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U
N U brasileira: compreendendo as
fragilidades do cooperativismo
Novos Territórios
brasileiro
BRASILIAN AND ORGANIZATIONAL CULTURE IN COOPERATIVES:
UNDERSTAND BRAZILIAN CO-OPERATIVISM FRAGILITIES
RESUMO
Cultura organizacional é um tema muito pouco explorado nos campos prático e teórico
em cooperativas, mas de grande relevância para a gestão deste tipo de organização.
Procura-se compreender que elementos teóricos da cultura brasileira podem servir de
referência para analisar a cultura nas organizações cooperativas. A metodologia está
fundamentada no método comparativo de análise teórica, a partir da definição de
categorias analíticas que servem de referência para caracterizar a cultura brasileira, e
nos princípios universais do cooperativismo como categorias que servem para
caracterizar a estrutura da organização cooperativista. Parte-se do pressuposto de que
os princípios universais do cooperativismo não são suficientes para estabelecerem
vínculos identitários entre seus membros, recorrendo-se aos valores da cultura brasileira
para estabelecer laços de sociabilidade. Portanto, pode-se afirmar que os princípios
cooperativistas terão êxito à medida que o contexto cultural esteja mais próximo da
democracia, especialmente a democracia participativa ou deliberativa.
ABSTRACT
Organizational culture is a very little teme explored in the practical and theoretical fields
in cooperative organizations, but of great relevance for the administration of
cooperatives. It tries to understand that theoretical elements of brazilian culture can be
served as reference to analyze the organizational culture in cooperatives. The
methodology is based on comparative method of theoretical analysis as from the
definition of analytic category that serve as reference to analyze the brazilian culture and
the beginnings of cooperativism that serve to characterize the organizational culture in
cooperatives. It brakes of the presupposition that universal beginnings of cooperativism
is not enough it goes us to establish entails associative among yours members, putting
into practice the brazilian culture values to establish sociability entals.Therefore, it’s
possible to make sure that the beginnings of cooperativism have successfully as much
as that the culture context to be nearly to the democracy, especially the participative
democracy.
INTRODUÇÃO
foram muito permeáveis aos valores da cultura local e global. Nesse sentido,
devem-se compreender as cooperativas e a sua cultura como produtos e
produtoras da sociedade. Assim, aquele que é associado a uma organização
cooperativa é o mesmo indivíduo que constitui a sociedade, que contribui para
sua formação cultural e, ao mesmo tempo, é influenciado por ela. Levando-se
em consideração esses aspectos, procura-se explorar os elementos teóricos
que podem servir de referência para analisar a cultura em cooperativas a partir
da cultura brasileira, apesar de ser uma organização estruturada com base em
princípios universais de cooperação (adesão voluntária e livre; gestão
democrática; participação econômica dos
sócios; autonomia e independência; educação, formação e informação;
intercooperação; preocupação com a comunidade). Parte-se do pressuposto
que esses princípios universais do cooperativismo não são suficientes para
estabelecerem vínculos associativos entre os membros de uma organização
cooperativa, no sentido de formarem sua identidade.
Tendo em vista estas considerações, levantam-se as seguintes questões: que
elementos teóricos da cultura brasileira podem contribuir para compreender a
cultura nas cooperativas? Que tipo de cultura cooperativista está sendo
formado no seio do cooperativismo brasileiro, tendo em vista as contradições
entre os princípios cooperativistas universais e os valores da cultura brasileira?
Estas são indagações que procuram orientar a reflexão teórica que ora se
propõe. Neste sentido, identificar os valores que formam a cultura de uma
sociedade é o primeiro passo para se conhecer o associado da cooperativa,
sua cultura e a cultura de sua organização.
A metodologia utilizada neste artigo está fundamentada no método comparativo
de análise teórica, a partir da definição de categorias analíticas que servem de
referência para caracterizar a cultura brasileira, por um lado, e os princípios
universais do cooperativismo como categorias que servem para caracterizar a
estrutura das cooperativas, por outro lado. Temos, assim, uma matriz
comparativa entre valores da cultura brasileira e os princípios universais do
cooperativismo, como pode ser observado no Quadro 1.
Quadro 1. Matriz comparativa entre valores da cultura brasileira e princípios
universais do cooperativismo
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3.1. Hierarquia
A hierarquia é um traço característico da cultura brasileira que expressa a
tendência à centralização do poder, ao distanciamento nas relações entre
diferentes grupos sociais e passividade e aceitação dos grupos inferiores.
Segundo Freitas (1997), a família patriarcal foi a responsável pela colonização
agrária no Brasil, estabelecendo um poder aristocrático quase ilimitado. Assim,
é possível perceber o poder centralizado na figura do patriarca e a idéia da
normalidade do poder, da respeitabilidade e da obediência irrestrita. Como
resultado dessa forma de colonização o modelo moral apresenta-se quase que
inflexível, pois regula as relações entre governantes e governados, definindo as
normas de dominação, conferindo a centralização de poder nas mãos de
governantes e subordinação aos governados.
Nesse aspecto, DaMatta (1990) é um dos autores que apresentou uma rica
contribuição, ao analisar o rito do “Você sabe com quem está falando?” Para
ele, esse rito é revelador do lado hierárquico de nossa sociedade e um recurso
de “nosso formalismo (o Caxias) e da nossa maneira velada (e até hipócrita) de
demonstração dos mais violentos preconceitos” (p.147). Essa expressão é,
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3.2. Patrimonialismo
Aliado à hierarquia, o patrimonialismo representa a apropriação privada dos
recursos do Estado e está associado à distribuição desigual de poder e
riqueza, ao abandono dos setores mais pobres e impunidade das elites.
Segundo Silva (2003), a apropriação privada dos recursos do Estado pode
ocorrer por parte dos políticos, através de funcionários públicos, por meio de
fiscalização e propinas, e pelo setor privado com licitações e contratos
superfaturados.
Como traço principal da cultura política brasileira, Vianna (1974) destaca o
“privatismo” e o “personalismo”, formadores de uma psicologia política, parte
das heranças coloniais e da tradição do subconsciente coletivo do país desde
os primórdios da sua história e que subsistem nas estruturas locais,
envolvendo as "elites superiores", interferindo na formação e no funcionamento
dos governos. Observa-se a existência de uma solidariedade circunscrita aos
valores e interesses dos governantes, expressões de despotismo e
personalismo de senhores rurais.
O fato é que a formação social se processou dentro do mais extremado
individualismo familiar. É claro que de tudo isto outra coisa não se poderia
esperar senão este traço cultural tão brasileiro, caracterizado pela
despreocupação do interesse coletivo, pela ausência de espírito público, de
espírito do bem comum, de solidariedade comunal e coletiva e pela carência de
instituições corporativas em prol do interesse do ‘lugar’, da ‘vila’, da
‘cidade’(Vianna, 1974).
3.3. Formalismo
O formalismo é um traço cultural muito comum no Brasil, especialmente,
quando se trata das leis e de seu cumprimento. O formalismo representa uma
maneira tácita de aceitar normas e regras, mas com uma prática distorcida, ou
seja, cria-se à prática do faz de conta, expressa simbolicamente pelo ditado “é
para inglês ver”. Segundo Silva (2003), o formalismo é uma discrepância entre
a conduta e as normas prescritas.
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3.4. Personalismo
Para DaMatta (1990), a sociedade é caracteristicamente uma sociedade
fundada no personalismo, ou seja, nas relações pessoais que orientam o
comportamento individual e coletivo. Tais relações são resultados dos
sentimentos de afeto, respeito, cordialidade e consideração que aproximam
uma pessoa da outra, formando uma verdadeira rede social que subordina e
condiciona o indivíduo.
Segundo Freitas (1997), a sociedade brasileira está baseada nas relações
estabelecidas entre pessoas, famílias e grupos de parentes e amigos e não à
figura do cidadão, do indivíduo moderno. Segundo este autor, estas relações
ultrapassam a esfera social para as esferas jurídicas e políticas, uma vez que
institucionalizou em nossas leis um complexo conjunto de intermediações que
privilegiam indivíduos segundo critérios que variam de acordo com suas
relações. Além disso, a obediência total às leis representa um grande
anonimato e inferioridade nessa rede de relações e privilégios.
DaMatta (1990) considera que no caso das leis gerais e da repressão,
seguimos sempre o código burocrático ou a vertente impessoal, universalizante
e igualitária do sistema - caracterizando assim o individuo. Por outro lado,
seguimos o código das relações e da moralidade pessoal, tomando a vertente
do “jeitinho, da malandragem” e da solidariedade como eixo de ação -
caracterizando a pessoa. De acordo com o autor a categoria pessoa expressa
tratamento especial e de solidariedade, mas a categoria do indivíduo, ao
contrário, deve seguir as leis, ou seja, são para ele que as normas e a
repressão foram feitas. DaMatta (1990), afirma que essas duas noções ou
categorias, indivíduo e pessoa, convivem no mesmo contexto de modo
simultâneo. Ele caracteriza o Brasil como um país onde temos um código
ligado à moral pessoal, à aristocracia, à hierarquia, em que o foco é baseado
em um sistema de pessoas que se concebem como complementares, sendo
esta complementariedade necessária para compor a vida social.
3.5. O Jeitinho
Para DaMatta (1990) o “jeitinho brasileiro” é um mecanismo social apreendido
como um “quebra-galho” que independe da educação, status social e renda.
Representa flexibilidade, adaptabilidade e é um meio de navegação social.
Quando levado ao extremo se torna a “malandragem”.
Segundo Freitas (1997), a malandragem representa o apelo para as relações
pessoais e para a intimidade do outro, tentando criar uma saída entre o
impessoal e o pessoal. Esta saída intermediária entre o pessoal e o impessoal
é conhecida como “o jeitinho”. Neste sentido, o malandro seria o mestre da arte
do “jeitinho”, ou seja, aquele indivíduo flexível que consegue adaptar-se às
mais diversas situações é dinâmico e criativo, esperto e difícil de ser enganado.
Barbosa (1992), em sua pesquisa para explicar o significado do jeitinho no
interior da sociedade brasileira apresentou um quadro comparativo entre as
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Malandro Jeitinho
Ser que se situa dentro da classificação Instituição não legal, mas paralegal.
nativa entre o honesto e o marginal.
Vive sempre do e no presente. Não tem um Não é uma forma de ação social
projeto de vida definido. planejada. Surge e é utilizada a partir
da situação.
3.6. Estrangeirismo
O estrangeirismo é outro traço da cultura brasileira que corresponde ao
comportamento social que tem como orientação o valor de fixação pelo
estrangeiro, no sentido de subestimar os próprios valores e desvalorizar a
cultura nacional. Este traço é muito conhecido popularmente pelo ditado “santo
de casa não faz milagres”. Para Freitas (1997) o estrangeirismo é um traço
característico da crença no poder de outras pessoas que estão distantes da
realidade vivida pelo grupo para resolver seus problemas. Vale ressaltar que o
estrangeiro não é, necessariamente, alguém que ou figuras que são do
exterior. O termo se refere ao modelo da metrópole em relação ao interior, ao
sul em relação ao norte e assim por diante. Este traço pode levar a
desqualificação da identidade, cultura local e gerar comodismos, tornando os
indivíduos mais espectadores do que ativos em situações de transformações e
inovações.
3.7. Aventureiro
O valor cultural “aventureiro” corresponde à aversão ao trabalho manual ou
metódico, no sentido da pessoa ser mais sonhadora do que disciplinada. Este
traço da cultura brasileira foi utilizado por Sérgio Buarque de Holanda, em seu
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Princípios Cooperativistas
Estatuto de Congressos da Aliança Cooperativa Internacional
1844 i
1937 (Paris) 1966 (Viena) 1995 (Manchester)
(Rochdale)
1. Adesão Livre a) Princípios 1. Adesão Livre 1. Adesão Voluntária e
2. Gestão Essenciais de (inclusive Livre
Democrática Fidelidade aos neutralidade 2. Gestão Democrática
Pioneiros política, religiosa,
3. Retorno Pro racial e social) 3. Participação
Rata das 1. Adesão aberta Econômica dos Sócios
Operações 2. Controle ou 2. Gestão
Democrática 4. Autonomia e
4. Juro Limitado Gestão Democrática Independência
ao Capital 3. Retorno Pro-rata 3. Distribuição das
Sobras: 5. Educação, Formação
investido das Operações e Informação
5. Vendas a 4. Juros Limitados a) ao
desenvolvimento 6. Intercooperação
Dinheiro ao Capital
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Por outro lado, para Crúzio (2000), este princípio tem como finalidade
disciplinar a admissão de novos associados à cooperativa, ou seja, deve haver
compatibilidades de objetivos do interessado com os da cooperativa sem o
caráter discriminatório. Para este autor, a adesão voluntária e livre pode servir,
ainda, como um mecanismo de filtragem pelas cooperativas para admissão de
seus associados, proporcionando um ambiente favorável às discussões de
interesses comuns.
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3.6. Intercooperação
Segundo Crúzio (2000), por meio deste princípio a cooperativa busca a
integração com outras cooperativas trocando informações e/ou experiências
com cooperativas do mesmo segmento, levando em conta a produção, a
comercialização e a prestação de serviços gerais para seus associados e/ou
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
i Os Princípios Essenciais de Fidelidade aos Pioneiros eram obrigatórios para a adesão à ACI,
enquanto os Métodos Essenciais de Ação e Organização tinham apenas caráter de orientação
(SCHNEIDER, 1999).
ii Cultura do silêncio é um termo utilizado por Paulo Freire para analisar a situação de dependência
em que se encontram aquelas pessoas proibidas de ser, de participar, de transformar sua própria
realidade e, por isso, acham-se mudas ou semimudas. Veja Freire (1982) Ação cultural para
liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
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