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A QUALIDADE DE VIDA NA CONCEPÇÃO DE UM GRUPO DE PROFESSORAS DE

1
ENFERMAGEM - ELEMENTOS PARA REFLEXÃO

THE QUALITY OF LIFE CONCEPTION OF A GROUP NURSING


TEACHERSELEMENTS OF REFLECTION

Carmem Lúcia Colomé Beck *


Maria de Lourdes Denardin Budó * *
Rosa Maria Bracini Gonzales * **

BECK, C.L.C, et al. A qualidade de vida na concepção de um grupo de professoras de enfermagem-elementos para reflexão.Rev.
E s c . Enf. U S P , v.33, n. 4, p. 348-54 dez. 1999.

Trata-se de um estudo qualitativo realizado a partir do conceito de qualidade de vida adotado por MEEBERG (1993)
relacionado com a opinião de um grupo de professoras de enfermagem. Observou-se que este conceito está presente na fala
das entrevistadas de forma bem clara, especialmente nos atributos relacionados a satisfação com a própria vida em geral e
com o estado aceitável de saúde física, mental, social e emocional.

UNITERMOS: Qualidade de Vida. Docente de enfermagem.

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It is a qualitative study, which was realized from the concept of quality of life, adopted by Meeberg (1993) and it is related
to the opinion of a group of nursing teachers. It was observed that this concept is current in the speech of the people who were
interviewed in a very clear way, especially in the attributes which are related to life itself and to na acceptable physical,
mental, social and emotional state.

UNITERMS: Quality of life. Faculty, nursing.

INTRODUÇÃO

A t u a l m e n t e f a l a - s e em q u a l i d a d e de o u t r a s , r e a f i r m a n d o o que foi dito por T a r t a r et al,


v i d a com m u i t a f r e q u ê n c i a , t e n d o e m v i s t a a Dalkey; Rourke, Young; Longman citados por
e x p e c t a t i v a de v i d a m a i s p r o l o n g a d a , o q u e t r a z à M E E B E R G (1993) q u e c o n c e i t u a m q u a l i d a d e de
t o n a q u e s t õ e s r e l a c i o n a d a s ao a u m e n t o do n ú m e r o vida como u m c o n s t r u t o multifacetado que envolve
de a n o s v i v i d o s , m a s t a m b é m e p r i n c i p a l m e n t e , a c a p a c i d a d e s c o m p o r t a m e n t a i s e c o g n i t i v a s do
q u a l i d a d e de v i d a n e s t e p e r í o d o . E s t e t e r m o t e m i n d i v í d u o , b e m - e s t a r emocional e h a b i l i d a d e s que
s u s c i t a d o m u i t a s reflexões e t e m sido objeto de r e q u e r e m o d e s e m p e n h o de p a p é i s d o m é s t i c o s ,
m u i t a s discussões, u m a vez que incorpora elementos vocacionais e sociais. Todos estes autores enfatizam
de v á r i a s á r e a s como a sociologia, a n t r o p o l o g i a , a n a t u r e z a subjetiva e i n d i v i d u a l i z a d a do conceito
filosofia, s a ú d e , e c o n o m i a , p s i c o l o g i a e m u i t a s q u a l i d a d e de vida.

1
Trabalho apresentado à Disciplina Processo de Viver Humano, Ser Saudável e Adoecer, Cuidar e Curar, do Curso de Doutorado
a
em Filosofía da Enfermagem- UFSC, ministrada pela prof* D r Lúcia Hisako Tagashi Gonçalves.
Enfermeira, Docente do Departamento de Enfermagem - UFSM, aluna do Curso de Doutorado em Filosofia da Enfermagem - UFSC;
membro do grupo de pesquisa PRAXIS- UFSC.
Enfermeira, Docente do Curso de Enfermagem do Instituto Educacional Luterano de Santa Catarina- (IELUSC), aluna do
Curso de Doutorado em Filosofia da Enfermagem- UFSC.
*** Enfermeira Docente do Departamento de Enfermagem - UFSM, aluna do Curso de Doutorado em Filosofia da Enfermagem - UFSC;
membro do grupo de pesquisa PRAXIS- UFSC.
H ó r n q u i s t a p u d M E E B E R G (1993) t a m b é m Guerra Mundial, no sentido de a s s e g u r a r que p a r a se
considera estes aspectos, m a s conceitua qualidade de t e r boa vida era necessário algo além de se e s t a r
vida especificamente em t e r m o s de satisfação de financeiramente seguro. São reforçados a q u i , aspectos
necessidades nos planos físico, psicológico, social, subjetivos vinculados a qualidade de vida.
material e estrutural. Campbell et al apud MEEBERG A reflexão que trazemos é fruto, principalmente
(1993) também vêem a qualidade de vida em termos de da leitura de artigos de MEEBERG (1993), KATZ (1987),
vários domínios de satisfação. ROMANO (1993) e ALLARDT (1993). Para estes autores
Um dos elementos fundamentais n a qualidade a qualidade de vida aparece como um grau de excelência,
de vida e que tem sido apontado dentre os fatores que a como u m atributo especial ou como u m a posição social
constituem é o ser e estar saudável. A satisfação com a boa ou elevada. Observa-se que eles não exploram o
vida está relacionada com o processo de ser saudável e conceito completamente, certamente porque qualidade
ter qualidade de vida, pois de acordo com MELEIS de vida é difícil de ser interpretada. Falar em qualidade
(1992)ser saudável de vida, é basicamente, falar da própria vida. ROMANO
(1993), diz que a vida é composta por duas dimensões: a
dimensão quantitativa e a qualitativa. A quantitativa é
é um modo de vida, uma atitude, uma
resultante dos avanços científicos e tecnológicos e se
concepção, uma história, um contexto
expressa através de taxas de morbi-mortalidade, média
com normas sócio-culturais, uma crença,
de expectativa de vida, indicadores epidemiológicos
uma tradição. Ser saudável é controlar,
d i v e r s o s , r e n d i m e n t o d a f a m í l i a , a v a l i a ç ã o de
negociar, realizar, crescer, tornar-se e
crescimento e desenvolvimento das crianças, dentre
ajudar outros a crescerem ease tornarem.
outros. J á a dimensão qualitativa está associada a
Ser e tornar-se saudável pode constituir
critérios m u i t o m a i s amplos q u e a c o m p a n h a m a
partes de uma percepção global de saúde.
dinâmica da h u m a n i d a d e e que estão vinculados a
Tornar-se saudável é ter esperança, trans-
valores, crenças e filosofia de vida. P a r a WARE (1987),
cendendo preocupações, realizando opções,
podem estar englobados aqui fatores como satisfação no
advogando e avaliando recursos. Ser e
trabalho, relações com a vizinhança e educação.
tornar-se saudável incorpora cons-
cientização, recursos, oportunidade, A n a t u r e z a a b s t r a t a dos termos, talvez explique
desenvolvimento, acesso, capacitação, porque qualidade de vida t e m diferentes significados
desenvolvimento de poder e advocacia. p a r a diferentes pessoas em diferentes locais e épocas,
sendo então u m conceito sujeito a múltiplos pontos de
vista. Sem consenso em torno do conceito, qualidade
E s t a conceituação feita por MELEIS (1992) é de vida é difícil de ser m e n s u r a d a .
ampla, complexa e abarca, com propriedade, as relações A maioria dos conceitos estão centrados em vários
e responsabilidades do sujeito consigo mesmo e com as aspectos, u m a vez que qualidade de vida pode ser vista
demais pessoas com que convive, possibilitando que ser como objetiva, subjetiva ou ambas e é conceitualizada
e e s t a r saudável estejam vinculadas às percepções e como u n i d i m e n s i o n a l e m u l t i d i m e n s i o n a l .
decisões dos indivíduos. R e c o n h e c e n d o a m u l t i d i m e n s i o n a l i d a d e , os
pesquisadores continuam a busca por instrumentos que
combinem duas ou mais dimensões ao longo de um eixo
subjetivo-objetivo. Procuram desenvolver medidas de
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE
funcionamento físico, psicológico e social, bem como
QUALIDADE DE VIDA medidas subjetivas de bem-estar. Os diferentes estudos
e n v o l v e n d o q u a l i d a d e de v i d a e v i d e n c i a m u m a
O termo Qualidade de Vida surgiu a n t e s de considerável variação em s u a s finalidades. C a d a u m
Aristóteles associado a palavras como "felicidade e deles busca compreender o conceito n a s u a á r e a de
virtude", as quais quando alcançadas, proporcionariam atuação e t e n t a resolver questões metodológicas p a r a
ao indivíduo "boa vida". Vinculava-se t a m b é m a sua mensuração.
termos como bem-estar, necessidade, a s p i r a ç ã o e H á escalas que medem qualidade de vida como
satisfação. É referenciado em 1947 pela Organização u m c o n s t r u t o u n i d i m e n s i o n a l , e n q u a n t o que o u t r a s
Mundial de Saúde (OMS) ligado a definição de saúde, s ã o m u l t i d i m e n s i o n a i s e i n c l u e m f a t o r e s como
abrangendo t a m b é m padrões de vida, de moradia, satisfação no trabalho, satisfação conjugal e condições
condições de trabalho, acesso médico, dentre outros. de v i d a e n t r e m u i t a s o u t r a s p o s s i b i l i d a d e s . O q u e
P a r a K L E I N P E L L (1991), é u m conceito t o r n a difícil j u n t a r t o d a s e s t a s d i m e n s õ e s p a r a
ambíguo, a b s t r a t o e indefinido e que apareceu n a avaliar a qualidade de vida de u m a pessoa, reside no
l i t e r a t u r a médica por volta de 1976 (Index Médico). fato de que cada pessoa coloca u m valor diferente n a
Campbell et al apud MEEBERG (1993) refere que o uso importância dessas várias dimensões; o que reafirma
deste termo n a América ocorreu logo após a Segunda a s i n g u l a r i d a d e do sujeito.
Campbell et al apud MEEBERG (1993) afirmam (UFSM). N u m total de 24 docentes do departamento,
que a satisfação de vida, m u i t a s vezes u s a d a como optou-se por realizar a entrevista com 15% do total
sinônimo de qualidade de vida, é u m a das condições d e s t a s . A ampliação da a m o s t r a aleatória não foi
gerais p a r a a sua existência, sendo então u m indicador necessária, u m a vez que houve saturação dos dados na
da qualidade de vida que é u m termo mais amplo, mais a
4 e n t r e v i s t a . T o d a s e l a s p e r t e n c e m ao q u a d r o
extenso. p e r m a n e n t e desta instituição, tendo no mínimo três
MEEBERG (1993) diz que: anos de experiência n a função. São todas mulheres,
casadas, sendo que, destas, apenas u m a não possui
filhos. D u a s t ê m t í t u l o de m e s t r e s e d u a s são
da revisão de literatura quatro atributos mestrandas.
críticos de qualidade de vida são evidentes: P a r a c o m p r e e n d e r como e s t a s d o c e n t e s
1- Um sentimento de satisfação com a percebem a q u a l i d a d e de vida em seu cotidiano,
própria vida em geral; 2- Capacidade elaboramos u m a e n t r e v i s t a s e m i - e s t r u t u r a d a , com
mental de avaliar sua própria vida como t r ê s q u e s t õ e s b á s i c a s , q u a i s sejam: C o m o v o c ê
satisfatória ou otherwise; 3- Um estado considera a qualidade de sua vida hoje? Quais
aceitável de saúde física, mental, social e os critérios que você usou para dar esta
emocional, como determinada pelo resposta? O que precisaria acontecer para
próprio indivíduo e 4- Uma avaliação melhorar a qualidade de sua vida?
objetiva, feita por outro, que as condições
As entrevistas foram individuais e agendadas
de vida da pessoa são adequadas e não
conforme a disponibilidade das entrevistadas, sendo
são ameaçadoras à vida (p. 34).
gravadas em fita cassete com a devida permissão das
mesmas. A conversa fluiu de forma agradável e todas
Pensando n a complexidade que cada u m destes apresentaram boa vontade em falar, respondendo sem
a t r i b u t o s encerra, não é difícil perceber a relevância exitar as questões propostas, com clareza e objetividade.
que estes aspectos t ê m p a r a a enfermagem e p a r a as Nos encontros que tivemos com as docentes
pessoas de u m modo geral e p a r a que o exercício da enfermeiras procuramos entender o significado da
enfermagem a t e n d a às necessidades das pessoas, é qualidade de vida neste momento por elas vivenciado.
fundamental que os enfermeiros tenham conhecimento A seguir, relacionamos alguns achados e algumas das
e c o m p r e e n s ã o do que seja q u a l i d a d e de vida e a respectivas falas que enfocam a qualidade de vida a
importância que a m e s m a t e m p a r a os sujeitos com as partir do seu viver e que agora vêm ilustrar este estudo.
quais interagem no seu cotidiano. Em relação à questão "Como você considera a
qualidade de sua vida hoje?", todas responderam estar
muito boa ou boa. Aquelas que responderam muito boa
A QUALIDADE DE VIDA NA VISÃO DE (duas entrevistadas) citaram os aspectos que elencamos
A L G U M A S P R O F E S S O R A S D E ENFERMAGEM a seguir: a segurança, o estado de espírito no dia-a-dia,
o convívio com a família, condições dignas p a r a viver,
ter emprego, u m a casa, buscar ser, estar e viver melhor
C o m o o b j e t i v o de a p r o f u n d a r o n o s s o mais do que t e r (qualidade antes de quantidade). As
e n t e n d i m e n t o do que seja qualidade de vida e s u a s outras entrevistadas que referiram t e r boa qualidade
relações com o ser s a u d á v e l , p r o c u r a m o s aliar as de vida pontuaram aspectos como a saúde pessoal e os
referências teóricas com a experiência vivenciada por e n c o n t r o s com a família e a l g u m a s dificuldades
a l g u m a s pessoas. P a r a isto, buscamos conversar com relacionadas a condições precárias de trabalho, baixos
u m g r u p o de p r o f e s s o r a s de e n f e r m a g e m , o que salários e pouca valorização da profissão.
entendemos nos d a r i a u m a visão de como a s colegas
MEEBERG (1993), refere que muitos termos têm
percebem a s u a qualidade de vida bem como verificar
sido usados como sinônimos de qualidade de vida, sendo
a aplicabilidade ou não dos atributos da qualidade de
que a satisfação de vida é a mais frequente. Diz ainda
vida referidos por MEEBERG (1993).
que a satisfação de vida é puramente subjetiva e refere-
O conceito de M E E B E R G (1993) foi escolhido, se aos p r ó p r i o s s e n t i m e n t o s de felicidade e
tendo em vista que o consideramos amplo, aplicável e contentamento relacionados à própria vida. Embora o
passível de ser analisado nas entrevistas das professoras termo qualidade de vida seja mais abrangente, percebe-
de enfermagem. Ele t a m b é m contempla vários se que ao nível da abordagem feita pelas entrevistadas,
conceitos de o u t r o s a u t o r e s , n ã o c o n t r a d i z e n d o a h á uma afirmação de satisfação com as condições gerais
nenhum deles e tem sido u m dos mais utilizados quando da existência, quando comparadas com os seus objetivos
se estuda e discute qualidade de vida. de vida. Nesta ótica, percebe-se u m a gama de valores
N e s t e estudo, as e n t r e v i s t a d a s foram q u a t r o subjetivos que, n a visão dos sujeitos pesquisados
e n f e r m e i r a s , d o c e n t e s do D e p a r t a m e n t o de referem a sua própria existência dentro de padrões
Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria desejáveis.
Ao serem perguntadas sobre que critérios foram (1992) em estudo sobre o ser e viver saudável no mundo
usados p a r a dar esta qualificação, responderam, de dizem que desde a antiga Grécia o conceito de felicidade
modo geral, que a família é a base, a fonte de equilíbrio inclui a boa saúde, o feliz êxito n a vida e o sucesso n a
p a r a a qualidade de vida, como pode ser visto n a formação individual. PATRÍCIO (1996) também refere
seguinte fala; que "a felicidade e o p r a z e r r e p r e s e n t a m a satisfação
de necessidades individuais e coletivas de bem-viver
do ser h u m a n o " e que a " qualidade do processo saúde-
"Eu acho que a família é o primeiro ponto, doença depende da qualidade de vida do ser humano."
o básico, que para mim interfere no resto.
Possuir u m emprego e t e r u m ambiente bom de
Se eu não estou bem em casa, eu não fico
trabalho, considerando-se aí as relações interpessoais,
legal... Quando a família está bem, então
é também um dos critérios enfatizados pelas professoras
eu estou bem, consigo até produzir melhor,
p e s q u i s a d a s . É i m p o r t a n t e dizer q u e , d a s q u a t r o
trabalhar melhor, resolver as questões do
entrevistadas, três delas referem as relações no trabalho
trabalho com mais facilidade. Em primeiro
como elemento determinante n a qualidade de vida. No
lugar a família, não só o marido e filhos, momento, estas relações são fonte de preocupação paráT
mas também os meus pais que são a família elas, como pode-se perceber nestas falas:
com quem mais convivo."

"No sentido profissional acho que poderia


E s t a fala se repete, de forma diversificada, n a s
estar melhor... Uma das coisas que
demais entrevistas, o que dá p a r a perceber o núcleo
considero como qualidade é o momento
familiar como fundamental p a r a a qualidade de vida.
que eu tenho liberdade de fazer algumas
SELIGMANN- SILVA (1994) reforça a idéia de que a
coisas e, no momento, não estou
interface trabalho-família é u m a via de mão dupla em
que de um lado h á o fluxo em que a subjetividade desloca conseguindo ter prazer em certas coisas
experiências familiares p a r a o mundo do trabalho; de no meu trabalho... Então tem coisas que
outro, a corrente que t r a n s p o r t a p a r a a vida familiar no meu trabalho me frustram. Acho que
determinações emanadas do trabalho. Refere ainda que poderia estar melhor, estou lutando para
a família aparece como u m componente do mundo estar melhor..."
exterior mais presente na qualidade de vida das pessoas, "No momento, em situação de transição
salientando que as interfaces do mundo do trabalho e no trabalho, conciliar situações novas, é
do c o t i d i a n o e x t r a l a b o r a l t e m s e m p r e q u e s e r o que me traz mais angústia..."
consideradas quando se t r a t a deste tema.
E s t a importância dada à família é estudada por
Isto é reforçado por SELIGMANN-SILVA (1994)
v á r i o s a u t o r e s , d e n t r e eles os que c o n s t i t u e m o
quando refere que o bem-estar do t r a b a l h a d o r está
GAPEFAM (Grupo de Assistência, Pesquisa e Educação
associado a escolha do seu local da trabalho que por
em Saúde da Família). Do conceito de família saudável
c o n s e g u i n t e se v i n c u l a às c a r a c t e r í s t i c a s de
deste grupo, destacamos que "é uma unidade que se auto-
personalidade do mesmo. Quando ocorre a adaptação do
estima positivamente, onde os membros convivem e se
trabalhador ao ambiente de trabalho, pode-se dizer que
percebem mutuamente como família..." (ELSEN, 1994).
o mesmo pode "promover saúde". Diz ainda que a perda
O ser saudável como elemento da qualidade de do significado, do interesse e do prazer pelo trabalho
vida está presente em todas as falas, não só em relação atingem a identidade do trabalhador, fazendo com que o
a si mesmas, mas em relação t a m b é m aos familiares, trabalho e a vida passem a fluir em ritmo mecânico.
incluindo-se aí, pai e mãe, como vemos a seguir:
Identificar sua qualidade de vida como boa ou
muito boa, fundamentou-se t a m b é m pelo fato destas
"Em relação a vida cotidiana... acho que pessoas valorizarem mais o ser do que o ter, o que pode
tá jóia, a família, irmãos, agora mais ser visto como u m reflexo da m a t u r i d a d e em que se
ainda de férias, a gente encontra todo encontram, sendo que todas reconhecem a necessidade
pessoal e uma das coisas que eu dou mais de ter mais sensibilidade para perceber as coisas simples
valor é a saúde que, no momento, eu d a v i d a , p a r a c o m p a r t i l h a r os b o n s m o m e n t o s ,
consigo equilibrar. E a minha qualidade necessidade de conhecer-se melhor e ter mais harmonia,
de vida é boa porque estou com saúde..." buscando a espiritualidade. As d u a s próximas falas
demonstram isto:

O ser e estar saudável no mundo tem permeado


as mais diversas conceituações de qualidade de vida. É " O que me dá mais qualidade de vida hoje
um elemento fundamental e decisivo, quando se quer é o fato de ser mais, de estar melhor, viver
referir à aspiração de ser feliz. SILVA; BORENSTEIN melhor. A gente fala sempre em ter. E
preciso falar também em ser. Neste sentido "Tem coisas que eu almejo sejam
acho que tenho conseguido ser mais, eu melhores...descobrir alternativas no
consigo enxergar melhor a parte trabalho, de melhorar a vida com as
qualitativa..." pessoas, a minha vida...O que depende de
mim eu estou galgando, estou indo
" Eu não sei se este ano vou conseguir ir
devagarinho. Mas tem as limitações... tem
à praia. Mas eu já consegui entender e, se
muita coisa da prática social que me
eu estiver bem, vou conseguir curtir
incomoda, no trabalho e no dia-a-dia
minha casa, me distrair, fazer passeios,
também..."
ser criativa, tem tantas formas de ser
criativa... A gente vai cultivando outros
valores, faz metas daquilo que quer atingir Segundo DACQUINO (1992), a ausência de u m a
e aí a frustração é menor." identidade pessoal diminui a possibilidade de afirmação
por p a r t e do E u e, por conseguinte, produz u m a
frequente condição de confusão, de incerteza e de
Outro elemento que chama a atenção é o fato do
fragilidade a n g u s t i a n t e . A identidade do indivíduo
f a t o r econômico n ã o e s t a r e n t r e a s p r i o r i d a d e s
baseia-se em sua história e, conseqüentemente, em sua
mencionadas pelas entrevistadas, até porque referiram
realidade i n t e r n a e externa. Nossa identidade sofre a
possuir condições materiais de vida que lhes possibilita
influência da cultura e das normas sociais, sobretudo
u m a vida digna, embora todas elas almejem melhorias
quando se assume um papel definido, como enfermeiras
n e s t a área, u m a vez que admitem t e r o seu poder
ou professoras, por exemplo; o que pode determinar,
aquisitivo diminuído e estarem procurando se a d a p t a r
na maioria das vezes, que vivamos o nosso
à nova condição econômica. Talvez esta vivência t e n h a
relacionamento social através de modelos que, não raro,
contribuído p a r a direcioná-las n a busca de outros
nos são impostos pela p r ó p r i a função que
valores. A fala seguinte representa este pensamento:
d e s e m p e n h a m o s . A conquista da própria
individualidade e identidade é condição fundamental
"Eu acho a qualidade da minha vida muito p a r a conseguir sair de nós mesmos, superar os limites
boa e considero assim por gostar do que faço, entre sujeito e objeto, a fim de identificar-nos com os
pela satisfação da vivência familiar. Isto é a outros.
pilha que me dá energia. A parte ligada a A c r e d i t a m o s que o p r a z e r de viver, só seja
espiritualidade eu acho super importante. Eu possível a p a r t i r da construção da própria identidade
até não me preocupo tanto com as coisas enquanto ser. LEOPARDI (1994) diz que "... a maior
materiais porque estas que eu tenho me dão perda estética foi a perda da individualidade" e que esta
o conforto e apraticidade necessária..." perda não significou, contudo, acréscimo da consciência
coletiva. Ainda p a r a esta autora,

Q u a n d o p e r g u n t a d a s sobre o que p r e c i s a r i a
acontecer p a r a melhorar a qualidade de suas vidas, as Se a violência cotidiana não fosse tão
professoras pesquisadas, em sua maioria, referiram duas intensa e não nos esgotasse tanto,
g r a n d e s preocupações: u m a relacionada com o seu buscaríamos nas relações com os outros
d e s e n v o l v i m e n t o e n q u a n t o p e s s o a , com o ou nos momentos de silêncio o sentimento
autoconhecimento e a melhoria das relações com os de harmonia e de integridade de nosso eu.
outros; a outra, refere-se com a melhoria da qualidade A perda da identidade, a ausência de
das relações no trabalho. limites sensoriais, a impossibilidade de
Em relação a primeira situação, no que tange ao fugir das rotinas e do enquadramento,
desenvolvimento da própria pessoa, u m a das gera uma necessidade de encontrar um
entrevistadas disse: antídoto (LEOPARDI, 1994).

"Para melhorar a qualidade de minha A autora acredita que tudo pode ser recuperado
vida... Sem dúvida o autoconhe-cimento. pela retomada da nossa identidade e "pela retomada da
Realmente, onde eu tenho mais dificuldade vida como fonte de alegria, c r i a t i v i d a d e , p r a z e r "
é na falta de autoconheci-mento, pois se (LEOPARDI, 1994).
eu consigo me compreender melhor, eu Entendemos que no trabalho também se pode
consigo resolver melhor todos os conflitos exercitar u m a relação prazeirosa, acreditamos que
que eu tenho no dia-a-dia... A gente vai podemos melhorar também com a busca e a fruição do
deixando isto de lado, não prioriza. Agora prazer, não querendo uma felicidade j á identificada com
esta é a meta que eu tenho..." a utopia, m a s buscando, através da vivência diária,
uma serena cultura do prazer que recupere ou integre chegaram a conclusão de que o trabalho é u m elemento
todas as fontes de harmonia. fundamental p a r a a saúde das pessoas. A organização
No segundo caso, que se refere a qualidade das do trabalho tem um papel muito importante em relação
relações no trabalho, ficou muito claro que é necessário a saúde mental dos indivíduos e ela engloba duas coisas:
melhorá-las, favorecendo um ambiente mais saudável, a divisão de tarefas e a divisão dos h o m e n s . Assim, a
m a i s e s t i m u l a n t e , p o s s i b i l i t a n d o o exercício d a organização do trabalho atinge o conteúdo das tarefas
criatividade e permitindo uma vivência mais tranqüila. e as relações h u m a n a s . As organizações perigosas são
Estes fatores são importantes não só p a r a a melhoria a q u e l a s que a t a c a m o f u n c i o n a m e n t o m e n t a l do
da qualidade de vida dos indivíduos como do próprio trabalhador, ou seja, o seu desejo. Quando isto acontece
trabalho, o que certamente teria repercussão positiva é terrível porque além das perturbações, provoca-se
na produção em todos os níveis. Sobre estes aspectos, também sofrimento e, eventualmente, doenças físicas
duas das enfermeiras assim se expressaram: e mentais. Por outro lado, h á organizações de trabalho
que levam a tarefas cujo conteúdo é j u s t a m e n t e u m
meio de equilíbrio. Essa situação é benéfica à s a ú d e
"Eu acho que poderia melhorar algumas das pessoas pois não reprime o funcionamento mental,
coisas, especialmente as relações. O que me mas oferece u m campo de ação p a r a que o trabalhador
incomoda é ver estas coisas no trabalho, concretize suas aspirações, suas idéias, seus desejos.
as relações (difíceis). Eu acho sinceramente Uma das professoras ressalta um dos seus desejos
que um ambiente melhor, mais saudável, n a seguinte fala:
com mais pique, mais vontade, diferente...
Com vontade de chegar lá e trabalhar...
Eu acho que isto traria mais qualidade de "A ascensão profissional, dar uma
vida que o próprio dinheiro. Com a falta reativada nos estudos, fazer um
de dinheiro a gente se acostuma, corta doutorado, é uma outra fase da minha
aqui, corta ali, não corta na essência, mas vida que certamente vai concorrer para
consegue conter. Agora, nas relações no uma melhor qualidade de vida..."
trabalho, não tem como fazer... Eu acho
que poderia ser um ambiente de trabalho
mais estimulante..." E s t a fala caracteriza bem a qualidade de vida
s u s t e n t a d a t a m b é m em a s p e c t o s e x t r e m a m e n t e
"Com o amadurecimento, não tenho medo subjetivos, como t e r m a i s c o n h e c i m e n t o , c r e s c e r
das palavras e nem das relações com as profissionalmente e ser m a i s valorizado dentro da
pessoas, isto me ajudou muito. A gente instituição em que t r a b a l h a . E n t e n d e m o s , como j á
vai aprendendo e mesmo o erro faz parte dissemos a n t e s , que no t r a b a l h o t a m b é m se pode
do aprendizado..." exercitar u m a relação prazeirosa, no entanto para sentir
prazer em viver é preciso ter maturidade e sensibilidade
p a r a t o m a r consciência da própria individualidade e
Ao pensarmos a qualidade de vida não podemos i d e n t i d a d e . A c r e d i t a m o s q u e e s t e c a m i n h o seja
desvincular a satisfação no trabalho, tendo presente o i n d i s p e n s á v e l p a r a u m dia a l c a n ç a r a a u t o n o m i a
que nos dizem CODO; SAMPAIO (1995), pois: individual, superar os limites entre sujeito e objeto, a
fim de identificar-nos com os outros.

partindo-se da premissa de que alguém Diante do exposto, precisamos ter consciência de


trabalha oito horas por dia, o trabalho que antes de sermos profissionais, somos homens e
ocuparia diretamente metade do nosso mulheres, embora muitas vezes j á tenhamos perdido a
tempo de vigília, um terço de nossas vidas, nossa identidade enquanto pessoas. LEOPARDI (1994)
servindo de equivalente universal para nos diz que: "a insuspeita certeza de que algo anda errado
identificarmos uns perante os outros conosco, indivíduos que trabalham a terça parte de seus
(-Quem é você? -Ah, sou mecânico). Mas o dias, precisa vir junto com a esperança da possibilidade
trabalho é mais, é força, tempo e habilidade da reconstrução do trabalho, p a r a a emergência do
que se vende para obter condições de trabalhador-homem vivo".
morar, vestir, comer. Como se isso não A p a r t i r das falas das e n t r e v i s t a d a s , pode-se
bastasse, o trabalho nos situa na hierarquia depreender que o conceito de MEEBERG (1993) escolhido
social de valores, visível no prestigio social p a r a análise, esteve bem p r e s e n t e no discurso das
de algumas profissões frente a outra... professoras de enfermagem, uma vez que um dos aspectos
relevantes foi a relação entre qualidade de vida e satisfação
com a vida que levam, algumas já identificando com mais
Dentro desta m e s m a perspectiva, D E J O U R S clareza os itens que precisam ser trabalhados, surgindo
(1992), diz que os estudos da psicopatologia do trabalho aí a necessidade de autoconhecimento.
Outra associação feita com a qualidade de vida foi de vida bem como do seu processo de t r a b a l h o e,
o item saúde que envolveu a saúde física, mental (paz, portanto, são eles que poderão promover transformações
harmonia), social (bom relacionamento no trabalho) e efetivas em suas vidas.
emocional (equilíbrio interior, sensibilidade).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONCLUSÃO

1. ALLARDT, E. Having, loving, being: an alternative to Swedish


O termo qualidade de vida tem sido muito utilizado model of welfare research. In: NUSSBAUM, M. C ; SEN, A.
n a atualidade, servindo, inclusive a muitos interesses e, The Quality of life. Oxford, Clarendon Press, 1993. p. 88-94
pela s u a banalização pode ser caracterizado como
simplório, pouco complexo e limitado. O estudo realizado 2. CODO, W.; SAMPAIO, J.J.C. (orgs.). S o f r i m e n t o p s í q u i c o
demonstrou que qualidade de vida tem conotações muito n a s o r g a n i z a ç õ e s : saúde mental e trabalho. Petrópolis,
Vozes, 1995.
importantes p a r a serem exploradas e aprofundadas,
especialmente pelos profissionais da saúde. 3. CORREA, J. A b u s c a d o p r a z e r n o t r a b a l h o d e
As professoras de enfermagem e n t r e v i s t a d a s enfermagem: uma abordagem ética./Trabalho
apresentado na XIII Jornada Mineira de Enfermagem,
identificaram que a s u a qualidade de vida é boa ou 199-.
muito boa e que a mesma sofre interferência de fatores
internos e externos a elas. 4. DACQUINO, G. V i v e r o p r a z e r . São Paulo, Paulistas, 1992.
Os f a t o r e s i n t e r n o s e s t ã o r e l a c i o n a d o s
5. D E J O U R S , C. A l o u c u r a d o t r a b a l h o : e s t u d o de
especialmente a valorização de "ser mais do que o ter",
psicopatologia do trabalho. São Paulo, Cortez, 1992.
o convívio harmonioso consigo mesma e com a família,
a sensibilidade p a r a perceber as coisas simples da vida 6. ELSEN, I. Desafios da enfermagem no cuidado de famílias.
(como o sol e a chuva, por exemplo), o gostar do que In: BUB, L.I.R. M a r c o s p a r a a p r á t i c a d e e n f e r m a g e m
faz, o cultivo da espiritualidade, dentre outros aspectos. c o m f a m í l i a s . Florianópolis, Ed. UFSC, 1994.
O autoconhecimento foi citado como possibilidade p a r a
7. KATZ, S. The science of quality of life. J . C h r o n . D i s . ,
conviver melhor consigo e com os outros, m a n t e n d o v. 40, n. 6, p. 459-63,1987.
relações interpessoais mais fecundas no trabalho e n a
vida como u m todo. 8. KLEIMPELL, R.M. Concept analysis of quality of life. D i m e n s
Crit Care N u r s . , v.10, n. 4, p. 223-9, 1991.
Dentre os fatores externos elencados por elas, o
que ganhou d e s t a q u e como aquele que está trazendo
9. LEOPARDI, M.T. Qualidade de vida no trabalho: a busca de
m a i o r d i f i c u l d a d e no c o t i d i a n o e i n t e r f e r i n d o um t r a b a l h a d o r o m n i l a t e r a l . In: C O N G R E S S O
diretamente na qualidade de vida foi o trabalho, o qual BRASILEIRO DE ENFERMAGEM 46, Porto Alegre, 1994.
tem elementos e s t r u t u r a i s que necessitam ser A n a i s , Porto Alegre: ABEn, 1994. p. 179-83.
modificados.
10. MEEBERG, G. A. Quality of life: a concept analysis. J . A d v .
O conceito de M E E B E R G (1993) mostrou-se N u r s . , v. 18, p. 32-8, 1993.
muito presente nas falas das professoras de enfermagem
e foi relacionado a aspectos tanto quantitativos quanto 11. M E L E I S , A.I. Ser e t o r n a r - s e s a u d á v e l : o â m a g o do
qualitativos de suas vidas. c o n h e c i m e n t o de e n f e r m a g e m . T e x t o C o n t e x t o
Enf., v. 1, n. 2, p. 36-55, 1992.
U m a questão que necessita ser melhor estudada
é: como t r a n s f o r m a r o t r a b a l h o (na sua mais ampla 12. PATRÍCIO, Z.M. S e r s a u d á v e l n a f e l i c i d a d e - p r a z e r : uma
concepção) em u m espaço de liberdade, criatividade e a b o r d a g e m é t i c a e e s t é t i c a pelo c u i d a d o h o l í s t i c o -
ecológico, Florianópolis, Ed. da Universidade, 1996.
satisfação pessoal ?
Concordamos com CORRÊA (199-), quando diz que" 13. ROMANO, B. W. Qualidade de vida: teoria e prática. Rev. Soe.
a busca do prazer no trabalho de enfermagem pouco se Cardiol. Est. São P a u l o , v. 3, n. 6, p. 6-9, 1993. Supl. A
diferenciará de toda a busca humana do prazer, da alegria
14. SELIGMANN- SILVA, E. D e s g a s t e m e n t a l n o t r a b a l h o
e da felicidade, u m a vez que, será sempre a busca de d o m i n a d o . Rio de Janeiro, Cortez, 1994.
mais vida, de mais ser, fazendo face à adversidade, à dor
e à morte, resignificando-as e reinserindo-as na palavra 15. SILVA, A.L.da; BORENSTEIN, M.S. Ser e viver saudável
viva de todo homem que é portador". no m u n d o : b u s c a n d o n o v o s c a m i n h o s no cuidar-
pesquisando com o ser-doente. T e x t o C o n t e x t o Enf.,
A instrumentalização teórica sobre o t e m a pode v. 1, n. 2, p. 56-69, 1992.
ser o ponto de p a r t i d a p a r a a conscientização de que a
q u a l i d a d e de vida depende do sujeito e t a m b é m de 16. WARE, J.E. Standars for validating health measures:
definition and content. J C h r o n . D i s . , v. 40, n. 6,
fatores externos a ele. E n t r e t a n t o , é preciso salientar p. 473-80, 1987.
que todos os indivíduos são autores da s u a qualidade

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