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VÍRUS: O INIMIGO PÚBLICO NÚMERO 1

Do mais banal resfriado ao flagelo da AIDS, o culpado é sempre a mesma criatura: o vírus
Lúcia Helena de Oliveira

O maior inimigo da vida não mede mais que trinta milionésimos de milímetro.
Causa gripe, sarampo, paralisia infantil, varíola, AIDS – entre muitas outras agressões à
saúde. Esse inimigo é tão peculiar que, além de microscópico, tem um lado vivo e um
lado morto.
Como não se alimenta nem respira nem produz coisa alguma, não faz parte do
mundo dos vivos. Mas, como é formado por um material genético básico – o ácido
nucleico – e é capaz de multiplicar-se, não se pode negar-lhe a condição de criatura
viva. Essa criatura é o vírus, cuja única razão de existir parece ser a própria reprodução.
Para isso, aproveita-se dos mecanismos das células onde se hospeda. Depois as
sacrifica.
O vírus surgiu antes do homem, vencendo todos os obstáculos naturais à seleção
das espécies. E ainda vence muitas batalhas na guerra sem quartel que a ciência
moderna lhe move. São conhecidas cerca de mil espécies diferentes de vírus,
responsáveis por 60 por cento das doenças em animais e plantas. A cada passo
descobre-se a presença de vírus onde não se suspeitava.
Em 1980, por exemplo, o imunologista norte-americano Robert Gallo – um dos
descobridores do vírus da AIDS- identificou um vírus, existente no Japão, na África e
nas Ilhas do Caribe, que causa leucemia. Não é um caso isolado: sabe-se que cerca de
40 vírus tem a ver com certos tipos de câncer. O vírus pode até atacar a mente humana.
Assim como a varíola, as doenças viróticas em geral permaneceram um mistério
até a invenção do microscópio eletrônico na década de 40. Com seus raios luminosos, o
equipamento permite ver o vírus. Mas o homem desconfiava da existência do vírus
antes de conseguir enxergá-lo.
Em 1892, 0 microbiologista russo Dmitry Ivanovsky (1864-1920), ao estudar
uma doença na planta do tabaco, ficou espantado ao verificar que, injetando a seiva
filtrada de uma planta doente em outra sadia, esta última também adoecia.
Os vírus - palavra que em latim significa veneno - foram isolados e fotografados
pela primeira vez na década de 50. Desde então, a pesquisa na área da virologia
caminha em ritmo acelerado. Logo se descobriu que se trata de entes ao mesmo tempo
primitivos e sofisticados, diante dos quais o organismo também revelou uma
surpreendente capacidade de defesa. Na presença do vírus o corpo transforma-se em
campo de batalha. E, como em toda guerra, a vitória costuma ser de quem tem a melhor
estratégia. Cada vírus tem a sua. Por isso, em virologia, cada caso é um caso.
Um organismo pode ser comparado a uma fábrica de luvas: produz desde luvas
microscópicas até gigantes, com diferenças milimétricas entre um tamanho e outro.
Cada luva - ou anticorpo - veste perfeitamente um vírus ou antígeno - e só aquele.
Muitos anticorpos vivem e morrem ingloriamente sem encontrar o antígeno para o qual
foram feitos e travar com ele uma batalha de vida ou morte. Não se trata, porém de um
desperdício da natureza: para o organismo é melhor ter um de cada a ter vários só de
alguns.
Se assim é, qual a vantagem de se vacinar contra uma doença para a qual já se
tem defesa? A vantagem está na velocidade. Ou memória, como dizem os virologistas.
A vacina é composta sempre de vírus inativados (mortos) ou atenuados (um segmento
do vírus). Se fosse composta de vírus ativos e inteiros, a pessoa vacinada pegaria a
doença, o que seria um contra-senso. A função da vacina é chamar a atenção do
anticorpo que, despertado, briga com o “falso vírus” da vacina — o suficiente para ter na
memória (dai o termo) a estratégia adequada quando entrar em cena um vírus autêntico:
uma forma de multiplicar-se rapidamente para defender o organismo a tempo.
Chegar a tempo significa combater o vírus antes que ele alcance o núcleo da célula,
quando domina a situação. Todo vírus é um especialista, tem preferência por
determinado tipo de célula. Assim, o vírus da hepatite sai em busca das células do
fígado; o vírus do resfriado prefere as células do aparelho respiratório. Essa
especialização se deu ao longo da evolução: o capsídio que envolve o ácido nucleico do
vírus se encaixa perfeitamente apenas na cavidade de um único tipo de célula.
Desprevenida, a célula recebe o vírus amigavelmente, sem perceber que ele, tão
parecido com ela mesma é um estranho cheio de más intenções. Assim, o hóspede,
hipócrita e insidioso, trai o anfitrião: corre para o núcleo, uma espécie de cérebro da
célula, e lhe toma os comandos. A célula passa a fabricar compulsivamente mais e mais
vírus, até que de tão cheia ela estoura e os filhotes invadem as células vizinhas.
O vírus da AIDS é ainda mais mutante que o da gripe. Cada geração não dura
sequer um mês. Portanto, para se produzir uma vacina contra ele, seria preciso saber
qual a sua próxima forma. “A vacina”, explica Vranjac, “só é eficaz quando tomada
antes”. É isso o que mais intriga nos vírus, estão sempre prontos a trocar de máscara e
nos enganar de novo.

http://super.abril.com.br/saude/virus-o-inimigo-publico-numero-1/

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