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UNASP

C EN TR O UN IVERSITÁRIO A D V EN T IS T A DE S Ã O P A U L O

C U R S O DE A R Q U IT E T U R A E U R B A N IS M O

P rof. M e . Jan ain a X a v ie r

TÉCNICAS RETROSPECTIVAS I
RESTAURO EUROPEU

E n g e n h e iro C o e lh o
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Sumário

1. O PA TRIM Ô N IO C U LT U R A L................................................................................................................3

2. TEORIA E HISTÓRIA DA RESTAURAÇÃO N A E U R O P A .................................................................... 5

2.1. In tro d u ç ã o ................................................................................................................................... 5

2.2. R estauro Inglês - John R u skin ....................................................................................................5

2.3. R estauro Francês - Eugène Em m anuel V io lle t le D u c............................................................9

2.4. R estauro Italiano - C am illo Boito, G u stavo G io va n n o n i e Cesare B ra n d i.......................... 13

2.5. Cartas P a trim o n ia is ..................................................................................................................20

3. REFERÊNCIAS.................................................................................................................................... 21

4. A N E X O - Cartas P a trim o n ia is ......................................................................................................... 21


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1. O PATRIMÔNIO CULTURAL

"P a trim ô n io é um a palavra de origem latina, patrimonium, qu e se referia, en tre os antigos


rom anos, a tu d o o que p erten cia ao pai, pater ou pater familias, pai de fa m ília " (FUNARI;
PELEGRINI, 2009, p. 10).

A palavra p a trim ô n io está associada aos bens q ue tra n s m itim o s aos nossos h erd eiros. Eles
podem ser de v a lo r m o n e tá rio , co m o casas, joias, carros, etc., ou de v a lo r em o cio n al, co m o
um a foto , um livro de receitas, um o b je to de uso pessoal. Tu d o isso se co n stitu i o p a trim ô n io
de um in d ivíd u o. Há ta m b é m o p a trim ô n io im ateria l, q ue são os saberes, fazeres e práticas de
nossos an tepa ssa dos tra n s m itid o s para as fu tu ra s gerações. T o d o esse legado é de ord em
in dividu al, m as da m esm a fo rm a te m o s o p a trim ô n io co letivo .

"As co le tivid a d e s são co n stitu íd a s por g ru p os diversos, em co n sta n te m u tação, com interesses
d istin to s e, não raro, co n flitan te s. Um a m esm a pessoa p o d e p e rte n ce r a d iversos gru p os e, no
d e c o rre r do te m p o , m u d ar para outro s. [...] O qu e para uns é p a trim ô n io , para o u tro s não é.
A lém disso, os v a lo re s sociais m u dam com o te m p o " (FUNARI; PELEGRINI, 2009, p. 10).

"O p a trim ô n io cu ltu ral de um a socie d a d e ou de um a região ou de um a nação é b astan te


d ive rsifica d o , so fren d o p erm a n e n te s alteraçõ es. [...] Em geral gu ard aram -se os o b je to s e as
co n stru çõ e s da classe p ode rosa e perd era m -se para to d o o se m p re os bens cu ltu rais do p ovo"
(LEM O S, 2010, p. 21).

O m o d e rn o co n ce ito de p a trim ô n io surgiu com a criação dos Estados N a cion ais (fo rm ação dos
países), no séc. XVIII, na Europa, q u an d o e n tão fo i necessária a "in v e n çã o de um co n ju n to de
cidadã os que d eve riam co m p a rtilh a r um a língua e um a cultura, um a origem e um te rritó rio " ,
ou seja, criar um a id e n tid a d e co letiva (FUNARI; PELEGRINI, 2009, p. 16).

P erce b e n d o o v a lo r do p a trim ô n io para o país, d u ra n te a R evolu ção Francesa (1789-1799)


criou -se um a co m issão para p ro te g e r os m o n u m e n to s n acio na is e, em 1887, fo i p ro m u lg ad a a
p rim e ira legislação p ro te to ra do p a trim ô n io francês. Nesse co n te xto, p e rce b e m o s q ue o
p a trim ô n io passa a ser "e n te n d id o co m o um bem m ateria l co n cre to , um m o n u m e n to , um
e d ifício , de alto v a lo r m ateria l e sim b ó lico para a nação. Parte-se do p re ssu p o sto de q ue há
v alore s com uns, co m p a rtilh a d o s p o r to d o s, qu e se co n su b stan ciam em coisas con cretas. Em
segundo lugar, aq u ilo que é d e te rm in a d o co m o p a trim ô n io é o exce p cion al, o belo, o
exem plar, o que re prese n ta a n acio n a lid a d e. Um a te rce ira ca racte rística é a criação de
in stitu içõ e s patrim o n iais, além de um a leg islação esp ecífica. Criam -se serviços de p ro te çã o do
p a trim ô n io , co m o m useus, fo rm a n d o um a ad m in istra çã o p a trim o n ia l. Essa b u ro cracia foi
co m po sta p or p ro fissio n a is de diversas fo rm a çõ e s e esp e cialid ade s, p rin cip a lm e n te arq u iteto s,
h isto ria d o re s da arte, h isto riad ores, arq u e ólog os, geógrafos, a n tro p ó lo g o s e soció log os, en tre
o u tro s" (FUNARI; PELEGRINI, 2009, p. 20).

A ên fase na p ro te çã o do p a trim ô n io nacional atinge seu áp ice no p e río d o qu e vai de 1914 a


1945, q u an d o duas gu erras m u n d iais e clo d e m sob o im p u lso dos n acio na lism os, am e a ça n d o os
m o n u m e n to s h istó rico s. A p a rtir de en tão, os países m an ifestara m a p re o cu p a çã o em
re co n stru ir e re sta u rar os m o n u m e n to s d e stru íd o s e a a firm a r a d e m o cra cia e o re sp e ito à
d ive rsid a d e e as m inorias.
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Para d e fe n d e r os d ire ito s e o p a trim ô n io da h u m a n id a d e fo ra m criadas a O rgan ização das


N ações U n idas (ONU) e a O rgan ização das N ações U nidas para a Educação, a C iência e a
Cu ltura (UNESCO), em 1945, p ro m o ve n d o discussões q ue re co n h e ce ra m a d ive rsid a d e do
p a trim ô n io . A p a rtir das co n ve n çõ e s q ue se seguiram , passaram a ser e la b o rad a s norm as
in te rn a cio n a is de p ro te çã o do p a trim ô n io , red ig id as em fo rm a de cartas de re co m e n d a çõ e s -
cartas p atrim on iais. Em 1972, a p rim e ira co n ve n çã o da UN ESCO re fe re n te ao p a trim ô n io da
h u m a nidade , com re p re se n ta n te s de m ais de 150 países, d efin iu qu e o p a trim ô n io da
h u m a n id a d e co m põ e-se de:

M o n u m en to s - obras arquitetônicas, esculturas, pinturas, vestígios


arqueológicos, inscrições, cavernas; Conjuntos - grupos de construções;
Sítios - obras hum anas e naturais de valor histórico, estético, etnológico ou
científico; M o n u m en to s naturais - form ações físicas e biológicas; Form ações
geológicas ou fisiográficas - habitat de espécies de anim ais e vegetais
am eaçados de extinção; Sítios naturais - áreas de valor científico ou de
beleza natural (FUNARI; PELEGRINI, 2009, p. 25).

M as p o rqu e p re se rv a r o p a trim ô n io ? Para d e se n vo lv e rm o s a co n sciên cia histórica,


re fo rça rm o s a cid ad a n ia e a id e n tid a d e cu ltu ral da socied ad e. Um g ru p o social qu e ignora seu
passado, suas orige n s e tra je tó ria anula sua p e rso n a lid a d e e co m p ro m e te a sua p erm a n ê n cia e
seu d e se n v o lv im e n to no p re se n te e no fu tu ro . "A ssim , p re servar não é só g u ard ar um a coisa,
um objeto, um a con strução, um m io lo h istó rico de um a g ran d e cid ad e velha. Preservar
ta m b é m é gravar d e p o im e n to s, sons, m úsicas p o p u lare s e eru d itas. P rese rvar é m a n te r vivos,
m esm o que alterados, usos e co stu m e s populares. É fazer, ta m b é m , le v a n ta m e n to s de
q u a lq u e r natureza, de sítios variados, de cidades, de bairros, de q u a rte irõ e s significativos,
d e n tro do co n te xto urbano. É fa ze r le v a n ta m e n to s de co n struçõe s, e sp e cia lm e n te aquelas
sa b id a m e n te co n d en ad as ao d e sa p a re c im e n to d e c o rre n te da esp e cu lação im o b iliá ria "
(LEM OS, 2010, p. 29).

A p reservação ta m b é m se ju stifica pelo in tere sse eco n ô m ico . O tu ris m o tem m o v im e n ta d o


qu an tia s cada vez m aiore s através da e xp lo ração do p a trim ô n io n atural e cu ltu ral. A lém disso,
d ife re n te s gru pos sociais te m na p re servação do p a trim ô n io in teresses diversos. Os
en g e n h e iro s e a rq u ite to s vêm na co n se rvaçã o do p a trim ô n io a rq u ite tô n ic o a co n stitu içã o de
um acervo para fin s d idáticos, que irão e lu cid a r té cn icas e m ateria is em p re g ad o s na h istó ria da
con stru ção. A rtista s e a rq u ite to s resguardam ainda p elo d e le ite e a fru içã o esté tica da
sociedade. Os h isto ria d o re s e n co n tra m no p a trim ô n io um d o c u m e n to e te ste m u n h o q ue traz
in fo rm a çõ e s sob re o passado h istó rico . Ecologistas e a m b ie n ta lista s d e fe n d e m o reu so e o
p ro lo n g a m e n to da vida útil das co n stru çõ e s co m o fo rm a de p re servação do m eio a m b ie n te e
dos recu rsos naturais. P rese rvar e re u tiliza r os esp aços tê m sid o a te n d ê n c ia da a rq u ite tu ra
para a atu alid ad e, pois há po u co espaço d isp o n íve l para novas co n stru çõ e s e m uitas
e d ificaçõ es su b u tiliza d as ou a b an d o n a d a s q ue p od e m ser re adeq u ada s as n ecessid ad es da
vida m odern a.

M a s quem d e te rm in a o que é p a trim ô n io cu ltu ra l? Segundo Fonseca (2005, p. 22) "tra ta -se de
um a po lítica co n d u zid a por in telectu a is, q ue re q u e r um grau de esp e cialização em
d e te rm in a d a s áreas do saber (arte, história, arq u ite tu ra , arq u e olog ia, an tro p o lo g ia )" que
através da seleção de bens cu ltu rais, co n stro e m um a re p rese n ta ção dos g rupos sociais,
levan d o em co n ta a p lu ra lid a d e cu ltural, na te n ta tiv a de p ro p o rc io n a r um s e n tim e n to com um
de p e rte n cim e n to e re fo rçar a id en tid ad e.
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Essa escolh a dos bens que serão p re servad o s é fe ita com base em valores. Foi o h is to ria d o r da
arte au stríaco A lo is Riegl (1858-1905) qu e d efin iu os p rin cip ais v a lo re s de um m o n u m e n to : o
v a lo r h istó rico e o artístico . D eles d erivaram -se o u tro s v a lo re s qu e ju stifica m a p re servação dos
bens: a rq u ite tô n ico , arq u e o ló g ico , natural, paisagístico, cu ltu ral, relig ioso, p a le o n to ló g ico , etc.

2. TEORIA E HISTÓRIA DA RESTAURAÇÃO NA EUROPA

2.1. Introdução

A o longo dos sécu lo s o co rreu um a evo lu ção e a lte ra çã o ta n to nos e stilo s a rq u ite tô n ic o s co m o
nos m étodo s, m atéria s e té cn ica s co n stru tiv a s q ue fu n d a m e n ta ra m novas co rre n te s artísticas
e arq u ite tô n ica s, in flu e n cia n d o d ire ta m e n te nas práticas de re cu p eraçã o e in te rv e n çã o em
co n stru çõ e s p ré-existen tes. Porém , a ideia de re sta u ro q ue se co n he cia an tigam en te, não era
ex a ta m e n te a m esm a que se te m hoje. Técn icas de re cu p e ra çã o eram em pregadas, m as não se
tin h a a p re o cu p ação em pre servar as ca ra cte rística s das co n stru çõ e s antigas e nem p ro m o ve r
a co n sciên cia histórica.

D u rante o sécu lo XVIII, na Europa, fo ram d ados os p rim e iro s passos para a in iciaçã o d e te o ria s
e a p ro fu n d a m e n to s sob re o re sta u ro v isa n d o a p reservação dos m o n u m e n to s históricos.
Johann W in ck e lm a n n (1717-1768) fo i um dos fu n d a d o re s da h istó ria da arte e da arq u e o lo g ia
clássica, in tro d u zin d o os co n ce ito s de e stilo s e cron olog ia. A té e n tão não havia d istin çã o e n tre
os p erío d o s e nem e n tre os im p é rio s e civilizaçõ e s antigas. As p rim eira s in terven çõ es
realizadas nos m o n u m e n to s arq u e o ló g ico s d e sco b e rto s nas escavações, p or vo lta d e 1700,
fo ra m a in serção de gram po s m etálico s para su ste n ta r as peças e a co n so lid a çã o das partes
com m antas e gram po s de fe rro . Porém so m e n te no sécu lo seg u in te é q ue surgiram duas
te o ria s: a A n ti-in te rv e n c io n ista ou P rese rvacio n ista e a Intervencionista, com vários
d e sd o b ra m e n to s para a restauração.

2.2. Restauro Inglês - John Ruskin

John Ruskin (Londres, 8 de fe v e re iro de 1819 - 20 de


ja n e iro de 1900) fo i escritor, crítico de arte e crític o social
britân ico . Foi ta m b é m poeta e desen hista. Os ensaios de
Ruskin sob re arte e a rq u ite tu ra fo ra m e x tre m a m e n te
in flu e n te s na era V ito ria n a (final do sé cu lo XVIII até
m ead o s do sécu lo XIX), re p e rc u tin d o até hoje. O
p e n sa m e n to de Ruskin v in cu la -se ao R om antism o,
m o v im e n to lite rá rio e id eo ló g ico, q ue dá ên fase à
s e n sib ilid a d e subjetiva e e m o tiv a em c o n tra p o n to com a
razão. E steticam en te, Ruskin ap re sen ta-se co m o co n trá rio
ao C lassicism o e a d m ira d o r do M e d ie v a lism o .

John Ruskin d e fe n d e o a n ti-in te rve n cio n ism o , isto q u er


dizer, um a te o ria ruin ística. Segundo ele, o m o n u m e n to
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devia p e rm a n e ce r in to ca d o co m o no p ro je to original do a rq u ite to , e/o u das gerações


passadas, ju n ta m e n te com as m arcas do te m p o , nele im pressas. C on sid erava a restau ração
co m o a d e stru içã o m ais co m p le ta q ue p od e ser fe ita em um a ed ificação, co m o uma
falsifica ção . Para ele o d e stin o de to d o m o n u m e n to h istó rico é a ruína e a desagregação
progressiva. Para Ruskin a restauração era um a co n se q u ên cia da negligência hum ana.

A R evolu ção Industrial co m eço u na Inglaterra em m ead o s do sécu lo XVIII. Foi ca racterizad a
pela passagem da m an u fatu ra à in d ú stria m ecânica, p o ssib ilita n d o a ascensão da burguesia às
esferas de poder, p ro d u zin d o m u dan ças p o líticas e e co n ô m ica s qu e m o d ifica ram a a titu d e dos
co le c io n a d o re s de arte, re su ltan d o na en tra d a dos g ru p os m en os fa v o re c id o s no m u n d o da
cultura. C e ntra da no pro gresso cie n tífic o e na in tro d u çã o de novos m ateriais, a R evolução
Industrial fa c ilito u o e n riq u e c im e n to cu ltu ra l de to d a s as classes sociais e propagou p rin cíp io s
cie n tífic o s e cu ltu rais graças a novas té cn ica s de im pressão , a u m e n ta n d o o in tere sse das
d ife re n te s classes sociais pela educação. Nessa fase surgiram novas ciên cias com cam p o s de
ação cla ra m e n te d e fin id o s e com m é to d o s p ró p rio s de tra b a lh o . Entre essas novas ciências,
nasceu - advin da do a p rim o ra m e n to das té cn icas e dos n ovos m ateria is - a co n se rvaçã o de
bens cu ltu ra is e a co n se rvaçã o preven tiva.

John Ruskin, v iv e n c ia n d o esse perío d o , fo i um dos p rin cip ais p erson ag en s para a co n stru çã o do
p en sa m e n to sob re con servação. R ep re sen tan te da re sta u raçã o com o p en sam e n to ro m â ntico,
d efen d ia a in to ca b ilid a d e do m o n u m e n to degradad o. Era p a rtid á rio da a u te n ticid a d e histórica,
a c re d ita n d o que os m o n u m e n to s m ed ie vais (arq u ite tu ra gótica), re p re se n ta tiv o s do antigo,
d eve riam ser m a n tid o s sem m o d ifica çã o algum a. Tinha a d e stru içã o co m o um a ideia em si
m esm a bela, d e fe n d e n d o "a m o rte da ed ificaçã o q u an d o chegar o m o m e n to " e acre d ita n d o
que "o ato de re sta u rar é tã o im p ossíve l q u a n to o ato de ressu scita r os m o rto s."

In d ire tam en te deu os p rim e iro s passos na d ire ção da co n se rvaçã o p reven tiva, ao d e fe n d e r que
as ed ifica çõ e s a n ce strais d eve riam ser tra ta d a s com m u ito cu id a d o e re sp eito, dessa m aneira
to rn a n d o -a s m ais d u ráveis ao p riv ile g ia r a in teg rid ad e e a u te n ticid a d e física do bem e ao
a te n ta r para o fa to de que a v igilân cia a um v e lh o ed ifício , p or m eio dos m e lh o re s cu id ad o s
possíveis, o salvaria de q u a lq u e r causa de degrad ação. Em sua te o ria previa, no en tan to , a
co n so lid a çã o do prédio, p or m eio da co lo ca ção de re forços e escoras e a a d ap tação co n tro la d a
do p ré d io para as necessidades da vida m odern a.

O cu lto às ruínas se e xp rim e no e n ca n to do m isté rio do q ue te ria m sido e a d ú vid a do q ue te ria


se p erdido . As ruínas se to rn a m su b lim e s a p a rtir dos estragos, das rachaduras, da veg etação
cresce n te e das cores que o pro cesso de e n v e lh e cim e n to co n fe re aos m ateria is da co n strução.
A ruína é o te s te m u n h o da idade, do e n v e lh e cim e n to e da m em ória, p o d e n d o nela estar
expressa a essência do m on u m e n to .

As sete lâm padas da a rq u ite tu ra e a lâm p ad a da m em ó ria

As sete lâm padas da a rq u ite tu ra fo i o livro escrito p or Ruskin, em 1849, o n d e ele ap resen ta
sete v alore s que ilu m in am a a rq u ite tu ra . São eles: o S acrifício, a V e rd ad e , a Potência, a Beleza,
a Vida, a M e m ó ria e a O b e d iên cia. A m ais re levan te para a A rq u ite tu ra é a L Â M P A D A DA
M E M Ó R IA . Ruskin in tro d u z o d iscu rso sob re a lâm pada da m e m ó ria a firm a n d o qu e p o d e m o s
so b re v iv e r sem a a rq u ite tu ra , m as que esta é essencial para nossa m em ória . "Q ua ntas páginas
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de registros d u vid o so s não p o d e ría m o s nós dispen sar, em tro ca de algum as pedras e m p ilh ad as
um as sob re as o u tra s" (RUSKIN, 2008, p. 54).

P rim e ira m e n te ele apre sen ta a n ecessid ad e de se co n fe rir um a d im en são h istó rica à
a rq u ite tu ra de "hoje", c o n te m p la n d o algum as p re o cu p a çõ e s para com o seu cu id ad o , para que
as fu tu ra s g eraçõ es possam u sufru ir delas (e d ificaçõ es re sid e n ciais e públicas). Já q u a n to as
e d ificaçõ es antigas, ele descre ve co m o pro teg ê-las m o stra n d o q ue d evem ser cu id ad as co m o
as m ais preciosas heranças da h u m a nid ade . Para Ruskin o re sta u ro é co n sid e ra d o a p io r das
destru ições. Justifica essa o p in iã o a firm a n d o qu e é im p ossíve l re co n stru ir o q ue fo i perdido.
No m áxim o o qu e a co n te ce ria é um a im ita ção do qu e existia e isso é um fa lso h istó rico , pois o
e sp írito da o bra nunca será o m esm o. P o d erão v ir o u tro s e sp íritos, m as o q ue já se foi, nunca
retorn ará . A o bra antiga possui um q u ê de vita lid a d e , de m iste rio so e sugestivo vestíg io do que
ela fo i e do que se perdeu. A suavida d e nas linhas m acias m o d e la d a s pelo v e n to e pela chuva
(pátina do tem p o ), qu e não p ode ser e n co n tra d a na b ru tal d ureza do novo (restauro). Segundo
ele, m e lh o r que o re sta u ro é a d e stru içã o do e d ifíc io e a u tiliza çã o de seus m ateria is em
q u a lq u e r o u tra coisa, m as não o eng an o de te n ta r repará-lo. Para ele, se to m a rm o s to d o o
cu id a d o com nossos m o n u m e n to s a n ecessid ade do re sta u ro deixará de existir.

T rech o e x tra íd o de sua obra:

"[...] No q u e co n ce rn e m as co n stru çõ e s d o m é stica s haverá sem p re um a força, co m o no


co ração dos hom ens, certa lim ita çã o a esta m an eira de ver; com certeza, eu não posso deixar
de crer que será um m au presságio para um p ovo p lan ejar suas casas para d u rarem so m e n te
um a geração. Há p o sitiv a m e n te em to d a casa do h om em de bem , um a gran d e sa n tid a d e que
não p oderá ser ren ovada em o u tra h ab itaçã o q ue se levan te sob re suas ruínas, cre io q ue os
h om en s de bem a sen tirão. T e n do v ivid o fe lizes e ven eráveis, se e n triste ce ria m ao fim de seus
dias d ian te da ideia de que sua m orad a te rre stre , q ue fo i te ste m u n h a de sua honra, de suas
alegrias e de seus so frim e n to s, que a m o ra d ia cheia de re co rd a çõ e s e cheia de o b je to s am ados
ex pressan do um zelo pró prio, deva ser d e m o lid a e n q u a n to esteja d escen d o ao seu tú m u lo ; se
e n triste c e ria d ian te da ideia de qu e nen h u m re sp eito lhe fo i reservado, n en h u m a afeição, que
seus filh o s não tira ra m nen hu m pro ve ito . A n te a ideia de q ue há um m o n u m e n to em tod a
igreja e qu e não haverá para eles nen h u m m o n u m e n to de afe ição nem em seu co raçõ es nem
em suas m oradas; que tu d o qu e am aram será d e p recia d o , e q ue o te to q ue os abrigaram e
co n so laram seriam co n ve rtid o s em poeira. C re io q ue um h om em de bem se abalará com esse
te m o r, e cre io ta m b é m que um bom filh o , q ue um d e sce n d e n te de coração, d everá te m e r
co m p o rta -se assim com a casa de seus pais. Se os h om en s v ive ram v e rd a d e ira m e n te co m o
hom ens, suas casas seriam te m p lo s, te m p lo s qu e apenas o u sa ría m o s to c a r e sen ti-lo s. Seria
um a estran ha fa lta de a fe ição e in g ratid ão a to d a m orad a patern a e tu d o o que fo i en sin ad o
pelo s pais, um a tra iç ã o a sua h onra ou um s e n tim e n to de q ue nossa vida fo i indigna de
p ro p o rc io n a r um a m orada sagrada para nossos filh o s, para qu e um hom em q u eira co n struí-la
para si m esm o p eran te sua cu rta existê n cia de vida. Estas lastim o sas co n stru çõ e s de cal e
argila, co n stru íd as p re cip ita d a m e n te ao re d o r de nossa capital - d éb e is cascalhos, v a cila n te s e
sem cim e n to , ch e ios de lascas de m ad eira e falsas pedras - som b rias o rd e n s o n d e p re sid e a
m aldade, iguais e sem re lação e n tre elas m esm as, as vejo não só co m o um d esg osto de uma
vida ultrajada, não só co m o a d o r de v e r a paisagem p ro fan ad a, com o p re sse n tim e n to p en oso
de vê-las n e g lig e n te m e n te em seu solo natal co n tra p o n d o -se as raízes da grandeza nacional; o
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p re sse n tim e n to qu e se propaga é o de um gran d e d e sc o n te n ta m e n to p op u lar, e o te m o r que


elas não re p rese n te m tu d o o que to d o hom em aspirava, co n sid e ra n d o um a esfera m ais
elevada e qu e não d esm e reça sua vida passada, q u an d o os h om en s co n stro e m na esp eran ça
de d e stru ir o que haviam c o n stru íd o e v ive r na esp eran ça de esq u e ce r os anos qu e se
passaram , na hora que o bem estar, a paz, a fa lta de re lig ião e o s e n tim e n to d e qu e sua
existência e um a p o p u lação lu tad o ra e o cu p ad a não se d istin g u irá da te n d a árabe e do b o ê m io
sem salu b rid ad e, m enos felizes, haverá m a io r d ificu ld a d e em escolh er, haverá sacrificad o a
lib e rd a d e sem lograr, a m udança, o repouso, a e sta b ilid a d e e o atra tiv o da sua varied a d e. Isto
não é um m al su p erficial d e sp ro v id o de con seq u ên cias; é am eaçad o r, co n tagio so, ch e io de
falhas e de desgraças. Q u a n d o os hom en s não am am sua H istória, q u an d o perd em o re sp eito
p or sua te rra será prova de que a te n h a m d e so n ra d o e q ue nunca te n h a m re co n h e cid o a
v e rd a d e un iversal de um cu lto cristão, negar a id o la tria dos pagãos. Nosso Deus é um Deus
fa m ilia r ta n to co m o é celestial. Há um a lta r em cada lar h u m ano . Q u e não se esqueçam
aqu eles que arrem essam a p re ssad am en te os p ed aços de suas casas ao longe. A m an eira qu e é
co n stru íd a as m ora dia s de um a nação, estáveis e m etód icas, não são ap enas para satisfazer
v isu a lm e n te ou ao o rg u lh o pessoal, im ag ina ção ou crítica. É um d e v e r m oral, re sp e ito e
p u n ição q u an to a negligência, d eve m o s c o n stru ir nossas casas com cu idado, paciência,
tern u ra , p erfeição, p re ve n d o um a longa d u ração co n fo rm e as tra n sfo rm a çõ e s o co rrid a s no
local. M a s isto não seria m e lh o r se, q u an d o possível, os h om en s co n stru íssem sua m oradia,
segundo suas co n diçõe s, no co m e ço de sua vida te rre stre , e não q u an d o chegasse ao seu
té rm in o ; se esta co n stru ção du rasse o qu e se espera de um a co n stru ção sólida, le m b ra n d o aos
seus filh o s seu passado, seriam assim re com p e n sa d os. Q u an d o co n stru ím o s dessa m aneira,
te re m o s um a a rq u ite tu ra verd a d e ira , in sp ira n d o to d a s as dem ais; desse m o d o haverá a
m esm a im p o rtâ n cia q u a lq u e r co n stru çã o p eq u ena ou g rande, re ve stin d o a p ob reza da
co n d ição te rre s tre com a dig n id a d e de se v ive r feliz. Este e sp írito valen te, n o b re e p leno
d o m ín io de si m esm o, esta im utá ve l co n sciên cia de um a vida satisfeita, é v e rd a d e ira m e n te , ao
m eu parecer, um a das prin cip ais fo n te s de g ran d e fo rça in te le ctu a l em to d o s os períodos; fo i
in co n te sta v e lm e n te a fo n te p rim itiv a da gran d e a rq u ite tu ra antiga na Itália e na França. Em
nossos dias m esm o, o in tere sse em um a das m ais belas cid ad es d ep e n d e, não da p ró pria
riqueza dos seus palácios, m as da d e co ra çã o re q u in tad a e tra ta d a com zelo de suas
habitações, d esde as m en ores, em to d a s as suas fases. Em Veneza, a ob ra a rq u ite tô n ic a m ais
tra b a lh a d a é um a p equ ena casa situad a no in ício do G ra n d e Canal: co n siste em um sobrado,
com trê s jan elas no p rim e iro piso e dois no segundo. M u ita s casas re q u in ta d a s situa m -se nos
estre ito s canais te n d o d im in u ta s d im en sões. Um a obra das m ais in tere ssa n te s da a rq u ite tu ra
do sécu lo X V no n o rte da Itália é um a casa p eq u e n a de um a rua estreita, atrás da praça do
m ercad o de Vicenza; data de 1.481 co n sistin d o senão em um sobrado; cada p av im e n to
co n te m trê s jan elas cada separadas p or um rica d eco ra ção de flo res, com balcõ es suspensos, o
do ce n tro p o r um a águia com as asa ab e rtas e os balcõ es laterais ta m b é m d e co ra d o s com
m o tivo s sem e lh an te s. A ideia de que um a casa deva ser gran d e para e sta r bem co n stru íd a, é
c o m p le ta m e n te m odern a; é s e m e lh a n te àqu ela que to d a p in tu ra não será h istó rica se as
d im en sõ e s da tela não p e rm itir que os person ag en s sejam m aiore s que o natural. Eu quisera
v er nossas hab itaçõ es co m un s co n stru íd a s s o lid a m e n te e tã o bonitas, tã o ricas e cheias de
e n ca n to q u an to possível p or d e n tro e p or fora. V o u d ize r m ais ad ia n te em qu e m ed id a p od e se
assem e lh a r seu e stilo e co m o d id a d e dos seus h ósp ed es e n a tu ra lm e n te p o d e n d o exp ressar
sua histó ria. O d ire ito sobre a casa é, a m eu ver, p ro p rie d a d e de seu p rim e iro co n stru to r; seus
filh o s devem respeitá-lo. Seria co n v e n ie n te qu e em ce rto s lugares se colocassem p edras lisas
o n d e se pudessem g ravar um re su m o de sua vida e de sua exp eriência; desse m o d o a casa
serviria de m em o ria l, d ifu n d in d o este h áb ito a n te rio rm e n te u tiliza d o e n tre h ab itan tes da Suíça
9

e A lem an h a, de ag ra d ecer a Deus a o p o rtu n id a d e de c o n stru ir e p ossu ir um agradável lugar de


repouso, cuja in scrição o p o rtu n a m e n te u sarem os para co n clu ir. Há um a fach ad a de uma
p equ e na casa re ce n te m e n te co n stru íd a em m eio aos verd e s cam p o s nas en costas do povoad o
de G rin d e w a ld no in ício da prim avera: C o n fian te s e de coração, Joh an n es M o o te r y M a ria Rubi
co n stru íra m esta casa. Q ue Deus b e n d ito nos proteja co n tra to d o in fo rtú n io ou perigo, e nos
p e rm ita tra z e r pro sp e rid ad e , na viagem através dos in fo rtú n io s dos tem p o s, até o paraíso
ce leste o n d e h abitam os santos; Deus irá re co m p e n sá -lo s com sua co roa de paz p or to d a a
e te rn id ad e. Nos e d ifício s p ú b lico s a in te n çã o h istó rica devia ser m ais defin id a. U m a das
van tagen s da a rq u ite tu ra gótica - m e sirvo aqui da palavra gótica na sua acep ção geral, co m o
opo sta a clássica - é de a d m itir um a riqu eza de d e ta lh e s sem lim ites. A m in ú cia e a
m u ltip licid a d e de seus d eco ra d o s escu ltu ra is p e rm ite m expressar, sim b ó lica ou lite ra lm e n te , o
que é digno de ser co n h e cid o dos se n tim e n to s ou dos g randes fe ito s nacionais. Se necessitará,
sem dúvida, um m a io r n ú m e ro de d eco ra d o s qu e os ca ren te s de um m a io r re fin am en to;
m esm o nos p e río d o s m ais reflexivos, um a boa p arte fico u ab an d o n a da aos ca p rich o s da
im aginação ou co n siste em sim p le s re p etiçã o de arm as e sím b o lo s nacionais. Chegou a parar
e q u iv o c a d a m e n te na sim ples o rn a m e n ta çã o das su p erfícies, re n u n cia n d o a fo rça e o p rivilégio
da v a rie d a d e do e sp írito da a rq u ite tu ra gótica; p rin cip a lm e n te em seus e le m e n to s
im p o rtan tes, ca p ité is de co lun a e relevos, co rd õ e s e bem e n te n d id o , to d a classe de baixo
relevo. M a s v ale um tra b a lh o gro sse iro qu e narre um a h istó ria ou re co rd e um fa to q ue uma
obra p or m ais rica qu e seja sem significad o. N ossos g randes m o n u m e n to s cívico s não deveriam
te r so m e n te um e n fe ite sem um o b je tiv o cu ltu ral. A re p re se n ta çã o da h istó ria te m nesta
época m o d e rn a um a dificu ld ad e , qu e em b o ra parecesse in sign ifica nte , m as sem solução: a de
não ser im p o rtan te. Graças, porém , a um a im ag inação e a um a execução s u ficie n te m e n te
atrevida, graças a um g e n e ro so em p re g o sim b ó lico , estes ob stácu lo s seriam su p erad os, talvez
não a p o n to de p ro d u zir um a obra satisfatória , m as em ú ltim o caso co n ve rte r-se em um
e le m e n to expressivo e so b e rb o no co n ju n to a rq u ite tô n ico . T o m e m os, p or exem p lo, os ca p ité is
do palácio Ducal de Veneza. É co n fia d o a h istó ria p ro p ria m e n te dita suas p in tu ras in teriores,
m as cada um dos ca p ité is de suas arcadas é d ife re n te em re p rese n ta ção . A g ran d e pedra
an gular de u n ião na en tra da sim b o liza a ju stiça abstrata; so b re tu d o há um a escu ltu ra
re p re se n ta n d o o "Juízo de S alom ão", n otável p o r seu d e staq u e co m o e le m e n to d ecora tivo.
[...] " (RUSKIN, 2008, p. 56-65).

2.3. Restauro Francês - Eugène Em m anuel Viollet le Duc

Eugene Em m an u el V io lle t-le -D u c (Paris, 27 de Jan eiro de


1814 — Lausana, 17 de S ete m b ro de 1879) fo i um a rq u ite to
fra n cês ligado à a rq u ite tu ra re vivalista do sécu lo XIX e um
dos p rim e iro s te ó rico s da p re servação do p a trim ó n io
h istó rico . Estudou a rq u ite tu ra na Escola de Belas A rte s de
Paris, e d ese n vo lve u seu tra b a lh o so b re tu d o na área de
re sta u ro (catedrais e castelos m edievais) a p o sta n d o nas
novas té cn ica s de co n strução, e na im p o rtâ n cia da m áquina
(ele tricid ad e , o vap or, a ve lo cid a d e , o fe rro e o u tro s novos
m ateria is e técnicas).
10

D efen dia a re sta u raçã o in te rv e n cio n ista , p e rm itin d o ao a rq u ite to co m p le ta r e d ifício s através
de um a u n id a d e estilística, agregando p artes novas ainda q ue não te n h a m nunca ex istid o na
h istó ria da ed ificaçã o p o ssib ilita n d o sua co n clu sã o. Ele se ap o d e rava das ob ras e o que
pensava estar ruim , m odificava. V a lo riza va as ca racte rísticas estilísticas bu scan do a p erfeição
fo rm a l, m as d escon sid era va os asp e ctos h istó rico s. Em seus projetos, V io lle t - le - D u c
re co n stitu ía as partes desa p arecid as p or m eio d aq u elas ainda existen tes. Os a cab am en to s
eram tal qual o p ro je to o rigin al e não era possível p e rce b e r suas in terven ções. In terpretava a
a rq u ite tu ra de um a fo rm a bastan te racion alista.

C ro n o lo g ia de V io lle t-le -D u c

1836 - visita a Itália e estuda as ruínas gregas e rom anas

1837 - estuda os m o n u m e n to s fra ncese s

1840 - fo i en carre g ad o da re sta u raçã o da Saint C h ap e lle

1840 - encarre g ad o da re sta u raçã o da C apilla de V e ze lay

1842 - ganha o co n cu rso para re sta u ra r a N uestra Senora de Paris

1846 - n o m ea d o a rq u ite to da Bahia de San D ion ísio

1853 - n o m ea d o in s p e to r geral da D iocese da França

1863 - passa a ser p ro fesso r de h istó ria da arte e esté tica da A ca d e m ia de Belas A rtes

1863 - to rn a -se m e m b ro da A ca d e m ia de Belas A rte s da Bélgica

1870 - organ izou a legião dos en g e n h e iro s

A lgu m as o bras de re sta u raçã o realizadas

Santa M a ria M a g d a le n a de V e ze lay

C atedral de A m ie n s

A b ad ia de Saint Denis de Paris

C atedral de Lausana

C atedral de San Sernin de T o u lo u se

C atedral de N ossa Sen h ora de Paris

Saint C h ap e lle

San Luis de Poissy

San M ig u e l de Carcassonn e

P refeitu ra de San A n tô n io

P refeitu ra de N arbona

C astelo de P ierrefo n d s Livro História da Habitação


Humana, de Viollet-le-D uc, 1875,
Fo rtifica ção de C arcassonne
uma de suas m uitas obras.
C astelo de C ou cy e de R o q u etaillad e
11

Trecho extraído de sua obra:

"R estau rar um e d ifício não é m an tê-lo, re p ará-lo ou refazê-lo, é re sta b e le cê -lo em um estado
c o m p le to que p ode não te r e x istid o nunca em um dado m o m e n to . [...] D issem os q ue a palavra
e o assu n to são m o d e rn o s e, com efeito , n en h u m a civilização, nen h u m povo, em te m p o s
passados, te v e a in ten ção de fa ze r re sta u raçõ es co m o nós as c o m p re e n d e m o s hoje. [... ] Esse
program a, antes de m ais nada, a d m ite p o r p rin cíp io qu e cada e d ifíc io ou cada p arte de um
e d ifíc io devam ser re sta u rad os no e stilo q ue lhes perten ce, não so m e n te co m o aparên cia, m as
co m o estrutura. São pou cos os e d ifício s que, d u ra n te a Idade M é d ia so b re tu d o , foram
co n stru íd o s de um a só vez, ou, se assim o fo ram , q ue não te n h a m so frid o m o d ifica çõ e s
notáveis, seja através de acréscim os, tra n sfo rm a çõ e s ou m u d an ças parciais. É, p ortanto ,
essencial, antes de q u a lq u e r tra b a lh o de reparação, co n sta ta r e x a ta m e n te a idade e o ca ráte r
de cada parte, co m p o r um a esp é cie de re la tó rio re sp ald ad o p or d o c u m e n to s seguros, seja p or
n otas escritas, seja p or le v a n ta m e n to s gráficos. A d em ais, na França, cada p ro vín cia possui um
e stilo qu e lhe é pró prio, um a escola da qual é n ecessário co n h e ce r os p rin cíp io s e os m eios
práticos. [...] O a rq u ite to e n carre g ad o de um a re sta u raçã o deve, pois, co n h e ce r ex a ta m e n te
não so m e n te os tip o s re fe re n te s a cada p e río d o da arte, m as ta m b é m os e stilo s p erte n ce n te s a
cada escola. Em geral os m o n u m e n to s ou p artes de m o n u m e n to s de um a certa época e de
um a certa escola foram rep arad o s diversas vezes, e isso p or artistas q ue não p erten ciam à
p ro vín cia o n d e fo i co n stru íd o o ed ifício . Daí as d ificu ld a d e s co n sid e ráveis. Em se tra ta n d o de
re sta u rar as partes p rim itiv a s e as partes m o d ifica das, deve-se não levar em conta as ú ltim as e
re s ta b e le ce r a u n ida de de e stilo alterada, ou re p ro d u zir e x a ta m e n te o to d o com as
m o d ifica çõ e s p o ste rio re s? A n te s de m ais nada, antes de ser arq u e ólog o, o a rq u ite to
e n carre g ad o de um a re sta u raçã o d eve ser um co n stru to r hábil e e x p e rim e n ta d o , não so m e n te
do p o n to de vista geral, m as do p o n to de vista particular; isto é, deve co n h e ce r os
p ro ce d im e n to s de co n stru çã o a d m itid o s nas d ife re n te s épocas de nossa arte e nas diversas
escolas. Esses p ro ce d im e n to s de co n stru çã o tê m um v a lo r re lativo e nem to d o s são
ig u a lm e n te bons. A lguns tive ra m até m esm o de ser ab a n d o n a d o s p o rq u e eram d efeitu osos.
A ssim , p o r exem plo, tal e d ifíc io co n stru íd o no sécu lo XII, e q ue não tin h a calhas sob o
e sco a m e n to dos telh ad o s, te v e de ser re sta u rad o no sécu lo XIII e m u n id o de calhas com
esg o ta m e n to co m bin ad o . Estando to d o o co ro a m e n to em m au estado, é p reciso re fazê-lo por
in teiro. S u prim ir-se -ã o as calhas do sécu lo XIII para re sta b e le ce r a antiga corn ija do sécu lo XII,
da qual se e n co n tra ria m , adem ais, os e le m e n to s? C laro q ue não; deve-se re sta b e le c e r a cornija
com calha do sécu lo XIII, co n se rv a n d o -lh e a fo rm a dessa época, um a vez q ue não se p od e ria
e n c o n tra r um a cornija com calha do sécu lo XII. O u tro exem plo: as ab ó bad as de um a nave do
sécu lo XII, p or co n se q u ên cia de um acid e n te q u alqu er, fo ra m p a rcia lm e n te d estru íd a s e
re feitas m ais tarde, não com sua fo rm a p rim eira , m as de aco rd o com o m o d o e n tão ad m itid o .
Essas ú ltim a s abóbadas, p or sua vez, am eaçam ruir; é p re ciso recon stru í-las. É preciso
re sta b elecê-las em sua fo rm a po sterio r, ou re sta b e le ce r as ab ó b a d as p rim itiv a s? Trata-se de
co n sid e ra r qu e a re sta u raçã o p o s te rio r fo i fe ita sem crítica, seg u in d o o m é to d o ap lica d o até
nosso sécu lo [... ] essas abóbadas, de ca rá te r a lh e io às p rim e ira s e q ue d evem ser
re con stru ídas, são n o ta v e lm e n te belas. P o ssib ilitara m a criação de jan elas g u arn e cid as de
belo s vitrais, e fo ra m co m bin ad a s de m od o a se o rd e n a r com to d o um sistem a de co n stru ção
e x te rio r de gran de valor. C om o ocorreu , p or exem p lo, na N o tre-D a m e de Paris no sécu lo XIV.
A o s u b stitu ir as suas partes, d e stru ire m o s esse tra ç o tã o in tere ssa n te de um p ro je to qu e não
fo i in te ira m e n te executado, m as qu e d e n o ta as te n d ê n cia s de um a e scola? Não; nós os
re p ro d u zire m o s em sua fo rm a m odifica d a, pois essas m o d ifica çõ e s p od em escla re ce r um
12

p o n to da h istó ria da arte. Em um e d ifíc io do sécu lo XIII, cujo e sco a m e n to das águas se fazia
p or lacrim ais, co m o na catedral de Chartres, p or exem p lo, acho u -se q ue se devia, para m e lh o r
regu lar esse e sco am e n to , acrescen tar, d u ra n te o sécu lo XV, gárgulas aos canais. Essas gárgulas
estão em m au estado, é necessário su b stitu í-las. C o lo ca re m o s em seu lugar, sob o p re te x to de
unidade, gárgulas do sécu lo XIII? Não; pois d e stru iría m o s assim os tra ço s de um a d isp osição
p rim itiv a in tere ssa nte . Insistirem os, ao co n trá rio , na re sta u raçã o po sterio r, m a n te n d o seu
estilo. [...] M as, se fo r o caso de re fazer em estad o novo p o rçõ e s do m o n u m e n to das q uais não
resta tra ço algum , seja p or n ecessid ad es de co n strução, seja para co m p le ta r um a obra
m u tilada, e n tão o a rq u ite to en carre g ad o de um a re sta u raçã o deve im b u ir-se bem do estilo
p ró p rio ao m o n u m e n to cuja re sta u raçã o lhe é con fiad a. D eve-se p o rta n to p ensar duas vezes
q u an d o se tra ta de co m p le ta r partes fa lta n te s de um e d ifíc io da Idade M é d ia e estar b astante
im b u íd o da escala ad m itid a p elo co n stru to r p rim itiv o . Nas restau raçõ es, há um a co n d ição
d o m in a n te que se deve te r sem p re em m ente. É a de s u b stitu ir to d a p arte re tirad a so m e n te
p or m ateria is m e lh o re s e p or m eio s m ais eficazes ou m ais p erfeitos. É necessário q u e o ed ifício
re sta u rad o ten h a no fu tu ro , em co n se q u ê n cia da o p e ra çã o à qual fo i su b m e tid o , um a fru içã o
m ais longa do que a já deco rrid a. Não se p od e negar qu e to d o tra b a lh o de re sta u raçã o é um a
prova bastan te dura para um a con stru ção. Os an daim es, os esteios, aq u ilo que é necessário
arrancar, as ex traçõ es parciais da alven aria, causam na obra ab alo s q ue às vezes d e te rm in a ra m
a cide n tes m u ito graves. É, pois, p ru d e n te co n sid e ra r o a p e rfe iç o a m e n to s no sistem a
estru tu ral. Inútil d ize r que a escolh a dos m ateria is in flui em gran d e p arte nos tra b a lh o s de
restau ração. M u ito s e d ifício s so m e n te estão am eaçad o s de ru ir pela fra g ilid a d e ou q u a lid a d e
m e d ío c re dos m ateria is em pregados. Toda pedra a ser re tirad a deve, pois, ser su b stitu íd a por
um a pedra de q u a lid a d e su p erio r. [... ] Se o a rq u ite to e n carre g ad o da re sta u raçã o de um
e d ifíc io d eve co n h e ce r as form a s, os e stilos p e rte n ce n te s a esse e d ifíc io e à escola da qual
p ro ve io, d eve ainda m ais, se fo r possível, co n h e ce r sua estru tu ra, sua an atom ia, seu
te m p e ra m e n to , pois antes de tu d o é n ecessário qu e ele o faça viver. [... ] Os tra b a lh o s de
re sta u raçã o que, do p o n to de vista sério, prático, p erten ce m a nosso te m p o . Eles fo rça ra m os
a rq u ite to s a e ste n d e r seus co n h e cim e n to s, a p esq u isar m eios enérgicos, ex p ed itos, seguros; a
d e se n vo lv e r re laçõ es m ais dire ta s com os o p e rá rio s da con stru ção. [...] P ro v e n ie n te das m ãos
do a rq u ite to , o e d ifíc io não d eve ser m en os cô m o d o do qu e era antes da restauração.
A d em ais, o m e lh o r m eio para co n se rv ar um e d ifíc io é e n c o n tra r para ele um a destin açã o, é
satisfazer tã o bem to d a s as necessidad es qu e exige essa d estin ação, q ue não haja m o d o de
fa ze r m o d ifica çõ e s. [...] Q u e um a rq u ite to se recuse a fa ze r com qu e tu b o s de gás passem
d e n tro de um a igreja a fim de e v ita r m u tila çõ e s e acide n tes é co m p re e n sív e l, pois é possível
ilu m in a r o e d ifíc io com o u tro s m eios; m as que ele não co n sin ta na in stalação de um ca lo rífe ro ,
p or exem plo, sob o p re te xto de que a Idade M é d ia não havia a d o ta d o esse sistem a de
a q u e c im e n to nos ed ifício s religiosos, q ue ele o b rig u e assim os fié is a se resfriar, isso cai no
ridículo. [... ] A fo to g ra fia , que a cada dia assu m e um papel m ais sério nos estu d os cien tíficos,
parece v ir a p ro p ó sito para aju dar nesse gran d e tra b a lh o de re sta u raçã o dos e d ifício s antigos
[... ] ela ap re sen ta essa vantagem de fo rn e c e r re la tó rio s irre fu tá v e is e d o c u m e n to s qu e podem
ser co n su ltad o s sem cessar, m esm o q u an d o as re sta u raçõ es m ascaram os tra ço s d eixa d os pela
ruína. [... ] Q u a n d o se trata, p o r exem p lo, de co m p le ta r um e d ifíc io em p arte arru in ad o ; é
n ecessário, antes de com eçar, tu d o buscar, tu d o exam inar, re u n ir os m en o res fra g m e n to s
te n d o o cu id a d o de co n sta ta r o p o n to o n d e fo ra m d escob e rtos, e so m e n te in icia r a obra
q u an d o to d o s esses re m an esce n te s tiv e re m e n co n tra d o lo g ica m e n te sua d estin açã o e seu
lugar, co m o os pedaços de um jo g o de p aciê n cia" (VIOLLET-LE-DUC, 2000, p. 27 a 70)
13

2.4. Restauro Italiano - Cam illo Boito, Gustavo Giovannoni e Cesare Brandi

C am ilo Boito

C am ilo Boito (1836-1914) fo i um a rq u ite to , e sc rito r e h isto ria d o r


italian o, v o lta d o à crítica de arte e te o ria do restauro. Filho de um
p in to r italian o, S ilvestro Boito, e da con dessa p olon e sa G iu sep p in a
Radolinska, ele estu d ou a rq u ite tu ra na A cca d e m ia di Belle A rti di
V e n ezia (Escola de Belas Artes) em Veneza, d e d ican d o -se ao estu d o
da arte m ed ie val na Itália e sen d o in flu e n cia d o p or John Ruskin. Em
1860, ele fo i n o m e a d o p ro fe sso r na A ca d e m ia de Belas A rte s de
Brera, em M ilã o . D urante seu exte n sivo tra b a lh o re sta u ran d o
p ré d io s antigos, ele te n to u h a rm o n iza r os co n flito s de visão de
re sta u ro na a rq u ite tu ra de seus co n te m p o râ n e o s, p rin cip a lm e n te
de Eugene V io lle t-le -D u c e John Ruskin. No fin a l do sécu lo XIX,
re fo rm u lo u as práticas de re sta u raçã o cria n d o um a v e rte n te classificad a co m o "re sta u ro
filo ló g ic o " (ênfase ao v a lo r d o cu m e n ta l da obra, d estacan d o o v a lo r p rim o rd ia l das e d ificaçõ es
e n q u a n to te ste m u n h o e d o c u m e n to histó rico ). P odem o s d ize r q ue B oito co n trib u iu de fo rm a
d ire ta para a fo rm u la ç ã o dos p rin cíp io s m o d e rn o s de restau ração, na m ed id a em q ue d efen d ia
o re sp e ito à m atéria o rigin al da p ré-existên cia, a re ve rsib ilid a d e e d istin çã o das in terven çõ es, o
in tere sse p o r aspe ctos co n se rv a tivo s e de m ín im a in terven ção, a m a n u te n çã o dos acréscim o s
de épo cas passadas e n te n d e n d o -a s co m o p arte da h istó ria da ed ificaçã o, assim com o, buscou
h a rm o n iza r as a rq u ite tu ra s do passado e do p re sen te a p a rtir da d istin ção de sua
m a teria lid a d e. Essa re co n cilia çã o das ideias fo i ap re sen tad a na III C o n fe rê n cia de A rq u ite to s e
En genh eiros Civis de Rom a, em 1883.

Prin cíp io s ap re se n ta d o s por B oito na C o n fe rê n cia de 1883

1. Ênfase no v a lo r d o cu m e n ta l dos m on u m e n tos;

2. Evitar acréscim o s e ren ovações, porém , se n ecessário, te r ca rá te r d ive rso do o rig in al sem
d e sto a r d o conjunto;

3. U tiliza r m ateria l d ife re n cia d o do o rig in al para re alizar c o m p le m e n to s de p artes


dete riora das;

4. O bras de co n so lid a çã o d everiam lim ita r-se ao e s trita m e n te necessário;

5. R espeitar as várias fases do m o n u m e n to , sendo re tira d o algo novo so m e n te se n o tó rio a


in fe rio rid a d e em re lação ao conjunto;

6. R egistrar as obras ta n to com foto g rafias, co m o d o cu m e n ta lm e n te ;

7. C o lo ca r um a láp id e a p o n ta n d o a data e as obras de re sta u ro qu e foram realizadas.


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Trecho extraído de sua obra:

"O s m o n u m e n to s d everiam ser co n so lid a d o s antes de ser rep arad o s e m e lh o r rep arad o s qu e
re sta u rad os".

"A arte do re stau rador, v o lto a dizê-lo, é co m o a do cirurgião. Seria m e lh o r que o frágil co rp o
h u m a n o não precisasse dos a u xílios cirúrgicos; m as nem to d o s creem q ue seja m e lh o r ver
m o rre r o p are n te ou o am igo do qu e fa ze r com q ue lhes seja a m p u ta d o um d e d o ou qu e usem
um a pern a de pau. Disse no p rin cíp io q ue a arte de re sta u rar é re ce n te e q ue pod ia e n c o n tra r
as suas te o ria s so m e n te em um a socie d a d e q ue não tive sse nenhum e stilo seu na arte do Belo,
m as q u e fo sse capaz de co m p re e n d ê -lo s e, q u an d o o p o rtu n o , de am á-los tod os. En con tram o-
nos nesse caso há po u co m ais de m eio século; mas, ap esar de o te m p o ser breve, até m esm o
os crité rio s sob re o re sta u rar se tra n sfo rm a ra m , p rin cip a lm e n te nesses ú ltim o s anos. Nem eu,
senhores, con fesso-o, sin to -m e livre de algum a co n trad ição . Existe um a escola, já velha, mas
não m orta, e um a nova. O gran de leg islad o r da velh a fo i V io lle t-le -D u c, q ue com seus estu d os
h istó rico s e crítico s sob re a arte da Idade M é d ia na França fez p ro g re d ir a h istó ria e a crítica
ta m b é m na Itália. Foi ta m b é m a rq u ite to , m as de v a lo r co n trastan te, e re stau rad or, até há
po u co ele va d o aos céus por to d o s, agora a fu n d ad o no in fe rn o p o r m u ito s pelas suas m esm as
obras na antiga cid ad e de Carcassonne, no ca ste lo de P ie rre fo n d s e em o u tro s insignes
m on u m e n to s. Eis a sua te o ria , da qual d erivo u sua prática: "R estau rar um e d ifício q u e r d izer
re in te g rá-lo em um estad o co m p le to , q ue p od e não te r ex istid o nunca em um d ad o te m p o "
C om o fazer? C o lo ca m o -n o s no lugar do a rq u ite to p rim itiv o e a d iv in h a m o s a q u ilo q ue ele teria
fe ito se os a co n te c im e n to s o tive ssem p e rm itid o fin a liza r a con stru ção. Essa te o ria é cheia de
perigos. Com ela não existe d o u trin a , não existe en g e n ho qu e sejam capazes de nos salvar dos
a rbítrio s: e o a rb ítrio é um a m en tira, um a fa lsifica çã o do antigo, um a arm a d ilh a posta aos
v in d o u ro s. Q u a n to m ais bem fo r con d u zid a a restau ração, m ais a m en tira ven ce in sid iosa e o
engano, triu n fa n te . Q u e d iriam os sen h ores de um a n tiq u á rio que, te n d o d esco b e rto , digam os,
um novo m a n u scrito de D ante ou de Petrarca, in co m p le to e em gran d e p arte ilegível, se
p ro pu se sse a co m ple tar, de sua cabeça, astu tam en te, sab iam en te , as lacunas, de m o d o que
não fosse m ais possível d istin g u ir o o rig in al dos acréscim o s? Não m ald iriam a h ab ilid a d e
su p rem a desse fa lsá rio ? E até m esm o poucos p eríod os, p ou cos v o cá b u lo s in te rp o la d o s em um
te x to não lhes ench em a alm a de té d io e o cé re b ro de d ú vid as? [...] m as e agora? N ão p ode ria
alguém in te rro m p e r-m e , gritan do: "e n tre o d ize r e o o p e ra r existe em m eio ao m ar?" Assim ,
sob re as re sta u raçõ es a rq u ite tô n ica s, concluo: I. É necessário fa ze r o im possível, é n ecessário
fa ze r m ilagres para co n se rv ar no m o n u m e n to o seu v e lh o asp ecto a rtístico e pitoresco; II. É
n ecessário qu e os co m p le ta m e n to s, se in d isp en sáveis, e as adições, se não podem ser
evitadas, d e m o n stre m não ser o bras antigas, m as obras de h oje" (BOITO, 2002, p. 57 a 63)

G u stavo G io va n n o n i

G u stavo G io va n n o n i (Rom a, 1 de Jan eiro de 1873 - Rom a, 15 de


de Ju lh o de 1947) fo i um a rq u ite to e en g e n h e iro italiano.
S egu idor de C am illo Boito, im e d ia ta m e n te d ep o is de se fo rm a r
em en g en haria civil e ser p re m ia d o em 1895 na U n iv e rsid a d e de
Rom a, co n ce n tro u suas a tiv id a d es no ca m p o p ro fissio n a l e
acadêm ico . D ed icou -se ao estu d o da h istó ria e da a rte com
p a rtic u la r in tere sse na h istó ria da arq u ite tu ra . G io va n n o n i
deixou na Itália um a m arca ind elével: sob re o solo da pen ín su la
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através de seus m u ito s "p lan os d ire to re s " (Rom a, Bari, Bergam e, Ferrare), e ta m b é m sob re a
legislação italian a do p a trim ô n io e sob re o curso p o liv a le n te das escolas de a rq u ite tu ra . Na
Europa, suas ideias m arcaram a C o n fe rê n cia de A te n a s (1931) e a Carta de V en eza (1964). Suas
te o ria s estão na o bra Vecchie città ed edilizia nuova (Cidade velh a e nova habitação), de 1931.

T rech o e x tra íd o de sua o b r a :

"Existem , duas te n d ê n c ia s e dois p ro ce d im e n to s q ue se batem de fre n te q u an d o se tra ta de


re n o v a r um v e lh o ce n tro e de d e te rm in a r as re laçõ es e n tre o a m b ie n te an tig o e o
d e se n v o lv im e n to novo: para um, q u an d o se excluem as ob ras de im p o rtâ n cia sin gu lar e os
m o n u m e n to s a lta m e n te v en erados, to d o s os restos do passado não re p rese n ta m m ais que
"o b stá c u lo s" na nova siste m atização ed ilícia (e d ificaçõ es verticais); para o ou tro , são, ao
co n trá rio , "p o n to s de re fe rê n cia " im utáveis. [... ] P arece que, de um lado, estão as exigências
positivas do d e se n v o lv im e n to m o d e rn o e do m o d e rn o m o d o de viver, do ou tro , o re sp eito
pelas m em ó ria s h istó ricas e artísticas, pelas co n d içõ e s de a m b ie n te nas quais a v elh a cid ad e se
d e se n vo lv e u " (G IO VANN O NI, 2013, p. 94).

"O s in o vad o re s dizem : as cidades não são m useus ou arq u ivos, m as são fe ita s para serem
vividas da m e lh o r fo rm a possível e nós não p o d e m o s c o m p ro m e te r o d e se n v o lv im e n to delas e
parar o ca m in h o da civilização, fe ch a n d o a vida nova d e n tro de ruas estre itas e tristes, apenas
p or um e q u iv o ca d o re sp e ito fe tic h ista em re lação ao passado. A s nossas exigências são
c o m p le m e n te diversas d aq u ela s dos nossos antepassados; e, a essas, nós não p o d e m o s m ais
nos ad a p ta r — da m esm a fo rm a qu e não sab e ríam o s m ais usar os seus vestid os, pitorescos,
m as in côm od o s. Ar, luz, co m o d id a d e , higiene, isso nós q u e re m o s! As h ab itaçõ es, sejam
cô m o d a s e abertas, as ruas, sejam am plas, úteis, de ráp id o p ercurso; e se, em seu traçad o,
e n co n tram -se e d ifício s im p o rta n te s e ob ras de arte que não possam ser re m ovid a s (a não ser
que não se tra te de m o n u m e n to s excepcionais), não há o u tra coisa a fa ze r além de d em o li-los,
e, no m áxim o, se h o u v e r te m p o , co n se rv a r a lem b ra n ça d ele s p o r m eio de d o cu m e n to s
gráficos. R espondem os co nservadores: a vida não p o d e ser m ovid a so m e n te p or um co n ce ito
m ateria l u tilitá rio , sem um ideal, sem um a busca de beleza; m en os ainda do qu e a vida de um
in d ivíd u o , p ode ser tal a vida co le tiva das cidades, que d eve co n te r em si os e le m e n to s de
ed u caçã o m oral e esté tica e que não p o d e p re scin d ir da tra d iç ã o na qual se en co n tra boa parte
da glória nacio nal. E a tra d iç ã o é o fe n d id a no dia em qu e se d e m o le ou se d etu rp a um
m o n u m e n to e se tira um te s te m u n h o de arte e de h istó ria ou qu e se tra n sfo rm a
v io le n ta m e n te a fisio n o m ia do a m b ie n te qu e os sécu lo s p a u la tin a m e n te im p rim ira m a to d o
um b a irro " (G IO VANN O NI, 2013, p. 95 e 96).

"U m n ovo e le m e n to revela-se d esde e n tão de um a im p o rtâ n cia ca p ita l para as cid ad es e
in tro d u z um a re vo lu çã o em m atéria de o rd e n a m e n to : o e le m e n to cin e m á tic o (m ovim en to). Os
m eios rápido s de co m u n ica çã o m od e rn os, linhas de fe rro , linhas de bonde, au tom óveis,
p e rm ite m d esd e e n tão à vida citad in a este n d e r-se bem além de seus antigos lim ite s e às novas
co n stru çõ e s d escen tralizar-se sob re vastos espaços, d e se n vo lv e n d o -se s im u lta n e a m e n te em
su p e rfície e em altura [...]" (G IO VAN N O N I, 2013, p. 106).
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"In tro d u zir um sen tid o p ito re sco nas novas cidades, seja vale n d o -se das visu ais n atu rais e
m o n u m e n tais, seja estu d a n d o as linhas de circu la çã o e os esp aços a b e rto s não co m o linhas e
figu ras g eo m étrica s, m as co m o a g ru p am e n to s v ariad o s e vivos; lim ita r a ad o ção da reta para
as ruas aos casos necessários, m as p o ssiv e lm e n te d esvian d o-a e associan do-a a curvas, am plas
e breves, ou vale n d o -se de m o n u m e n to s e de jard in s para in te rro m p e r a c o n tin u id a d e
u n iform e; d e v o lv e r às praças prin cip ais o ca rá te r fe ch a d o d aqu elas dos nossos antepassados;
e, so b re tu d o , conservar, na co n cep ção geral e especial, o ca rá te r in d ivid u al da cid ad e ou do
bairro: estão aí os câ n o n es fu n d a m e n ta is da nova te n d ê n c ia [...]" (G IO VANN O NI, 2013, p. 108
e 109).

"Essas o b se rvaçõ es a p lica m -se aos novos b airros e n q u a n to org an ism o s sep arad os e peq u enas
cidades em si. M a s elas co n ce rn e m ta m b é m d ire ta m e n te ao p ro b le m a, fre q u e n te m e n te m u ito
grave, da re n ovação dos ce n tro s antigos e de sua a d ap tação às novas fu n çõ e s da vida
m oderna: com efeito , [...] o co m e ço de to d a um a nova fo rm a de o rd e n a m e n to a b re -lh e a
p o ssib ilid a d e de um d e se n v o lv im e n to racion al q ue p e rm ite e x clu ir a co n g estão e a co n fusão
[...]" (G IO VANN O NI, 2013, p. 112 e 113).

"N a m aio ria dos casos até aqui, a cid ad e antiga, d e s m e d id a m e n te au m en tad a pelo s novos
bairros, co n tin u o u a ser o n ú cleo ce n tral da cid ad e m od ern a, ela to rn o u -se o co ração da
aglom eração, ru m o a qual co n ve rge a circu laçã o e ela tran sfo rm a -se , d ificilm e n te , em bairro
de negó cios e de re sidê n cias de luxo. Esse d e se n v o lv im e n to ce n tríp e to , sem fre io nem direção,
pro vo cou um e n o rm e a u m e n to do v a lo r dos te rre n o s e das co n stru çõe s, d an d o lugar a ajustes
e ele va çõe s excessivas nos e d ifício s antigos e e n g e n d ran d o um a co n ce n tra çã o sem pre
cresce n te que apenas degrada a situação. Não se viu e n tão o u tro re m é d io q ue não sejam as
op e ra çõ e s cirúrgicas e a p icareta tra b a lh o u , quase sem p re sem sucesso, sacrifican d o
fre q u e n te m e n te o bras de arte e d e stru in d o a h arm on ia e o ca rá te r da cid ad e sem , e n tre ta n to
atin g ir os re su ltad o s que re spon dam aos seus o b je tiv o s" (G IO VANN O NI, 2013, p. 113).

"N ã o seria n ecessário p ô r o p ro ble m a assim ; pois q u e re r fa ze r p e n e tra r pela fo rça as form a s
m ais in ten sas da vida m o d e rn a em um o rg an ism o u rb an o co n ce b id o segu n d o c rité rio s antigos
faz re viv e r de m o d o irre m e d iá v e l o co n flito e n tre dois sistem as fu n d a m e n ta is d ife re n te s e não
resolvê-lo. Um a via in te ira m e n te o u tra deve ser seguida, e n q u a n to fo r possível. É n ecessário
d e sco n g e stio n a r o n ú cleo u rb an o antigo im p e d in d o qu e a nova u rb an iza ção não ven h a im p or-
lhe um a fu n çã o para a qual ele é to ta lm e n te inapto; co lo cá -lo fo ra dos g randes eixos de
tráfe go, re d u zi-lo em um m o d e sto b a irro m isto, associan d o co m é rcio s e re sid ê n cias não
luxuosas. E so m e n te sob essas co n d içõ e s qu e um o rd e n a m e n to local, sa b ia m e n te co n ce b id o e
re alizad o com p aciência poderá, no te c id o antigo, tra z e r caso a caso solu çõ es de co m p ro m isso
e n tre os novos d e sid e ra to s e as co n d içõ e s do passado" (G IO VANN O NI, 2013, p. 113 e 114).

"Assim , duas o rd e n s de p ro ble m a s vêm à ton a, postas re s p e ctiv a m e n te pela co o rd e n a çã o dos


n ovos b airros com o an tigo e pelo o rd e n a m e n to local desse ú ltim o. [... ] Em m atéria de
u rban ism o, é necessário, p o rta n to erg u er o seg u in te p rin cíp io: nos n ovos bairros, o tra ça d o da
via e o co n ju n to de m edidas n ecessárias para sua co m p le ta realização, assim co m o a
co n stru ção de vias fé rre a s e linhas de b on d e d estin ad as a se rvir os re fe rid o s bairros, não
d eve rão jam ais, co m o g e ra lm e n te o c o rre com le n tid ã o e p en o sa m e n te, seguir a co n stru çã o de
edifícios, m as deverão, ao co n trá rio , p re ce dê-las co ra jo sa m e n te " (G IO VANN O NI, 2013, p. 114
e 115).

"T ra n sfo rm a r e renovar, po rta n to , m as com m edida, sem fa ze r ta b u la rasa, m as ap o ia n d o -se


sob re o existen te. Nada m ais ilógico e in eficaz que esses "e sv e n tra m e n to s" (abrir espaços)
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hoje tã o prezados, que não são ditad os, co m o se p re ten d e, pelas co n sid e ra çõ e s de higiene,
m as pela re tó rica a rq u ite tô n ic a e pela esp e cu lação privada, ávida p or m o n o p o liza r os te rre n o s
situ a d os no ce n tro da cidade [...]" (G IO VANN O NI, 2013, p. 143).

"A ab e rtu ra de vias in tern as em ce n tro s an tig os é, p or vezes, m esm o ex clu in d o os m otivo s
a rtific io so s de n atu reza re tó rica ou fin an ce ira, um a tris te n ecessid ad e" (G IO VANN O NI, 2013, p.
148).

P rin cíp io s urbanísticos:

I. Os eixos re tilín e o s e de largura co n sta n te não são fo rço s a m e n te a m e lh o r solução. A nova via
d everá ce rta m e n te ter, nas suas p artes m ais estreitas, a largura m ín im a re q u erid a pelas
necessidades da circu laçã o [...], m as ta n to m e lh o r se seu tra ç a d o fo r sin u o so e se de te m p o s
em te m p o s seu eixo fo r d esviad o para ce d e r lugar a um m o n u m e n to [...].

II. O tra ç a d o das novas vias d eve seguir a fib ra do b airro antigo, no lugar de co rta r
a rb itra ria m e n te as vias lon g itu d in a is e tran sversa is já existe n te s [...]. D estruir-se-á assim o
m enos possível de m o n u m e n to s preciosos, d eixa n d o in te ira m e n te in tacto o a m b ie n te dos
o u tro s e d ifícios, co n ce b id o s para espaços estreitos.

III. Q u a n d o as re alizaçõe s novas p en e trare m nos b airros antigos, o sistem a co n stru tiv o dos
e d ifício s p re existen te s d everá ser re sp eitad o. Os im óveis gigantescos, tã o caros para a
esp e cu lação m o d e rn a nas grandes cid ad e s [...], co n stitu e m um a irre pará ve l nota falsa on d e
q u e r qu e o te c id o tra d ic io n a l seja co m p o sto de e d ifíc io s de p eq u enas d im en sões. [... ] em
te rm o s estilístico s tam b ém , é n ecessário m a n te r um a h arm o n ia e n tre o an tig o e o novo; m as
eu não gostaria de ser m al co m p re e n d id o sob re esse p on to. Não digo q ue os n ovos p ro jetos
devem ser sim ple s có pias de o bras p re e xiste n te s [...]. M a s cada cid ad e tem sua p ró pria
"a tm o sfe ra " artística, ou seja, um s e n tim e n to das p ro po rções, das co res e das fo rm a s qu e se
co n se rvara m ao longo da e v o lu çã o dos d ife re n te s e stilos e é necessário tê-la em conta. Os
n ovos e d ifício s devem m an ter-se no tom , m esm o q u an d o eles p ro ced e m de um a in spiração
nova e au daciosa [...]. A única solu ção capaz de c o n cilia r as exigências da circu laçã o local, do
aspecto a rtístico local e da h igien e é o o rd e n a m e n to p or d esb a ste (G IO VANN O NI, 2013, p. 148­
153).

Eis, resum idos, os p rin cíp io s orgân icos do p lan o re g u la d o r da cid ad e de Roma:

1. D eixar ta n to q u an to possível intacta a cid ad e antiga, co n se rv an d o nela o asp e cto e


m e lh o ra n d o so m e n te as co n d içõ e s de vida p or m ed id as m odestas.

2. T e n d e r a d e sco n g e stio n a r suas ruas, re co rre n d o aos m eios de co m u n ica çã o su b te rrâ n e o s


(com eçan do em p equ ena escala, d ep o is os d e se n vo lv e n d o sem p re mais) e cria n d o circu ito s
p e rifé rico s que co n duzam o trá fe g o de b airro a b airro e re lig u e m -n o ao trá fe g o e x te rio r da
passagem , exclu in d o -se a trave ssia do ce n tro antigo.

3. T e n d e r a d eslo car pro gressiva m e n te o ce n tro da cid ad e antiga, o rie n ta n d o a urban ização, a
co n stru ção e o trá fic o p rin cip a lm e n te em um a única d ire çã o ru m o à qual as vias de
co m u n ica çã o co n ve rg iriam [...] (G IO VANN O NI, 2013).

Sobre a R estauração dos M o n u m e n to s:


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"O o b je tiv o prin cip al da re sta u raçã o é co n se rv ar os m o n u m e n to s. [...] Não p od e ríam os, no
en tan to , ex clu ir os tra b a lh o s de re co m p o sição , de re in te g ra çã o e de lib era ção [...] com os
segu intes p rin cípios: re sp eito p or to d a s as fases da co n stru çã o qu e te n h a m um ca ráte r
a rtístico ou histórico; m ín im o possível de ob ras e de acréscim os; u tilização, para tra ta r as
lacunas e co m p le ta r as linhas, de m a te ria is novos, m as d e sp ro v id o s o q u an to possível de
o rn a m e n to s e co n fo rm e s às ca ra cte rística s de co n ju n to da co n strução; co n tin u a çã o das form a s
num e stilo sim ila r apenas em casos em q u e se tra te de exp ressões g e o m é trica s d esp ro vid a s de
o rig in a lid a d e decorativa; in d icação dos acréscim o s seja pelo em p re g o de m ateria is d iferen tes,
seja pela a d o ção de um sistem a de co m p le ta m e n to sem n en h u m a p re ten são o rn a m e n ta l, seja
p or m eio de epígrafes ou de siglas; re sp e ito pelas co n d içõ e s de am b ie n ta çã o do m on u m e n to;
d o cu m e n ta çã o precisa dos trab a lh o s, p or m eio de re la tó rio s a n a lítico s e de fo to g ra fia s
ilu stra n d o as diversas fase s" (G IO VANN O NI, 2013, p. 183-185).

"Q u a lq u e r re sta u raçã o coloca, a to d o in stante, q u estõ e s novas e im previstas, q ue é n ecessário


re so lve r se co n fo rm a n d o m ais ao e sp írito do qu e à letra da te o ria e m a n te n d o rig o ro sa m e n te
o m é to d o " (G IO VANN O NI, 2013, p. 190).

M o n u m e n to s da A n tigu idade:

"N o Coliseu, ro b u sto s esp o rõ e s de tijo lo s fo ra m co lo ca d o s para d e te r a d eg rad ação do


m on u m e n to; in dicou -se h o n e sta m e n te a sua fu n çã o de co n so lid a ção , d ecla ra n d o a data dos
acréscim os, e n q u a n to o resto do e d ifíc io fo i d eixa d o em estad o arru in ad o , co m o é o p o rtu n o
fa ze r com os m o n u m e n to s da A n tig u id a d e afa sta d os de nossa civilização e de nossos usos
p rático s" (G IO VANN O NI, 2013, p. 188).

Cesare Brandi

Cesare Brandi (Siena, 8 de abril d e 1906 — Vignano, 19 de ja n e iro de


1988) é um dos p rin cip ais n om es da re sta u raçã o de o b je to s de arte.
F orm ad o em D ire ito e Letras, atu ou co m o crític o e h is to ria d o r da arte.
Foi d ire to r do Instituto C entral do R estauro em Rom a e p ro fe sso r de
H istória da A rte na U n iv e rsid a d e de Palerm o. Sua obra T e o ria da
R estauração é um a co m p ila çã o dos seus e scritos d u ra n te o p e río d o no
Instituto (1963).

A xio m a s (princípios) da R estauração Brandianos:

1. "R estau ra-se so m e n te a m atéria (aspecto físico) da ob ra de arte " (BRANDI, 2004, p. 31).

2. "A re sta u raçã o d eve visar ao re sta b e le c im e n to da u n id a d e p ote n cia l da obra de arte, d esde
que isso seja possível sem c o m e te r um falso a rtístico ou um falso h istó rico , e sem ca ncelar
nenh u m tra ço da passagem da o bra de a rte no te m p o " (BRANDI, 2004, p. 33).
19

Trecho extraído de sua obra:

"Q u a n d o se tra ta r de obra de arte, co m o as ob ras de a rq u ite tu ra , o re sta b e le c im e n to da


fu n cio n a lid a d e na in te rv e n çã o de restau ro, re p rese n ta rá, d e fin itiv a m e n te , só um lado
secu n d á rio ou co n co m ita n te , e jam ais o p rim á rio e fu n d a m e n ta l q ue se re fere à ob ra de arte
co m o obra de a rte [... ] nisso co m p re e n d e n d o a in te rv e n çã o de restauro, d e p e n d e de que
oco rra o re co n h e cim e n to ou não da obra de arte co m o obra de a rte " (BRANDI, 2004, p. 10).

"C o m o p ro d u to da a tivid a d e hum ana, a obra de arte possui a instância esté tica e a instância
h istó rica [... ] a re sta u raçã o co n stitu i o m o m e n to m e to d o ló g ico do re co n h e cim e n to da obra de
arte, na sua co n sistên cia física e na sua d ú p lice p o la rid a d e e sté tica e h istórica, com vistas à sua
tra n sm issã o para o fu tu ro . [...] do p o n to de vista do re co n h e cim e n to da obra de a rte co m o tal,
te m pre va lê n cia ab solu ta o lado artístico , na m ed id a em q ue o re co n h e cim e n to visa a
co n se rvar para o fu tu ro a p o ssib ilid a d e dessa revelação, a co n sistên cia física a d q u ire p rim ária
im p o rtân cia . A m atéria [...] dá, p o rta n to , [...] e stru tu ra e asp e cto [...] com a p re va lê n cia do
aspecto sob re a e stru tu ra " (BRANDI, 2004, p. 12).

"[...] a o b ra de arte goza, com efeito, de um a sin gu laríssim a u n id a d e pela qual não p od e ser
co n sid e rad a co m o co m po sta de partes; com isso, é possível negar q ue se possa in te rv ir na obra
de a rte m u tilad a e redu zida a fra g m e n to s (ruínas) e [...] a in teg ração (das partes) d everá ser
sem p re e fa c ilm e n te re co n h e cív e l" (BRANDI, 2004, p. 46).

"[...] q u e q u a lq u e r in te rv e n çã o de re sta u ro não to rn e im p ossível, mas, antes, fa c ilite as


eve n tu ais in te rv e n çõ e s fu tu ra s " (BRANDI, 2004, p. 48).

"A restau ração, para re p re se n ta r um a op e ra çã o legítim a, não d everá p re su m ir nem o te m p o


co m o reversível, nem a ab o liçã o da h istó ria [... ] nesse caso é p o n to p acífico q ue a con servação,
e a eve n tu al in teg ração da pátina, está ligada de fo rm a in trínse ca ao re sp eito da u n id a d e
p o te n cia l da obra de a rte " (BRANDI, 2004, p. 61).

"R uína será, pois, tu d o a q u ilo que é te s te m u n h o da h istó ria hum ana, m as com um aspecto
bastan te d ive rso e quase irre co n h e cív e l em relação à q u e le de q ue se revestia antes. [...] a
restau ração, q u an d o v o ltad a para a ruína, só p od e ser a co n so lid a çã o e co n se rvaçã o " (BRANDI,
2004, p. 65).

A adiçã o fe ita sob re ob ras de arte "[...] se d etu rpa, desn atu ra, ofusca, su b trai p a rcia lm e n te à
vista a o bra de arte, essa adiçã o deve ser rem ovid a. [...] a p átina d o cu m e n ta a p ró pria
passagem da obra de arte no te m p o e, p o rta n to d eve ser co n se rvad a" (BRANDI, 2004, p. 84).

"A có pia é um falso h istó rico e um falso esté tico e não se p od e s u b stitu ir sem dano h istó rico e
esté tico ao o rigin al [... ] é um a ofensa à h istó ria e um u ltraje à estética, co lo ca n d o o te m p o
co m o re versível e a o bra de a rte co m o re p ro d u zíve l à v o n ta d e " (BRANDI, 2004, p. 88).

"A re sta u raçã o pre ve n tiva é ta m b é m m ais im p erativa, se não m ais necessária, do qu e aquela
de extrem a urgência, p o rqu e é v oltada, de fato , a im p e d ir esta ú ltim a " (BRANDI, 2004, p. 102).

"D ada à esp a cia lid a d e co n tra sta n te qu e p erson ifica a a rq u ite tu ra m od ern a, a in serção de um a
ve rd a d e ira a rq u ite tu ra m o d e rn a em um co n te xto an tigo é in a ce itá ve l" (BRANDI, 2004, p. 108).
20

2.5. Cartas Patrim oniais

A p a rtir do sé cu lo XIX um p e n sa m e n to m ais estru tu ra d o sob re a p ro te çã o do p a trim ô n io


cu ltu ral co m eço u a ser organ izado. M a s so m e n te no in ício do sécu lo XX q ue posturas,
legislações e a titu d e s m ais ab ra n g e n tes e co n cre tas fo ra m postas em prática.

Nesse co n te xto surgiram as Cartas P a trim o n ia is qu e são d o cu m e n to s, cartas, re co m e n d açõ e s


re fe re n te s à p ro te çã o e p re servação do p a trim ô n io cu ltu ral, e la b o ra d o s em en co n tro s em
d ife re n te s épocas e partes do m u ndo . São p o lítica s de p re servação do P a trim ô n io Cultural
d ese n vo lv id a s por órgãos de p re servação e p ro fissio n a is e n v o lv id o s na área q ue re fe re n cia m e
re co m e n d am os v alore s p a trim o n ia is q u an to seus asp ectos socio cu ltu rais.

As cartas, ao longo do te m p o , são co m p le m e n ta d a s p or novas n orm as e re co m e n d a çõ e s que


d esco rtin a m novos ou m ais am p lo s p ro ce d im e n to s na p re servação do p a trim ô n io cu ltu ral. É
preciso, no en tan to , an alisar o co n te xto das d ife re n te s re alid ad es cu ltu ra is e os co n ce ito s nelas
co n tid o s para um a a titu d e co n scie n te na ad o ção de p o lítica s p re serv acio n istas do patrim ô n io .

A n te s de tu d o , as cartas, não tê m a p re ten são de ser um sistem a te ó ric o d e se n vo lv id o de


m aneira extensa e com a b so lu to rigor, nem de ex p o r to d a a fu n d a m e n ta çã o te ó rica do
perío d o . As cartas são d o cu m e n to s co n cisos e sin te tizam os p o n to s a re sp e ito dos q uais fo i
possível o b te r consenso, o fe re ce n d o in d icaçõ es de ca rá te r geral. Possuem , p o rta n to , ca ráte r
in dicativo, ou, no m áxim o, p re scritivo.

No que se re fe re ao p a trim ô n io a rq u ite tô n ic o as Cartas de A te n a s (1931 e 1933), V eneza


(1964), Carta do R estau ro Italiana (1972), A m ste rd ã (1975), Burra (1980) e N aara (1994) são os
prin cip ais d o c u m e n to s que trazem re co m e n d a çõ e s que fu n d a m e n ta m os p rin cíp io s do
restauro.
21

3. REFERÊNCIAS

BOITO, Cam illo. O s re sta u ra d o re s. C otia SP: A te liê Editorial, 2002.

BRANDI, Cesare. T e o ria da R e sta u ra çã o . C otia SP: A te liê Ed itorial, 2004.

C A R T A DE ATE N A S . CIAM : Congresso Internacional de A rq u ite tu ra M o d e rn a , 1931.

C A R T A DE ATE N A S . E scritório Internacional dos M useus: S ocie d ad e das Nações, 1933.

C A R T A DE B U R R A . C on se rva ção de Sítios com sig n ificad o cu ltu ral - ICOM OS, Internacional
C ou n cil on M o n u m e n ts and Sites, A u strália, 1988.

C A R T A DE V E N E Z A . II Congresso Internacional de A rq u ite to s e T é cn ico s dos M o n u m e n to s


H istó rico s - ICO M O S - C o n se lh o Internacion al de M o n u m e n to s e Sítios H istóricos, 1964.

CHOAY, Françoise. O P a trim ô n io em Q u e stã o : A n to lo g ia para um co m b a te. Belo H orizonte:


Fino Traço, 2011.

C O N FER ÊN CIA DE N A R A . C o n fe rê n cia sob re a u te n ticid a d e em relação à co n ve n ção do


P a trim ô n io M u n d ia l - UNESCO, ICCRO M E ICOM OS, 1992.

D E C LA R A Ç Ã O DE A M S T E R D A N . Congresso do P a trim ô n io A rq u ite tô n ic o Europeu C o n se lh o da


Europa - A n o Europeu do P a trim ô n io A rq u ite tô n ic o , 1975.

FONSECA, M a ria Cecília Londres. O P a trim ô n io em P rocesso. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ,
2005.

FUNARI, P. P.; PELEGRINI, S. C. A. P a trim ô n io H is tó ric o e C u ltu ra l. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

G IO V AN N O N I, G ustavo. G u s ta v o G io v a n n o n i: Textos escolh id os. Cotia, SP: A te liê Editorial,


2013.

LEM OS, C. A. C. O q u e é p a trim ô n io h istó rico . São Paulo: B rasiliense, 2010.

RUSKIN, John. A Lâm p ad a da M e m ó ria . C otia SP: A te liê Editorial, 2008.

VIOLLET-LE-DUC, Eugène Em m anuel. R estau ração. C otia SP: A te liê Editorial, 2000.

4. ANEXO - Cartas Patrimoniais


fMSTltUTO DO
P A TR I MÔ N IO
H istórico e
*
A r t ís t ic o
§«=1? É&à N a c io n a l

Carta de Atenas

DE OUTUBRO DE 1931

Escritório Internacional dos Museus Sociedade das Nações

A - Conclusões Gerais

I - Doutrinas. Princípios Gerais.

A conferência assistiu à exposição dos princípios gerais e das doutrinas concernentes à


proteçõo dos monumentos.

Qualquer que seja a diversidade dos casos específicos - e cada caso pode comportar uma

soluçõo própria - , a conferência constatou que nos diversos Estados representados predomina uma

tendência geral a abandonar as reconstituições integrais, evitando assim seus riscos, pela adoçõo

de uma manutenção regular e permanente, apropriada para assegurar a conservação dos edifícios.

Nos casos em que uma restauraçõo pareça indispensável devido a deterioraçõo ou destruiçõo, a

conferência recomenda que se respeite a obra histórica e artística do passado, sem prejudicar o

estilo de nenhuma época.

A conferência recomenda que se mantenha uma utilizaçço dos monumentos, que assegure a

continuidade de sua vida, destinando-os sempre a finalidades que o seu caráter histórico ou

artístico.

II - Administração e Legislação dos Monumentos H istóricos.

A conferência assistiu à exposiçço das legislações cujo objetivo é proteger os monumentos

de interesse histórico, artístico ou científico, pertencentes às diferentes nações.

A conferência aprovou unanimemente a tendência geral que consagrou nessa matéria um

certo direito da coletividade em relaçço à propriedade privada.

A conferência constatou que as diferenças entre essas legislações provinham das dificuldades

de conciliar o direito público com o particular.


B a te
I n s t i t u t o DO
Pa t r i m ô n i o
2
H istórico e
A r t ís t ic o
- N a c io n a l

Em conseqüência, aprovada a tendência geral dessas legislações, a conferência espera que

elas sejam adaptadas às circunstâncias locais e à opinião pública, de modo que se encontre a

menor oposição possível, tendo em conta os sacrifícios a que estão sujeitos os proprietários, em

beneficio do interesse geral. Votou-se que em cada Estado a autoridade pública seja investida do

poder do tomar, em caso de urgência, medidas de conservação.

A conferência evidenciou o desejo de que o Escritório Internacional dos Museus publique

uma resenha e um quadro comparativo das legislações em vigor nos diferentes Estados e os

mantenha atualizados.

III - A Valorização dos Monumentos.

A conferência recomenda respeitar, na construção dos edifícios, o caráter e a fisionomia das

cidades, sobretudo na vizinhança dos monumentos antigos, cuja proximidade deve ser objeto de

cuidados especiais.

Em certos conjuntos, algumas perspectivas particularmente pitorescas devem ser

preservadas.

Deve-se também estudar as plantações e ornamentações vegetais convenientes a

determinados conjuntos de monumentos para lhes conservar a caráter antigo.

Recomenda-se, sobretudo, a supressão de toda publicidade, de toda presença abusiva de

postes ou fios telegráficos, de toda indústria ruidosa, mesmo de altas chaminés, na vizinhança ou

na proximidade dos monumentos, de arte ou de história.

IV - Os Materiais de Restauração.

Os técnicos receberam diversas comunicações relativas ao emprego de materiais modernos

para a consolidação de edifícios antigos.

Eles aprovaram o emprego adequado de todos os recursos da técnica moderna e

especialmente, do cimento armado.

Especificam, porém, que esses meios de reforço devem ser dissimulados, salvo

impossibilidade, a fim de não alterar o aspecto e o caráter do edifício a ser restaurado.

Recomendam os técnicos esses procedimentos especialmente nos casos em que permitam

evitar os riscos de desagregação dos elementos a serem conservados.

V - A deterioração dos monumentos.

A conferência constata que, nas condições da vida moderna, os monumentos do mundo

inteiro se acham cada vez mais ameaçados pelos agentes atmosféricos.


fMSTltUTO DO
P A TR I MÔ N IO
H istórico e
A r t ís t ic o
§«=1? É&à N a c io n a l

Afora as preocupações habituais e as soluções felizes obtidas na conservação da estatuária

monumental pelos métodos correntes, não se saberia, dada a complexidade dos casos no estado

atual dos conhecimentos, formular regras gerais.

A Conferência Recomenda:

I o - A colaboração em cada país dos conservadores de monumentos e dos arquitetos com os

representantes das ciências físicas, químicas e naturais para a o b te n ç o de métodos aplicáveis em

casos diferentes.

2o - Que o Escritório Internacional de Museus se mantenha a par dos trabalhos

empreendidos em cada país sobre essas matérias e lhes conceda espaço em suas publicações.

A conferência, no que concerne à conservação da escultura monumental, considera que

retirar a obra do lugar para o qual ela havia sido criada é, em princípio, lamentável. Recomenda, a

título de precaução, conservar, quando existem, os modelos originais e, na falta deles, a execução

de moldes.

VI - Técnica da Conservação

A conferência constata com s a tis fa ç o que os princípios e as técnicas expostas nas diversas

comunicações se inspiram numa tendência comum, a saber;

Quando se trata de ruínas, uma c o n se rv a ço escrupulosa se impõe, com a re co lo ca ço em

seus lugares dos elementos originais encontrados (anastilose), cada vez que o caso o permita; os

materiais novos necessários a esse trabalho deverão ser sempre reconhecíveis. Quando for

impossível a conservação de ruínas descobertas durante uma escavação, é aconselhável sepultá-las

de novo depois de haver sido feito um estudo minucioso.

Não é preciso dizer que a técnica e a c o n se rv a ço de uma e s c a v a ç o impõem a co la b o ra ç o

estreita do arqueólogo e do arquiteto.

Quanto aos outros monumentos, os técnicos unanimemente aconselharam, antes de toda

consolidação ou restauração parcial, análise escrupulosa das moléstias que os afetam,

reconhecendo, de fato, que cada caso contribui um caso especial.

VII - A Conservação dos Monumentos e a Colaboração Internacional.

a) Cooperação técnica e moral

A conferência, convencida de que a co n se rv a ço do patrimônio artístico e arqueológico da

humanidade interessa à comunidade dos Estados, guardiã da civilização, deseja que os Estados,

agindo no espírito do Pacto da Sociedade das Nações, colaborem entre si, cada vez mais
concretamente para favorecer a conservação dos monumentos de arte e de história.
Jg fK f NSTUUTO 0 0
P a trim ô n io
H lS T Õ tlG Ò E

- (f lM f id k l A rtístico
N a c io n a l

Considera altamente desejável que instituições e grupos qualificados possam, sem causar o

menor prejuízo ao Direito Internacional Público, manifestar seu interesse pela salvaguarda das

obras-primas nas quais a civilização se tenha expressado em seu nível mais alto e que se
apresentem ameaçadas.

Emite o voto de que as proposições a esse respeito, quando submetidas à o rg a n iza ço , de

cooperação intelectual da Sociedade das N a ç e s , possam ser recomendadas à favorável atenção

dos Estados.

Caberia à Comissão Internacional de C o o p e ra ç o Intelectual, após sindicância do Escritório

Internacional Museus e depois de haverem sido recolhidas todas as informações úteis,

notadamente junto à Comissão Nacional de Cooperação Intelectual interessada, pronunciar-se

sobre a oportunidade das providências a serem empreendidas e sobre o procedimento a ser

seguido em cada caso particular.

Os membros da conferência, após haverem visitado, no curso de seus trabalhos e no correr

dos estudos desenvolvidos nessa ocasião, muitos dos principais campos de escavações e dos

monumentos antigos da Grécia, foram unânimes em prestar homenagem ao governo grego que, há

muitos anos, ao mesmo tempo em que executava ele mesmo tr a b a lo s consideráveis, aceitou a

colaboração de arqueólogos e especialistas de todos os países.

Nessa ocasião viram um exemplo que contribuiu para a realização das metas de cooperação

intelectual, cuja necessidade foi aparecendo no curso dos trabalhos.

b) O papel da educação e o respeito aos monumentos.

A conferência, profundamente convencida de que a melhor garantia de co n se rv a ço de

monumentos e obras de arte vem do respeito e do interesse dos próprios povos, considerando que

esses sentimentos podem ser grandemente favorecidos por uma ação apropriada dos poderes

públicos, emite o voto de que os educadores habituem a infância e a juventude a se absterem de

danificar os monumentos, quaisquer que eles sejam, e lhes façam aumentar o interesse, de uma

maneira geral, pela proteção dos testemunhos de toda a civilização.

c) Utilidade de uma documentação internacional

A conferência emite o voto de que:

I o - Cada Estado, ou as instituições criadas ou reconhecidamente competentes para esse

trabalho, publique um inventário dos monumentos históricos nacionais, acompanhado de fotografia

e de in fo rm açe s;

2o - Cada Estado constitua arquivos onde serão reunidos todos os documentos relativos a

seus monumentos históricos;


j ij h s
(^ sTitu ro o o 5
Patrim ô nio
HlSTÓmC O E
A r t ís t ic o
- l l M i l N a c io n a l

3o - Cada Estado deposite no Escritório Nacional de Museus suas publicações;

4o - O escritório consagre em suas publicações artigos relativos aos procedimentos e ao

métodos gerais de conservação dos monumentos históricos;

5o - O escritório estude a melhor utilizaçõo das informações assim centralizadas.

B - Deliberação da Conferência sobre a Anastilose dos Monumentos da Acrópole

Havia sido previsto que uma das sessões da Conferência do EIM se detivesse na acrópole, e

os membros da conferência usufruíssem das facilidades que lhes haviam sido oferecidos por M.

Baianos, diretor dos trabalhos dos monumentos da Acrópole, que se pôs à disposição para prestar

quaisquer explicações sobre os trabalhos em curso, permitindo-lhes pedir detalhes e emitir

opiniões.

Essa sessão, se realizou na manhã de domingo, 25 de outubro, sob a presidência de M. Karo.

Durante a primeira parte da sessão os membros da conferência ouviram a exposição de M. Baianos

sobre os trabalhos de anastilose já executados, tanto nos Propileus como no Partenon.

Na segunda parte de sua exposição M. Baianos forneceu d e ta le s sobre o programa ulterior

dos tra b a lo s . Ao terminar, exprimiu o desejo de ouvir dos membros da conferência,

individualmente, sua opinião sobre esse programa. Sob a orientação de M. Karo, os membros da

conferência procederam a uma longa troca de opiniões, especialmente sobre os seguintes pontos:

a) Recuperação da colunata norte do Partenon e recuperação do peristilo sul;

b) Emprego de cimento como revestimento dos tambores de substituiçço;

c) Escala dos metais a serem empregados para os grampos;

d) Oportunidade do emprego de moldes como complemento da anastilose;

e) P ro te ç o do friso contra as intempéries.

Sobre o primeiro ponto, os membros da conferência aprovaram unanimemente os trabalhos

de recuperaçço da colunata norte do Partenon, assim como a recuperaçço parcial do peristilo sul,

segundo o projeto de M. Baianos, que não prevê qualquer re sta u ra ço além da simples anastilose.

A propósito do emprego do cimento como revestimento dos tambores de su b stitu iç o , os técnicos

sublinharam o caráter particular dos trabalhos do Partenon e, constatando os resultados

satisfatórios dos primeiros ensaios feitos por M. Baianos nesse caso especial, se abstiveram de

opinar de um modo geral sobre essa questão.

A escolha do metal a ser empregado para os grampos prendeu a atenção dos técnicos, que

aproveitaram essa ocasião para expor suas experiências sobre o assunto. M. Baianos assinalou que

o emprego do ferro não apresentava inconveniente no caso da Acrópole, considerando as


fMSTltUTO DO
P atrim ô nio
6
H istó rico e
A rtístico
§«=1? É&à N a c io n a l

precauções tomadas e as c o n d iç e s climáticas peculiares no país. Por outro lado, alguns técnicos,

mesmo reconhecendo que as razões invocadas por M. Baianos justificam o emprego do ferro no

que diz respeito aos trabalhos da Acrópole, lembraram conseqüências às vezes desagradáveis

desse emprego para a conservação das pedras e manifestaram sua preferência por metais menos

susceptíveis de d e te rio raço .

No que concerne ao quarto problema colocado por M. Baianos, relativo ao emprego de

moldes como complemento da anastilose, certos técnicos recomendaram muita prudência e

sublinharam a utilidade de testes preliminares.

Sobre a p ro te ç o do friso contra as intempéries, os membros da conferência acolheram o

projeto preconizado por M. Baianos, que consiste em proteger esse friso com uma cobertura

apropriada.
fMSTltUTO DO
P A TR I MÔ N IO
H istórico e
*
A r t ís t ic o
§«=1? É&à N a c io n a l

Carta de Atenas

DE NOVEMBRO DE 1933

Assembléia do CIAM

CIAM - Congresso Internacional de Arq uitetura Moderna

Primeira Parte - Generalidades

A Cidade e sua Região

a) A Cidade é só uma parte de um conjunto econômico, social e político q ue

constitui a região.

Raramente a unidade administrativa coincide com a unidade geográfica, ou seja, com a

região. O recorte territorial administrativo das cidades pode ter sido arbitrário desde o início ou

pode ter vindo a sê-lo posteriormente, quando, em decorrência de seu crescimento, a aglomera— o

principal uniu-se a outras comunidades e depois as englobou. Esse recorte artificial se opõe a uma

boa gestão do novo conjunto. De fato, certas comunidades suburbanas puderam adquirir

inopinadamente um valor imprevisível, positivo ou negativo, seja tornando-se sede de residências

luxuosas, seja acolhendo centros industriais dinâmicos, seja reunindo miseráveis populações

operárias.

Os limites administrativos aço que compartimentam o complexo urbano tornam-se então

paralisantes. Uma aglomeração constitui o núcleo vital de uma extensão geográfica cujo limite é

constituído pela zona de influência de uma outra aglomeração. Suas condições vitais são

determinadas pelas vias de comunicação que asseguram suas trocas e ligam-se intimamente à sua

zona particular. Só se pode enfrentar um problema de urbanismo referenciando-se constantemente

aos elementos constitutivos da região e, principalmente, a sua geografia, chamada a desempenhar

um papel determinante nessa questão: linhas de divisão de águas, morros vizinhos desenhando um

contorno natural confirmado pelas vias de circulação, naturalmente inscritas no solo. Nenhuma

atuação, pode ser considerada se não se liga ao destino harmonioso da região. O plano da cidade é

só um dos elementos do todo constituído pelo plano regional.


B a te
I n s t i t u t o DO
Pa t r i m ô n i o
2
H istórico e
A r t ís t ic o
- N a c io n a l

b) Justapostos ao econômico, ao social e ao político, os valores de ordem

psicológica e fisiológica próprios ao ser humano introduzem no debate preocupações de

ordem individual e de ordem coletiva. A vida só se desenvolve na medida em q ue são

conciliados os dois princípios contraditórios q ue regem a personalidade humana: o


individual e o coletivo.

Isolado, o homem sente-se desarmado; por isso liga-se espontaneamente a um grupo.

Entregue somente a suas forças, ele nada construiria além de sua choça e levaria, na insegurança,

uma vida submetida a perigos e a fadigas agravados por todas as angústias da solidão.

Incorporado ao grupo, ele sente pesar sobre si o constrangimento de disciplinas inevitáveis, mas,

em troca, fica protegido em certa medida contra a violência, a doença, a fome: pode aspirar a

melhorar sua moradia e satisfazer também sua profunda necessidade de vida social. Transformado

em elemento constitutivo de uma sociedade que o mantém, ele colabora direta ou indiretamente

nas mil atividades que asseguram sua vida fisica e desenvolvem sua vida espiritual.

Suas iniciativas tornam-se mais frutíferas, e sua liberdade, melhor defendida, só se detém

onde ameace a de outrem. Se os empreendimentos do grupo são sábios, a vida do indivíduo é

ampliada e enobrecida. Se a preguiça, a estupidez e o egoísmo o assolam, o grupo, enfraquecido e

entregue à desordem, só traz a cada um de seus membros rivalidades, rancor e desencanto. Um

plano é sábio quando permite uma colaboração frutífera, propiciando ao máximo a liberdade

individual. Irradiação da pessoa no quadro do civismo.

c) Essas constantes psicológicas e biológicas sofrerão a influência do meio:

situação geográfica e topográfica, situação econômica e política. Primeiramente, da

situação geográfica e topográfica, o caráter dos elementos água e terra, da natureza.

do solo, do clima.

A geografia e a topografia desempenham um papel considerável no destino dos homens.

Não se pode esquecer jam ais que o sol comanda, impondo sua lei a todo empreendimento cujo

objetivo seja a salvaguarda do ser humano. Planícies, colinas e montanhas contribuem também

para modelar uma sensibilidade e colinas e determinar uma mentalidade. Se o montanhês desce

voluntariamente para a planície, o homem da planície raramente sobe os vales e dificilmente

transpõe os desfiladeiros. Foram os cumes dos montes que delimitaram as áreas de aglomeração

onde, pouco a pouco, reunidos por costumes e usos comuns, os homens se constituíram em

povoações.

A proporção dos elementos água e terra, quer atue na superfície, opondo as regiões

lacustres ou fluviais às extensões de estepes, quer se expresse em densidade, produzindo aqui

gordos pastos e, ali, pântanos ou desertos, conforma, ela também, atitudes mentais que se
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Artístico
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inscreverão nos empreendimentos e encontrarão sua expressão na casa, na aldeia ou na cidade.

Conforme a incidência do sol na curva meridiana, as estações se contrapõem brutalmente ou se

sucedem em passagens imperceptíveis e, ainda que em sua esfericidade contínua, de parcela em

parcela, a Terra não experimente ruptura, surgem inúmeras combinações, cada uma das quais com

seus caracteres particulares. Enfim as raças, com suas religiões ou suas filosofias variadas,

multiplicam a diversidade dos empreendimentos e cada uma propõe seu modo de ver e sua razão

de viver pessoais.

d) Em segundo lugar, da situação econômica. Os recursos da região, contatos

naturais ou artificiais com o exterior...

A situação econômica, riqueza ou pobreza, é uma das grandes forças da vida, determinando-

lhe o movimento na direção do progresso ou da regressão. Ela desempenha o papel de um motor

que, de acordo com a força de sua pulsações, introduz a, prodigalidade, aconselha a prudência ou

impõe a sobriedade; ela condiciona as variações que traçam a história da aldeia, da cidade ou do

país. A cidade cercada por uma região coberta de cultivos tem seu abastecimento assegurado.

quela que dispõe de um subsolo precioso se enriquece com matérias que lhe servirão como

moeda de troca, sobretudo se ela é dotada de uma rede de circulação suficientemente abundante

para permitir-lhe entrar em contato útil com seus vizinhos próximos ou distantes. A tensão da

engrenagem econômica, embora dependa em parte de circunstâncias invariáveis, pode ser

modificada a cada momento pelo aparecimento de forças imprevistas, que o acaso ou a iniciativa

humana podem tornar produtivas ou deixar inoperantes. Nem as r iu e z a s latentes, que é preciso

querer explorar, nem a energia individual têm caráter absoluto. Tudo é movimento, e o econômico,

afinal, é sempre um valor momentâneo.

e) Em terceiro lugar, da situação política, sistema administrativo.

Fenômeno mais variável do que qualquer outro, sinal da vitalidade do país, expressão de

uma sabedoria que atinge seu apogeu ou já toca seu declínio. Se a política é de natureza

essencialmente variável, seu, fruto, o sistema administrativo, possui uma estabilidade natural que

lhe permite, ao longo do tempo, uma permanência maior e não autoriza modificações muito

freqüentes.

Expressão da dinâmica política, sua duração é assegurada por sua própria natureza e pela

própria força das coisas. É um sistema que, dentro de limites bastante rígidos, rege uniformemente

o território e a sociedade, impõe-lhes seus regulamentos e, atuando regularmente sobre todos os

meios de comando, determina modalidades uniformes de ação em todo o país. Esse quadro

econômico e político, cujo valor embora tenha sido confirmado pelo uso durante um certo período,

pode ser alterado a q u a lu e r instante em uma de suas partes, ou em seu conjunto. Algumas vezes,
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basta uma descoberta científica para provocar uma ruptura de equilíbrio, para fazer surgir a

incompatibilidade entre o sistema administrativo de ontem e as imperiosas realidades de hoje. Pode

ocorrer que algumas comunidades, que souberam renovar seu quadro particular, sejam afixidas

pelo quadro geral do país. Este último pode, por sua vez, sofrer diretamente a investida das

grandes correntes mundiais. Não há quadro administrativo que possa pretender a imutabilidade.

f) No decorrer da História, circunstâncias particulares determinaram as

características da cidade: defesa militar, descobertas científicas, administrações

sucessivas, desenvolvimento progressivo das com unicações e dos meios de transporte

(rotas terrestres, fluviais e marítimas, ferroviárias e aéreas).

A história está inscrita no traçado e na arquitetura das cidades. Aquilo que deles subsiste

forma o fio condutor que, juntamente com os textos e os documentos gráficos, permite a

representação de imagens sucessivas do passado. Os motivos que deram origem às cidades foram

de natureza diversa. Por vezes era o valor defensivo. E o alto de um rochedo ou a curva de um rio

viam nascer um pequeno burgo fortificado. Ás vezes, era o cruzamento de duas rotas, unia cabeça

de ponte ou uma baía do litoral que determinava a localização do primeiro estabelecimento.

A cidade era de formato incerto, mais freqüentemente em círculo ou semicírculo. Quando era

uma cidade de colonização, organizavam-na como um acampamento, com eixos de ângulos retos e

cercada de paliçadas retilíneas. Tudo nela era ordenado segundo a proporção, a hierarquia e a

conveniência. Os caminhos partiam dos portões da muralha e estendiam-se obliquamente na

direção de alvos distantes. Podemos encontrar ainda no desenho das cidades o primeiro núcleo

compacto do burgo, as muralhas sucessivas e o traçado dos caminhos divergentes. As pessoas aí

se aglomeravam e encontravam, conforme o grau de civilização, uma dose variável de bem-estar.

Aqui, regras profundamente humanas ditavam a escolha dos dispositivos; ali, constrangimentos

arbitrários davam origem a injustiças flagrantes. Sobreveio a era do maquinismo. A uma medida

milenar, que se poderia crer imutável, a velocidade do passo humano, somou-se uma medida em

plena evolução, a velocidade dos veículos mecânicos.

g) As razões que presidem o desenvolvimento das cidades estão, portanto,

submetidas a mudanças contínuas.

Aumento ou redução de uma população, prosperidade ou decadência da cidade, demolição

de muralhas que se tornaram asfixiantes, novos meios de transporte ampliando a zona de trocas,

benefícios ou malefícios de uma política escolhida ou suportada, aparecimento do maquinismo,

tudo é movimento. À medida que o tempo passa, os valores indubitavelmente se inscrevem no

patrimônio de um grupo, seja ele cidade, país ou humanidade; a vetustez, não obstante, atinge um

dia todo conjunto de construções ou de caminhos.


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A morte atinge tanto as obras como os seres. Quem fará a discriminação entre aquilo que

deve subsistir e aquilo que deve desaparecer? O espírito da cidade formou-se no decorrer dos

anos; simples construções adquiriram um valor eterno na medida em que simbolizam a alma

coletiva; constituem o arcabouço de uma tradição que, sem querer limitar a amplitude dos

progressos futuros, condiciona a forma— o do indivíduo, assim como o clima, a região, a raça, o

costume. Por ser uma pequena pátria, a cidade comporta um valor moral que pesa e que lhe está

indissoluvelmente ligado.

h) O advento da era da máq uina provocou imensas perturbações no

comportamento dos homens, em sua distribuição sobre a terra, em. seus

empreendimentos, movimento desenfreado de concentração nas cidades a favor das

velocidades mecânicas, evolução brutal e universal sem precedentes na História. O caos

entrou nas cidades.

O emprego da máquina subverteu condições de trabalho. Rompeu um equilíbrio milenar,

aplicando um golpe fatal no artesanato, esvaziando o campo, entupindo as cidades e, ao desprezar

harmonias seculares, perturbando as relações naturais que existiam entre a casa e o locais de

trabalho. Um ritmo furioso associado a uma precariedade desencorajante desorganiza as condições

de vida, opondo-se ao ajuste das necessidades fundamentais. As moradias abrigam mal as famílias,

corrompem sua vida íntima, e o desconhecimento das necessidades vitais, tanto físicas quanto

morais, traz seus frutos envenenados: doença, decadência, revolta. O mal é universal, expresso,

nas cidades, por um congestionamento que as encurrala na desordem e, no campo, pelo abandono

de numerosas terras.

Segunda Parte - Estado Atual Crítico das Cidades

Habitação - Observações

a) No interior do núcleo histórico das cidades, assim como em determinadas

zonas de expansão industrial do século XIX, a população é muito densa (chega a mil e

até mil e quinhentos habitantes por hectare).

A densidade, relação entre as cifras da população, e a superfície que ela ocupa, pode ser

totalmente modificada pela altura dos edifícios. Até então, porém, a técnica de construção tinha

limitado a altura das casas a aproximadamente seis pavimentos. A densidade admissível para as

construções dessa natureza é de 250 a 300 habitantes por hectare. Quando essa densidade atinge,

como em vários bairros, 600, 800 e até 1000 habitantes, tem-se o cortiço, caracterizado pelos

seguintes sinais:

a) Insuficiência de superfície habitável por pessoa;


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b) Mediocridade das aberturas para o exterior;

c) Ausência de sol (orientação para o norte ou conseqüência da sombra projetada na rua

ou no pátio);

d) Vetustez e presença permanente de germes mórbidos (tuberculose);

e) Ausência ou insuficiência de instalações sanitárias;

f) Promiscuidade proveniente das disposições internas da moradia, da má orientação do

imóvel, da presença de vizinhanças desagradáveis.

O núcleo das cidades antigas, cerceado pelas muralhas militares, era em geral cheio de

construções comprimidas e privadas de espaço. Mas, em compensação, ultrapassada a porta da

m u ralla, os espaços verdes eram imediatamente acessíveis, dando às proximidades um ar de

qualidade. Ao longo dos séculos, foram sendo acrescentados anéis urbanos, substituindo a

vegetação pela pedra e destruindo as superficies verdes, pulmões da cidade. Nessas condições, as

altas densidades significam o mal-estar e a doença em estado permanente.

b) Nos setores urbanos congestionados, as condições de habitação são nefastas

pela falta de espaço suficiente destinado à moradia, pela falta de superfícies verdes

disponíveis, pela falta, enfim, de conservação das construções (exploração baseada na

especulação). Estado de coisas a n d a agravado pela presença de uma população com

padrão de vida muito baixo, incapaz de adotar, por si mesma, medidas defensivas (a

mortalidade atinge até vinte por cento).

É o estado interior da moradia que constitui o cortiço, cuja miséria, entretanto, é prolongada

no exterior pela estreiteza das ruas sombrias e total falta de espaços verdes, criadores de oxigênio

e que seriam tão propícios aos folguedos das crianças. A despesa comprometida numa construção

erguida há seculos foi amortizada há muito tempo; tolera-se, todavia que aquele que a explora

possa considerá-la ainda, sob forma de moradia, uma mercadoria negociável. Ainda que seu valor

de habitabilidade seja nulo, ela continua a fornecer, impunemente e às expensas da espécie, uma
renda importante. Condenar-se-ia um açougueiro que vendesse carne podre, mas a legislação

permite impor habitações podres às populações pobres. Para o enriquecimento de alguns egoístas,

tolera-se que uma mortalidade assustadora e todo tipo de doenças façam pesar sobre a

coletividade uma carga esmagadora.


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Patrimônio
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c) O crescimento da dd ad e devora progressivamente as superfícies verdes

limítrofes, sobre as q uais se debruçavam as sucessivas muralhas. Esse afastamento

cada vez maior dos elementos naturais aumenta proporcionalmente a desordem

higiênica.

Quanto mais a cidade cresce, menos as "condições naturais" são nela respeitadas. Por

"condições naturais" entende-se a presença, em proporção suficiente, de certos elementos

indispensáveis aos seres vivos: sol, espaço, vegetação. Uma expansão sem controle privou as

cidades desses alimentos fundamentais, de ordem tanto psicológica quanto fisiológica. O indivíduo

que perde contato com a natureza é diminuído e paga caro, com a doença e a decadência, uma

ruptura que enfraquece seu corpo e arruina sua sensibilidade, corrompida pelas alegrias ilusórias

da cidade. Nessa ordem de idéias, a medida foi ultrapassada no decorrer dos últimos cem anos, e

essa não é a causa menor da penúria pela qual o mundo se encontra presentemente oprimido.

d) As construções destinadas à habitação são distribuídas pela superfície da

dd ad e em contradição com os req uisitos da higiene.

O primeiro dever do urbanismo é pôr-se de acordo com as necessidades fundamentais dos

homens. A saúde de cada um depende, em grande parte, de sua submissão às "condições

naturais". O sol, que comanda todo crescimento, deveria penetrar no interior de cada moradia,

para espalhar seus raios, sem os quais a vida se estiola. O ar, cuja qualidade é assegurada pela

presença da vegetação, deveria ser puro, livre da poeira em suspensão e dos gases nocivos. O

espaço, enfim, deveria ser distribuído com liberalidade. Não nos esqueçamos de que a sensação de

espaço é de ordem psicofisiológica e que a estreiteza das ruas e o estrangulamento dos pátios

criam uma atmosfera tão insalubre para o corpo quanto deprimente para o espírito. O 4o Congresso

CIAM, realizado em Atenas, chegou ao seguinte postulado: o sol, a vegetação, o espaço são as três
matérias-primas do urbanismo. A adesão a esse postulado permite julgar as coisas existentes e

apreciar as novas propostas de um ponto de vista verdadeiramente humano.

e) Os bairros m a s densos se localizam nas zonas menos favorecidas (encontas

mal orientadas, setores invadidos por nevoeiros, por gases industriais passíveis de

inundações etc).

Nenhuma legislação interveio ainda para fixar as condições habitação moderna, que devem

não somente assegurar a proteção da pessoa humana mas também dar-lhe meios para um

aperfeiçoamento crescente. Assim, o solo urbano, os bairros residenciais as moradias são

distribuídos segundo a circunstância, ao sabor dos interesses mais inesperados e, às vezes, mais

baixos. Um geômetra municipal não hesitará em traçar uma rua que privará de sol milhares de

casas. Certos edis, infelizmente, acharão natural destinar à instalação de um bairro operário uma
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zona até então negligenciada porq ue as névoas a invadem, porq ue a umidade é excessiva ou

porque os mosquitos nela pululam. Ele considerará que uma encosta voltada para o norte, que, em

decorrência de sua orientação, nunca a t r a i ninguém, que um terreno envenenado pela fuligem,

pela fumaça de carvão, pelos gases, deletérios de alguma indústria, às vezes ruidosa, será sempre

bom o bastante para acomodar as populações desenraizadas e sem vínculos sólidos, a que

chamamos de mão-de-obra comum.

f) As construções arejadas (habitações ricas) ocupam as zonas favorecidas, ao

abrigo dos ventos hostis, com vista e espaços graciosos dando para perspectivas

paisagísticas, lagos, mar, montes, etc... e com uma insolação abundante.

As zonas favorecidas são geralmente ocupadas pelas habitações de luxo; provase assim que

as aspirações instintivas do homem o induzem, sempre que seus recursos lhe permitem, a procurar

condições de vida e uma qualidade de bem estar cujas raízes se encontram na própria natureza.

g) Essa distribuição parcial da habitação é sancionada pelo uso e por disposições

edílicas que se consideram justificadas: o zoneamento.

O zoneamento é a operação feita sobre um plano de cidade com o objetivo de atribuir a cada

função e a cada indivíduo seu justo lugar. Ele tem por base a discriminação necessária entre as

diversas atividades humanas, cada uma das quais reclama seu espaço particular: locais de

habitação, centros industriais ou comerciais, salas ou terrenos destinados ao lazer. Mas se a força

das coisas diferencia a habitação rica da habitação modesta, não se tem o direito de transgredir

regras que deveriam ser sagradas, reservando só para alguns favorecidos da sorte o benefício das

condições necessárias para uma vida sadia e ordenada. É urgente e necessário modificar certos

usos. É preciso tornar acessível para todos, por meio de uma legislação implacável, uma certa

qualidade de bem-estar, independente de q u a lu e r questão de dinheiro. É preciso impedir, para

sempre, por uma rigorosa regulamentação urbana, que famílias inteiras sejam privadas de luz, de

ar e de espaço.

h) As construções edificadas ao longo das vias de ao redor dos cruzamentos são

prejudiciais à habitação: barulhos, poeiras e gases nocivos.

Se se quiser levar em consideração esta interdição, atribuir-se-á, doravante, zonas

independentes à habitação e à circulação. A casa, então não estará mais unida à rua por sua

calçada. A habitação se erguerá em seu meio próprio, onde gozará de sol, de ar puro e de silêncio.

A circulação se desdobrará por meio de vias de percurso lento para o uso de pedestres, e de vias

de percurso rápido para o uso de veículos. Cada uma dessas vias desempenhará sua função, só se

aproximando ocasionalmente da habitação.


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h) O alinhamento tradicional das habitações à beira das ruas só garante insolação

a uma parcela mínima das moradias.

0 alinhamento tradicional dos imóveis ao longo das ruas acarreta urna disposição obrigatória

do volume construído. Ao serem cortadas, ruas paralelas ou oblíquas desenham superfícies

quadradas ou retangulares, trapezoidais ou triangulares, de capacidades diversas que, uma vez

edificadas, constituem os "blocos". A necessidade de iluminar o centro desses blocos engendra

pátios internos de dimensões variadas. As regulamentações edilícias deixam, infelizmente, àqueles

que buscam o lucro, a liberdade de re strin g i esses pátios a dimensões verdadeiramente

escandalosas. Chega-se então a este triste resultado: uma fachada em quatro, seja ela voltada

para a rua ou para o pátio, está orientada para o norte e não conhece o sol, enquanto as outras

três, em conseqüência da estreiteza das ruas, dos pátios e da sombra projetada disso resultante,

são também parcialmente privadas de sol. A análise revela que nas cidades, a proporção de

fachadas não ensolaradas varia entre a metade e três quarto total. Em certos casos, essa

proporção é ainda mais desastrosa.

i) É arbitrária a distribuição das construções de uso coletivo dependente da

habitação.

A moradia abriga a família, função que constitui por si só todo um programa e coloca um

problema cuja solução - que outrora já foi, por vezes, feliz - está hoje entregue, em geral, ao

acaso. Mas a família reclama ainda a presença de instituições que, fora da moradia e em suas

proximidades, sejam seus verdadeiros prolongamentos. São elas: centros de abastecimento,

serviços médicos, creches, jardins de infância, escolas, às quais se somarão organizações

intelectuais e esportivas destinadas a proparcionar aos adolescentes a possibilidade de trabalhos ou

de jogos adequados à satisfação das aspirações próprias dessa idade e, para completar, os

"equipamentos de saúde", as áreas próprias à cultura fisica e ao esporte cotidiano de cada um. 0

benefício dessas instituições coletivas é evidentes, mas sua necessidade é ainda mal compreendida

pela massa. Sua realização está apenas esboçada, da maneira mais fragmentária e desvinculada

das necessidades gerais das habitações,

j) As escolas, muito particularmente, não raro estão situadas nas vias de

circulação e muito afastadas das habitações.

As escolas, limitando-se o julgamento a seu programa e a sua disposição arquitetônica, estão

em geral mal situadas no interior do complexo urbano. Muito longe da moradia, elas colocam a

criança em contato com os perigos da rua. Além disso, é freqüente que nelas só se dispense a

instrução propriamente dita, e a criança, antes dos seis anos, ou o adolescente, depois dos treze,

são regularmente privados de organizações pré ou pós-escolares que responderiam às


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necessidades mais imperiosas de sua idade. O estado atual e a d is tr ib u ç o do domínio edificado

prestam-se mal às inovações por meio das quais a infância e a juventude seriam não somente

protegidas de inúmeros perigos, mas, ainda, colocadas nas únicas condições que permitem uma

formação séria, capaz de lhes assegurar, ao lado da instrução, um pleno desenvolvimento, tanto

físico quanto moral.

I) Os subúrbios estão organizados sem p a n o e sem ligação normal com a cidade.

Os subúrbios são descendentes degenerados dos arrabaldes. O burgo era outrora uma

unidade organizada no interior de uma muralha militar. O falso burgo contíguo a ele pelo lado de

fora, construído ao longo de uma via de acesso desprovido de proteção, era o escoadouro da

população excedente que, bom ou mau grado, devia acomodar-se em sua insegurança. Quando a

criação de uma nova muralha encerrava um dia o falso burgo, com seu trecho de via, no seio da

cidade, ocorria uma primeira alteração na regra normal dos traçados. A era do maquinismo é

caracterizado pelo subúrbio, área sem traçado definido, onde são jogados todos os resíduos, onde

se arriscam todas as tentativas, onde se instalam em geral os artesanatos mais modestos, com as

indústrias julgadas de antemão provisórias, algumas das quais, porém, conhecerão um crescimento

gigantesco. O subúrbio é o símbolo, ao mesmo tempo, do fracasso e da tentativa. É uma espécie

de onda batendo nos muros da cidade. No decorrer dos séculos XIX e XX, essa onda tornou-se

maré, e depois inundação. Ela comprometeu seriamente o destino da cidade e suas possibilidades

de crescer conforme uma regra. Sede de uma população incerta, destinada a suportar inúmeras

misérias, caldo de cultura de revoltas, o subúrbio é com freqüência, dez vezes, cem vezes, mais

extenso do que a cidade. Desse subúrbio doente, onde a função distância-tempo suscita uma difícil

questão que continua sem soluçço, alguns procuram fazer cidades-jardins. Paraísos ilusórios,

solução irracional. O subúrbio é um erro urbanístico, disseminado por todo o universo e levado a

suas conseqüências extremas na América. Ele se constitui em um dos grandes males do século.

m) Procurou-se incorporar os subúrbios ao domínio administrativivo.

Muito tarde! O subúrbio foi incorporado tardiamente ao domínio administrativo. A legislação

imprevidente deixou que se estabelecessem, em toda sua extensão, direitos de propriedade por ela

declarados imprescritíveis. O proprietário de um terreno vago onde tenha surgido algum barraco,

galpão ou oficina não pode ser desapropriado sem inúmeras dificuldades. Sua densidade

populacional é muito baixa e o solo dificilmente explorado; entretanto, a cidade é obrigada a prover

a área dos subúrbios dos serviços necessários: vias públicas, canalização, meios transporte rápidos,

polícia, iluminação e limpeza pública serviços hospitalares ou escolares, etc. É chocante a

desproporção entre as despesas ruinosas causadas por tantas obrigações e a pequena contribuição

que pode dar uma populaçço dispersa. Quando a a d m in istra ço intervém para corrigir a s itu a ç o ,
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choca-se com obstáculos insuperáveis e se arruina em vão. É antes do nascimento dos subúrbios

que a administração deve apro riar-se da gestão do solo que, cerca a cidade para assegurar-lhe os

meios para um desenvolvimento harmonioso.

n) Freq üentemente os subúrbios nada m a s são do q ue uma aglomeração de

barracos onde a infra-estrutura indispensável dificilmente é rentável.

Casinhas mal construídas, barracos de madeira, galpões onde se misturam bem ou mal os

materiais mais imprevistos, domínio dos pobres diabos que oscilam nos turbilhões de uma vida sem

disciplina, eis o subúrbio! Sua feiúra e sua tristeza são a vergonha da cidade que ele circunda. Sua

miséria, que obriga a malbaratar o dinheiro público sem a contraparte de recursos fiscais

suficientes, é uma carga sufocante para a coletividade. Os subúrbios são a sórdida antecâmara das

cidades; enganchados às grandes vias de acesso por suas ruelas, a circulação aí se torna perigosa;

vistos de avião, expõe aos olhos menos avisados a desordem e a incoerência de sua distribuiçço;

cortados por ferrovias, eles são, para o viajante atraído pela reputação da cidade, uma penosa

desilusão!

É preciso exigir!

Doravante os bairros habitacionais devem ocupar no espaço urbano as melhores

localizações, aproveitando-se a topografia, observando-se o clima, dispondo-se da insolação mais

favorável e de superfícies verdes adequadas.

As cidades, tal como existem hoje, estão construídas em condições contrárias ao bem público

e privado. A história mostra que sua criação e seu desenvolvimento obedeceram a razões

profundas, superpostas ao longo do tempo, e que elas não apenas cresceram, mas freqüentemente

se renovaram no decorrer dos séculos, e sobre o mesmo solo. A era da máquina, ao modificar

brutalmente determinadas condições centenárias, levou-as ao caos. Nossa tarefa atual é arrancá-

las de sua desordem por meio de planos nos quais será previsto o escalonamento dos

empreendimentos ao longo do tempo. O problema da moradia, da habitação, prevalece sobre

todos. Os melhores locais da cidade devem-lhe ser reservados; e se eles foram devastados pela

indiferença ou pela concupiscência, tudo deve ser feito para recuperá-los. Muitos fatores concorrem

para a quantidade da moradia. É preciso buscar ao mesmo tempo as mais belas paisagens, o ar

mais saudável, levando em consideração os ventos e a neblina, os declives melhor expostos, e,

enfim, utilizar as superficies verdes existentes, criá-las, se não existem, ou recuperá-las, se foram

destruídas.
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o) A determinação dos setores habitacionais deve ser ditada por razões de

higiene.

As leis de higiene universalmente reconhecidas fazem uma grave acusação contra as

condições sanitárias das cidades. Não basta, porém, formular um diagnóstico e nem sequer

encontrar uma solução; é preciso, ainda, que ela seja imposta pelas autoridades responsáveis.

Bairros inteiros deveriam ser condenados em nome da saúde pública. Alguns, fruto de uma

especulação prematura, só merecem a picareta; outros, em função das memórias históricas ou dos

elementos de valor artístico que contêm, deverão ser parcialmente respeitados; há modos de

preservar o que merece ser preservado, destruindo implacavelmente aquilo que constitui um

perigo. Não basta sanear a moradia, mas é preciso, ainda, criar e administrar seus prolongamentos

exteriores, locais de educação física e espaços diversos para esporte, inserindo, antecipadamente,

no plano geral, as áreas que lhes serão reservadas.

p) Densidades razoáveis devem ser impostas, de acordo com as form as de

habitação postas pela própria natureza do terreno.

As densidades populacionais de uma cidade devem ser ditadas pelas autoridades. Elas

poderão variar segundo a destinação do solo urbano e resultar, de acordo com seu índice, numa

cidade ou muito extensa ou concentrada sobre si mesma. Fixar as densidades urbanas é realizar

um ato de gestão pleno de conseqüências. Quando surgiu a era da máquina, as cidades se

desenvolveram sem controle e sem freio. A displicência é a única explicação válida para esse

crescimento desmesurado e absolutamente irracional, que é uma das causas de seus males. Tanto

para nascer como para crescer, as cidades têm razões particulares, que devem ser estudadas e que

levarão a previsões que abarquem um certo espaço de tempo: cinqüenta anos, por exemplo.

Poder-se-á pressupor uma certa cifra de população. Será necessário alojá-la, sabendo-se em que

área útil, prever qual "tempo-distância" será seu quinhão cotidiano, fixar a superfície e a

capacidade necessárias à realização desse programa de cinqüenta anos. Quando a cifra da


população e as dimensões do terreno são fixadas, a "densidade" é determinada.

q) Um número mínimo de horas de insolação deve ser fixado para cada moradia.

A ciência, estudando as radiações solares, detectou aquelas que são indispensáveis á saúde

humana e também aquelas que, em certos casos, poderiam ser-lhe nocivas. 0 sol é o senhor da

vida. A medicina demonstrou que a tuberculose se instala onde o sol não penetra; ela exige que o

indivíduo seja recolocado, tanto quanto possível, nas "condições naturais". 0 sol deve penetrar em

toda moradia algumas horas por dia, mesmo durante a estação menos favorecida. A sociedade não

tolerará mais que famílias inteiras sejam privadas de sol e, assim, condenadas ao definhamento.

Todo projeto de casa no qual um único alojamento seja orientado exclusivamente para o norte, ou
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privado de sol devido às sombras projetadas, será rigorosamente condenado. É preciso exigir dos

construtores uma planta demonstrado que no solstício de inverno o sol penetrará em cada moradia,

no mínimo 2 horas por dia. Na falta disso será negada a autorização para construir. Introduzir- o sol

é o novo e o mais imperioso dever do arquiteto.

r) O alinhamento das habitações ao longo das vias de com unicação deve ser

proibido.

As vias de comunicação, isto é, as ruas das nossas cidades, têm finalidades díspares. Elas

recebem as mais variadas cargas e devem servir- tanto para a caminhada dos pedestres, quanto

para o trânsito, interrompido por paradas intermitentes, de veículos rápidos de transporte coletivo,

ônibus ou bondes, ou para aquele ainda mais rápido, dos caminhões ou dos automóveis

particulares. As calçadas, criadas no tempo dos cavalos e só após a introdução dos coches, para

evitar os atropelamentos, são um remédio irrisório desde que as velocidades mecânicas

introduziram nas ruas uma verdadeira ameaça de morte. A cidade atual abre as inumeráveis portas

de suas casas para essa ameaça e suas inumeráveis janelas para os ruídos, as poeiras e os gases

nocivos, resultantes de uma intensa circulação mecânica. Esse estado de coisas exige uma

m o d ific a ç o radical: as velocidades do pedestre, 4km horários, e as velocidades, mecânicas, 50 a

lOOkm horários, devem ser separadas. As habitações serão afastadas das velocidades mecânicas, a

serem canalizadas para um leito particular, enquanto o pedestre disporá de caminhos diretos ou de

caminhos de passeio para ele reservados.

s) Os modernos recursos técnicos devem ser levados em conta para erguer

construções elevadas.

Cada época utilizou em suas construções a técnica que lhe era imposta por seus recursos

particulares. Até o século XIX, a arte de construir- casas só conhecia paredes constituídas de

pedras, tijolos ou tabiques de madeira e tetos constituídos por vigas de madeira. No século XIX, um

período intermediário fez uso dos ferros perfilados, depois vieram, enfim, no século XX, as

construções homogêneas, todas em aço ou cimento armado. Antes dessa inovação absolutamente

revolucionária na história da construção de casas, os construtores não podiam erguer um imóvel

que ultrapassasse seis pavimentos. O presente não é mais tão limitado. As construções atingem

sessenta e cinco pavimentos ou mais. Resta determinar, por um exame criterioso dos problemas

urbanos, a altura que mais convém a cada caso particular. No que concerne à habitação, as razões

que postulam a favor de uma determinada decisão são: a escolha da vista mais agradável, a busca

do ar mais puro e da insolação mais completa, enfim, a possibilidade de criar nas proximidades

imediatas da moradia instalações coletivas, áreas escolares, centros de assistência, terrenos para
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jogos, que serão seus prolongamentos. Apenas construções de uma certa altura poderão satisfazer

a contento essas legítimas exigências.

t) As construções elevadas erguidas a grande distância umas das outras devem

liberar o solo para amplas superfícies verdes.

É preciso, ainda, que elas estejam situadas as distâncias bem grandes umas das outras, caso

contrário sua altura, longe de construir um melhoramento, só agravaria o mal existente; é o grave

erro cometido nas cidades das duas Américas. A construção de uma cidade não pode ser

abandonada, sem programa, à iniciativa privada. A densidade de sua população deve ser elevada o

bastante para validar a organização das instalações coletivas, que serão os prolongamentos da

moradia. Uma vez fixada essa densidade, será admitida uma cifra de populaçço presumível, que

permita calcular a superfície reservada à cidade. Decidir sobre a maneira como o solo será

ocupado, estabelecer a relação entre a superfície construída e aquela deixada livre ou plantada,

dividir o terreno necessário tanto para as moradias particulares quanto para seus diversos

prolongamentos, fixar uma superfície para a cidade que não poderá ser ultrapassada durante um

período determinado, constituir essa grave operação, da qual a autoridade está incumbida: a

promulgação do "estatuto do solo". Assim se construirá a cidade daqui para diante com toda

segurança e, dentro dos limites das regras estabelecidas por esse, estatuto, será dada toda a

liberdade à iniciativa privada e à imaginação do artista.

Lazer - Observações

a) As superfícies livres são, em geral, msuficientes.

Existem, ainda, superfícies livres no interior de algumas cidades. Elas são a sobrevivência,

miraculosa em nossa época, de reservas constituídas no passado: parques rodeando residências

principescas, jardins adjacentes a casas burguesas, passeios sombreados ocupando a área de uma

muralha militar derrubada. Os dois últimos séculos consumiram com voracidade essas reservas,

autênticos pulmões da cidade, cobrindo-os de imóveis, colocando alvenaria no lugar da relva e das

árvores. Outrora os espaços livres não tinham outra razão de ser que o deleite de alguns

privilegiados. Não interviera ainda o ponto de vista social, que dá hoje um sentido novo a sua

destinação. Eles podem ser os prolongamentos diretos ou indiretos da moradia; diretos, se cercam

a própria habitaçço, indiretos, se estão concentrados em algumas grandes superfícies, não tão

próximas. Em ambos os casos, sua destinação será a mesma: acolher as atividades coletivas da

juventude, propiciar um espaço favorável às distrações, aos passeios ou aos jogos das horas de

lazer.
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Patrim ônio
HisTÓ m co (
A r t ís t ic o
N a c io n a l

b) Quando as superfícies livres têm uma e X e n sã o suficiente, não raro estão mal

destinadas e, por isso, são pouco utilizáveis pela massa dos habitantes.

Quando as cidades modernas possuem algumas superfícies livres e de uma extensão

suficiente, tais áreas estão situadas ou na periferia ou no coração de uma zona residencial

particularmente luxuosa. No primeiro caso, distantes dos locais de habitação popular, elas só

servirão aos citadinos no domingo e não terão influência alguma sobre a vida cotidiana, que

continuará a se desenrolar em condições deploráveis. No segundo, elas serão, de fato, proibidas às

multidões, sendo sua função reduzida ao embelezamento, sem que desempenhem seu papel de

prolongamentos úteis da moradia. Seja como for, o grave problema da higiene popular

permanecem ainda sem melhoria.

A situação excêntrica das superfícies livres não se presta à melhoria das condições de

habitação nas zonas congestionadas da cidade.

0 urbanismo é chamado para conceber as regras necessárias a assegurar aos citadinos as

condições de vida que salvaguardem não somente sua saúde física mas, também, sua saúde moral

e a alegria de viver delas decorrente. As horas dê trabalho, em geral muscular e nervosamente

extenuantes, devem ser seguidas, a cada dia, por um número suficiente de horas livres. Essas

horas livres, que o maquinismo infalivelmente ampliará, serão consagradas a uma reconfortante

permanência no seio de elementos naturais. A manutenção ou a criação de espaços livres são,

portanto, uma necessidade e constituem uma questão de saúde pública para a espécie. Esse é um

tema que constitui parte integrante dos postulados do urbanismo e ao qual os edis deveriam ser

obrigados a dedicar toda a sua atenção. Justa proporção entre volumes edificados e espaços livres,

eis a única fórmula que resolve o problema da habitação.

As raras instalações esportivas, para serem colocadas nas proximidades dos usuários, eram

em geral instaladas provisoriamente: em terrenos destinados a receber futuros bairros residências

ou industriais. Precariedade e transtornos incessantes.

Algumas associações esportivas, desejosas de utilizar seu lazer semanal, encontraram na

periferia das cidades um abrigo provisório; mas sua existência, não oficialmente reconhecidas é, em

geral, das mais precárias. Pode-se classificar as horas livres ou de lazer em três categorias:

cotidianas, semanais ou anuais. As horas de liberdade cotidiana devem ser passadas nas

proximidades da moradia. As horas de liberdade semanal permitem a saída da cidade e os

deslocamentos regionais. As horas de liberdade anual, isto é, as férias, permitem verdadeiras

viagens, fora da cidade e da região. 0 problema assim exposto implica a criação de reservas

verdes:

a) Ao redor das moradias;


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b) na região;

c) no país.

Os terrenos que poderiam ser destinados ao lazer semanal estão freqüentemente mal

articulados à cidade.

Uma vez escolhidos os locais situados nos arredores imediatos da cidade e próprios para se

tomarem centros úteis de lazer semanal, colocar-se-á o problema dos transportes de massa. Esse

problema deve ser considerado desde o instante em que se esboça o plano da região; ele implica o

estudo de diversos meios de transporte possíveis: estradas, ferrovias ou rios.

É preciso exigir

Doravante todo bairro residencial deve compreender a superfície verde necessária à

o rg a n iz a ç o racional dos jogos e esportes das crianças, dos adolescentes e dos adultos.

Esta decisão só terá resultado se estiver sustentada por uma verdadeira legislaçço: o

"estatuto do solo". Esse estatuto terá a diversidade correspondente às necessidades a satisfazer.

Assim, a densidade da populaçço ou a porcentagem de superfície livre e de superfície edificada

poderão variar segundo as funções, os locais ou os climas. Os volumes edificados serão

intimamente amalgamados às superfícies verdes que os cercam. As zonas edificadas e as zonas

plantadas serão distribuídas levando-se em consideração um tempo razoável para ir de umas às

outras. De qualquer modo, a textura do tecido urbano deverá mudar; as aglomerações tenderão a

tornar-se cidades verdes. Contrariamente ao que ocorre nas cidades-jardins, as superfícies verdes

não serão compartimentadas em pequenos elementos de uso privado, mas consagradas ao

desenvolvimento das diversas atividades comuns que formam o prolongamento da moradia. O

cultivo de hortas, cuja utilidade constitui, de fato, o principal argumento a favor das cidades

jardins, poderá muito bem ser levado em consideração aqui; uma porcentagem do solo disponível

lhe será destinada, dividida em múltiplas parcelas individuais; mas certos empreendimentos

coletivos, como a aragem eventual e a irrigação ou a rega, poderão aliviar os encargos e aumentar

o rendimento.

Os quarteirões insalubres devem ser demolidos e substituídos por superfícies verdes: os

bairros limítrofes serão saneados.

Um conhecimento elementar das principais noções de higiene basta para discernir os cortiços

e discriminar os quarteirões notoriamente insalubres. Estes quarteirões deverão ser demolidos.

Dever-se-á aproveitar essa ocasião para substituí-los por parques que serão, pelo menos nos

bairros limítrofes, o primeiro passo no caminho do saneamento. Pode acontecer, todavia, que

alguns desses quarteirões ocupem um local particularmente conveniente à construção de certos


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edifícios indispensáveis à vida da cidade. Nesse caso, um urbanismo inteligente, saberá dar-lhes a

destinação que o plano geral da região e o da cidade tenham antecipadamente considerado a mais

útil.

As novas superfícies verdes devem servir a objetivos claramente definidos: acolher jardins de

infância, escolas, centros juvenis ou todas as construções de uso comunitário ligadas intimamente à

habitação.

As superfícies verdes, que se terá intimamente amalgamado aos volumes construídos e

inserido nos setores habitacionais, não por função única o de embelezamento da cidade. Elas

deverão, antes de mais nada, ter um papel útil, e as instalações de caráter coletivo ocuparão seus

gramados: creches, organizações pré ou pós-escolares, círculos juvenis, centros de entretenimento

intelectual ou de cultura física, salas de leitura ou de jogos, pistas de corrida ou piscina ao ar livre.

Elas serão o prolongamento da habitação e, como tal, deverão estar o subordinadas ao estatuto do

solo.

As horas livres semanais devem transcorrer em locais adequadamente preparados: parques,

florestas, áreas de esporte, estádios, praias, etc...

Nada ou quase nada foi ainda previsto para o lazer semanal. Na região que cerca a cidade,

amplos espaços deverão ser reservados e organizados, e o acesso a eles deverá ser assegurado por

meios de transporte suficientemente numerosos e cômodos. Não se trata mais de simples gramado

cercando a casa, com uma ou outra árvore plantada, mas de verdadeiros prados, de bosques, de

praias naturais ou artificiais constituindo uma imensa reserva cuidadosamente protegida,

oferecendo mil oportunidades de atividades saudáveis ou de entretenimento útil ao habitante da

cidade. Toda cidade possui em sua periferia locais capazes de corresponder a esse programa e que

através de uma organização bem estudada dos meios de transporte, tornar-se-ão facilmente

acessíveis.

c) Parques, áreas de esporte, estádios, praias, etc...

Deve ser estabelecido um programa de entretenimento abrangendo atividades de todo tipo:

o passeio, solitário ou coletivo, em meio à beleza dos lugares; os esportes de toda natureza: tênis,

basquete, futebol, n a ta ç o , atletismo; os espetáculos, concertos, teatros ao ar livre, jogos de

quadra e torneios diversos. Enfim, são previstos equipamentos precisos: meios de transporte que

demandem uma organização racional; locais para alojamento, hotéis, albergues ou acampamentos

e, enfim, não menos importante, um abastecimento de água potável e víveres, que deverá ser

cuidadosamente assegurado em toda parte.

Os elementos existentes devem ser considerados: rios, florestas, morros, montanhas, vales,

lago, mar, etc.


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Graças ao aperfeiçoamento dos meios mecânicos de transporte, a questão da distância não

desempenha mais, no caso, um papel preponderante. Mais vale escolher bem, ainda que se tenha

que procurar um pouco mais longe. Trata-se não só de preservar as belezas naturais ainda

intactas, mas também de reparar as agressões que algumas delas tenham sofrido; enfim, que a

indústria do homem crie, em parte, sítios e paisagens que correspondam ao programa. Esse é um

outro problema social muito importante, cuja responsabilidade está nas mãos dos edis: encontrar

uma contrapartida para o trabalho estafante da semana, tornar o dia de repouso verdadeiramente

revitalizante para a saúde fisica e moral, não mais abandonar a população às múltiplas desgraças

da rua. Uma destinação fecunda das horas livres forjará uma saúde e um coração para os

habitantes das cidades.

Trabalho - Observações

0 s locais de trabalho não estão mais dispostos racionalmente no complexo urbano: indústria,

artesanato, negócios, administração, comércio.

0utrora, a moradia e a oficina, unidas por vínculos estreitos e permanentes, estavam

situadas uma perto da outra. A expansão inesperada do maquinismo rompeu essas condições de

harmonia, em menos de um século, ela transformou a fisionomia das cidades, quebrou as tradições

seculares do artesanato e deu origem a uma nova mão-de-obra anônima e instável. 0

desenvolvimento industrial depende essencialmente dos meios de abastecimento de matérias-

primas e das facilidades de escoamento dos produtos manufaturados. Foi, portanto, ao longo das

vias férreas introduzidas pelo século XIX, e às margens das vias fluviais, cujo tráfego a navegação a

vapor multiplicava, a que as indústrias verdadeiramente se precipitaram. Mas, aproveitando as

disponibilidades imediatas de habitações e de abastecimento das cidades existentes, os fundadores

das indústrias instalaram suas empresas na cidade ou em seus arredores, a despeito do mal que
disso poderia resultar. Implantadas no coração dos bairros habitacionais, as fábricas aí espalham

suas poeiras e seus ruídos. Instaladas na periferia e longe desses bairros, elas condenam os

trabalhadores a percorrer diariamente longas distâncias em condições cansativas de pressa e de

agitação, fazendo-os perder inutilmente uma parte de suas horas de lazer. A ruptura com a antiga

organização do trabalho criou uma desordem indizível e colocou um problema para o qual, até o

presente, só foram dadas soluções paliativas. Derivou disso o grande mal dá época atual:
nomadismo das populações operárias.
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a) A ligação entre a habitação e os locais de trabalho não é m a s normal: ela

m põelpercursosldesmesurados.l

Desde então foram rompidas as relações normais entre essas duas funções essenciais da

vida: habitar, trabalhar. Os arrabaldes se enchem de oficinas e manufaturas e a grande indústria,

que continua seu desenvolvimento sem limites, é empurrada para fora, para os subúrbios. Saturada

a cidade, sem poder acolher novos habitantes, fez-se surgir- apressadamente cidades suburbanas,

vastos e compactos blocos de caixotes para alugar ou loteamentos intermináveis. A mão-de-obra

intercambiável, que absolutamente não está ligada por um vínculo estável à indústria, suporta de

manhã, à tarde e à noite, no verão e no inverno, a perpétua movimentação e a deprimente

confusão dos transportes coletivos. Horas inteiras se dissolvem nesses deslocamentos

desordenados.

b) As horas de pico dos transportes acusam um estado crítico.

Os transportes coletivos, trens de subúrbio, ônibus e metrôs só funcionam verdadeiramente

em quatro momentos do dia. Nas horas de pico, a agitação é frenética, e os usuários pagam caro,

de seu próprio bolso, uma organização que lhes proporciona, diariamente, horas de sacolejo

somadas às fadigas do trabalho. A exploração desses transportes é ao mesmo tempo minuciosa e

cara; sendo a cota dos passageiros insuficiente para cobrir sua despesa, eles se tomam um pesado

encargo público. Para remediar semelhante estado de coisas foram sustentadas teses

contraditórias: fazer viver os transportes ou fazer viver bem os usuários dos transportes? É preciso

escolher! Umas supõem a redução e as outras o aumento do diâmetro das cidades.

Pela falta de q u a lu e r programa - crescimento descontrolado das cidades, ausência de

previsões, especulação com os terrenos, etc - a indústria se instala ao acaso, não obedecendo a

regra alguma.

O solo das cidades e o das regiões vizinhas pertencem quase inteiramente a particulares. A

própria indústria está nas mãos de sociedades privadas, sujeitas a todo tipo de crises e cuja
situação é ás vezes instável. Nada foi feito para submeter o surto industrial a regras lógicas; ao

contrário, tudo foi deixado à improvisação que, se às vezes favorece o indivíduo, sempre oprime a

coletividade.

Nas cidades, os escritórios se concentraram em centros de negócios. Os centros de negócio,

instalado nos locais privilegiados da cidade, dotados da mais completa circulaçço, são logo presa da

especulação. Como são negócios privados, falta organização propícia para seu desenvolvimento

natural.

O desenvolvimento industrial tem por corolário o aumento dos negócios, administração

privada e comércio. Nada, nesse domínio, foi seriamente medido e previsto. É preciso comprar e
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vender, estabelecer contatos entre a fábrica ou a oficina, o fornecedor e o cliente. Estas transações

precisam de escritórios. Esses escritórios são locais que requerem uma instalação particularizada,

sensível, indispensável ao andamento dos negócios. Tais equipamentos, isoladamente, são caros.

Tudo aconselha um agrupamento, que asseguraria a cada um deles as melhores condições de

funcionamento: circulação desembaraçada, comunicações fáceis com o exterior, iluminação,

silêncio, boa qualidade do ar, instalações de aquecimento e de refrigeração, centros postal e

telefônico, rádio etc.

As distâncias entre os locais de trabalho e os locais de habitaçço devem ser reduzidas ao

mínimo.

Isto supõe uma nova distribuição, conforme um plano cuidadosamente elaborado, de todos

os lugares destinados ao trabalho. A concentração das indústrias em anéis em tomo das grandes

cidades pode ter sido, para certas empresas, uma fonte de prosperidade, mas é preciso denunciar

as deploráveis condições de vida que disso resultaram para a massa. Essa disposiçço arbitrária

criou uma promiscuidade insuportável. A duração das idas e vindas não tem relação com a

trajetória cotidiana do sol. As indústrias devem ser transferidas para locais de passagem das

matérias-primas, ao longo das grandes vias fluviais, terrestres ou férreas. Um lugar de passagem é

um elemento linear. As cidades industriais, ao invés de serem concêntricas, jornar-se-ão, portanto,

lineares.

Os setores industriais devem ser independentes dos setores habitacionais e separados uns

dos outros por uma zona de vegetação.

A cidade industrial se estenderá ao longo do canal, estrada ou via férrea ou, melhor ainda,

dessas três vias conjugadas. Tornando-se linear e não mais anelar, ela poderá alinhar, à medida

em que se desenvolve, seu próprio setor habitacional, que l e será paralelo. Uma zona verde

separará este último das construções industriais. A moradia inserida desde então em pleno campo,

estará completamente protegida dos ruídos e das poeiras, mantendo-se a uma proximidade que

suprimirá os longos trajetos diários; ela voltará a ser um organismo fam iliar normal. As "condições

naturais" assim reencontradas contribuirão para fazer cessar o nomadismo das populações

operárias. Três tipos de habitação estarão disponíveis para escolha dos habitantes: a casa

individual da cidade-jardim, a casa individual acoplada a uma pequena exploração rural e, enfim, o

imóvel coletivo provido de todos os serviços necessários ao bem-estar de seus ocupantes.

As zonas industriais devem ser contíguas à estrada de ferro, ao canal e à rodovia.

A velocidade inteiramente nova dos transportes mecânicos, que utilizam a rodovia, a

ferrovia, o rio ou o canal, exige a criação de novas vias ou a transformação das já existentes. É um
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programa de coordenação que deve levar em conta a nova distribuição dos estabelecimentos

industriais e das moradias operárias que os acompanham.

0 artesanato, intimamente ligado à vida urbana, da qual procede diretamente, deve poder

ocupar locais claramente designados no interior da cidade.

0 artesanato, por sua natureza, difere da indústria e requer disposições apropriadas. Ele

emana diretamente do potencial acumulado nos centros urbanos. 0 artesanato de livros, j a t e r i a ,

costura ou moda encontra na concentração intelectual da cidade a excitação criadora que lhe é

necessária. São atividades essencialmente urbanas e, portanto, os locais de trabalho, poderão ficar

situados nos pontos mais intensos da cidade.

Ao centro de negócios, consagrado à administração privada ou pública, deve ser garantida

boa comunicação, tanto com os bairros habitacionais quanto com as indústrias ou artesanato

instalados na cidade ou em suas proximidades.

0 s negócios assumiram uma importância tão grande que a escolha da lo c a liza ç o que lhes

será reservada exige um estudo muito particular. 0 centro de negócios deve encontrar-se na

confluência das vias de circulação que servem ao mesmo tempo os setores de habitação, os setores

de indústria e de artesanato, as administrações públicas, alguns hotéis e diversas (estações

ferroviária, rodoviária, marítima, aérea).

Circulação - Observações

A rede atual das vias urbanas é um conjunto de ramificações desenvolvidas em torno das

grandes vias de comunicação. Na Europa, essas últimas remontam a um tempo bem anterior à

idade média, ou às vezes até mesmo à antiguidade.

Certas cidades militares ou de colonização beneficiaram-se, desde o seu nascimento, de um

plano deliberado. Primeiro foi traçada uma muralha de forma regular; nessa muralha terminavam

as grandes vias de comunicação. A disposição interna tinha uma útil regularidade. 0utras cidades,

mais numerosas, nasceram na intersecção de duas grandes rotas que atravessavam a região ou no

ponto de cruzamento de vários caminhos radiais que partiam de um centro comum. Essas vias de

comunicação estão intimamente ligadas à topografia da região, que freqüentemente lhes impõe um

traçado sinuoso. As primeiras casas se instalaram à beira delas; assim tiveram origem as ruas

principais a partir das quais vieram ramificar-se, no decorrer do crescimento da cidade, artérias

secundárias cada vez mais numerosas. As vias principais sempre foram filhas da geografia; muitas

delas puderam ser corrigidas ou retificadas, mas sempre conservarão sua determinação

fundamental.
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As grandes vias de comunicação foram, concebidas para receber pedestres ou coches; hoje

elas não correspondem aos meios de transporte mecânicos.

As cidades antigas eram, por razões de segurança, cercadas por muralhas. Não podiam,

portanto, estender-se proporcionalmente ao crescimento de sua população. Era preciso agir- com

economia para fazer o terreno render o máximo de superfície habitável. É isso que explica sua

disposição em ruas e ruelas estreitas que permitiam servir- ao maior número possível de portas de

habitação. Além disso, essa organização das cidades teve como conseqüência o sistema de blocos

edificados a prumo sobre a rua, de onde eles recebiam luz, e perfurados, com a mesma finalidade,

por pátios internos. Mas tarde, quando as muralhas fortificadas foram sendo afastadas, ruas e

ruelas foram prolongadas em avenidas e alamedas além do primeiro núcleo, que conservava sua

estrutura primitiva. Esse sistema de construção, que não corresponde mais, há muito tempo, a

nenhuma necessidade, tem ainda hoje força de lei. É sempre o bloco edificado, subproduto direto

da rede viária. Suas fachadas dão para ruas ou para pátios internos mais ou menos estreitos. A

rede circulatória que o contém tem dimensões e intersecções múltiplas. Prevista para outros

tempos, essa rede não pôde adaptar-se às novas velocidades dos veículos mecânicos.

O dimensionamento das ruas, desde então inadequado, se opõe à utilização das novas

velocidades mecânicas e à expansão regular da cidade.

O problema é criado pela impossibilidade de conciliar as velocidades naturais, do pedestre ou

do cavalo, com as velocidades mecânicas dos automóveis, bondes, caminhões ou ônibus. Sua

mistura é fonte de mil conflitos. O pedestre circula em uma insegurança perpétua, enquanto os

veículos mecânicos, obrigados a frear com freqüência, ficam paralisados, o que não os impede de

serem um perigo permanente de morte.

As distâncias entre os cruzamentos das ruas são muito pequenas.

Para atingir- sua marcha normal, os veículos mecânicos precisam do arranque e da aceleração

gradual. A freada não pode intervir- brutalmente sem causar um desgaste rápido de suas principais

órgãos. Dever-se-ia, portanto, prever uma unidade de extensão razoável entre o local do arranque

e aquele em que a freada torna-se necessária. Os cruzamentos das ruas atuais, situados a 100, 50,

20, ou mesmo 10 metros de distância uns dos outros, não convêm à boa progressão dos veículos

mecânicos. Espaços de 200 a 400 metros deveriam separá-los.

A largura das ruas é insuficiente. Procurar alargá-las é quase sempre uma operação onerosa

e, além disso, inoperante.

Não há uma largura-tipo uniforme para as ruas. Tudo depende de seu tráfego, em número e

natureza dos veículos. As antigas vias principais, impostas desde o início da cidade pela topografia

e pela geografia, e que formam o tronco da inumerável ramificação de ruas, conservaram quase
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sempre um tráfego intenso. Elas são geralmente muito estreitas, mas seu alargamento não é

sempre uma soluçço fácil e nem sequer eficaz. É preciso que o problema seja retomado bem mais

de am a.

Diante das velocidades mecânicas, a malha das ruas apresenta-se irracional, faltando
precisão, flexibilidade, diversidade e adequação.

A circulação moderna é uma operação das mais complexas. As vias destinadas a múltiplos

usos devem permitir, ao mesmo tempo: aos automóveis, ir de um extremo a outro; aos pedestres,

ir de um extremo a outro; aos ônibus e bondes, percorrer itinerários prescritos; aos caminhões, ir

dos centros de abastecimento a locais de distribuição infinitamente variados; a determinados

veículos, atravessar a cidade em simples trânsito. Cada uma dessas atividades exigiria uma pista

particular, condicionada para satisfazer necessidades claramente e caracterizadas. É, portanto,

preciso dedicar-se a um estudo profundo da questão, considerar seu estado atual e procurar

soluções que respondam de fato a necessidades estritamente definidas.

Traçados de natureza suntuária, buscando objetivos representativos, puderam ou podem

constituir pesados entraves à circulação.

Aquilo que era admissível e até mesmo admirável no tempo dos pedestres e dos coches pode

ter-se tomado, atualmente, uma fonte de problemas constantes. Certas avenidas concebidas para

assegurar uma perspectiva monumental coroada por um monumento ou um edificio, são, no

presente, uma causa de engarrafamento, de atraso, e, às vezes, de perigo. Essas composições de

ordem arquitetônica deveriam ser preservadas da invasão de veículos mecânicos, para os quais não

foram feitas e à cuja velocidade nunca poderão ser adaptadas. A circulação tornou-se hoje uma

função primordial da vida urbana. Ela pede um programa cuidadosamente estudado, que saiba

prever tudo o que é preciso para regularizar os fluxos, criar os escoadouros indispensáveis e

chegar, assim, a suprimir os engarrafamentos e o mal-estar constante de que são a causa.

Em inúmeros casos, a rede das vias férreas tornou-se, por ocasião da extensão da cidade,

um grave obstáculo à u rb an izaço . Ela isola os bairros habitacionais, privando-os de contatos úteis

com os elementos vitais da cidade.

Também aqui o tempo andou muito depressa. As estradas de ferro foram construídas antes

da prodigiosa expansão industrial que elas mesmas provocaram. Ao penetrarem nas cidades, elas

seccionam arbitrariamente zonas inteiras. A estrada de ferro é uma via que não se atravessa; ela

isola uns dos outros setores que, tendo-se coberto pouco a pouco de habitações, viram-se privados

de contatos para eles indispensáveis. Em certas cidades, a situação é grave para a economia geral

e o urbanismo é chamado para considerar o remanejamento e o deslocamento de certas redes, de

modo a fazê-las inserir-se na harmonia de um plano geral.


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Devem ser feitas análises úteis, com base em estatísticas rigorosas do conjunto da

circulação na cidade e sua região, trabalho que revelará os leitos de circulação e a qualidade de

seus tráficos.

A circulaçço é uma fu n ç o vital cujo estado atual deve ser expresso em gráficos. As causas

determinantes e os efeitos de suas diferentes intensidades aparecerão então claramente e será

mais fácil discernir os pontos críticos. Somente uma visão clara da situação permitirá realizar dois

progressos indispensáveis: dar a cada uma das vias de circulação uma destinação precisa, que será

receber seja os pedestres, seja os automóveis, seja as cargas pesadas ou os veículos em trânsito;

dar depois a essas vias, de acordo com a função para a qual forem destinadas, dimensões e

características especiais: natureza do leito, largura da calçada, locais e natureza dos cruzamentos

ou das interligações.

As vias de circulação devem ser classificadas conforme sua natureza, e construídas em

função dos veículos e de suas velocidades.

A rua única, legada pelos séculos, recebia outrora pedestres e cavaleiros indistintamente e só

no final do século XVIII o emprego generalizado de coches provocou a criação das calçadas. No

século XX, abateu-se como um cataclisma a massa de veículos mecânicos - bicicletas, motocicletas,

automóveis, caminhões, bondes - com suas velocidades inesperadas. 0 crescimento fulminante de

algumas cidades como Nova York por exemplo, provocou um fluxo inimaginável de veículos em

certos pontos determinados. Já é tempo de remediar, por meio de medidas apropriadas, uma

situação que caminha para ao desastre. A primeira medida útil seria separar radicalmente, nas

artérias congestionadas, o caminho dos pedestres e o dos veículos mecânicos. A segunda, dar às

cargas pesadas um leito de circulação particular. A terceira, considerar, para a grande circulação,

vias de trânsito independentes das vias usuais, destinadas somente à pequena ci^cul^ço.

0 s cruzamentos de tráfego interno serão organizados em circulação contínua por meio de

mudanças de níveis.

0 s veículos em trânsito não deveriam ser submetidos ao regime de paradas obrigatórias a

cada cruzamento, que torna inutilmente lento seu percurso. Mudanças de nível, em cada via

transversal, são o melhor meio de assegurar-lhes uma marcha contínua. Nas grandes vias de

circulação e a distâncias calculadas para obter o m e lo r rendimento, serão estabelecidas

interligações unindo-as às vias destinadas à circulação miúda.

0 pedestre deve poder seguir caminhos diferentes do automóvel

Isso constituiria uma reforma fundamental da circulação nas cidades. Não haveria nada mais

sensato nem que abrisse uma era de urbanismo mais nova e mais fértil. Essa exigência
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N acional

concernente à circclação pode ser considerada tão rigorosa quanto aquela que, no domínio da

habitação, condena toda orientação da moradia para o norte.

As ruas devem ser diferenciadas de acordo com suas destinações: ruas de residências, ruas

de passeio, ruas de trânsito, vias principais.

As ruas, ao invés de serem liberadas a tudo e a todos, deverão, conforme sua categoria, ,er

regimes diferentes. As ruas residenciais e as áreas destinadas aos usos coletivos exigem uma

atmosfera particular. Para permitir às moradias e a seus "prolongamentos" usufruir da calma e da

paz que lhes são necessárias, os veículos mecânicos serão canalizados para circuitos especiais. As

avenidas de trânsito não terão nenhum contato com as ruas de circulação miúda, salvo nos pontos

de interligação. As grandes vias principais que estão relacionadas a todo o conjunto da região

afirmarão, naturalmente, sua prioridade. Mas serão também levadas em consideração as ruas de

passeio, nas quais, sendo rigorosamente imposta uma velocidade reduzida a todos os tipos de

veículos, sua mistura com os pedestres não oferecerá mais inconvenientes.

As zonas de vegetação devem isolar, em princípio, os leitos de grande circulação.

Sendo as vias de trânsito ou de grande circulaçço bem diferenciadas das vias de circulaçço

miúda, não terão nenhuma razão para se aproximarem das construções públicas ou privadas. Será

bom que elas sejam ladeadas por espessas cortinas de vegetação.

Patrimônio Histórico das Cidades

Os valores arquitetônicos devem ser salvaguardados (edifícios isolados ou conjuntos

urbanos).

A vida de uma cidade é um acontecimento contínuo, que se manifesta ao longo dos séculos

por obras materiais, traçados ou construções que lhe conferem sua personalidade própria e dos

quais emana pouco a pouco a sua alma. São testemunhos preciosos do passado que serão

respeitados, a princípio por seu valor histórico ou sentimental, depois, porque alguns trazem uma

virtude plástica na qual se incorporou o mais alto grau de intensidade do gênio humano. Eles fazem

parte do patrimônio humano, e aqueles que os detêm ou são encarregados de sua proteção, ,êm a

responsabilidade e a obrigação de fazer tudo o que é lícito para transmitir intacta para os séculos

futuros essa nobre herança.

Serão salvaguardados se constituem a expressão de uma cultura anterior e se correspondem

a um interesse geral...

A morte, que não poupa nenhum ser vivo, atinge também as obras dos homens. É

necessário saber reconhecer e discriminar nos testemunhos do passado aquelas que ainda estão

bem vivas. Nem tudo que é passado tem, por definição, direito à perenidade; convém escolher com
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sabedoria o que deve ser respeitado. Se os interesses da cidade são lesados pela persistência de

determinadas presenças insignes, majestosas, de uma era já encerrada, será procurada a solução

capaz de conciliar dois pontos de vista opostos: nos casos em que se esteja diante de construções

repetidas em numerosos exemplares, algumas serão conservadas a título de documentário, as

outras demolidas; em outros casos poderá ser isolada a única parte que constitua uma lembrança

ou um valor real; o resto será modificado de maneira útil. Enfim, em certos excepcionais, poderá

ser aventada a transplantação de elementos incômodos por sua situação, mas que merecem ser

conservados por seu alto significado estético ou histórico.

Se sua conservação não acarreta o sacrifício de populações mantidas em condições

insalubres...

Um culto estrito do passado não pode levar a desconhecer as regras da justiça social.

Espíritos mais ciosos do estetismo do que da solidariedade militam a favor da conservação de

certos velhos bairros pitorescos, sem se preocupar com a miséria, a promiscuidade e a doença que

eles abrigam. É assumir uma grave responsabilidade. 0 problema deve ser estudado e pode às

vezes ser resolvido por uma solução engenhosa; mas, em nenhum caso, o culto do pitoresco e da

história deve ter primazia sobre a salubridade da moradia da qual dependem tão estreitamente o

bem-estar e à saúde moral do indivíduo.

Se é possível remediar sua presença prejudicial com medidas radicais: por exemplo, o

destino de elementos vitais de circulação ou mesmo o deslocamento de centros considerados até

então imutáveis.

0 crescimento excepcional de uma cidade pode criar uma situação perigosa, levando a um

impasse do qual só se sairá mediante alguns sacrifícios. 0 obstáculo só poderá ser suprimido pela

demolição. Mas, quando esta medida acarreta a destruição de verdadeiros valores arquitetônicos,

históricos ou espirituais, mais vale, sem dúvida, procurar uma outra solução. Ao invés de suprimir o

obstáculo à circulação desviar-se-á a própria circulação ou, se as condições o permitirem impor-se-

lhe-á uma passagem sob um túnel. Enfim, pode-se também deslocar um centro de atividade

intensa e, transplantando-o para outra parte, mudar inteiramente o regime circulatório da zona

congestionada. A imaginação, a invenção e os recursos técnicos devem combinar-se para chegar a

desfazer os nós que parecem mais inextrincáveis.

A destruição de cortiços ao redor dos monumentos históricos dará a ocasião para criar

superfícies verdes.

É possível que, em certos casos, a demolição de casas insalubres e de cortiços ao redor de

algum monumento de valor histórico destrua uma ambiência secular. É uma coisa lamentável mas

inevitável. Aproveitar-se-á a situação para introduzir- superfícies verdes. 0 s vestígios do passado


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mergulharão em uma ambiência nova, inesperada talvez, mas certamente tolerável, e da qual, em

todo caso, os bairros vizinhos se beneficiarão amplamente.

O emprego de estilos do passado, sob pretextos estéticos, nas construções novas erigidas

nas zonas históricas, têm conseqüências nefastas. A manutenção de tais usos ou a introdução de

tais iniciativas não serão toleradas de forma alguma.

Tais métodos são contrários à grande lição da história. Nunca foi constatado um retrocesso,

nunca o homem voltou sobre seus passos. As obras-primas do passado nos mostram que cada

geração teve sua maneira de pensar, suas concepções, sua estética, recorrendo, como trampolim

para sua im a g in a ço , à totalidade de recursos técnicos de sua época. Copiar servilmente o passado

é condenar-se à mentira, é erigir- o "falso" como princípio, pois as antigas condições de trabalho

não poderiam ser reconstituídas e a aplicação da técnica moderna a um ideal ultrapassado sempre

leva a um simulacro desprovido de qualquer vida. Misturando o "falso" ao "verdadeiro", longe de se

alcançar uma impressão de conjunto e dar a sensação de pureza de estilo, chega-se somente a

uma reconstituição fictícia, capaz apenas de desacreditar os testemunhos autênticos, que mais se

tinha empenho em preservar.

Terceira Parte - Conclusões

Pontos de doutrina

A maioria das cidades estudadas oferece hoje a imagem do caos. Essa cidades não

correspondem, de modo algum a sua d e s tin a ço , que seria satisfazer as necessidades, primordiais,

biológicas e psicológicas de sua população.

Trinta e três cidades foram analisadas, por ocasião do Congresso de Atenas, por diligência

dos grupos nacionais dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna: Amsterdã, Atenas,

Bruxelas, Baltimore, Bandoeng, Budapeste, Berlim, Barcelona, Charieroi, Colônia, Como, Dalat,

Detroit, Dessau, Frankfurt, Genebra, Gênova, Haia, Los Angeles, Litoria, Londres, Madri, Oslo, Paris,

Praga, Roma, Roterdã, Estocolmo, Utrecht, Verona,Varsóvia, Zagreb e Zuriq ue. Elas ilustram a

história da raça branca sob os mais diversos climas e latitudes. Todas testemunham o mesmo

fenômeno: a desordem instituída pelo maquinismo em uma situação que comportava até então

uma relativa harmonia; e também a ausência de qualquer esforço sério de a d a p ta ç o . Em todas

essas cidades o homem é molestado. Tudo que o cerca sufoca-o e esmaga-o. Nada do que é

necessário a sua saúde física e moral foi salvaguardado ou organizado. Uma crise-de humanidade

assola as grandes cidades e repercute em toda a extensão dos territórios. A cidade não

corresponde mais a sua função, que é a de abrigar os homens, e abrigá-los bem.


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Esta situação revela, desde o começo da era do maquinismo, o crescimento incessante dos

interesses privados.

A base desse lamentável estado de coisas está na preeminência das iniciativas privadas

inspiradas pelo interesse pessoal pelo atrativo do ganho. Nenhuma autoridade consciente da

natureza e da importância do movimento do maquinismo interveio, até o presente, para evitar os

danos pelos quais ninguém pode ser efetivamente responsabilizado. As empresas estiveram,

durante cem anos, entregues ao acaso. A construção de habitações ou de fábricas, a organização

das rodovias, hidrovias ou ferrovias, tudo se multiplicou numa pressa e numa violência individual,
da qual estavam excluídos qualquer plano preconcebido e qualquer reflexão prévia. Hoje, o mal

está feito. As cidades são desumanas, e da ferocidade de alguns interesses privados nasceu a

infelicidade de inúmeras pessoas.

A violência dos interesses privados provoca um desastroso desequilíbrio entre o ímpeto das

forças econômicas, de um lado, e, de outro, a fraqueza do controle administrativo e a impotente

solidariedade social.

O sentimento de responsabilidade administrativa e o da solidariedade social são derrotados

diariamente pela força viva e incessantemente renovada do interesse privado. Essas diversas fontes

de energia estão em perpétua contradição, e, quando uma ataca, a outra se defende. Nessa luta,

infelizmente desigual, o interesse privado triunfa o mais das vezes, assegurando o sucesso dos

mais fortes em detrimento dos fracos. Mas, do próprio excesso do mal surge, às vezes, o bem; e a

imensa desordem material e moral da cidade moderna terá talvez como resultado fazer surgir- enfim

o estatuto da cidade, que, apoiado em uma forte responsabilidade administrativa, instaurará as

regras indispensáveis à proteção da saúde e da dignidade humana.

Embora as cidades esteja em estado de permanente transformação, seu desenvolvimento é

conduzido sem precisão nem controle e sem que sejam levados em consideração os princípios do

urbanismo contemporâneo atualizados aos meios técnicos qualificados.

Os princípios do urbanismo moderno foram produzidos pelo trabalho de inúmeros técnicos:

técnicos da arte de construir, técnicos de saúde, técnicos da organização social. Eles foram objeto

de artigos, üvros, congressos, debates públicos ou privados. Mas é preciso fazer com que sejam

admitidos pelos órgãos administrativos encarregados de velar pelo destino das cidades e que, não

raro, são hostis às grandes transformações propostas por esses dados novos. É necessário, antes

de mais nada, que a autoridade seja esclarecida e, depois, que ela aja. Clarividência e energia

podem vir- a restaurar a situação comprometida.

A cidade deve assegurar, nos planos espiritual e material, a liberdade individual e o benefício

da ação coletiva.
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Liberdade individual e ação coletiva são os dois polos entre os quais se desenrola o jogo da

vida. Todo empreendimento cujo objetivo é a melhoria do destino humano deve levar em

consideração esses dois fatores. Se ele não chega a satisfazer suas exigências, frequentemente

contraditórias, condena-se a um inevitável fracasso. É impossível, em todo caso, coordená-los de

maneira harmoniosa se não se elabora, de antemão, um programa cuidadosamente estudado e que

nada deixe ao acaso.

O dimensionamento de todas as coisas no dispositivo urbano só pode ser regido pela escala

humana.

A medida natural do homem deve servir de base a todas as escalas que estarão relacionadas

à vida e às diversas funções do ser. Escala das medidas, que se aplicarão às superfícies ou às

distâncias; escala das distâncias, que serão consideradas em sua relação com o ritmo natural do

homem; escala dos horários, que devem ser determinados considerando-se o trajeto cotidiano do

sol.

As chaves do urbanismo estão nas quatro funções: habitar, trabalhar, recrear-se (nas horas

livres), circular.

O urbanismo exprime a maneira de ser de uma época. Até agora, ele só atacou um único

problema, o da circulação. Ele se contentou em abrir avenidas ou traçar ruas, constituindo assim

quarteirões edificados cuja destinação é abandonada à aventura das iniciativas privadas. Essa é

uma visão estreita e insuficiente da missão que lhe está destinada. O urbanismo tem quatro

funções principais, que são: primeiramente, assegurar aos homens moradias saudáveis, isto é,

locais onde o espaço, o ar puro e o sol, essas três, condições essenciais da natureza, lhe sejam

largamente asseguradas; em segundo lugar, organizar os locais de trabalho, de tal modo que, ao

invés de serem uma sujeição penosa, eles retomem seu caráter de atividade humana natural; em

terceiro lugar, prever as instalações necessárias à boa utilização das horas livres, tornando-as

benéficas e fecundas; em quarto lugar, estabelecer o contato entre essas diversas organizações

mediante uma rede circulatória que assegure as trocas, respeitando as prerrogativas de cada uma.

Essas quatro funções, que são as quatro chaves do urbanismo, cobrem um domínio imenso, sendo

o urbanismo a conseqüência de uma maneira de pensar levada à vida pública por uma técnica de

ação.

Os planos determinarão a estrutura de cada um dos setores atribuídos às quatro funções-

chave, e eles fixarão suas respectivas localizações no conjunto.

Desde o congresso dos CIAM, em Atenas, as quatro funções-chave do urbanismo

reivindicam, para manifestar-se em toda a sua plenitude e trazer ordem e classificação às

condições habituais de vida, trabalho e cultura, disposições particulares que ofereçam a cada uma
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delas as condições mais favoráveis ao desenvolvimento de sua atividade própria. O urbanismo,

levando em co n sid e ra ço essa necessidade, transformará o aspecto das cidades, romperá a

opressão esmagadora de usos que perderam sua razão de ser e abrirá aos criadores um campo de

ação inesgotável. Cada uma das funções-chave terá sua autonomia, apoiada nos dados fornecidos

pelo clima, pela topografia, pelos costumes; elas serão consideradas entidades às quais serão

atribuídos territórios e locais para cujo equipamento e instalação serão acionados todos os

prodigiosos recursos das técnicas modernas. Nessa distribuição, serão consideradas as

necessidades vitais do indivíduo e não o interesse ou o lucro de um grupo particular. O urbanismo

deve assegurar a liberdade individual e, ao mesmo tempo, favorecer e se aproveitar dos benefícios

da ação coletiva.

O ciclo das funções cotidianas - habitar, trabalhar, recrear-se (recuperação) - será

regulamentado pelo urbanismo dentro da mais rigorosa economia de tempo, sendo a habitação

considerada o próprio centro das preocupações urbanísticas e o ponto de articulação de todas as

medidas.

O desejo de reintroduzir na vida cotidiana as condições naturais parece, à primeira vista,

aconselhar uma maior extensão horizontal das cidades; mas a necessidade de regulamentar as

diversas atividades segundo a duração do trajeto solar se opõe a essa concepção, cujo

inconveniente é impor distâncias que não têm r e la ç o com o tempo disponível. É a habitaçço que

está no centro das preocupações do urbanista e o jogo das distâncias será regulamentado de

acordo com a sua posição no planejamento, em conformidade com a jornada solar de vinte e

quatro horas, que ritma a atividades dos homens e dá a justa medida a todos os seus

empreendimentos.

As novas velocidades mecânicas convulsionaram o meio urbano, instaurando o perigo

permanente, provocando o engarrafamento e a paralisia dos transportes, comprometendo a

higiene.

Os veículos mecânicos deveriam ser agentes liberadores e, por sua velocidade, trazer um

ganho apreciável de tempo. Mas sua acumulação e concentração em certos pontos tomaram-se, a

um só tempo, uma dificuldade para a circulaçço e a o ca siio de perigos permanentes. Além disso,

eles introduziram na vida citadina inúmeros fatores prejudiciais à saúde. Seus gases de combustão

difundidos no ar são nocivos aos pulmões e seu barulho determina no homem um estado de

nervosismo permanente. Essas velocidades, doravante utilizáveis, despertam a tentação de evasão

cotidiana, para longe, na natureza, difundem o gosto por uma mobilidade sem freio nem medida e

favorecem modos de vida que deslocando a família, perturbam profundamente a estabilidade da


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sociedade. Elas condenam os homens a passar horas cansativas em todo tipo de veículos e a

perder, pouco a pouco, a prática da mais saudável e natural de todas as funções: a caminhada.

0 princípio da circclação urbana e suburbana deve ser revisto. Deve ser feita uma

classificação das velocidades disponíveis. A reforma do zoneamento, harmonizando as funções-

chave da cidade, criará entre elas vínculos naturais para cujo fortalecimento será prevista uma rede

racional de grandes artérias.

0 zoneamento, levando em consideração as funções-chave - habitar, trabalhar, recrear-se -

ordenará o território urbano. A circulação, esta quarta função, só deve ter um objetivo; estabelecer

uma comunicação proveitosa entre as outras três. São inevitáveis grandes transformações. A

cidade e sua re g iio devem ser munidas de uma rede exatamente proporcional aos usos e aos fins,

e que constituirá a técnica moderna da ci^cul^ço. Será preciso classificar e diferenciar os meios de

transporte e estabelecer para cada um deles um leito adequado à própria natureza dos veículos

utilizados. A circulação assim regulamentada torna-se uma função regular e que não impõe

nenhum incômodo à estrutura da habitação ou a dos locais de trabalho.

0 urbanismo é uma ciência de três dimensões e não apenas de duas. É fazendo intervir o

elemento altura que será dada uma solução para as circulações modernas, assim como para os

lazeres, mediante a exploração dos espaços livres assim criados.

As funções-chave habitar, trabalhar e recrear-se desenvolvem-se no interior de volumes

edificados submetidos a três imperiosas necessidades: espaço suficiente, sol e aeração. Esses

volumes não dependem apenas do solo e de suas duas dimensões, mas sobretudo de uma terceira,

a altura. É levando em o consideração a altura que o urbanismo recuperará os terrenos livres

necessários às comunicações e os espaços úteis ao lazer. É preciso distinguir- as funções

sedentárias, que se desenvolvem no interior de volumes - onde a terceira dimensão desempenha o

papel mais importante - das fu nções de circulação, as quais, utilizando apenas duas dimensões,

estão ligadas ao solo, para as quais a altura só intervém excepcionalmente e em pequena escala,

no caso, por exemplo, de mudanças de nível destinadas a regularizar certos fluxos intensos de

veículos.

A cidade deve ser estudada no conjunto de sua região de influência. Um plano de região

substituirá o simples pia no municipal. 0 limite da a g lo m e ra ço será f u n ç o do raio de sua a ç o

econômica.

0 s dados de um problema de urbanismo são fornecidos pelo conjunto das atividades que se

desenvolvem não somente na cidade, mas em toda a região da qual ela é o centro. A razão de ser

da cidade dever ser procurada e expressada em cifras que permitirão prever, para o futuro, as

etapas de um desenvolvimento plausível. 0 mesmo trabalho aplicado às aglomerações que fixarão


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para cada cidade envolvida por sua região um caráter e um destino próprios. Assim, cada uma

tomará seu lugar e sua cl^ ssificaço na economia geral do país. Resultará disso uma d d im it a ç o

clara dos limites da r e g io . Este é o urbanismo total, capaz de levar o equilíbrio à re g iio e ao país.

A cidade, definida desde então como uma unidade funcional, deverá crescer

harmoniosamente em cada uma de suas partes, dispondo de espaços e ligações onde poderão se

inscrever equilibradamente as etapas de seu desenvolvimento.

A cidade adquirirá o caráter de uma empresa estudada de antemão e submetida ao rigor de

um planejamento geral. Sábias previsões terão esboçado seu futuro, descrito seu caráter, previsto

a amplitude de seus desenvolvimentos e limitado, previamente, seu excesso. Subordinada às

necessidades da região, destinada a enquadrar as quatro funções-chave, a cidade não será mais o

resultado desordenado de iniciativas acidentais. Seu desenvolvimento, ao invés de produzir- uma

catástrofe, será um coroarnento. E o crescimento das cifras de sua população não conduzirá mais a

essa confusão desumana que é um dos fiagelos das grandes cidades.

É da mais urgente necessidade que cada cidade estabeleça seu programa, promulgando leis

que permitam sua realização.

O acaso cederá diante da previsão, o programa sucederá a improvisação. Cada caso será

inscrito no planejamento regional; os terrenos serão aferidos e atribuídos a diversas atividades:

clara ordenação no empreendimento que será iniciado a partir de amanhã e continuado, pouco a

pouco, por etapas sucessivas. A lei fixará o "estatuto do solo", dotando cada função-chave dos

meios de m e lo r se exprimir, de se instalar nos terrenos mais favoráveis e a distâncias mais

proveitosas. Ela deve prever também a proteção e a guarda das extensões que serão ocupadas um

dia. Ela terá o direito de autorizar - ou de proibir -, e favorecerá todas as inicatívas adequadamente

planejadas, mas velará para que elas se insiram no planejamento geral e sejam sempre

subordinadas aos interesses coletivos, que constituem o bem público.

O programa deve ser elaborado com base em análises rigorosas, feitas por especialistas. Ele

deve prever as etapas no tempo e no espaço. Deve reunir em um acordo fecundo os recursos

naturais do sítio, a topografia do conjunto, os dados econômicos, as necessidades sociológicas, os

valores espirituais.

A obra não será mais limitada ao plano precário do geômetra que projeta, à revelia dos

subúrbios, os blocos de imóveis na poeira dos loteamentos. Ela será uma verdadeira criação

biológica, compreendendo órgãos claramente definidos, capazes de desempenhar com perfeiçço

suas funções essenciais. Os recursos do solo serão analisados e as limitações à quais ele se obriga,

reconhecidas; a ambiência geral, estudada e os valores naturais, hierarquizados. Os grandes leitos

de circulação serão confirmados e instalados no lugar adequado, e a natureza de seu equipamento


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fixada segundo o uso para o qual serão destinados. Uma ccrva de crescimento exprimirá o futuro

econômico previsto para cidade. Regras invioláveis assegurarão aos habitantes o bem-estar da

moradia, a facilidade do trabalho, o feliz emprego das horas livres. A alma das cidades será

animada pela clareza do planejamento.

Para o arquiteto, ocupado aqui com as tarefas do urbanismo, o instrumento de medida será

a escala humana.

A arquitetura, após a derrota, desses últimos cem anos, deve ser recolocada a serviço do

homem. Ela deve deixar as pompas estéreis, debruçar-se sobre o indivíduo e criar-lhe, para sua

felicidade, as organizações que estarão à volta, tornando mais fáceis todos os gestos de sua vida.

Quem poderá tomar as medidas necessárias para levar a bom termo essa tarefa, senão o arquiteto,

que possui o perfeito conhecimento do homem, que abandonou os grafismos ilusórios, e que, pela

justa adaptação dos meios aos fins propostos, criará uma ordem que tem em si sua própria poesia?

0 número inicial do urbanismo é uma célula habitacional (uma moradia) e sua inserção num

grupo formando uma unidade habitacional de proporções adequadas.

Se a célula é o elemento biológico primordial, a casa, quer dizer, o abrigo de uma família,

constitui a célula social. A construção dessa casa, há mais de um século submetida aos jogos

brutais da especulação, deve torna-se uma empresa humana. A casa é o núcleo inicial do

urbanismo. Ela protege o crescimento do homem, abriga as alegrias e as dores de sua vida

cotidiana. Se ela deve conhecer interiormente o sol e o ar puro, deve, além disso, prolongar-se no

exterior em diversas instalações comunitárias. Para que seja mais fácil dotar as moradias dos

serviços comuns destinados a realizar comodamente o abastecimento, a educação, a assistência

médica ou a u tiliz a ç o dos lazeres, será preciso reuni-las em "unidades habitacionais" de

proporções adequadas.

É a dessa unidade-moradia que se estabelecerão no espaço urbano as relações entre a

habitação, os locais de trabalho e as instalações consagradas às horas livres.

A primeira das funções que deve atrair a atenção do urbanismo é habitar e... habitar bem. É

preciso também tr a b a la r , e fazê-lo em condições que requerem uma séria revisão dos usos

atualmente em vigor. 0 s escritórios, as oficinas, as fábricas devem ser dotados de instalações

capazes de assegurar o bem-estar necessário ao desempenho desta segunda função. Enfim, não se

pode negligenciar a terceira, que é recrear-se, cultivar o corpo e o espírito. E o urbanista deverá

prever os sítios e os locais propícios.

Para realizar essa grande tarefa é indispensável utilizar os recursos da técnica moderna. Esta

com a ajuda de seus especialistas, respaldará a arte de construir com todas as garantias da ciência

e a enriquecerá com as invenções e os recursos da época.


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A era do maquinismo introduzir técnicas novas, que são uma das causas da desordem e da

confusão das cidades. É a ela, no entanto, que é preciso pedir a solução do problema. As modernas

técnicas de construção instituíram novos métodos, trouxeram novas facilidades, permitiram novas

dimensões. Elas abrem verdadeiramente um novo ciclo na história da arquitetura. As novas

construções serão não somente de uma amplitude, mas, ainda, de uma complexidade

desconhecidas até aqui. Para realizar a tarefa múltipla que t e é imposta, o arquiteto deverá

associar-se a numerosos especialistas em todas as etapas do empreendimento.

A marcha dos acontecimentos será profundamente influenciada pelos fatores políticos,

sociais e econômicos...

Não basta que a necessidade do estatuto do solo e de certos princípios de construção seja

admitida. É preciso, ainda, para passar da teoria aos atos, o concurso dos seguintes fatores: um

poder político tal como se o deseja, clarividente, convicto, decidido a realizar as melhores condições

de vida, elaboradas e expressas nos planos; uma população esclarecida para compreender, desejar,

reivindicar aquilo que os especialistas planejaram para ela; uma situação econômica que permita

empreender e prosseguir os trabalhos, alguns dos quais serão consideráveis. Pode ser, todavia, que

mesmo em uma época em que tudo c a i ao nível mais baixo, em que as condições, políticas,

sociais e econômicas são as mais desfavoráveis, a necessidade de construir abrigos decentes

apareça de repente como uma imperiosa obrigação, e que ela venha dar ao político, ao social e ao

econômico o objetivo e o programa coerentes que justamente lhes faltavam.

E não é aqui que a arquitetura intervirá em última instância.

A arquitetura preside aos destinos da cidade. Ela ordena a estrutura da moradia, célula

essencial do tecido urbano, cuja salubridade, alegria, harmonia são subordinadas às suas decisões.

Ela reúne as moradias em unidades habitacionais, cujo êxito dependerá da justeza de seus

cálculos. Ela reserva, de antemão, os espaços livres em meio aos quais se erguerão os volumes

edificados, em porporções harmoniosas. Ela organiza os prolongamentos da moradia, os locais de

trabalho, as áreas consagradas ao entretenimento. Ela estabelece a rede de circulação que colocará

em contato as diversas zonas. A arquitetura é responsável pelo bem-estar e pela beleza da cidade.

É ela que se encarrega de sua criação ou de sua melhoria, e é ela que está incumbida da escolha e

da distribuição dos diferentes elementos, cuja feliz proporção constituirá uma obra harmoniosa e

duradoura. A arquitetura é chave de tudo.

A escala dos tr a b a lo s a empreender com urgência para a organização das cidades, de outro

lado, o estado infinitamente parcelado da propriedade fundiária são duas realidades antagônicas.

Devem ser empreendidos, sem demora, ^ a b a lo s de importância capital, uma vez que todas

as cidades do mundo, antigas ou modernas, revelam os mesmos vícios advindos das mesmas
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causas. Mas nenhuma obra fragmentária deve ser empreendida se ela não se insere no contexto da

cidade e no da região, ,ais como eles terão sido previstos por um amplo estudo e um grande plano

de conjunto. Esse plano, forçosamente, conterá partes cuja realização poderá ser imediata e

outras, cuja execução deverá ser remetida para datas indeterminadas. Inúmeras parcelas fundiárias

deverão ser expropriadas e serão objeto de transações. Então, será preciso temer o jogo sórdido

da especulação, que tão freqüentemente esmaga no berço os grandes empreendimentos animados

pela preocupação com o bem público. O problema da propriedade do solo e de sua possível

requisição se coloca nas cidades, em sua periferia, e se estende até a zona, mais ou menos ampla

que constitui sua r e g io .

A perigosa contradição aqui constatada sustica uma das questões mais perigosas da época: a

urgência de regulamentar, por um meio legal, a disposiçço de todo o solo útil para equilibrar as

necessidades vitais dos indivíduos em plena harmonia com as necessidades coletivas.

Há anos que as empresas de equipamento, em todos os pontos do mundo, batem contra o

estatuto petrificado da propriedade privada. O solo - território do país - deve tornar-se disponível a

qualquer momento, e por seu justo valor, avaliado antes do estudo dos projetos. O solo deve ser

mobilizável quando se trata do interesse geral. Inúmeros inconvenientes se abateram sobre os

povos que não souberam medir com exatidão a amplitude das transformações técnicas e suas

formidáveis repercussões sobre a vida pública e privada. A ausência do urbanismo é a causa da

anarquia que reina na organização das cidades, no equipamento das indústrias. Por se ignorarem

as regras, o campo se esvaziou, as cidades se encheram muito além do razoável, as concentrações

industriais se fizeram ao acaso, as moradias operárias tornaram-se cortiços. Nada foi previsto para

a salvaguarda do homem. O resultado é catasúófico e é quase uniforme todos os países. É o fruto

amargo de cem anos de maquinismo sem direção.

O interesse privado será subordinado ao interesse coletivo.

Entregue a si mesmo, o homem é rapidamente esmagado pelas dificuldades de todo o tipo,

que deve superar. Pelo contrário, se está submetido a muitas obrigações coletivas, sua

personalidade resulta sufocada. O direito individual e o direito coletivo devem, portanto, sustentar-

se, reforçar-se mutuamente e reunir tudo aquilo que comportam de infinitamente construtivo. O

direito individual não tem relação com o vulgar interesse privado. Este, que satisfaz a uma minoria

condenando o resto da massa social a uma vida medíocre, merece severas restrições. Ele deve ser,

em todas as partes, subordinado ao interesse coletivo, tendo cada indivíduo acesso às alegrias

fundamentais: o bem-estar do lar, a beleza da cidade.


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H istórico e
A rtístic o
N a c io n a l

Notas - Sobre os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna

1928 - Fundação dos Ciam Em 1928 um grupo de arquitetos modernos se reunia na Suíça, no

castelo de La Sarraz Vaud, graças à generosa hospitalidade de Madame Hélène de Mandrot. Depois

de ter examinado, a partir de um programa elaborado em Paris, o problema colocado pela arte de

edificar, firmaram um ponto de vista sólido e decidiram reunir-se para colocar a arquitetura diante

de suas verdadeiras tarefas. Assim foram fundados os Congressos Internacionais de Arquitetura

Moderna, os CIAM.

Declaração de La Sarraz

0s arquitetos abaixo assinados, representantes dos grupos nacionais de arquitetos

modernos, afirmam sua unidade de pontos de vista sobre as concepções fundamentais da

arquitetura e sobre suas obrigações profissionais. Insistem particularmente no fato de que construir

é uma atividade elementar do homem, ligada intimamente à evolução da vida. 0 destino da

arquitetura é o de exprimir o espírito de uma época. Eles afirmam hoje a necessidade de uma

concepção nova da arquitetura que satisfaça as exigências materiais, sentimentais e espirituais da

vida presente. Conscientes das perturbações profundas causadas pelo maquinismo, reconheceram

que a transformação da estrutura social e da ordem econômica acarreta fatalmente uma

transformação correspondente do fenômeno arquitetônico. Eles estão reunidos com a intenção de

pesquisar a h a rm o n iza ço dos elementos presentes no mundo moderno e de recolocar a

arquitetura em seu verdadeiro plano, que é de ordem econômica e sociológica e inteiramente a

serviço da pessoa humana. É assim que a arquitetura escapará da dominação esterilizante das

academias. Firmes nesta convicção, eles declaram associar-se para realizar suas aspirações.

Economia Geral

0 equipamento de um país reclama a íntima vincularão da arquitetura com a economia geral.

A noção de "rendimentos", introduzida como axioma da vida moderna, não implica absolutamente

o lucro com ercial máximo, mas uma produção suficiente para satisfazer plenamente as

necessidades humanas. 0 verdadeiro rendimento será o fruto de uma racionalização e de uma

normatização (aplicada com flexibilidade tanto nos projetos arquitetônicos como nos métodos

industriais de execuçço). Urge que a arquitetura, ao invés de recorrer quase que exclusivamente a

um artesanato anêmico, sirva-se também dos imensos recursos que lhe oferece a técnica industrial,

mesmo quando uma tal decisão conduza a realizações muito diferentes daquelas que fizeram a

glória das épocas passadas.


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N a c io n a l

Urbanismo

0 urbanismo é a administração dos lugares e dos locais diversos que devem abrigar o

desenvolvimento da vida material, sentimental e espiritual em todas as suas manifestações,

individuais ou coletivas. Ele envolve tanto as aglomerações urbanas quanto os agrupamentos

rurais. 0 urbanismo não poderia mais estar exclusivamente subordinado às regras de um estetismo

gratuito. Por sua essência, ele é de ordem fundonal. As três funções fundamentais pela realização

das quais o urbanismo deve velar são: I o habitar; 2o trabalhar; 3o recrear-se. Seus objetivos são:

a) a ocupação do solo;

b) a organização da circulação;

c) a legislaçço.

As três funções fundamentais acima indicadas não são favorecidas pelo estado atual das

aglomerações. As relações entre os diversos locais que lhes são destinados devem ser recalculadas

de maneira a determinar uma justa proporção entre volumes edificados e espaços livres. 0

problema da circulação e o da densidade devem ser reconsiderados. 0 parcelamento desordenado

do solo, fruto de partilhas, de vendas e da especulação, deve ser substituído por uma economia

territorial de reagrupamento. Este reagrupamento, base de todo urbanismo capaz de responder às

necessidades presentes, assegurará aos proprietários e à comunidade a justa distribuiçço das mais-

valias resultantes dos trabalhos de interesse comum.

A Arquitetura e a opinião pública

É indispensável que os arquitetos exerçam uma influência sobre a opinião pública e a façam

conhecer os meios e os recursos da nova arquitetura. 0 ensino acadêmico perverteu o gosto

público, e não raro os problemas autênticos da habitação sequer são levantados. A opinião pública

está mal informada e os usuários, em geral, só sabem formular muito mal seus desejos em matéria

de moradia. Além disso, essa moradia tem estado há muito tempo excluída das preocupações

maiores do arquiteto. Um punhado de verdades elementares, ensinadas na escola primária, poderia

constituir o fundamento de uma educação doméstica. Esse ensino resultaria na formação de

gerações possuidoras de uma concepção saudável da moradia. Essas gerações. futura clientela do

arquiteto, seriam capazes de lhe impor a solução do problema da habitação, por tanto tempo

negligenciado.

A Arquitetura e o Estado

0 s arquitetos, tendo a firme vontade de trabalhar no interesse verdadeiro da sociedade

moderna, consideram que as academias, conservadoras do passado, negligenciando o problema da


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moradia em benefício de uma arquitetura puramente suntuária, entravam o progresso social. Por

sua apropriação do ensino, elas viciam desde a origem a vocação do arquiteto e, pela quase

exclusividade que têm dos cargos do Estado, elas se opõem à p e n e tra ç o do novo espírito, o único
que poderia vivificar e renovar a arte de edificar.

Objetivos do CIAM

Os objetivos dos CIAM são: formular o problema arquitetônico contemporâneo; apresentar a

idéia arquitetônica moderna; fazer essa idéia penetrar nos círculos técnicos, econômicos e sociais;

zelar pela solução do problema da arquitetura.

Os Congressos do CIAM

Desde o momento de sua fundação, os CIAM avançaram pelo caminho das realizações

práticas: trabalhos coletivos, discussões, resoluções, publicações. Os congressos C I M , que sempre

foram assembléias de trabalho, escolheram sucessivamente diferentes países para se reunir. A cada

vez, eles provocaram, nos centros profissionais e na opinião pública, uma agitação fecunda, uma

animação, um despertar. 1928 - I o Congresso, La Sarraz, Fundação dos C I M .

1929 - 2o Congresso, Frankfurt (Alemanha), Estudo da moradia mínima.

1930 - 3o Congresso, Bruxelas, Estudo do loteamento racional.

1933 - 4o Congresso, Atenas, Análise de 33 cidades. Elaboração da Carta do Urbanismo.

1937 - 5o Congresso, Paris, Estudo do problema moradia e lazer.

1947 - 6o Congresso, Bridgwater, Reafirmação dos objetivos dos CIAM.

1949 - 7 o Congresso, Bérgamo, Execuçço da Carta de Atenas, nascimento da grille C I M de

urbanismo.

1951 - 8o Congresso, Hoddesdon, Estudo do centro, do coração das cidades.

1953 - 9o Congresso, Aix-en-Provence, Estudo do habitat humano.

1956 - 10° Congresso, Dubrovnik, Estudo do habitat humano.


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Carta de Veneza

DE MAIO DE 1964

II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos H istóricos

ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios Escritório

Carta internacional sobre conservação e restauração de monumentos e sítios.

Portadoras de mensagem espiritual do passado, as obras monumentais de cada povo

perduram no presente como o testemunho vivo de suas tradições seculares. A humanidade, cada

vez mais consciente da unidade dos valores humanos, as considera um patrimônio comum e,

perante as gerações futuras, se reconhece solidariamente responsável por preservá-las, impondo a

si mesma o dever de transmiti-las na plenitude de sua autenticidade.

É, portanto, essencial que os princípios que devem p re s id i à conservação e à restauração

dos monumentos sejam elaborados em comum e formulados num plano internacional, ainda que

caiba a cada n a + o aplicá-los no contexto de sua própria cultura e de suas tradições.

Ao dar uma primeira forma a esses princípios fundamentais, a Carta de Atenas de 1931

contribui para a propagação de um amplo movimento internacional que se traduziu principalmente

em documentos nacionais, na atividade de ICOM e da UNESCO e na criaçço, por esta última, do

Centro Internacional de Estudos para a Conservaçço e Restauraçço dos Bens Culturais. A

sensibilidade e o espírito crítico se dirigem para problemas cada vez mais complexos e

diversificados. Agora é chegado o momento de reexaminar os princípios da Carta para aprofundá-

las e dotá-las de um alcance maior em um novo documento.

Conseqüentemente, o Segundo Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos

Monumentos Históricos, reunido em Veneza de 25 a 31 de maio de 1964, aprovou o texto seguinte:

Definições

Artigo 1o - A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada,

bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma
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evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações,

mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significaçço cultural.

Artigo 2@ - A conservação e a restauração dos monumentos constituem uma disciplina que

reclama a colaboraçço de todas as ciências e técnicas que possam contribuir- para o estudo e a

salvaguarda do patrimônio monumental.

Finalidade

Artigo 3@ - A conservaçço e a restauração dos monumentos visam a salvaguardar tanto a

obra de arte quanto o testemunho histórico.

Conservação

Artigo 40 - A conservaçÇo dos monumentos exige, antes de tudo, manutençço permanente.

Artigo 50 - A conservaçÇo dos monumentos é sempre favorecida por sua destinação a uma

funçço útil à sociedade; tal destinação é portanto, desejável, mas não pode nem deve alterar à

disposiçço ou a decoração dos edifícios. É somente dentro destes limites que se deve conceber e se

pode autorizar as modificações exigidas pela evolução dos usos e costumes.

Artigo 6@ - A conservação de um monumento implica a preservação de um esquema em sua

escala. Enquanto subsistir, o esquema tradicional serV conservado, e toda construção nova, toda

destruição e toda modificação que poderiam alterar as relações de volumes e de cores serão

proibidas.

Artigo 70 - O monumento é inseparVvel da história de que é testemunho e do meio em que se

situa. Por isso, o deslocamento de todo o monumento ou de parte dele não pode ser tolerado,

exceto quando a salvaguarda do monumento o exigir ou quando o justificarem razões de grande

interesse nacional ou internacional

Artigo 8@ - Os elementos de escultura, pintura ou decoração que são parte integrante do

monumento não lhes podem ser retirados a não ser que essa medida seja a única capaz de

assegurar sua conservação.

Restauração

Artigo 90 - A restauração é uma operação que deve ter carVter excepcional. Tem por objetivo

conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao

material original e aos documentos autênticos. Termina onde começa a hipótese; no plano das

reconstituições conjeturais, todo trabalho complementar reconhecido como indispensVvel por

razões estéticas ou técnicas destacar-se-V da composição arquitetônica e deverV ostentar a marca


jijh s In stitu to 00 3
Pa t r i m ô n i o
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N a c io n a l

do nosso tempo. A restauração será sempre precedida e acompanhada de um estudo arqueológico

e histórico do monumento.

Artigo 10o - Quando as técnicas tradicionais se revelarem inadequadas, a consolidaçço do

monumento pode ser assegurada com o emprego de todas as técnicas modernas de conservaçço e

construçço cuja eficácia tenha sido demonstrada por dados científicos e comprovada pela

experiência.

Artigo l i o - As contribuições válidas de todas as épocas para a edificação do monumento

devem ser respeitadas, visto que a unidade de estilo não é a finalidade a alcançar no curso de uma

restauração, a exibição de uma etapa subjacente só se ju s t iç a em circunstâncias excepcionais e

quando o que se elimina é de pouco interesse e o material que é revelado é de grande valor

histórico, arqueológico, ou estético, e seu estado de conservação é considerado satisfatório. O

julgamento do valor dos elementos em causa e a decisão quanto ao que pode ser eliminado não

podem depender somente do autor do projeto.

Artigo 12@ - Os elementos destinados a substituir- as partes faltantes devem integrar-se

harmoniosamente ao conjunto, distinguindo-se, todavia, das partes originais a fim de que a

restauração não falsifique o documento de arte e de história.

Artigo 13@ - Os acréscimos só poderão ser tolerados na medida em que respeitarem todas as

partes interessantes do edifício, seu esquema tradicional, o equilíbrio de sua composição e suas

relações com o meio ambiente.

Sítios Monumentais

Artigo 14@ - Os sítios monumentais devem ser objeto de cuidados especiais que visem a

salvaguardar sua integridade e assegurar seu saneamento, sua manutenção e valorização. Os

trabalhos de conservação e restauração que neles se efetuarem devem inspirar-se nos princípios

enunciados nos artigos precedentes.

Escavações

Artigo 15o - Os trabalhos de escavação devem ser executados em conformidade com

padrões científicos e com a "Recomendação Definidora dos Princípios Internacionais a serem

aplicados em Matéria de Escavações Arqueológicas", adotada pela UNESCO em 1956.

Devem ser asseguradas as manutenções das ruínas e as medidas necessárias à conservação

e proteção permanente dos elementos arquitetônicos e dos objetos descobertos. Além disso,

devem ser tomadas todas as iniciativas para facilitar a co m p re e n so do monumento trazido à luz

sem jam ais deturpar seu significado.


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[ r a r, l Pa t r im ô n io •

l rl„ / \ IN H iv r ò m c o f
A r t ís t ic o
N a c io n a l

Todo trabalho de reconstrução deverá, portanto, deve ser excluído a p rio ri, admitindo-se

apenas a anastilose, ou seja, a recomposição de partes existentes, mas desmembradas. Os

elementos de integração deverão ser sempre reconhecíveis e reduzir-se ao mínimo necessário para

assegurar as condições de conservação do monumento e restabelecer a continuidade de suas

formas

Documentação e Publicações

Artigo 16° - Os trabalhos de conservação, de restauração e de escavação serão sempre

acompanhadas pela elaboração de uma documentação precisa sob a forma de relatórios analíticos

e críticos, ilustrados com desenhos e fotografias. Todas as fases dos trabalhos de desobstrução,

consolidação recomposição e integração, bem como os elementos técnicos e formais identificados

ao longo dos trabalhos serão ali consignados. Essa documentação será depositada nos arquivos de

um órgão público e posta à disposição dos pesquisadores; recomenda-se sua publicação.


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Carta do Restauro

DE 6 DE ABRIL DE 1972

Ministério de Instrução Pública

Governo da Itália

Circu lar n 0 111

Através da circu lar número 117, de 6 de a b ri de 1972, o Ministério da Instrução Pública da

Itália divu lgou o Documento sobre Restauração de 1972 (Carta do Restauro, 1972) entre os

diretores e chefes de institutos autônomos, para que se atenham, escrupulosa e

obrigatoriamente, em todas as intervenções de restauração em qualquer obra de arte, às normas

por ela estabelecidas e às instruções anexas, aqui publiçadas na íntegra.

Artigo 1% - Todas as obras de arte de qualquer época, na acepção mais ampla, que

compreende desde os monumentos arquitetônicos até as de pintura e escultura, inclusive

fragmentados, e desde o período paleolítico até as expressões figurativas das culturas populares

e da arte contemporânea, pertencentes a qualquer pessoa ou instituição, para efeito de sua

salvaguarda e restauração, são objeto das presentes instruções, que adotam o nome de Carta do

Restauro 1972.

Artigo 2% - Além das obras mencionadas no artigo precedente, ficam assimiladas a essas,

para assegurar sua salvaguarda e restauração, os conjuntos de edifícios de interesse

monumental, histórico ou ambiental, particularmente os centros históricos; as coleções artísticas

e as decorações conservadas em sua disposição tradicional; os jardins e parques considerados de

especial importância.

Artigo 3% - Ficam submetidas à disciplina das presentes instruções, além das obras incluídas

nos a r t io s 1 e 2, as operações destinadas a assegurar a salvaguarda e a restauração dos

vestígios a n t io s relacionados com as pesquisas subterrâneas e subaquáticas.

A r t io 40 - Entende-se por salvaguarda qualquer medida de conservação que não implique a

intervenção direta sobre a obra; entende-se por restauração qualquer intervenção destinada a
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manter em funcionamento, a facilitar a leitura e a transmitir integra Imente ao futuro as obras e

os objetos definidos nos artigos precedentes.

Artigo 5o - Cada uma das superintendências de instituições responsáveis pela conservação

do patrimônio histórico, artístico e cultural elaborará um programa anual e especificado dos

trabalhos de salvaguarda e restauração, assim como das prospeções subterrâneas e subaquáticas

a serem empreendidas, seja por conta do Estado ou de outras instituições ou pessoas, que será

aprovado pelo Ministério da Instrução Pública, mediante parecer favorável do Conselho Geral de

Antigüidades e Belas Artes.

No âmbito do programa, ou depois de sua apresentação, qualquer intervenção nas obras

referidas no artigo 1% deverá ser ilustrada e justificada por um parecer técnico em que constarão,

além do detalhamento sobre a conservação da obra, seu estado atual, a natureza das

intervenções consideradas necessárias e as despesas necessárias para lhes fazer frente.

Esse informe será igualmente aprovado pelo Ministério de Instrução Pública com parecer

prévio do Conselho Superior de AntiüicJades e Belas Artes, nos casos de emergência ou dúvida

previstos na lei.

Artigo 6% - De acordo com as finalidades a que, segundo o artigo 4%, devem corresponder as

operações de salvaguarda e restauração, proíbem-se indistintamente para todas as obras de arte


a que se referem os a r t io s 1%, 2% e 3%:

1 - aditamentos de estilo ou analógicos, inclusive em forma simplificada, ainda quando

existirem documentos gráficos ou plásticos que possam indicar como tenha sido ou deva resultar

o aspecto da obra acabada;

2 - remoções ou demolições que apaguem a trajetória da obra através do tempo, a menos

que se trate de alterações limitadas que debilitem ou alterem os valores históricos da obra, ou de

aditamentos de estilo que a falsifiquem;

3 - remoção, reconstrução ou traslado para locais diferentes dos originais, a menos que isso

seja determinado por razões superiores de conservação;

4 - alteração das condições de acesso ou ambientais em que chegou até os nossos dias a

obra de arte, o conjunto monumental ou ambiental, o conjunto decorativo, o jardim, o parque,

etc.;

5 - alteração ou eliminação das pátinas.

Artigo 7% - Em relação às mesmas finalidades a que se refere o artigo 6% e indistintamente

para todas as obras a que se referem os a r t io s 1%, 2% e 3%, admitem-se as seguintes operações

ou reintegrações:
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P atrim ôn io
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1 - aditamentos de partes acessórias de função sustentante e reintegrações de pequenas

partes verificadas historicamente, executadas, se for o caso, com clara determinação do contorno

das reintegrações, ou com adoção de material diferenciado, embora harmônico, facilmente

distinguível ao olhar, particularmente nos pontos de enlace com as partes antigas e, além disso,

com marcas e datas onde for possível;

2 - limpeza de pinturas e esculturas, que jam ais deverá alcançar o estrato da cor,

respeitados a pátina e eventuais vernizes antigos; para todas as outras categorias de obras,

nunca deverá chegar à superfície nua da matéria de que são constituídas as obras;

3 - anastilose documentada com segurança, recomposição de obras que se tiverem

fragmentado, assentamento de obras parcialmente perdidas reconstruindo as lacunas de pouca

identidade com técnica claramente distinguível ao olhar ou com zonas neutras aplicadas em nível

diferente do das partes o rp n a is, ou deixando à vista o suporte original e, especialmente, jamais

reintegrando de novo zonas figurativas ou inserindo elementos determinantes da f u r a c ã o da

obra;

4 - modificações ou inserções de caráter sustentante e de conservação da estrutura interna

ou no substrato ou suporte, desde que, uma vez realizada a operação, na aparência da obra vista

da superfície não resulte alteração nem cromática nem de matéria;

5 - nova ambientação ou instalação da obra, quando já não existirem ou houverem sido

destruídas a ambientação ou instalação tradicionais, ou quando as condições de conservação

exiiire m sua transferência.

A r t io 8o - Qualquer intervenção na obra ou em seu entorno, para os efeitos do disposto no

artigo 4%, deve ser realizada de tal modo e com tais técnicas e materiais que fique assegurado

que, no futuro, não ficará inviabilizada outra eventual intervenção para salvaguarda ou

restauração. A é m disso, qualquer intervenção deve ser previamente estudada e justificada por

escrito (último parágrafo do artigo 5o) e deverá ser organizado um diário de seu

desenvolvimento, a que se anexará a documentação fotográfica de antes, durante e depois da

intervenção. Serão documentadas, ainda, todas as eventuais in ve stia çõ e s e análises realizadas

com o auxílio da física, da química, da microbiologia e de outras ciências. De toda essa

documentação haverá cópia no arquivo da superintendência competente e outra cópia será

enviada ao Instituto Central de Restauração.

No caso das limpezas, se possível em lugar próximo à zona interventora, deverá ser deixado

um testemunho do estado anterior à operação, enquanto que no caso das adições, as partes
eliminadas deverão, sempre que possível, ser conservadas ou documentadas em um arquivo-

depósito especial das superintendências competentes.


In sriw ro ao
B a te P at r im ô n io 4
HiSTÓmco t
A rtístic o
- N a c io n a l

Artigo 9% - A utilização de novos procedimentos de restauração e de novos materiais em

relação aos procedimentos e matérias de uso vigente ou de algum modo aceitos, deverá ser

autorizada pelo Ministro da Instrução Pública, de acordo com parecer justificado do Instituto

Central de Restauração, a quem também competirá atuar ante o mesmo ministério no que disser

respeito a desaconselhar materiais ou métodos antiquados, nocivos ou não comprovados, a

sugerir novos métodos e ao uso de novos materiais, a definir as investigações que se devam

prover com equipamentos e com especialistas alheios ao equipamento e à planilha de que dispõe.

Artigo 10% - As medidas destinadas a preservar dos agentes contaminadores ou das

variações atmosféricas, térmicas ou higrométricas as obras a que se referem os artigos 1%, 2% e

3% não deverão alterar sensivelmente o aspecto da matéria e a cor das superfícies, nem e x iiir

modificações substanciais e permanentes do ambiente em que as obras tiverem sido transmitidas

historicamente. Se, contudo, forem indispensáveis modificações de tal gênero com vistas ao fim

superior de sua conservação, essas modificações deverão ser realizadas de modo que evitem

qualquer dúvida sobre a época em que foram empreendidas e da maneira mais discreta possível.

Artigo 11% - Os métodos específicos utilizados como procedimento de restauração

especialmente para monumentos arquitetônicos, pictóricos, esculturais, para os conjuntos

históricos e, até mesmo, para a realização de escavações, estão especificados nos anexos a, b, c

e d das presentes instruções.

Artigo 12% - Nos casos em que houver dúvida sobre a atribuição das competências técnicas,

ou em que surgirem conflitos a respeito do assunto, decidirá o ministro, a partir dos pareceres

dos superintendentes ou chefes de instituições interessados, ouvido o Conselho Superior de

Antigüidades e Belas Artes.

Anexo A

Instruções para a salvaguarda e a restauração dos objetos arqueológicos

Além das regras gerais contidas nos artigos da Carta do Restauro, é necessário, no campo da

arqueologia, ter presentes exiiê n cia s particulares relativas à salvaguarda do subsolo arqueológico

e à conservação e restauração dos achados durante as prospeções terrestres e subaquáticas

relacionadas no artigo 3%.

O problema de maior importância da salvaguarda do subsolo arqueológico está

necessariamente l a d o à série de disposições e leis referentes à expropriação, à aplicação de

vínculos especiais, à criação de reservas e parques arqueológicos. Concomitantemente às

diferentes medidas a serem tomadas nos diversos casos, será sempre necessário efetuar um

cuidadoso reconhecimento do terreno para recopilar todos os possíveis dados localizáveis na

superfície, os materiais cerâmicos esparsos, a documentação de elementos que houverem


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Patrim ôn io
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eventua Imente aflorado, com recorrência também à ajuda da fotografia e das prospeções

elétricas, eletromagnéticas, etc. do terreno, de modo que o conhecimento o mais completo

possível da natureza arqueológica do terreno permita diretrizes mais precisas para a aplicação

das normas de salvaguarda, da natureza e dos limites das relações, para o estabelecimento de

panos reguladores e para a vigilância, no caso de execução de trabalhos agrícolas ou de

urbanização.

Para a salvaguarda do patrimônio arqueológico submarino, vinculadas às leis e disposições

que afetam as escavações subaquáticas e que se destinam a impedir a violação indiscriminada e

irresponsável dos restos de navios antigos e de seu carregamento, de ruínas submersas e de

esculturas fundidas, impõem-se medidas muito precisas, que começam pela exploração

sistemática das costas italianas por pessoal especializado, com o objetivo de chegar à consecução

de uma forma mais com indicação de todos os restos e monumentos submersos, seja para efeito

de sua tutela ou para o da programação das pesquisas científicas subaquáticas. A recuperação

dos restos de uma embarcação a n t ia não deverá ser iniciada antes que hajam sido dispostos os

sítios e o necessário acondicionamento especial, que permita o resguardo dos materiais

recuperados do fundo do mar, todos os tratamentos específicos requeridos, principalmente pelas

partes lenhosas com grandes e prolongadas lavações, banhos em peculiares substâncias

consolidantes, com conhecimento preciso da atmosfera e da temperatura. Os sistemas de

extração e recuperação de embarcações submersas deverão ser estudados caso a caso, em

função do estado concreto dos restos, levando-se também em conta as experiências adquiridas

internacionalmente nesse campo, sobretudo nos últimos decênios. Entre essas condições

concretas do resgate - assim como nas habituais prospecções arqueológicas terrestres - deverão

ser consideradas as especiais exigências de conservação e de restauração dos objetos de acordo

com sua categoria e sua matéria; com os materiais cerâmicos e com os utensílios, por exemplo,

tomar-se-ão todas as precauções que permitam a identificação de eventuais vestígios ou restos


de seu conteúdo, que constituem dados preciosos para a história do comércio e da vida na

antigüidade; além disso, dever-se-á dedicar especial atenção ao exame e fixação de possíveis

inscrições pintadas, especialmente no corpo do utensílio.

Durante as explorações arqueológicas terrestres, já que as normas de recuperação e

documentação abordam mais especificamente o esquema das normas relativas à metodologia das

escavações, no que concerne à restauração devem se observar as precauções que durante as

operações de escavação garantirem a conservação imediata dos descobrimentos, especialmente

se são susceptíveis de uma deterioração mais fácil, e a ulterior possibilidade de salvaguarda e de

restauração definitivas. No caso de serem encontrados elementos desprendidos de uma


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P at r im ô n io
H istórico e
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decoração de estuque, ou de pintura, ou mosaico ou de opus sectile, é necessário, antes e

durante o seu traslado, mantê-los unidos com encolados de gesso, com ataduras e adesivos

adequados, de modo que seja facilitado sua recomposição e restauração no laboratório. Na

recuperação de vidros, é aconselhável não proceder a limpeza alguma durante a escavação, por

causa da facilidade com que podem quebrar-se. No que respeita às cerâmicas e Terracota é

indispensável não prejudicar com lavações ou limpezas apressadas a eventual presença de

pinturas, vernizes e inscrições. Particular delicadeza se requer na extração de objetos ou

fragmentos de metal, principalmente se estão oxidados, devendo-se recorrer não apenas aos

sistemas de consolidação, mas também a eventuais suportes adequados ao caso. Especial

atenção deve ser prestada a respeito de possíveis vestígios ou reproduções de pedaços de

tecidos. No esquema da arqueologia pompeiana se utiliza principalmente, com ampla e brilhante

experiência, a obtenção de decalques dos negativos das plantas e de materiais orgânicos

susceptíveis de deterioração através de pastas adesivas de gesso aplicadas nas cavidades que

tenham permanecido no terreno.

Para os efeitos da aplicação destas instruções é preciso que, durante o desenvolvimento das

escavações, seja garantida a presença de restauradores preparados para uma primeira

intervenção de recuperação e fixação, quando for necessário.

Deverá ser considerado com especial atenção o problema de restauração das obras

destinadas a permanecerem ou a serem reinstaladas em seu lugar original, particularmente as

pinturas e mosaicos. Têm sido experimentados com êxito vários tipos de suportes, de entelado e

encolados em função das condições climáticas, atmosféricas e higrométricas, que permitem a

recolocação das pinturas nos espaços convenientemente cobertos de um edifício a n t io , evitando

o contato direto com a parede e proporcionando, em troca, uma montagem fácil e uma

conservação segura. A n d a assim, devem-se evitar as integrações, dando às lacunas uma

entonação similar à do reboco grosso, assim como há que evitar o uso de vernizes ou ceras para

reavivar as cores, pois sempre são susceptíveis de alteração, sendo suficiente uma limpeza

cuidadosa das superfícies originais.

Quanto aos mosaicos, é preferível, sempre que possível, sua reinstalação no edifício de que

provêm e de cuja decoração constituem parte integrante e, em tal caso, depois de sua retirada -

que, com os métodos modernos pode ser feita inclusive em grandes superfícies sem realizar

cortes - o sistema de cimentação com recheio metálico inoxidável resulta, até agora, no sistema

mais idôneo e resistente aos agentes atmosféricos. Para os mosaicos que, ao contrário, destinam-

se a serem expostos em museu, ,á é amplamente utilizado o suporte em sanduíche de materiais

ligeiros, resistente e manejável.


!
jijh s ( w s Ti t u ro o o
P a trim ô n io
HiSTÓm co E
| 1
- llM il A rtístico
N acio n al

Requerem especiais exigências de proteção diante dos perigos advindos da alteração

climática, os interiores com pinturas parietais in situ (grutas pré-históricas, tumbas, pequenos

recintos); nesses casos, é necessário manter constantes dois fatores essenciais para a melhor

conservação das pinturas: o grau de umidade ambiental e a temperatura ambiente. Esses fatores

se alteram facilmente por causas externas e estranhas a tais ambientes, especialmente a

aglomeração de visitantes, a iluminação excessiva, as fortes mudanças atmosféricas do exterior.

É necessário, portanto, adotar cuidados especiais, inclusive na admissão de visitantes, através de

aparelhos de climatização interpostos entre o ambiente antigo a ser protegido e o exterior. Tais

precauções têm sido tomadas no acesso a monumentos pré-históricos pintados na França e na

Espanha e seria de desejar que o fossem em muitos de nossos monumentos (tumbas de

Tarquínia).

Para a restauração dos monumentos arqueológicos, além das normas gerais contidas na

"Carta do Restauro" e nas Instruções para os critérios das Restaurações Arquitetônicas, dever-se-

iam ter presentes algumas exigências em relação às peculiares técnicas antigas. Em primeiro

lugar, quando para a restauração completa de um monumento - que comporta necessariamente

seu estudo histórico - seja necessário efetuar prospeções de escavação para o descobrimento das

fundações, as operações terão que se realizar com o método estatigráfico que pode oferecer

dados preciosos sobre a vida e as fases do próprio edifício.

Para a restauração de muros de opus incertum , q u a si reticulatu m , reticulatu m e t vittatum , se

utiliza a mesma qualidade de pedra e os mesmos tipos de peças; as partes restauradas deverão

se manter em um plano le ia m e n t e retrancado, enquanto que para os muros de ladrilho será

oportuno marcar com incisões ou raias a superfície dos la d rillo s modernos. Para a restauração de

estruturas do a p a re llo de silla ria tem sido experimentado favoravelmente o sistema de

reproduzir- os silla re s nas medidas antigas, utilizando lascas do mesmo material cimentado com

argamassa misturada na superfície com pó do mesmo material para obter uma entonação

cromática.

Como alternativa à retrancagem da superfície das reintegrações de restaurações modernas,

pode-se fazer uma fresta que siga o seu contorno e delimite a parte restaurada ou inserir uma

franja sutil de materiais distintos. Da mesma forma pode ser recomendável em muitos casos um

tratamento superficial de novos materiais, diferenciado pela lavradura de incisões nas superfícies

modernas.

Finalmente, será adequado colocar em todas as zonas restauradas placas com as datas, ou

gravar s il a s ou marcas especiais.


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P at r im ô n io
H istórico e
A rtístic o
§«=1? É&à N a c io n a l

O uso do cimento com sua superfície revestida do pó do mesmo material do monumento a

ser restaurado pode se mostrar útil para a reintegração de tambores de colunas antigas de

mármore, de calcário, ou de caliça, visando à obtenção de um aspecto mais ou menos rústico em

relação ao tipo de monumento; na arte romana, o mármore branco pode ser reintegrado com

travertino ou calcário em combinações já experimentadas com êxito (restauração de Valadier, no

Arco de Tito). Nos monumentos antigos e particularmente nos da época arcaica ou clássica, deve

ser evitar a combinação de materiais diferentes e anacrônicos nas partes restauradas, que resulta

ostensiva e agressiva, inclusive do ponto de vista cromático, ao mesmo tempo em que se podem

utilizar diversos sistemas para diferenciar o uso do mesmo material com que foi construído o

monumento e que é preferível manter nas restaurações.

Constitui um problema peculiar dos monumentos arqueológicos a forma de cobrir os muros

em ruínas, sobretudo nos em que é preciso manter a linha irregular do perfil da ruína; foi

experimentada a aplicação de uma capa de argamassa de alvenaria que parece dar os melhores

resultados, tanto do ponto de vista estético, como de sua resistência aos agentes atmosféricos.

Quanto ao problema geral da consolidação dos materiais arquitetônicos e das esculturas ao ar

livre, devem-se evitar experimentações com métodos não suficientemente comprovados, que

possam produzir- danos irreparáveis.

Finalmente, as medidas para a restauração e a conservação dos monumentos arqueológicos

também devem ser estudadas em função das variadas e xiiências climáticas dos diferentes locais,

particularmente diversificados na Itália.

Anexo B

Instruções para os critérios das restaurações arquitetônicas

No pressuposto de que as obras de manutenção realizadas no devido tempo asseguram

longa vida aos monumentos, encarece-se o maior cuidado possível na viiilânci^ contínua dos

imóveis para a adoção de medidas de caráter preventivo, mclusive para evitar intervenções de

maior amplitude.

Lembra-se, ainda, a necessidade de considerar todas as obras de restauração sob um

substancial perfil de conservação, respeitando os elementos acrescidos e evitando até mesmo

intervenções de renovação ou reconstituição.

Sempre com o objetivo de assegurar a sobrevivência dos monumentos, vem-se considerando

detidamente a possibilidade de novas utilizações para os edifícios monumentais a n tio s , quando

não resultarem incompatíveis com os interesses histórico-artísticos. As obras de adaptação

deverão ser limitadas ao mínimo, conservando escrupulosamente as formas externas e evitando


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[ r a r, l Pa t r im ô n io &

l rl„ / \ IN H iv r ò m c o t
A r t ís t ic o
N a c io n a l

alterações sensíveis das características tipológicas, da organização estrutural e da seqüência dos

espaços internos.

A realização do projeto para a restauração de uma obra arquitetônica deverá ser precedida

de um exaustivo estudo sobre o monumento, elaborado de diversos pontos de vista (que

estabeleçam a análise de sua posição no contexto territorial ou no tecido urbano, dos aspectos

tipológicos, das elevações e qualidades formais, dos sistemas e caracteres construtivos, etc),

relativos à obra original, assim como aos eventuais acréscimos ou modificações. Parte integrante

desse estudo serão pesquisas bibliográficas, iconográficas e arquivísticas, etc., para obter todos

os dados históricos possíveis. O projeto se baseará em uma completa observação gráfica e

fotográfica, interpretada também sob o aspecto metrológico, dos traçados reguladores e dos

sistemas proporcionais e compreenderá um cuidadoso estudo específico para a verificação das

condições de estabilidade.

A execução dos trabalhos pertinentes à restauração dos monumentos, que quase sempre

consiste em operações delicadíssimas e sempre de grande responsabilidade, deverá ser confiada

a empresas especializadas e, quando possível, executada sob orçamento e não sob empreitada.

As restaurações devem ser continuamente vigiadas e supervisionadas para que se tenha

segurança sobre sua boa execução e para que se possa intervir- imediatamente no caso em que

se apresentarem fatos novos, dificuldades ou desequilíbrios nas paredes; e também,

especialmente quando intervêm o piquete e o maço, para evitar que desapareçam elementos

antes ignorados ou eventualmente desapercebidos nas investigações prévias, mas, certamente,

bastante úteis para o conhecimento do edifício e do sentido da restauração. Em particular, antes

de raspar uma camada de pintura, ou eliminar um eventual reboco, o diretor dos trabalhos deve

constatar a existência ou não de qualquer marca de decoração, tais como os grumos e coloridos

originais das paredes e abóbadas.

Uma exigência fundamental da restauração é respeitar e salvaguardar a autenticidade dos

elementos construtivos. Este princípio deve sempre guiar e condicionar a escolha das operações.

No caso de paredes em desaprumo, por exemplo, mesmo quando sugiram a necessidade

peremptória de demolição e reconstrução, há que se examinar primeiro a possibilidade de corrigi-

los sem substituir a construção original.

Do mesmo modo, a substituição de pedras corroídas só deverá ocorrer para satisfazer às

exigências de gravidade.

A eventual substituição de paramentos murais, sempre que se tornar estritamente

necessárias e nos limites mais restritos, deverá ser sempre distinguível dos elementos originais,

diferenciando os materiais ou as superfícies de construção recente; mas, em geral, resulta


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preferível realizar em toda a extensão do contorno da reintegração uma sinalização clara e

persistente, que mostre os limites da intervenção. Isso poderá ser conseguido com uma lâmina

de metal adequado, com uma série contínua de pequenos fragmentos de ladrilho, ou com frestas

visíveis, mais ou menos largas e profundas, segundo o caso.

A consolidação da pedra e de outros materiais deverá ser experimentada quando os métodos

amplamente comprovados pelo Instituto Central da Restauração oferecerem garantias efetivas.

Deverão ser tomadas todas as precauções para evitar o agravamento da situação; deverão ser

postas em prática, igualmente, todas as intervenções necessárias para eliminar as causas dos

danos. Enquanto, por exemplo, se observarem silhares rasgados por grampos ou varas de ferro

que se incham com a umidade, convém desmontar a parte deteriorada e substituir o ferro por

bronze ou cobre, ou, m e lo r ainda, por aço inoxidável, que apresenta a vantagem de não

manchar a pedra.

As esculturas em pedra colocadas no exterior dos edifícios, ou nas praças, devem ser

vigiadas, intervindo-se sempre que seja possível adotar, a partir da prática anteriormente

descrita, um método comprovado de consolidação ou de proteção, inclusive temporal. Quando

isso for impossível, convirá transferir a escultura para um local fechado.

Para a boa conservação das fontes de pedra ou de bronze, é necessário descalcificar a água,

eliminando as concreções calcárias e as inadequadas limpezas periódicas.

A pátina da pedra deve ser conservada por evidentes razões históricas, estéticas e também

técnicas, já que ela desempenha uma função protetora como ficou demonstrado pelas corrosões

que se iniciam a partir das lacunas da pátina. Podem-se eliminar as matérias acumuladas sobre

as pedras - detritos, pó, fuligem, fezes de pombo, etc., usando apenas escovas vegetais ou jatos

de ar com pressão moderada. Dever-se-ão evitar, portanto, as escovas metálicas e raspadores,

ao mesmo tempo em que se devem excluir, em geral, os jatos de areia, de água e de vapor com

forte pressão, sendo, ainda, desaconselháveis as lavações de qualquer natureza.

Anexo C

Instruções para a execução de restaurações pictóricas e escultóricas

Operações preliminares

A primeira operação a realizar, antes da intervenção em q u a lu e r obra de arte pictórica ou

escultórica, é um reconhecimento cuidadoso de seu estado de conservação. Em tal

reconhecimento se inclui a comprovação dos diferentes estratos materiais de que venha a estar

composta a obra e se são originais ou acréscimos e, ainda, a determinação aproximada das

diferentes épocas em que se produziram as estratificações, modificações e acréscimos. Para isso,


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re d iir-se -á uma inventário que constituirá parte integrante do programa e o começo do diário da

restauração. Em continuação, deverão ser feitas as indispensáveis fotografias da obra para

documentar seu estado precedente à intervenção restauradora, devendo essas fotografias serem

obtidas, além de sob luz natural, sob luz monocromática, com raios ultravioletas simples ou

filtrados e com raios infravermelhos, conforme o caso. É sempre aconselhável tirar radiografias,

inclusive nos casos em que, à simples visão, não se percebam superposições. No caso de pnturas

móveis, também se deve fotografar o reverso da obra.

Se, a partir dos documentos fotográficos - que serão detalhados no d iírio da restauração - se

observarem elementos problemáticos, ficará explicada sua problemática.

Depois de haver tirado as fotografias, dever-se-ão retirar amostras mínimas, que abarquem

todos os estratos até o suporte, em lugares não capitais da obra, para efetuar as seções

estratigráficas, sempre que existirem estratificações ou houver que constatar o estado da

preparação.

Deverá ser assinalado na fotografia de luz natural o ponto exato das provas e, além disso,

registrar-se no diário da restauração uma nota de referência à fotografia.

No que se refere às pnturas murais, ou sobre pedra, Terracota ou outro suporte (imóvel),

será preciso ter conhecimento preciso das condições do suporte em relação à umidade, definir se

trata de umidade de infiltração, condensação ou de capilaridade, efetuar provas da argamassa e

do conjunto dos materiais da parede e medir seu grau de umidade.

Sempre que se percebam ou se suponham formações de fungos, também se realizarão

análises microbiológicas.

O problema mais peculiar das esculturas, quando não se trata de esculturas envernizadas ou

policromadas, será certificar-se do estado de conservação da matéria de que se realizaram e,

eventualmente, obter radiografias.

Providências a serem efetuadas na execução da intervenção restauradora

As análises preliminares deverão ter proporcionado os meios para orientar a intervenção na

direção adequada, quer se trate de uma simples limpeza, de um assentamento de estratos, de

eliminação de repintagens, de um traslado ou de uma reconstrução de fragmento. O dado que

seria o mais importante no que diz respeito à pintura, entretanto - determinação da técnica

empregada -, nem sempre poderá ter uma resposta científica e, portanto, a cautela e a

experimentação com os materiais a serem utilizados na restauração não deverão ser

consideradas questões supérfluas, de um reconhecimento genérico, realizado sobre base empírica

e não científica da técnica utilizada na pntura em questão.


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No que concerne à limpeza, poderá ser realizada, principalmente, de dois modos: por meios

mecânicos ou por meios químicos. Há de se excluir qualquer sistema que oculte a visualização ou

a possibilidade de intervenção ou controle direto sobre a pintura, como a câmera Pethen Koppler

e similares.

Os meios mecânicos (bisturi) deverão sempre ser utilizados com o controle do pinacoscópio,

mesmo que nem sempre se trabalhe sob sua lente.

Os meios químicos (dissolventes) deverão ser de tal natureza que possam ser imediatamente

neutralizados e também que não se fixem de forma duradoura sobre os estratos da pintura e

sejam voláteis. Antes de usá-los, deverão ser realizadas experimentações para assegurar que não

possam atacar o verniz original da pintura, nos casos em que das seções estratigráficas haja

resultado um estrato ao menos presumível como tal.

Antes de proceder à limpeza, qualquer que seja o meio empregado, é necessário, ainda,

controlar minuciosamente a estabilidade da capa pictórica sobre seu suporte e proceder ao

assentamento das partes desprendidas ou em perigo de desprendimento. Esse assentamento

poderá ser realizado, conforme o caso, de forma localizada ou com aplicação de um adesivo

estendido uniformemente, cuja penetração seja assegurada com uma fonte de calor constante e

que não apresente p e r io para a conservação da pintura. Mas, sempre que se tenha realizado um

assentamento, é regra estrita a eliminação de qualquer resto do fixador da superfície pictórica.

Para isso, atrás do assentado, deverá ser feito um exame minucioso com a ajuda do

pinacoscópio.

Quando for necessário proceder à proteção geral do anverso da pintura por causa de

necessidade de realizar operações no suporte, é imprescindível que tal proteção se realize depois

da consolidação das partes levantadas ou desprendidas, e com uma cola de dissolução muito fácil

e diferente da empregada no assentamento da cor.

Se o suporte é de madeira e está infestado por carunchos, térmitas, etc., a pintura deverá

ser submetida à ação de gazes inseticidas adequados, que não possam danificar a pintura. Deve-

se evitar a impregnação com líquidos.

Sempre que o estado do suporte ou o da imprimação, ou ambos - em pinturas de suporte

móvel -, exijam a destruição ou o arranque do suporte e a substituição da imprimação, será

necessário que a imprimação antiga seja levantada integralmente a mão com o bisturi, já que

adelgaçá-la não seria suficiente, a menos que seja apenas o suporte a parte debilitada e a

imprimação se mantenha em bom estado. Sempre que possível, é aconselhável conservar a

imprimação para manter a superfície pictórica em sua conformação original.


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Na substituição do suporte lenhoso, quando for indispensável, deve se evitar substituí-lo por

um novo suporte composto de peças de madeira e só é aconsellável efetuar o traslado para um

suporte rígido quando se tiver absoluta certeza de que ele não terá um índice de dilatação

diferente do suporte eliminado. A n d a assim, o adesivo do suporte para a tela da pintura

trasladada deverá ser facilmente solúvel, sem danificar a capa pictórica nem o adesivo que une

os estratos superficiais à tela do traslado.

Quando o suporte lenhoso original estiver em bom estado, mas seja necessário retificá-lo ou

colocar reforços ou rebocos, deve-se ter presente que, como não é indispensável para a própria

fruição estética da pintura, é sempre melhor não intervir- em uma madeira antiga e já

estabilizada. Se intervier, é preciso fazê-lo com regras tecnológicas muito precisas, que respeitem

o movimento das fibras da madeira. Dever-se-á retirar uma amostra, identificar a espécie

botânica e a v e r iu a r seu índice de dilatação. Qualquer adição deverá ser realizada com madeira

já estabilizada e em pequenos fragmentos, para que resulte o mais inerte possível em relação ao

suporte antigo em que se inserir.

O reboco, qualquer que seja o material de que for feito, deve assegurar principalmente os

movimentos naturais da madeira a que estiver fixado.

No caso de pinturas sobre tela, a eventualidade de um traslado deve ser efetuada com a

destruição gradual e controlada da tela deteriorada, enquanto que para a possível imprimação

(ou preparação) deverão ser seguidos os mesmos critérios utilizados para as pranchas. Quando

se tratar de pinturas sem preparação, nas quais se tenha aplicado uma cor muito diluída

diretamente sobre o suporte (como nos esboços de Rubens), não será possível o traslado.

A operação de reentelar, se for realizada, deve evitar compressões excessivas e

temperaturas altas demais para a película pictórica. Excluem-se sempre e taxativamente

operações de aplicação de uma pintura sobre tela em um suporte rígido (maruflagem).

Os teares deverão ser concebidos de modo a assegurar não apenas a justa tensão, mas,

também, a possibilidade de restabelecê-la automaticamente quando a tensão vier a ceder por

causa das variações term o-hiirom étricas.

Providências que se devem ter presentes na execução de restaurações em

pinturas murais

Nas pinturas móveis a determinação da técnica pode, às vezes, gerar uma in v e stia çã o sem

conclusão definitiva e, atualmente, irresolúvel, mclusive em relação às categorias genéricas de

pintura a têmpera, a óleo, a encáustica, a aquarela ou a pastel; nas pinturas murais, realizadas

sobre preparação, ou mesmo diretamente sobre mármore, pedra, etc, a definição do aglutinante

utilizado não será às vezes menos problemática (como no que se refere às pinturas murais da
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época clássica), mas, ao mesmo tempo, ainda mais indispensável para proceder a qualquer

operação de limpeza, de assentamento, de arranque do estrato de cor (strappo), ou de arranque

em que também se desprendam os rebocos de preparação (distacco). No que diz respeito

especialmente ao arranque, antes da aplicação das telas protetoras por meio de um adesivo

solúvel, é necessário assegurar-se de que o diluente não dissolverá ou atacará o aglutinante da

pintura a ser restaurada.

Além disso, se tratar de uma têmpera e, de um modo geral, das partes em têmpera de um

afresco, em que certas cores não podiam ser aplicadas a fresco, será imprescindível um

assentamento preventivo.

Ocasionalmente, quando as cores da pntura mural se apresentarem em um estado mais ou

menos avançado de pulverulência, será também necessário um tratamento especial para

conseguir que a cor pulverizada se perca ao mínimo.

Quanto ao assentamento da cor, deve-se procurar um fixador que não seja de natureza

orgânica, que altere o mínimo possível as cores originais e que não se torne irreversível com o

tempo.

A cor pulverulenta será analisada para ver se contém formações de fungos e a que causas

pode atribuir o seu desenvolvimento. Quando se puderem conhecer essas causas e se encontrar

um fungicida adequado, será preciso certificar-se de que não danificará a pntura e de que possa

vir-, facilmente, a ser eliminado.

Quando houver necessidade de se proceder ao arranque da pntura de seu suporte o rp n a l,

entre os métodos a serem escolhidos com probabilidades equivalentes de bom êxito é

recomendável o strappo, pela possibilidade de recuperação da sinopia preparatória no caso dos

afrescos e também porque libera a película pictórica de restos do estuque degradado ou em mau

estado.

O suporte em que se instalará a película pictórica tem que oferecer garantias máximas de

estabilidade, inércia e neutralidade (ausência de ph); além disso, será necessário que ele possa

ser construído nas mesmas dimensões da pntura, sem junções intermediárias, que,

inevitavelmente, viriam à superfície da película pictórica com o passar do tempo. O adesivo com

que se irá fixar a tela grudada à película pictórica sobre o novo suporte terá que poder dissolver-

se com a maior facilidade com um dissolvente que não traga danos à pntura.

Quando se preferir manter a pntura trasladada sobre tela, naturalmente reforçada, o

bastidor deverá ser construído de tal modo - e com materiais tais - que tenha a máxima

estabilidade, elasticidade e automatismo para restabelecer a tensão que, por qualquer razão,

climática ou não, possa mudar.


Jg fK f NSTUUTO 0 0
P a t r im ô n io
H lS T Õ t lG Ò E

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N a c io n a l

Quando, em vez de pinturas, trate-se de arrancar mosaicos, deverá ficar assegurado que

onde as tesselas não constituem uma superfície completamente plana, sejam fixadas e possam

ser dispostas em sua colocação original. Antes da aplicação do engaste e da armadura de

sustentação é preciso certificar-se do estado de conservação das tesselas e, eventualmente,

consolidá-las. Deverá ser dedicado cuidado especial à conservação das características tectônicas

da superfície.

Providências a serem observadas na execução de restaurações de obras escultóricas

Depois de assegurar-se do material e, eventualmente, da técnica com que se realizaram as

esculturas (se em mármore, em pedra, estuque, cartão-pedra, Terracota, louça vidrada, argila

crua, argila crua e pintada, etc.) em que não haja partes pintadas e seja necessária uma limpeza,

deve ser excluída a execução de aguadas que, apesar de deixarem intacta a matéria, ataquem a

pátina.

Por isso, no caso de esculturas encontradas em escavações ou na água (mar, rios, etc.), se

houver incrustações, deverão ser separadas preferivelmente através de meios mecânicos, ou, se

com dissolventes, de natureza tal que não ataquem o material da escultura e tampouco se fixem

sobre ele.

Quando se tratar de esculturas de madeira degradada, a utilização de consolidantes deverá

ser subordinada à conservação do aspecto original da matéria lenhosa.

Se a madeira estiver infectada por caruncho, cupins, etc, será preciso submetê-la à ação de

gases adequados, mas sempre que possível, há de se evitar a impregnação com líquidos que,

mesmo na ausência de policromia, poderiam alterar o aspecto da madeira.

No caso de esculturas fragmentadas, para uso de eventuais dobradiças, !igaduras,etc deverá

ser escolhido metal inoxidável. Para os objetos de bronze, recomenda-se um cuidado particular

quanto à conservação da pátina dupla (atacamitas, malaquitas, etc.) sempre que por debaixo

dela não existirem sinais de corrosão ativa.

Advertências gerais para a instalação de obras de arte restauradas

Como linha de conduta geral, uma obra de arte restaurada não deve ser posta novamente

em seu lugar original, se a restauração tiver sido ocasionada pela situação térmica e higrométrica

do lugar como um todo ou da parede em particular, ou se o lugar ou a parede não vierem a ser

tratados imediatamente (saneados, climatizados, etc.) de forma a garantirem a conservação e a

salvaguarda da obra de arte.

Anexo D

Instruções para a tutela dos centros históricos


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Para efeito de identificar os centros históricos, levam-se em consideração não apenas os

antigos centros urbanos, assim tradicionalmente entendidos, como também, de um modo geral,

todos os assentamentos humanos cujas estruturas, unitárias ou fragmentárias, ainda que se

tenham transformado ao longo do tempo, hajam se constituído no passado ou, entre muitos, os

que eventualmente tenham adquirido um valor especial como testemunho histórico ou

características urbanísticas ou arquitetônicas particulares.

Sua natureza histórica se refere ao interesse que tais assentamentos apresentarem como

testemunhos de civilizações do passado e como documentos de cultura urbana, inclusive

independentemente de seu intrínseco valor artístico ou formal, ou de seu aspecto peculiar

enquanto ambiente, que podem enriquecer e ressaltar posteriormente seu valor, ,á que não só a

arquitetura, mas também a estrutura urbanística, têm por si mesmas um significado e um valor.

As intervenções de restauração nos centros históricos têm a finalidade de garantir - através

de meios e procedimentos ordinários e extraordinários - a permanência no tempo dos valores que

caracterizam esses conjuntos. A restauração não se limita, portanto, a operações destinadas a

conservar unicamente os caracteres formais de arquiteturas ou de ambientes isolados, mas se

estende também à conservação substancial das características conjunturais do organismo

urbanístico completo e de todos os elementos que concorrem para definir- tais características.

Para que o conjunto urbanístico em questão possa ser adequadamente salvaguardado, tanto

em relação a sua continuidade no tempo como ao desenvolvimento de uma vida de cidadania e

modernidade em seu interior, é necessário principalmente que os centros históricos sejam

reorganizados em seu mais amplo contexto urbano e territorial e em sua relações e conexões

com futuros desenvolvimentos; tudo isso, além do mais, com o fim de coordenar as ações

urbanísticas de maneira a obter a salvaguarda e a recuperação do centro histórico a partir do

exterior da cidade, através de um planejamento físico territorial adequado. Por meio de tais

intervenções (a serem efetuadas com os instrumentos urbanísticos), poder-se-á configurar um


novo organismo urbano, em que se subtraiam do centro histórico as funções que não serão

compatíveis com sua recuperação em termos de saneamento e de conservação.

A coordenação se posicionará também em relação à exigência de salvaguarda do contexto

ambiental mais geral do território, principalmente quando lhe houver assumido valores de

especial significado, estreitamente unidos às estruturas históricas tal como têm chegado até nós

(como por exemplo, a cercadura de colinas em torno de Florença, a laguna veneziana, as

centúrias romanas de Valpadana, a zona trulli de Apulia, etc.).

No que respeita aos elementos individuais através dos quais se efetua a salvaguarda do

conjunto, há que serem considerados tanto os elementos edílicos como os demais elementos que
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constituem os espaços exteriores (ruas, praças, etc.) e interiores (pátios, jardins, espaços livres,

etc.) e outras estruturas significativas (muralhas, portas, fortalezas, etc.) assim como eventuais

elementos naturais que acompanharem o conjunto, caracterizando-o de forma mais ou menos

acentuada (entornos naturais, cursos fluviais, singularidade geomórficas, etc.).

Os elementos edílicos que formam parte do conjunto devem ser conservados não apenas

quanto aos aspectos formais, que determinam sua expressão arquitetônica ou ambiental, como

ainda quanto a seus caracteres tipológicos enquanto expressão de funções que também têm

caracterizado, ao longo do tempo, a utilização dos elementos favoráveis.

Com o objetivo de certificar-se de todos os valores urbanísticos, arquitetônicos, ambientais,

tipológicos, construtivos, etc., qualquer intervenção de restauração terá que ser precedida de

uma atenta leitura histórico-crítica, cujos resultados não se dirigirão tanto a determinar uma

diferenciação operativa - posto que em todo o conjunto definido como centro histórico dever-se-á

operar com critérios homogêneos - quanto, principalmente, à individualização dos diferentes

graus de intervenção a nível urbanístico e a nível edílico, para determinar o tratamento

necessário de saneamento de conservação.

A esse propósito, é necessário precisar que por saneamento de conservação deve-se

entender, sobretudo, a manutenção das estruturas viárias e edílicas em geral (manutenção do

traçado, conservação da rede viária, de perímetro das edificações, etc.); e, por outro lado, a

manutenção dos caracteres gerais do ambiente, que comportam a conservação integral dos perfis

monumentais e ambientais mais significativos e a adaptação dos demais elementos ou complexos

edílicos individuais às exigências da vida moderna, consideradas apenas excepcionalmente as

substituições, ainda que parciais, dos elementos, e apenas na medida em que sejam compatíveis

com a conservação do caráter geral das estruturas do centro histórico.

Os principais tipos de intervenção a nível urbanístico são:

a) Reestruturação urbanística - Tende a consolidar as relações do centro histórico e,

eventualmente, a corrigi-las onde houver necessidade, com a estrutura territorial ou urbana com

as quais forma unidade. É de particular importância a análise do papel territorial e funcional que

tenha sido desempenhado pelo centro histórico ao longo do tempo e no presente. Nesse sentido

é preciso dedicar especial atenção à análise e à reestruturação das relações existentes entre

centro histórico e desenvolvimento urbanístico e edílico contemporâneos, principalmente a partir

do ponto de vista funcional e, particularmente, com referência às compatibilidades de funções

diretoras.
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A intervenção de reestruturação urbanística deverá tender a liberar os centros históricos de

finalidades funcionais, tecnológicas, ou de uso que, em geral, vier a provocar-lhes um efeito

caótico e degradante.

b) Reordenamento viário - Refere-se à análise e à revisão das comunicações viárias e dos

fluxos de tráfego a que a estrutura estiver submetida, com o fim primordial de reduzir- seus

aspectos patológicos e de reconduzir- o uso do centro histórico a funções compatíveis com as

estruturas de outros tempos.

É preciso considerar a possibilidade de integração do m obiliírio moderno e dos serviços

públicos estreitamente ligados às exigências vitais do centro.

c) Revisão dos equipamentos urbanos - Isso afeta as ruas, as praças e todos os espaços

livres existentes (pátios; espaços interiores, ,ardins, etc.) com o objetivo de obter uma conexão

homogênea entre edifícios e espaços exteriores.

Os principais tipos de intervenção a nível edílico são:

1) Saneamento estático e higiênico dos edifícios, que tende à manutenção de suas estruturas

e a uma utilização equilibrada; essa intervenção se realizará em função das técnicas, das

modalidades e das advertências a que se referem as instruções procedentes para a

realização de restaurações arquitetônicas. Nesse tipo de intervenção é de particular

importância o respeito às peculiaridades tipológicas, construtivas e funcionais do edifício,

evitando-se qualquer transformação que altere suas características.

2) Renovação funcional dos elementos internos, que se há de permitir somente nos casos em

que resultar indispensável para efeitos de manutenção em uso do edifício. Nesse tipo de

intervenção é de fundamental importância o respeito às peculiaridade tipológicas e

construtivas dos edifícios, proibidas quaisquer intervenções que alterem suas

características, como o vazado da estrutura ou a introdução de funções que deformarem

excessivamente o equilíbrio tipológico-estrutural do edifício.

São instrumentos operativos dos tipos de intervenção enumerados, especialmente:

planos de desenvolvimento geral, que reestruturem as relações entre o centro histórico e o

território e entre o centro histórico e a cidade em seu conjunto;

planos parciais relativos à reestruturação do centro histórico em seus elementos mas

significativos;

planos de execução setorial, referentes a uma edificação ou a um conjunto de elementos

reagrupáveis de forma orgânica.


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Declaração de Amsterdã

DE OUTUBRO DE 1975

Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu

Conselho da Europa

Ano Europeu do Patrimônio Arquitetônico

O Congresso de Amsterdã, coroamento do Ano Europeu do Patrimônio Arquitetônico 1975,

reunindo delegados vindos de toda parte da Europa, que acolheram calorosamente a Carta

Européia do Patrimônio Arquitetônico promulgada pelo Comitê de Ministros do Conselho da

Europa, reconhece que a arquitetura singular da Europa é patrimônio comum de todos os seus

povos e afirma a intenção dos Estados-membros de cooperar entre si e com os outros países

europeus para protegê-lo.

Da mesma maneira, o Congresso afirma que o patrimônio arquitetônico da Europa é parte

integrante do patrimônio cultural do mundo inteiro e nota com satisfação o engajamento mútuo

para favorecer a cooperação e as trocas no domínio da cultura contido na ata final da

Conferência sobre a Segurança e a Cooperação na Europa adotada em Helsinque, em julho deste

ano.

O Congresso chamou a atenção para as seguintes considerações essenciais:

a) Além de seu inestimável valor cultural, o patrimônio arquitetônico da Europa leva

todos os europeus a tomarem consciência de uma história e destino comuns. Sua

conservação é, portanto, revestida de uma importância vital.

b) Esse patrimônio compreende não somente as construções isoladas de um valor

excepcional e seu entorno, mas também os conjuntos, bairros de cidades e aldeias,

que apresentam um interesse histórico ou cultural.

c) Essas riquezas são um bem comum a todos os povos da Europa, que têm o dever

comum de protegê-las dos perigos crescentes que as ameaçam: negligência e


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deterioração, demolição deliberada,novas construções em desarmonia e circulação

excessiva.

d) A conservação do patrimônio arq uitetônico deve ser considerada não apenas como

um problema marginal, mas como objetivo maior do planejamento das áreas

urbanas e do planejamento físico territorial.

e) Os poderes locais, aos q uais compete a maioria das decisões importantes em matéria

de planejamento, são todos particularmente responsáveis pela proteção do

patrimônio arquitetônico e devem ajudar-se mutuamente através da troca de idéias e

de informações.

f) A reabilitação dos bairros antigos deve ser concebida e realizada, tanto quanto

possível, sem modificações importantes da composição social dos habitantes, e de

uma maneira tal que todas as camadas da sociedade se beneficiem de uma operação

financiada por fundos públicos.

g) As medidas legislativas e administrativas necessárias devem ser reforçadas e

tornadas mais eficazes em todos os países.

h) Para fazer face aos custos de restauração, planejamento e conservação das

construções e sítios de interesse arquitetônico ou histórico, uma ajuda financeira

adequada deve ser colocada à disposição dos poderes locais e de proprietários

particulares; além disso, para estes últimos, incentivos fiscais deverão ser previstos.

h) O patrimônio arquitetônico não sobreviverá a não ser que seja apreciado pelo

público e especialmente pelas novas gerações. Os programas de educação em todos

os níveis devem, portanto, se preocupar mais intensamente com essa matéria.

i) Devem ser encorajadas as organizações privadas - internacionais, nacionais e locais -

que contribuam para despertar o interesse do público.

j) Uma vez que a arquitetura de hoje é o patrimônio de amanhã, tudo deve ser feito

para assegurar uma arquitetura contemporânea de alta qualidade.

Tendo o Comitê dos Ministros reconhecido na Carta Européia do Patrimônio Arquitetônico

que cabe ao Conselho da Europa assegurar a coerência da política de seus Estados Membros e

promover sua solidariedade, é essencial que sejam produzidos relatórios periódicos sobre o

estado do desenvolvimento dos trabalhos de conservação arquitetônica nos países europeus, de

forma a permitir a troca de experiências.

O congresso faz um apelo aos governos, parlamentos, instituições espirituais e culturais,

institutos profissionais, empresas comerciais e industriais, associações privadas e a todos os


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cidadãos, para q ue dêem total apoio aos objetivos desta declaração e façam todo o possível para

assegurar a sua aplicação.

Somente desta maneira se conservará o patrimônio arquitetônico insubstituível da Europa

para o enriquecimento da vida de todos os seus povos, no presente e no futuro.

Ao final de seus debates, o congresso apresenta as seguintes conclusões e recomendações:

Nossa sociedade poderá, brevemente, ser privada do patrimônio arquitetônico e dos sítios

que formam seu quadro tradicional de vida, caso uma nova política de proteção e

conservação integradas desse patrimônio não seja posta em ação imediatamente. O que hoje

necessita de proteção são as cidades históricas, os bairros urbanos antigos e aldeias

tradicionais, aí incluídos os parques e jardins históricos. A proteção desses conjuntos

arquitetônicos só pode ser concebida dentro de uma perspectiva global, tendo em conta

todos os edifícios com valor cultural, dos mais importantes aos mais modestos, sem esquecer

os da época moderna, assim como o ambiente em que se integram. Essa proteção global

completará a proteção pontual dos monumentos e sítios isolados.

A significação do patrimônio arquitetônico e a legitimidade de sua conservação são

atualmente melhor compreendidas. Sabe-se que a preservação da continuidade histórica do

ambiente é essencial para , manutenção ou a criação de um modo de vi a que permita ao homem

encontrar sua identidade e experimentar um sentimento de segurança face às mutações brutais

da sociedade: um novo urbanismo procura reencontrar os espaços fechados, a escala humana, a

interpenetração das funções e a diversidade sócio-cultural que caracterizam os tecidos urbanos

antigos. Mas descobre-se também que a conservação das construções existentes contribui para a

economia de recursos e para a luta contra o desperdício, uma das grandes preocupações da

sociedade contemporânea. Ficou demonstrado que as construções antigas podem receber novos

usos que correspondam às necessidades da vida contemporânea. A isso se acrescenta que a

conservação atrai artistas e artesãos bem qualificados, cujo talento e conhecimento devem ser

mantidos e transmitidos. Finalmente, a reabilitação do habitar existente contribui para a redução

das invasões de terras agrícolas e permite evitar ou atenuar sensivelmente os deslocamentos da

população, o que constitui um beneficio social muito importante na política de conservação.

Ainda que, por todas essas razões, a legitimidade da conservação do patrimônio

arquitetônico apareça hoje com uma força nova, é necessário fundamentá-la sólida e

definitivamente; ela deve, portanto, abrir espaço às pesquisas de caráter fundamental e ser

incluída em todos os programas de educação e desenvolvimento cultural.

A conservação do patrimônio arquitetônico um dos objetivos maiores do planejamento das

áreas urbanas e do planejamento físico territorial.


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0 planejamento das áreas urbanas e o planejamento físico territorial devem acolher as

exigências da conservação do patrimônio arq uitetônico e não considerá-las de uma maneira

parcial ou como um elemento secundário, como foi o caso num passado recente. Um diálogo

permanente entre os conservadores e os planejadores tomou-se, desde então, indispensável.

0 s urbanistas devem reconhecer que os espaços não são equivalentes e que convém tratá-

los conforme as especificidades que lhes são próprias. 0 reconhecimento dos valores estéticos e

culturais do patrimônio arquitetônico deve conduzir- à fixação dos objetivos e das regras

particulares de organização dos conjuntos antigos. Não basta sobrepor as regras básicas de

planejamento às regras especiais de proteção aos edifícios históricos, sem uma coordenação.

A fim de tom ar possível essa integração, é conveniente organizar o inventário das

construções, dos conjuntos arquitetônicos e dos sítios, o que compreende a delimitação das

zonas periféricas de proteção. Seria desejável que esses inventários fossem largamente

difundidos, notadamente entre autoridades regionais e locais, assim como entre os responsáveis

pela ordenação do espaço e pelo plano urbano como um todo, a fim de chamar sua atenção para

as construções e zonas dignas de serem protegidas. Tal inventário fornecerá uma base realista

para a conservação, no que diz respeito ao elemento qualitativo fundamental para a

administração dos espaços.

A política de planejamento regional deve integrar as exigências de conservação do

patrimônio arquitetônico e para elas contribuir. Ela pode, particularmente, incitar novas atividades

a serem implantadas nas zonas em declínio econômico a fim de sustar seu despovoamento e

contribuir para impedir a degradação das construções antigas. Por outro lado, as decisões

tomadas para o desenvolvimento das zonas periféricas das aglomerações devem ser orientadas

de tal maneira que sejam atenuadas as pressões que são exercidas sobre os bairros antigos. Com

essa finalidade, as políticas relativas aos transportes, aos empregos e a uma melhor repartição

dos pólos de atividade urbana podem incidir mais profundamente sobre a conservação do

patrimônio arquitetônico.

A plena implementação de uma política contínua de conservação exige uma grande

descentralização e o reconhecimento das culturas locais. Isso pressupõe que existam

responsáveis pela conservação, em todos os níveis (centrais, regionais e locais) onde são

tomadas as decisões em matéria de planejamento. Mas a conservação do patrimônio

arquitetônico não deve ser tarefa dos especialistas. 0 apoio da opinião pública é essencial. A

população deve, baseada em informações objetivas e completas, participar realmente, desde a


elaboração dos inventários até a tomada das decisões.
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Enfim, a conservação do patrimônio se insere numa nova perspectiva geral, atenta aos novos

critérios de qualidade e de medida, e que deve permitir inverter, de hoje em diante, a ordem das

escolhas e dos objetivos, freqüentemente determinada pelo curto prazo, por uma visão estreita

da técnica e, finalmente, por uma concepção superada.

A conservação integrada conclama à responsabilidade os poderes locais e apela para a

participação dos cidadãos

Os poderes locais devem ter competências precisas e extensas em relação à proteção do

patrimônio arquitetônico. Aplicando os princípios de uma conservação integrada, eles devem levar

em conta a continuidade das realidades sociais e físicas existentes nas comunidades urbanas e

rurais. O futuro não pode nem deve ser construído às custas do passado.

Para pôr em ação tal política, respeitando com inteligência, sensibilidade e organização o

ambiente construído pelo homem, os poderes locais devem:

basear-se numa análise da textura das construções urbanas e rurais, notadamente no que

diz respeito às suas estruturas, suas complexas funções, assim como às características

arquitetônicas e volumétricas de seus espaços construídos e abertos;

atribuir- às construções funções que, respeitando seu caráter, respondam às condições atuais

de vida e garantam, assim, a sua sobrevivência;

estar atentos ao fato de que os estudos prospectivos sobre a evolução dos serviços públicos

(educativos, administrativos, médicos) demonstram que o gigantismo é desfavorável a sua

qualidade e a sua eficácia;

dedicar uma parte apropriada de seu orçamento a essa política. Nesse contexto, eles

deveriam solicitar dos governos a criação de fundos específicos. As subvenções e

empréstimos concedidos a particulares e grupos diversos pelos poderes locais deveriam

estimular o compromisso moral e financeiro dos favorecidos.

designar delegados responsáveis por todas as transações referentes ao patrimônio

arquitetônico;

instaurar órgãos de atividade pública, criando um elo de ligação direta entre os utilizadores

potenciais das edificações antigas e seus proprietários;

facilitar a formação e o funcionamento eficaz de associações mantenedoras de restauração e

de reabilitação.

Os poderes locais devem aperfeiçoar suas técnicas de pesquisa para conhecer a opinião dos

grupos envolvidos nos planos de conservação e levá-la em conta desde \a elaboração dos seus

projetos. Em relação à política de informação ao público, eles devem tom ar suas decisões à vista
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de todos, utilizando uma linguagem clara e acessível, a fim de que a população possa conhecer,

discutir e apreciar os motivos das decisões. Locais de encontro para reunião pública deveriam ser

previstos.

Nesse sentido, o recurso às reuniões públicas, às exposições, às sondagens de opiniões, aos

canais da mídia e a todos os outros meios apropriados, deveria se tom ar uma prática coerente.

A educação dos jovens em relação ao domínio do meio ambiente e sua associação a todas as

tarefas da salvaguarda é um dos imperativos maiores da ação comunitária.

As proposições complementares ou alternativas apresentadas por associações ou por

particulares deveriam ser consideradas como uma contribuição apreciável ao planejamento.

Finalmente, os poderes locais terão todo o interesse em comunicar suas experiências

respectivas. Em conseqüência, eles deveriam instaurar uma troca constante de informações e de

idéias por todas as vias possíveis.

Consideração dos fatores sociais condiciona o resultado de toda política de conservação

integrada.

Uma política de conservação implica também a integração do patrimônio na vida social.

O esforço de conservação deve ser calculado não somente sobre o valor cultural das

construções, mas também pelo seu valor de utilização. Os problemas sociais da conservação

integrada só podem - ser resolvidos através de uma referência combinada a essas duas escalas

de valores.

A reabilitação de um conjunto que faça parte do patrimônio arquitetônico não é uma

operação necessariamente mais onerosa que a de uma construção nova, realizada sobre uma

infr-a-estrutura existente, ou a construção de um conjunto sobre um sítio não urbanizado. É


conveniente, portanto, quando se comparam os custos equivalentes desses três procedimentos,

cujas conseqüências sociais são diferentes, não omitir o custo social. Isto interessa não somente

aos proprietários e aos locatários, mas também aos artesãos, aos comerciantes e aos

empresários estabelecidos no local, que asseguram a vida e a conservação do bairro em bom

estado.

Para evitar que as leis do mercado sejam aplicadas com todo o rigor nos bairros restaurados

o que teria por conseqüência a evasão dos habitantes, incapazes de pagar aluguéis majorados, é

necessária uma intervenção dos poderes públicos no sentido de moderar os mecanismos

econômicos, como sempre é feito quando se trata de estabelecimentos sociais. As intervenções

financeiras podem se equilibrar entre os incentivos à restauração concedidos aos proprietários

através da fixação de tetos para os aluguéis e da alocação de indenizações de moradia aos


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locatários, para diminuir ou mesmo completar a diferença existente entre os antigos e os novos

aluguéis.

Para permitir à população participar da elaboração dos programas, convém fornecer-lhe os

elementos para apreciação da situação; de uma parte, explicando-lhe o valor histórico e

arquitetônico das edificações a serem conservadas e; de outra parte, fornecendo-lhe todas as

indicações sobre os regulamentos definitivos e temporários.

Essa participação toma-se ainda mais importante na medida em que não se trate apenas da

restauração de algumas construções privilegiadas, mas da reabilitação de bairros inteiros.

Essa sensibilização prática à cultura seria um beneficio social considerável.

A conservação integrada exige uma adaptação das medidas legislativas e administrativas.

Tendo sido a noção de patrimônio arquitetônico progressivamente ampliada do monumento

histórico isolado aos conjuntos arquitetônicos urbanos e rurais, e também às contribuições de

épocas mais recentes, constitui condição prévia para uma ação eficaz uma reforma profunda da

legislação, acompanhada de um fortalecimento dos meios administrativos.

Essa reforma deve ser dirigida pela necessidade de coordenar, por uma parte, a legislação

relativa ao planejamento fisico-territorial, e por outra, a legislação relativa à proteção do

patrimônio arquitetônico.

Essa última deve fornecer uma nova definição do patrimônio arquitetônico e dos objetivos da

conservação integrada.

Além do mais, deve prever medidas especiais, no que concerte:

à designação e à delimitação dos conjuntos arquitetônicos;

à delimitação das zonas periféricas de proteção e dos locais de utilidade pública serem

previstos;

à elaboração dos programas de conservação integrada e à inserção das disposições desses

programas no planejamento;

à aprovação dos projetos e à autorização para executar os trabalhos:

Por outro lado, o legislador deveria tom ar as medidas necessárias a fim de:

redistribuir- de uma maneira equilibrada os créditos orçamentários reservados para o

planejamento urbano e destinados à reabilitação e à construção respectivamente.

conceder, aos cidadãos que decidam reabilitar uma construção antiga vantagens financeiras,

no mínimo, equivalentes às que aufeririam por uma construção nova.


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rever, em função da nova política de conservação integrada, o regime de incentivos

financeiros do Estado e de outros poderes públicos.

Na medida do possível, seria necessário tornar flexível a aplicação de regulamentos e

disposições particulares à construção, de maneira a satisfazer às exigências da conservação

integrada.

Com o objetivo de aumentar a capacidade operacional dos poderes públicos, faz-se

necessário rever a estrutura administrativa de maneira tal que os setores responsáveis pelo

patrimônio arquitetônico sejam organizados em níveis apropriados e dotados suficientemente de

pessoal qualificado, assim como de meios científicos, técnicos e financeiros indispensáveis.

Esses serviços deveriam ajudar as autoridades locais, cooperar no planejamento fisico-

territorial e manter relações estreitas com os órgãos públicos e organizações privadas.

A conservação integrada requer medidas financeiras apropriadas.

É difícil definir uma política financeira aplicável a todos os países e avaliar as conseqüências

das diferentes medidas que intervêm nos processos de planejamento, em razão de suas

repercussões recíprocas.

Esse processo está, por outro lado, submetido a fatores externos resultantes da estrutura

atual da sociedade.

Compete, pois, a cada estado pôr em prática seus próprios métodos e instrumentos de

financiamento.

Todavia, pode-se estabelecer com certeza que não existe país na Europa cujos recursos

financeiros utilizados para a conservação sejam suficientes.

Além do mais, parece que nenhum país europeu jam ais elaborou um mecanismo

administrativo perfeitamente adequado a corresponder às exigências econômicas de uma política

de conservação integrada.

Para conseguir- resolver os problemas econômicos da conservação integrada é necessário - e

este é um fator determinante - que seja elaborada uma legislação que submeta as novas

construções a certas restrições no que diz respeito a seus volumes (altura, coeficiente de

ocupação do solo) e que favoreça uma inserção harmoniosa.

As diretrizes do planejamento deveriam desencorajar a densificação e promover antes a

reabilitação do que uma renovação, após demolição.

É necessário criar métodos que permitam avaliar os custos adicionais impostos pelas

dificuldades apresentadas nos programas de conservação. Na medida do possível seria necessário


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dispor de meios financeiros suficientes para ajudar os proprietários, que efetuam trabalhos de

restauração, a suportar estritamente as taxas adicionais que lhes serão impostas.

Se tal ajuda para fazer face aos custos adicionais for aceita, será necessário naturalmente

cuidar para que essa vantagem não seja amenizada pelo imposto.

Também é preciso aplicar este mesmo principio em proveito da reabilitação dos conjuntos

degradados de interesse histórico ou arquitetônico, o que permitiria restabelecer o equilíbrio

social.

Por ora, as vantagens financeiras e fiscais oferecidas pelas novas construções de veriam ser

concedidas nas mesmas proporções para a manutenção e conservação das construções antigas,

deduzidos os eventuais custos adicionais.

0 s poderes públicos deveriam criar ou encorajar o lançamento de fundos de circulação que

forneçam os meios necessários às coletividades locais e às associações sem fins lucrativos. Isso

vale particularmente para as zonas onde o financiamento de tais programas poderá ser

assegurado de forma autônoma, a curto ou a longo prazo, em razão da maior valorização

resultante da forte demanda que se aplica aos proprietários que dispõem de um tal incentivo.

É, todavia, de vital importância estimular todos os recursos de financiamento privados,

notadamente os de origem industrial. Inúmeras iniciativas de caráter privado têm demonstrado o

excepcional resultado alcançado em associam com os poderes públicos, tanto em nível nacional

quanto local.

A conservação integrada conclama à promoção de métodos, técnicas e aptidões profissionais

ligadas à restauração e à reabilitação.

0 s métodos e técnicas de restauração e reabilitação de edifícios e conjuntos históricos

deveriam ser mais explorados e seu espectro alargado.

As técnicas especializadas impregnadas por ocasião da restauração de conjuntos históricos

importantes deveriam ser, de hoje em diante utilizadas na vasta gama de monumentos e

conjuntos que apresentam um menor interesse artístico.

É importante atentar para que os materiais de construção tradicional continuem a ser

aplicados

A conservação permanente do patrimônio arquitetônico permitirá, a longo prazo, evitar

onerosas operações de reabilitação.

Todo programa de reabilitação deveria ser estudado meticulosamente antes de sua

execução, e convém, ao mesmo tempo, reunir- uma documentação completa sobre os materiais e
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as técnicas e proceder a uma análise dos custos. Essa documentação deveria ser reunida em

centros apropriados.

Os materiais e técnicas novas não devem ser aplicados sem antes se obter a concordância de

instituições científicas neutras. Seria necessário arrecadar dados para confecção de um catálogo

de métodos e de técnicas utilizados e, para isso, criar instituições científicas que deveriam

cooperar estreitamente entre si. Esse catálogo deveria ser posto à disposição de todos os

interessados, o que favoreceria a reforma das práticas de restauração e de reabilitação.

É absolutamente necessário dispor de melhores programas de formação de pessoal

qualificado. Estes programas deveriam ser flexíveis, multidisciplinares e compreender um

aprendizado que permita adquirir uma experiência prática sobre a matéria.

A permuta internacional de conhecimentos, de experiências e de estagiários é um elemento

essencial na formação de todo o pessoal interessado.

Deveria haver mais facilidade em dispor de urbanistas, arquitetos, técnicos e artesãos

necessários à preparação de programas de conservação e para assegurar a promoção de

profissões artesanais que intervêm no trabalho de restauração e que estão ameaçadas de


desaparecer.

As possibilidades de qualificação, as condições de trabalho, as remunerações, a segurança do

emprego e o status social deveriam ser suficientemente atraentes para incentivar os jovens a se

voltarem para as disciplinas relacionadas com a restauração e a permanecerem nesse campo de

atividade.

Finalmente, as autoridades responsáveis pelos programas de aprendizado em todos os níveis

deveriam se esforçar para gerar interesse na juventude em relação às atividades especializadas

da conservação.
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Carta de Burra

DE 1980

Conselho Internacional de Monumentos e Sítios - ICOMOS

1. Definições

Artigo 1o - Para os fins das presentes orientações:

o termo bem designará um local, uma zona, um edifício ou outra obra construída, ou um

conjunto de edificações ou outras obras que possuam uma significação cultural,

compreendidos, em cada caso, o conteúdo e o entorno a que pertence.

o termo significação cultural designará o valor estético, histórico, científico ou social de um

bem para as gerações passadas, presentes ou futuras.

a substância será o conjunto de materiais que fisicamente constituem o bem.

o termo conservação designará os cuidados a serem dispensados a um bem para preservar-

lhe as características que apresentem uma significação cultural. De acordo com as

circunstâncias, a conservação implicará ou não a preservação ou a restauração, além da

manutençço; ela poderá, igualmente, compreender obras mínimas de reconstrução ou

adaptação que atendam às necessidades e exigências práticas.

o termo manutençço designará a p ro te ç o contínua da substância, do conteúdo e do entorno

de um bem e não deve ser confundido com o termo reparação. A reparação implica a

re sta u ra ç o e a reco n stru ço , e assim será considerada.

a p re se rv a ço será a manutençço no estado da substância de um bem e a d e sa ce le ra ço do

processo pelo qual ele se degrada.

a restauração será o restabelecimento da substância de um bem em um estado anterior

conhecido.

a reconstrução será o restabelecimento, com o máximo de exatidão, de um estado anterior

conhecido; ela se distingue pela introdução na substância existente de materiais diferentes,


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sejam novos ou antigos. A reconstrução não deve ser confundida, nem com a recriação, nem

com a reconstituiçço hipotética, ambas excluídas do domínio regulamentado pelas presentes

orientações.

a a d a p ta ç o será o agenciamento de um bem a uma nova destinaçço sem a destruiçço de

sua significação cultural.

o uso compatível designará uma utilização que não implique mudança na significação cultural

da substância, modificações que sejam substancialmente reversíveis ou que requeiram um

impacto mínimo.

2. Conservação

Artigo 2o - 0 objetivo da conservação é preservar a significação cultural de um bem; ela

deve implicar medidas de segurança e manutenção, assim como disposições que prevejam sua

futura destinação.

Artigo 30 - A c o n se rv a ç o se baseia no respeito à substância existente e não deve deturpar

o testemunho nela presente.

Artigo 40 - A conservação deve se valer do conjunto de disciplinas capazes de contribuir

para o estudo e a salvaguarda de um bem. As técnicas empregadas devem, em princípio, ser de

caráter tradicional, mas pode-se, em determinadas circunstâncias, utilizar técnicas modernas,

desde que se assentem em bases científicas e que sua eficácia seja garantida por uma certa

experiência acumulada.

Artigo 50 - Na conservação de qualquer bem deve ser levado em consideração o conjunto

de indicadores de sua significação cultural; nenhum deles deve ser revestido de uma importância

in ju stiça d a em detrimento dos demais.

Artigo 60 - As opções a serem feitas na conservação total ou parcial de um bem deverão

ser previamente definidas com base na compreensão de sua significação cultural e de sua condição

material.

Artigo 70 - As opções assim efetuadas determinarão as futuras destinações consideradas

compatíveis para o bem. As d e s tin a ç e s compatíveis são as que implicam a ausência de qualquer

modificação, modificações reversíveis em seu conjunto ou, ainda, modificações cujo impacto sobre

as partes da substância que apresentam uma significação cultural seja o menor possível.

Artigo 80 - A conservação de um bem exige a manutenção de um entorno visual

apropriado, no plano das formas, da escala, das cores, da textura, dos materiais, etc. Não deverão

ser permitidas qualquer nova construção, nem qualquer demolição ou modificação susceptíveis de
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causar prejuízo ao entorno. A introdução de elementos estranhos ao meio circundante, que

prejudiquem a apreciaçço ou fruiçço do bem, deve ser proibida.

Artigo 9o - Todo edifício ou qualquer outra obra devem ser mantidos em sua localização

histórica. O deslocamento de uma edificação ou de qualquer outra obra, integralmente ou em

parte, não pode ser admitido, a não ser que essa solução constitua o único meio de assegurar sua

sobrevivência.

Artigo 10o - A retirada de um conteúdo ao qual o bem deve uma parte de sua significaçço

cultural não pode ser admitida, a menos que represente o único meio de assegurar a salvaguarda e

a segurança desse conteúdo. Nesse caso, ele deverá ser restituído na medida em que novas

circunstâncias o permitirem.

3. Preservação

Artigo 1 1 - A preservação se impõe nos casos em que a própria substância do bem, no

estado em que se encontra, oferece testemunho de uma significação cultural específica, assim

como nos casos em que há insuficiência de dados que permitam realizar a conservação sob outra

forma.

Artigo 12o - a preservação se limita à proteção, à manutenção e à eventual estabilização da

substância existente. Não poderão ser admitidas técnicas de estabilização que destruam a

significação cultural do bem.

4. Restauração

Artigo 13° - A restauração só pode ser efetivada se existirem dados suficientes que

testemunhem um estado anterior da substância do bem e se o restabelecimento desse estado


conduzir- a uma valorização da significação cultural do referido bem. Nenhuma empreitada de

restauração deve ser empreendida sem a certeza de existirem recursos necessários para isso.

Artigo 14o - A restauração deve servit para mostrar novos aspectos em relação à

significação cultural do bem. Ela se baseia no princípio do respeito ao conjunto de testemunhos

disponíveis, sejam materiais, documentais ou outros, e deve parar onde começa a hipótese.

Artigo 15o - A restauração pode implicar a reposição de elementos desmembrados ou a

retirada de acréscimos, nas condições previstas no artigo 16.

Artigo 16o - As contribuições de todas as épocas deverão ser respeitadas. Quando a

substância do bem pertencer a várias épocas diferentes, o resgate de elementos datados de


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determinada época em detrimento dos de outra só se justifica se a significação cultural do que é

retirado for de pouquíssima importância em relação ao elemento a ser valorizado.

5. Reconstrução

Artigo 17° - A reconstrução deve ser efetivada quando constituir condição sine qua non de

sobrevivência de um bem cuja integridade tenha sido comprometida por desgastes ou

modificações, ou quando possibilite restabelecer ao conjunto de um bem uma significação cultural

perdida.

Artigo 18° - A reconstrução deve se limitar à colocação de elementos destinados a

completar uma entidade desfalcada e não deve significar a construção da maior parte da

substância de um bem.

Artigo 19° - A reconstrução deve se limitar à reprodução de substâncias cujas

características são conhecidas graças aos testemunhos materiais e/ou documentais. As partes

reconstruídas devem poder ser distinguidas quando examinadas de perto.

Artigo 20° - A adaptação só pode ser tolerada na medida em que represente o único meio

de conservar o bem e não acarrete prejuízo sério a sua significação cultural.

Artigo 21° - As obras de adaptação devem se limitar ao mínimo indispensável à destinação

do bem a uma utilização definida de acordo com os termos dos artigos 6 e 7.

Artigo 22° - Os elementos dotados de uma significação cultural que não se possa evitar

desmontar durante os trabalhos de adaptação deverão ser conservados em lugar seguro, na

previsão de posterior restauração do bem.

6. Procedimentos

Artigo 23° - Qualquer intervenção prevista em um bem deve ser precedida de um estudo

dos dados disponíveis, sejam eles materiais, documentais ou outros. Qualquer transformação do

aspecto de um bem deve ser precedida da elaboração, por profissionais, de documentos que

perpetuem esse aspecto com exatidão.

Artigo 24° - Os estudos que implicam qualquer remoção de elementos existentes ou

escavações arqueológicas só devem ser efetivados quando forem necessários para a obtenção de

dados indispensáveis à tomada de decisões relativas à conservação, do bem e/ou à obtenção de

testemunhos materiais fadados a desaparecimento próximo ou a se tomarem inacessíveis por causa

dos trabalhos obrigatórios de conservação ou de qualquer outra intervenção inevitável.


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Artigo 25° - Qualquer ação de conservação a ser considerada deve ser objeto de uma

proposta escrita acompanhada de uma exposição de motivos que justifique as decisões tomadas,

com provas documentais de apoio (fotos, desenhos, amostras, etc.)

Artigo 26° - As decisões de orientação geral devem proceder de organismos cujos nomes

serão devidamente comunicados, bem como o de seus dirigentes responsáveis, devendo a cada

decisão corresponder uma responsabilidade específica.

Artigo 27° - Os trabalhos contratados devem ter acompanhamento apropriado, exercido por

profissionais, e deve ser mantido um diário no qual serão consignadas as novidades surgidas, bem

como as decisões tomadas, conforme o disposto no artigo 25 acima.

Artigo 28° - Os documentos consignados nos artigos 23, 25, 26 e 27 acima serão

guardados nos arquivos de um órgão público e mantidos à disposição do público.

Artigo 29° - Os objetos a que se refere o artigo 10 acima serão catalogados e protegidos de

acordo com normas profissionais.


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Conferência de Nara

De 6 de novembro de 1994

Conferência sobre autenticidade em relação a convenção do Patrimônio Mundial

UNESCO, ICCROM E ICOMOS

Preâmbulo

1. Nós, especialistas reunidos em Nara (Japão), desejamos reconhecer o espírito generoso e a

coragem intelectual das autoridades japonesas em promover oportunamente este fórum,

no qual podemos desafiar o pensamento tradicional a respeito da conservação, bem como

debater caminhos e meios para ampliarmos nossos horizontes, no sentido de promover um

maior respeito à diversidades do patrimônio cultural na prática da conservação.

2. Queremos também reconhecer o valor da estratégia de organizar discussões, promovidas

pelos Comitês do Patrimônio Mundial, no sentido de colocar em prática o teste de

autenticidade, através de caminhos que demonstrem a concordância com o pleno respeito

aos valores sociais e culturais de todas as sociedades, examinando o valor extrínseco

universal atribuído aos bens culturais listados pelo Patrimônio Mundial.

3. O documento de Nara sobre autenticidade foi concebido no espírito da Carta de Veneza,


1964, desenvolvendo e ampliando esse documento em resposta ao alargamento dos

conceitos referentes ao escopo do que é patrimônio cultural e seus interesses em nosso

mundo contemporâneo.

4. Num mundo que se encontra cada dia mais submetido às forças da globalização e da

homogeneização, e onde a busca de uma identidade cultural é, algumas vezes, perseguida

através da afirmação de um nacionalismo agressivo e da supressão da cultura das

minorias, a principal contribuição fornecida pela consideração do valor de autenticidade na

prática da conservação é clarificar e iluminar a memória coletiva da humanidade.

5. Diversidade cultural e de patrimônios

6 . A diversidade de culturas e patrimônios no nosso mundo é uma insubstituível fonte de

informações a respeito da riqueza espiritual e intelectual da humanidade. A proteção e


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valorização da diversidade cultural e patrimonial no nosso mundo deveria ser ativamente

promovida como um aspecto essencial do desenvolvimento humano.

7. A diversidade das tradições culturais é uma realidade no tempo e no espaço, e exige o

respeito, por parte de outras culturas e de todos os aspectos inerentes a seus sistemas de

pensamento. Nos casos em que os valores culturais pareçam estar em conflito, o respeito à

diversidade cultural impõem o reconhecimento da legitimidade dos valores culturais de

cada uma das partes.

8 . Todas as culturas e sociedades estão arraigadas em formas e significados particulares de

expressões tangíveis e intangíveis, as quais constituem seu patrimônio e que devem ser

respeitadas.

9. É importante sublinhar um princípio fundamental da UNESCO, que considera que o

patrimônio cultural de cada um é o patrimônio cultural de todos. A responsabilidade por

este patrimônio e seu gerenciamento pertence, em primeiro lugar, à comunidade cultural

que o gerou, e secundariamente àquela que cuida dele. Entretanto, além destas

responsabilidades, a adesão às cartas internacionais e convenções desenvolvidas para a

conservação do patrimônio cultural, obriga a considerar os princípios e responsabilidades

por estas preconizados. Equilibrar suas próprias necessidades com aquelas de outras

culturas é, para cada sociedade, algo extremamente desejável, desde que, ao alcançar este

equilíbrio, não abra mão de seus próprios valores culturais.

10. Valores e autenticidade

11. A conservação do patrimônio cultural em suas diversas formas e períodos históricos é

fundamentada nos valores atribuídos a esse patrimônio. Nossa capacidade de aceitar estes

valores depende, em parte, do grau de confiabilidade conferido ao trabalho de

levantamento de fontes e informações a respeito destes bens. O conhecimento e a

compreensão dos levantamentos de dados a respeito da originalidade dos bens, assim

como de suas transformações ao longo do tempo, tanto em termos de patrimônio cultural

quanto de seu significado, constituem requisitos básicos para que se tenha acesso a todos

os aspectos da autenticidade.

12. Autenticidade, considerada desta forma e afirmada na Carta de Veneza, aparece como o

principal fator de atribuição de valores. O entendimento da autenticidade é papel

fundamental dos estudos científicos do patrimônio cultural, nos planos de conservação e


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restauração, tanto quanto nos procedimentos de inscrição utilizados pela Convenção do

Patrimônio Mundial e outros inventários de patrimônio cultural.

13. Todos os julgamentos sobre atribuição de valores conferidos às características culturais de

um bem, assim como a credibilidade das pesquisas realizadas, podem diferir de cultura

para a cultura, e mesmo dentro de uma mesma cultura, não sendo, portanto, possível

basear os julgamentos de valor e autenticidade em critérios fixos. Ao contrário, o respeito

devido a todas as culturas exige que as características de um determinado patrimônio

sejam consideradas e julgadas nos contextos culturais aos quais pertençam.

14. É da mais alta importância e urgência, portanto, que no interior de cada cultura, o

reconhecimento esteja em acordo com a natureza específica de seus valores patrimoniais e

a credibilidade e veracidade das pesquisas relacionadas.

15. Dependendo da natureza do patrimônio cultural, seu contexto cultural e sua evolução

através do tempo, os julgamentos quanto a autenticidade devem estar relacionados à

valorização de uma grande variedade de pesquisas e fontes de informação. Estas pesquisas

e levantamentos devem estar relacionados à valorização de uma grande variedade de

pesquisas e fontes de informação. Estas pesquisas e levantamentos devem incluir aspectos

de forma e desenho, materiais e substância, uso e função, tradições e técnicas, localização

e espaço, espírito e sentimento, e outros fatores internos e externos. O emprego destas

fontes de pesquisa permite delinear as dimensões específicas do bem cultural que está

sendo examinado, como as artísticas, históricas, sociais e científicas.

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