o tributo comece a decrescer.
aos Mwene Mutapas. Conhecedores desta Nós vemos como a ingerência interna dos
situação os Arabes exploraram as contradi- Árabes, em primeiro lugar, e dos Portugue-
ções internas, apoiaram os Rozwi, atribuí- ses, em seguida, ao nível da economia, da
ram ao rei o título honorifico de Emir, que wlítica e também da religião constitui um
retomou a direcção do Império. dos factores fundamentais que conduzem
A p r í i r daqui os Rozwi fundaram a di- queda do Império.
nastia dos Xangamires (Xanga e Emir; Parece-nos importante sublinhar a impor-
Xanga era o nome do rei que fundou a tância da ingerência ao nível da religião,
dinastia). porque, os Portugueses, depois de consegui-
(Mais tarde, já no &ulo XVI, os Arabes xem evangelizar a aristocracia, conseguiram
são substituídos no comércio pelos Portu- controlar política e economicamente o Im-
gueses. Estes consegwm substituir os pri- pério com maior facilidade.
meiros de diversas formas: Mais uma vez, reencontramos a religião
a desempenhar um papel-ohave no sistema
a) pela força das armas; de representações servindo de mediatização
b) aproveitando a dissidências internas para o estabelecimento de uma nova hege-
do Império e apoiando-se nuns contra monia.

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