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Introdução

Ao longo do século XX, o Brasil foi um dos casos mais significativos e controversos de
desenvolvimento econômico. Significativo, pois passou por acelerados processos de
diferenciação da estrutura produtiva, êxodo rural e crescimento urbano, de modo que, se
na década de 1930 possuía uma economia essencialmente agrária, ao final da década de
1970 havia construído um dos parques industriais mais diversificados do mundo
(BARROS DE CASTRO, 2003; CERVO, 2016; FURTADO, 1965). A natureza
controversa da história brasileira advém do fato de que, apesar da robusta participação
estatal, ao longo desse processo não se logrou garantir à população acesso universal aos
direitos e serviços públicos básicos, como saúde e educação. Pelo contrário, esse
processo foi marcado pelo autoritarismo no sistema político e pelas desigualdades
crescentes no seio da sociedade. O resultado, foi ter se tornado um país com elevados
tirar vírgula
índices de analfabetismo, pobreza, desnutrição e violência (FURTADO, 2003;
LEUBOLT, 2016).

Nas duas últimas décadas do século XX, a capacidade do Estado brasileiro conduzir o
de o processo de desenvolvimento econômico foi comprometida. A inflação crônica e o
elevado endividamento externo desorganizaram o sistema econômico e reduziram
significativamente as capacidades do Estado de prover serviços públicos ou mesmo de
fomentar atividades econômicas via empresas estatais. Na segunda metade dos anos de
1990, o Plano Real logrou sucesso em combater a hiperinflação, através da
implementação de uma âncora cambial, que foi acompanhada de políticas de
privatizações e de abertura comercial. Em razão da desconfiança sobre os países
emergentes difundida após a crise asiática de 1997 e da consequente dificuldade em
atrair capitais externos, os déficits em conta corrente causados pela apreciação cambial
tornaram-se insustentáveis, levando à uma crise no balanço de pagamentos. Após as
sem crase
eleições que conduziram novamente Fernando Henrique Cardoso à presidência da
República, o governo brasileiro decide, no início de 1999, abandonar a âncora cambial,
passando para um regime de câmbio flexível. Também, implementou-se um sistema de
metas de inflação e geração de superávits primários, conformando, assim, o chamado
tripé macroeconômico brasileiro. Entre 1999 e 2002, os resultados econômicos
brasileiros foram pífios. Baixo crescimento, juros altíssimos, desemprego crescente e
crise energética resultaram em uma desaprovação do projeto político conduzido pelo
PSDB e fortalecimento da oposição. O resultado foi a vitória de Luiz Inácio Lula da
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Silva, pelo Partido dos Trabalhadores, nas eleições de 2002 (ANDERSON, 2011;
DINIZ; BRESSER-PEREIRA, 2016; SCHMALZ, 2016)

Ao governo petista, apresentava-se o desafio de propor novos rumos ao


desenvolvimento nacional. Aqui, é preciso ressaltar que, desde a década de 1980, a
indústria brasileira perdia competitividade e participação no produto nacional, pois com
a abertura comercial, na década de 1990, muitas empresas faliram e houve uma
crescente desnacionalização do capital industrial. Basicamente, sinais de uma
desindustrialização precoce mostravam-se claros (DIEGUES et al., 2016; SQUEFF,
2012). Nesse sentido, havia espaço para negociar apoio político do empresariado
industrial nacional, o que já vinha se consolidando enquanto aliança pela figura do
Vice-presidente da República - José Alencar - reconhecida liderança empresarial do
setor têxtil. Além disso, dois outros fatores contribuíram para criaram um ambiente
favorável para apresentação de políticas industriais a sociedade brasileira. O primeiro crase

foi a pressão do movimento sindical, histórico aliado petista, para que o governo
apresentasse políticas de geração de empregos e renda. O segundo foi a circulação, em
setores importantes da burocracia pública, de novas ideias sobre o papel do Estado em
promover o desenvolvimento econômico, através do financiamento de setores chaves e
do fomento de tecnologias estratégicas, atuando em consonância com as dinâmicas de
mercados abertos e competitivos (DE TONI, 2013; DE TONI, 2015). Dessa forma,
configurava-se um cenário favorável à reestruturação de alianças entre setores da
sociedade que daria base de sustentação ao um projeto de desenvolvimento nacional
(DINIZ; BRESSER-PEREIRA, 2016).Assim, no período em que o PT esteve a frente
crase
do governo brasileiro, foram apresentadas três políticas industriais: a Política Industrial,
Tecnológica e Comércio Exterior (PITCE), a qual operou entre 2003-2008; a Política de
Desenvolvimento Produtivo (PDP), apresentada em 2008 com metas para 2010; o Plano
Brasil Maior (PBM), o qual, lançado em 2011, esteve em execução até 2014.
Comparando essas políticas, observam-se elementos de continuidade no que concerne à
intencionalidade, pois objetivavam promover o desenvolvimento econômico apostando
no fomento à inovação tecnológica como meio para elevar a competitividade da
indústria nacional. Dessa forma, pretendia-se aumentar a inserção nos mercados
internacionais e as taxas de investimento interno (QUEIROZ-STEIN; HERRLEIN JR.,
2016).
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Contudo, mais instigantes são as transformações que se verificam nos instrumentos


utilizados. Enquanto na PITCE observava-se uma predominância de medidas
regulatórias, de reformas institucionais e de rearticulação de fundos de financiamento à
Ciência e Tecnologia, progressivamente entre os instrumentos mobilizados passa a
figurar um intenso uso de isenções tributárias para fomentar a geração de empregos e o
investimento. Também, é possível identificar claramente uma perda de direcionamento
estratégico. Enquanto na PITCE, elencava-se quatro setores e quatro atividades
vírgula
produtivas como prioritários, na PDP buscou-se fomentar 33 complexos produtivos e no
PBM chegou-se a conceder isenções fiscais para mais de 55 setores da economia
nacional (QUEIROZ-STEIN; HERRLEIN JR., 2016).

neste Nesse artigo, para compreender essas transformações no perfil da política industrial
ajeitar frase brasileira, analisá-las a partir do conceito de arranjo institucional de políticas públicas.
Esse conceito designa “o conjunto de regras, mecanismos e processos que definem a
forma particular como se coordenam atores e interesses na implementação de uma
política pública específica (GOMIDE; PIRES, 2014, p. 20-21)”. Esse conceito delimita começo de
frases igual
duas dimensões de análise sobre as capacidades estatais. A primeira é a dimensão das
capacidades técnica-administrativa, focada na capacidade da burocracia produzir ações de a

coordenadas para executar as diretrizes políticas e alcançar os resultados almejados. A


segunda é a dimensão das capacidades políticas que diz respeito a capacidade da crase de
burocracia pública expandir os canais de interlocução com os atores sociais, de modo a a

processar conflitos e evitar capturas por atores específicos, tanto no processo de

tirar vírgula formulação, quanto de execução de uma política pública (GOMIDE; PIRES, 2014).

Como foco de análise, no presente trabalho, debruça-se sobre a evolução das


capacidades políticas, mais especificamente na forma como essas capacidades se
concretizaram em espaços formais de interlocução direta entre governo, repsentantes de
setores empresariais e representantes de sindicatos de trabalhadores. Essa escolha se
justifica pela ênfase dada pela literatura em como as relações público/privadas são
determinantes para delimitar o perfil das políticas industriais e seus resultados
de seus
resultados
(JOHNSON, 1982; HAGGARD, 1994; EVANS, 1995; LEFTWICH, 1995;
HERZBERG; WRIGHT, 2005; RODRIK, 2007; SCHNEIDER, 2013; SCHNEIDER,
2015; FERNÁNDEZ-ARIAS et al., 2016). Assim, buscamos responder as seguintes
questões: como evoluíram as capacidades políticas subjacentes às políticas industriais
brasileiras no período 2003-2014? Como essa evolução se relaciona com mudanças no
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caráter das políticas industriais, no que se refere a sua abrangência e aos instrumentos
mobilizados em sua execução? crase

Para tanto, são apresentados três estudos de caso de arenas de interlocução entre
governo, empresários e trabalhadores, as quais estiveram direta ou indiretamente ligadas
à estrutura de governança das referidas políticas industriais. São elas o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República
(CDES), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) e os Conselhos
de Competitividade do Plano Brasil Maior (CCPBM). Para analisar cada caso sob os tu construiu?
ou eles foram
mesmos critérios, construíram-se indicadores qualitativos, os quais possibilitam construídos?
deixa isso mais
observar a constituição das capacidades políticas nesses espaços governamentais. explícito

Operacionalizou-se o estudo buscando os dados necessários para avaliação de cada


indicador a partir da observação das características institucionais, das dinâmicas das
reuniões, da participação e das falas dos agentes, dos temas debatidos, das proposições
de políticas públicas e da forma como essas proposições foram incorporadas às políticas
industriais. Para tanto, utilizou-se como fonte de pesquisa documentos de apresentação
e relatórios de avaliação das políticas industriais, leis referentes à gestão e à execução como tu
conseguiu isso?
das políticas industriais e atas de reuniões dos referidos conselhos. Ainda, quando
possível, quantificou-se os dados, principalmente aqueles sobre a participação dos
agentes nos conselhos. Utilizou-se, também, de ampla revisão bibliográfica e de
consulta a documentos de órgãos de classe. Outra fonte importante de informações
foram entrevistas e artigos publicados na imprensa por agentes-chave.

 Fazer parágrafo com apresentação da estrutura do artigo sim, super importante


 OBS: Deixar a introdução mais direta... a parte mais histórica é realmente
necessária? Não poderia ser colocada na próxima parte? Ou descarto? Trazer
mais a discussão científica, comentar trabalhos anteriores e qual a contribuição
deste estudo. ! !!!!!!!

As Políticas Industriais Brasileiras no Século XXI e suas Transformações

Em 2003, no primeiro ano de governo, foi formulada a Política Industrial, Tecnológica


e de Comércio Exterior (PITCE). Seu principal objetivo era elevar a competitividade e a
eficiência da economia brasileira, apostando no fomento à inovação e à difusão
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tecnológica como principais meios de se atingir esse objetivo. Para tanto, escolheram-se
setores que se consideraram estratégicos, com potencial para desenvolver vantagens
comparativas e elevar o nível de inserção nos mercados internacionais, o que ficaria
expresso no aumento nas exportações industriais. Assim, elencaram-se quatro setores
como prioritários: fármacos e medicamentos; softwares; semicondutores; bens de
capital. Além desses quatro setores, definiram-se quatro atividades produtivas e
tecnológicas como estratégicas: nanotecnologia; biomassa; energias renováveis e
atividades relativas ao protocolo de Quioto (BRASIL, 2003; SALERNO; DAHER,
2006).

Na prática, a PITCE esteve em vigor até o ano de 2008 e, no seu escopo, uma série de
ações foram executadas. Destacam-se no período avanços em aspectos regulatórios, de
alcance abrangente, que objetivavam simplificar processos burocráticos e tributários,
como a Lei Geral de Micro e Pequenas Empresas, assim como possibilitar novas
modalidades de relação entre universidades, fundos governamentais para incentivo ao
desenvolvimento tecnológico e empresas privadas, o que foi o caso, por exemplo, da
rodapé? Lei da Inovação. Também, reestruturou-se a Agência Brasileira de Promoção de
Exportações e criou-se a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Voltadas
para setores mais específicos, destacam-se ações como desoneração fiscal para
aquisição de bens de capital, desoneração fiscal para empresas exportadoras de software
e a elevação no aporte de recursos no Programa Brasileiro de Atividades Espaciais e no
Programa Brasileiro de Atividades Nucleares (SUZIGAN; FURTADO, 2006;
SALERNO; DAHER, 2006; CALZOLAIO, 2011; CALZOLAIO, 2015; CANO;
SILVA, 2010; KUPFER, 2004; DE TONI, 2013; DE TONI, 2015; CUNHA;
PERFEITO; PERGHER, 2014; QUEIROZ-STEIN, 2016).

Em 2008, é lançada uma segunda política industrial chamada “Política de


Desenvolvimento Produtivo” (PDP) (BRASIL, 2008b). Sua formulação foi realizada
antes da crise financeira mundial, pautada por um ambiente econômico otimista, o que
se refletia em estabelecer metas ambiciosas para se alcançar até 2008. Essas metas
eram:

1) Promover um crescimento médio anual de 11,3% da formação bruta de capital


fixo, fazendo com a relação Investimento/PIB passa-se de percentual 17,6% (2008) para
21% (2010).
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2) Promover um crescimento médio anual de 9,8% no gasto privado em P&D,


passando de 0,51% do PIB (2005), para 0,65% (2010). tirar vírgula

3) Ampliação da Participação das Exportações Brasileiras de 1,18% (2007) para


1,25% (2010), representando um crescimento médio anual de 9,1%.

4) Elevar em 10% o número de Micro e Pequenas Empresas exportadoras.

Comparando a PDP com a PITCE, é possível enfatizar algumas diferenças importantes.


A primeira é que sua abrangência, em termos de número de setores alvo, foi muito
maior, prevendo ações para 33 setores. Mantinha-se o padrão de focar em setores de alta
tecnologia com potencial para desenvolver vantagens comparativas. Mas, também, melhorar frase,
tá muito grande
incluiu-se setores nos quais já possuíam comprovada competitividade, como é o caso da e difícil de ler
com
extração de petróleo, siderurgia e produção aeronáutica e setores de baixa complexidade compreensão

tecnológica que estavam sofrendo perdas consideráveis frente à competição de produtos


importados, como é o caso da indústria têxtil e da indústria de produção de brinquedos.

Com o advento da crise financeira, a PDP assumiu um caráter de política anticíclica,


sendo incorporada ao que se denominou “Plano de Sustentação do Investimento. No que onde essas
aspas se
se refere aos instrumentos mobilizados, há um padrão de ação que se aproxima mais do fecham?

perfil de um estado desenvolvimentista. Destaca-se um crescimento significativo no


aporte de recursos do BNDES, prevendo um aporte de 210 bilhões entre 2008 e 2010. É
preciso enfatizar que, mesmo que não exclusivamente destinado a essa finalidade, o
BNDES atuava com um foco em fomentar empresas campeãs nacionais. Também, foi o
período em se anunciou a descoberta da Camada Pré-Sal e pesados investimentos da
Petrobrás em exploração de petróleo em águas profundas. Esses investimentos haviam
de ser mobilizados para fomentar cadeias produtivas nacionais ligadas a produção e crase

extração de petróleo, com destaque para um ambicioso programa de reativação da


indústria naval. Junto com a utilização das empresas e bancos públicos, o governo
manteve políticas de desoneração fiscal focadas em bens de capital e em produtos de
exportação. Ainda, como medida para combater a crise econômica, passou-se a aplicar
desonerações tributárias sobre consumo e renda, visando fomentar a demanda
demanda do
consumidor
consumidor (GUERRIERO, 2012; ALMEIDA, 2009; PIRES; GOMIDE; AMARAL,
2014; QUEIROZ-STEIN, 2016; QUEIROZ-STEIN; HERRLEIN JR., 2016).
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Em 2011, já sob a presidência de Dilma, o governo apresenta uma nova política


industrial, chamada “Plano Brasil Maior” (PBM). Subjacente à formulação dessa
política estava a preocupação com a crise internacional, que implicava em um
acirramento da competição externa e interna, uma ampliação da participação de
produtos importados no consumo nacional e a crescente dependência brasileira da
exportação de commodities, produtos os quais vinham apresentando uma tendência de
queda em seus preços, que poderia acarretar problemas de sustentabilidade nas contas
externas. Os instrumentos mobilizados possuíam claramente um sentido defensivo e
emergencial para a indústria nacional. Destaca-se a significativa ampliação das
desonerações tributárias, as quais chegaram a contemplar 55 setores da economia
brasileira, predominando a desoneração em impostos que incidiam sobre consumo e
sobre folha de pagamentos. No conjunto, as perdas fiscais causadas pelas isenções
tributárias teriam passado de 3,36 bilhões, em 2011, para 100,60 bilhões, em 2014
(SOUZA; BÔAS, 2015).

Construindo Indicadores de Capacidades Políticas todas as iniciais maiúsculas?

Para se analisar as capacidades políticas subjacentes à política industrial, construiu-se


indicadores, os quais foram sistematizados a partir de outros estudos teóricos e referências?
rodapé?
empíricos. Esses indicadores são formulados com base nos fatores críticos apontados
achei meio como necessários para a construção de capacidades políticas em espaços formais de
confuso, não sei
interlocução entre governo, empresários e trabalhadores, em sistemas democráticos, sob
o ponto de vista da formulação e execução de uma política industrial. Além dos fatores
críticos para a estruturação das capacidades políticas, existem também os indicadores
que avaliam o objetivo da deliberação que, quando alcançado, expressa a própria
realização dessas capacidades.

O primeiro indicador seria a ocorrência adesão governamental, em termos de criar os


espaços de interlocução com empresários e trabalhadores e torná-los importantes na
estratégia governamental de consolidar apoio político. Ou seja, há vontade política

itálico?
(political will) de abrir o diálogo (HERZBERG; WRIGHT, 2005). A lógica é que os
governos aceitam abrir mão de parte de sua autonomia decisória em prol de consolidar
alianças mais amplas na sociedade (ARBIX, 1996). Ou seja, busca-se consolidar uma
forma de autonomia inserida (EVANS, 1995; RODRIK, 2007).
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O segundo indicador diz respeito a verificação de participação de membros dos altos


crase
escalões governamentais, como Presidente, Vice-Presidente, Ministros de Estado,
Diretores de Agências, nos espaços de interlocução. A importância dessa participação é
sinalizar aos agentes que as deliberações não serão inúteis, pois delas participarão os
agentes com maior poder decisório na estrutura de governo (HERZBERG; WRIGHT,
2005; RODRIK, 2007; SCHNEIDER, 2013). Por sua vez, é necessário se verificar a
participação da sociedade civil, no sentido de ser efetiva adesão dos empresários e dos
trabalhadores aos espaços de interlocução com o governo, o que se expressa em
participação relativamente constante e ativa ao longo do tempo desses representantes
nas reuniões, sendo esse o terceiro indicador (HERZBERG; WRIGHT, 2005).

Contudo, não basta ocorrer essa participação. As entidades e os indivíduos da sociedade


civil tem que ter representatividade e legitimidade entre os empresários e os
trabalhadores. Assim, o quarto indicador diz respeito à representação: deve ser
verificada a representatividade frente aos representados das lideranças da sociedade
civil convidadas à participação (HERZBERG; WRIGHT, 2005; SCHNEIDER, 2013).
O quinto fator crítico que indica a capacidade política é a institucionalização dos
espaços, o que implica em regulamentação legal das atribuições da arena de
interlocução, em perdurarem ao longo do tempo e em conformarem as expectativas das
partes interessadas, visualizando-a enquanto lócus para negociar e coordenar interesses,
de modo a abrir mão de outros canais pessoais e informais de acesso ao governo
(ANDERSON, 1997; SCHNEIDER, 2013).

O sexto diz respeito a uma característica específica do funcionamento desses espaços


em sistemas democráticos. É o accountability em termos de haver transparência e ficou estranha
essa frase
prestação de contas sobre as deliberações. Isso pode ser verificado tanto na presença de
mecanismos de difusão de informações como websites, coletivas de imprensa, portais
de acesso à informação, quanto na própria composição do conselho que, ao contar com
interesses plurais e, até mesmo, antagônicos, possibilita que os agentes fiscalizem uns
aos outros nesses espaços (HERZBERG; WRIGHT, 2005).

Os três últimos indicadores de capacidades políticas dizem respeito ao próprio objetivo


das deliberações. O primeiro seria a ocorrência de trocas informacionais entre agentes
governamentais e demais participantes do espaço de interlocução. O pressuposto é que
há uma assimetria de informações entre governos e aqueles que serão alvo das políticas
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industriais. Essa assimetria de informações pode colocar em risco os resultados da


política. Dessa maneira, um dos objetivos de se criar arenas de interlocução é mitigar
esse problema informacional, de modo a canalizar para o Estado o conhecimento local e
as experiências dos agentes (RODRIK, 2007; SCHNEIDER, 2013).

O segundo trata de haver coordenação de ações e de interesses entre os agentes


participantes. É preciso harmonizar as ações dos diferentes órgãos governamentais
responsáveis pela política, que possuem instrumentos, lógicas de ação e interesses
distintos, os quais precisam ser alinhados, estabelecendo responsabilidades e atribuições
de funções claras. Também, é preciso coordenar interesses entre os diferentes setores
econômicos, os quais podem possuir vieses de política industrial distintos entre si
(CHANG, 1994). Por exemplo, um setor exportador tende a querer maior abertura
comercial, enquanto um setor voltado ao mercado interno pode reivindicar políticas
industriais de caráter mais protecionistas. As discussões em arenas de interlocução
buscam justamente canalizar o conflito e coadunar interesses criando novos caminhos
para o desenvolvimento econômico nacional (RODRIK, 2007).

Por fim, o terceiro indicador que diz respeito aos objetivos da deliberação é o de se
verificar a efetividade das deliberações no sentido de tornarem-se diretrizes ou medidas
concretas de política industrial. A capacidade política se concretiza quando o fluxo
informacional e a coordenação de interesses são incorporados nas políticas, resultando
em ações que podem ser observadas pela criação de novos instrumentos, novas agências
ou de regulamentações legais (HERZBERG; WRIGHT, 2005; SCHNEIDER, 2013).

Apresentação dos Casos Estudados

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República

O CDES foi criado ainda nos primeiros meses em que Luiz Inácio Lula da Silva
assumiu a presidência do Brasil, no ano de 2003. O objetivo de sua criação era
constituir um espaço direto de interlocução entre o Presidente da República, Ministros
de Estado e representantes da sociedade civil. Formalmente, sua função na estrutura
governamental era a de aconselhar a Presidência da República no que diz respeito a
políticas e diretrizes de desenvolvimento social e econômico de longo prazo, assim
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como apresentar proposições normativas e recomendações sobre reformas e políticas


públicas que seriam implementadas pelo novo governo. Para tanto, buscou-se
consolidar uma lógica de funcionamento pautada na busca pelo consenso, em que cada
deliberação do conselho era classificada como consensuais, recomendadas pela maioria
ou sugeridas por uma minoria. Desse conselho, participavam 96 representantes da
sociedade civil1 e 18 ministros de Estado. Não raro, o próprio presidente da República
se fazia presente nas reuniões. Dessa maneira, a participação de altos escalões
governamentais era marcante, fato que pode ser verificado ao longo de toda a existência
do CDES. Os representantes da sociedade civil eram líderes de destaque em seus
segmentos, ligados a diferentes setores da sociedade brasileira, indicados pessoalmente
pelo Presidente da República para mandatos bianuais.

Em seu início, a própria criação do CDES expressava a adesão governamental à


uma estratégia de estabelecer diálogos diretos com amplos setores da sociedade, o que
já vinha sendo realizado desde que foi anunciada a vitória do PT nas eleições de 2002
(DE TONI, 2013). Buscava-se, assim, consolidar bases de legitimidade e de apoio
político para novos rumos que seriam propostos em diferentes áreas de políticas
públicas. Pode-se afirmar que, no período entre 2003 e 2006, esse objetivo foi
razoavelmente atingido, sendo o CDES um espaço fundamental para estruturar
capacidades políticas que acabaram por se refletir na política industrial brasileira, tanto
pela elaboração de diretrizes de desenvolvimento, as quais argumentavam
explicitamente a favor de sua implementação, quanto pela recomendação de se criar a
Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial e o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Industrial, o que ficava explicito no documento “Sexta Carta de
Concertação”, lançado em março de 2004, a qual versava exclusivamente sobre a
temática da política industrial (BRASIL, 2004).

1
Esse número foi posteriormente ampliado para 18, incluindo 17 ministros, além do secretário executivo
que era o Ministro Chefe da Secretaria de Relações Institucionais, a saber: Ministros do Trabalho e
Emprego, Casa Civil, Comunicação Social, Meio Ambiente, Políticas de Promoção da Igualdade Racial,
Direitos Humanos, Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Relações Exteriores, Políticas
para as Mulheres, Secretaria Geral da Presidência, Fazenda, Secretaria de Relações Institucionais,
Gabinete de Segurança Institucional, Pesca e Aquicultura, Planejamento, Orçamento e Gestão,
Desenvolvimento Social e Presidente do Banco Central (SANTOS, 2012, p.27). Em 2011, o secretário
executivo passa a ser o Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Na composição
de 2014, seriam listados 24 conselheiros do governo e 96 representantes da sociedade civil; nesse ano, o
cargo de secretário executivo seria ocupado pelo Ministro Chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.
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Em termos de representação, ainda em 2003, foi preciso fazer ajustes na


composição inicial, ampliando o número de conselheiros, buscando um maior equilíbrio
no que tange a representação regional e de grupos religiosos. Assim, chegou-se a uma
configuração em que se encontra uma predominância na participação de indivíduos
ligados ao setor empresarial (variando entre 43 e 50% da composição total do conselho),
seguido de representantes dos trabalhadores (variando entre 14 e 27%). Outros atores
importantes seriam lideranças de movimentos sociais, organizações não-governamentais
(ONGs), grupos religiosos e intelectuais. Dentre os participantes, a grande maioria era
masculina, havendo uma sub-representação feminina. Isso se expressa no fato de que o
maior percentual de mulheres nesse conselho não ultrapassou a pequena marca de 12%,
no biênio 2005-2006 (SANTOS, 2012). A adesão da sociedade civil ao CDES não foi
intensa no ano de 2003. A predominância da agenda estatal de reformas, como a
reforma da previdência, implicou em uma baixa intensidade nas trocas informacionais,
verificando-se uma predominância de fala de atores governamentais nas reuniões, o que
quase colocou em cheque a legitimidade do espaço para as lideranças da sociedade civil.
Por sua vez, isso afetava a própria coordenação dos atores e a efetividade desse
conselho. Foi preciso, para retomar essa adesão, mudar a lógica de funcionamento do
CDES, abrindo maior espaço para negociação (FLEURY, 2006). Isso se refletiu, nos
anos de 2004 e 2005, no processo de elaboração da chamada Agenda Nacional de
Desenvolvimento (AND) (BRASIL, 2010).

Esse processo implicou na criação de diversos grupos de trabalho para discutir


temáticas específicas, aos quais os conselheiros ingressavam voluntariamente. Nesses
espaços, para favorecer a busca de consensos sobre diretrizes de desenvolvimento de
longo prazo, deixava-se de lado disputas sobre questões de curto prazo, como por
exemplo, sobre a política macroeconômica. Dessa forma, favoreceu-se a troca
informacional e a busca de coordenação de interesses dos diversos setores representados
em torno de agendas políticas comuns. No ano de 2006, ainda, um processo deliberativo
semelhante foi realizado para desdobrar as diretrizes genéricas da Agenda Nacional de
Desenvolvimento em medidas práticas, o que se consolidou no documento chama
“Enunciados Estratégicos para o Desenvolvimento (EED)”. Os EED traziam diversas
contribuições diretas para a formulação de políticas de inovação e financiamento da
indústria nacional e, também, propunha que o estado realizasse significativos
investimentos em infraestrutura.
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A efetividade do conselho se expressou no fato da AND e os EED terem sido


utilizados para subsidiar a formulação do Plano Plurianual 2008/20112 e o Programa de
Aceleração do Crescimento3. Nesse sentido, pode-se considerar que o CDES foi um
espaço fundamental para consolidar capacidades políticas necessárias para possibilitar
uma inflexão política, ocorrida no segundo governo Lula, em que o Estado passou a ter
um papel mais robusto em fomentar o desenvolvimento econômico e investir em
políticas sociais.

Em relação ao segundo mandato de Lula, se por um lado começa com a


necessidade de ampliar a bases políticas de sustentação do governo, as quais haviam
sido fragilizadas com o escândalo de corrupção denominado “mensalão”; por outro, a
economia brasileira apresentava um significativo dinamismo, como há muito tempo não
se via, o que favorecia a governabilidade. Contudo, os bons ventos mudaram em 2008,
quando estoura a bolha financeira nos Estados Unidos, desencadeando uma crise
econômica mundial que trazia riscos não desprezáveis para a economia brasileira. Nesse
período, a adesão governamental ao CDES fica expressa pelo governo buscar nesse
conselho a construção de bases de legitimidade para as políticas anticíclicas que seriam
executas como resposta à crise internacional. O conselho foi mobilizado e os
representantes da sociedade civil também aderiram formulando uma série de
proposições em relação às políticas que seriam realizadas. Isso, se expressa, por
tirar essa
vírgula
exemplo, numa elevação significativa do número de reuniões de pleno, realizadas no
período (Gráfico 1).

2
Explicar
3
Explicar
13

Gráfico 1 - Número de Reuniões de Pleno do CDES (Ordinárias e Extraordinárias)

4 Reuniões de Pleno
(Ordinárias e
Extraordinárias)
3

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Fonte: Elaboração Própria com base na Agenda do CDES, disponível em


http://www.cdes.gov.br/evento/realizados.html

A efetividade dessa mobilização do conselho, por sua vez, ficou expressa em


documentos de aconselhamento ao presidente da república, os quais diziam respeito às
decisões mais importantes tomadas no período para combater a crise. Entre esses,
destacam-se: “Parecer sobre Habitação de Interesse Social”; “Moção ao Presidente da
República sobre a Crise Financeira Internacional” e “Moção sobre o Pré-Sal”. A maior
parte dessas recomendações, apresentadas entre 2008 e 2009, possuía um caráter
emergencial, para lidar com problemas de curto prazo. Para não se perder a atribuição
de formular diretrizes de desenvolvimento no longo prazo, ainda em 2009 inicia-se um
processo de troca informacional e coordenação dos agentes semelhante ao que foi
realizado em 2004 para se formular a AND. O resultado foi o documento apresentado
para o Presidente da República em 2010, denominado “Agenda para um Novo Ciclo de
Desenvolvimento” (ANC). Como 2010 foi o último ano de Lula na Presidência da
República, as proposições da ANC só foram incorporadas nas políticas elaboradas no
governo Dilma Rousseff. Uma das políticas em que essa incorporação ficou mais clara
foi no Plano Brasil Maior, lançado em 2011, o qual teve suas metas formuladas com
base nas diretrizes da ANC.
14

Contudo, a partir de 2011, no primeiro mandato de Dilma Rousseff, o


funcionamento do CDES é precário e sua efetividade é baixa. O conselho deixa de ter
um lugar privilegiado na estratégia governamental de angariar apoio político, ou seja, se
perde adesão governamental. Isso se reflete, por exemplo, na constante troca de vinculo
institucional. Em 2011, deixa a Secretaria de Relações Institucionais e passa a ser
responsabilidade da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Em 2013, o CDES passa a ser
parte da Casa Civil da Presidência da República. Dessa maneira, ocorre uma queda no
próprio nível de institucionalização do conselho, o qual era relativamente alto e estável
nos governos anteriores.

Ainda, há de se enfatizar a queda substancial no número de reuniões de pleno,


chegando ao mínimo de se realizar apenas uma reunião no ano de 2012. Assim, torna-se
difícil perceber qualquer adesão da sociedade civil ou de altos escalões estatais. Sobre
as temáticas debatidas nesse período, passa a haver uma clara predominância da agenda
governamental a qual mobiliza a estrutura burocrática do conselho para formular
proposições relacionadas à Conferência Rio+20, em 2011, e aos grandes eventos que
seriam realizados no Brasil nos anos seguintes (Copa do Mundo e Olimpíadas). Nesse
contexto, ocorre uma queda na capacidade de fomentar trocas informacionais e
coordenação de ações entre os agentes e a política industrial, por sua vez, sai de cena.

O resultado é que o CDES se afasta do núcleo político do governo e ocorre um


esvaziamento de sua pauta, de modo que as políticas estratégicas deixam de ter nesse
conselho um lócus privilegiado de discussão (SANTOS; GUGLIANO, 2015). Dessa
forma, é factível afirmar que no âmbito do CDES, após 2011, há uma queda substancial
no que diz respeito à consolidação de capacidades políticas.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial

O CNDI é criado no ano de 2004 em um contexto de estruturação de arranjos de


governança para a política industrial, no qual se inclui a criação de instituições, como a
Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, e reordenação legal de instituições já
existentes, de modo a desenvolver instrumentos e capacidades que eram percebidos
como necessários para alcançar os objetivos governamentais. Esse conselho realizou
suas primeiras reuniões no ano de 2004, ainda em caráter informal, quando os
15

conselheiros foram convidados pelo então Ministro do Desenvolvimento, Indústria e


Comércio Exterior, Luiz Furlan. Sua regulamentação legal, implicando em uma maior
institucionalização, ocorre no início de 2005, sendo que sua primeira reunião formal
data de março deste ano. Formalmente, sua função seria aconselhar a Presidência da
República no que se refere a medidas relacionadas a temas como o financiamento do
investimento, a infraestrutura, a normatização e a coordenação de políticas industriais
entre os entes federados. Outras de suas atribuições seriam propor metas e prioridades
para políticas industriais, sugerir estratégias de monitoramento e avaliação para as ações
executadas, recomendar a realização de estudos, debates e estratégias em assuntos que
dizem respeito ao desenvolvimento industrial. Ressalta-se, porém, que na prática o
órgão exerceu essas funções de aconselhamento mais direcionadas ao ministro Luiz
Furlan do que ao Presidente da República.
Pode-se considerar que, entre os anos de 2004-2007, a adesão governamental ao
CNDI foi significativa e fica expressa na utilização desse conselho pelo ministro do
desenvolvimento como principal meio de articular e consolidar bases de apoio para suas
políticas e aperfeiçoar as estratégias de desenvolvimento produtivo, exercendo, também,
um importante papel em promover a coordenação entre os diversos órgãos
governamentais diretamente envolvidos na elaboração e execução das políticas
industriais (DE TONI, 2013; DE TONI, 2015). Essa capacidade de promover
ajeitar referencia
de toni, 2013; 2015
coordenação governamental está, em grande medida, relacionada a uma presença de
altos escalões governamentais. Em sua constituição formal, o CNDI contava com a
presença de 15 ministros de Estado, destacando-se que, na análise das reuniões,
observou-se em mais de 50% das reuniões a presença daqueles que na época eram
responsáveis pelos órgãos governamentais mais influentes na política econômica
brasileira. Além do já citado ministro do desenvolvimento Luiz Furlan, o qual
participou de todas as reuniões, foi recorrente à participação de Dilma Rousseff,
Ministra-chefe da Casa Civil; Antonio Palocci Neto, Ministro da Fazenda; Guido
Mantega, que participou primeiro como Presidente do BNDES e, após 2006, como
Ministro da Fazenda; Paulo Bernardo silva, Ministro do Planejamento; Luiz Marinho,
Ministro do Trabalho (QUEIROZ-STEIN, 2016).
No CNDI haviam 14 representantes da sociedade civil, os quais eram indicados
diretamente pelo ministro do MDIC, de modo a configurar uma representação
significativa, abrangente e heterogênea. Buscou-se garantir a presença das maiores
associações e entidades sindicais patronais do país, conjugadas com a expressão da
16

diversidade de setores industriais. Assim, faziam-se presente desde a Confederação


Nacional da Indústria, a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos e a
Associação Brasileira da Indústria Têxtil. Entre os empresários convidados a participar
do conselho, estavam lideranças com destacada e ativa participação pública, os quais
também advinham de diferentes regiões do país. Outro critério importante ao se fazer os
retirar vírgula convites aos conselheiros, foi de serem detentores de capital nacional, possuindo apenas
laços indiretos com empresas transnacionais. Destaca-se, ainda, que o CNDI não
possuía apenas representação empresarial, verificando-se, pela primeira vez na história
brasileira, verifica-se a presença de três das principais centrais sindicais do país: CUT,
Força Sindical e CGTB (DE TONI, 2013; QUEIROZ-STEIN, 2016).
O resultado foi uma alta adesão da sociedade civil. Em média, os conselheiros da
sociedade civil participaram de 54,78% da reunião, valor alto quando se compara à
média de participação dos ministros conselheiros, que foi de 30,45%4. Além disso, esses
conselheiros participaram ativamente em grupos de trabalho, formados juntos com
agentes da burocracia estatal, para dar encaminhamento às deliberações no período entre
reuniões (QUEIROZ-STEIN, 2016).
No que se refere ao accountability, a própria composição o CNDI, a qual
frase muito longa priorizava a presença de atores advindos de posições heterogêneas na estrutura
ficou confusa
socioeconômica, com interesses diferentes e, até mesmo divergentes, e principalmente
pela presença de centrais sindicais, às quais também possuíam diferenças importantes
entre si, criava uma dinâmica que favorecia à prestação de contas e forçava o debate a
se centrar em temas de interesse geral. Assim, a abertura do governo ao debate com a
sociedade e a composição do conselho favorecia o controle social sobre a política
industrial. Contudo, é preciso ressaltar que o CNDI não apresentava veículos de
comunicação e difusão de informações para um público mais amplo. Por exemplo, ao
contrário do CDES, não possuía um site na web em que tivesse facilmente disponível
todas as atas de reuniões, notícias e outros documentos. Mesmo para esta pesquisa, só
foi possível acessar as atas de reuniões do CNDI realizando uma solicitação via portal
da transparência do Governo Federal.

4
Uma das causas da baixa participação dos ministros é o constante rearranjo de coalização para garantir
governabilidade nas relações executivo-legislativo, o que implica em constantes trocas de indicações
ministeriais. Por exemplo, somente pelo Ministério de Minas e Energia, entre 2003 e 2007, passaram
quatro ministros diferentes. Assim, com exceção dos seis ministros anteriormente citados, os quais
participaram em mais de 50% das reuniões, observou-se a presença em reuniões de mais 20 pessoas que
ocuparam o cargo de ministro ou ministro-interino e, assim, possuíam assento no CNDI, mas que não
frequentaram mais do 41,67% das reuniões.
17

Analisando as trocas informacionais desse conselho, percebe-se que essas trocas


operavam em múltiplos sentidos, de modo que os diversos atores que o compunham
tiveram espaço para apresentar estudos, visões e posicionamentos nas reuniões do
CNDI e nos grupos de trabalho, em que conselheiros participavam ativamente, junto à
técnicos estatais. O CNDI, entre 2004 e 2007, não era um espaço em que simplesmente
o governo anunciava suas políticas. Pelo contrário, havia participação ativa dos
conselheiros da sociedade civil e, em praticamente todas as reuniões, verificava-se a
presença de consultores técnicos ou funcionários da burocracia pública que traziam
elementos para subsidiar os debates. Também, não raro, ocorria a apresentação e a
discussão sobre posicionamentos sobre as temáticas em questões realizados pelas
entidades participantes, chegando a ser realizadas reuniões exclusivas para que
entidades empresariais apresentassem seus estudos.
O CNDI também foi um espaço importante para promover a coordenação de
ações e interesses entre as partes interessadas na política industrial brasileira, no período
entre os anos de 2004 e 2007. Um primeiro elemento, já ressaltado anteriormente, a
coordenação governamental. A política industrial brasileira não tem por característica
ser executada por uma agência central com amplos poderes, como seria o caso, por
exemplo, do MITI japonês (JOHNSON, 1982), pelo contrário os instrumentos
mobilizados para atingir suas diretrizes estão dispersos em uma gama significativa de
ministérios, agências e empresas públicas, os quais possuem autonomia entre si e
distintas lógicas de organização burocrática e de relacionamento com setores da
sociedade brasileira. O CNDI, dessa forma, passou a ser um espaço de contato constante
entre ministros e burocratas sendo que, a partir das reuniões, se criavam grupos
interministeriais para avançar na construção das políticas, a partir das deliberações do
conselho (DE TONI, 2013). Dinâmica semelhante ocorria no que se refere ao setor
privado, que participava ativamente de comitês e grupos de trabalho responsáveis por
dar forma concreta às deliberações (QUEIROZ-STEIN, 2016).
Mas, o mais importante, é a forma como essa coordenação se expressou
efetividade das deliberações. A discussão ampla, envolvendo atores heterogêneos, tendo
por objeto instrumentos e normativas de desoneração tributária e de incentivos à
inovação, em uma arena de diálogo público, coletivo e institucionalizado, impeliu à
ação coordenada entre empresários de diversos setores, de modo aberto e transparente
aos olhos das diversas instâncias governamentais e das centrais sindicais, rompendo
com lógicas particularistas, de pressão e acesso privilegiado à burocracia estatal. Assim,
18

não à toa, chegou-se na proposição de regulamentações abrangentes, como a Lei da


Inovação5 e a Lei do Bem6, de caráter horizontal, abrindo novas possibilidades para a
cooperação entre Estado, universidades e empresas no investimento em pesquisa,
desenvolvimento e inovação. Ressalta-se que, também, formulou-se políticas verticais,
mas que possuíam um claro sentido público e abrangente. Nesse caso, pode-se destacar
a alocação de recursos orçamentários no Fundo Nacional para o Desenvolvimento de
Ciência e Tecnologia, que destina recursos para inovação em áreas específicas, como
biotecnologia e pesquisa nuclear, sendo que as empresas devem concorrer em editais
públicos para acessar estes recursos (DE TONI, 2015).
Dessa maneira, pode-se afirmar que no, no primeiro governo Lula,
especialmente entre 2004 e 2007, o CNDI possibilita a consolidação de um alto nível de
capacidade política, o que, por sua vez, encontra-se subjacente à formulação de uma
política industrial criativa, estratégica e horizontalizada. Essa política industrial, no
longo prazo, apresenta bons resultados, principalmente no que diz respeito ao fomento à
inovação (DE TONI, 2015). Contudo, em março de 2007, no início do segundo governo
petista, ocorre a troca do ministro do desenvolvimento e, durante todo esse governo, não
ocorrem reuniões do CNDI. Ou seja, o CNDI é extinto durante esse período e, dessa
maneira, perdem-se as capacidades políticas construídas no período anterior.
Concomitante, ocorre uma ampliação do número de setores abrangidos pela política
industrial e, também, passa-se a utilizar de instrumentos de desoneração tributária para
se fazer política industrial, especialmente desonerando impostos que incidem sobre
investimentos e bens de consumo duráveis, dentro do escopo de políticas anticíclicas

tirar crase formuladas com o propósito de combater à crise econômica de 2008 (QUEIROZ-
STEIN, 2017).
Entre 2011 e 2014, período que abrange o primeiro governo Dilma Rousseff,
pode-se considerar que ocorreu uma tentativa de colocar o conselho da indústria
novamente em funcionamento, reestruturando-o (Gráfico 2). Contudo, essa tentativa não
foi o suficiente para recuperar as capacidades perdidas. Durante os quatro anos,
ocorrem apenas três reuniões do CNDI, as quais tiveram por principal função ser um
espaço em que o governo anunciava diretrizes de política industrial e de política
macroeconômica ao empresariado e aos sindicalistas. As capacidades fundamentadas
em trocas informacionais e coordenação de ações interesses não são recuperadas

5
explicar
6
explicar
19

(QUEIROZ-STEIN, 2017). Concomitantemente, o Plano Brasil Maior, política


industrial implementada no período, abrangeu 53 setores da economia brasileira,
perdendo foco estratégico, e foi mais agressivo em promover desonerações tributárias,
as quais passaram a desonerar, também, impostos sobre consumo e sobre folhas de
pagamento e montantes significativos, a ponto de causar desequilíbrios para as contas
públicas.

Gráfico 2 - Número de Reuniões de Pleno do CNDI (Ordinárias e Extraordinárias)

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Número de Reuniões Ordinárias e Extraordinárias

Fonte 1 - Elaboração próprias com base nas atas do CNDI, em notícias vinculadas por agências governamentais e em
análises apresentadas por De Toni (2013).

Os Conselhos de Competitividade do Plano Brasil Maior

Retomando uma estratégia de governança que é recorrente na política industrial


brasileira desde a década de 1990 (ARBIX, 1996; DE TONI, 2013), no Plano Brasil
Maior criou-se conselhos setoriais tripartites, de caráter consultivo. Ao todo, seriam 19
conselhos, que teriam a função de realizar diagnósticos setoriais, contribuir na
elaboração e implementação de políticas setoriais e sugerir contrapartidas empresariais
para a consecução das metas dessas políticas.
20

Sobre a adesão governamental, deve-se ressaltar a intencionalidade de abrir


esses espaços de diálogo e prever uma explícita função para esses conselhos dentro da
estrutura de governança do PBM, ao contrário de outras experiências ad hoc e quase
informais que existiram nas décadas passadas. O fato de possuir essa posição funcional
claramente delimitada e um estatuto que regia o funcionamento dos colegiados também
seria um elemento a contar pontos em termos de institucionalização. Ainda, pode-se
afirmar que havia um bom desempenho no que se refere ao accountability, pois na
página da web do PBM era facilmente acessível as atas de boas parte das reuniões, os
nomes dos conselheiros e outros documentos organizativos. Dessa forma, pelo menos
nesses três critérios, esses conselhos apresentavam potencial de mobilização de
capacidades políticas.

Contudo, essas percepções necessitam ser ponderadas. O estatuto que regia o


funcionamento desses conselhos previa que se realizassem reuniões trimestrais. Porém,
ao longo de quatro anos, em média cada conselho se reuniu apenas cinco vezes. Ainda,
ocorre uma concentração de reuniões no ano de 2012, com uma média de 3,3 reuniões, a
qual decai para 1,7 em 2013 e para 0,2 em 2014 (Tabela 4). Assim, pode-se afirmar que,
na prática, essas arenas reproduziram um histórico de baixa institucionalização,
perdurando pouco ao longo do tempo e não criando expectativas de serem espaços
permanentes de negociação, que tenham em vista o desenrolar das políticas industriais
no longo prazo. Também, fica clara a concentração de reuniões no ano de 2012, quando
a política estava em vias de formulação. Nos anos subsequentes, que envolveriam etapas
de monitoramento e avaliação, decai significativamente o número de encontros.
Portanto, ao contrário do que ficava expresso nas intenções formais, expressas em
documentos do PBM, esses conselhos tiveram um papel limitado na estratégia de
consolidação de apoio político do governo à fase de formulação, o que impede de
desenvolver todo o potencial em termos de capacidade política.

Tabela 4 - Número de Reuniões dos Conselhos de Competitividade

Conselho de Competitividade 2011 2012 2013 2014 Total


Defesa, Aeronáutica e Espacial 0 3 4 1 7
TIC/Complexo Eletrônico 0 6 1 0 7
Serviços Logísticos 0 3 4 0 7
Serviços 0 3 4 0 7
Comércio 0 3 4 0 7
Química 0 4 2 0 6
21

Mineração 0 4 2 0 6
Móveis 0 3 2 0 5
Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos 0 4 1 1 5
Complexo da Saúde 1 2 3 0 5
Petróleo, Gás e Naval 0 3 1 0 4
Bens de Capital 0 3 1 1 4
Couro, Calçado, Têxtil e Confecções, Gemas e Joias 0 3 1 0 4
Automotivo 0 4 0 0 4
Construção Civil 0 3 1 0 4
Agroindústria 0 3 1 0 4
Energias Renováveis 0 3 0 0 3
Metalurgia 0 3 0 0 3
Celulose e Papel 0 3 0 0 3
Total 1 63 32 3 95
Média 0,1 3,3 1,7 0,2 5,0
Fonte: (ABDI, 2014b)

Para se analisar com maior acuidade os indicadores de capacidades políticas


restantes, optou-se por estudar detalhadamente dois desses conselhos: o Conselho de
Competitividade da Indústria de Defesa, Aeronáutica e Espacial (CCDAE) e o Conselho
de Competitividade da Indústria Química (CCQ). Os critérios levados em conta para
escolha desses conselhos foi a disponibilidade de dados, o potencial tecnológico e a
frequência e distribuição ao longo do tempo das reuniões.

Na análise das atas das reuniões desses conselhos não verificou-se a participação
melhorar frase
de Ministros ou Presidentes de empresas ou bancos públicos, a presença de altos
escalões governamentais, ocorreu, no máximo, com a figura de diretores ou, no caso do
CCDAE, de oficiais militares com patente de Coronel e General. Portanto, nesse
critério, os arranjos setoriais apresentavam menor capacidade política do que as outras
arenas estudadas.

No que se refere à representação, na composição original do CCDAE previa-se


que 52,63% dos conselheiros teriam por origem agências estatais, 31,58% seriam
representantes empresariais e 15,79% seriam representantes de trabalhadores. Para o
CCQ esses percentuais seriam de 39,29%; 42,86% e 17,86%, respectivamente. Quando
observa-se essa classificação para os conselheiros que participaram de mais de 50% das
reuniões, no CCDAE esses percentuais vão para 79,17% de representantes
governamentais, 16,67% de empresários e 4,17% de trabalhadores. Por sua vez, no
CCQ observa-se os seguintes valores: 37,5%; 37,5%; 25,00%, respectivamente. Ou
22

seja, na prática, ocorreu uma clara predominância de agentes governamentais no


CCDAE, o quer levou a uma menor adesão da sociedade civil. Já no CCQ percebe-se
um maior equilíbrio na participação e uma maior adesão dos agentes não estatais.

Ambos os conselhos apresentaram bons desempenhos no que tange as trocas


informacionais e coordenação de ações e interesses. É possível perceber nas atas que o
CCQ não foi apenas um espaço de anuncio de medidas governamentais. Em todas as
reuniões verifica-se a participação de empresários e trabalhadores no sentido de discutir
as proposições governamentais, apresentar suas críticas, diagnósticos e sugestões de
políticas, além de fazer reivindicações ao governo. Esse foi um espaço no qual se
discutiu propostas e se dividiu trabalho entre os órgãos governamentais e os representes
da sociedade civil, de modo a aprimorar as propostas da agenda estratégica. Isso se
refletiu em termos de efetividade. Nesse âmbito se avançou na proposta do Regime
Especial de Incentivo ao Investimento na Indústria Química (REPEQUIM), no Regime
Especial de Incentivo ao Desenvolvimento de Infraestrutura da Indústria de Fertilizantes
(REIF), na desoneração do PIS/CONFINS para a cadeia petroquímica e no Regime
Especial de Incentivo à Inovação na Indústria Química (REIQ-Inovação).

Na análise dos registros das reuniões do CCDAE, a ocorrência de processos


semelhantes podem ser inferidos. Não há predominância de fala de apenas um setor.
Empresários e representantes de trabalhadores possuem seus “comentários/sugestões”
recorrentemente citados nas atas. O mesmo é observável entre os diversos órgãos
governamentais presentes nas reuniões. Assim, os debates focalizaram diversos aspectos
como as diretrizes estratégicas gerais para as cadeias produtivas, os instrumentos a
serem utilizados, a definição de metas, as fontes de financiamento, as políticas de
incentivo às exportações, a necessidade de fomentar as MPEs do setor, o
desenvolvimento e as fronteiras tecnológicas, etc. Nas reuniões ocorridas em 2013, em
que o principal objetivo era monitorar o andamento das agendas setoriais, dividiu-se os
participantes em grupos de trabalho. Muitas vezes, esses grupos foram liderados por
representantes da sociedade civil. Por sinal, tendo em vista que o principal objetivo dos
conselhos de competitividade era delimitar as agendas estratégicas setoriais, nesse ponto
houve coordenação dos atores no sentido realizar uma série de tarefas, das quais
participaram, inclusive, representantes da sociedade civil. Entre essas tarefas estava
melhorar o detalhamento de ações, rever a redação, consultar terceiros sobre
informações pertinentes e construir cronogramas.
23

O fluxo de informações também foi importante ao se discutir três pontos que


vieram à tona em diversos momentos: utilização de compras governamentais para
fomentar o setor; déficit de mão-de-obra qualificada; financiamento ao investimento,
exportações e inovações das empresas da Base Industrial de Defesa. Todos esses temas
já vinham sendo enfatizados em outros documentos da política industrial brasileira,
lançados pela ABDI, como no “Diagnóstico da Base Industrial de Defesa Brasileira”,
lançado em março de 2011, e no “Panorama da Base Industrial de Defesa: Segmento
Aeroespacial”, lançado em 2013. Ou seja, já estavam na agenda das políticas para o
setor e foram potencializados no âmbito do conselho de competitividade.

Ao analisar quais medidas foram efetivamente incluídas na Agenda Estratégica


Setorial percebe-se que a questão do financiamento e das compras governamentais
foram contemplados no “Programa de Financiamento para Empresas Estratégicas de
Defesa”, na “Política Nacional de Compensação Tecnológica, Industrial e Comercial
(Offset)” e na criação do Núcleo de Promoção Comercial do MD. Contudo, o tema da
qualificação da mão-de-obra, o qual já vinha sendo discutido como o principal fator
crítico para fomentar essa indústria, não obteve qualquer referência na formulação final
da agenda setorial. Isso ocorreu mesmo verificando-se que consta na ata das reuniões
ocorridas nos dias 13 e 14 de junho de 2013 que a proposta sobre a temática.
encaminhada pelo representante da CNM/CUT, Edmilson Rogério de Oliveira, seria
levada para avaliação na ABDI. Dessa forma, pode-se concluir que o principal fator que
limitou o desenvolvimento das capacidades políticas nesse conselho foi a falta de
representatividade de atores da sociedade civil, principalmente dos trabalhadores, os
quais não obtiveram força suficiente para pressionar o encaminhamento de suas
demandas.

Considerações Finais

A análise dos três casos observados possibilita descrever a evolução das


capacidades políticas da política industrial brasileira. Pode-se considerar que o período
entre 2003 e 2007 abrange um processo de estruturação dessas capacidades, o que se
expressa na criação do CDES e do CNDI, os quais, por sua vez, operam no sentido de
consolidar bases de apoio político e legitimidade para a PITCE e formular proposições
sobre a estrutura administrativa, as diretrizes norteadoras, os instrumentos mobilizados
e as ações regulatórias do governo, dentro de um projeto mais amplo de
24

desenvolvimento produtivo e social. Alguns fatores foram críticos para potencializar as


capacidades políticas desses espaços, com especial destaque para o peso que tiveram na
estratégia de governo e para a presença de ministros de Estado nas reuniões; também,
foi fundamental a efetiva adesão dos agentes da sociedade civil, o que em boa medida
refletia uma cuidadosa escolha no que se refere ao critério de representatividade. Dessa
maneira, essas arenas passaram a operar trocas informacionais e a coordenar os agentes,
resultando em proposições criativas na busca de realizar políticas com o objetivo de
dinamizar a indústria brasileira.

Após esse período ocorre uma progressiva perda de capacidades. Se por um lado
o CDES continua a ser um espaço importante na formulação de diretrizes de
desenvolvimento econômico e ganha peso político com a opção de se realizar políticas
anticíclicas para combater a crise econômica de 2008; por outro lado, ainda em 2007, o
CNDI deixa de se reunir. A desativação desse conselho significou a perda de um canal
direto e público de interlocução com empresários e representantes dos trabalhadores, o
qual possuía a finalidade exclusiva de debater o desenvolvimento industrial. Perde-se,
sobretudo uma dinâmica política de deliberação em que, a presença de agentes com
interesses distintos, possibilitava a busca de coordenar interesses e ações no longo
prazo, deixando de lado o imediatismo dos interesses particulares.

A partir de 2011 essa perda de capacidades se acentua. O fator mais marcante


nesse período é que o CDES perde sua importância política e seu ritmo de atividade e
produção diminui significativamente. Isso se reflete em mudanças constantes na posição
institucional que esse conselho ocupa dentro da estrutura de governo. O resultado é uma
baixa efetividade no que se refere a proposições de diretrizes e ações importantes para o
desenvolvimento produtivo nacional. Destaca-se, ainda, nesse período que a tentativa de
reativar o CNDI não obtém sucesso e as reuniões realizadas tiveram mais a função de
ser um espaço de anúncio governamental do que de troca de informações e coordenação
de interesses.

Por fim, a experiência, entre 2011 e 2014, dos conselhos de competividade foi
bastante limitada, de maneira que não foi capaz de contrabalancear as capacidades
políticas perdidas no CDES e no CNDI. Essas arenas setoriais tenderam a reproduzir
um histórico de baixa institucionalização de experiências passadas, de modo que
diminui as expectativas dos agentes da sociedade civil sobre sua efetividade, afetando,
25

assim, a confiança em seu funcionamento. Por sua vez, isso é reflexo da não
participação de funcionário com poder e capacidade decisória, como seria o caso de
ministros de estado e presidentes de empresas públicas, e da própria precariedade do
funcionamento das instâncias, que não se reuniam como deveriam, predominando a
realização de reuniões na fase de formulação, sem continuidade na fase de avaliação e
monitoramento das políticas. Ainda, como no caso do CCDAE, problemas de
representatividade podem ter levado a baixa efetividade das ações discutidas nesses
âmbitos.

Em relação à segunda questão proposta nesse trabalho, percebe-se que há uma


concomitância entre a evolução dessas capacidades políticas e as transformações na
abrangência e nos instrumentos da política industrial brasileira. Na fase de estruturação
das capacidades políticas, em que o CDES e o CNDI se constituem e operam
regularmente, na política industrial se verifica um maior foco estratégico no que se
refere às ações verticais, à mobilização de instrumentos regulatórios e à reestruturação
de fundos de investimento públicos, com o objetivo de fomentar ativamente o
desenvolvimento tecnológico. Essa concomitância não é simplesmente uma
coincidência. De fato, uma boa parte dessas ações foi, em algum momento, objeto de
deliberação nessas arenas ou, até mesmo, formulada em seus grupos de trabalhos. A
sinergia que vinha se conformando entre os atores nessas arenas refletia-se na política
industrial em vigor no período. Nesse sentido, à medida que se construíam as
capacidades políticas, construía-se diretrizes, instrumentos e ações mais inovadores e
criativos, em um processo político que prezava por afastar os interesses particularistas.

Essa realidade muda quando passa a ocorrer a queda nas capacidades políticas, a
partir de 2008. Mesmo que outros fatores, como a crise econômica internacional de
2008 ou a ampliação da coalizão governante em 2007, possam ter influenciado
significativamente na mudança de direcionamento das políticas, torna-se claro que a
progressiva perda de capacidades políticas afetou os rumos tomados. A PDP, lançada
em 2008 e que, até 2010, abrangeu 33 setores da economia e passou a usar com maior
robustez instrumentos de desoneração tributária sobre investimento e consumo, é
executada no mesmo período em que o CNDI é desativado. No período posterior, entre
2011 e 2014, entra em vigência o PBM, em que o uso de desonerações sobre consumo e
folha de pagamentos foi ainda maior, abrangendo mais de 55 setores da economia e
26

sendo um fator decisivo para que, ao final do período, o Estado brasileiro se deparasse
com sérios problemas fiscais.

A análise do caso brasileiro, dessa forma, reforça argumentos bastante


difundidos na literatura sobre política industrial, os quais enfatizam o papel
determinante de arenas de interlocução público-privado para o sucesso ou o fracasso de
uma política industrial. Reforça-se que a representatividade, a presença de altos escalões
governamentais e a presença de agentes em posições diversas, que favoreçam o controle
de uns sobre os outros, são fatores cruciais para se consolidar deliberações baseadas no
espírito público e em visões de desenvolvimento de longo prazo. Na ausência desses
fatores, provavelmente a adesão governamental ou dos agentes da sociedade civil será
comprometida. Nesse caso, seria difícil conceber trocas informacionais e coordenação
de interesses e ações suficientes para dar encaminhamento e efetividade às deliberações.

Bibliografia
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