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Introdução
Ao longo do século XX, o Brasil foi um dos casos mais significativos e controversos de
desenvolvimento econômico. Significativo, pois passou por acelerados processos de
diferenciação da estrutura produtiva, êxodo rural e crescimento urbano, de modo que, se
na década de 1930 possuía uma economia essencialmente agrária, ao final da década de
1970 havia construído um dos parques industriais mais diversificados do mundo
(BARROS DE CASTRO, 2003; CERVO, 2016; FURTADO, 1965). A natureza
controversa da história brasileira advém do fato de que, apesar da robusta participação
estatal, ao longo desse processo não se logrou garantir à população acesso universal aos
direitos e serviços públicos básicos, como saúde e educação. Pelo contrário, esse
processo foi marcado pelo autoritarismo no sistema político e pelas desigualdades
crescentes no seio da sociedade. O resultado, foi ter se tornado um país com elevados
tirar vírgula
índices de analfabetismo, pobreza, desnutrição e violência (FURTADO, 2003;
LEUBOLT, 2016).
Nas duas últimas décadas do século XX, a capacidade do Estado brasileiro conduzir o
de o processo de desenvolvimento econômico foi comprometida. A inflação crônica e o
elevado endividamento externo desorganizaram o sistema econômico e reduziram
significativamente as capacidades do Estado de prover serviços públicos ou mesmo de
fomentar atividades econômicas via empresas estatais. Na segunda metade dos anos de
1990, o Plano Real logrou sucesso em combater a hiperinflação, através da
implementação de uma âncora cambial, que foi acompanhada de políticas de
privatizações e de abertura comercial. Em razão da desconfiança sobre os países
emergentes difundida após a crise asiática de 1997 e da consequente dificuldade em
atrair capitais externos, os déficits em conta corrente causados pela apreciação cambial
tornaram-se insustentáveis, levando à uma crise no balanço de pagamentos. Após as
sem crase
eleições que conduziram novamente Fernando Henrique Cardoso à presidência da
República, o governo brasileiro decide, no início de 1999, abandonar a âncora cambial,
passando para um regime de câmbio flexível. Também, implementou-se um sistema de
metas de inflação e geração de superávits primários, conformando, assim, o chamado
tripé macroeconômico brasileiro. Entre 1999 e 2002, os resultados econômicos
brasileiros foram pífios. Baixo crescimento, juros altíssimos, desemprego crescente e
crise energética resultaram em uma desaprovação do projeto político conduzido pelo
PSDB e fortalecimento da oposição. O resultado foi a vitória de Luiz Inácio Lula da
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Silva, pelo Partido dos Trabalhadores, nas eleições de 2002 (ANDERSON, 2011;
DINIZ; BRESSER-PEREIRA, 2016; SCHMALZ, 2016)
foi a pressão do movimento sindical, histórico aliado petista, para que o governo
apresentasse políticas de geração de empregos e renda. O segundo foi a circulação, em
setores importantes da burocracia pública, de novas ideias sobre o papel do Estado em
promover o desenvolvimento econômico, através do financiamento de setores chaves e
do fomento de tecnologias estratégicas, atuando em consonância com as dinâmicas de
mercados abertos e competitivos (DE TONI, 2013; DE TONI, 2015). Dessa forma,
configurava-se um cenário favorável à reestruturação de alianças entre setores da
sociedade que daria base de sustentação ao um projeto de desenvolvimento nacional
(DINIZ; BRESSER-PEREIRA, 2016).Assim, no período em que o PT esteve a frente
crase
do governo brasileiro, foram apresentadas três políticas industriais: a Política Industrial,
Tecnológica e Comércio Exterior (PITCE), a qual operou entre 2003-2008; a Política de
Desenvolvimento Produtivo (PDP), apresentada em 2008 com metas para 2010; o Plano
Brasil Maior (PBM), o qual, lançado em 2011, esteve em execução até 2014.
Comparando essas políticas, observam-se elementos de continuidade no que concerne à
intencionalidade, pois objetivavam promover o desenvolvimento econômico apostando
no fomento à inovação tecnológica como meio para elevar a competitividade da
indústria nacional. Dessa forma, pretendia-se aumentar a inserção nos mercados
internacionais e as taxas de investimento interno (QUEIROZ-STEIN; HERRLEIN JR.,
2016).
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neste Nesse artigo, para compreender essas transformações no perfil da política industrial
ajeitar frase brasileira, analisá-las a partir do conceito de arranjo institucional de políticas públicas.
Esse conceito designa “o conjunto de regras, mecanismos e processos que definem a
forma particular como se coordenam atores e interesses na implementação de uma
política pública específica (GOMIDE; PIRES, 2014, p. 20-21)”. Esse conceito delimita começo de
frases igual
duas dimensões de análise sobre as capacidades estatais. A primeira é a dimensão das
capacidades técnica-administrativa, focada na capacidade da burocracia produzir ações de a
tirar vírgula formulação, quanto de execução de uma política pública (GOMIDE; PIRES, 2014).
caráter das políticas industriais, no que se refere a sua abrangência e aos instrumentos
mobilizados em sua execução? crase
Para tanto, são apresentados três estudos de caso de arenas de interlocução entre
governo, empresários e trabalhadores, as quais estiveram direta ou indiretamente ligadas
à estrutura de governança das referidas políticas industriais. São elas o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República
(CDES), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) e os Conselhos
de Competitividade do Plano Brasil Maior (CCPBM). Para analisar cada caso sob os tu construiu?
ou eles foram
mesmos critérios, construíram-se indicadores qualitativos, os quais possibilitam construídos?
deixa isso mais
observar a constituição das capacidades políticas nesses espaços governamentais. explícito
tecnológica como principais meios de se atingir esse objetivo. Para tanto, escolheram-se
setores que se consideraram estratégicos, com potencial para desenvolver vantagens
comparativas e elevar o nível de inserção nos mercados internacionais, o que ficaria
expresso no aumento nas exportações industriais. Assim, elencaram-se quatro setores
como prioritários: fármacos e medicamentos; softwares; semicondutores; bens de
capital. Além desses quatro setores, definiram-se quatro atividades produtivas e
tecnológicas como estratégicas: nanotecnologia; biomassa; energias renováveis e
atividades relativas ao protocolo de Quioto (BRASIL, 2003; SALERNO; DAHER,
2006).
Na prática, a PITCE esteve em vigor até o ano de 2008 e, no seu escopo, uma série de
ações foram executadas. Destacam-se no período avanços em aspectos regulatórios, de
alcance abrangente, que objetivavam simplificar processos burocráticos e tributários,
como a Lei Geral de Micro e Pequenas Empresas, assim como possibilitar novas
modalidades de relação entre universidades, fundos governamentais para incentivo ao
desenvolvimento tecnológico e empresas privadas, o que foi o caso, por exemplo, da
rodapé? Lei da Inovação. Também, reestruturou-se a Agência Brasileira de Promoção de
Exportações e criou-se a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Voltadas
para setores mais específicos, destacam-se ações como desoneração fiscal para
aquisição de bens de capital, desoneração fiscal para empresas exportadoras de software
e a elevação no aporte de recursos no Programa Brasileiro de Atividades Espaciais e no
Programa Brasileiro de Atividades Nucleares (SUZIGAN; FURTADO, 2006;
SALERNO; DAHER, 2006; CALZOLAIO, 2011; CALZOLAIO, 2015; CANO;
SILVA, 2010; KUPFER, 2004; DE TONI, 2013; DE TONI, 2015; CUNHA;
PERFEITO; PERGHER, 2014; QUEIROZ-STEIN, 2016).
itálico?
(political will) de abrir o diálogo (HERZBERG; WRIGHT, 2005). A lógica é que os
governos aceitam abrir mão de parte de sua autonomia decisória em prol de consolidar
alianças mais amplas na sociedade (ARBIX, 1996). Ou seja, busca-se consolidar uma
forma de autonomia inserida (EVANS, 1995; RODRIK, 2007).
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Por fim, o terceiro indicador que diz respeito aos objetivos da deliberação é o de se
verificar a efetividade das deliberações no sentido de tornarem-se diretrizes ou medidas
concretas de política industrial. A capacidade política se concretiza quando o fluxo
informacional e a coordenação de interesses são incorporados nas políticas, resultando
em ações que podem ser observadas pela criação de novos instrumentos, novas agências
ou de regulamentações legais (HERZBERG; WRIGHT, 2005; SCHNEIDER, 2013).
O CDES foi criado ainda nos primeiros meses em que Luiz Inácio Lula da Silva
assumiu a presidência do Brasil, no ano de 2003. O objetivo de sua criação era
constituir um espaço direto de interlocução entre o Presidente da República, Ministros
de Estado e representantes da sociedade civil. Formalmente, sua função na estrutura
governamental era a de aconselhar a Presidência da República no que diz respeito a
políticas e diretrizes de desenvolvimento social e econômico de longo prazo, assim
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Esse número foi posteriormente ampliado para 18, incluindo 17 ministros, além do secretário executivo
que era o Ministro Chefe da Secretaria de Relações Institucionais, a saber: Ministros do Trabalho e
Emprego, Casa Civil, Comunicação Social, Meio Ambiente, Políticas de Promoção da Igualdade Racial,
Direitos Humanos, Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Relações Exteriores, Políticas
para as Mulheres, Secretaria Geral da Presidência, Fazenda, Secretaria de Relações Institucionais,
Gabinete de Segurança Institucional, Pesca e Aquicultura, Planejamento, Orçamento e Gestão,
Desenvolvimento Social e Presidente do Banco Central (SANTOS, 2012, p.27). Em 2011, o secretário
executivo passa a ser o Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Na composição
de 2014, seriam listados 24 conselheiros do governo e 96 representantes da sociedade civil; nesse ano, o
cargo de secretário executivo seria ocupado pelo Ministro Chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.
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4 Reuniões de Pleno
(Ordinárias e
Extraordinárias)
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2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
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Uma das causas da baixa participação dos ministros é o constante rearranjo de coalização para garantir
governabilidade nas relações executivo-legislativo, o que implica em constantes trocas de indicações
ministeriais. Por exemplo, somente pelo Ministério de Minas e Energia, entre 2003 e 2007, passaram
quatro ministros diferentes. Assim, com exceção dos seis ministros anteriormente citados, os quais
participaram em mais de 50% das reuniões, observou-se a presença em reuniões de mais 20 pessoas que
ocuparam o cargo de ministro ou ministro-interino e, assim, possuíam assento no CNDI, mas que não
frequentaram mais do 41,67% das reuniões.
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tirar crase formuladas com o propósito de combater à crise econômica de 2008 (QUEIROZ-
STEIN, 2017).
Entre 2011 e 2014, período que abrange o primeiro governo Dilma Rousseff,
pode-se considerar que ocorreu uma tentativa de colocar o conselho da indústria
novamente em funcionamento, reestruturando-o (Gráfico 2). Contudo, essa tentativa não
foi o suficiente para recuperar as capacidades perdidas. Durante os quatro anos,
ocorrem apenas três reuniões do CNDI, as quais tiveram por principal função ser um
espaço em que o governo anunciava diretrizes de política industrial e de política
macroeconômica ao empresariado e aos sindicalistas. As capacidades fundamentadas
em trocas informacionais e coordenação de ações interesses não são recuperadas
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2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Fonte 1 - Elaboração próprias com base nas atas do CNDI, em notícias vinculadas por agências governamentais e em
análises apresentadas por De Toni (2013).
Mineração 0 4 2 0 6
Móveis 0 3 2 0 5
Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos 0 4 1 1 5
Complexo da Saúde 1 2 3 0 5
Petróleo, Gás e Naval 0 3 1 0 4
Bens de Capital 0 3 1 1 4
Couro, Calçado, Têxtil e Confecções, Gemas e Joias 0 3 1 0 4
Automotivo 0 4 0 0 4
Construção Civil 0 3 1 0 4
Agroindústria 0 3 1 0 4
Energias Renováveis 0 3 0 0 3
Metalurgia 0 3 0 0 3
Celulose e Papel 0 3 0 0 3
Total 1 63 32 3 95
Média 0,1 3,3 1,7 0,2 5,0
Fonte: (ABDI, 2014b)
Na análise das atas das reuniões desses conselhos não verificou-se a participação
melhorar frase
de Ministros ou Presidentes de empresas ou bancos públicos, a presença de altos
escalões governamentais, ocorreu, no máximo, com a figura de diretores ou, no caso do
CCDAE, de oficiais militares com patente de Coronel e General. Portanto, nesse
critério, os arranjos setoriais apresentavam menor capacidade política do que as outras
arenas estudadas.
Considerações Finais
Após esse período ocorre uma progressiva perda de capacidades. Se por um lado
o CDES continua a ser um espaço importante na formulação de diretrizes de
desenvolvimento econômico e ganha peso político com a opção de se realizar políticas
anticíclicas para combater a crise econômica de 2008; por outro lado, ainda em 2007, o
CNDI deixa de se reunir. A desativação desse conselho significou a perda de um canal
direto e público de interlocução com empresários e representantes dos trabalhadores, o
qual possuía a finalidade exclusiva de debater o desenvolvimento industrial. Perde-se,
sobretudo uma dinâmica política de deliberação em que, a presença de agentes com
interesses distintos, possibilitava a busca de coordenar interesses e ações no longo
prazo, deixando de lado o imediatismo dos interesses particulares.
Por fim, a experiência, entre 2011 e 2014, dos conselhos de competividade foi
bastante limitada, de maneira que não foi capaz de contrabalancear as capacidades
políticas perdidas no CDES e no CNDI. Essas arenas setoriais tenderam a reproduzir
um histórico de baixa institucionalização de experiências passadas, de modo que
diminui as expectativas dos agentes da sociedade civil sobre sua efetividade, afetando,
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assim, a confiança em seu funcionamento. Por sua vez, isso é reflexo da não
participação de funcionário com poder e capacidade decisória, como seria o caso de
ministros de estado e presidentes de empresas públicas, e da própria precariedade do
funcionamento das instâncias, que não se reuniam como deveriam, predominando a
realização de reuniões na fase de formulação, sem continuidade na fase de avaliação e
monitoramento das políticas. Ainda, como no caso do CCDAE, problemas de
representatividade podem ter levado a baixa efetividade das ações discutidas nesses
âmbitos.
Essa realidade muda quando passa a ocorrer a queda nas capacidades políticas, a
partir de 2008. Mesmo que outros fatores, como a crise econômica internacional de
2008 ou a ampliação da coalizão governante em 2007, possam ter influenciado
significativamente na mudança de direcionamento das políticas, torna-se claro que a
progressiva perda de capacidades políticas afetou os rumos tomados. A PDP, lançada
em 2008 e que, até 2010, abrangeu 33 setores da economia e passou a usar com maior
robustez instrumentos de desoneração tributária sobre investimento e consumo, é
executada no mesmo período em que o CNDI é desativado. No período posterior, entre
2011 e 2014, entra em vigência o PBM, em que o uso de desonerações sobre consumo e
folha de pagamentos foi ainda maior, abrangendo mais de 55 setores da economia e
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sendo um fator decisivo para que, ao final do período, o Estado brasileiro se deparasse
com sérios problemas fiscais.
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