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(semana 1 do curso)
8 de Janeiro de 2014
1 Conjuntos e funções
Neste curso procuraremos fundamentar de forma precisa os fundamentos
mais básicos do Cálculo. Para fazer isto com todo o rigor, terı́amos que em
primeiro lugar apresentar de forma adequada toda a Teoria de Conjuntos: de
fato, todo objeto matemático que apresentarmos nestas notas será descrito
por conjuntos, de uma forma ou de outra. Não teremos tempo de seguir
esta abordagem ideal no curso, mas procuraremos esclarecer alguns pontos
relacionados nestas notas.
X=Y: ∀x : x ∈ X ⇔ x ∈ Y
∗
IMPA, Rio de Janeiro, RJ, Brazil, 22430-040.
1
O sı́mbolo ∀ significa “para todo”e ⇔ significa “se e somente se”.
1
Da mesma forma, X ⊂ Y se todo elemento de X é também elemento de Y .
Em sı́mbolos:
X⊂Y: ∀x : x ∈ X ⇒ x ∈ Y.
Intuitivamente, um conjunto X representa uma coleção de elementos. Existe
uma coleção vazia, simbolizada por ∅, tal que
∀x : x 6∈ ∅.
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Um livro de Teoria de Conjuntos contornaria este problema – e faria jus
à nossa afirmação de que tudo é conjunto – através da seguinte derfinição 3 .
De que forma isto corresponde à ideia intuitiva? Veja que, por um lado,
se f e função o conjunto
Gf ≡ {(a, f (a)) : a ∈ A} (chamado de gráfico de f )
satisfaz a definição acima, pois a cada a ∈ A corresponde um único b (que é
o b = f (a)).
Por outro lado, dado G ⊂ A × B que satisfaz (1), podemos tomá-lo
como o gráfico de alguma f descrita pela seguinte “regra abstrata”: se
queremos saber quem é f (a), procuramos o único par (a, b) ∈ G contendo a
e concluı́mos b = f (a). Dito de outro modo, G é uma tabela que nos diz o
valor de f (a) para cada a ∈ A.
No final das contas, o que vimos é que o conceito intuitivo de função en-
contra uma expressão rigorosa dentro da Teoria de Conjuntos. Este mesmo
princı́pio se aplica a essencialmente todos os outros conceitos da Matemática.
Na maior parte do tempo trabalharemos como se o conceito intuitivo fosse
verdadeiro, retornando apenas ocasionalmente à definição formal.
3
• injetiva se para quaisquer a, c ∈ A, “a 6= c”⇒“f (a) 6= f (c)”;
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2.2 Cardinalidade de conjuntos finitos
Definição 3 (Cardinalidade) Seja X um conjunto finito. A cardinali-
dade de X, denotada por |X|, é definida como |X| = 0 se X = ∅ e |X| = n se
n ∈ N é o menor natural para o qual existe uma função injetiva f : X → [n].
(Este valor existe porque o conjunto dos n ∈ N tal que existe tal injeção não
é vazio, posto que X é finito.)
Prova: Note que a função identidade é uma injeção de [m] em [m], logo
|[m]| ≤ m.
Resta provar que não podemos ter |[m]| < m. Dito de outro modo,
queremos provar que todo número natural n ∈ N satisfaz a seguinte propri-
edade:
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a [m − 1] é injetiva e tem imagem contida em [n + 1]\{n + 1} = [n]. No en-
tanto, como [n] satisfaz P(n), isto implica que m−1 ≤ n, ou seja, m ≤ n+1.
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Corolário 1 Se A e B são finitos, então há uma função injetiva f : A → B
se e somente se |A| ≤ |B|; e vice-versa.
Exercı́cio 3 Mostre que |A| < |B| sempre que A ⊂ B com B finito e A 6=
B.
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Prova: Seja X infinito enumerável e seja f : X → N uma função injetiva
que atesta isto. Chame de J a imagem de f . Como f é injetiva, X e J estão
em bijeção (dito de outro modo, quando restringimos o contradomı́nio de f
a sua imagem, o que obtemos é uma bijeção.). Em particular, J é infinito.
No restante da prova vamos provar que há uma bijeção entre J e N, o que
implica que há uma bijeção4 entre X e N.
Reiteramos: a partir de agora nosso objetivo é provar que
b: J → N
.
j 7 → b(j) := |[j] ∩ J|
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caso contrário, existiria j ∈ ([j1 ] ∩ J) ∩ {j1 } = [j1 − 1] ∩ J e tal j seria
necessariamente menor que j1 (contradição). Vemos, portanto, que
b(j1 ) = |[j1 ] ∩ J| = |{j1 }| = 1.
Passo indutivo: supondo que n ∈ Imagem(b), provaremos agora que
n + 1 ∈ Imagem(b). Para isto tomamos j ∈ J com b(j) (o que existe pela
hipótese de indução). A ideia é que o “próximo elemento” de J será levado
em n + 1.
Sendo mais precisos, notamos que J 6⊂ [j], posto que J não é finito, de
modo que J\[j] não é vazio. Seja k o menor elemento de J\[j]. Afirmamos
que b(k) = n + 1. De fato, veja que:
[k] ∩ J = A ∪ B com A := ([j] ∩ J) e B := ({j + 1, . . . , k} ∩ J).
A tem b(j) = n elementos. B contem k (já que k ∈ J) e nenhum outro
elemento, pois qualquer i ∈ {j + 1, . . . , k − 1} ∩ J seria um elemento de J\[j]
menor do que k. Deduzimos que |B| = 1. Como A e B são disjuntos, o
exercı́cio 4 nos diz que
b(k) = |[k] ∩ J| = |A ∪ B| = |A| + |B| = b(j) + 1 = n + 1.
Portanto n + 1 ∈ Imagem(b), CQD. 2
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Exercı́cio 5 Prove que P(X) é finito se e somente se X é finito.
Teorema 4 Para qualquer conjunto X, não pode existir uma função sobre-
jetiva de X em P(X).
Em particular, isto implica que P(N) não está em bijeção com N. Como
P(N) é infinito (pelo exercı́cio), o Teorema 3 implica que ele não é enu-
merável.
A prova. Dada uma função F : X → P(X), vamos provar que ela não é
sobrejetiva mostrando que existe A ∈ P(X) (isto é, um subconjunto de X)
diferente dos conjuntos F (x) para x ∈ X. De fato, A é definido da seguinte
maneira:
A := {x ∈ X : x 6∈ F (x)}.
Isto faz sentido porque, para cada x, F (x) é um subconjunto de X. No-
tamos ainda que qualquer x ∈ X pertence a um (e apenas um) dos con-
juntos A, F (x). Portanto A 6= F (x) para todo x ∈ X e deduzimos que
A 6∈ Imagem(F ).
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